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1. Cada criança fazia exatamente aquilo que tinha que fazer, aquilo que a professora
mandava, como em qualquer escola.
2. Crianças de várias idades, em estágios distintos, passavam suas manhas sob a
orientação e o olhar amorosa da professora, ciscando conhecimentos ao redor da
mesa como os pintinhos ciscavam nos quadros da outra sala.
. !s novos dados, as d"vidas, as correç#es, tudo era resolvido individualmente, dito
quase num sopro $unto a bochecha, enquanto a mão da professora guiava mãozinhas
gordotas.
%. & a professora, $á toda doce e solicita, debruçava'se para o meu irmão, acomodava'o
na cadeira, enquanto a governanta, segurando firme minha mão, preparava a
despedida...
(. &mpilhou almofadas em uma cadeira, me depositou no alto das almofadas, empurroua cadeira para $unto da mesa, empurrou um caderno quadriculado para a minha
frente. )rovidenciou um lápis.
*. Chamava'se Caterina. & o que aprendi com ela me enche a alma de alegria at+ ho$e.
&la me ensinou a pintar.
. -urante alguns anos serei a aluna mais $ovem do ateli. /alvez a favorita de Caterina.
0ue me chama a min"scula cozinha a pretexto de me dar agua e em vez disso,
escondido dos outros, me dá o sorvete que ela mesma fez. 0ue me convida nas
manhas de domingo, quando não há alunos, e ela pinta enquanto o marido fumacachimbo. 0ue me ensina, pincelada a pincelada, os segredos da profissão.
. Contava'me de seus estudos de pintura, ainda $ovem, da academia de arte onde se
havia formado. & me dizia de quando, ainda tão moca, o primeiro marido a trancava
em casa, por ci"me, e as vizinhas botavam tubos de tinta e solventes na cestinha que
ela descia com um barbante pela $anela. Conversava, largava o cigarro, vinha por trás
do meu cavalete, olhava e, sem interromper a conversa, ia apontando os defeitos, as
soluç#es. s vezes, raramente, pegava o pincel da minha mão e então, como se numa
magica que eu $amais alcançaria, misturava rapidamente as tintas na palheta, e
apenas com um toque aqui e uma pincelada ali iluminava o quadro inteiro, constru3aaquilo que estava mal definido e fosco.
4. &la parava diante de cada um, e me explicava, me mostrava, me dava uma aula.
15. 6as eu havia aprendido a ver criticamente uma exposição, e tinha começado logo por
uma das mais complexas do mundo. )intar um ovo. Coisa de grande delicadeza. 7e
voc o pintar muito branco, me dizia Caterina, vira ovo de gesso. 6as, se meter umas
sombras coloridas, uns reflexos de cor, vira ovo de )ascoa. 8m ovo muito redondo
não e um ovo, e uma bola. 8m ovo perfeitamente oval e de madeira, daqueles de
remendar meias. ! segredo de um ovo pintado está na gentileza do olhar e na firmezado toque.
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11. -ivertia'se usando'me para escandalizar as alunas mais velhas, senhoras que, a
pintar garrafas, preferiam bot#es de rosa.
12. Caterina lançava o mote, um comentário qualquer sobre fidelidade con$ugal, por
exemplo, ou sobre a suposta superioridade dos homens, e pedia minha opinião. 9oprinc3pio eu respondia de maneira inocente, cuidadosa ate, mas a partir de certo
ponto percebi a brincadeira e passei a responder de forma radical, provocativa.
1. /ratava'se, na verdade, de um $ogo entre nos duas, não contra as outras, mas a favor
da nossa cumplicidade, do temperamento libertário que a velha mestra partilhava
com a $ovem aluna.
1%. 8m dia Caterina me disse que estava com vontade de pintar uma serie de quadros de
marionetes. :eliz por poder colaborar, emprestei meu teatrinho. 9unca mais o pedide volta. Com o tempo, ambas nos esquecemos dele. 0ue honra foi para mim ela
gostar dos meus quadros. 0ue prazer ouvi'la comentar o meu trabalho com o mesmo
sutil rigor que me havia ensinado naquelas tardes frias da ;ienal de 7ão )aulo. &la
estava contente de ver que, afinal, nada havia se perdido. &u, feliz de poder oferecer'
lhe essa certeza.