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RESUMO

A presente dissertação tem por objetivo analisar a contribuição do pensamento

marxiano e da tradição marxista na produção educacional brasileira que emerge em

meados da década de 1970, em meio ao processo de rearticulação das forças de

oposição ao regime militar instaurado em 1964. Faz um relato contextualizado sobre a

politização e participação do meio acadêmico no período de redemocratização do país,

tecendo considerações sobre a recepção das idéias marxistas no Brasil e a influência

desta matriz teórico-política na produção especificamente voltada para a educação.

ABSTRACT

The dissertation’s objective is to analyze the contribuition of Marxist thought and of the

Marxist tradition in the Brazilian educational production that emerged during the second

half of the 70’s, in the midst of a process of rearticulation of opposing forces. It makes a

contextualized account on the politicizing of the academy during the Country’s re-

democratization period, elaborating considerations on the Marxist tradition in Brazil, on

its influence, and on how it is currently used as a theoretical instrumental in education.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Prof. Dra. Mara Regina Martins Jacomeli, pela confiança

depositada em mim desde os primeiros anos de graduação e que me deu a segurança

necessária para investir neste projeto, desenvolver esta pesquisa e concluir esta

dissertação com a consciência de que nada disso seria possível sem a sua participação.

Aos meu pais, Antonio e Lúcia, que tenho como os maiores professores desta

minha vida, nos quais procuro sempre me espelhar, ciente de que nunca estarei à altura

destes mestres formidáveis.

Aos membros da Banca de Qualificação, Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves e Prof.

Dr. José Claudinei Lombardi, pelos valiosos comentários e sugestões que tanto

enriqueceram este trabalho, suprindo algumas das muita lacunas que nele se

apresentam.

À CAPES, pelo apoio financeiro concedido ao longo de dois anos.

Ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação.

Aos meus colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e

Educação no Brasil” – HISTEDBR, Lalo Watanabe Minto, Lidiany Cristina de Oliveira

Godoy, Samantha Lodi Correa, Sandra Maria Barros Alves Melo, Caroline Xavier e

Enio Antonio de Almeida, pelo diálogo sempre enriquecedor.

Às minhas amigas do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de

Campinas/UNICAMP, Patrícia Lopes Fernandes, Aline dos Santos Cassis Guiselini,

Bianca Simeoni, Erica Simioni, Erica Denise Doiche, Monica Furlan Olivatto, pela

alegria do convívio.

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“Quanto ao futuro previsível, teremos que defender Marx e o marxismo dentro e fora da

história, contra aqueles que os atacam no terreno político e ideológico. Ao fazer isso,

também estaremos defendendo a história e a capacidade do homem de compreender

como o mundo veio a ser o que é hoje, e como a humanidade pode avançar para um

futuro melhor” (Eric J. Hobsbawn)

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SIGLAS UTILIZADAS

AAAS – AMERICAN ASSOCIATION FOR THE ADVANCEMENT OF SCIENCE ABE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO ABI – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA ADUSP – ASSOCIAÇÃO DE DOCENTES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO AI – ATO INSTITUCIONAL AIE – APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO ALN – ALIANÇA LIBERTADORA NACIONAL ANDE – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE EDUCADORES ANPEd – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AP – AÇÃO POPULAR ARENA – ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL BAAS – BRITISH ASSOCIATION FOR THE ADVANCEMENT OF SCIENCE CAPES – COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PROFISSIONAL DE NÍVEL SUPERIOR CBE – CONFERÊNCIA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO CEB – COMUNIDADE ECLESIAL DE BASE CEBRAP – CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO CEDES – CENTRO DE ESTUDOS EDUCAÇÃO E SOCIEDADE CELAM – CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO CEPE – CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO CFE – CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO CNBB – CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL COLINA – COMANDO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL CPC – CENTRO POPULAR DE CULTURA

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DOI-CODI – DESTACAMENTO DE OPERAÇÕES DE INFORMAÇÕES – CENTRO DE OPERAÇÕES DE DEFESA INTERNA ENE – ENCONTRO NACIONAL DOS ESTUDANTES IESAE/FGV – INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM EDUCAÇÃO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS FFCL-USP – FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ISEB – INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS SOCIAIS BRASILEIROS MDB – MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA MR-8 – MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO OITO DE OUTUBRO OAB – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL ORM-POLOP – ORGANIZAÇÃO REVOLUCIONÁRIA MARXISTA/POLÍTICA OPERÁRIA PCB – PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL/ PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO PCBR – PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO REVOLUCIONÁRIO PC do B – PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL PCR – PARTIDO COMUNISTA REVOLUCIONÁRIO PCUS – PARTIDO COMUNISTA DA UNIÃO SOVIÉTICA PDS – PARTIDO DEMOCRÁTICO SOCIAL PDT – PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA PP – PARTIDO POPULAR PT – PARTIDO DOS TRABALHADORES PTB – PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO PTA – PARTIDO DO TRABALHO DA ALBÂNIA PUC/RJ – PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO PUC/SP – PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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SENAC – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL SENAI – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL SENAR – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL SBPC – SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE UFRGS – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL UFSCar – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS UFMG – UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS UNICAMP – UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS USAID – UNITED STATES AGENCY FOR INTERNATIONAL DEVELOPMENT USP – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO VPR – VANGUARDA POPULAR REVOLUCIONÁRIA

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1

1. O ACÚMULO DA DISCUSSÃO MARXISTA NO BRASIL ....................................9

2. A EFERVESCÊNCIA ACADÊMICA NO CAMPO EDUCACIONAL NAS

DÉCADAS DE 1970-1980 .............................................................................................33

2.1. A rearticulação do campo oposicionista no Brasil nas décadas de 1970-1980 .......33

2.2. A produção acadêmico-educacional nas décadas de 1970-1980 .............................48

3. A PRODUÇÃO ACADÊMICA DE INSPIRAÇÃO MARXISTA NAS DÉCADAS

DE 1970-1980 .................................................................................................................61

3.1. As primeiras produções acadêmicas de inspiração marxista ...................................62

3.2. A produção acadêmica vinculada ao Programa de Pós-Graduação da PUC/SP: o

primeiro grupo de doutorandos .......................................................................................81

3.3. A produção acadêmica de influência marxista subseqüente à criação do Programa

de Pós-Graduação da PUC/SP ......................................................................................101

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................109

BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................113

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INTRODUÇÃO

Em meados da década de 1970, surge uma produção educacional no Brasil cuja

tônica é sua forte inserção histórica, marcada inicial e fundamentalmente pela crítica

aos governos militares que se sucederam ao golpe de abril de 1964. Um exame

sumário da literatura referente à produção cultural desse período nos permite verificar

que não se trata de um fenômeno fortuito: a entrada dos anos 1980 é configurada pela

emergência “de um novo pensamento social de oposição, explicitamente reclamando-

se de esquerda” (Netto, 1990, p. 103). Embora não fosse a única matriz teórico-política

a enformar tal elaboração intelectual, é um fato notável o que Pécaut (1990, p. 259)

qualifica de “triunfo do paradigma marxista”, tornando-se um meio de obtenção de

uma identidade coletiva.

Este ‘triunfo’ – obtido graças a um conjunto de fatores de ordem conjuntural –

corresponde ao momento em que os estudos marxistas basicamente limitavam-se ao

âmbito da academia, após um passado diretamente vinculado às organizações

propriamente político-partidárias, caracterizado inicialmente pelo monopólio do

Partido Comunista Brasileiro, passando em seguida pelo ‘vazio’ cultural durante o

período mais árduo da ditadura militar, no bojo do processo de profissionalização da

intelectualidade brasileira. É no interior desse movimento que, em meio ao processo de

abertura política, extrapola o âmbito da contestação ao regime militar, assumindo um

caráter nitidamente anticapitalista, que situa-se o objeto deste trabalho. Ele procura

analisar aquela vertente educacional que, buscando tácita ou explicitamente inspiração

na obra de Marx e na de seus seguidores, desponta e consolida-se nesse período –

recebendo as marcas e enfrentando todas as adversidades que caracterizam aqueles

anos da nossa história recente.

Para investigarmos a incidência do marxismo na produção educacional

brasileira das décadas de 1970-1980 recorremos a um procedimento empregado por

Marx e Engels (1982, p. 14) em “A Ideologia Alemã” segundo o qual

não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou se representam, e

também não se parte dos homens narrados, pensados, imaginados,

representados, para daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos

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homens realmente ativos, e com base no seu processo real de vida representa-

se também o desenvolvimento dos reflexos e ecos ideológicos deste processo

de vida. Também as fantasmagorias no cérebro dos homens são sublimados

necessários dos seus processos de vida material, empiricamente constatável e

ligado a premissas materiais. A moral, a religião, a metafísica e a restante

ideologia, e as formas de consciência que lhes correspondem, não conservam

assim por mais tempo a aparência de autonomia... Não é a consciência que

determina a vida, é a vida que determina a consciência. No primeiro modo de

consideração, parte-se da consciência como indivíduo vivo; no segundo, que

corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos vivos reais e

considera-se a consciência apenas como a sua consciência

Em outras palavras, trata-se de aplicarmos os pressupostos marxistas para a

análise da recepção do próprio marxismo pelo pensamento educacional brasileiro, o

que implica em considerarmos esta modalidade de pensamento como um dos

‘discursos’ presentes na produção educacional brasileira em decorrência da “existência

de grupos e classes que generalizam de modo diverso a sua experiência da realidade

global e a sua busca de auto-identidade coletiva” (Coutinho, 1987. p. 40).

Com a sinalização de que não se pretende aqui, resvalar para um mecanicismo

que leve a uma derivação da origem sócio-econômica dos pesquisadores a sua opção

pela abordagem marxista dos problemas educacionais, pode-se conceber a existência

de nexos entre as paixões, opções ideológicas, participação em grupos e instituições,

interesses particulares e a realização de uma trajetória acadêmica identificada com o

marxismo.

Embora a importância do marxismo no período em questão seja perceptível na

influência intensa, extensiva e difusa, exercida sobre uma variada produção teórica de

difícil mensuração até mesmo de fora do campo tradicionalmente reconhecido como

marxista, seria temerário o propósito de realizarmos uma discussão exegética dos

textos educacionais visando a inferência das formas muitas vezes sutis de apropriação

do pensamento de Marx e de seus continuadores. Facilmente poderíamos cair no erro

de atribuir a origem de uma noção ou conceito a Marx quando, na realidade, poderia

ser proveniente de outra fonte. Entraríamos, então, em uma polêmica sem fim. Um

autor como Paulo Freire, por exemplo, que recebe influência do marxismo nos anos

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1970, sem negar as influências cristãs recebidas anteriormente, dificilmente poderia

ser identificado como marxista em sentido estrito. O mesmo acontecendo com outro

autor proeminente no pensamento educacional brasileiro como Rubem Alves, que em

meio a inspirações retiradas das obras de Nietzsche, Freud, Barthes, Kierkegaard e

Santo Agostinho, não recusa a influência de Marx, "... um Marx escondido, mas de

quem empresta a idéia de alienação, uma dialética do indivíduo" (Gadotti, 1987: 55).

Tendo isto em vista, é necessário esclarecermos alguns dos supostos com os

quais trabalhamos aqui, no que refere-se ao entendimento da obra marxiana.

Entendemos, com Ianni (1988, p. 7), que a obra de Marx representa “uma ampla

reflexão sobre o capitalismo que nos permite conhecer as condições de formação,

reprodução e crise do mundo burguês, visto como um todo histórico, transitório”. Esta

forma de entendimento da obra marxiana que coloca ênfase no seu caráter histórico-

ontológico, cujo cerne é a possibilidade de inteligibilidade da sociedade burguesa, ao

mesmo tempo a compreendendo e negando (Ianni, 1988, p. 9), opõe-se tanto àquelas

interpretações oriundas do chamado marxismo oficial que a toma enquanto fundante

de uma concepção de mundo1 quanto às leituras epistemológicas, que buscam em

Marx um “paradigma de explicação do real” (Netto, 1990, p. 92)2.

Embora já utilizado nos embates operários da segunda metade do século XIX

(Haupt, 1983), é com a morte de Engels em 1895 que marxismo passa a designar, sob

a responsabilidade de Kautsky, um ‘sistema de idéias’, uma “doutrina fundada sobre o

materialismo histórico” (Konder, 1992, p. 62). O processo de institucionalização do

marxismo, iniciado assim com a II Internacional, consolida-se no interior da

1 Como concepção de mundo, o marxismo tornar-se-ia capaz de dar conta, cientificamente, do ser tomado em sentido genérico, seja qual fosse a sua modalidade. Este entendimento enseja a sua cristalização como dogma, responsável por não poucos equívocos, seja no campo da produção do conhecimento – como o zdhanovismo, a política científico-cultural do período stalinista, seja no campo propriamente político: “Em pleno período stalinista, agravado pelo zdhanovismo, foi lançada na França uma palavra-de-ordem: ciência proletária contra ciência burguesa. Uma palavra de ordem que – como diziam – era justificada pela situação mundial e transportava para o terreno teórico a luta de classes prática (política) [...]. Exigiam que uma lógica, enquanto tal, apresentasse um caráter de classe. E, se ela não podia ter ou receber esse caráter, então rejeitavam a lógica” (LEFEBVRE, 1975, p.1). 2 Uma vez sua obra sendo concebida como um sistema abrangente, torna-se possível a ela recorrer tanto na busca quanto na chancela de conhecimentos dos mais diversos campos. Tal enciclopedismo imputado a Marx conduz tanto a leituras exegéticas quanto às especializações do saber, com campos adjetivados de marxistas.

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Internacional Comunista, através do domínio da fração estalinista. A partir da década

de 1930, convertido pela autocracia estalinista em marxismo-leninismo, é sancionado

enquanto o marxismo oficial (Netto, 1991, p. 19). Tal codificação do pensamento

marxiano reclama-se detentora de um ‘saber absoluto’, responsável em grande medida

pela paralisia de qualquer tentativa de desenvolvimento dessa matriz de pensamento no

âmbito dos partidos comunistas.

Em um importante estudo no qual procura caracterizar o advento, já no século

XX, do que denomina de ‘marxismo ocidental’, Anderson (1989) tece algumas

considerações elucidativas. Após Marx e Engels, considerados “pioneiros solitários em

sua própria geração” (p. 15), segue-se uma segunda, relativamente restrita, composta

por homens que dedicaram-se ao estudo das concepções marxianas já em estágios

avançados de suas trajetórias, figurando entre os nomes mais preeminentes, além de

Kautsky, Labriola, Mehring e Plekhanov. A produção original mais significativa,

contudo, ficaria a cargo da geração seguinte, composta não mais por ‘herdeiros

imediatos’: Lenin, Rosa Luxemburgo, Hilferding, Trotsky, Bauer, Preobrazhensky e

Bukharin, entre os mais importantes. Enquanto a primeira geração procurava produzir

documentos que apresentassem o ‘materialismo histórico’ de forma sistemática (ao

lado das publicações de originais de Marx e Engels), a geração seguinte enfrentava o

desafio de compreender as transformações do próprio modo de produção capitalista na

passagem do século. Apenas para exemplificar, tomem-se O Desenvolvimento do

Capitalismo na Rússia (1899), de Lenin; O Capital Financeiro(1910), de Hilferding; e

A Acumulação do Capital (1913), de Rosa Luxemburgo.

No primeiro pós-guerra, diante do massacrante domínio do marxismo oficial, o

eixo da produção teórica no campo marxista muda-se, gradativamente, para o ocidente

europeu, principalmente França, Alemanha e Itália. É a época em que despontam

nomes como o de Lukács, Korsch, Gramsci, Benjamin, Horkheimer, Della Volpe,

Marcuse e, alguns anos depois, Lefebvre, Adorno, Sartre, Goldmann, Althusser e

Colletti. Não é possível – nem é nosso objetivo aqui – fazer uma discussão acerca dos

contributos ou dos problemas das obras desses autores. O que nos importa aqui é a

trajetória do marxismo pós-Marx: a partir da constituição do marxismo oficial

(marxista-leninista), a reflexão deixa de ter espaço no interior dos partidos comunistas

e, mais do que isso, os intelectuais a ele vinculados passam a ter sua produção

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colocada a serviço dos interesses doutrinários do partido. Ao lado do marxismo oficial,

entretanto, emerge um conjunto bastante disperso de intelectuais, muitas vezes sem

vinculação orgânica que, apesar de todas as dificuldades, foi responsável pelo avanço

das investigações dentro do campo marxista nesse período.

É notória, a partir das considerações anteriores, a dificuldade presente na tarefa

de definir precisamente o que vem a ser marxismo. Ao rejeitarmos a mistificação do

marxismo oficial, deparamo-nos com uma produção bastante variada e não raramente

colidente que nos obriga a considerar a existência não de um, mas de diversos

marxismos – ou, mais precisamente, de uma tradição marxista, como gostam alguns,

“composta por desenvolvimentos, desdobramentos, acréscimos, reduções, revisões,

interpretações, etc., em face da sua fonte original” (Netto, 1991, p. 18). Portanto, ao

tratarmos sobre as especificidades do marxismo presente na produção educacional

brasileira das décadas de 1970-1980, levamos em consideração a idéia de que “não

existe um único marxismo, mas sim muitos marxismos, freqüentemente empenhados

(como se sabe) em ásperas polêmicas internas, a ponto de negarem uns aos outros o

direito de se declararem marxistas” (Hobsbawn, 1983, p. 14). No Brasil, esta disputa

pelo monopólio da abordagem marxista mencionada pelo historiador inglês pode ser

exemplificada pela afirmação feita por Dermeval Saviani (1984, p. 288) a respeito do

pioneirismo do grupo de doutorado da PUC/SP:

em um texto escrito em novembro de 1969 para servir de conclusão à cadeira

de filosofia da educação que então ministrava no curso de pedagogia da

PUC/SP, esbocei uma primeira tentativa de encaminhar dialeticamente o

problema dos objetivos e meios da educação brasileira... Num trabalho cuja

redação se completou em 1971, me posiciono metodologicamente em termos

dialéticos, embora ainda sob influência da fenomenologia. Progressivamente,

creio ter logrado ultrapassar esta influência elaborando, de forma cada vez

mais orgânica, a perspectiva dialética da filosofia da educação entendida em

termos histórico-críticos. É, porém, ao findar a década de 70 que a

preocupação com a perspectiva dialética ultrapassa, na filosofia da educação,

aquele empenho individual de sistematização e se torna objeto de esforço

coletivo. Talvez o marco objetivo dessa passagem possa ser identificado na

tese de doutoramento de Carlos Roberto Jamil Cury, Educação e

contradição: elementos para uma teoria crítica do fenômeno educativo,

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defendida em outubro de 1979, tese esta que, enquanto era produzida, foi

objeto de discussão sistemática no interior do Programa de Doutorado em

Educação da PUC-SP. Penso que, a partir daí, é possível situar com nitidez a

presença da concepção dialética na filosofia da educação brasileira...

Independentemente de concordarmos ou não com esta citação, o fato de um

autor manifestar publicamente sua obra como preeminente comprova a existência de

‘marxismos’ na produção educacional brasileira do período.

Levando-se em conta que a produção educacional brasileira acima identificada

como marxista por Saviani foi realizada no âmbito das faculdades de educação do país,

notadamente nos departamentos de História e Filosofia da Educação, em um contexto

político no qual o marxismo era o inimigo priorizado pela chamada ideologia de

segurança nacional do regime iniciado com o golpe de 1964, nosso estudo procura

responder por que esta influência do marxismo no pensamento educacional brasileiro

não se propaga anteriormente, ficando restrita a um pequeno grupo de intelectuais,

uma vez que esta modalidade de reflexão aparece no Brasil ainda no século XIX; e

também por que esta incorporação do marxismo ocorreu justamente a partir de 1969,

após a Reforma Universitária que tinha como um de seus objetivos sufocar suas

possibilidades de desenvolvimento.

No primeiro capítulo deste estudo, são traçadas as linhas gerais do evolver da

divulgação e recepção das idéias marxistas no Brasil. Entendemos que a história da

recepção do marxismo no Brasil permite-nos compreender em que estágio esta linha

de pensamento encontrava-se quando passa a ser empregada pelos educadores e

explica o porque do tardio emprego dessa matriz teórico-política por parte daqueles

que pensavam a educação no país.

O segundo capítulo tem por objetivo situar o embate entre as forças

oposicionistas e o Estado no período em discussão, incluindo a organização do campo

educacional propriamente dito, onde entrecruzam-se a reativação de eventos e

entidades em âmbito nacional, a dinamização editorial e a implantação da pós-

graduação na área.

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Por fim, o terceiro capítulo trata da produção marxista na educação1: a forma

como nela se realiza a incorporação das idéias marxistas e suas implicações para o

pensamento educacional do período. Aqui busca-se rastrear o percurso dessa produção,

examinando primeiramente a produção que antecede o momento mais profícuo do

aporte marxista, sob o peso ainda das teorias reprodutivistas; em seguida é abordada a

produção educacional do programa de doutorado da PUC/SP, principal via de

introdução sistemática do pensamento marxista na educação e centro do debate

educacional do período examinado; finalizando este capítulo, são examinados os

desenvolvimentos da produção educacional marxista, subseqüente ao programa da

PUC/SP, tendo como referência os diferentes padrões de vinculação com as fontes

marxistas e suas conseqüências para a reflexão educacional.

1 Das fontes possíveis de consulta – livros, periódicos, anais de eventos científico-profissionais e dissertações acadêmicas – foram selecionadas para exame, prioritariamente, as duas primeiras. A última foi eliminada em virtude de uma parte substancial dessa produção ter sido transformada em livros, publicada em periódicos ou apresentada em eventos científicos. Ademais, julgou-se mais significativo o exame do material que estivesse ‘socializado’ por uma modalidade de publicação que transcendesse o circuito estritamente acadêmico. De forma análoga, os anais de eventos científicos não foram examinados diretamente, mas somente a partir de inserções nos periódicos. Uma parte significativa dos temas tratados nos eventos, aliás, é abordada nesses periódicos, não raramente com a publicação das íntegras das próprias intervenções dos autores.

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1. O ACÚMULO DA DISCUSSÃO MARXISTA NO BRASIL

Abordar a incidência marxista no específico campo educacional exige que

situemos, ainda que de maneira sucinta, o acúmulo da discussão marxista no Brasil. As

grandes linhas desse processo podem ter como marco inicial a Revolução Russa, de

outubro de 1917. Existem alguns estudos que procuram rastrear, na literatura da época,

referências acerca da penetração do pensamento de Marx e Engels no Brasil no

período anterior à segunda década do século XX. Dentre eles, Carone (1986), Konder

(1988) e Moraes Filho (1991).

Com uma economia escravocrata, baseada no braço negro, constituída de

grandes latifúndios de culturas extensivas, destinando seus produtos à exportação, país

essencialmente agrícola, sem centros urbanos nem população industrial ativa, com

altíssima taxa de analfabetismo, seria raro, para não dizer estranho, o conhecimento e a

disseminação das idéias de Marx por aqui. Somente em 1888, cinco anos após a morte

de Marx, é que a escravidão foi abolida no Brasil – último país da América Latina a

fazê-lo. Portanto, durante toda a sua vida (Marx nasceu em Trier, na Alemanha, no ano

de 1818 e veio a falecer em Londres, no ano de 1883), o Brasil viveu da escravidão de

índios e negros, sobretudo destes últimos, tido como coisas, regidos como tais e assim

considerados patrimônios ou propriedades dos senhores, que deles podiam dispôr

como bem entendessem. Isso explica porque nem Marx nem Engels chegaram a se

interessar, de fato, pelo Brasil. O país é mencionado pouquíssimas vezes nas obras dos

dois pensadores: aparece citado como sociedade escravista, como economia

fornecedora de matérias-primas ou como país no qual persistem traços de instituições

ou costumes pré-capitalistas.

Das referências apuradas por estes estudos citados anteriormente, as primeiras

que se fizeram ao nome de Marx datam da época da Comuna de Paris: são aquelas que

foram feitas na esteira da repercussão do levante parisiense de 1871. A imprensa

brasileira reproduziu discussões veiculadas na imprensa européia em torno da

Comuna. Discutiu-se na época, por exemplo, sobre o papel que a Associação

Internacional dos Trabalhadores (a “Primeira Internacional”) teria desempenhado na

rebelião dos communards. O Daily News, de Londres, através de seu editorial, tentou

caracterizar a Internacional como uma seita de incendiários. Exilado na capital

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britânica, Marx, um dos principais fundadores e dirigentes da Associação, procurou

defendê-la do ataque que era feito pelo jornal. Em uma nota publicada a 3 de outubro

de 1871 pelo jornal do Partido Liberal – A Reforma – reproduzia o fato (Moraes Filho,

1991, p. 24):

o Sr. Karl Marx, chefe da Internacional, cuja sede é em Londres, acaba de

escrever ao Times, declarando que a asserção apresentada no Daily News

de que a Associação recomendou aos rústicos franceses que incendiassem

os palácios é de todo o ponto falsa, afirmando, outrossim, que todas as

proclamações contendo infames sugestões, publicadas em Paris em nome da

Internacional, depois de 18 de março, são apócrifas.

A nota teria sido escrita pelo poeta e jornalista republicano Joaquim Serra – o

iniciador do movimento abolicionista no Parlamento, em 1879. Coube A Reforma o

pioneirismo de imprimir o nome em letra de forma de Karl Marx no Brasil.

Nos anos que se seguiram à repercussão imediata da Comuna de Paris no

Brasil, a sociedade brasileira viu precipitar a crise do Império e desenvolver a

campanha abolicionista. Na década de 1880, a reivindicação de liberdade para os

escravos negros tornou-se irresistível. A agonia do tráfico negreiro levou a uma

diversificação da atividade mercantil, abriu espaço para uma intensificação no

movimento de entrada de imigrantes no país. Com isso se viabilizava uma primeira

animação da indústria nacional, ainda embrionariamente, no último quartel do século

XIX.

A chegada das idéias de Marx no Brasil, bem como a chegada delas à América,

dependeu, amplamente, do deslocamento dos imigrantes, que vinham da Europa,

atravessavam o Atlântico, para “fazer a América”. Para atender à demanda de mão-de-

obra na agricultura, e também para promover a diversificação das atividades artesanais

e manufatureiras, os governos de diversos países sul-americanos (entre os quais o

Brasil) tomaram medidas destinadas a atrair os imigrantes. Em sua imensa maioria, os

imigrantes não eram socialistas. Uns poucos, porém, conheciam algo do socialismo,

simpatizavam com seus ideais, aprovavam suas doutrinas. Alguns já tinham adquirido

experiência em lutas políticas e sociais travadas nos seus países de origem e vinham

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para cá justamente porque suportavam mal a repressão institucionalizada nas

sociedades em que tinham vivido.

Konder (1988, p. 52) identifica juntamente com o movimento da imigração,

três outros movimentos que podem ser constatados no quadro inicial da recepção das

idéias de Marx no continente: 1 – o dos europeus que vinham ao nosso continente e,

mesmo sem nele fixarem residência, traziam, eventualmente, conhecimentos a respeito

do marxismo e os difundiam aqui, de passagem; 2 – o dos cidadãos sul-americanos que

iam à Europa e, também eventualmente, ouviam falar das concepções de Marx,

entravam em contato com elas e as traziam para cá, quando regressavam da viagem; e

3 – o movimento de importação dos livros, revistas e jornais do “velho mundo”, com

informações relativas ao socialismo europeu.

Aqui cabe lembrar que não é volumosa a produção de Marx e Engels editada

em livro no período. É somente com a fundação do Instituto Marx-Engels, na década

de 1920, que se intensifica a publicação da obra de ambos. Enquanto vivos, Marx e

Engels puderam editar uma pequena parte de sua produção. Sabe-se, pela

correspondência entre ambos, das suas dificuldades em encontrarem editores, como no

caso de A Ideologia Alemã ou de vários outros trabalhos. Mas também há outros dois

fatores, segundo Carone (1986, p. 20) que prejudicaram a publicação de seus livros:

Um é a reação política e social na Europa, entre 1850 e 1870; outro, a

política da Kulturkampf, de Bismarck, e que se situa entre 1878 e 1890. O

primeiro instante resulta do movimento contra-revolucionário da burguesia

européia após 1848; o segundo é a política repressiva de Bismarck contra o

movimento operário alemão e o socialismo.

Nessa fase da reação européia, Marx e Engels produzem imensamente. E, por

sua vez, os editores temem publicar literatura de tendência socialista, em geral, e a

deles, em particular, ainda mais que a imprensa reacionária os acusa de mentores de

uma série de atos subversivos, como vimos no ataque do Daily News citado

anteriormente. No momento da morte de Marx (1883), a reação recuara na maior parte

da Europa, com exceção da Alemanha, onde a lei anti-socialista será revogada em

1890. Sabe-se que Engels, a partir de então, abandona grande parte do trabalho

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literário pessoal para se dedicar a duas grandes tarefas fundamentais: acompanhar o

movimento operário europeu e publicar a obra de seu companheiro.

Até então nenhum livro de Marx ou Engels havia sido traduzido para o

português, daí a impossibilidade do alcance de sua leitura pelos líderes das classes

trabalhadoras. A eles se referiam, em geral, os mais letrados, que, pelo menos, os

pudessem ler em francês. Com a proclamação da República, em meio à agitação,

surgem os primeiros partidos operários e socialistas no Brasil, mais de cunho

reformista do que propriamente revolucionário, quer no Rio de Janeiro quer em São

Paulo, e, à mesma época (1890), no Rio Grande do Sul. Os partidos socialistas,

reformistas, socialdemocratas, defrontaram-se, no campo ideológico, com a luta que

tiveram de enfrentar com os anarquistas e anarcossindicalistas, em geral italianos,

espanhóis e portugueses, chegados ao país com o grande movimento imigratório da

última década do século XIX. Como nos lembra Moraes Filho (1991, p.34), já no I

Congresso Operário, realizado em 1906, no Rio de Janeiro, saíram vitoriosas as teses

anarquistas, contra o socialismo de resultados e o apoio do Estado, por eles negado e

cujo objetivo era suprimi-lo.

Os ideais socialistas adotados nos textos programáticos dos pioneiros do

movimento operário, nesses anos, eram vagos e enfáticos. Existe, inclusive, um

episódio sintomático, no final do século XIX, envolvendo Karl Kautsky, o importante

líder da social-democracia alemã. Kautsky recebeu um periódico brasileiro, com uma

matéria sobre um partido operário e seu programa; mandou-o, então, para Engels, que

conseguia ler em português. O velho companheiro de Marx acusou o recebimento do

jornal e comentou, ironicamente, numa carta de 26 de janeiro de 1893: “a importância

desses partidos sul-americanos está sempre em relação inversa à retumbância de seus

programas” (KONDER, 1988: p, 79).

No que se refere à avaliação que Engels fazia do movimento socialista no

Brasil, no final do século passado, cumpre reconhecer que não havia, mesmo,

nenhuma razão para otimismo. O socialismo, entre nós, progredia, de fato, muito

lentamente. Mas progredia: em 1895, o Centro Socialista de Santos (SP) passou a

publicar o quinzenário A Questão Social que segundo Fausto (1977, p.98) revela uma

influência evolucionista e a propensão pelo reformismo. Em seu editorial de

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lançamento, a publicação dizia que estava “desfraldando a bandeira do coletivismo

reformista”, apoiada nos ensinamentos de uma “plêiade” de pensadores socialistas, dos

quais o primus inter pares era exatamente Karl Marx. O que diria o próprio Marx se

estivesse vivo e ficasse sabendo que no Brasil seu nome estava sendo invocado pelos

que erguiam a bandeira do coletivismo reformista? Mas, antes de se irritar com os

brasileiros, ele precisaria se irritar, seguramente, com seus próprios conterrâneos, os

socialistas alemães, que haviam criado o primeiro partido operário de massas da

história da humanidade e se empolgavam com as conquistas parciais que estavam

obtendo pelos caminhos do reformismo. O Centro Socialista de Santos seguia a maré

do movimento socialista europeu: entre seus dirigentes estava Silvério Fontes (1858-

1928), médico sergipano, considerado por Astrojildo Pereira “o primeiro socialista

brasileiro de tendência marxista”, autêntico “pioneiro do marxismo no Brasil”. Um

modelo social claramente evolucionista fundamenta o pensamento de um dos mais

conhecidos socialistas da época: Antonio Piccarolo, doutor em literatura, filosofia e

direito pela Universidade de Turim e que chegou a São Paulo nos primeiros anos do

século XIX. Sua versão do materialismo histórico em O Socialismo no Brasil ressoa

como um eco spenceriano e não como uma síntese das idéias de Marx e Engels

(Konder, 1988, p. 89).

Fora exceções deste quilate, não há no Brasil, até a I Guerra Mundial, nenhuma

análise, satisfatória ou não, do materialismo dialético, e o mais curioso, nenhuma

tradução de trechos ou artigos de Marx e Engels. Segundo Carone (1986), os nomes

mais citados na imprensa e nos livros são os de pensadores socialistas secundários,

como Benoit-Malon, Louis Blanc etc. Entretanto, a circulação dos livros de Marx e

Engels no Brasil era regular, ainda mais que não havia a mínima censura sobre as

publicações de caráter social. As revistas e livros estrangeiros – e os nacionais – eram

postos a venda por preços abaixo do mercado, exatamente para circularem mais

facilmente entre a classe trabalhadora. Além disso, as próprias livrarias importavam

essa mesma literatura de esquerda. Por exemplo, através da leitura do Manifesto do

Partido Socialista Brasileiro, de 1902, pelo levantamento da biblioteca de Astrojildo

Pereira e a de Silvério Fontes, pode-se verificar ter havido, desde o começo do século,

regular circulação das obras de Marx e Engels editadas em francês (Carone, 1986: p.

33):

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O prático desconhecimento do materialismo histórico deve-se não só ao fato

da complexidade desta teoria, como a existência de uma pesada herança

ideológica anarquista. Este impasse será superado com o aparecimento do

Partido Comunista do Brasil, que forçará uma situação nova.

A Revolução Russa de novembro de 1917, com a tomada do poder pelo Partido

Bolchevique, dirigido por Lênin, teve uma repercussão decisiva no Brasil: pode-se

dizer que ela deu início a um período novo na difusão das idéias de Marx entre nós. A

partir do processo por ela desencadeado, foi fundado o Partido Comunista do Brasil e o

pensamento e a obra de Marx passaram a dispor de um centro dinâmico de propaganda

sistemática que atuava em âmbito nacional. Paradoxalmente, no entanto, desde que

começaram a ter esse centro difusor, as concepções de Marx passaram a um discreto

segundo plano, na discussão; o proscênio foi sendo ocupado pelo próprio organismo

recém-criado, quer dizer, pelo PCB. Segundo Konder (1988, p.117):

o fascínio exercido pela força prática do novo Estado e do movimento

comunista internacional começou a colocar as teorias de Marx numa

relativa penumbra. As realizações de Lênin pareciam bem mais adequadas a

suscitar entusiasmo do que as complexas reflexões de Marx. Começou a se

generalizar a convicção de que não tinha sentido procurar em Marx algo

que não tivesse sido genialmente traduzido na ação pelo leninismo.

O relativo desconhecimento de Marx e Engels entre nós brasileiros permite,

segundo Carone (1986, p.59), afirmar que no Brasil não existem discípulos seus até a

década de 1920, mas unicamente alguns leitores:

Não há o que se denomina de discípulos, mas de admiradores, que apesar

de considerarem o seu valor, confundem-nos com outras correntes

socialistas reformistas, como acontece com Silvério Fontes e o grupo do

Centro Socialista de Santos (1895-1896). O máximo que conseguem

realizar é colocá-los ao lado de outros teóricos secundários, igualando

todos ao mesmo nível.

O caso do Manifesto do Partido Socialista Brasileiro, de 1902, é sintomático:

depois de usar o esquema inicial do Manifesto Comunista, seus autores abandonam o

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fundamental da ideologia marxista – a luta de classes – e defendem a idéia de que o

processo pacífico e ininterrupto levará a classe operária a passar da sociedade burguesa

ao estágio superior, que é o socialismo. Esta posição evolucionista e mecanicista é a

dominante.

Tampouco pode ser atribuído à formação do PCB um impacto teórico

particular. Sua constituição, segundo Garcia (1986, p.206) não vem acompanhada de

uma contribuição para a análise da realidade brasileira. O crescimento orgânico do

partido é lento e sua implantação na classe operária sumamente problemática, pelo

menos até 1930. Não se lhe podem creditar formulações particularmente originais em

relação à sociedade brasileira e às necessidades de revolucioná-la.

Antes da fundação do PCB, em 1922, praticamente inexistem, como vimos,

traduções brasileiras de textos marxistas ou sobre Marx, Engels, Lenin e seus

seguidores, a não ser em artigos publicados eventualmente em jornais e revistas e em

trechos citados. Falando especificamente sobre os textos de Marx, Konder(1988, p. 54)

afirma que, no Brasil, “... o acesso direto a seus escritos era quase impossível”,

naqueles anos. Segundo Rubim (1986, p.142), nos anos 1920, a única exceção parece

ser a “Coleção Sociocrata”, dirigida por José Alves, que edita, em 1920 e 1921, dois

opúsculos: A luta pelo pão, de Nicolau Lênin e Quem é Lenin, de N. Tasin. Neste

contexto, o PCB, a partir de 1922, passa a funcionar como um centro nacional de

difusão do marxismo no Brasil, seja através de sua imprensa, seja por intermédio da

edição de livros, folhetos etc., ou da vendagem de textos publicados no exterior, em

especial Argentina e Uruguai.

De fato, a difusão do marxismo não pode, neste primeiro momento, ser

dissociada da trajetória do PCB. Quartim de Moraes (1991, p.72) lembra, com

propriedade, dois pontos adicionais relativos à introdução do marxismo no Brasil:

1. a precedência do comunismo enquanto corrente política ao marxismo (ou

talvez fosse preferível dizer à obra marxiana);

2. a inexistência de correntes marxistas pré-comunistas, com vinculação à II

Internacional, o que evita as ‘lutas ideológicas’ encontradas alhures.

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Registre-se também que no período a que fazemos menção, não havia nenhuma

obra traduzida de Marx e Engels para o português. De um lado, isto pode ser explicado

pelo fato de uma parte substancial de sua produção ter vindo a público somente após a

fundação do Instituto Marx-Engels na década de 1920; de outro, é a vitória dos

bolcheviques que, conferindo materialidade às proposições do ‘socialismo

revolucionário’, dá novo impulso à tarefa de internacionalizar a revolução –

aparecendo aí, com destaque, a participação da Internacional Comunista.

A primeira tradução para o português foi a do Manifesto Comunista, de Marx e

Engels, feita a partir da versão francesa, em 1923, por Octavio Brandão, e publicada

no jornal Voz Cosmopolita do Rio de Janeiro. Ressalte-se, contudo, que as próximas

traduções de Marx e Engels somente apareceram após o ano de 1931. Ao lado das

primeiras traduções ensaiam-se as pioneiras tentativas de produção marxista original

no Brasil: Agrarismo e Industrialismo, de Octavio Brandão e A Evolução do Estado no

Brasil, de Antonio dos Santos Figueiredo, ambas de 1926.

Antes de analisar o Brasil, Octávio Brandão tinha escrito e publicado, em 1924,

um livro intitulado Rússia Proletária, “apologia ingênua e tumultuada da União

Soviética e de Lenin” (Konder, 1988, p.145). Brandão mantinha, anonimamente, no

jornal O Paiz, uma seção na qual divulgava idéias de Marx e de Lenin. Ao que tudo

indica, nenhum outro marxista brasileiro, naquele momento, dispunha de uma

bagagem de conhecimentos comparável a de Brandão. Segundo informa em suas

memórias, Brandão já tinha lido O Estado e a Revolução, A Doença Infantil do

‘Esquerdismo’ no Comunismo, Que Fazer?, A Revolução Proletária e o Renegado

Kautsky, além de outros escritos de Lenin, todos em francês. Também estava

familiarizado com obras de Marx e Engels: A Miséria da Filosofia, o Anti-Duhring,

Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, A Origem da Família, A

Guerra dos Camponeses na Alemanha, As Lutas de Classe na França em 1848-1850

etc. Segundo Konder (1988, p.146),

os múltiplos conhecimentos rapidamente adquiridos, entretanto, não fluíam

para um uso conseqüente, não eram bem aproveitados pelo pensamento

trêfego do autor. Isso se verifica no esforço por ele empreendido para a

elaboração do livro Agrarismo e Industrialismo, cujo subtítulo era ‘ensaio

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marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classes no

Brasil.

Do ponto de vista do instrumental conceitual utilizado, a inovação teórica mais

espetacular do estudo é a adesão do autor à dialética marxista. Exatamente nesse

ponto, porém, nos deparamos com um formidável mal-entendido, já que Brandão

reduz a dialética marxista à tríade hegeliana: tese-antítese-síntese. O esquema triádico

é aplicado à interpretação da revolta de 1924 e resulta no seguinte: Arthur Bernardes é

a tese (o agrarismo feudal); Isidoro Dias Lopes é a antítese (pequena burguesia

rebelada, por trás da qual se acha o capital industrial); e a síntese – ainda por vir – é a

revolução proletária, comunista. Apesar das críticas a ele endereçadas (Zaidan Filho,

1985; Konder, 1988; Moraes Filho, 1991), o livro de Brandão é tido como a primeira

tentativa de uma interpretação marxista da realidade brasileira. Na época, em que foi

escrito influenciou Astrojildo Pereira na redação das teses que ele apresentou no II

Congresso Nacional do PCB e que serviram de base às orientações políticas do partido

até o ano de 1928. Figueiredo, por seu turno, era um ‘socialista independente’ e,

embora sua obra tenha exercido menor influência é, na opinião dos críticos acima

citados, um trabalho mais sério e profundo. A observação importante é que, ao

contrário de Brandão, Figueiredo não confunde a obra de Marx com o leninismo,

asseverando que o sistema adotado na Rússia não coincidia inteiramente com aquele

‘pensado por Marx’.

O que nos importa é que a obra de Marx começa a ser verdadeiramente

divulgada aqui: além da livre circulação de textos em língua estrangeira, observa-se

uma multiplicação de tradução sob a responsabilidade de editoras especializadas. Mas,

se há uma proliferação de textos, a recepção do pensamento de Marx no período do

estalinismo não deixa de apresentar problemas. Registre-se a observação de Quartim

de Moraes (1991), que distingue o processo de ‘bolchevização’ do movimento

comunista internacional (encetado antes do período de maior influência de Stalin) com

o de ‘estalinização’ (intervenção de natureza policialesca nos partidos nacionais).

Conforme o autor, o primeiro processo teria ocorrido nos anos vinte; o segundo, nos

anos trinta. Embora a difusão do marxismo não tenha, obviamente, ficado restrita aos

trabalhos de Stalin, é inegável o controle da produção literária do período. Surge,

dentre outros, o seu famoso Sobre os princípios do leninismo – obra prescritiva que

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produziria marcas no movimento comunista no Brasil. Quartim de Moraes (1991)

sustenta, inclusive, em um trabalho sobre a influência no movimento comunista

brasileiro, a tese de que Stalin teria sobrevivido mais como ‘teórico’ do que como

dirigente político. A simplificação estalinista do marxismo-leninismo passa a servir de

filtro (e bloqueio) à recepção da essencialmente polêmica obra marxiana, ao mesmo

tempo em que equaliza o pensamento conforme “a escolástica própria da era de Stalin”

(Netto, 1990, p.107).

De maneira geral, convinha ao stalinismo desviar as discussões da teoria de

Marx para as realizações práticas de Lênin e Stálin. Segundo Konder (1988, p.178),

Marx foi ficando, assim, subsumido a Lenin; e este, discretamente, ficou

subsumido a Stalin. Generalizou-se a convicção de que não devia ser muito

importante o estudo do pensamento de Marx, de seus escritos, já que o

essencial do marxismo estaria devidamente ‘traduzido’ no Estado fundado

por Lenin e agora dirigido por Stalin, bem como na política desenvolvida

pelo movimento comunista mundial.

Marx, Engels, Lenin e Stalin eram apresentados como os quatro ‘clássicos’ do

marxismo. Deles, Marx era o mais abstratamente teórico, o mais distante. E Stalin –

obviamente muito beneficiado com o fato de ser o único ‘clássico’ vivo – era o mais

próximo, o mais didático, o mais atual e, em última análise, o mais influente.

É somente a partir da segunda metade da década de 1950 que a emergência de

uma tradição marxista começa a extravasar as fronteiras do PCB. Segundo Netto

(1990, p. 107), responde pela quebra do seu monopólio, fundamentalmente, num

primeiro momento, o traumatismo causado pelas revelações que tiveram por palco o

XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), com as cisões que

desencadeia no PCB – bem como, decerto, as implicações internacionais daquele

evento. Num segundo momento, já da passagem para a década de 1960, acentua este

desbordamento a própria polarização que a vertente marxista revela sobre pensadores

desvinculados de uma intervenção política orgânica (partidária).

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Durante o XX Congresso do PCUS de fevereiro de 1956, três anos depois da

morte de Stalin, Nikita Kruschev traz a público o famoso ‘relatório secreto’, com duras

críticas à autocracia estalinista1. No âmbito interno do PCB tem início uma crise sem

precedentes, com a polarização de duas posições: uma, que preconizava, virtualmente,

a dissolução do partido e outra que recusava-se a promover “qualquer autocrítica

substancial” (Segatto, 1995, p. 90). Em 1961, uma Conferência Nacional aprova a

mudança do nome da agremiação para Partido Comunista Brasileiro, além de excluir

referências à ‘ditadura do proletariado’. Logo depois, haveria uma nova cisão, à

esquerda, com o rompimento de grande número de dirigentes que estavam à frente do

PCB havia anos. Estes acabariam fundando, ou reorganizando, como preferem afirmar,

o Partido Comunista do Brasil (PC do B), inspirados, primeiramente no pensamento de

Mao Tsé Tung e, posteriormente, no de Enver Hodja, dirigente do Partido do Trabalho

da Albânia (PTA) (Pacheco, 1984, p. 11).

Ainda enquanto desdobramentos do XX Congresso do PCUS, o monopólio do

PCB na divulgação do pensamento marxista encontra seu termo abrindo-se, então, uma

nova fase. Embora não mais detendo o controle do pensamento marxista, o partido

experimenta uma fase bastante frutífera dentro de sua trajetória: é, segundo Netto

1 No documento, Kruschev acusava o ex-líder soviético, falecido havia menos de quatro anos, pelo uso indiscriminado de violência, execuções, processos fraudulentos contra adversários políticos, violando todas as normas de legalidade revolucionária. O “Relatório Secreto”, como ficou conhecido, discutia ainda o culto à personalidade, construído por Stalin em torno de sua pessoa, tentando, porém, justificar o fato, de por décadas, Stalin ter agido de forma tirânica, sem que houvesse reação por parte dos demais membros da direção partidária: “(...) a maioria dos membros do Bureau Político não conhecia, na época, todas as circunstâncias do caso e, portanto, não puderam intervir” (O discurso secreto de Kruschev no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, s/d, p. 34). Kruschev, apesar das críticas, apontava diversas qualidades de Stalin (“presta grandes serviços ao Partido, à classe operária e ao movimento internacional dos trabalhadores”) e justificava, em parte, seus atos (“Ele vira isto da posição do interesse da classe operária, do interesse do povo trabalhador, (...). Não podemos dizer que estes eram atos de um déspota leviano”). A crítica a Stalin deveria ser feita, portanto, “com calma e sem precipitação. (...) Não podemos deixar que esta questão saia dos limites do Partido, especialmente que vá parar na imprensa. (...) Conhecemos os limites; não devemos dar munição ao inimigo; não devemos lavar a nossa roupa suja na rua” (idem, p. 48). É necessário levar em conta, para melhor entendimento do Relatório, a ocorrência, na época, de mudanças na política internacional soviética, baseadas na coexistência pacífica, além do fato de que a abertura política interna levava ao surgimento de denúncias de acontecimentos passados na URSS. A direção do PCUS, não pretendendo perder o controle de uma discussão que se abria, buscou tomar sua dianteira para direcioná-la segundo os seus interesses. Considerando-se diversas ocorrências durante o período de governo de Kruschev, pode-se avaliar as limitações da contestação que este apresentou aos erros do passado. A utilização do Exército Soviético na Hungria em fins de 1956, a suspensão dos debates internos e a centralização do poder nas mãos de Kruschev no ano seguinte demonstrariam o afirmado. E mais, quando Kruschev centrou a crítica a Stalin no culto à personalidade, evitou aprofundar-se em um sem número de aspectos políticos, como o sufocamento do pensamento de Trotsky, Bukharin e outros. Excluía-se, ainda, a visão stalinista de internacionalismo proletário como submissão dos PCs aos interesses soviéticos.

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(1990, p. 108), um período tanto de elaborações teóricas originais – registrado, entre

outros locais, na revista “Estudos Sociais” – quanto de valorização do “estudo das

fontes originais do pensamento socialista revolucionário, até então subalternizadas

pela divulgação de comentadores”. Também nesse mesmo período circula uma outra

publicação – independente – de considerável importância nesta reconstituição: trata-se

da Revista Brasiliense, sob a responsabilidade de Caio Prado Jr., cuja figura, aliás,

merece registro em separado1. É praticamente unânime entre os estudiosos (Iglesias,

1982; Konder, 1991; Moraes Filho, 1991) que a primeira interpretação marxista de

expressão da realidade brasileira é da autoria de Caio Prado Jr.: a sua Evolução

Política do Brasil, originalmente publicada em 1933. A Revista Brasiliense começa a

circular em 1955 tendo, até 1964, completado 51 números. Sua importância é

considerável, pois entre suas páginas desfilaram autores de indiscutível expressão

dentro da cultura brasileira e, particularmente, da esquerda dos anos 1950 e 1960

(Mota, 1990, p. 206).

A segunda fonte de difusão do pensamento marxista é a elaboração teórica de

intelectuais sem vinculação orgânica – ou, talvez fosse mais prudente afirmar,

intelectuais que, a despeito da sua vinculação, conduziram seus trabalhos de forma

independente com relação às exigências político-partidárias: aqui, merecem destaque

os trabalhos conduzidos dentro do Instituto Superior de Estudos Sociais Brasileiros

(ISEB) e da Universidade de São Paulo (USP).

A importância do ISEB no período que estende-se de meados da década de

1950, quando foi criado, até o golpe de 1964, quando de sua interrupção, tem sido

1 É uma obra que marcará profundamente o pensamento revolucionário brasileiro pós-64. Caio Prado foi um intelectual militante. Sua obra servia à luta de classes no Brasil. Ele esteve envolvido, como político, com o Partido Democrático, com as revoluções de 1930/32 e, em 1931, aderiu ao PCB. Sua vida se dividiu entre a pesquisa histórica e filosófica e o combate político. Mas, não se trata de uma divisão que separe as duas atividades, embora uma atividade não apague a diferença da outra. Como intelectual marxista, a luta política não o cegou e impediu seu esforço de análise. Sua produção teórica é mais marxiana do que marxista-leninista. No PCB sempre foi heterodoxo. Seu pensamento continuou dialético: ele lida com fatos em termos de relações, processos e estruturas, localiza e explica desigualdades, diversidades, contradições sociais. Ele militou fora e dentro do PCB, na opinião pública, na universidade, editora, revistas. Viajou pelo Brasil, conheceu as regiões, as classes, o campo, as derrotas e vitórias dos excluídos. Ele observava, nestas viagens, o caleidoscópio dos múltiplos tempos do Brasil. Em 1933, quando as lutas sociais desafiavam o pensamento, ele inaugurou uma corrente de interpretação marxista do Brasil, diferente e original, descentrada do PCB. A história social brasileira apareceu sob uma nova perspectiva até então desconhecida. A partir de então, inaugurou um estilo de pensar a realidade brasileira, uma perspectiva crítica que discute as relações entre o passado e o presente e examina as possibilidades de mudanças no futuro (Limongi, 1987).

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registrada na historiografia brasileira. Apesar de suas dissensões internas, é fato

inegável o contributo do instituto na produção de um pensamento social e político

originais naquele momento1. Como nos lembra Toledo (1986, p. 253), embora com

graus de sistematização e rigor desiguais, dentre os temas tratados destacam-se “a

questão da ideologia, a questão da produção científica, a questão do nacionalismo e do

desenvolvimento, a questão nacional e das contradições sociais, a questão dos

intelectuais e da política”. Este seleto grupo de intelectuais tinha como objetivo mais

imediato formular uma interpretação para a crise nacional em curso, interpretação que

pretendia esclarecer e mobilizar as forças progressistas do país, tendo em vista o

desencadeamento de um movimento amplo em prol de reformas de base. A atuação

destes intelectuais aposta, portanto, no papel de uma vanguarda esclarecida que,

produzindo uma nova visão de mundo, abasteceria projetos políticos capazes de

solucionar problemas estratégicos por eles identificados e equacionados. É no interior

desse instituto – classificado de ‘coquetel filosófico’ por Toledo (1977, p.137) – que

1 O ISEB – que teve como ‘precursores’ o Grupo de Itatiaia e o IBESP (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política) – nasceu e morreu em circunstâncias curiosas, em momentos confusos, por meio de decretos assinados por figuras inexpressivas da política brasileira exercendo provisoriamente o poder: foi criado em 1955 por um decreto do governo interino de Café Filho e extinto em 13 de abril de 1964 por decreto de Ranieri Mazzili (presidente provisório após o golpe). No início, congregava em seus conselhos curador e consultivo uma enorme gama de personalidades das mais variadas tonalidades ideológicas: Anísio Teixeira, Roberto Campos, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Miguel Reale, Horácio Lafer, Pedro Calmon, Augusto Frederico Schmidt, Sérgio Milliet, Paulo Duarte, Heitor Villalobos, Fernando de Azevedo, San Tiago Dantas etc.. Tinha como diretor Roland Corbisier e como responsáveis pelos departamentos Álvaro Vieira Pinto (Filosofia), Cândido Mendes (História), Ewaldo Correia Lima (Economia), Hélio Jaguaribe (Ciência Política) e Alberto Guerreiro Ramos (Sociologia); estes, juntamente com Nelson Werneck Sodré – remanescente do IBESP – tomaram os rumos do instituto e ficaram conhecidos como os “isebianos históricos”. Ao longo da existência do ISEB mudanças de personalidades e de posicionamento político, tom das análises e tonalidades ideológicas levaram os comentaristas a distinguir possíveis ‘fases’ em sua trajetória. Daniel PÉCAUT (1990, pp. 112-113) identifica três etapas: 1) do início até a crise gerada em torno do livro de Hélio Jaguaribe e logo a seguir o afastamento de Guerreiro Ramos, em 1958; 2) deste acontecimento até as desavenças na disputa eleitoral presidencial entre Jânio Quadros e o Mal. Lott, em 1960, e 3) da configuração esquerdista do início dos anos 60 até 1964, o fechamento. Já Toledo (1982, pp. 186-199), define também três etapas (sem detalhar datas), limita-as do seguinte modo: 1) início de posições ideológicas ecléticas e conflitantes; 2) período da ideologia nacional-desenvolvimentista, 3) defesa das reformas de base. Nesses breves 9 anos de existência vários conflitos agitaram o ISEB: o estreitamento do grupo de participantes, as disputas internas, o controverso apoio à candidatura do Mal. Lott, a polêmica em torno do livro de Hélio Jaguaribe (Nacionalismo na atualidade brasileira), as críticas de GR a Jaguaribe e a Álvaro Vieira Pinto, a pressão da UNE no sentido de um alinhamento ideológico, o boicote orçamentário, as diferenças entre o nacionalismo dos antigos isebianos (históricos) e o esquerdismo dos novos isebianos etc. Não obstante, os conflitos não se limitaram ao funcionamento do ISEB, os analistas e comentaristas que se debruçaram sobre o instituto travaram (e travam) severas batalhas; de fábrica de ideologias, órgão oficial (ou oficioso) do governo JK a bastião da esquerda nacionalista e revolucionária, muito foi dito a respeito dele.

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localiza-se uma produção teórica que, embora não seja exclusiva, reivindica a

inspiração em Marx: trata-se dos ‘isebianos à esquerda’, particularmente, Álvaro

Vieira Pinto e Nelson Werneck Sodré, responsáveis, respectivamente, pelos

departamentos de Filosofia e História. A produção desses dois autores é vasta e

extrapola em muito o período isebiano. Apenas para registro, destaquem-se, de

Werneck Sodré As classes sociais no Brasil, a Introdução à revolução brasileira, A

ideologia do colonialismo e a Formação histórica do Brasil; de Vieira Pinto,

Consciência e realidade nacional, Ideologia e desenvolvimento nacional, para citar

alguns. Tanto a produção de Nelson Werneck Sodré (que militou durante anos no

PCB) quanto a de Álvaro Vieira Pinto (que, embora sem vinculação partidária,

reclamava-se marxista, conforme Toledo, 1986, p.254) têm sido motivo de polêmicas,

em especial, no tocante à vinculação de seus pensamentos à obra de Marx. Escapa ao

nosso objetivo a discussão acerca da correção ou não das críticas; fica apenas o

registro de algumas das fontes. No tocante a Nelson Werneck Sodré, Konder (1991)

fornece indicações acerca dos pontos problemáticos da sua interpretação marxista;

com relação a Álvaro Vieira Pinto, M. S. C. Franco (1978) lhe dirige uma duríssima

crítica (infundada, na opinião de outro analista, Renato Ortiz, 1985, p.49)1. Mas nem

só de petardos vive a polêmica, Paulo Freire, por exemplo, identificou no ISEB um

marco, uma nova forma de ver o Brasil, que teria invertido a tendência do intelectual

brasileiro à fuga e ao alheamento da realidade brasileira (apud Paiva, 1986, p. 83):

O ISEB, que refletia o clima de desalienação política característica da fase de

transição era a negação desta negação, exercida em nome da necessidade de

pensar o Brasil como realidade própria, como problema principal, como

projeto (...) Era identificar-se o Brasil como Brasil. A força do pensamento

do ISEB tem origem nesta identificação com a realidade nacional.

1 Desconfiado do caráter oficial e instrumental atribuído ao ISEB, Ortiz (1994, p. 46) traz ao debate um componente problematizador das análises anteriores: o contexto social. Referindo-se a Franco (1978), assinala que não crê que os escritos isebianos sejam um “coquetel filosófico”, “uma distorção do idealismo”, “um arranjo indigenista do marxismo” e muito menos uma “leitura sem rigor” (todos termos usados pelos autores criticados, Franco (1978) e Toledo (1977, 1982). Uma vez que, desse modo, “seria difícil, dentro desta perspectiva, entender o porquê da hegemonia de uma pensamento que se difunde praticamente em toda a esquerda brasileira”, logo, se o período Kubitschek seria um tempo de ilusões” (expressão de Franco, 1978), também seria necessário descobrir a que realidade essas ilusões corresponderiam (idem, p. 49).

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O ISEB também exerceu influência sobre os CPCs (Centros Populares de

Cultura)1; aliás, contava com Carlos Estevam Martins, um dos teóricos dos CPCs,

entre seus membros. Nessa etapa (1961-1964), quando sua atividade assume um

caráter explicitamente político ao lado da esquerda radical, associa-se à agitação em

favor das ‘reformas de base’ e participa da redação de diversos Cadernos do Povo,

fascículos lançados pela editora Civilização Brasileira e que visam a colocar, em

linguagem simples, as grandes questões do momento ‘ao alcance do povo’. Álvaro

Vieira Pinto escreve “Por que os ricos não fazem greve?”; Nelson Werneck Sodré:

“Quem é o povo no Brasil?”; Wanderley Guilherme dos Santos: “Quem dará o golpe

no Brasil?”; Osny Duarte Pereira: “Quem faz as leis no Brasil?”. Nesse etapa, uma

parte dos professores e conferencistas pertencia ao PCB ou estava próxima dele. Daí

veio esse ‘último ISEB radical-populista’, que inspirou este comentário de Hélio

Jaguaribe (1979, p.97):

O ISEB considera o país em processo de radicalização do governo Goulart.

Dentro dessas circunstâncias, o ISEB se constitui em um dos centros de

pressão para incrementar tal radicalização e se dedica à formulação de

projetos de reforma social.

Parecendo mais do que nunca, aos olhos da direita, um dos centros da

conspiração revolucionária, seria fechado na semana seguinte ao golpe de Estado de

abril de 1964, e submetido a um inquérito militar.

1 O Centro Popular de Cultura - CPC é criado em 1961, no Rio de Janeiro, ligado à União Nacional de Estudantes - UNE, e reúne artistas de distintas procedências: teatro, música, cinema, literatura, artes plásticas etc. O eixo do projeto do CPC se define pela tentativa de construção de uma "cultura nacional, popular e democrática", por meio da conscientização das classes populares. A idéia norteadora do projeto diz respeito à noção de "arte popular revolucionária", concebida como instrumento privilegiado da revolução social. A defesa do caráter coletivo e didático da obra de arte, e do papel engajado e militante do artista, impulsiona uma série de iniciativas: a encenação de peças de teatro em portas de fábricas, favelas e sindicatos; a publicação de cadernos de poesia vendidos a preços populares; a realização pioneira de filmes auto-financiados. O engajamento cepecista encontra-se sistematizado no Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura, de autoria do sociólogo Carlos Estevam Martins (1963), primeiro diretor do CPC. O documento postula o engajamento do artista frente ao quadro político e cultural do país no período e faz o diagnóstico da impossibilidade de uma arte popular fora da política. De acordo com o Anteprojeto, a arte do povo é "de ingênua consciência", "desprovida de qualidade artística e de pretensões culturais", não tem outra função, senão "a de satisfazer necessidades lúdicas e de ornamento". Ao definir a arte como um dos instrumentos para a tomada do poder e o artista como aquele que assume um compromisso, ao lado do povo, o CPC defende um "laborioso esforço de adestramento à sintaxe das massas", mas de modo a tirá-las de seu lugar de alienação e submissão. (Martins, 1963, p. 95)

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Entretanto, a contribuição mais significativa com relação à produção de um

pensamento original inspirado na tradição marxista é realizado no interior da

Universidade de São Paulo, sob a direção de Florestan Fernandes. Tendo assimilado

influências as mais diversas, e não desconhecendo a obra marxiana desde os anos

1940, é a partir de meados da década seguinte que dá início a um programa de

pesquisa no qual o referencial básico passa a ser o marxismo. Segundo Mota (1987,

p.182), em 1946, Florestan Fernandes, então funcionalista e militante trotskista, além

de escritos originais para a “Revista do Grêmio” da Faculdade de Filosofia da USP,

traduzira a “Contribuição à Crítica da Economia Política”, de Marx. Segundo o próprio

Florestan, tal publicação da editora Flama, de orientação trotskista, teria sido

acompanhada de uma introdução sua (Fernandes, 1978, p.14). Todavia, este

conhecimento não implicaria a aceitação desse ‘paradigma’. O apego à sua formação

pregressa faz com que seja excluído da montagem dos famosos “Seminários sobre

Marx” – ponto de partida da ‘mudança de paradigma” (Pécaut, 1990), e que teve peso

decisivo na formação de intelectuais como Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni,

José Artur Giannotti, Fernando Novais, Paul Singer entre outros (Cohn, 1986, p.134).

O contexto e os objetivos do "seminário" podem ser discutidos a partir de excertos de

um depoimento de Roberto Schwarz (1988, p. 100), que foi um dos participantes:

Com a morte de Stalin, em 1953, a divulgação das realidades inaceitáveis

da União Soviética e da vida interna dos partidos comunistas ganhou em

amplitude, também entre adeptos e simpatizantes. A incongruência com as

aspirações libertárias e o espírito crítico do socialismo ficara irrecusável.

Neste quadro, a volta a Marx representava um esforço de autoretificação da

esquerda, bem como de reinserção na linha de frente da aventura

intelectual... Com efeito, a crítica ao marxismo vulgar, bem como …as

barbaridades conceituais do PCB, era um dos seus pontos de honra.... Isto

posto, o contexto imediato do seminário não era a esquerda nem a nação,

mas a Faculdade de Filosofia. Em seus departamentos mais vivos, ajudada

pelo impulso inicial dos professores estrangeiros, esta fugia das rotinas

atrasadas e buscava um nível que fosse para valer, isto é, referido ao padrão

contemporâneo de pesquisa e debate... Pois bem, a ligação deliberada da

leitura de O Capital ao motor da pesquisa universitária iria modificar o

quadro e deixar a cultura marxista anterior em situação difícil... Seja como

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for, a idéia de uma esquerda marxista sem chavões, à altura da pesquisa

universitária contemporânea, aberta para a realidade, sem cadáveres no

armário e sem autoritarismos a ocultar, era nova...

A característica mais significativa dessa produção acadêmica de inspiração

marxista – que irá “comandar o desenvolvimento das ciências sociais” – é o

questionamento dos esquemas tradicionais propostos pelo PCB, como a concepção

etapista da revolução burguesa, da coexistência entre feudalismo e capitalismo, da tese

das “duas burguesias” e da oposição “nação-antinação” (Pécaut, 1990, p.219). O

aspecto mais notável desse curto interregno – marcado pela quebra do monolitismo do

Partido Comunista e a inserção acadêmica do pensamento marxista – é o

estabelecimento de uma promissora interlocução que anunciava o desenvolvimento de

uma produção de inspiração marxista mais vigorosa no Brasil.

Amadureciam, portanto, as condições para a constituição de uma tradição

marxista no Brasil. E é precisamente este processo, com todas as suas dificuldades e

limitações que a ditadura e sua política repressiva vão interromper e abastardar (Netto,

1990, p. 109). É claro que (e não seria necessário anotá-lo aqui), no âmbito da

evolução individual de pesquisadores e intelectuais que participaram deste processo, o

aprofundamento das tensões por ele detonadas prosseguiu e chegou a objetivar-se

numa assunção criadora da perspectiva marxista, engendrando contribuições de

magnitude quer para a compreensão da formação social brasileira, quer para o

erguimento da própria tradição marxista no país. Parece-me que, aqui, o caso típico é o

de Florestan Fernandes1. No entanto, e este é o aspecto fundamental a reter, a

autocracia burguesa promoveu a liquidação sociopolítica daquele processo.

As conseqüências fazem-se refletir no campo marxista, em duas frentes. De um

lado, em meio à progressiva repressão, as organizações de esquerda acabam por

constituir-se em um dos poucos espaços onde ainda circula a discussão marxista. De

outro, diante do controle mais severo que é instaurado em âmbito universitário, e

1 O sociólogo paulista foi um dos mais brilhantes representantes do marxismo acadêmico no Brasil, elevando a interpretação marxista da história brasileira a um plano certamente elevado de conceitualização, sobretudo com o clássico A Revolução Burguesa no Brasil(1975).

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disputando o terreno com tendências irracionalistas, a discussão marxista

remanescente acaba sendo atravessada por elementos de um racionalismo ‘formalista’.

A quebra do monopólio do PCB no que se refere à produção e divulgação do

pensamento marxista é fruto de um processo maior no qual a esquerda fragmenta-se

em meio a uma escala progressiva de repressão. O tema “Reforma” ou “Revolução”

polariza o debate da vanguarda socialista. Diversas organizações de esquerda surgem

justamente a partir da diáspora do início da década de 1960. Poderíamos subdividir as

organizações segundo grandes tendências: as de extração trotskista, marxista-leninista

e socialista. Dentre as organizações marxistas-leninistas, podem ser apontadas três

‘correntes’, além é claro, do próprio PCB. Em primeiro lugar, os partidários da

estratégia socialista/insurrecional/operária que encontrava materialidade basicamente

na Organização Revolucionária Marxista/Política Operária (ORM-POLOP). Segundo

Gorender (1987, p.35), a POLOP nutre-se das idéias de Trotsky (“sem rigor

dogmático”) além de buscar outras fontes, como Rosa Luxemburg, Bukharin e

Talheimer. Além das cisões da POLOP (Comando de Libertação Nacional – COLINA

e Vanguarda Popular Revolucionária – VPR) fazem parte tanto as dissidências (como

o Movimento Revolucionário Oito de Outubro – MR-8) quanto as vertentes

revolucionárias oriundas do PCB (a Ação Libertadora Nacional – ALN e o Partido

Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR); o principal interlocutor internacional

dessa corrente seria a experiência revolucionária cubana e o guevarismo. Em terceiro

lugar, os agrupamentos maoístas, dentre os quais destacava-se o Partido Comunista do

Brasil (PC do B), além da Ala Vermelha e do Partido Comunista Revolucionário

(PCR). A terceira tendência, dos socialistas, é representada pela Ação Popular (AP),

que surge em 1963, originária da Ação Católica do Brasil, tendo criado raízes

principalmente entre os estudantes. Da opção pelo socialismo de inspiração

‘humanista’ de 1963, a AP caminha também para a direção do marxismo-leninismo

pela via do maoísmo (e dos escritos de Louis Althusser).

Dadas as condições em que surgiram essas organizações (gerais: a repressão;

específicas: a sua intencionalidade política), entende-se porque em quase nada

contribuíram para acrescer o acervo que vinha se gestando no período pré-64. De

acordo com Netto (1990, p.110), a freqüente utilização de versões políticas

particulares da tradição marxista (o maoísmo, por exemplo) para legitimar uma prática

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autodeterminada (nomeadamente o confronto armado com a ditadura) fez do

referencial teórico derivado de Marx um repositário de citações e fórmulas rituais:

Se é verdade que protagonistas dessa quadra dramática da vida brasileira,

sobrevivendo à guerra de extermínio que lhes moveu a ditadura,

ulteriormente puderam realizar aportes teóricos e críticos de valia, é

igualmente verdadeiro que nesses segmentos da esquerda generalizou-se

uma cultura marxista de pacotilha, no seio da qual a petição voluntarista e

praticista gestou um simplismo intelectual que se mostra inteiramente

vulnerável a qualquer antagonista medianamente informado.

Há, disponíveis, algumas obras que procuram compilar documentos das

organizações do período. Em especial, destaque-se o levantamento realizado por Reis

Filho & Sá (1985). Sem a pretensão de fazer a crítica da produção teórica dessas

organizações, é possível, sem embargo, destacarmos alguns pontos. Em primeiro lugar,

parece inegável que, com a multiplicação dessas organizações, embora não ampliando

muito as matrizes teóricas sobre as quais assentavam suas bases, abre-se de qualquer

forma o leque de influências teóricas sobre a esquerda, que praticamente estavam

restritas à estabelecida pelo PCB. Em segundo lugar, é de supor também que, com o

crescimento do movimento popular e da própria esquerda, um considerável

contingente de ‘quadros’ tenha sido formado nas condições de militância política

dentro das organizações. E por último, consideradas as condições nas quais deu-se tal

formação teórico-política, é finalmente a suposição de que, malgrado a ampliação das

oportunidades de difusão do pensamento marxista, qualitativamente, não se verificou,

com relação ao quadro anterior monopolizado pelo PCB no período estalinista,

qualquer avanço significativo. Faltam, evidentemente, comprovações para tais

suposições que, no entanto, não parecem ser implausíveis. Alguns dos estudos citados

anteriormente dão ao menos suporte parcial a tais afirmações (Netto, 1990; Quartim de

Moraes, 1991; Reis Filho, 1991).

A outra conseqüência da intervenção ditatorial foi a emersão, já observada, do

‘marxismo acadêmico’. Segundo Netto (1990, p.111) não há que duvidar de que seu

desenvolvimento comportou – além da intenção da resistência que manifestava –

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elementos positivos, que devem ser cuidadosamente ponderados pelos legatários

contemporâneos do acervo crítico-analítico que a ditadura quis liquidar:

Entretanto, e também dadas as circunstâncias em que se articulou, o

‘marxismo acadêmico’ recolocou e colocou componentes nefastos na

cultura da esquerda. De uma parte, reforçou um velho traço nesta cultura: a

substituição do exame das matrizes originais da teoria social revolucionária

pela exegese de seus comentarista e/ou vulgarizadores. De outra, introduziu

tanto o oportunismo teórico quanto entronizou a crítica abstrata: as ‘fontes’

ou ‘inspirações’ não variam segundo exigências imanentes da reflexão, mas

ao sabor de conjunturas e a avaliação do passado é posta sem a menor

consideração concreta dos efetivos condicionalismos histórico-sociais e

políticos que sobre ele incidiram, operando juízos de valor francamente

moralistas (quando não filisteus).

Com relação à circulação do pensamento no âmbito acadêmico, o

endurecimento do regime somado aos expurgos na universidade, faz com que boa

parte dos intelectuais de expressão ou deixe o país para ser recrutado por grandes

centros internacionais ou busque refúgio e sobreviva em instituições isoladas, como é

o caso do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). No interior da

universidade esvaziada, pontifica o estruturalismo: o pensamento marxista faz-se

presente sob o signo então do ‘althusserianismo’. Colocado ao alcance de todos pela

pena de sua discípula Martha Harnecker, os esquemas simplificadores da ‘ideologia

dominante’ e ‘aparelhos ideológicos’ (Pécaut, 1990) permitem o acesso à obra

marxiana, ainda que indireto e deturpado.

Se a produção marxista anterior encontrava-se ora intrinsecamente vinculada a

uma estrutura político-partidária, ora isolada no âmbito acadêmico tomado em sentido

estrito, reencontramos agora uma nova modalidade de trabalhos inspirados na tradição

marxista florescendo em meio à emergência de um pensamento oposicionista “de

esquerda”, tomado em sentido mais abrangente. Tal produção intelectual, gestada em

anos anteriores, nos focos de resistência dos intelectuais no período – as instituições

independentes, com indiscutível destaque para o CEBRAP, e os programas de pós-

graduação de algumas universidades, é cunhada pelo imperativo da profissionalização.

No entanto o rigor indispensável a qualquer elaboração intelectual digna dessa

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classificação, não afasta os intelectuais do protagonismo político. Ao contrário, tal

padrão de excelência passa, dentro de determinados limites, a avalizar a ação política.

Um dos traços mais nocivos – e de larga presença na academia – é o acesso

indireto às matrizes teóricas originais, pela via de seus intérpretes e/ou divulgadores –

sem atingir as fontes seminais. Quebrado o monolitismo e consagrada a diversificação

das ‘leituras’ de Marx, mergulhava-se na era dos marxismos. Interessante espelho da

época pode ser encontrado no movimento editorial, que conheceu – grosso modo entre

1966 e 1968 – verdadeiro boom de textos marxistas, produzidos em geral por autores

não propriamente ‘ortodoxos’ e, de maneira clara, expoentes do pluralismo que

passava então a imperar: além do já citado Althusser, Lucien Goldman, Georg Lukács,

Karel Kosik, Rosa Luxemburgo, Herbert Marcuse, Isaac Deutscher, Henri Lefebvre.

Assim é que, seguindo-se o período de preponderância do althusserianismo,

tem início um período de aproximação de um dos intérpretes mais profícuos de Marx,

o italiano Antonio Gramsci. “Todos, de uma forma ou outra forma, tornaram-se

‘gramscianos’ (Nogueira, 1988, p. 130). Presente nos cursos de pós-graduação desde a

década de 1960, é contudo tomado de forma peculiar: um meio caminho entre o

marxismo e o liberalismo (Simionato, 1995). São as exigências do debate posto no

processo de redemocratização iniciado nos anos 1970, entretanto, que colocam na

ordem do dia Gramsci como um pensador diretamente vinculado à política. Este

marxismo que não chega a Marx é duplamente pernicioso na medida em que, separado

da matriz original, Gramsci acaba por transformar-se eminentemente em um teórico de

uma superestrutura autonomizada, negligenciando-se os pressupostos dos quais o autor

italiano partia, indubitavelmente fundados na obra marxiana. Para Nogueira (1988, p.

131):

Ganhando múltiplas facetas e inúmeros porta-vozes, Gramsci foi

rapidamente difundido no Brasil, mas acabou também por funcionar como

‘meio’ para o estabelecimento de um descompromissado flerte com o

marxismo e por emprestar autoridade a idéias as mais estranhas, regra geral

arquitetadas a partir de uma operação preocupada em manipular as

categorias gramscianas como se se tratasse das peças de um puzzle cuja

resolução pouco interessava. Seu pensamento terminou assim por ser

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reduzido a conceitos, desvinculado de qualquer dimensão doutrinária mais

abrangente e sobretudo separado da perspectiva de transformação socialista

e da particular teoria do Estado que fazem de Gramsci um ponto de inflexão

na história do marxismo e do movimento operário.

No entanto, seria injusto não reconhecer o papel positivo que a obra de

Gramsci desempenhou na história recente da teoria social brasileira, em particular

junto às suas vertentes marxistas: Gramsci foi fundamental para arejar o pensamento

de esquerda no Brasil, até então globalmente subordinado às formas clássicas do

‘marxismo-leninismo’, ou aos dogmatismos mais sofisticados da escola de Althusser,

ou a variantes funcionalistas do radicalismo liberal. Por outro lado, porque se ajustou

muito bem à forma e às características da luta contra a ditadura e pela democracia no

Brasil. Alianças amplas, negociações, recuos táticos, transformações progressivas –

como lembra Nogueira (1988, p. 138),

as oposições democráticas só conseguiram progredir travando aquela

prolongada ‘guerra de posição’ que exige ‘qualidades excepcionais de

paciência e espírito inventivo’, como costumava dizer Gramsci; foram

levadas a combater a ditadura por dentro e pela base, explorar todas as

oportunidades legais de atuação sem desconsiderar as particulares

características da movimentação social (cerceamento terrorista da ação

sindical, mobilização dificultada, fragilidade dos partidos operários,

corporativismo, pouca unidade, etc.).

Embora o emprego das categorias gramscianas tenha sido amplamente

difundida são muitas as divergências quanto à forma de análise e interpretação da

práxis política proposta pelo pensador, advindas da dificuldade que a obra apresenta

quanto a conceitualização de suas categorias, especialmente a da sociedade civil, que,

segundo Coutinho (1988, p. 107), no Brasil “tornou-se sinônimo de tudo aquilo que se

contrapunha ao Estado ditatorial”, de forma que “tudo o que provinha da ‘sociedade

civil’ era visto de modo positivo, enquanto tudo o que dizia respeito ao Estado

aparecia marcado com sinal fortemente negativo”.

Recorrendo a Gramsci, vemos que a sociedade é composta por “dois grandes

planos superestruturais: o que pode ser chamado de ‘sociedade civil’, ou seja, o

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conjunto de organismos habitualmente ditos privados, e o da sociedade política ou

Estado” (Bobbio, 1994, p. 95). Portanto, ainda que entendida como oposta ao Estado, a

sociedade civil conforma um espaço onde se dão as lutas por direitos, os embates

ideológicos: o espaço social onde se atua de forma a obter o consenso (ao lado das

formas coercitivas – Estado ou sociedade política), isto é, as instituições religiosas,

escolares, partidárias, etc. Assim, o desenvolvimento deste conceito leva o movimento

democrático a pensar a democracia através da busca por igualdade de direitos e a

elaboração de um novo conceito de cidadania, capazes de permear as relações sociais

cotidianas e ocupar os espaços consensuais do Estado. Esta positividade adquirida pela

sociedade civil coloca em questão as contradições que a nova cidadania traz à

sociedade brasileira, economicamente moderna a partir dos anos 1980, porém tão

heterogênea e excludente em suas relações políticas e sociais.

Colocadas em segundo plano, as contradições presentes na realidade social, o

movimento pela democracia parece tomá-la como saída redentora para os problemas

do país, tantos pelos adeptos da direita como da esquerda – saída que deveria

manifestar-se através da organização da sociedade civil, já que o Estado brasileiro,

caduco e autoritário, necessita ser repensado para que seja possível a governabilidade.

Inserem-se neste contexto, entre outros setores, o surgimento do Partido dos

Trabalhadores (PT), o novo sindicalismo dos anos 1980, setores progressistas da Igreja

Católica e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), assim como movimentos

representantes de minorias. Esta heterogeneidade de movimentos (tanto em relação aos

interesses como em relação às suas formas de organização) é entendida entre os

intelectuais democráticos como o espaço da sociedade civil, ainda que entres eles não

houvesse um objeto comum permanente em torno do qual se buscaria consolidar uma

hegemonia. Portanto, a controvérsia da recepção deste conceito decorre das

dificuldades em associar, no caso brasileiro, as instituições estatais, de tradição

autoritária e corporativista, ao ideário de uma democracia moderna, capaz de unir

estabilidade econômica à eqüidade social.

Em um breve balanço, enfim, do percurso da produção e divulgação do

pensamento inspirado em Marx, notamos que este transita do monopólio do âmbito

partidário para uma virtual exclusividade do marxismo no âmbito da academia

intermediando a intervenção na realidade inclusiva. Isto representa, também, a

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passagem do monolitismo da codificação marxista-leninista da III Internacional para

uma ampla gama de leituras de Marx, por parte de seus intérpretes e exegetas. O

evolver desse processo, que poderia indicar novos caminhos no sentido de colocar o

debate marxista em novo patamar, de uma certa forma, é interrompido pela

desagregação do campo socialista, promovendo uma vertiginosa diminuição da

incidência da tradição marxista no meio acadêmico que ora assistimos. É, pois, na

esteira do processo de restruturação oposicionista, já referido, que o campo

educacional organiza-se; é dentro desse travejamento político-cultural – com a

presença destacada do marxismo com sua dupla face na academia que surge o

pensamento educacional que busca inspiração em Marx e na tradição marxista.

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2. A EFERVESCÊNCIA ACADÊMICA NO CAMPO EDUCACIONAL DAS

DÉCADAS DE 1970-1980

2.1. A rearticulação do campo oposicionista no Brasil nas décadas de 1970-1980

João Quartim de Moraes define a história do regime militar no Brasil como

sendo “principalmente a da transformação monopolista do capitalismo no Brasil, tal

qual ela pode objetivamente se verificar na nossa época num país capitalista

dependente” (Moraes, 1971, p. 669). O golpe militar de 1964 significou a interrupção

brusca do processo de incipiente democratização da sociedade brasileira, marcada no

período imediatamente anterior pelo grande crescimento da organização e da

participação política dos trabalhadores da cidade e do campo nos rumos do país a

caminho das reformas estruturais, representadas pelas Reformas de Base. Segundo

Saes (1985, p. 157),

A militarização do aparelho de Estado brasileiro se define objetivamente

como a via pela qual se concretiza a passagem de uma situação de equilíbrio

instável no seio do bloco dominante e de ausência de hegemonia à

hegemonia política do grande capital monopolista.

Golpe militar, ditadura militar, são termos que não devem obscurecer, no

entanto, o caráter de classe do movimento que iniciou-se no período anterior a 1964,

englobando diversas classes e frações de classe da sociedade brasileira. Classes e

frações de classe que, embora tenham participado em conjunto da ação do golpe, não

foram particípes de seus rumos, como um todo, como foi o caso particular das

oligarquias agrárias, dos setores médios e da média burguesia, assim como o definiu

Moraes (1971), citado no início deste capítulo. Em relação ao papel dos militares,

segundo o mesmo autor (Moraes, 1971, p. 672)

A fraqueza relativa das organizações políticas das classes urbanas e

notadamente das duas classes principais, burguesia e proletariado, se

exprimia pelo ‘baixo nível de institucionalização’ da luta política.

Combinado com a aceleração do desenvolvimento industrial e dos

fenômenos sociais que ele determina (por exemplo, a ‘urbanização’), o baixo

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nível de institucionalização aumenta a importância relativa das instituições e

forças sociais organizadas ao nível da superestrutura. Nos referimos

principalmente as instituições que num artigo recente Althusser designou

pela expressão ‘aparalhos ideológicos de Estado’. O próprio aparelho de

Estado e ‘seu destacamento especial de homens armados’ aí encontra as

condições para tornar-se árbitro da política. Na falta de um partido burguês, o

Exército não poderia estar mais que tentado de ampliar seu papel

‘extramilitar’.

Embora inicialmente confuso em relação à transitoriedade dos militares no

poder e sua permanência por longo tempo, como demonstram as primeiras medidas do

governo Castelo Branco, o regime foi, aos poucos, revelando que o processo de

permanência da ditadura seria demorado e a defesa da Constituição de 1946, que

serviu inicialmente de argumento para o golpe vai sendo substituída pela de 1967 e o

discurso da defesa da democracia será substituído, cada vez mais, pelo da Segurança

Nacional e pelo fechamento total da ditadura, a partir do AI-5, em dezembro de 1968.

Marcada por drásticas mudanças nas relações entre Estado e oposição, a década

de 1970 inicia um período de grande convulsão social no Brasil. A busca de novas

bases de legitimação política por parte da autocracia burguesa, após a falência do

período de expansão econômica conhecido como o ‘milagre brasileiro’, juntamente

com a valorização da alternativa institucional no campo oposicionista, após o

traumático esmagamento da resistência armada, inicia um período de relativo

equilíbrio político.

O retorno do Castelismo ao poder denotava uma tendência à flexibilização do

regime estabelecido em março de 1964. Em agosto de 1974, Ernesto Geisel, no início

de seu governo discursa anunciando uma ‘lenta, gradativa e segura distensão’.

Iniciava-se o período de isolamento dos militares em face dos segmentos sociais da

burguesia que os haviam guindado ao poder para que capitaneassem a renovação do

parque tecnológico no país, medida necessária ao próprio desenvolvimento do

capitalismo. Já então pressionados pela crítica social nacional e internacional,

começam a apontar para a possibilidade de uma moderada abertura política, porém

sem admitir a possibilidade de entrega do poder à oposição.

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Para Alves (2005), o governo Geisel inaugurou uma terceira etapa da ditadura

civil-militar brasileira. A primeira fase que corresponde aos governos de Castelo

Branco e depois Costa e Silva, lançou as bases do Estado de Segurança Nacional,

materializado na Constituição autoritária de 1967. A segunda fase, de 1969 a 1973,

desenvolveu o modelo econômico e o aparato repressivo, ampliando assim o quadro

legal da repressão e, na prática, a engrenagem de coerção.

Nos anos do milagre econômico, enfatizava-se o papel legitimador dos êxitos

do modelo de desenvolvimento. Com as crescentes dificuldades agora enfrentadas no

terreno econômico, o Estado de Segurança Nacional passou a preocupar-se com a

criação de novos mecanismos para a obtenção do apoio político e social. Desse modo,

a ação do Estado, especialmente no primeiro período do governo Geisel, destinava-se a

desmantelar gradativamente os mecanismos mais explícitos de coerção legal,

simbolizados no Ato Institucional n.5. Além disso, dar-se-ia especial atenção ao

sistema eleitoral, a fim de obter suficiente flexibilidade para um processo

aparentemente livre de escolhe e que ainda assim garantisse ao partido do governo

força eleitoral a longo prazo.

Do outro lado, as forças oposicionistas, ainda assimilando o traumático

esmagamento da via armada, passam a privilegiar o caminho institucional de combate

ao regime – estratégia que engrossa as fileiras, por viabilizar a adesão de setores das

próprias elites, insatisfeitos com a gestão do Estado pelos militares. Esta dinâmica

Estado-oposição é marcada por uma relação nitidamente assimétrica: como lembra

Pécaut (1990), o processo de abertura política é conduzido segundo regras impostas

pelo regime – que poderiam (e seriam) alteradas segundo as conveniências de cada

momento. Mais do que isso, Netto (1990) entende que a própria hegemonia no campo

da oposição democrática nunca escapou das mãos das correntes burguesas, colocando-

se como horizonte a habilitação para o controle do Estado.

Segundo Cardoso (1981), do ponto de vista do Estado, a reorganização

oposicionista apresentava, no plano político, três áreas críticas: as grandes instituições

da sociedade civil, os partidos e a chamada ‘questão social’. A política de distensão

tratará de forma distinta essas áreas: tolera o que Alves (2005) chama de ‘oposição de

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elite’ (as grandes instituições e setores do MDB) e reprime os setores mais à base

(movimento sindical e populares, seculares ou vinculados à Igreja).

A política de distensão, promovida pelo governo Geisel a partir de 1973,

significa um programa de medidas de liberalização cuidadosamente controladas,

definido no contexto do slogan oficial de “continuidade sem imobilidade”. “A

‘continuidade’ traduzia-se numa política de fiel obediência às linhas mestras do

modelo econômico de desenvolvimento já estabelecido e aos preceitos teóricos da

Doutrina de Segurança Nacional. Desse modo, a ‘continuidade’ preservava os

principais aspectos do modelo e a engrenagem do aparato repressivo. ‘Sem

imobilidade’ encarnava-se no plano governamental de reformas que pretendia

constituir um passo adiante na liberalização progressiva, para um retorno à democracia

(Alves, 2005, p. 224). A democratização da sociedade seria alcançada obedencendo-se

a estágios determinados pelo próprio regime: ocorreria, em princípio, a supressão

parcial da censura prévia, seguida de negociações com a oposição para

estabelecimento dos parâmetros de respeito aos direitos humanos. Em seguida, seriam

realizadas reformas eleitorais que ampliassem o nível de representação política. O

resultado final do sistema político a ser constituído seria aquilo que o presidente Geisel

chamou de ‘democracia relativa’, isto é, o Estado ainda disporia, pela Constituição, de

salvaguardas e poderes repressivos de emergência podendo suspender os direitos

individuais e governar por decreto sempre que se sentisse ameaçado pela contestação

organizada.

Nos primeiros movimentos em direção à liberalização é difícil imaginar os

militares envolvidos pela idéia de retirar lenta e gradualmente a instituição do poder.

Devemos lembrar que em nenhum momento após ter assumido a presidência, Geisel

acenou com a possibilidade de eleições livres e diretas para a escolha do próximo

presidente, tal como exigia a oposição democrática. Ele deixou bem claro que os

instrumentos de exceção permaneceriam “até que sejam superados pela imaginação

criadora, capaz de constituir, quando for oportuno, salvaguardas eficazes dentro do

contexto constitucional” (Cruz e Martins, 1983, p. 46).

O objetivo que se esboçava, portanto, continuava a ser o da institucionalização

de um regime que anunciava medidas liberalizantes, mas as condicionava à

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consolidação do projeto autoritário. A eliminação dos mecanismos excessivamente

coercitivos não deveria colocar em risco o controle dos cargos executivos nem

tampouco a maioria governamental no Congresso para aprovar a legislação necessária

às reformas. Nesse sentido, os estrategistas governamentais, contando com os

indicadores ainda relativamente favoráveis na economia e com o suposto apoio social

herdado do ‘milagre’, esperavam repetir a vitória obtida pela Arena nas eleições

municipais de 1970, evidentemente sem os efeitos negativos provocados pela intensa

repressão da época. Se as eleições parlamentares marcadas para novembro de 1974,

entretanto, transcorressem em um ambiente de liberdade, isso significaria a ampliação

da legitimidade eleitoral tão almejada desde o governo Castelo.

O diagnóstico otimista, conforme as previsões registradas nos documentos do

SNI – Serviço Nacional de Informações (Castro, 2002: p. 44), foi todavia ultrapassado

pelo realismo da luta política, pois as mudanças beneficiaram a oposição institucional

representada pelo MDB. Aproveitando a oportunidade de maior liberdade para tecer

alianças e difundir idéias pelos meios de comunicação, o partido ampliou o potencial

de atuação e obteve uma expressiva vitória após uma campanha de denúncias contra o

regime focada em três temas: a violência contra os direitos humanos, a concentração

de renda no país e a desnacionalização da economia. O MDB conquistou mais de um

terço do Congresso, levando o governo a perder a maioria necessária para emendar a

Constituição. Em função de seu sucesso nas eleições legislativas de 1974, o MDB

consagrou-se como porta-voz legítimo da oposição democrática (Kinzo, 1994).

O crescimento oposicionista fragiliza a estratégia de legitimação, que começa a

fazer água em outro flanco: as fraturas internas do pacto da dominação fazem com que

o Estado comece a perder o controle do seu braço armado, sucedendo-se ações de

inusitada (e desesperada) violência, que não se coadunavam com o espírito daquela

etapa de descompressão. O episódio mais marcante foi a morte sob tortura do

conhecido e respeitado jornalista da TV Cultura/SP e professor da USP, Vladimir

Herzog, no DOI-CODI de São Paulo em 24 de outubro de 1975. Poucos meses depois,

o metalúrgico Manoel Fiel Filho é encontrado morto nas mesmas condições nas

dependências do DOI-CODI.

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O governo Geisel caracterizou-se pela contradição entre a política oficial de

liberalização e a realidade da remanescente repressão política. Por um lado, a política

oficial de distensão deu aos setores de oposição mais espaço para se organizar e maior

possibilidade de êxito. Por outro, as pressões coordenadas por melhoria das condições

de vida, fim da censura à imprensa e revogação da legislação repressiva intensificaram

os temores dos setores mais estreitamente identificados com a Doutrina de Segurança

Interna. Segundo Alves (2005, p. 242), à medida que se fortalecia o movimento de

defesa dos direitos humanos, aumentavam no Estado de Segurança Nacional as

pressões e contradições internas quanto às políticas de repressão:

Em conseqüência o período foi de profunda incerteza, permitindo-se

atividades políticas hoje para desencadear amanhã o Aparato Repressivo em

operações maciças de busca e detenção. Foi em tal contexto que vieram a

primeiro plano as atividades da Igreja Católica para estimular e proteger a

organização de uma resistência na defesa dos direitos humanos.

Após emprestar, no início, seu apoio ao golpe militar (Lima, 1979; Morais,

1982; Cava, 1988; Löwy, 1991), gradativamente passa a assumir um papel de destaque

na resistência ao regime. É através do seu episcopado que a Igreja irá intervir no

campo político: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entidade criada

em 1952, articulando em torno do movimento em defesa dos direitos humanos, finda

por constituir-se no porta-voz das forças oposicionistas e interlocutor por excelência

do regime. Um dos frutos dessa ação foi o projeto (posteriormente publicado) “Brasil

Nunca Mais” (Arquidiocese de São Paulo, 1985), contundente denúncia da situação

dos presos políticos no Brasil, distinto dos demais inúmeros depoimentos das próprias

vítimas, na medida em que busca fundamentação tão somente nos documentos oficiais.

As inflexões da Igreja Católica evidenciam as suas lutas internas: nos anos que

se seguem à sua criação, a CNBB trabalha no sentido de viabilizar a Ação Católica

Brasileira, transformando-se em importante dinamizador do mundo católico em sua

inserção política. Todavia, no momento do golpe, a CNBB, em meio a um processo de

burocratização, não se envergonha de tecer loas à intervenção dos militares como pode

se ler na “Declaração” do mês de maio de 1964 (apud Morais, 1982, p. 99):

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Ao rendermos graças a Deus, que atendeu às orações de milhões de

brasileiros e nos livrou do perigo comunista, agradecemos aos militares que,

com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos

interesses da nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-

na do abismo iminente.

Mudanças ‘internas’ (a alteração do encontro da CELAM de Mar del Plata em

1966 para Medellín em 1968, que marca a mudança do lema do ‘desenvolvimento’

para ‘libertação’) e ‘externas’ (isto é, seu diálogo cada vez mais difícil com o Estado,

principalmente no pós-AI-5) fazem com que a Igreja mude radicalmente de direção.

No campo social, estrutura a ação das Comunidades Eclesiais de Base e dos

sindicatos. E, num ponto diretamente relacionado ao nosso objeto de interesse,

viabiliza a transformação da PUC/SP, da qual é Grão-Chanceler Dom Paulo Evaristo

Arns, Cardeal Arcebispo de São Paulo, em uma referência nacional no combate ao

regime militar.

Nunca será exagero salientar a importância da Igreja Católica ao garantir, nos

anos mais difíceis do período autoritário, um espaço de interação e organização, uma

rede de comunicações e a defesa dos direitos humanos. Este não é o lugar para discutir

as raízes históricas e teológicas da posição da Igreja no Brasil. Com a adoção da defesa

dos direitos humanos e a opção preferencial pelos pobres como princípios para toda a

Igreja Católica Brasileira (obviamente com variações em sua aplicação prática) a

Igreja pôde, enquanto instituição, confrontar-se com o Estado. Com isso não se

pretende sugerir que a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, tenha

declarado uma guerra santa contra o regime autoritário. Não obstante, enquanto

instituição, ela assumiu posições contra a tortura, a repressão e a opressão econômica e

social que eram freqüentemente mais fortes que as de suas congêneres em outras partes

da América Latina. A Igreja deu cobertura a um sem-número de iniciativas

organizacionais, das quais a mais conhecida foi a das Comunidades Eclesiais de Base,

lançadas nas dioceses por todo o Brasil no final dos anos 1960, sobretudo após a já

citada Conferência dos Bispos Latino-Americanos de 1968 em Medellín, na Colômbia

(Betto, 1981).

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Através do reexame dos ensinamentos cristãos, muitas comunidades,

especialmente em áreas pobres, acabaram desenvolvendo uma crítica social com base

na sua experiência imediata. Há uma enorme variação nas atividades das CEBs,

dependendo em partem da orientação do padre ou religioso por ela responsável e

também do contexto social no qual funcionam. (Keck, 1991, p. 61).

Ao lado da Igreja Católica, em especial da CNBB, outras entidades tiveram

participação decisiva no processo de democratização. No âmbito científico-

profissional, ocuparam ainda posições de destaque, a Ordem dos Advogados (OAB) e

a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), secundados pela Sociedade Brasieira para

o Progresso da Ciência (SBPC). Tendo em vista que nossa análise incide sobre as

atividades dos cientistas propriemante ditos (local de inserção do movimento dos

educadores), não trataremos aqui da OAB ou da ABI, a despeito do reconhecimento de

sua importância ao lado da CNBB, no combate ao regime militar. A primeira transita

de uma posição próxima à da Igreja Católica: pró-regime, para uma franca oposição,

tendo como eixo a questão da legitimidade do Estado da Segurança Nacional, exigindo

o restabelecimento do ‘estado de direito’. A ação da segunda passa pela luta contra a

censura dos veículos de comuicação e pela ‘liberdade de expressão’.

As pressões exercidas por grupos de elite no terreno da política formal

obrigaram o Estado a encetar diálogo com figuras de destaque da oposição organizada.

O governo do General Ernesto Geisel iniciou em 1978 uma série de encontros com os

líderes do MDB, da OAB, da ABI e com representantes da CNBB. Procurava-se

nesses encontros identificar as questões mais prementes. Revogou-se o Artigo 182 da

Constituição de 1969, o que significava a eliminação do Ato Institucional n.5 e de

todos os atos complementares e leis a ele apensos. Ficavam assim restaurados os

direitos legais mais fundamentais: direito de habeas corpus para os crimes políticos e

direito de não ser preso sem acusação ou mandado. O Executivo perdeu o poder de

decretar o recesso ou fechamento do Congresso Nacional e das assembléias estaduais,

assim como o de cassar mandatos eleitorais por decreto, sem direito de defesa ou

recurso. Como não se restabelecia integralmente a imunidade parlamentar, a oposição

considerou a vitória parcial; o Legislativo ainda estava sujeito a decisões dos dois

outros poderes. De modo geral, a emenda significava um retorno ao status quo

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anterior, restabelecendo muitos dos dispositivos incluídos na Constituição de 1967,

antes do AI-5 (dezembro de 1968). (Alves, 2005, p. 264).

A relação do Estado com o meio intelectual foi, durante toda a ditadura militar,

bastante contraditória. O ensino superior no país expande-se de forma notável no

período, com a criação de universidades oficiais em quase todas as unidades da

federação, além de diversas universidades confessionais. Tal expansão será marcada

também – e de forma decisiva – pela maciça privatização do ensino colocada em

prática pelos governos militares. A despeito de seu acentuado crescimento, o

cerceamento e o controle sofridos pelas universidades públicas acabam por fragilizá-

las, transformando-as em instituições esvaziadas e burocratizadas.

Um regime como o instalado em 1964 e reforçado em 1968, e que desejava

enfatizar dois aspectos – a segurança nacional e o desenvolvimento econômico – não

poderia se desinteressar da política científica. Tanto o governo do general Médici

quanto o do general Geisel pretendiam aumentar o potencial cientifíco e técnico do

país, financiando centros de pesquisa e formação de cientistas (Pécaut, 1990, p. 263), o

que explica esta expansão do ensino superior, bem como a manutenção e a criação de

novos instrumentos de apoio ao trabalho científico no Brasil1. As opções científicas e

tecnológicas dos governos militares não recebem necessariamente a aprovação das

personalidades da comunidade científica: mencionaremos mais adiante as discussões

sobre esse assunto no SBPC. Apesar disso, os recursos têm um aumento considerável.

O ressurgimento dos intelectuais configura-se sob o signo da profissionalização

que teria como característica fundamental uma auto-imposição de rigorosas exigências

acadêmicas, compatíveis com os requerimentos do trabalho propriamente científico.

Tal profissionalização, contudo, não se incompatibilizaria com a ação política. Ao

contrário, a própria excelência da produção intelectual avalizaria a intervenção

1 Ao lado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES), fundados antes do golpe de 1964, são criados a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – além da manutenção da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Evidentemente, não se tratava de uma abstrata preocupação com o incremento do nível cultural do país: havia uma nítida ambição do regime com relação ao desenvolvimento tecnológico para atingir suas finalidades expressas no binômio segurança nacional-desenvolvimento econômico. Críticas ao padrão de financiamento são encontradas em Rosa (1984).

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política. Este processo seria basicamente viabilizado pela implantação dos programas

de pós-graduação stricto sensu: mestrados e doutorados – e pela atividade de institutos

isolados de pesquisa. No tocante às entidades que alcançam projeção política e

científica no período da restruturação oposicionista, destacam-se seguramente duas: o

CEBRAP, entre as instituições isoladas, e a PUC/SP, dentre as universidades.

O CEBRAP, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, é criado em São

Paulo, no ano de 1969, na esteira da perseguição sofrida particularmente por docentes

da USP. A ruptura de seus vínculos com a Universidade deixaria o grupo sem o

ambiente no qual pudesse interagir diariamente com um numeroso e mobilizado

público, composto pelos estudantes e colegas de trabalho. Nas novas condições, seus

membros teriam que aprender a conviver com outra realidade cotidiana, que exigiria

deles uma enorme capacidade de renovação de suas práticas e de seu repertório

conceitual, forçando-os a estabelecerem novas relações institucionais e a estudarem

temas que não faziam parte de sua agenda tradicional de pesquisa. De uma situação de

‘ilha de saber’, onde haviam trabalhado durante anos, viam-se lançados a uma

condição de incerteza, profissional e política. A nova instituição começaria a funcionar

com uma equipe formada por quinze pesquisadores e com verbas fornecidas por

organismos de fomento a pesquisa internacionais (a princípio a Fundação Ford, nos

primeiros três anos e meio, e depois o Banco Interamericano de Desenvolvimento,

BID) e nacionais (como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,

Fapesp). Além disso, faria assessorias e consultorias técnicas para órgãos públicos e

para instituições da sociedade civil1. Estavam entre os membros dessa instituição,

ingressando em períodos diversos, Cândido Procópio Ferreira, Juarez Brandão Lopes,

Fernando Henrique Cardoso, José Artur Giannotti, Paul Singer, Elsa Berquó, Octavio

Ianni, Francisco de Oliveira, Bolívar Lamounier, Vilmar Faria, Carlos Estevam

Martins, Francisco Weffort, Bóris Fausto, Vinícius Caldeira Brandt, Régis de Castro

Andrade, Luís S. Werneck Vianna, Maria Hermínia Tavares de Almeida, dentre

outros. Promovendo eventos, realizando pesquisas, e divulgando-as através de suas

publicações – os Estudos, os Cadernos, e os Novos Estudos CEBRAP, esta instituição

1 O foco social desse trabalho está resumido nos dois volumes encomendados pela Diocese de São Paulo: Cândido Procópio Ferreira de Camargo et alii, São Paulo 1975: crescimento e pobreza (São Paulo, Edições Loyola, 1976); e Paul Singer e Vinícius Caldeira Brandt, São Paulo: o povo em movimento (Petrópolis, Vozes,, 1980)

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será um paradigma de profissionalização no campo das ciências sociais. Esses

intelectuais tentaram, pedaço a pedaço, reconstruir o discurso verbal e escrito da

sociedade sobre si mesma e, ao mesmo tempo, desempenhar um papel no trabalho de

moldar, fundindo-as, as forças que se opunham ao regime militar. A despeito de todas

as restrições - financeiras e políticas - o Cebrap vai se impondo como um espaço

institucional novo onde se mantinha um estilo coletivo e rigoroso de trabalho

intelectual, ainda que não pudesse dedicar-se à formação de estudantes e

pesquisadores. Nesse sentido, o Cebrap acabou funcionando muito mais como um

ponto de referência para o pensamento de oposição do que como um pólo de formação

de quadros intelectuais. Já na primeira metade dos anos setenta, o Cebrap consolida-se

como o principal pólo de produção intelectual sobre o país, não só pelas pesquisas que

elaborou diretamente, como também pela promoção de um intenso debate das idéias e

teses geradas em outros centros intelectuais nacionais e internacionais. Inclusive, foi

devido ao cosmopolitismo e à atualidade das teses que propagaram que seus

intelectuais adquiriram projeção, foram chamados a participar de experiências

jornalísticas e convidados a colaborar na atualização do programa da oposição

institucional - o MDB. 1

Contudo, a instituição que nos interessa mais de perto é a Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – não apenas pelo papel assumido na luta pela

liberalização política, quanto pela sua importância no meio educacional. A PUC/SP,

em função das condições propiciadas pela posição assumida pela Igreja Católica no

interior das forças oposicionistas, encontrava-se em condições excepcionais para

transformar-se, no campo cultural, em uma referência nacional na resistência e no

combate ao regime militar. A PUC/SP, torna-se um espaço aberto para o debate,

franqueando suas portas para a realização de eventos e manifestações acadêmico-

1 Em 1973: começam os primeiros contatos entre Cardoso e outros membros do Cebrap de um lado, e os dirigentes do MDB de outro, por ocasião de uma conferência organizada em Porto Alegre pelo instituto de estudos do MDB, o IEPES (Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais). 1974: Ulysses Guimarães, presidente do MDB desde o ano precedente, convida diversos membros do Cebrap – Cardoso, Francisco de Oliveira, Weffort – para participarem da atualização do programa do partido. 1978: Fernando Henrique Cardoso candidata-se às eleições para o Senado pelo Estado de São Paulo e, com mais de um milhão de votos, é eleito suplente. Torna-se senador em 1982. 1979: as greves do ABC e a expansão das comunidades de base levam à fundação do PT: os intelectuais desempenham um papel importante em sua organização, ao lado de Lula, e Weffort logo se torna secretário-geral do partido. Alguns membros do Cebrap aderem ao PT: Paul Singer, Francisco de Oliveira e outros. 1982: por ocasião das eleições para governador, vencidas pelo PMDB em nove dos principais Estados, começa a aprofundar-se a ruptura partidária entre os intelectuais (Pécaut, 1990: p. 301).

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políticas de naturezas diversas – destacando-se o encontro anual da SBPC, em julho de

1977. Em setembro deste mesmo ano, a PUC/SP teria um papel relevante em outro

confronto direto com o Estado: o Encontro Nacional dos Estudantes (ENE), o terceiro

de uma série visando a reconstrução da União Nacional dos Estudantes1, é proibido

pelo governo e em São Paulo, sua sede, é tomada pela polícia. No dia seguinte, 22 de

setembro de 1977, os estudantes, adotando uma tática diversionista, marcam um ato

público para a noite enquanto realizam o encontro, secretamente, horas antes (na

mesma PUC/SP). O ato, transformado de protesto em comemoração, é violentamente

reprimido pela Polícia Militar. A universidade é invadida; salas de aulas, de

professores e da administração são destruídas; mais de três mil estudantes e

professores são detidos por horas, além de cinco estudantes seriamente feridos. Nesse

mesmo período, a PUC/SP dá uma cartada decisiva para consolidar sua posição de

vanguarda acadêmica – na direção da profissionalização: ao empregar intelectuais de

expressão – retornando do exílio, aposentados compulsoriamente ou sem espaço para

trabalhar em suas instituições de origem, via de regra, públicas. São os casos de

Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Bento Prado Jr., José Artur Giannotti, Maurício

Tragtenberg e Paulo Freire, apenas para citar alguns exemplos. A PUC/SP transforma-

se no locus privilegiado de criação, de produção do conhecimento (que subsidiaria as

1 Atuante novamente a partir da segunda metade dos anos 1970, o movimento estudantil teve uma influência importante por causa de sua visibilidade. Mas, apesar da onda crescente de protesto estudantil a partir de 1975, os estudantes levaram muito tempo para reconstituir as organizações destruídas em 1968 – em especial a União Nacional dos Estudantes, UNE, que continuara a funcionar precariamente na clandestinidade depois que seu congresso de 1968, realizado em Ibiúna, fora dissolvido pela polícia. A repressão militar e a proibição das organizações estudantis autônomas a partir do final dos anos 1960 haviam deixado os estudantes com poucas alternativas para uma ação política legal. Muitos abandonaram as universidades para participar do que, de forma romântica, viam como uma luta armada de libertação nacional, enquanto outros dedicavam-se a atividades culturais. Em meados dos anos 1970, embora os grupos de esquerda ainda fossem importantes nos campi universitários, o alvo do radicalismo estudantil havia se deslocado da burguesia para a ditadura. Esse deslocamento devia-se em parte à desastrosa derrota dos grupos guerrilheiros; nele também refletia-se o fato de que, na década compreendida entre meados dos anos 1960 e 1970, a população estudantil universitária quadruplicara, de tal sorte que o seu sentimento político refletia agora uma seção mais ampla da sociedade. Apesar dessas mudanças, os militares ainda viam o ressurgimento do ativismo estudantil em 1975 como a revivescência de um perigoso movimento clandestino. As tentativas de reconstrução das organizações estudantis e a primeira grande greve dos estudantes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo foram esmagadas. Em 1976, os estudantes conseguiram realizar um congresso nacional, mas decidiram não reativar a UNE por causa da contínua repressão. A histeria da reação dos militares e da polícia acalmou-se em certa medida após os incidentes de 1977, embora a legislação que proibia qualquer organização estudantil que não aquelas autorizadas pelo governo continuasse em vigor. Entretanto, as tropas foram retiradas dos campi universitários. Em 1978, formou-se em São Paulo, pela primeira vez em dez anos, a primeira União Estadual dos Estudantes, UEE, e, no ano seguinte, em maio de 1979, foi realizado em Salvador o congresso de criação de uma nova União Nacional dos Estudantes, UNE.

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lutas oposicionistas). Particularmente, é o seu setor de pós-graduação que se destaca,

transformando-se em referência nacional.

Se em tais instituições a legitimidade política é sediada na competência

acadêmico-científica, a ação propriamente política dos intelectuais gravitará em torno

da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Inspirada nas similares

BAAS (British Association for the Advancement of Science) e AAAS (American

Association for the Advancement of Science), a entidada brasileira é criada no

município de São Paulo, em 1948, por um grupo de cientistas predominantemente da

área biológica (Fernandes, 1990). Muito embora sua principal publicação tivesse o

título de “Ciência e Cultura”, é apenas nos anos 1970 que há uma ampliação no

sentido de abranger os diversos campos do conhecimento, com a admissão das

‘ciências sociais’ em seus encontros anuais. A partir daí, e gradativamente, a entidade

vai tornando-se mais ‘crítica’, na medida em que as questões concernentes à situação

do país começam a ser discutidas no seu interior. Já na reunião de 1973, é colocado em

discussão ‘o modelo econômico brasileiro’, e seus reflexos sobre um amplo espectro

de temas, como analfabetismo, mortalidade infantil, etc. (Fernandes, 1990, p. 186). É,

contudo, a reunião realizada em Brasília em 1976 que marca a entrada efetiva da

entidade na luta pela democratização (Pécaut, 1990, p. 276):

É verdade que ela nunca deixou de deplorar as sanções que desde 1964

golpearam seus membros. Tanto a intensidade da repressão como as ilusões

geradas pelos planos científicos do governo levam-na, durante muito tempo,

a evitar fazer alarde. Coincidem em 1976 a disputa sobre as opções

nucleares, o desperta da ‘sociedade civil’ e a retomada da abertura. No

entanto, a SBPC se abstém de emitir resoluções diretamente políticas. Em

1977, no encontro realizado na PUC/SP – em substituição ao encontro

previsto para Fortaleza, mas inviabilizado pela recusa do governo em

conceder as subvenções habituais – a SBPC se recusa, por exemplo, a

endossar a promessa de convocação de uma assembléia constituinte. Não

importa: a SBPC transforma-se de repente num fórum onde a questão da

liberalização do regime e da volta à democracia coloca-se abertamente.

A presença de intelectuais, estudantes, e mesmo de um público não diretamente

ligado à academia cresce, as mesas onde a situação e a estratégia políticas são

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discutidas multiplicam-se, transformando as reuniões possivelmente no mais

importante fórum de discussão acerca das questões relativas à democratização. A partir

de 1978 e, especialmente de 1980, os cientistas colocam em discussão o ‘retorno às

origens’, uma vez passado o momento mais crítico da ‘abertura política’, no qual o

papel da entidade e das suas reuniões anuais alargaram-se de maneira desmesurada. A

SBPC havia cumprido seu papel no processo de liberalização. Cunha (1981, p. 81),

sugere que, adicionalmente, diante do processo de extrema especialização em curso na

universidade brasileira, a SBPC teria desempenhado o papel de recuperar o caráter

interdisciplinar do conhecimento e a colaboração acadêmica.

Também é o momento de emergência do chamado ‘novo sindicalismo’ que,

embora venha à tona somente em 1977, é conseqüência de anos de luta para a

reorganização do movimento operário. O momento emblemático do ressurgimento (e

vigor) do movimento sindical são as greves anuais dos metalúrgicos de São Bernardo

do Campo, São Caetano do Sul, Santo André e Diadema (ABCD paulista), a partir de

1978. Os metalúrgicos do ABCD sabiam que ocupavam uma posição privilegiada no

quadro produtivo brasileiro e estavam perfeitamente conscientes de sua capacidade de

‘paralisar o sistema’. Pelos padrões brasileiros, os metalúrgicos encontravam-se entre

os trabalhadores mais bem pagos do país em 1978. Não se comportaram, entretanto,

como uma ‘aristocracia do trabalho’, profundamente imbuídos da responsabilidade de

se valer das vantagens de que desfrutavam em benefício dos demais. Em São Bernardo

do Campo, os trabalhadores já vinham discutindo há alguns anos a Consolidação das

Leis do Trabalho, a lei de greve, as políticas salariais e possíveis formas de oposição,

chegando a três conclusões a respeito das estratégias de oposição anteriormente

adotadas. Primeiro, as greves de Osasco e Contagem, em 1968, haviam fracassado

sobretudo porque a organização, o nível de consciência e logo o grau de participação

não se haviam desenvolvido o bastante para forçar a negociação. Segundo, nada nas

leis de greve que os trabalhadores que comparecessem aos seus locais de trabalho, mas

não ligassem suas máquinas, estariam legalmente em greve. Finalmente, os

metalúrgicos não foram incluídos entre as categorias consideradas ‘essenciais’ e por

isso não eram expressamente proibidos de fazer greve, segundo a Lei de Segurança

Nacional. (Alves, 2004, p. 300).

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Ao fazer um retrospecto dessas greves, Almeida (1988, p. 338) destaca quatro

aspectos: a abertura para negociações coletivas em um sistema de relações trabalhistas

que era hostil; a perda do poder coativo da legislação pertinente ao controle autoritário

dos trabalhadores; a inclusão da questão social na agenda da transição e a revitalização

dos sindicatos. Segundo Luís Inácio Lula da Silva, então presidente do Sindicato dos

Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, o que aconteceu foi

conseqüência da organização amadurecida de uma classe a partir das bases. A função

do sindicato era coordenar as propostas apresentadas pelos próprios trabalhadores.

Estes haviam descoberto que era muito mais fácil negociar ‘com as máquinas paradas’,

e pretendiam recuperar sua principal arma de barganha – a greve (apud Alves, 2004: p.

302).

Por fim, o último componente vital para o entendimento da dinâmica do

período é a reforma partidária. Em dezembro de 1979, com o claro objetivo de dividir

e fragmentar a oposição, a “Nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos” acaba com o

bipartidarismo, resumindo – ainda que dentro de determinados limites – a liberdade de

organização partidária. O partido governista, a ARENA, transforma-se em PDS

(Partido Democrático Social), enquanto que o MDB, conservando seu núcleo,

transforma-se pura e simplesmente em PMDB, ou seja, Partido do Movimento

Democrático Brasileiro. O maior partido da oposição estrutura-se reunindo em sua

composição, um amplo espectro ideológico que passava dos conservadores a

organizações clandestinas de esquerda (Alves, 2004, p. 323). Surgem, contudo, ao lado

do PMDB, o Partido Popular (PP), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido

Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido dos Trabalhadores (PT). É exatamente este

último que polarizará, com o PMDB, o movimento oposicionista nos anos

subseqüentes. Com forte base sindical – particularmente enraizado no ABCD – conta

com a adesão da ala mais progressista da Igreja Católica, de amplos setores do

movimento estudantil, de intelectuais e dos movimentos de base e, mesmo enfrentando

dificuldades impostas pela legislação eleitoral, o partido adquire gradativamente

expressão nacional. O PT, tanto pelo fato de ser um componente não previsto na

estratégia do Estado ao propor a reformulação partidária, quanto – e principalmente –

pelas suas características, é considerado por muitos um ‘fato novo’ dentro do cenário

político-partidário brasileiro (Moisés, 1982; Garcia, 1986; Keck, 1991). O

multipartidarismo fará também com que os intelectuais tenham acesso ao poder, seja

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via legislativo, seja no próprio executivo: a contenda desloca-se para o interior do

Estado, encerrando assim o ciclo propriamente oposicionista.

2.2. A produção acadêmica-educacional do período 1970-1980

A produção educacional que busca inspiração no marxismo deve ser situada na

confluência da reorganização do campo oposicionista apresentada no ítem anterior e da

retomada da reflexão marxista após os anos do vazio discutida no primeiro capítulo

deste estudo. Teses e dissertações acadêmicas, livros, artigos de revistas e, sobretudo,

muitas conferências e debates em universidades, sindicatos de professores e reuniões

técnico-políticas serviram para difundir a crítica à política relativa ao ensino de 2º

grau, a que logo se articulava à crítica à reforma universitária, antecedente e

determinante daquela, assim como a outras medidas, a exemplo da campanha de

alfabetização de adultos – tudo isso posto como produto de governos ilegítimos que

não expressavam as reais necessidades do povo brasileiro (Cunha, 2001, p. 92):

A qualidade inédita dos textos pelos quais se veiculava essa crítica da

política educacional, ao invés de dificultar facilitou sua disseminação.

Como era uma crítica que se elaborava nos programas de pós-graduação em

educação, os padrões acadêmicos alcançados por alguns programas

propiciaram a entrada dos profissionais dessa área na até então seleta e

restrita Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC.

O retorno dos grandes eventos em escala nacional marca um importante

momento na reorganização política dos educadores. Em 1978, realiza-se em Campinas,

o I Seminário Brasileiro de Educação no qual, com a presença de educadores de todo o

país e, à semelhança das reuniões da SBPC, a dimensão política assume preeminência,

centrada em um duro questionamento da política educacional (Germano, 1993: p.

243). O II Seminário pensado para 1980, transforma-se na primeira das “Conferências

Brasileiras de Educação – CBE” redivivas, evento maior dos educadores. O relevo

adquirido pela discussão da educação naquele momento, é necessário destacar,

exorbitava em muito os limites do próprio campo: a reunião anual da SBPC deste ano

elege por tema geral “Ciência e Educação para uma Sociedade Democrática”.

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A I CBE, Conferência Brasileira de Educação, realizada entre o final de março

e o início de abril de 1980 no município de São Paulo, com a PUC sendo mais uma vez

a instituição que abriga o evento, com um público de 1.400 participantes, tem por tema

a então atualíssima questão da política educacional. O número de participantes da

segunda que tem lugar no campus da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo

Horizonte, no mês de junho de 1982, tem por tema central “Educação: perspectiva na

democratização da sociedade”, já é de 2.000. A Faculdade Federal Fluminense, em

Niterói, sedia a III CBE, em outubro de 1984. Com o expressivo contingente de 5.000

participantes, o encontro centra-se sobre o tema “Da crítica às proposições”. O tema da

IV CBE, realizada em setembro de 1986, nos campi da Universidade Federal e

Católica de Goiás, em Goiânia, é “A educação e a constituinte” e conta com 6.000

participantes. A V CBE é realizada, em agosto de 1988, em Brasília, no campus da

UNB: em torno do tema “A lei de diretrizes e bases da educação nacional”, reúnem-se

novamente 6.000 participantes.

Percebe-se, a partir da temática proposta, que o movimento dos educadores

segue rigorosamente a trajetória da oposição: da crítica mais geral situada no âmbito

do controle do regime militar para proposições ao mesmo tempo mais práticas e

específicas, colocadas pela perspectiva da transição pela via institucional. De acordo

com Cunha (1991: p. 96), a Carta de Goiânia, elaborada durante a IV CBE, representa

a melhor expressão das demandas políticas dos educadores. Ela reune os dispositivos

constitucionais pelos quais lutavam os educadores: o direito à educação, a

responsabilidade do Estado, destinação de recursos públicos, laicidade do ensino,

controle social da educação, etc.

A reativação desses grandes eventos somente foi possível pelo (res)surgimento

de entidades congregando educadores organizados nacionalmente, no rastro da antiga

ABE (Associação Brasileira de Educação). São criadas, em um intervalo de

aproximadamente um ano, três entidades que viriam a ser co-promotoras das CBEs: o

CEDES, a ANDE e a ANPEd. O Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) é

fundado em março de 1979, na cidade de Campinas (SP), no âmbito da Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP), conquanto instituição independente. Nascido da

preocupação dos educadores “com a reflexão e a ação ligadas à relações da educação

com a sociedade”(CEDES, 1986, p. 28), teria por objetivo:

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promover e incentivar debates e críticas sobre a educação brasileira, tendo

em seu cerne a luta contra a educação do colonizador, que é a nossa educação

dominante e propor uma educação que não seja apenas interrogativa, crítica,

mas que seja afirmativa, na busca de alternativas válidas – de modo a

organizar o campo educacional no país (num momento de desmobilização

política).

As atividades que deveriam ser realizadas pela entidade reuniam estudos,

pesquisas, eventos diversos, contatos com instituições congêneres e publicações – a

revista “Educação & Sociedade” e os “Cadernos do CEDES”.

Em agosto também de 1979, é fundada no município do Rio de Janeiro, a

Associação Nacional de Educadores (ANDE). Um depoimento de Selma Garrido

Pimenta e José Carlos Libâneo (ANDE, 1986, p. 25) esclarece a proposta da entidade:

um centro de estudos, visando atender educadores de todos os graus, com uma linha de

atuação “eminentemente política, e não sindical ou corporativa”. A preocupação

expressa é a de retomar a bandeira da “educação pública e gratuita para a totalidade da

população”, isto é, associar a educação ao tema da “democratização” (ANDE, 1986, p.

28).

A primeira das entidades organizadas neste período, a Associação Nacional de

Pós-Graduação em Educação (ANPEd), tem uma trajetória algo conturbada. Sua

vinculação de origem ao aparelho de Estado (a CAPES) faz da ANPEd uma entidade

sui generis em relação às anteriores, nascidas estritamente no âmbito da sociedade

civil. Contudo, no ano de 1979, em uma reunião de discussão de um processo de

avaliação dos programas proposto pela CAPES em Salvador (BA), a associação

denuncia o convênio, marcando a independência da entidade com relação ao Estado,

em uma demonstração da disposição dos educadores. Entre seus objetivos, estaria a

busca de uma maior articulação entre as comunidades científicas, justamente visando o

desenvolvimento desses dois eixos-principais: a pós-graduação e a pesquisa. Para

tanto, ao lado de publicações diversas, promove eventos científicos entre os quais, a

CBE e as reuniões anuais da entidade. Estas entidades exerceram, no campo

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educacional, papel semelhante ao da SBPC no meio intelectual tomado de forma

global.

Dentre os elementos marcantes na constituição do campo educacional estão as

entidades de professores criadas ou reorientadas na luta contra o regime militar, que

chegaram a montar verdadeiros sistemas sindicais, ao mesmo tempo indutores e

produtos das greves da categoria, desde o ano de 1978. A proibição da sindicalização

dos funcionários públicos, desde os primórdios da legislação trabalhista, determinou

uma organização fragmentada dos professores de 1º e 2º graus. Os que trabalhavam

nas instituições privadas podiam se associar a sindicatos, que se reuniam numa

federação própria. Com isso, os professores das redes federais, estaduais e municipais

de ensino só podiam se filiar a associações e centros, que não eram reconhecidos como

entidades representativas da categoria. As entidades de professores de 1º e 2º graus das

redes públicas de ensino filiavam-se à Confederação de Professores do Brasil, CBP.

A CBP teve origem na Confederação dos Professores Primários do Brasil,

criada em 1960 com onze entidades estaduais filiadas. Nos primeiros anos de

atividade, o caráter pouco combativo da CBP permitiu-lhe ser até mesmo convocada a

participar das Conferências Nacionais de Educação que foram instituídas após o golpe

militar, em substituição à série homônima que a Associação Brasileira de Educação

vinha promovendo desde 1927 (Cunha, 1981a). Impulsionada pelos movimentos

reivindicatórios dos professores de vários estados, em 1978, a CBP começou a se

posicionar contra a política educacional do governo e a política econômica

concentradora de renda, assim como pelo fim do regime autoritário. Se, em 1974, o

congresso da entidade teve como tema “O professor como agente da implantação da

reforma do ensino de 1º e 2º graus”, o de 1978 abordou os “Aspectos da problemática

educacional brasileira” e o de 1981 tratou da “Educação e Democracia”, o que revela

uma passagem de temas muito específicos para outros mais gerais, numa politização

crescente. Em 1978, os professores de São Paulo e do Paraná fizeram as primeiras

greves do magistério desde o golpe de Estado.

Paralelamente à organização dos professores de 1º e 2º graus, os do ensino

superior constituíram suas próprias entidades. Os docentes das instituições privadas de

ensino superior podiam se filiar aos sindicatos próprios da categoria. No entanto, não

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se sentiam representados por eles, já que se voltavam principalmente para os interesses

dos professores de 1º e 2º graus, majoritários entre os associados. Mas foram os

professores das grandes universidades públicas que criaram as condições para as novas

entidades. Em 1978, durante a 30ª Reunião Anual da SBPC, a Associação de Docentes

da Universidade de São Paulo-ADUSP promoveu o encontro de entidades congêneres,

de vários estados as quais chegavam a dezessete, quase todas constituídas havia menos

de dois anos. Durante os primeiros anos em que esses encontros de associações se

realizaram, o movimento se reforçou em extensão e em profundidade (Cunha, 2001, p.

80):

Em extensão, pela rápida multiplicação dessas entidades, apesar do número

elevado de professores demitidos por participarem das associações ou por

tentarem organizá-las. Isto aconteceu nas instituições particulares de ensino

superior, que chegaram a demitir por esta razão trezentos professores, só no

ano de 1979. O reforço em profundidade se dava pela identificação dos

problemas de caráter trabalhista e salarial das universidades federais

autárquicas, justamente aquelas onde as associações tinham mais amplas

bases e gozavam de mais espaço para atuação.

No segundo semestre de 1980, as associações de docentes das universidades

federais autárquicas promoveram a primeira greve de professores universitários de

âmbito nacional. Na longa pauta de reivindicações estavam o reajuste imediato de

salários e a adoção de reajustes semestrais; o aumento de recursos para a educação; a

revogação da lei que permitia ao Presidente da República nomear os reitores das

universidades federais organizadas sob o regime de fundação; a submissão ao

Congresso Nacional do anteprojeto do MEC de reestruturação da carreira do

magistério. A greve que paralisou o trabalho de 35 mil professores, nos meses de

novembro e dezembro de 1980, levou à demissão do ministro da educação Eduardo

Portella, um intelectual liberal, subsitituído por Rubem Ludwig, um general-de-

brigada, participante do círculo de colaboradores mais próximos do então presidente, o

também general João Figueiredo.

O movimento grevista acelerou a criação de uma entidade nacional, a ANDES

(Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior). Neste sentido, foi aprovada

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resolução no Congresso Nacional de Docentes do Ensino Superior (Campinas, SP,

fevereiro de 1981), ao qual compareceram trezentos delegados de 67 associações. A

bem-sucedida organização dos professores das instituições de ensino superior foi

duplicada pelos funcionários técnico-administrativos das universidades. Associações

de servidores organizaram-se nas grandes universidades públicas e em algumas poucas

privadas, reunindo uma categoria extremamente diversificada (Cunha, 2001, p. 81).

Ao contrário da voz corrente no período, as greves nacionais dos docentes

universitários (com a participação ou não dos servidores técnicos-administrativos,

através de sua entidade, a Federação das Associações de Servidores das Universidades

Brasileiras – FASUBRA) não tiveram como mote principal as questões salariais: após

um conjunto de paralisações em 1980 visando o estabelecimento de uma carreira

unificada, as (longas) greves de 1982, 1984 e 1987 notabilizaram-se pela denúncia da

política educacional do governo, logrando colocar em destaque a defesa do ensino

público e gratuito em todos os níveis, na pauta das lutas oposicionistas.

Semelhante ao que se dá em outros campos do conhecimento, os anos 1970 são

marcados por uma ativação geral do mercado editorial, com um considerável

incremento das publicações voltadas para a educação. No que toca aos livros, circulam

lado a lado o segmento sempre presente das publicações importadas e o das traduções

de obras contendo reflexões originais acerca da educação, a partir de filiações téoricas

diversas, e, de autores com as mais diferentes formas de incorporação do pensamento

marxista, como são os casos de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (“A

Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino”), Roger Establet e

Christian Baudelot (“La escuela capitalista”), Louis Althusser (“Aparelho Ideológicos

de Estado”), Mario Alighiero Manacorda (“O Príncipio Educativo em Gramsci” e

“Marx e a pedagogia moderna”), Aníbal Ponce (“Educação e Luta de Classes”) e

George Snyders (“Escola, classe e luta de classes” e “Para onde vão as pedagogias

não-diretivas”) – além do resgate da obra de Paulo Freire.

Contudo, o fenômeno mais significativo talvez seja o surgimento de uma

profusão de obras contendo reflexões de educadores brasileiros sobre temas os mais

variados, publicados por algumas editoras, com especial destaque para a Cortez e

Autores Associados. Livreiro desde a metade da década de 1960, José Xavier Cortez

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cria, em 1975, em sociedade com Orozimbo José de Moraes, a Editora Cortez &

Moraes. Para realizar o trabalho de indicação de títulos novos, com vistas à sua

publicação, foi constituído em 1976, o seu Conselho Editorial, que teve a seguinte

composição: Antonio Joaquim Severino, Casemiro dos Reis Filho, Dermeval Saviani,

Joel Martins, Maurício Tragtenberg e Walter Esteves Garcia. E os primeiros trabalhos

começaram a ser publicados no âmbito de uma coleção denominada “Educação

Universitária”.

Entretanto, em 1979, desfaz-se a sociedade, surgindo daí duas editoras

distintas: a Cortez Editora e a Editora Moraes. Diante dessa situação, o grupo de

professores que integrava o Conselho decidiu repensar o projeto e, para não ficar à

mercê das contingências dos editores, resolveu constituir uma editora. Assim, por não

dispor de capital próprio, essa editora deveria, pelo menos inicialmente, operar à base

de co-edições. A idéia era que, transformando-se o antigo Conselho em uma editora

autônoma, caso se inviabilizasse, por alguma razão, as relações com determinado

editor, seria possível recorrer a outros; e, mais do que isso, seria possível co-editar

determinado título com uma editora e um outro título com uma outra editora,

ampliando-se, portanto, o leque de possibilidades de modo a se assegurar que o projeto

de publicações não viesse a sofrer solução de continuidade. A partir desse

entendimento, foi constituída, na virada de 1979 para 1980, a Editora Autores

Associados. O nome deriva do fato de que seus criadores eram autores reais ou

potenciais que estavam se associando para realizar esse projeto, o qual, por sua vez, se

propunha a valorizar os jovens autores que, pela sua produção científica consistente,

viessem a trazer relevante contribuição ao desenvolvimento da educação, em

particular, e da cultura brasileira, de modo geral. O grupo instituidor foi composto por

dez pessoas: Antonio Joaquim Severino, Casemiro dos Reis Filho, Dermeval Saviani,

Gilberta Sampaio de Martino Jannuzzi, Joel Martins, Maurício Tragtenberg, Miguel de

La Puente, Milton de Miranda, Moacir Gadotti e Walter Esteves Garcia. Na segunda

metade da década de 1980, se retiraram do grupo os professores Joel Martins,

Maurício Tragtenberg e Miguel de La Puente, sobrevindo, também, o falecimento de

Milton de Miranda.

A Autores Associados criou a Coleção "Educação Contemporânea" para a

publicação de livros no formato padrão e, posteriormente, a Coleção "Polêmicas do

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Nosso Tempo" em formato de bolso e decidiu co-editar com a Cortez Editora,

estabelecendo um contrato que previa uma contabilidade que distribuía as receitas e

despesas igualmente à razão de 50% para cada uma das partes. Os primeiros livros

foram publicados em 1980 e a parceria entre Autores Associados e Cortez se estendeu

por toda essa década com um número significativo de títulos que a tornou um marco

na produção editorial brasileira na área de educação. Durante este percurso, o catálogo

da editora – que “praticamente se especializa no campo da educação”(Germano, 1993,

p. 243) – é composto principalmente por monografias produzidas nos programas de

pós-graduação brasileiros. Boa parte da produção educacional de inspiração marxista –

objeto de estudo – foi publicada por esta parceria. A importância desta enquanto

suporte para o movimento renovador da educação desse período mereceria uma

avaliação, ela que é considerada por Clarice Nunes (1991, p. 134) como a responsável

pela socialização em nível nacional dos trabalhos então produzidos – particularmente

do grupo que gira em torno da PUC/SP, irradiando o pensamento gramsciano.

Ainda no campo editorial, outro evento de relevo é o surgimento de alguns

novos periódicos especializados em educação. Neri e Alvarado (1983) levantaram, no

período de 1978-80, 173 periódicos nas condições acima. Ao lado da veneranda

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos e dos respeitados Cadernos de Pesquisa, os

destaques ficam por conta da publicação das revistas Educação & Sociedade e ANDE,

resultados do mesmo movimento de renovação crítica da educação que reorganiza os

eventos nacionais e funda as entidades educacionais. O objetivo expresso no primeiro

número da Educação & Sociedade – criada em 1978 (Apresentando..., 1978: p. 3), por

iniciativa do Centro de Estudos e Pesquisas em Ciências da Educação (CEPE) da

Unicamp – é o de constituir-se em uma revista

preocupada com a análise da realidade educacional brasileira, abrindo o seu

espaço para propostas intelectuais, tanto no que diz respeito às técnicas,

doutrinas e práticas educacionais como à reflexão sobre o seu impacto na

sociedade como um todo: uma revista que tenha como foco a perspectiva da

teoria e da prática no âmbito do conhecimento sócio-educativo, procurando

recuperar certa informação histórica dessa prática e teoria, sem deixar de

responder aos problemas colocados pela educação brasileira contemporânea.

(...) pretende não só levar aos leitores reflexões e críticas sobre os temas que

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mais preocupam a todos, mas também oferecer documentação técnica e

científica atualizada sobre o desenvolvimento das ciências que, trabalhando

em estreita colaboração interdisciplinar, fazer avançar o conhecimento e a

prática da educação.

Além desta, o CEDES – que assume a direção da revista – passa a produzir os

“Cadernos do CEDES” que, organizados tematicamente, eram destinados a leitores

mais específicos, sobretudo professores de primeiro e segundo grau.

A revista “ANDE”, órgão da Associação Nacional de Educação, começa a

circular ainda em 1981. A revista apresenta-se como instrumento destinado aos

educadores ‘de base’(ANDE, 1981, p. 3):

as colaborações amplas sobre o papel político da educação e suas relações

com a totalidade do social correm o risco de ser apenas ‘politiques’ se não

permitirem ao educador entender e, quem sabe, transformar sua prática real e

cotidiana, inclusive naquilo que ela tem de técnico.

Estes periódicos que circulam regularmente durante o período contemplado por

este estudo, em função de sua agilidade, foram os grandes responsáveis pela difusão

dessa nova produção em educação e, sobretudo, do debate então em voga no campo

para todos os cantos do país.

Se o binômio entidades-eventos permite a dinamização do campo educacional

– expressa na vasta literatura acumulada e publicada no período, esse movimento de

renovação crítica seria impossível sem a estruturação da pós-graduação stricto sensu

(mestrado/doutorado) no Brasil. Com a aprovação do parecer n. 977 pelo Conselho

Federal de Educação (CFE), no ano de 1965, implantou-se formalmente no Brasil a

pós-graduação stricto sensu (Cury, 2005). Em 1966, instalou-se o primeiro curso de

mestrado em educação na PUC/RJ. Em 1969, pelo parecer n. 77, também do

conselheiro Newton Sucupira, a exemplo do anterior, regulamentou-se a implantação

da pós-graduação no Brasil, ano em que é criado o Programa de Estudos em Psicologia

da Educação da PUC-SP que, juntamente com o da PUC carioca, serão os únicos na

década de 1960. Este curso da PUC/SP será o embrião do programa que ocupará o

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lugar central no debate educacional do período (Buffa & Nosella, 1991, p. 19). Entre

1971 e 1972, foram criados dez cursos de mestrado; em 1975, dezesseis estavam em

pleno funcionamento (Gatti, 1983, p. 4). Quanto ao doutorado, os primeiros dois

cursos a instalarem-se segundo as novas orientações do governo federal foram,

respectivamente, os da PUC/RJ e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS), em 1976. Desde então, os programas de pós-graduação em educação vieram

gradativamente se constituindo no espaço de realização da maior parte das pesquisas

que vêm sendo produzidas em educação, sendo reiterada sua importância em estudos

que focalizam a retrospectiva histórica da pesquisa educacional no Brasil. É recorrente

na literatura a relação entre a implantação da pós-graduação e o aumento quantitativo

da produção de pesquisa. Cunha (1978, p. 4), dando continuidade à consagrada

periodização de Gouveia (1971)1, chega a afirmar que “teve início no ano de 1971 a

quarta fase de desenvolvimento da pesquisa educacional no Brasil, caracterizada pelo

papel preponderante desempenhado pelos programas de pós-graduação”.

A pós-graduação que experimentou um crescimento considerável entre a

década de 1960 quando foi implantada e a década de 1980, configurou-se em um

espaço de estímulo à produção e à difusão do conhecimento, transformando-se em uma

“área de irradiação de crítica ao Estado e suas políticas específicas” (Cunha, 1981b: p.

40).

O incremento dos cursos de pós-graduação em educação deveu-se, entre outros,

à elevação dos requisitos educacionais, mais fáceis de se obter e mais baratos de se

oferecer em educação do que em qualquer outra ‘especialidade’. Aliás, a própria

dificuldade em definir o domínio do corpo teórico-prático da educação, deve explicar

1 A autora distingue, em seu trabalho, três períodos na curta trajetória da pesquisa em educação no Brasil até o ano de 1970. Ela destaca, como marco inicial do primeiro período, a fundação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), no ano de 1938, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), com a incumbência de realizar pesquisa sobre os problemas de ensino no Brasil. Predominaram, nesse primeiro período, estudos de natureza psicopedagógica (Gouveia, 1971, p. 2). O segundo período, que se estendeu de 1956 a 1964, teve como referência inicial a criação, pelo próprio INEP, no ano de 1956, do Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional e dos Centros Regionais de Pesquisa, localizados nas capitais dos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, incumbidos de desenvolver pesquisas com vistas à elaboração de uma política educacional para o país. Predominaram, aqui, estudos de natureza sociológica (idem, p. 3). O terceiro período, já nos primeiros anos da Ditadura Militar e véspera da "campanha" da pós-graduação, estendeu-se de 1964 até o momento da conclusão do estudo em questão (1970 ou início de 1971), com predominância, agora, de estudos de natureza econômica (idem, p. 4).

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também a ampla absorção de alunos oriundos de diferentes formações. Outro fator,

aliado ao primeiro, deveu-se às políticas educacionais estatais. O estatuto do

magistério superior federal punha o acesso e a promoção dependentes de graus de

mestre e doutor, o que induziu uma demanda enorme, a qual era incentivada com um

generoso programa de bolsas da CAPES. Além disso, é preciso lembrar que a

educação brasileira estava em reforma, o que exigia quadros novos supostamente

formados segundo padrões técnicos novos. Finalmente, a indução dos Estados Unidos,

que em vários convênios via USAID e fundações privadas, oferecia bolsas de mestrado

para brasileiros irem lá obter seus títulos.

A década de 1970 veio marcar uma nova fase da pós-graduação que sucedeu

outra, marcada pelo predomínio de temas econômicos e o patrocínio de agências

governamentais e internacionais. A crítica ao Estado ditatorial e às políticas

educacionais, consoante com o movimento de resistência que vinha se dando entre os

intelectuais, assim como a reorganização dos educadores em torno das entidades foram

os fatos que caracterizaram aquele período.

Dadas as circunstâncias de organização e de desenvolvimento da pós-

graduação em educação é possível então, refletir sobre as possibilidades e os limites

postos aos pesquisadores, no que diz respeito à produção teórica, assim como à própria

natureza daquele pensamento crítico que então se processava.

Retomando o contexto político observado anteriormente, o regime ditatorial

enfrentou processos de resistência resultando na segunda metade da década de 1970 no

surgimento de um novo pensamento social de oposição, reclamando-se de esquerda.

Tanto nas instituições de pesquisa como na universidade, esses estudos centravam-se

em temáticas econômico-sociais, tendo no discurso da ditadura o alvo de sua crítica.

No que diz respeito ao pensamento educacional, à medida que se aprofunda a

crise da ditadura, o processo de resistência tende a se acelerar e impulsionada pela

reorganização dos educadores, a partir dos anos 1980, a reflexão sobre a educação

brasileira emerge, dada a urgência na transformação do ensino, bem como das práticas

pedagógicas. Tal reorganização deu-se sob o crivo da participação crescente dos

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movimentos sociais, motivando a articulação política dos educadores com esses

movimentos.

Não resta dúvida que a produção educacional que então buscava se consolidar

assinala um importante avanço, sobretudo no que diz respeito à superação da política

cultural e educacional de obstrução dos canais entre a universidade e os movimentos

sociais implantada pela ditadura. Outro indício deste avanço é a própria natureza da

produção teórica que tentando superar o predomínio dos estudos sem qualquer

historicidade buscavam estabelecer os nexos entre os fenômenos educacionais e as

demais instâncias da sociedade, remontando à gênese e às condições sócio-políticas da

educação brasileira.

Entretanto, não se pode subestimar os efeitos da intervenção da ditadura na já

tão incipiente tradição marxista no Brasil que a despeito do acúmulo de uma produção

teórica marxista original que vinha se processando, foi bruscamente interrompida com

o golpe militar de 1964.

Tais circunstâncias trouxeram conseqüências para o processo de elaboração

teórica de inspiração marxista. E ainda que seus efeitos tenham se manifestado de

forma particular em cada um dos espaços por onde o debate teórico marxista se dava, o

âmbito acadêmico, mais especificamente os programas de pós-graduação onde se

concentraram os estudos e a pesquisa educacional, não foi uma exceção. À trajetória

interrompida de um insuficiente acúmulo do pensamento marxista correspondeu a uma

retomada dos estudos, cujas condições para o trabalho teórico não se encontravam

ainda totalmente à disposição dos estudiosos.

Dadas as condições gerais de implantação da pós-graduação em educação,

assim como as bases para a conformação de um pensamento crítico no campo

educacional, é importante verificar agora de que maneira esses elementos se

manifestaram na dinâmica específica de um determinado programa de pós-graduação

em educação. Para tal, a escolha pelo programa de pós-graduação em educação da

PUC de São Paulo não é aleatória, mas deve-se ao fato de ele ter criado, em função da

conjunção de uma série de fatores, um ambiente propício à formação de um

pensamento crítico, especialmente em sua primeira turma de doutorado.

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Antes, porém, de traçar os principais eventos de sua trajetória é necessário

frisar desde já que como vimos, o fato da pós-graduação em educação ter

desempenhado um papel fundamental na reorganização acadêmica dos educadores e

representado uma avanço em sua consciência política, não deve ser confundido com a

sua capacidade orgânica de formulação sustentada no referencial teórico marxista.

Nem mesmo o programa de pós-graduação em educação da PUC/SP, que reuniu

nomes de expressão que buscavam empreender uma crítica consistente e rigorosa à

política educacional, constituiu-se em sua origem a partir desse referencial teórico,

nem tampouco seus professores e alunos integraram o programa em virtude disso.

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3. A PRODUÇÃO ACADÊMICA DE INSPIRAÇÃO MARXISTA NAS DÉCADAS

DE 1970-1980

É no interior desta pós-graduação nascente que devemos buscar o locus da

produção intelectual de inspiração marxista, permitindo a (re)inserção política dos

educadores. Mais do que a pós-graduação tomada globalmente, contudo, a produção

marxista encontra-se circunscrita a alguns programas específicos. Em especial, o

programa de doutorado em Filosofia da Educação da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, conduzido por Dermeval Saviani, constitui-se um verdadeiro divisor de

águas dentro da produção educacional marxista no Brasil. Circularam pela

universidade nomes entre os mais expressivos da educação como Luiz Antonio Cunha,

Paolo Nosella, Osmar Fávero, Miriam Jorge Warde, Carlos Roberto Jamil Cury,

Guiomar Namo de Mello, Gaudêncio Frigotto, José Luís Sanfelice, entre outros. E em

diversos dos programas de pós-graduação que, a partir de então, passam a ocupar lugar

destacado na produção educacional marxista, encontramos os reflexos daquela

formação propiciada pela PUC/SP: são os exemplos, entre outros, do IESAE/FGV

(Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio Vargas) e

Universidade Federal Fluminense, com Luiz Antonio Cunha e Gaudêncio Frigotto;

UFScar, com Paolo Nosella, Betty Antunes de Oliveira e Esther Buffa; da UFMG,

com Carlos Roberto Jamil Cury e Neidson Rodrigues; e da própria PUC/SP, com

Miriam Jorge Warde, Antonio Chizzotti, Fernando Almeida e Maria Luisa Santos

Ribeiro. Além dos nomes e instituições que levantamos, em universidades como a

UNICAMP, a UNIMEP, a UFRGS, a UnB, USP, UNESP, por exemplo, estudiosos

como Nilton Bueno Fischer, Marília Pontes Sposito, Maria Laura P. B. Franco,

Celestino A. Silva Jr. e Jacques Velloso entre tantos outros, também recebiam de

formas diferenciadas, influências do pensamento marxista. Porém, salvo engano de

avaliação, naquele momento, nem estes constituíam-se enquanto grupo, com uma

produção sistematizada, nem tampouco tinham uma obra que pudesse exercer

influência nacional como a da PUC/SP.

É importante salientar que, antes da implantação do referido programa de

doutorado da PUC/SP, diversos outros cursos já em funcionamento no país,

apresentavam trabalhos discentes vinculados àquela tradição teórica. Destacam-se,

além da própria PUC em seus mestrados, o IESAE/RJ e a UNICAMP. Com relação ao

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cenário no Rio de Janeiro, cabe lembrar que na PUC/RJ e no IESAE/FGV começavam

a se formar na década de 1970, grupos de intelectuais que procuravam desenvolver

trabalhos com orientações diversas da psicopedagogia dominante: Luiz Antonio

Cunha, Vanilda Pereira Paiva, Cândido Grzybowski, Gaudêncio Frigotto entre outros.

A Fundação Getúlio Vargas, à qual a IESAE era vinculada, era dominada, na época,

pelo pensamento neo-clássico da economia: Claudio Moura e Castro, Carlos Langoni,

Mário Henrique Simonsen entre outros. Com relação à UNICAMP, apenas na década

de 1980 é que começam a surgir estudos em termos de análise marxista de expressão,

mas ligado a influência de algumas pessoas, de alguns intelectuais na área educacional,

porque o restante, é majoritariamente ligado a outros métodos de interpretação. O

traço, portanto, que os distingue da PUC é o peso da incidência do referencial marxista

nestes programas, que eram devidos mais a iniciativas isoladas, sem alcançar a

expressão do programa de doutorado da PUC/SP.

3.1. As primeiras produções acadêmicas de inspiração marxista

Não é possível, entretanto, desconsiderar a importância de alguns desses

esforços prévios que, de certa forma, podem ser considerados pré-condições, embora

não exclusivistas, para a consolidação daquela produção de inspiração marxista que irá

surgir na PUC/SP. Tal elaboração intelectual mantém estreita relação com as

exigências políticas da época – meados da década de 1970: na busca de fundamentação

para a crítica da gestão da educação, por parte dos governos militares, diversos

estudiosos do campo voltam suas atenções para o seu necessário enquadramento

histórico, daí resultando o surgimento de um conjunto heterogêneo de trabalhos de

investigação historiográfica, entre os quais incluem-se alguns de qualidade

indiscutível. No âmbito acadêmico, é o momento da gradual retomada do debate após

os anos mais duros de controle e repressão nas instituições universitárias. E, do ponto

de vista da tradição marxista, tal retomada é feita em meio à moda ‘reprodutivista’.

A presença de autores vinculados à tradição marxista pode ser detectada nas

bibliografias e no corpo das análises, de forma mais ou menos explícita, por duas

entradas distintas: de uma parte, em alguns estudos realizados fora do Brasil, seja por

pesquisadores brasileiros ou não; de outra, estudos conduzidos em instituições

nacionais onde a presença da literatura marxista ainda que incipiente, é real. No

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período que se estende de finais da década de 1960 até início da década de 1970, o

ambiente acadêmico das ciências sociais da USP – um dos locais de circulação de

leituras marxistas – era predominantemente estruturalista, baseado em Althusser e

Poulantzas.

Destacamos como importantes trabalhos deste primeiro momento, “Educação e

Dependência” de Manfredo Berger, “História da Educação Brasileira (1930/1973)”, de

Otaíza Romanelli, “Escola, Estado e Sociedade”, de Barbara Freitag, “Política

Educacional no Brasil” e “Educação e Desenvolvimento Social no Brasil”, ambos de

Luiz Antonio Cunha, “Introdução à história da educação brasileira” e “História da

Educação Brasileira: a organização escolar”, ambos de Maria Luisa Santos Ribeiro,

“Educação e estrutura social: a profissionalização em questão”, de Miriam Jorge

Warde e “Capitalismo e Educação”, de Wagner Rossi.

A bem da verdade, Berger (1980)1 e Romanelli (1983)2 nem reivindicam uma

filiação direta, nem de fato inscrevem seus trabalhos rigorosamente dentro do

marxismo. Muito embora, em um e outro, estejam presentes referência a autores

vinculados àquela tradição, são obras que movimentam-se em um espectro amplo de

influências teóricas, com destaque para a chamada “teoria da dependência”, em

evidência naquele momento no campo das ciências sociais. Tendo como um dos

principais artifíces o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (em colaboração com

Enzo Faletto), a “teoria da dependência” estaria definida “no campo teórico da teoria

marxista do capitalismo, uma vez que pressuporia os conceitos de mais-valia,

expropriação, acumulação, etc” (CARDOSO, 1973, p. 50). Mais adiante, Cardoso

esclarece que não se constituíria em uma “alternativa” mas um “complemento” para a

teoria do imperialismo, elaborada por Lenin e Trotsky (idem, p. 51). Contudo, Cardoso

não somente vai além no sentido da “complementação”, como também adiciona

algumas categorias cuja compatibilidade com as formulações originais não são

simples.

1 O trabalho original de Manfredo Berger é apresentado como tese de doutoramento junto à Faculdade de Sociologia da Universidade Federal de Biefeld, na República Federal da Alemanha, no ano de 1972. 2 O trabalho original de Otaíza Romanelli é apresentado como tese de doutoramento em Educação junto à Universidade de Paris I – Sorbonne, na França, no ano de 1976.

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Em função dos desenvolvimentos propostos, preferimos apontar a existência de

uma vinculação indireta dos educadores que buscam fundamentação nesta teoria com o

marxismo. A influência do referencial marxista em Romanelli, restringe-se, justamente

ao apoio parcial que a teoria da dependência busca naquela. Bastante parecido é o caso

de Berger, após discutir o estatuto teórico da teoria da dependência, o autor busca

avaliar a evolução histórica da educação brasileira segundo os seus pressupostos

(Berger, 1980: pp. 14-15):

Todas as teorias clássicas do imperialismo (Hobson, Lenin, Luxemburg,

entre outros) partiam da sociedade dominante, e só raramente as análises

foram ao ponto de captar também as relações, processos e estruturas da

sociedade dominada. É neste sentido que no meu entender a teoria da

dependência fez até o momento a mais importante contribuição. (...) A

dependência não deverá ser encarada como uma relação, mas como uma

qualidade da sociedade dependente. Em conseqüência, dependência

entende-se antes como um produto histórico do processo de internalização

das múltiplas e complexas relações, processos e estruturas entre sociedades

centrais e sociedades periféricas. Trata-se pois de uma situação de uma

sociedade concreta que experimentou historicamente este processo de

internalização desde as suas origens.

Em “Escola, Estado e Sociedade” de Freitag (1980), encontramos uma situação

bastante diversa – e é o trabalho que neste momento nos interessa mais de perto.

Embora também faça uso da ‘teoria da dependência’, procura localizar seu estudo no

terreno propriamente marxista. Particularmente notáveis são a influência de Althusser,

plasmada pelas contribuições dos então discípulos Establet e Baudelot, acrescida e

complementada em suas “insuficiências”, pela obra de Gramsci. Freitag não deixa de

apontar algumas das falhas do pensamento de Althusser. Particularmente, aponta a

supressão de uma análise que explicite a gênese da sobredeterminação na qual,

segundo Althusser, a escola assume papel preponderante na sociedade capitalista,

assim como a indicação de estratégias que possibilitassem a superação desse momento

de sobredeterminaçao em nível estrutural (Freitag, 1980, p. 36):

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Uma teoria da educação realmente dialética teria que incluir em seu quadro

teórico os elementos da prática que possibilitassem a superação de um

determinado status quo. Essa teoria deveria mostrar o caminho para uma

ação emancipadora da educação no contexto estrutural analisado. Althusser

se limita a admitir que os Aparelhos Ideológicos de Estado, AIE, e, com

eles, a escola, não devem ser encarados somente como objetos de estudo,

mas sim como o lugar em que se manifesta a luta de classes. O autor não

desenvolve, porém, reflexões sobre a possibilidade de a classe oprimida

assumir o controle dos AIE e através deles efetivar a luta de classes nas

outras instâncias. Althusser, apesar de admitir a importância estratégica da

educação como instrumento de dominação nas mãos da classe dominante,

não vê nela importância estratégica como instrumento de libertação por

parte da classe dominada. Falta-lhe aqui, a nosso ver, a visão histórica e

dialética dos AIE e da escola.

Não é difícil compreender assim sua guinada em direção à Gramsci (Freitag,

1980, p. 37):

Gramsci vai ser o autor que atribui à escola e a outras instituições da

sociedade civil (ou seja, os AIE de Althusser) essa dupla função estratégica

(ou seja, a função dialética) de conservar e minar as estruturas capitalistas.

Registre-se também que a presenta obra constitui-se em uma das primeiras a

conferir peso ao referencial gramsciano – tendência que se estabelecerá no cenário

educacional a partir de então. Porém, talvez em decorrência da sua envergadura e de

seus propósitos propedêuticos, o pensamento do marxista sardo é apresentado de

forma algo simplificada. A pior conseqüência disso, contudo, é que a leitura do seu

quadro viabiliza uma transposição relativamente linear e simplista das concepções

gramscianas para a educação – o que, de uma certa forma, a própria autora reconhece,

conforme é constatável no prefácio da quarta edição do livro (Freitag, 1980, p. 12) –

transformando esse rico pensamento em esquemáticas fórmulas para a atuação dos

educadores:

Sei que o livro teve ampla aceitação não só por suas qualidades, mas

também por seus defeitos. Ele contribuiu para divulgar e transformar em

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senso comum, com todas as ambigüidades e contradições que isso encerra,

conceitos sofisticados como os de ‘sociedade civil’ e ‘sociedade política’ de

Gramsci...

A marca de seu trabalho é a tentativa efetiva de estabelecer um vínculo entre os

contributos dos pensadores (educadores ou não) que se inspiram na tradição marxista e

a educação. Nesse intento, em que pese a declarada ênfase no referencial gramsciano,

são as concepções althusserianas – leia-se, Aparelhos Ideológicos de Estado – que

ocupam lugar de destaque na articulação de sua análise. Vejamos, por exemplo, a

afirmação faz a autora (Freitag, 1980, p. 126):

Se tanto os teóricos da sociologia como os da economia da educação

tradicionais (como Durkheim, Parsons, Becker, Schultz, etc.) haviam feito,

com seus modelos teóricos, a apologia do sistema capitalista, defendendo-o

como universal e eterno e mascarando assim o seu caráter histórico e

transitório, os teóricos da escola althusseriana (mas também já Bourdieu e

Passeron) haviam denunciado o caráter ideológico da escola e da concepção

pedagógica que a regia para manter as relações de dominação e exploração

implantadas pelo modo capitalista de produção. Nessa visão crítica, os

autores não só revelaram a multifuncionalidade da educação, mas com a sua

teoria dos AIE demonstraram que o fator educacional, outrora periférico

para a teoria que procurava explicar a estrutura e o funcionamento das

modernas formações sociais capitalistas, hoje se tornou um elemento central

e indispensável para compreender a dinâmica da produção e reprodução

dessas formações.

Ou ainda, a interpretação do controle dos aparelhos ideológicos de Estado pelos

repressivos no pós-64 (Freitag, 1980, p. 77):

As classes subalternas, excluídas de qualquer participação tanto política

como econômica precisam ser privadas de seus mecanismos democráticos

(votos, greves, movimentos reivindicatórios) o que torna necessário uma

reorganização e mobilização da sociedade civil. Os aparelhos repressivos do

Estado assumem o controle dos mecanismos e aparelhos ideológicos

(sindicatos, meios de comunicação de massa e escolas)” (Freitag, 1980: p.

77).

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Aqui, Freitag opera uma modalidade de interpretação que será usual na

literatura educacional a partir de então: a procura de correspondência ou de ajuste dos

requerimentos da reprodução capitalista – em nível internacional ou local – com a

política educacional (Freitag, 1980, p. 128):

A valorização da educação na última década no Brasil reflete pois o fato de

que o modo de produção capitalista, nas características específicas do

‘modelo econômico brasileiro’, tinha-se definitivamente consolidado no

início da década de 60. As mudanças estruturais que se tornaram

necessárias, em decorrência deste fato, deveriam ser implantadas e

consolidadas com o auxílio e por intermédio da educação a fim de garantir a

durabilidade do sistema. (...) Isso explica a concentração das atividades e

decisões no campo educacional nas mãos do Estado, mediador e intérprete

das classes capitalistas (nacionais e internacionais), interessadas na

promoção do desenvolvimento capitalista.

A lógica do ajuste não se reduz ao período dos governos militares; ela perpassa

todo o texto.

A respeito deste trabalho de Freitag, cabe dizer que as teorias reprodutivistas

tiveram o mérito de apontar os condicionantes objetivos da educação, isto é, serviram

para romper com o utopismo pedagógico que creditava à educação institucionalizada o

poder de transformação da sociedade. Althusser, em seu estudo sobre os AIE,

considera que a escola assume uma função bastante específica na reprodução das

relações de exploração capitalista. Em suas palavras (Althusser, 1980, p. 85),

é pela aprendizagem de alguns saberes contidos na inculcação maciça da

ideologia dominante que, em grande parte, são reproduzidas as relações de

produção de uma formação capitalista, ou seja, as relações entre exploradores

e explorados, e entre explorados e exploradores.

Saviani (1983), embora reconhecendo o valor de Althusser, lembra que seus

estudos contribuíram para disseminar entre os educadores brasileiros um certo clima

de pessimismo e desânimo. É a partir daí que podemos entender a emersão e a

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valorização do pensamento de Gramsci que o trabalho de Freitag (1980) já acena. As

tentativas de superação dialética das teorias reprodutivistas convergiram para reaver o

conceito gramsciano de sociedade civil. A afirmação de Mochcovitch (1988, p. 7) é

ainda mais precisa, pois

a maioria dos estudiosos dos problemas educacionais que seguem a

orientação marxista têm afirmado que à escola está reservada a função de

reproduzir desigualdades sociais, na medida em que contribui para a

reprodução da ideologia das classes dominantes e mesmo para a reprodução

das próprias classes sociais, inculcando códigos, símbolos e valores das

classes dominantes. Alguns chegam a admitir que a escola é imprescindível

para a reprodução do sistema capitalista. O grande pensador marxista

italiano Antonio Gramsci, porém, nos diz algo diferente sobre a escola e a

sua função: ela pode ser, em certa medida, transformadora, sempre que

possa proporcionar às classes subalternas os meios iniciais para que, após

uma longa trajetória de conscientização e luta, se organizem e se tornem

capazes de ‘governar’ aqueles que as governam.

Contrariamente à visão pessimista de que todas as instituições de nossa

sociedade estão reproduzindo a lógica do capitalismo e as estratégias de dominação

das elites, Gramsci (apud Freitag, 1980) desenvolve a idéia de "contra-hegemonia". A

escola como instituição pode iniciar um movimento contra-hegemônico, assumindo

um papel estratégico de mudança. Segundo Gramsci(1979), o Estado, não sendo

autoritário, permite que a sociedade seja um campo aberto para circulação de

ideologias. Logo, se existe uma ideologia dominante, também pode existir uma contra-

ideologia que venha combater e servir para a libertação das classes subjugadas. Se a

escola reproduz uma educação que se identifica e justifica uma certa relação de

dominação, ela também pode criar condições de libertação ou ao menos estabelecer a

crítica, livrando o indivíduo dos descaminhos do senso-comum e da fragmentação que

deformam o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e cultural dos alunos.

Ainda antecedendo também a produção do grupo de doutores da PUC/SP,

outros estudos importantes são os trabalhos iniciais de Luiz Antonio Cunha (1977,

1978), acerca da profissionalização do ensino médio. No primeiro deles, publicado em

1973, e realizado um ano antes, isto é, praticamente em meio à implantação da Lei n.

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5692 de 19711, o autor empreende um cuidadoso estudo acerca da questão central

dessa legislação: o ensino industrial tem uma dupla finalidade: uma manifesta, de

conferir terminalidade ao ensino médio, carente de tais profissionais, e uma oculta, de

contenedora das demandas ao ensino superior. Em outras palavras, Cunha localiza uma

motivação política subjacente vinculada ao golpe militar – e aí desenha-se a sua tese

acerca das reformas universitária e secundária enquanto tentativas de recomposição

dos canais de ascensão social das camadas médias.

Essa análise é recuperada e, em certa medida, melhorada em “Educação e

Desenvolvimento Social no Brasil”(1978), levando-o a concluir que o jogo das

políticas ‘contenedora-libertadora” teria “uma mesma e única meta: a reprodução das

classes sociais e das relações de dominação que as definem, sustentam e dão vida”

1 A lei nº 5692/71 completa o ciclo de reformas educacionais geradas com o intuito de efetuar o ajustamento necessário da educação nacional à ruptura política orquestrada pelo movimento de 64. Com a nuance de efetivar-se em uma conjuntura política caracterizada pelo ápice da ideologia do “Brasil-potência”, no qual o regime militar havia se consolidado, eliminando as resistências mais significativas, e adquirido um discurso magnificente na exaltação do sucesso do seu projeto de manutenção do poder. Nesse sentido, o enunciado contido no texto de lei não só continha um tom triunfante, como demonstrava a intenção de manutenção do status quo no âmbito educacional, necessário a perpetuação do “bem-sucedido” modelo sócio-econômico. Dessa forma, foi preciso realizar uma alteração na estrutura e funcionamento do sistema educacional, assumindo uma tendência tecnicista como referencial para a organização escolar brasileira. A “nova” orientação dada à educação representava a preocupação com o aprimoramento técnico e o incremento da eficiência e maximização dos resultados e tinha como decorrência a adoção de um ideário que se configurava pela ênfase no aspecto quantitativo, nos meios e técnicas educacionais, na formação profissional e na adaptação do ensino as demandas da produção industrial. Os dois últimos aspectos mencionados são evidenciados pela leitura das alíneas a e b, do parágrafo 2º do artigo 5º: (...) a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau; b) será fixada, quando se destina a iniciação e habilitação profissional, em consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos periódicamente renovados (BRASIL, 1971). A profissionalização referida pela lei assenta-se sobre a intenção de estabelecer-se uma interação direta entre formação educacional e mercado de trabalho, admite-se inclusive no artigo 6º a co-participação das empresas para a concretização desse processo (BRASIL, 1971). Articulava-se a essas características um princípio de flexibilização da legislação educacional que apesar de uma aparente “contrariedade” e “liberalização”, em essência, representava um instrumental valioso para a concretização dos desejos do poderio militar de impor suas determinações educacionais. A esse respeito Saviani (1987a) salienta que (...) pela flexibilidade as autoridades governamentais evitavam se sujeitar a definições legais mais precisas que necessariamente imporiam limites à sua ação, ficando livres para impor à nação os programas educacionais de interesse dos donos do poder. E com a vantagem de facilitar a busca de adesão e apoio daqueles mesmos sobre os quais eram impostos os referidos programas (p.131). A preocupação com a disciplinarização do alunado demonstrada na Reforma Universitária (Lei nº 5692/71) também foi considerada e manifestou-se por meio do artigo 7º que regulamentou a obrigatoriedade das disciplinas de Educação Moral e Cívica e Educação Física nos ensino de 1º e 2º graus (BRASIL, 1971). Em resumo, a Lei nº 5692/71 ao propor a universalização do ensino profissionalizante pautada pela relação de complementaridade entre ideologia tecnicista e controle tecnocrático almejou o esvaziamento da dimensão política da educação tratando-a como questão exclusivamente técnica, alcançando, ao mesmo passo, a contenção da prole trabalhadora em níveis inferiores de ensino e sua marginalização como expressão política e reivindicatória.

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(CUNHA, 1978, p. 288). Ao longo de cinco capítulos, que na verdade, são artigos

interligados, Cunha desenvolve a análise encetada no livro anterior. No primeiro

capítulo, debate a questão da equalização das oportunidades educacionais, como a

define a doutrina liberal, a pedagogia escolanovista e o Estado brasileiro; no capítulo

seguinte, aborda a relação entre a educação e a distribuição de renda, partindo da

análise (conteúdo e metodologia) de estudos sobre a questão; no terceiro, detém-se na

questão da escolaridade: partindo de uma tríplice classificação de escola (a que exclui

os trabalhadores, a dualista, a “única” e reclassificatória), o autor analisa a educação

brasileira com relação à sua abertura (acesso, progressão e produto), chegando a

resultados já conhecidos, como baixa taxa de ingresso, altos índices de reprovação e

evasão, dispersão regional, desempenhos distintos conforme os níveis de renda (idem,

p. 142); o quarto capítulo, de uma certa forma, apenas complementa o anterior: são os

fatores que, aliados aos anteriores, determinam a baixa escolaridade das crianças, suas

condições de vida.

Nesses dois trabalhos de Cunha, a influência de leituras situadas no campo

marxista é perceptível – entremeada por contributos advindos de outras fontes teóricas.

Segundo Cunha (1981b, p. 125), ainda desconhecendo Gramsci e outros autores mais

próximos, as influências sobre seu trabalho foram de quatro fontes diversas: Paulo

Freire, Basil Bernstein, os “radicais” norte-americanos (Robert Levin e Martin Canoy)

e Ivan Illich. Além disso, sua análise passa pelo empréstimo de expressões de

Bourdieu e Passeron, cuja teoria, pela sua vertente weberiana, permitiu uma

aproximação sua com a sociologia da educação de Octavio Ianni, Marialice Foracchi e

Luiz Pereira. A dívida de Cunha aos influxos reprodutivistas, diga-se de passagem, não

é negada pelo autor – apresenta-se aqui através de uma análise que enfatiza a função

reprodutora, discriminatória e inculcadora da escola, numa análise que, fundada em

Bourdieu, o aproxima das posições dos autores do campo marxista em voga na

educação. Em uma polêmica travada com Carlos Roberto Jamil Cury, nas páginas da

revista “Educação & Sociedade”, no ano de 1981, há um explícito reconhecimento da

sua influência, ressaltando as condições políticas presentes na época da elaboração de

seu trabalho, uma “visão dialética era muito difícil” e que “enquanto Gramsci tomava

poeira nas prateleiras das livrarias, devorava-se Mao, Guevara, Debray, Althusser...”

(Cunha, 1981b, p. 127).

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Em 1985, ao apresentar sua quarta edição, Cunha(1985, p. 7) esclarece que:

este livro foi escrito tendo em vista a política educacional desenvolvida no

período pós-64, sob o binômio desenvolvimento e segurança, destacando as

reformas de ensino superior emergidas do chamado ‘milagre econômico’. As

preocupações ditadas pela época e nossas opções fizeram com que

enfatizássemos talvez excessivamente a ação reprodutora do aparelho

escolar, não mostrando as retroações. Pois bem, a escola não apenas inculca a

ideologia dominante (da classe dominante) nos estudantes oriundos da classe

trabalhadora, mas, também, e contraditoriamente, traz ganhos reais para

estes. (...) Os professores, por sua vez, não são apenas instrumentos de

inculcação da ideologia dominante e agentes inconscientes do processo de

discriminação. Levando a sério as representações dissimuladoras do processo

educacional e sofrendo no trabalho cotidiano dificuldades quase insuperáveis

para sua realização, os professores podem se aperceber do caráter

contraditório da escola e de sua instrumentalização. Não só cumprem ordens,

mas reagem a elas. Assim nasceram as associações de professores de todos os

graus, como, também, começam a renascer os sindicatos há tanto tempo

amortecidos.

Este ‘esclarecimento’ revela não apenas as mudanças pelos quais o país

atravessou entre 1978 e 1985, quando toca na questão da inserção política dos

educadores no movimento oposicionista que ampliou os espaços de discussão sobre a

escola antes reservados e reprimidos como revela também muito sobre a apropriação

da obra de Bourdieu pelo campo educacional brasileiro. O fato é que se a obra de

Bourdieu ativou direta ou indiretamente estudos no campo educacional brasileiro nos

anos de 1970, isso deve ser creditado muito mais a alguns conceitos e resultados

analíticos obtidos pelo sociólogo – proveitosos, sem dúvida, para dar conta de uma

realidade educacional brasileira que já na época parecia cada vez mais excludente – do

que propriamente a uma incorporação sistemática do modo de fazer pesquisa do autor

francês. Durante os primeiros anos da década de 1980, há o início de uma operação

caracterizada pela cobrança de pressupostos políticos na leitura de Bourdieu. É uma

operação de deslocamento: retirada dos quadros científicos mais amplos que lhe

conferem sentido, a obra de Bourdieu, lida sobretudo a partir de A Reprodução (em

parceria com Jean-Claude Passeron), passa a ser objeto de controvérsias políticas no

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campo educacional brasileiro como registram a já citada polêmica entre Cunha e Cury

nas páginas de Educação & Sociedade e outra breve polêmica nas páginas de

Cadernos de Pesquisa, envolvendo o mesmo Cunha e José Carlos Durand, em 1982.

Isso ocorre quando, na oportunidade, os textos do sociólogo francês são aprisionados

na dicotomia muito em voga da “reprodução x transformação” que transparece

sutilmente na apresentação de Cunha à quarta edição de seu “Educação e

Desenvolvimento Social no Brasil”. Reconhece-se que Bourdieu possa ser considerado

um autor crítico, mas politicamente desmobilizador: sua teoria, se possibilita

instrumentos para a crítica da função desempenhada pela escola na sociedade

capitalista, não fornece armas para a ação, limita-se à constatação da dimensão

reprodutivista da escola, não dá conta das contradições da realidade, enfim,

desmobiliza. Ou como escreve Saviani (1983, p. 25) citando George Snyders:

“Bourdieu-Passeron ou a luta de classes impossível”.

Em São Paulo, no próprio programa de pós-graduação da PUC/SP pré-

doutorado, alguns trabalhos que merecem destaque estavam sendo elaborados. Entre

eles figuram os estudos de Maria Luisa Santos Ribeiro (1978, 1979) e Miriam Jorge

Warde (1979), ambas então já sob a esfera de influência de Dermeval Saviani1.

A proposta de Maria Luisa Santos Ribeiro com sua “História da Educação

Brasileira” (1979) é traçar os delineamentos da organização escolar brasileira – com o

estabelecimento de nexos com os marcos econômicos e políticos de cada período

proposto em sua (re)periodização – praticamente desde o descobrimento até o golpe de

1964 através da expressa utilização do método dialético. Estes pressupostos de ordem

metodológica, apenas referidos nesse trabalho, estão explicitados e desenvolvidos em

sua obra prévia, “Introdução à História da Educação Brasileira” (1978) – apresentada e

aprovada pela Comissão Julgadora da Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação (Filosofia da

Educação), no final do ano de 1975. Tinha então o título de “O Método Dialético na

investigação histórica da educação brasileira”.

1 Como verificaremos mais adiante, será em torno de Saviani que se articulará o grupo de doutorandos da PUC/SP cuja produção adquirirá contornos mais nitidamente identificados com o pensamento marxista.

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Uma análise mais profunda da forma de elaboração deste trabalho, nos é

importante pelo fato de que sendo um dos primeiros trabalhos no período que

buscavam explicitamente a inserção dentro do pensamento marxista no campo

educacional, fornece-nos índicios acerca do seu estado da arte: os autores estavam

apenas se introduzindo no estudo desse referencial teórico-metodológico e, não raro,

através dos esquemas prevalecentes na militância político-partidária. Assim, à

semelhança dos manuais de divulgação do chamado marxismo-leninismo (como é o

caso aqui de Politizer et al., 1970), didaticamente são apresentadas as ‘leis da dialética’

– unidade dos contrários, relação necessária entre mudanças quantitativas e

qualitativas, entre outras – para, em seguida, aplicá-las à interpretação do social. Esta

introdução de ordem metodológica, rapidamente conduzida, não poderia deixar de ser

caracterizada pelo esquematismo. O método que Marx utilizou em sua investigação,

expresso em raras ocasiões, e com o cuidado de não autonomizá-lo frente ao próprio

conteúdo da mesma, é transformado em um conjunto de regras a serem seguidas.

Na realidade, Ribeiro apenas insere-se na tradição do marxismo-leninismo;

evidentemente, a ela não pode ser conferida qualquer responsabilidade por tal

procedimento. Em nome da verdade, vale lembrar que a autonomização das

denominadas leis da dialética dentro da corrente marxista é, em grande parte, resultado

de leituras feitas do trabalho do ‘velho Engels’, particularmente a “Dialética da

Natureza”. Explicitamente, Engels (1985, p. 34) formula, em seu capítulo sobre a

Natureza Geral da Dialética como Ciência, as conhecidas três leis da dialética,

extraídas da “Lógica” de Hegel: transformação da quantidade em qualidade e vice-

versa; unidade dos contrários e negação da negação. Um exemplo da divulgação

vulgarizada da dialética encontra-se no supra-citado texto de Guy Besse e Maurice

Caveing, construído a partir de aulas de Georges Politzer (Politzer et al., 1970) que,

significativamente, Ribeiro indica para ‘aprofundamento’ no tema em sua “Introdução

à História da Educação Brasileira” (1978, p. 32). Observa-se aqui outro elemento que

marca fortemente a produção do período: a busca de fundamentação em intérpretes do

pensamento marxista, em detrimento das fontes originais. Ribeiro (1978, 1979)

claramente apoia-se em leituras secundárias e em vulgarizadores da obra marxiana.

Nessas condições, a própria análise acerca da aplicabilidade do método

dialético ao estudo da educação – salvo engano, pela primeira vez explicitado em um

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texto da época – paga alto preço pelo pioneirismo. Na tentativa de demonstrar a

viabilidade da utilização desse referencial, Ribeiro arrisca-se a produzir interpretações

visivelmente forçadas da realidade escolar. Veja-se, por exemplo, a aplicação da

relação necessária entre quantidade e qualidade exposta pela autora (Ribeiro, 1978, pp.

41-42):

Uma outra lei a ser utilizada é a da relação ‘necessária’ entre quantidade e

qualidade sabendo-se que o aspecto mais vulnerável é a quantidade, ou seja,

é por essa que se atinge a qualidade. Este aspecto quantitativo em uma

organização escolar deve ser encarado sob dois aspectos que revelam mais

uma vez a unidade entre os referidos aspectos. Em primeiro lugar, uma

organização escolar que atenda um número maior de alunos é superior,

mesmo que o atendimento seja proclamado como de qualidade inferior,

porque o descontentamento, a desilusão dos que nela ingressam assim como

das pessoas que diretamente acompanham tal processo, a exemplo dos pais

dos alunos, aumentam a pressão interna com vistas a mudanças qualitativas

superiores. Em segundo lugar, toda organização escolar comporta uma certa

‘quantidade’ de mudanças qualitativas, mesmo que não suficientes para que

ocorra a superação da contradição que ora se apresenta e a sua substituição

por outra superior em qualidade, isto é, mesmo que não aconteça o salto

qualitativo. Caracteriza-se deste modo a mediação que se estabelece entre os

próprios elementos da contradição fundamental da organização escolar.

Como é possível de identificar, trata-se de uma explicação colocada em um

nível de generalidade que não lança, absolutamente, luz nenhuma sobre a questão que

está analisando. Em sua análise da história da educação brasileira propriamente dita,

Ribeiro (1979) procede de maneira semelhante a Freitag (1980) – isto é, busca

correspondência entre os requerimentos econômicos-políticos de ordem conjuntural

em cada um dos subperíodos e as políticas para a educação. Ao agir dessa forma,

mesmo que não faça referência explícita aos autores conhecidos como reprodutivistas,

Ribeiro insere seu estudo nesse mesmo terreno. Diversos são os exemplos desse

procedimento; citamos apenas um a título de ilustração. Ao analisar o sétimo período

que se estende de 1937 a 1955, denominado pela autora de Modelo Nacional-

desenvolvimentista com base na industrialização, Ribeiro busca no texto da

Constituição ‘outorgada’ – que institui em seus artigos 128 e 129, a gratuidade e

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obrigatoriedade da educação, associados ao ensino de trabalhos manuais e pré-

vocacionais – evidência de “orientação político-educacional capitalista de preparação

de um maior contingente de mão-de-obra para as novas funções abertas pelo mercado”

(Ribeiro, 1979, p. 120).

Já em “Educação e estrutura social”1, Warde (1979) nos aponta alguns

caminhos que a produção educacional tomaria a partir de então. Ainda que do ponto de

vista teórico, Warde receba nitidamente a influência das posições althusserianas2 e, em

especial, das análises de Baudelot e Establet (1980) – nos aponta, no horizonte, a

passagem para as influências de Antonio Gramsci e de George Snyders. Este último

ponto adquire importância especial, na medida em que abre a possibilidade de, mesmo

reconhecendo a forte ênfase no papel da educação enquanto reprodutora das relações

sociais capitalistas em meio a crítica à política educacional dos governos militares,

atuar no espaço público, fugindo à dicotomia escola pública-educação popular

autônoma subjacente aos debates educacionais (Warde, 1979, pp.89-90):

A partir da constatação de que nas sociedades de classes sob o domínio do

modo de produção capitalista as instituições são penetradas pelos interesses

específicos da classe dominante, foi possível evidenciar que a educação

brasileira – tal como ela se dá na escola – está marcada pela função de

reproduzir as relações sociais dominantes. (...) É preciso salientar, ainda, que

o funcionamento dos aparatos de Estado está marcado por profundas

contradições e lutas de classe. No caso da escola, o fato de que a dominância

da ideologia da classe dominante impinge a ela um determinado fundamento,

não implica que a ideologia dominante converta a escola à imagem e

semelhança dos interesses da classe dominante. As idéias e valores da classe

1 Este trabalho foi originalmente apresentado como dissertação de mestrado na área de Filosofia da Educação (PUC/SP/1976), sob o título: Os Condicionantes Sociais da Oposição entre Teoria e Prática na Educação Brasileira: A Política de Profissionalização do Ensino de 2º Grau”. 2 Warde, subscreve, inclusive, a preponderância anunciada por Althusser da escola enquanto “aparelho ideológico do estado” (p. 55): “A escola ocupa entre os aparelhos ideológicos um lugar fundamental. Apresentada à sociedade como o lugar da elaboração e transmissão da Cultura, a escola cumpre as suas funções sob a aparência de um meio neutro, desprovido de ideologia. A importância da escola como aparelho fundamentalmente a serviço da inculcação ideológica se reforça pela formação que dispensa aos indivíduos para desempenharem funções nos outros aparelhos de Estado, e, em menor grau, pela qualificação daqueles que vão ocupar os lugares no processo produtivo. Nesse sentido, a escola prepara os membros das diversas classes sociais para uma sujeição à ação repressiva e ideológica dos outros aparelhos de Estado”.

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dominante não são capazes de transmutar a realidade. (...) isso permite

entender porque a escola ao mesmo tempo que gera consciências

subordinadas, que não se apercebem como tal, gera consciências capazes de

desmascarar o discurso ideológico dominante e de organizar uma

compreensão crítica da realidade ou, o que quer dizer o mesmo, uma

compreensão fundada na intencionalidade das classes dominadas.

Da perspectiva da temática abordada, o seu trabalho caminha na direção de um

exame mais acurado dos pontos nodais da política educacional, fugindo das grandes

análises históricas que procuravam enquadrar a educação aos ditames do Capital. Ao

analisar o estudo da profissionalização do ensino médio, contraponto aos Pareceres

45/72 e 76/751, Warde busca debater um ponto nuclear no entendimento do modo de

produção capitalista – o lugar da escola na reprodução das relações de produção. Dessa

1 A Lei 5.692 instituiu um 1º grau de oito anos, com a sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho nas últimas séries (7ª. e 8ª.) No 2º grau introduziu a obrigatoriedade da educação profissional, denominada formação especial, que predominaria sobre a educação geral e caracterizava-se como habilitação para o trabalho. Os resultados não foram satisfatórios em função da necessidade de recursos exigidos para dotar todas as escolas com máquinas e equipamentos e recursos humanos para desenvolver tal proposta dentro do que estabelecia a lei. É o que afirma Silva (1998, p. 231), “a exigência legal imposta às escolas de 2º. Grau no sentido de profissionalizarem seus alunos, aliada à falta crônica de recursos financeiros, materiais, de pessoal qualificado, de instalações e equipamentos fez com que uma grande simulação ocorresse de modo a que, aparente e formalmente, as escolas cumprissem a lei”. Esta medida compulsória de profissionalização fez com que muitas escolas dessem ênfase para cursos de baixo custo, sem a preocupação de verificar se haveria possibilidade de colocação de seus alunos no mercado de trabalho, gerando um contingente enorme de habilitados sem perspectiva de emprego, que continuava a aspirar por um ensino superior, mas, agora, sem uma preparação adequada.Ao conferir aos estudantes uma habilitação profissional como técnico ou auxiliar técnico, “... o governo objetivava diminuir a demanda e a pressão que se fazia sobre o ensino superior. No entanto, essa pressão não diminuiu” (Xavier, 1994, p. 252). Segundo Souza (1993, p. 62), “essa estratégia, que foi o tiro de partida para o esforço inicial de implantação da Lei 5.692/71, acabou por desaguar numa intenção que certamente, não era nem da Câmara de Ensino de 1º e 2º Graus, nem do ilustre autor do Parecer n. 45/72, a saber, a de propiciar a difusão, em todas as escolas de 2º grau, do modelo de profissionalização até então utilizado pelas escolas técnicas do antigo regime educacional”. A interpretação e implementação dessa política educacional reduziu “... a educação a mero fator de produção, (...) a reforma implicou a descaracterização e maior desqualificação do ensino médio” (Moraes: 1996, p. 126). Buscando “... aliviar as tensões que se geraram da política de profissionalização do ensino de 2º grau ...” (Warde, 1979, p. 85), em 1975, é aprovado o Parecer CFE 76, de 23 de janeiro, oferecendo uma nova alternativa para o ensino de 2º grau, uma maneira diferente de interpretar a Lei 5.692/71. Esta nova interpretação da Lei 5.692/71 está explicita na definição de habilitação profissional dada pelo Parecer 76/75, conclusões, n.º 8: “entende-se por habilitação profissional, o preparo básico para iniciação a uma área específica de atividade em ocupação que, em alguns casos, só se definirá após o ingresso no emprego”. Ao entender que habilitação profissional é “o preparo básico para a iniciação...” em uma área de atividade, o Parecer 76/75 vem negar o Parecer 45/72, que afirma ser “condição resultante de um processo ...” que “...capacita para o exercício de uma profissão ou de uma ocupação técnica...”. Enquanto um abre a possibilidade de preparação básica por área de atividade o outro restringe e apresenta um caráter de terminalidade, condição de capacitação específica em uma ocupação.

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forma, da discussão vinculação direta/desvinculação aparente entre o mundo do

trabalho e a escola do primeiro parecer – e da propria lei 5.692/71, de reforma do

ensino médio, a orientação proposta no segundo parecer vem consolidar a função da

escola capitalista, que seria “inculcar a ideologia dominante para poder qualificar

adequadamente para o trabalho e se articular à anarquia do mercado” (Warde, 1979, p.

87).

No entanto, a autora não escapa das leituras mais comuns na época, que vão

desde o interessante trabalho de Adolfo Sanches Vazquez (1977), até uma exagerada

utilização de uma das colaboradoras mais férteis de Althusser, a chilena Martha

Harnecker, responsável por algumas das mais esquemáticas interpretações do legado

de Marx (1978, 1990). Embora produtos de um mesmo espaço cronológico, os

trabalhos de Ribeiro e Warde assumem características bastante diversas: o primeiro,

um reflexo ainda de um estágio inicial, com as deficiências que lhe são próprias; o

último, apontando direções mais promissoras para os estudos que procuravam beber na

fonte marxiana. Esta evolução teórica – temática e teórico-metodológica – por assim

dizer, encontra reflexo em autores como Wagner Rossi e Sílvia Maria Manfredi que,

embora conduzindo suas investigações em São Paulo, não têm passagens pela

PUC/SP.

É exatamente Wagner Rossi com “Capitalismo e Educação” (1978)1, o

primeiro a tratar especificamente da questão da relação educação-trabalho sem a

intermediação da crítica à política educacional. O fio condutor de seu estudo é a crítica

ao ‘pedagogismo’ ou ‘messianismo pedagógico’, particularmente em sua forma mais

evoluída, a ‘teoria do capital humano’. Rossi define ‘pedagogismo’ como “ a crença na

capacidade messiânica da educação, capaz de transformá-la no instrumento de

correção das imperfeições humanas e sociais” (Rossi, p. 93). No afã de criticar a visão

‘pedagogista’ da economia da educação, Rossi faz talvez a mais clara defesa da

vinculação da escola ao processo produtivo, propondo algo como uma ‘inversão de

sinal’. Considere-se, por exemplo, a seguinte passagem (idem, p. 118):

1 Este trabalho foi originalmente apresentado como dissertação de mestrado em Educação, à Faculdade de Educação da Unicamp, sob orientação do professor Maurício Tragtenberg, em 1976.

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A escola capitalista reproduz as diferenças sociais entre os indivíduos,

habilita mão-de-obra crescentemente produtiva, veicula a cultura das classes

dominantes, discrimina os estudantes da classe trabalhadora, e inculca a

ideologia da dominação, ao mesmo tempo que dissimula suas funções. Atua

como instrumento de manutenção e reprodução das relações sociais de

produção capitalistas, daí incluir nesse processo cada vez maior número de

estudantes, de modo a melhor cumprir seus objetivos.

A busca de fundamentação em intérpretes do pensamento marxista fica mais

evidenciada justamente em sua análise da escola capitalista, onde retoma, como nos

casos anteriores, as postulações de Bourdieu e Passeron/Baudelot e Establet. Por conta

desse trabalho, Rossi é classificado ao lado de Barbara Freitag, como um autor

“crítico-reprodutivista”, por Saviani (“Prefácio”, Frigotto, 1986, p. 9):

sob a influência da tendência crítico-reprodutivista, surge a tentativa de

empreender a crítica da economia da educação. Buscou-se, então, evidenciar

que a subordinação da educação ao desenvolvimento econômico significava

torná-la funcional ao sistema capitalista, isto é, colocá-lá a serviço dos

interesses da classe dominante uma vez que, qualificando a força de trabalho,

o processo educativo concorria para o incremento da produção da mais-valia,

reforçando, em conseqüência, as relações de exploração. Ilustrativas dessa

fase são as obras de Bárbara Freitag... e de Wagner Rossi....

Embora sem utilizar o mesmo termo, Frigotto (1986, p. 137) também o coloca

ao lado de Cesare Giuseppe Galvan e da mesma Freitag como um autor que supõe a

“existência de um vínculo direto entre mundo da produção e mundo da escola, ou com

o processo educativo em geral”. A despeito da classificação de ‘reprodutivista’, Rossi

não nega o caráter conflituoso da escola capitalista, abrindo uma perspectiva de

superação. Após algumas esparsas referências a Gramsci, o autor busca efetivamente o

apoio em Paulo Freire: seu ‘efeito contrário’ ao reprodutor seria o ‘conscientizador-

libertador’. Apenas para registro, ao lado da inegável influência de autores marxistas,

Rossi colhe contribuições também de autores libertários – como são os casos,

especialmente de Francisco Ferrer Y Guardia, de René Loutau, Georges Lapassade e,

particularmente, Michel Lobrot – ao lado de referências ao trabalho de Maurício

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Tragtenberg, seu orientador. Em rigor, Rossi (1978, p. 21) propõe como o divisor de

águas a busca da

completa destruição da organização capitalista da sociedade, substituindo-a

por nova organização social, fundamentalmente diversa, porque alicerçada

em relações sociais de produção socialistas, cuja base se assenta na

propriedade comum dos meios de produção.

Dentro do espírito que fundamentou a presente periodização, pode-se dizer que

os trabalhos de Warde e Rossi encerram um primeiro momento de incidência da matriz

teórico-metodológica marxista na produção educacional brasileira, trazendo

fortemente a marca das condições nas quais elas foram desenvolvidas. Os estudos

refletem a formação teórico-política forjada na militância, através das codificações dos

manuais marxista-leninistas utilizados na preparação de quadros, bem como a

incorporação de modelos teóricos em voga na academia, feita não raro sob a

premência das exigências do alinhamento dos educadores nas lutas políticas do

momento. A questão colocada para os educadores, naquele momento, era a

interpretação e a crítica da política educacional do regime militar, contribuição

especializada na luta mais ampla do combate oposicionista.

A partir de então, a produção educacional que busca inspiração no marxismo

muda de interlocução: do combate aos governos militares e suas políticas para a

educação, esta centrará suas baterias em alvos situados dentro do campo educacional

mesmo, seja nas antigas concepções tecnicistas, seja nas concepções ‘reprodutivistas’.

Reprodutivista, assim, passa a assumir uma conotação claramente negativa –

pejorativa mesmo – e a referência anterior aos autores identificados com essa

orientação teórica, particularmente, Althusser, ser considerada uma espécie de mácula

no currículo dos educadores. Certamente não terá sido a depreciação o objetivo de

Cury (1981) em sua crítica à “Escola e Desenvolvimento Social no Brasil”, de Luiz

Antonio Cunha, mas é justamente o caráter ‘reprodutivista’ do texto o seu ponto nodal.

Cunha (1981b), aliás, cobra exatamente de Cury que a crítica tivesse sido feita

‘naquele tempo’, e não anos depois.

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Não é possível deixar de apontar, ao menos, três qualidades dessa primeira leva

de produção educacional marxista no país. Não é negligenciável, de início, o fato de

que esses trabalhos que, no plano acadêmico – principalmente calçados pelo

pensamento althusseriano1, nomeadamente, sua noção de aparelhos ideológicos e

repressivos – permitem uma primeira interpretação das políticas estatais no período

militar. A avaliação de que a escola seria o aparelho ideológico por excelência dentro

do modo de produção capitalista, complementando à perfeição a sua função de

formador de mão-de-obra então em voga, possibilita o enquadramento teórico dentro

do campo marxista das políticas dos governos militares – municiando as forças

oposicionistas no combate à ditadura. Pode-se dizer que o esquemático pensamento

althusseriano – ao menos no que tange às suas colocações mais amplamente

conhecidas e utilizadas oriundas de “Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado” –

adquiriu uma funcionalidade exatamente no momento em que, cerceada a

possibilidade de ação mais efetiva pela derrocada do movimento armado, e antes da

‘descoberta’ do caminho político pela via do gramscianismo, a determinados setores

da esquerda marxista não restava senão a denúncia.

Como segundo ponto, destaque-se que a produção sinaliza o início da retomada

do debate educacional – da (re)inserção política dos educadores no quadro mais global

do movimento oposicionista daquele momento – após um período onde as reflexões

acerca da realidade brasileira estavam, por assim dizer, paralisadas. É que após o

intenso debate e mobilização em torno dos movimentos de educação popular na

década de 1960, as tendências educacionais presentes nos períodos iniciais do ciclo

1 A respeito do papel de Althusser no debate educacional é necessário a busca de um dimensionamento mais preciso de sua influência: se ela é inegável, pela utilização de suas categorias interpretativas na análise da realidade educacional brasileira, ela nem é exclusiva, nem se faz de forma avassaladora; antes, trata-se de uma presença difusa. Na realidade, o marxista francês parece ser mais citado do que propriamente lido e conhecido em profundidade. Aqui, manifesta-se uma característica do campo educacional que é o conhecimento de um autor por uma obra isolada, que pode não se constituir nem em sua obra de maior densidade, nem refletir o conjunto de seu trabalho. No caso, Althusser resumir-se-ia a ser o autor de “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado”, não somente citada em quase a totalidade dos trabalhos do período, seja por aqueles que admitem a sua influência quanto pelos que a negam, através da ampla utilização das categorias de ‘aparelho ideológico’ e ‘aparelho repressivo’ do Estado. É importante destacar que Althusser teve o cuidado de introduzir, como subtítulo, “Notas para uma investigação”, que deveriam ser tomadas “apenas como introdução a uma discussão”, conforme a edição portuguesa – a mais divulgada – dessa obra. Agregue-se a isso o fato de que Althusser não será o único, e nem talvez o mais importante autor classificado como ‘reprodutivista’. Além da presença de alguns de seus discípulos, nomeadamente, Establet e Baudelot como os mais influentes, pelas suas incursões especificamente no campo educacional, o autor mais conhecido e citado talvez seja Pierre Bourdieu. Em sua obra mais difundida, A Reprodução – traduzido e publicado no Brasil em 1975, antecipa a tendência ‘reprodutivista’ que será reforçada com os demais trabalhos do campo propriamente marxista.

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militar mantém um distanciamento com relação às questões político-sociais, tônica do

momento precedente. É o momento da intensa psicologização do pensamento

educacional, marcada pelas influências de Jean Piaget, Carl R. Rogers e, sobretudo, B.

F. Skinner. Segundo Ghiraldelli Jr. (1990), é o tecnicismo que domina o período,

ganhando o status de ‘pedagogia oficial’. Calcada na psicologia que reivindica o

caráter estritamente ‘científico’, entende a educação como um processo análogo a um

experimento científico nos moldes das disciplinas exatas e naturais. Além das obras de

Skinner e de outros teóricos do behaviorismo, circulam diversos textos de aplicação à

educação dos princípios da análise experimental do comportamento, com diferentes

matizes, como os de Keller (1972), Mager (1976) e Bloom (1976).

Por fim, vale assinalar que essa produção intelectual constitui-se em um

importante patamar que a reflexão educacional atinge – e que propiciará,

cumulativamente, ardentes debates nos momentos subseqüentes.

3.2. A produção acadêmica vinculada ao Programa de Pós-Graduação da PUC/SP

criado em 1977: o primeiro grupo de doutorado

Passado o período de retomada do debate educacional e de produção desse

conjunto pioneiro de trabalhos buscando inspiração na tradição marxista, segue-se um

momento de maior efervescência, tendo por núcleo o recém-inaugurado programa de

doutorado da PUC/SP, capitaneado por Dermeval Saviani. O Programa de Estudos

Pós-graduandos em Educação da PUC/SP teve início no ano de 1969, com a criação do

mestrado em Psicologia da Educação. O Programa de Filosofia da Educação inicia-se

no ano de 1971, o de Supervisão e Currículo em 1975 e o de Distúrbios da

Comunicação em 1979. É a partir do mestrado em Filosofia da Educação que abre-se o

caminho para a implantação do pioneiro doutorado na área educacional no ano de

1977, o núcleo mais profícuo em termos de elaboração teórica no período.

O Centro de Educação, onde a pós-graduação está inserida, é composto por um

grupo heterogêneo de professores abarcando um amplo espectro teórico-político,

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tendencialmente hegemonizado pelo pensamento fenomenológico1. São figuras de

expressão, dentre outros, os professores Newton Aquiles von Zuben, Geraldo Tonacco,

Antonio Joaquim Severino e Maria Fernanda Farinha Beirão. Já neste mestrado,

circulam na qualidade de alunos nomes como Carlos Roberto Jamil Cury, Paolo

Nosella, Moacir Gadotti, José Luis Sanfelice, Antonio Chizzotti e Miriam Jorge

Warde.

O projeto do doutorado ancorado administrativamente por Walter Esteves

Garcia, é desenvolvido a partir de meados dos anos 1970 por Casemiro dos Reis Filho,

um educador de renome nacional (com militância no campo da esquerda) e,

particularmente, pelo recém-doutorado Dermeval Saviani2. No período em questão

(1976-77), Saviani dividia seus esforços em experiências de implantação de pós-

graduação em São Carlos, em conjunto com a Fundação Carlos Chagas. É nesta última

instituição que o grupo em torno de Saviani adquirirá contornos mais nitidamente

identificados com a tradição marxista, inserindo-se no debate marxista do período. Não

vamos nos deter nestas experiências; basta-nos algumas indicações, particularmente

com relação à UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Lá, o grupo que gravita

em torno de Saviani, que contava com figuras como Maria Luisa Santos Ribeiro e

Miriam Jorge Warde, professoras também da PUC/SP, e Guiomar Namo de Mello, da

1 O conceitual fenomenológico era bastante conhecido no ambiente intelectual brasileiro. Ao longo das décadas de 1970 e 1980, vários cursos de pós-graduação em educação e filosofia desenvolviam pesquisas com base nesse ideário. Segundo Gadotti (1987), a própria PUC/SP apontava uma orientação fenomenológica nos idos de 1970, identificada por professores como Newton Von Zuben (tradutor de Martin Buber) e Antonio Severino (autor de “Pessoa e Existência”). De tal forma que muitos dos educadores que se identificariam com o marxismo, desenvolveram seus primeiros estudos, tendo como parâmetro a fenomenologia. O próprio Saviani (1984) testemunha que antes de enveredar pelo universo conceitual gramsciano, fundava suas reflexões sobre o conceitual fenomenológico. Os educadores vinculados a essa corrente salientaram a autonomia existencial do indivíduo, defendendo sua independência diante das estruturas factíveis da vida em sociedade. Nessa perspectiva, a educação, além de sua dimensão político-histórica, tem uma perspectiva existencial que contribui para formar não somente o sujeito engajado na transformação da sociedade, mas também o indivíduo cônscio de suas opções. 2 Dermeval Saviani concluiu seus estudos de graduação (bacharelado e licenciatura em Filosofia) no ano de 1966, e doutorado na área de Ciências Humanas: Filosofia da Educação em 1971, todos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, da PUC/SP. Saviani inicia sua atividade docente na PUC/SP no ano de 1967, lecionando no curso de Pedagogia. Em 1972, passa a ministrar disciplinas na Pós-Graduação da mesma universidade e na Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP; no período 1973-1975, é docente em tempo integral na PUC/SP; de 1975 a 1978, divide suas atividades entre a PUC/SP e a Universidade Federal de São Carlos-UFSCar; em 1978, retorna à vinculação exclusiva com a PUC/SP; em 1980 ingressa na UNICAMP e, finalmente, a partir de 1989, passa ao Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa na universidade de Campinas.

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Fundação Carlos Chagas, encontra-se com outro já consolidado em termos de

produção dentro da tradição marxista, no campo da sociologia/história, destacando-se

o professor José Cláudio Barriguelli – travando-se um renhido debate acerca da

legitimidade da incorporação daquela fonte nas suas produções (Ribeiro, 1987).

Tornando a concentrar seus esforços na PUC/SP, no ano de 1978, Dermeval

Saviani parte mais decisivamente para o projeto, com a criação do primeiro grupo de

doutorado. É exatamente este grupo que será vital para o debate no período: fazem

parte dele Antonio Chizzotti, Betty Antunes de Oliveira, Bruno Pucci, Carlos Roberto

Jamil Cury, Fernando José de Almeida, Guiomar Namo de Mello, Luiz Antonio

Cunha, Miriam Jorge Warde, Neidson Rodrigues, Osmar Fávero e Paolo Nosella.

Posteriormente, Maria Luisa Santos Ribeiro, Celso Ferretti, Gaudêncio Frigotto, Selma

Garrido Pimenta, Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier e José Carlos Libâneo.

Circunstâncias diversas propiciaram a incorporação de um número

considerável de professores ao programa que haviam protagonizado a reorganização

do campo educacional. Entretanto, nesse primeiro momento, esta incorporação se deu

de forma improvisada, uma vez que os professores iam sendo convidados a integrá-lo

para em seguida definir as disciplinas compatíveis com cada um deles e finalmente,

compor o seu currículo. Já em 1978, sob a coordenação de Dermeval Saviani, a

preocupação em conferir um perfil teórico-metodológico ao programa fez com que

ocorresse toda uma reestruturação com vistas a sua maior organicidade. Nessa direção,

a idéia que teria coesionado o grupo foi a de que passada a fase da denúncia política,

era hora de assumir uma postura mais propositiva o que correspondia a uma ‘inversão

de sinal’. Essa idéia se fundava no imperativo que se tinha em articular a teoria e a

prática, isto é, no entendimento de que não era possível separar a ação institucional do

trabalho teórico-acadêmico.

Com efeito, naquele momento ainda não havia consenso a respeito das

alternativas de construção de um projeto político-pedagógico que pautasse a ação dos

educadores. A opção política pela educação escolar como via para a construção de um

projeto educacional mais democrático deu-se em meio à polêmica com educadores que

defendiam a bandeira da educação popular como a única alternativa possível para

empreender uma educação verdadeiramente voltada para as classes trabalhadoras. De

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um modo geral essa postura pode ser explicada pela ocorrência de um fenômeno

identificado por Fontes (2006) como uma reação de setores sociais de oposição à

ditadura no Brasil a qualquer iniciativa popular que passasse pelo âmbito do Estado.

Segundo a autora, a longa duração do regime militar ditatorial além de ter impedido a

contestação por meio da organização popular acabou fazendo com que muitos desses

setores passassem a identificar forma de governo com forma de Estado (militar),

induzindo-os a construir formas autônomas de luta.

No tocante à organização dos educadores essa recusa se manifestou entre

outros, no movimento de educação popular que concebia a educação como

instrumento de mobilização política. Vinha sobretudo de setores progressistas da Igreja

Católica essa visão da educação, segundo a qual a educação popular só poderia ser

realizada fora das instituições escolares1. Naquele momento, a concepção de educação

popular respondia às teorias que buscavam compreender os processos educacionais a

partir de seus condicionantes políticos, sociais, econômicos e ideológicos – as teorias

reprodutivistas. Se por um lado essas teorias foram objeto de crítica, uma vez que se 1 A educação como instrumento de mobilização política influenciou movimentos de alfabetização de massa tais como o Movimento de Educação de Base – MEB, ligado à esquerda católica; as campanhas dos Centros Populares de Cultura – CPCs, da União Nacional dos Estudantes; e a campanha De pé no chão se aprende a ler, do Rio Grande do Norte. Não cabe aqui fazer uma ampla discussão sobre a educação popular, nem tampouco resgatar a polêmica com os seus críticos, mas o poema abaixo capta plenamente a concepção dos educadores que levantavam a bandeira da educação popular tinham a respeito da educação e da escola: “Caçamos borboletas ou nos iludimos com as nossas palavras? Não há escolas para o povo: há escolas do povo, ou há as escolas do opressor. Há o Mobral e há os grupos locais das lutas populares. Em qual dos dois ficamos, professor? Há os cursos patronais, de formação de mão-de-obra, há o Projeto Minerva, há os programas inócuos de Educação de Adultos e desenvolvimento de comunidades. Do outro lado há momentos de prática, movimentos, espaços de luta, avanços e recuos, trajetória de trabalhos e revisões. Há grupos, gentes e agentes populares de cultura. De outro lado, as prisões didáticas cheias de flores e recursos mas armadilhas que transformam o homem em massa e o corpo em máquina. Do outro lado as situações, companheiro, as estruturas, as escolas, os instrumentos e os educadores diretos da classe. O trabalho do educador popular que não caça borboletas para os museus da academia, e não se engana com o poder de fogo das palavras do sistema, consiste em estar ali, no campo da frente de combate, e participar, e somar o seu trabalho didático à prática política que guia o povo e o seu trabalho, educador. A educação popular são ensina e não conduz, ela acompanha e reflete a prática do povo e vai à sua retaguarda.” (Brandão, 1980:129)

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supunha que elas levariam os educadores à inação, por outro, elas podem ter gerado

proposições como a da educação popular que referenciadas naquelas teorias, embora

sem assimilá-las corretamente, buscaram uma alternativa educacional independente.

Entre o grupo de pesquisadores que nucleava a pós-gradução da PUC/SP a tese

vigente da educação popular veiculada por uma parcela de educadores foi polemizada.

Buscando uma intervenção no interior do Estado e no direcionamento das políticas

educacionais e participando ativamente dos espaços institucionais, concebia-se a

própria inserção dos educadores e como decorrência, a organização do espaço

pedagógico como os elementos fundamentais para a construção da teoria pedagógica e

para a realização da ação pedagógica. O espaço pedagógico a que se referiam os

educadores era o espaço escolar, considerado como o local por excelência da prática

pedagógica do educador. E é para a escola pública que as atenções se voltavam, já que

nela que era educada a maioria dominada da população. Portanto, era a escola que

necessitava ser organizada. Daí a necessidade dos educadores desenvolverem-se

teoricamente, não só como um guia para a ação, mas sobretudo para a elaboração de

uma teoria da educação brasileira.

Desse pressuposto pode-se apreender a concepção de educação que parece ter

predominado no programa, naquele momento, constituindo-se no eixo em torno do

qual professores e alunos empreenderam seus estudos e pesquisas. Trata-se da relação

que se estabelecia entre escola e democracia, consubstanciada na idéia de que a luta

pela democratização do ensino passaria, necessariamente, pela luta política em favor

de uma sociedade democraticamente mais justa e igualitária. Nessa direção, colocava-

se a importância da participação dos educadores em todas as instâncias institucionais,

concebendo a educação escolar como o espaço primordial de atuação, visto que nela se

dariam as práticas sociais produzidas historicamente no interior das relações de classe

inerentes ao modo de produção capitalista. A escola seria, portanto, um espaço de

disputa e como tal, o trabalho pedagógico uma arma fundamental a todos os

educadores, para quem educação progressista e transformação social eram tidos como

dois elementos indissociáveis.

A produção desse grupo surge em meio a uma avaliação corrente entre os

educadores, detectável pela temática das CBEs de que, sintonizado com o momento

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que o país atravessava – marcado pela abertura política e com o próprio clima

contestatório que dominava a academia – impunha-se a necessidade de superar a fase

da denúncia e propor alternativas concretas para a educação por dentro do Estado. A

exigência de intervenção, assim posta, tem, visivelmente, duas conseqüências: de uma

parte, há uma tentativa de coordenar as investigações, de modo a garantir a maior

abrangência temática possível; de outra, a busca de um referencial teórico-

metodológico que melhor se adequasse a tal propósito.

A postura intervencionista que caracteriza profundamente a forma de operar do

grupo encontra na obra de Antonio Gramsci o substrato para as suas investigações.

Não nos admira que Clarice Nunes (1991, p. 134) aponte exatamente o programa de

pós-graduação da PUC/SP como responsável pelo impacto que a obra de Gramsci

causará entre os educadores. Simionatto (1995) inclusive – numa análise sobre a

introdução de Gramsci no Brasil – aponta Dermeval Saviani como um dos

responsáveis pelo seu estudo, de forma mais sistemática no campo educacional, tendo

como marco uma disciplina por ele ministrada para aquele grupo de doutorandos ao

qual já fizemos referência. A partir de depoimento do próprio Saviani (apud

Simionatto, 1995, p. 180), Simionatto esclarece como o curso se encaminhou para uma

discussão que pretendia trazer à tona em que medida o pensamento de Gramsci poderia

ajudar a entender as questões ligadas à educação e, especialmente, à educação

brasileira:

Eu partia de um esboço da concepção de homem, das classes, das relações de

força, de Estado, sociedade política e sociedade civil, partido político e

ideológico, do papel dos intelectuais, chegando assim à escola. Buscava desta

forma articular este processo, ou seja, como Gramsci colocava a construção

de um novo bloco histórico e como a escola se integrava nesse processo de

luta pela hegemonia, na manutenção do bloco histórico e na sua

transformação.

O pensamento gramsciano era buscado, portanto, para compreender a

problemática educacional no contexto do desenvolvimento histórico e social e

perceber em que medida se poderia construir uma teoria da escola na luta pela

transformação da sociedade. “Nesse sentido – afirma Saviani – é que o pensamento de

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Gramsci se revelava com uma certa fecundidade para trabalhar esta problemática”

(idem, p. 181). Entretanto, como revela o próprio Saviani, que conduzia os estudos,

que seu conhecimento do autor era ainda bastante limitado, declarando-se não um

especialista mas um leitor de Gramsci (ibidem, p. 182).

O percurso intelectual de Saviani, ao redor do qual articulava-se o grupo de

doutorandos, é de uma certa forma paradigmático: transita da antiga vinculação com a

Igreja Católica, como seminarista e como militante político1 – com formação filosófica

de orientação tomista e fenomenológica (Ribeiro, 1978: p. 20; Saviani, 1988: p. 130) –

para o marxismo, particularmente por meio da vertente gramsciana.

O exame da obra de Dermeval Saviani – além dos produtos discentes do

programa de doutoramento – é indispensável, tanto pelo seu papel como condutor da

direção temática e teórico-metodológica do programa, quanto pela possibilidade de

aferição do estado da arte da discussão marxista na época. Assim sendo, é conveniente

buscarmos apreender a ossatura geral de suas proposições, em torno de dois eixos: a

forma pela qual opera a articulçação educação-política e as fontes teórico-

metodológicas de suas investigações.1

Em “Educação: do senso comum à consciência filosófica” (1982), Saviani

postula que a “educação é sempre um ato político, a atividade educacional é sempre

um ato político” (Saviani, 1982, p. 193). Em outras palavras, afirmar “que a educação

é um ato político, significa dizer que a educação não está divorciada das características

1 Saviani tem uma passagem pela Ação Popular (AP), na qualidade de estudante, até março de 1967, quando se desliga daquela organização, “não apenas pelo fato de que, uma vez formado, eu deixava de ser estudante, mas principalmente porque me parecia que daquela maneira não era possível avançar, uma vez que não compreendíamos satisfatoriamente a realidade sobre a qual queríamos atuar” (Saviani, 1992, p. 22).

2 O procedimento de análise do trabalho de Dermeval Saviani será diverso do adotado com outros autores: em primeiro lugar, trata-se de um educador com uma obra já bastante consolidada que é procurado por seus pares para, em função de sua qualificação e posições assumidas, orientar os estudos nesse nível; em segundo, a sua produção não diz respeito diretamente ao grupo, embora inflexões sejam perceptíveis no seu contato com os doutorandos. É importante reafirmar que não é nosso intuito uma análise exaustiva de toda a trajetória intelectual de Saviani; apenas selecionamos o material que do nosso ponto de vista, permitiria obter as indicações acerca dos dois eixos de análise. Para tratamentos mais globais, com enfoques e envergaduras diversas, ver Sá (1985), Rachi (1990) e Aranha (1992).

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da sociedade; ao contrário, ela é determinada pelas características básicas da sociedade

na qual está inserida” (idem, p. 202). Uma vez caracterizada a sociedade brasileira

como sendo do “tipo capitalista”, “caracterizada por classes antagônicas cujos

interesses não são, pois, inconciliáveis (...), a educação serve a interesses de uma ou de

outra das classes fundamentais” (ibidem, p. 202). Resumindo, ela sempre estará

servindo “as forças que lutam para perpetuar ou transformar a sociedade” (ibidem, p.

203, grifo no original).

Em seu livro anterior, “Educação Brasileira: estrutura e sistema”, de 1972,

Saviani ainda avançou um pouco na direção de uma formulação mais precisa da

relação educação-política. Em uma passagem do texto, o autor afirma que “a atividade

educacional, como as demais atividades humanas, se insere naquele processo dialético

que permite passar da ação (fundada na filosofia de vida) à ação (fundada na

ideologia) pela mediação da reflexão” (Saviani, 1981: p. 82). E que “quem faz o

sistema educacional são os educadores quando assumem a teoria na sua práxis

educativa”. No prefácio de sua 3ª edição, justamente no ano de 1978 (idem, 1981, p.

xii), Saviani inclui a observação de que “a tarefa de construção de um sistema

educacional para o Brasil coincide com a tarefa de transformação estrutural da

sociedade brasileira”. E mais, “trata-se de uma tarefa que se nos impõe agora e que

deve ser encetada na sociedade presente”.

A forma pela qual Saviani concebe a articulação educação-política é

demonstrada em outro escrito, denominado “Onze teses sobre educação e política”,

presente na coletânea “Educação e Democracia”(1983). Nela conceber a educação

como um ato político significa “sublinhar que a educação possui sempre uma

dimensão política”(Saviani, 1983, p.94) e que é “primordialmente educativa e

secundariamente política”(idem, p.95) – traduzindo, sua décima-primeira tese afirma

que “a função política da educação se cumpre na medida em que ela se realiza

enquanto prática especificamente pedagógica” (ibidem, p.93). Em outro texto da

mesma coletânea, “Para além da teoria da curvatura da vara”, Saviani (1978, p. 73)

escreveu que

uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a

escola; não será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará empenhada

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em que a escola funcione bem; portanto, estará interessada em métodos de

ensino eficazes. (...) serão métodos que estimularão a atividade e iniciativa

dos alunos sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o

diálogo dos alunos entre si e com o professor mas sem deixar de valorizar o

diálogo com a cultura acumulada historicamente (...).

A maneira pela qual a educação escolar se inscreve enquanto um “instrumento

de luta (hegemônica)” de importância fundamental é a sua dupla intervenção em

momentos simultâneos e articulados: negando a concepção dominante (a ideologia

burguesa) e afirmando o núcleo válido do senso comum, no sentido da formulação de

uma concepção de mundo adequada aos interesses populares. Em suma, é a

possibilidade da “passagem do senso comum à consciência filosófica”, isto é, “de uma

concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica,

passiva e simplista a uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original,

intencional, ativa e cultivada” (1983, p. 10). Atingir a hegemonia implica a “elevação

cultural das massas” (idem, p. 11), daí delineia-se, para Saviani, o papel da educação.

No já citado “Educação Brasileira: Estrutura e Sistema” (1981) – fruto de sua

tese de doutoramento, defendida em 18 de novembro de 1971, na própria PUC/SP com

o título de “O conceito de sistema de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”

– encontramos, particularmente, em suas considerações metodológicas que precedem

as análises propriamente ditas (a partir de uma proposição de distinção entre

“estrutura” e “sistema”, e da distinção de alguns dos “métodos” e “correntes

pedagógicas”, compreende uma análise da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional), referências ainda vagas a respeito da ‘dialética’. Sem negar a influência já

presente de autores vinculados ao marxismo, ela não será seguramente nem a única

nem a mais relevante. Em suas referências bibliográficas, encontramos autores como

Karel Kosik, Lucien Goldmann, Herbert Marcuse e Adolfo Sanchez Vazquez, além de

Jean-Paul Sartre. Ainda não aparecem referências a Gramsci ou a Marx nesse texto

inicial.

Em sua coletânea “Educação: do senso comum à consciência filosófica” (1982)

– produzido exatamente no período da formação do grupo de doutorado da PUC/SP –

Saviani aproxima-se, efetivamente, do pensamento gramsciano. Ao longo de suas

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páginas, é possível, de fato, identificarmos momentos de débito ao pensador italiano.

Contudo, a própria natureza da obra – de textos avulsos com temas e grau de

aprofundamento distintos – não auxilia na busca da forma pela qual operava Saviani

com os referenciais marxistas. Saviani aqui não refere-se mais a fenomenologia –

identificado no prefácio como seu referente no trabalho anterior: seu referente passa a

ser, prioritariamente, marxista.

Em “Escola e Democracia” (1983), a tendência pré-figurada nos escritos

anteriores repete-se: trata-se de uma coletânea de textos nos quais a referência

marxista, é virtualmente, a única. Um ponto que nos parece importante destacar no

trabalho em questão é que, aqui, Saviani aparece com um conjunto de reflexões

originais acerca da relação educação-sociedade: é nele que encontra-se o texto no qual

Saviani cunha sua classificação dual – teorias não-críticas/teorias crítico-

reprodutivistas – que passaria a constituir-se em presença constante nas discussões

educacionais do período; a sua crítica às concepções da Escola Nova, em contraste

com a escola tradicional, para propor, enquanto síntese, uma “pedagogia

revolucionária” e, finalmente, suas onze teses onde as relações entre a atividade

educacional e política recebem uma formulação mais acabada.

No que toca as fontes, aparece pela primeira vez, com grande destaque,

referências a obras marxianas. Enquanto exemplo – que é muito mais que uma

ilustração, na medida em que esse raciocínio adquire importância maior dentro do

contexto de sua obra – ao contrapor sua proposição pedagógica “revolucionária” aos

métodos novos e tradicionais, Saviani recorre ao “Método da Economia Política” de

Marx (1978). Recorde-se que o pensador alemão, em um dos raros momentos em que

se deteve a discutir questões de método, delineou algumas linhas sobre o seu

procedimento na investigação da sociedade burguesa. Esta pequena introdução, apenas

esboçada, é suprimida pelo autor no texto de 1859, conforme seu prefácio, com o

receio de que “toda antecipação perturbaria os resultados ainda por provar” (Marx,

1978, p. 128). O cuidado de Marx, no entanto, não impediu que essa parte da

introdução, denominada “O Método da Economia Política” fosse amplamente

divulgada como um “texto metodológico” por excelência.

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Saviani (1983, p. 77) faz uma analogia entre os passos descritos por Marx em

sua investigação e a educação, enquanto

uma atividade mediadora no seio da prática social global. Daí porque a

prática social foi tomada como ponto de partida e ponto de chegada na

caracterização dos momentos do método de ensino por mim preconizado. É

fácil identificar aí o entendimento da educação como mediação no seio da

prática social. Também é fácil perceber de onde eu retiro o critério de

cientificidade do método proposto. Não é do esquema indutivo tal como o

formulara Bacon; nem é do modelo experimentalista ao qual se filiava

Dewey. E, sim, da concepção dialética de ciência tal como o explicou Marx

no ‘método da economia política’. Isto não quer dizer, porém, que eu esteja

incidindo na mesma falha que denunciara na Escola Nova: confundir o

ensino com a pesquisa científica. Simplesmente estou querendo dizer que o

movimento que vai da síncrese (“a visão caótica do todo”) à síntese (“uma

rica totalidade de determinações e de relações numerosas”) pela mediação da

análise (“as abstrações e determinações mais simples”) constitui uma

orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos

conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão-

assimilação de conhecimentos (o método de ensino)”.

É possível observar, a partir dessas colocações, que há uma generalização da

proposição marxiana em muito excedendo as condições por ele estabelecidas.

No livro posterior há algumas indicações importantes do percurso de Saviani:

trata-se da coletânea “Ensino Público e algumas falas sobre a universidade”(1987),

lançada em sua primeira edição em 1984. No texto “A defesa da escola pública”,

Saviani utiliza os escritos de Marx a respeito do programa de Gotha para a defesa da

não-intervenção do Estado na educação1; em outro artigo – “Trabalhadores em

educação e crise na universidade” – o autor recorre ao capítulo inédito d’“O Capital”,

para justificar suas posições quanto à natureza da atividade educacional.

1 “(...) Isso de educação popular a cargo do Estado é completamente inadmissível. Uma coisa é determinar por meio de uma lei geral, os recursos para as escolas públicas, as condições de capacitação do pessoal docente, as matérias de ensino, etc., e velar pelo cumprimento destas prescrições legais mediante inspetores do Estado como se faz nos Estados Unidos, e outra coisa completamente diferente é designar o Estado como educador do povo! Longe disto, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do governo e da Igreja (...).” (Marx, s/d, p. 213).

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A “pedagogia revolucionária” esboçada em “Escola e Democracia” seria

melhor desenvolvida em um trabalho posterior, a “Pedagogia Histórico-Crítica:

primeiras aproximações”(1991). A ressaltar, um posicionamento claro com relação à

sua ‘pedagogia histórico-crítica’, fundada no materialismo histórico (Saviani, 1991a, p.

103):

(...) implica a clareza dos determinantes sociais da educação, a compreensão

do grau em que as contradições da sociedade marcam a educação e,

conseqüentemente, como é preciso se posicionar diante dessas contradições e

desenredar a educação das visões ambíguas, para perceber claramente qual é

a direção que cabe imprimir à questão educacional.

Encerrando essas observações sobre a obra de Saviani, se tomarmos como base

as fontes que vão nutrir seu pensamento, parece indiscutível que há um percurso desde

os primeiros trabalhos até os finais, cada vez mais direcionado para a tradição

marxista, tanto no que diz respeito à consulta às fontes originais, aparentemente cada

vez mais freqüente, quanto à sua referência basilar ao pensamento gramsciano. É

perceptível, também, que seu interlocutor maior é a tendência ‘crítico-reprodutivista’:

Saviani desenvolve uma crítica bastante consistente com relação a tal conjunto de

escritos, que têm como marca o entendimento de que a luta de classes ou é

‘impossível’ ou ‘inútil’ (conforme Snyders, de quem Saviani é tributário). Parte do

pressuposto de que a crítica é necessária mas insuficiente, haveria necessidade de

apontar claramente alternativas de ação, que seriam consubstanciadas numa pedagogia

inspirada no materialismo histórico.

Muitas das críticas que são feitas com relação a sua obra devem-se em parte ao

pioneirismo de sua produção: em condições de acumulação de conhecimento bastante

adversas, Saviani pode ser considerado talvez o maior responsável, tanto pela

produção direta de um pensamento educacional inspirado no marxismo, quanto,

indiretamente, pela formação de quadros e difusão para todo o país desse pensamento,

graças aos programas de Pós-Graduação em processo de criação/desenvolvimento.

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Percursos político-intelectuais semelhantes aos de Saviani – formação cristã e

militância em movimentos vinculados à Igreja Católica e transição para uma leitura

marxista pela via gramsciana – são encontrados em alguns dos participantes do

pioneiro grupo de doutorandos da PUC/SP: Antônio Chizzotti, Fernando Almeida,

Paolo Nosella e Carlos Roberto Jamil Cury são exemplos. Outros, como Miriam Jorge

Warde, seguem caminhos diferentes: com formação em filosofia pela USP e

diplomada em pedagogia pela PUC/SP, vem de militância no movimento estudantil na

área de influência do PCB, ou seja, formada dentro dos cânones do marxismo-

leninismo.

Do grupo original do programa de doutoramento da PUC/SP, dois deles

possuem trajetórias um pouco diferenciadas, ainda que guardem alguma proximidade

entre si: Guiomar Namo de Mello e Luiz Antônio Cunha. A nenhum dos dois é

indiferente a ação política, embora entre as suas marcas características estejam a forte

vinculação com a atividade acadêmica, especificamente a pesquisa. Guiomar Namo de

Mello é pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, formada em Pedagogia na FFCL-

USP, com passagens pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais pelo Colégio de

Aplicação da própria FFCL-USP. A sua militância política, contudo, ainda fundada em

precárias leituras como o célebre manual de Politzer (1970) do período estudantil,

desvinculava-se totalmente da vida profissional. Foi somente com o projeto conjunto

da Fundação Carlos Chagas e da Universidade Federal de São Carlos que, assumindo a

disciplina ‘Metodologia’ (1976-77) e tomando contato com Saviani, que Mello vê-se

às voltas com a necessidade de compatibilizar a sua formação pregressa com os

requisitos do ‘paradigma marxista’ em voga: a sua entrada no doutorado deve-se

exatamente a esta necessidade, conforme ela próprio afirma. Sociólogo e educador,

com passagens pela PUC/RJ, FGV/IESAE, UNICAMP e UFF, Luiz Antonio Cunha

era já no momento do ingresso no programa de doutorado da PUC/SP um pesquisador

independente, não somente autor de alguns dos mais importantes trabalhos de análise

educacional de então (Cunha, 1977, 1978) como também com a sua própria tese de

doutoramento – um estudo histórico sobre a universidade brasileira (Cunha, 1983) –

virtualmente pronta.

Não é nossa intenção analisar toda a produção daquele grupo; selecionamos

aqueles que, pelas sua características, lançam algumas luzes sobre as preocupações

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vigentes, as condições presentes e as formas de operação nesse empreendimento

intelectual.

O estudo de Carlos Roberto Jamil Cury, “Educação e contradição”, é um texto

emblemático, talvez o mais importante produto do grupo. Existem duas razões para tal

afirmação. Em primeiro lugar, o combate as teorias da reprodução então na moda.

Acatadas as suas premissas – a escola tomada como e aparato ideológico do Estado

por excelência do modo de produção capitalista (Althusser, 1980) e a ênfase quase

absoluta na categoria da reprodução – o espaço de atuação do educador no interior da

instituição escolar estaria virtualmente eliminada ou considerado inútil, induzindo uma

de duas posturas: ou o imobilismo ou o deslocamento da ação (política) para fora do

seu campo próprio de atuação (profissional). Em segundo lugar, lança as bases

metodológicas para as investigações do grupo na direção da intervenção, ou, segundo

o próprio Cury, para uma ação transformadora (1985, p. 7):

O grupo junto ao qual estudei, entendia que se tais teorias, de um lado,

evidenciavam determinados mecanismos de manutenção da ordem

estabelecida, por outro lado, quase não deixavam espaço para uma superação

destes mecanismos. (...) A perspectiva de uma ação transformadora dentro da

educação não poderia ficar apenas com a reprodução. Com a recuperação da

contradição se poderia rever o sentido da ação educacional, ela mesma

contraditória. Custava-nos aceitar que a educação tivesse apenas uma

dimensão que satisfizesse a reprodução das relações sociais, já que tais

relações são contraditórias.

A tese é publicada em 1985, não obstante ter sido defendida em 1979. Não se

trata aqui de um preciosismo: a insistência em precisar a época de sua elaboração

justifica-se pelas próprias características do texto. Conforme o próprio autor, trata-se

de um texto muito particularmente ‘datado’, escrito exatamente como um instrumento

de combate – “representa um momento em que se pretendia superar criticamente as

teorias da reprodução” (1985: p. 7). O fio condutor da sua tese é a análise de que,

sendo a educação uma atividade mediadora, isto é, situada “na relação entre as classes

como momento de mascaramento/desmascaramento da mesma relação existente entre

as classes” (idem, p. 64), as teorias contra as quais abria suas baterias privilegiavam

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apenas “uma mão de direção, um sentido: o de cima para baixo” (ibidem, p. 13), ou

seja, a categoria da reprodução.

Para demonstrar a unilateralidade desta visão, Cury procura discuti-la no

conjunto das categorias que, segundo ele, estariam relacionadas à educação: além da

reprodução, a contradição, a totalidade, a mediação e a hegemonia. A trajetória

adotada – inspirada no procedimento descrito por Marx no Método da Economia

Política no qual o autor busca deslindar as “múltiplas determinações” com um duplo

caminho – é ir da contradição à hegemonia, passando pela reprodução, mediação e

totalidade; e retornar discutindo as articulações das categorias com a educação.

Basicamente, o cerne do seu raciocínio é o seguinte: a educação é um fator de

legitimação política; colaborando para a “reprodução das relações de produção” (Cury,

1985, p. 59). Contudo, em virtude de seu caráter mediador; ela necessariamente “é

contraditória em seus vários elementos” (idem, p. 70). Nesse momento, a questão do

saber passa a ocupar um papel central: a qualificação do trabalho pode colocar seu

oposto, tornando-se um “fenômeno de transformação, (...) poderoso meio de

transformação da sociedade atual” (ibidem, p. 74).

Do ponto de vista da análise de ordem teórico-metodológica que introduz seu

estudo, Cury(1985, p. 10) fundamenta-se em leituras de Marx e, sobretudo, de

Gramsci:

O fato de se apoiar numa linha gramsciana quer dizer apenas que o

pensamento desse autor contribui mais positivamente no objetivo do

trabalho, que não se limita a ela, se pode vir a ser reforçada por uma

pluralidade de autores que, dentro de um horizonte comum, colaborem nessa

produção, o que se quer revelar é que a contribuição de Gramsci, coadjuvada

por outros autores, permite uma leitura, quiçá menos erudita, porém mais

aproximada da realidade. As conceituações da filosofia da práxis valorizam

determinadas categorias que não são valorizadas em outras conceituações e,

por seu maior grau de abrangência, permitem uma leitura mais compreensiva

do real.

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De fato, tendo Gramsci como articulador de seu raciocínio, Cury vale-se de

outros autores inseridos dentro do marxismo, como, por exemplo, Lefebvre, Kosik,

Lukács, ou ainda a autores brasileiros como Vieira Pinto e Limoeiro Cardoso. Com

relação à última parte de sua afirmação, registre-se a influência dos escritos de Paulo

Freire – cuja compatibilidade com a matriz gramsciana não é colocada em questão,

observável tanto no emprego de conceitos quanto nas próprias características de uma

pedagogia fundada na dialética (como nas críticas à ‘domesticação’ e, particularmente,

à ‘invasão cultural’). (ARAÚJO, 1995, p. 52).

A propósito da concepção dialética, Cury (1985, p. 29) tem uma perspectiva

instrumental e estratégica. É o que ele demonstra quando diz que

a criação da nova concepção de mundo terá de ter um caráter teórico-prático,

quer dizer, há de ser uma ação política em que as classes subalternas possam

derrubar a velha ordem e estabelecer uma outra, que satisfaça os interesses da

maioria. Se essa direção da sociedade encontra seu momento de mediação

nas agências da sociedade civil e estas são o como a classe dominante pode

nelas atuar, a fim de se tornar dirigentes antes de ser politicamente

dominantes. Fica o problema de como as classes subalternas possam vir a se

tornar hegemônicas no contexto das relações de classe, na sociedade de

classes, e qual o sentido das agências da sociedade civil que lidam com a

educação no interior desse processo.

Fica clara aqui sua preocupação utópica, bem como o caráter problemático de

como as classes subalternas possam vir a representar algo de efetivo. Tal desiderato é

certamente problemático. Entretanto, há um substrato de consciência real presente em

Cury, ao reconhecer essa limitação às classes subalternas.

A característica instrumental do trabalho de Cury, de uma certa forma, é

confirmada pelo estudo de Guiomar Namo de Mello (1982). Do ponto de vista da

justificação do método, sua fundamentação consiste na virtual representação do núcleo

das teses de Cury – o que torna repetitiva sua explanação aqui. A ênfase dada à

questão metodológica é, pela própria natureza do trabalho, bastante menor que no

trabalho de Cury. A novidade consiste na forma pela qual opera a categoria central da

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mediação na discussão do magistério de primeiro grau, de modo a introduzir a

perspectiva da pedagogia dos conteúdos. De um combate inicial ao reprodutivismo,

Mello (1982, p. 21) postula a necessidade de deixar o âmbito da economia interna da

teoria da reprodução pelo seu caráter estático, isto é, pelo reconhecimento da

existência da contradição:

apesar da divisão do trabalho, não seria possível à classe proprietária, e nem

do seu interesse, esvaziar radical e absolutamente o trabalho de sua dimensão

subjetiva e intelectual. Muito ao contrário, o próprio desenvolvimento das

forças produtivas e o aperfeiçoamento do processo de produção passa a

requerer certas habilidades e atitudes do trabalhador. Faz-se necessário

instruí-lo em algum grau. Aqui chegamos portanto à escola, não apenas como

um momento da estrutura social, que apenas reproduz essa mesma estrutura,

mas como parte do movimento contraditório nela existente.

Considerando a escola um “espaço de luta”, renega a idéia corrente de que a

tarefa política seria a de “aproveitar as brechas deixadas pelo sistema”. O cerne da

questão é a forma que Mello imagina a relação entre a garantia da oferta de uma escola

tecnicamente adequada, que passa portanto, pela competência/incompetência técnica

dos professores e o seu compromisso político. O que chama a atenção nesse trabalho é

um visível conflito entre as duas formações da autora: fica a impressão de que estamos

diante de dois estudos justapostos. De uma parte, uma pesquisa rigorosamente

conduzida acerca das representações do docente, na tentativa de distinguir o ‘ser’ e o

‘aparecer’ (Mello, p. 143), consentâneo com a sua sólida formação anterior de

pesquisadora de campo; de outra, um desenvolvimento teórico segundo a autora,

inspirado no marxismo, que eventualmente dispensaria a referência nos dados

empíricos.

A resultante dessa equação é um estudo cuidadoso mas híbrido, sem conseguir

atingir a consistência que seria esperada. E este aspecto do trabalho é importante, na

medida em que é possível apreender uma condução paradigmática das reflexões

educacionais fundadas no referencial marxista daquele momento: a imposição da

perspectiva de intervenção de uma certa forma atropelando uma melhor elaboração do

ponto de vista acadêmico. Evaldo A. Vieira inclusive, afirma que as pesquisas

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educacionais eram feitas ‘no calor dos acontecimentos’, com muito imediatismo, um

“pragmatismo nada analítico” (Vieira, 1993, p. 2).

Este trabalho de Mello rendeu conhecidas polêmicas, principalmente pela

leitura possível de que estaria fazendo a defesa de “um novo e disfarçado tecnicismo

pedagógico”. Nosella (1983, p. 91), autor dessa afirmação, centra sua crítica na

bipolaridade competência-incompetência desistoricizada, que levaria a uma passagem

questionável da “competência técnica” para o “compromisso político”. Gadotti (1988,

p. 101) fez também alguns questionamentos, dentre eles o esvaziamento do papel

social e político da escola, a ausência de um lugar para o saber do aluno e a

neutralidade do conhecimento dito objetivo.

“A Universidade Crítica” de Luiz Antonio Cunha (1983) merece ser citado por

uma razão específica, trata-se de um texto que, a despeito de fruto do programa de

doutoramento, não traz exatamente o timbre daquele grupo. Cunha, procura na obra

em questão, situar a emergência da universidade crítica (em duplo sentido, pela

situação em que se encontrava e pela crítica que exercia sobre si mesma e a

sociedade), dentro do contexto econômico (destacando o “desenvolvimento desigual e

monopolização crescente”) e político (o “populismo” e a participação de setores da

“sociedade civil”, nomeadamente estudantes – UNE – e intelectuais – SBPC) à mesma

linha introduzida nos textos de 1977 e 1978.

Em verdade, enquanto pesquisador com uma obra já consolidada, Cunha

prossegue suas investigações dentro do mesmo terreno historiográfico dos trabalhos

anteriores. O trabalho apresentado no programa de doutorado é parte de um projeto de

estudos históricos sobre a educação superior no Brasil. A trilogia de Cunha (“A

Universidade Temporã”(1980), que cobre o período que vai da Colônia até Vargas; “A

Universidade Crítica”(1983), até o golpe de 1964 e “A Universidade

Reformanda”(1988), a reforma universitária) constitui-se num dos mais completos

estudos sobre a universidade brasileira. Uma parte da tese defendida em 1980, o texto

“Diretrizes para o estudo histórico do ensino superior no Brasil”, foi publicada em

separado (Cunha, 1984).

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As diferenças de sua forma de condução com relação aos dois trabalhos

anteriores do grupo aqui examinados são perceptíveis em pelo menos dois pontos: no

que toca ao referencial teórico no qual busca enquadramento, não é estritamente

marxista nem gramsciano no sentido da utilização exaustiva de suas categorias

analíticas; antes, absorvendo os influxos da abordagem marxiana no trato da questão

histórica, não fecha suas portas para outras fontes de pensamento – aliás, uma prática

que se revelará comum a posteriori, criando mais problemas do que soluções no nosso

modo de entender, gerando um preocupante ecletismo na condução teórico-

metodológica destas pesquisas. Apesar da, se assim pudermos dizer, autonomia de

Cunha, é verdade que, no exame desses dois trabalhos (1980, 1983) é perceptível uma

diferença no tratamento do tema do primeiro para o segundo, não permanecendo,

portanto, imune à direção das discussões do grupo, do qual parece querer descolar-se.

No segundo trabalho, produzido na PUC/SP (1983), Cunha que havia

registrado uma irônica observação acerca de sua desconfiança com respeito às

“determinações infraestruturais”1, demonstra uma preocupação maior em situar o

contexto político-econômico no qual desenvolve-se a ‘universidade crítica’ que

constituía-se no período anterior ao golpe de 1964. Apesar disso, Warde (1984a, p. 4)

ainda afirma que o texto defendido por Cunha em seu doutoramento peca exatamente

pela ausência de contextualização. Em todo o caso, na terceira parte da trilogia sobre o

ensino superior no Brasil, produzida alguns anos depois (1988), é mais nítida a

influência do pensamento de Gramsci, a referência do grupo da PUC/SP,

particularmente no tocante ao seu entendimento da instituição universitária. Em suma,

a despeito de indicações do próprio Cunha de que trabalha um mesmo fio condutor

desde o primeiro trabalho da série, e de uma marcada diferença na forma de tratamento

da questão educacional com relação aos trabalhos antes examinados do grupo, registre-

se uma incorporação crescente do referencial gramsciano que estava ausente em

estudos anteriores – embora talvez menos suscetível, a experiência da PUC/SP deixa

sua marca.

1 “(...) quero mostrar minha desconfiança tanto dos estudos que tratam da educação como pertencente a uma ‘esfera’ autônoma, quanto daqueles que, postulando implícita ou explicitamente seu caráter determinado, partem para procurar, na ‘infra-estrutura’, as razões da transferência do ensino de geometria da segunda para a quarta série do ginásio” (Cunha, 1980: p. 16).

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A marca do curso sobre Gramsci do Programa de Doutorado em Educação da

PUC/SP se reproduziu em inúmeros cursos de Pós-Graduação e de Graduação que,

daquele ano em diante, proliferaram pelo Brasil, nas principais Faculdades de

Educação. Segundo Nosella (1988, p. 28), na década de 1980, entre os educadores

ocorreu uma verdadeira “gramscimania”:

Os lançamentos dos Escritos de Gramsci, na tradução e edição da Civilização

Brasileira, que nos anos 1960 foram um estrondoso fracasso, a partir do final

da década de 1970, passaram a entrar na moda de leitura dos ambientes

universitários, invadindo na década de 1980 o campo pedagógico,

tradicionalmente conservador e didaticista. Não só os doutorandos da 1ª

turma da PUC de São Paulo, mas também os das turmas seguintes

espalharam cursos e literatura sobre e de Gramsci pelas Faculdades de

Educação de todo o Brasil.

Entre estes, Gaudêncio Frigotto (Rio de Janeiro), Cipriano C. Lucchesi (Bahia),

Selma Garrido (São Paulo), Lucília R. De S. Machado (Minas Gerais), José Carlos

Libâneo (Goiás) etc. Calcula-se que mais de 40% das dissertações e teses de pós-

graduação em educação produzidas nos anos 1980 citavam o nome de Gramsci

(Nosella, 1988). Os textos de Gramsci davam suporte teórico à visão dos educadores

brasileiros daqueles anos, segundo a qual a escola se explica pela sua relação com a

sociedade, com a economia e com a política.

Observe-se, também, que durante esses anos de transição do autoritarismo

militar para a democracia ganhou relevância o termo de ‘educador’, sobrepondo-se ao

de professor, justamente porque ‘educador’ semanticamente explicitava a necessidade

do engajamento político dos professores. Com efeito, o conceito de educação

transcende o de professor. Este refere-se às competências específicas adquiridas por

uma pessoa, que as transmite a outras, ensinando-as e treinando-as. Aquele refere-se à

responsabilidade na formação integral do cidadão, à cumplicidade radical entre

educando e educador. O professor que não assume plenamente a função de educador e

se exime de sua responsabilidade de ensinar a leitura do mundo, para restringir-se à

leitura das palavras – utilizando expressões freireanas – era considerado um técnico

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asséptico, reducionista, que reeditava na prática pedagógica a velha tese da

neutralidade científica. Enfim: durante os anos 1980, o pensamento pedagógico se

modernizou, se arejou ao assumir sua dimensão de engajamento político. Novos

conceitos e novas perspectivas teórico-práticas enriqueceram os debates no campo da

educação, onde com muita freqüência utilizavam-se termos e conceitos até então

desconhecidos, como: sociedade civil e política – hegemonia – ideologia e contra-

ideologia – intelectuais orgânicos e tradicionais – a educação como ato político –

educação e cidadania, etc.

Embora haja inúmeras críticas a serem feitas a apropriação de Gramsci por

parte dos educadores brasileiros, em especial no que se refere ao caráter abstrato, isto

é, a leitura não suficientemente historicizada de um autor historicista por excelência

como é o caso de Gramsci, não podemos cair no erro de incidir na mesma contradição,

isto é, fazer uma análise também abstrata e a-histórica daquela experiência. Com

efeito, a leitura de Gramsci feita pelos educadores brasileiros na década de 1980 foi a

leitura possível nas condições históricas então vividas e só no quadro dessas condições

ela pode ser adequadamente compreendida.

3.3. A produção acadêmica de influência marxista subseqüente à criação do Programa

de Pós-Graduação da PUC/SP

O empreendimento levado a cabo pelos educadores vinculados ao programa de

doutorado da PUC/SP, sob a tutela de Dermeval Saviani, marca o momento decisivo

da consolidação da produção educacional de inspiração marxista. Todavia, embora de

fundamental importância, falamos de um lapso relativamente curto de tempo: o grupo

de doutorandos passaria a desenvolver estudos independentes e, sobretudo, novas

direções surgirão. No período pós-PUC/SP, surgem alguns trabalhos que, buscando

inspiração no referencial teórico-metodológico marxista sem no entanto restringir-se a

ele, trazem contribuições substantivas para a dilucidação de alguns pontos cegos no

estudo da realidade educacional brasileira – como exemplos, os trabalhos de Sposito

(1984, 1993) e Cunha (1988).

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Os estudos de Marília Pontes Sposito – “O povo vai à escola”(1984) e “A

ilusão fecunda”(1993)1 - são solidamente calcados em evidências documentais de

diversas ordens – textos oficiais, notas na imprensa e depoimentos das pessoas

envolvidas – apresentando as faces e as contrafaces da luta pela educação na cidade de

São Paulo, com o cuidado para que a tessitura fique visível. Nos textos em questão,

são deslindadas as formas pelas quais se processa o crescimento da oferta de vagas na

escola paulista, analisando a questão a partir da conexão entre as demandas da

população e os constrangimentos de ordem política associados ao atendimento ou não

das reivindicações. Ambos os trabalhos possibilitam, sobretudo, uma compreensão das

expectativas daqueles que lutam pelo direito à educação que ficam ausentes em

análises mais genéricas acerca da escola que interessaria às classes subalternas.

Particularmente significativa (e esclarecedora) é a passagem na qual Sposito discute a

questão que dá título ao trabalho: a ilusão da classe subalterna (de conquistar uma vida

melhor através dos estudos) não é entendida como um ‘erro’, como o ‘término da

trajetória dos sonhos”, mas um ponto de partida que pode produzir um projeto que

impulsionaria a sua luta. “Ambos, ilusão e projeto, se constituem na mediação que

responde a uma necessidade”, conclui a autora (Sposito, 1993, p. 372). Em relação ao

enquadramento teórico, os dois textos são semelhantes quanto às suas conduções: as

referências mais gerais para a contextualização político-econômica são fortemente

enraizadas na obra marxiana. No entanto, o texto não está circunscrito a tal referencial:

conforme assinala José de Souza Martins (idem, p. 14), ao prefaciar a obra, a autora

“se movimenta com liberdade e competência entre campos teóricos distintos,

combinados a partir dos desafios de sua temática”.

Os trabalhos aos quais estamos fazendo referências são representativos de uma

condução teórica marcada pela referência basilar à tradição marxista sem

circunscrever-se rigidamente aos limites dessa matriz de pensamento. Não é nosso

intento uma análise detida dessa produção: tanto o estudo de influências difusas do

pensamento marxista, quanto, no caso, das compatibilidades com outras matrizes

teóricas, representa um empreendimento que exorbita o âmbito deste estudo. Dentro do

nosso objetivo de identificar as possibilidades do aporte marxista, destacamos uma das

formas pelas quais o pensamento marxiano e a tradição marxista podem nutrir a

1 Embora publicado apenas em 1993, o trabalho foi produzido no âmbito do programa de doutorado em Educação da Universidade de São Paulo, defendido no ano de 1988.

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reflexão acadêmica de forma extremamente frutífera, sem cair no extremo do

ecletismo.

Uma outra possibilidade de desenvolvimento numa perspectiva

prioritariamente analítica são os estudos que se movimentam mais estritamente no

interior dos marcos mesmos do marxismo. O trabalho inaugural nessa direção é

“Escola e Trabalho”, de Claudio Salm (1980), apresentado na Unicamp em 1980.

Trata-se de um estudo que visa colocar no centro do debate justamente a legitimidade

do apoio que os educadores preocupados com a questão da relação escola-trabalho vão

buscar em Marx. Criticando a visão reprodutivista, o autor caminha para o extremo

oposto: segundo Salm, a formação das qualificações necessárias à reprodução e

ampliação das relações capitalistas de produção deverão ser buscadas no interior da

produção mesma e não “numa instituição à margem como é a escola” (Salm, 1980, p.

25). Sua idéia-chave gira em torno das formas capitalistas de adequar a mão-de-obra

ao processo de trabalho, colocando em questão a desqualificação como característica

da pedagogia capitalista. Tal análise possibilita uma crítica bastante acurada da

chamada teoria do capital humano e o fracasso das tentativas de profissionalização do

ensino médio. É importante assinalar: Salm não afirma que o mundo do trabalho não

se utilize da escola – o que seria absurdo – mas combate a visão conspiratória presente

em outros estudos sobre o assunto. Conspiratória e ambígua ao mesmo tempo. O autor

coloca, não sem uma pitada de ironia, o caráter conflitante das afirmações de autores

‘reprodutivistas’ que, a um tempo denunciam a escola como sendo um mecanismo

privilegiado de reprodução das relações capitalistas de produção pela via da

qualificação profissional e, paradoxalmente, criticam a baixa qualidade do ensino.

Dentro da mesma temática e com moldura teórica próxima à de Salm, encontra-

se “A produtividade da escola improdutiva”, trabalho de Gaudêncio Frigotto, que faz

parte da segunda geração de doutorandos da PUC/SP, também sob a orientação de

Saviani. Frigotto parte de uma pesada crítica àqueles que vêem a educação como

potenciadora do trabalho e aos que atribuem apenas um vínculo ideológico entre a

escola e o sistema produtivo. Frigotto entende que com o desenvolvimento capitalista

– na direção do monopolismo e da oligopolização do mercado – o capital, em seu

processo de acumulação, concentração e centralização pelo trabalho produtivo, coloca

cada vez mais sua contraparte, o trabalho improdutivo (Frigotto, 1986, p. 134). A

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partir desta perspectiva, a especificidade da escola residiria não na preparação

profissional imediata – como assinalavam as vertentes reprodutivista e do capital

humano que critica – mas na produção de “um conhecimento geral articulado ao

treinamento específico efetivado na fábrica ou em outros setores do sistema produtivo”

(idem, p. 146):

Certamente, acompanhando-se o processo de subsunção real do trabalho ao

capital, nota-se que a contribuição da escola – enquanto ‘qualificadora’ para

o trabalho produtivo imediato – é praticamente nula; e mesmo no caso de

outros processos de aprendizagem, como o SENAI, SENAC e SENAR é cada

vez menor à medida que o medo da produção especificamente capitalista se

desenvolve. Buscar a relação entre processo educativo escolar ou não-

escolar, com o processo produtivo neste âmbito, é certamente caminhar na

direção errada.

O enquadramento teórico proposto por Frigotto localiza-se, estritamente, dentro

do terreno marxista. Para a explicitação da dinâmica infra-estrutura/super-estrutura, o

autor recorre ao bloco histórico gramsciano; para discutir a questão do corpo coletivo

de trabalho, à análise dos intelectuais em Gramsci. Para as análises do capitalismo

monopolista, Frigotto recorre aos autores inseridos dentro do marxismo que estudaram

a questão (Hilferding, Lenin e Luxemburg); complementa-as com atualizações

situadas dentro (Giannotti e Oliveira) e fora (Labini) do campo marxista.

Na seqüência de sua discussão sobre a necessidade da considerar as mediações

entre os aspectos técnicos e políticos da escola, Frigotto se pergunta: qual seria a

categoria histórica que a articularia? A resposta é encontrada em Marx: é o trabalho

humano (Frigotto, p. 185). Uma vez que o trabalho seria o princípio educativo básico,

a escola que deveria ser buscada na direção da superação da situação de alienação a

que são relegados os trabalhadores é a “escola do trabalho” ou, mais precisamente, a

escola politécnica nos marcos da concepção de Marx, Lenin e Gramsci (idem, p. 189).

Basicamente (ibidem, p. 191),

a escola politécnica teria, enquanto organização básica, o desenvolvimento

intelectual, físico, a formação científica e a tecnológica e a indissociabilidade

do ensino junto ao trabalho produtivo, ao mesmo tempo que é posta como a

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escola da sociedade futura – onde se tenha superado a divisão social do

trabalho e o ‘trabalho se tenha convertido não só em um meio de vida, mas

na primeira necessidade da vida’.

A possibilidade da colocação dessa questão nos marcos da sociedade atual é

buscada em Gramsci, em especial na formulação acerca do papel dos intelectuais e da

luta pela hegemonia. Diz Frigotto (1986, p. 199):

na visão gramsciana a escola única e politécnica assume uma dimensão, ao

mesmo tempo política e técnica, que se estrutura a partir da luta de classe

inscrita nas relações sociais mais amplas e que se articula no interior da

sociedade civil a nível dos aparelhos de hegemonia. Ao situar o trabalho

escolar basicamente no campo da luta hegemônica, Gramsci abre uma

perspectiva para se apreender o espaço escolar como um local onde se

explicitam as contradições e antagonismos de classes e onde se articulam

interesses de classes. Sob este prisma fica evidenciada como enviesada a

percepção tanto da ‘inutilidade da escola’, para os interesses da classe

trabalhadora, quanto da necessária submissão do trabalho escolar aos

interesses do capital ou da classe dominante. Pelo contrário, a escola recebe

uma dimensão ativa e relevante na tarefa revolucionária da classe

trabalhadora.

E, a despeito do seu cuidado em introduzir a questão do partido como o

‘intelectual coletivo’, Frigotto utiliza uma interpretação ampla no qual todas as ações

político-ideológicas dentro da sociedade civil estariam vinculadas à ação do partido.

Esta forma de entender a questão lhe faculta a conclusão de que “o professor não se

limita a ser um técnico, mas é também um dirigente” (Frigotto, p. 195).

Movimentando-se dentro dos estritos marcos da tradição marxista no que diz

respeito às suas referências teóricas e, dirigindo sua reflexão para a construção de

alternativas de ação para o educador no interior da instituição escolar, situa-se o

trabalho de José Carlos Libâneo, também ele doutorando da PUC/SP, sob orientação

de Dermeval Saviani. Pode-se afirmar, em rigor, que seu texto “Democratização da

Escola Pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos”(1986), complementa as

concepções de Saviani. No entender de Libâneo, a tendência “crítico-social” visaria ser

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não somente “uma síntese superadora das pedagogias tradicional e renovada,

valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta” (Libâneo,

p. 32), mas também uma superação tanto das visões “crítico-reprodutivistas” quanto

dos equívocos das visões críticas “libertadoras” e “libertárias”.

A necessidade de superação da fase da crítica em direção a uma ação mais

concreta – objetivo explícito da primeira turma de doutorado da PUC/SP – alcança

aqui o seu apogeu: Libâneo não se furta a apresentar as características de sua

pedagogia até o nível de detalhamento que inclui o “papel da escola”, os “conteúdos de

ensino”, “a postura da pedagogia”, os “métodos de ensino”, a “relação professor-

aluno”, os “pressupostos de aprendizagem” e as “manifestações na prática escolar”.

Procura, sob clara inspiração de Saviani, distinguir e proclamar a complementaridade

da educação com relação à política, deixando patente o papel de ‘coadjuvante’ da

escola nesse processo. Contudo, em diversos momentos, transparece um

superdimensionamento do “papel transformador da escola” (Libâneo, p. 39). Vejamos

as proposições de Libâneo de uma pedagogia ‘emancipadora’, isto é, que se associa às

lutas concretas do povo, “arrancando-o da influência da ideologia dominante” (idem,

p. 68). Observe-se que a categoria central, que articula a análise de Libâneo acerca da

relação educação/política é a “transformação das consciências”, tomadas

individualmente, através da dotação de “um bom ensino, isto é, a apropriação dos

conteúdos escolares básicos que tenham ressonância na vida dos alunos” (ibidem, p.

39):

Entendida neste sentido, a educação é uma atividade mediadora no seio da

prática social global, ou seja, uma das mediações pela qual o aluno, pela

intervenção do professor e por sua própria participação ativa, passa de uma

experiência inicialmente confusa e fragmentada (sincrética), a uma visão

sintética, mais organizada e unificada.

A fundamentação da pedagogia de Libâneo é basicamente a mesma empregada

por Dermeval Saviani – e não será necessário ir mais adiante. Contudo, uma

característica notável de seu estudo é que os influxos da obra marxiana são apenas

residuais: a influência nem sequer é mediada pelos intérpretes mais conhecidos

situados dentro do pensamento marxista mas pela obra de Dermeval Saviani tão-

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somente. Registre-se que, mais uma vez, a natureza fragmentada do livro (textos

avulsos) não possibilita uma afirmação mais peremptória: os elementos disponíveis

(forma de condução da discussão, apoio bibliográfico) é que nos induzem a tal

conclusão. Não estamos, portanto, fazendo aqui qualquer ilação acerca de um possível

desconhecimento ou a ausência de leituras de fontes originais situadas dentro da

tradição marxista por parte do autor – impensável pelo material disponível – mas tão

somente, referência ao seu modus operandi nesses textos.

É importante assinalar que do nosso ponto de vista, os estudos de Dermeval

Saviani e José Carlos Libâneo não estão separados apenas pelo grau de detalhamento

da proposta pedagógica de ambos. A despeito do entendimento deste último, de que as

pedagogias ‘crítico-social dos conteúdos’ e ‘histórico-crítica’ sejam, na essência, uma

e mesma coisa1 há, na passagem das proposições de um para o outro, do ponto de vista

do apelo à tradição marxista, uma mudança de patamar – da busca de apoio na obra

marxiana para fundamentar reflexões educacionais de Saviani, chega-se a uma

pedagogia, ou mais propriamente, uma didática que permitiria a articulação da escola

ao processo de transformação estrutural da sociedade. Se é verdade que o trabalho de

Saviani não possibilita tal passagem direta ao nível da concretização operada por

Libâneo, parece incontestável, contudo, que esta possibilidade de evolução do aporte

marxista no campo educacional, cuja raiz localiza-se no trabalho da PUC/SP, fica

franqueada. Em outras palavras, a pedagogia histórico-crítica, finalizada, detalhada no

trabalho de Libâneo, representaria o capítulo final da formulação teórica para superar

os limites das teorias crítico-reprodutivistas pretendida nos trabalhos iniciais daqueles

onze doutorandos reunidos em torno da figura de Saviani.

1 Esse entendimento está contido no trabalho de Libâneo(1986, p. 15). Também está presente em Betty Oliveira, que sugere a adoção da expressão cunhada por Saviani, “de modo a evitar confusões” (apud Saviani, 1991, p. 87).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caracterizadas as direções da incorporação marxista no campo educacional,

resta determo-nos agora na natureza dessa incorporação. Um primeiro ponto diz

respeito a uma apropriação enviesada operada, nomeadamente, através de uma

apreensão indireta da obra marxiana. Tal aproximação segue algumas linhas. A

primeira linha – e a mais recorrente – constitui-se na intermediação da reflexão de

autores, diretamente vinculados ou não àquela tradição, acerca da questão da

educação. São os casos mais evidentes de Althusser, de Baudelot e Establet, de

Bourdieu e Passeron, de Snyders e de Manacorda, e finalmente, Gramsci, para citar os

principais. Com respeito a essa intermediação, a questão que está colocada não reside

na negação da importância dos intérpretes, nem tampouco um apego cego aos

‘clássicos’. Ao contrário, pensamos que, se efetivamente os trabalhos buscavam

referenciar-se na obra marxiana e na tradição marxista, junto com a leitura dos

intérpretes, impõe-se a consulta às fontes seminais. O risco que se corre ao não

proceder dessa forma é a não compreensão do próprio sentido da obra marxiana e uma

incapacidade de situar a contribuição dos intérpretes no contexto do pensamento

marxista. Como diz Nosella (1992, p. 6), sem negar a importância destes, as obras dos

comentaristas tornam-se muitas vezes ‘arames farpados’ a cercar os autores clássicos,

impedindo o acesso aos mesmos.

Uma outra linha, também questionável e sob todos os aspectos, constitui-se na

busca de apoio entre os divulgadores do pensamento original de Marx, seja através de

simplificações no mais das vezes inaceitáveis (como são os casos dos trabalhos de

Harnecker, e o de Politzer na versão de Besse e Caveing), seja na forma dos manuais

para formação política produzidos na ex-União Soviética.1 O segundo ponto ao qual

nos referimos quanto ao aspecto formal diz respeito a uma leitura exegética de Marx:

constitui-se no recorte de citações dos ‘clássicos’ de maneira a, presumivelmente,

conferir maior densidade aos trabalhos pelo recurso à autoridade. Não estamos,

1 A produção dos PCUS vai, desde trabalhos que, mesmo refletindo as perspectivas da época, apresentam qualidades, como o “Tratado de Materialismo Histórico” (também conhecidos como “Teoria do Materialismo Histórico: Manual Popular de Sociologia Marxista”), de Nikolai Bukharin, datada de 1921 (Bukharin, s/d), até obras apologéticas como “A Doutrina Marxista-Leninista sobre o Socialismo e O Mundo Atual”, produzido por um coletivo da Academia de Ciências da URSS, sob a coordenação de Piotr Fedosséiev (Fedosséiev et al., 1978).

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evidentemente, nos referindo ao emprego de citações que sejam pertinentes para uma

melhor compreensão das idéias apresentadas pelo autor, mas ao seu uso abusivo sem a

necessária consideração do contexto original, transformando o trabalho em uma

colagem de idéias desconexas.

Estes reparos, ainda que presentes em escritos que buscavam uma elaboração

mais rigorosa, acabam ganhando destaque em uma modalidade de trabalho, não

exclusivo do campo educacional, é verdade, que retrata com perfeição o ‘espírito’ que

presidia a produção do período: os chamados ‘textos de combate’, nos quais a

preocupação central não era apenas acadêmica, mas a sua finalidade instrumental. Se

nos reportarmos aos momentos e aos desenvolvimentos da produção educacional

marxista que assinalamos ao longo desta análise, é possível verificarmos que,

tendencialmente, há uma gradativa superação das debilidades iniciais, na direção de

uma leitura melhor fundada dentro da tradição marxista. Testemunho disso são

diversos dos autores que publicaram no período de maior dinamismo do campo

educacional, que não apenas têm discutido as insuficiências daquela produção, como

avançado decisivamente na direção de produções com uma consistência teórica

indiscutivelmente superior – ainda que com o prejuízo de sua finalidade instrumental.

Este aspecto nos parece interessante de observar, ainda que não seja propósito

deste estudo discuti-lo a fundo. Pode-se supor que o momento político que o país

atravessava exigia uma postura mais ativa daqueles que refletiam sobre a educação e

isto impregnava a produção do período. Por outro lado, os defeitos que podem ser

apontados nesta produção, em nenhum momento podem questionar a finalidade

‘política’ desta. Ainda que argumentar que esta finalidade instrumental justifica

algumas apropriações indevidas da obra marxiana não seja a melhor defesa, condená-

las por conta disso seria negar a contribuição que esta produção deu ao debate político

do período e ao campo educacional como um todo. Como entendemos isso?

Tomando o período da criação do curso de doutorado da PUC/SP como

referência – trata-se, virtualmente, da introdução de uma reflexão que buscava

fundamento na tradição marxista entre os educadores, antes restrita a tentativas pouco

sistematizadas. A ausência de acúmulo anterior de conhecimento no campo

especificamente educacional fez com que tal introdução encontrasse condições pouco

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propícias para seu desenvolvimento: os anos do ‘vazio’ haviam deixado duas marcas.

À ausência de acumulação anterior, somam-se ainda duas ordens de formação

precedentes que permanecem, ao menos nos exemplos considerados: a proporcionada

pelo PCB, ainda através da codificação do marxismo-leninismo; e aquela fornecida

pela Igreja Católica, seja militante, através de organizações cristãs a ela vinculadas,

seja eminentemente acadêmica. Esta formação teológico-filosófica, marcada pelo

tomismo e pela fenomenologia existencial, permite a reivindicação de um trânsito ao

marxismo enquanto uma continuidade, nunca como uma ruptura. A isto, acrescenta-se

uma outra circunstância relevante: a produção mais consistente coincide com o

momento em que as forças oposicionistas buscavam, dada a irreversibilidade da

transição, construir uma alternativa democrática.

Os educadores viam-se diante da premência da passagem às proposições mais

substantivas que a crítica ao regime militar em vias de superação – e a incorporação

marxista é feita de forma um tanto quanto açodada (Nosella, 1987). A ausência de

tradição anterior de produção na área – e aqui, circunscrevemos nossa análise àquela

inspirada em Marx – e também a incipiente formação dos responsáveis pela introdução

dessa matriz teórico-metodológica por eles mesmo reconhecida, incide sobre o

processo de profissionalização naquilo que lhe é nuclear (a imposição de parâmetros

de excelência na produção intelectual). Esta exigência da profissionalização acaba

subordinada a outro componente do processo, a intervenção política, conferindo à

produção uma ‘hiper-politização’ sem o alicerce de uma fundamentação mais sólida.

Ainda está por ser realizada uma investigação que esclareça o quanto a

exigência da profissionalização acadêmica comprometeu a atividade política dos

educadores nas décadas seguintes, inclusive em relação a presença do referencial

marxista na produção educacional porque de fato, se considerarmos o período da

criação do programa de doutorado da PUC/SP como um marco, antecedido por uma

esparsa produção teórica, estamos falando de um lapso temporal extremamente

reduzido. Nestas duas décadas (1970 e 1980), a produção emerge, alcança o seu

apogeu no bojo do processo de mobilização oposicionista e entra em declínio. Fato que

não deixa de ser preocupante, uma vez que o mundo ainda materializa uma realidade

constituída pela supremacia de uma classe minoritária e de seus interesses, em

detrimento de condições dignas de vida para a maioria. Assim sendo, por serem as

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teses marxistas associadas à crítica dessa condição de existência, elas continuam

representando a melhor teoria já elaborada para pensar-se sobre esta realidade. Essa

deserção marxista em curso na produção educacional brasileira das últimas décadas,

em favor da pós-modernidade como condição atual, portanto, representa uma lacuna

importante na já fragilizada luta por justiça social. Fato que, a nosso ver, pode ser

compreendido como um enorme prejuízo para o embate social, uma vez que o avanço

de uma prática pedagógica comprometida com os ideais transformadores havia

acenado com uma possibilidade mais otimista de transformação da sociedade. Nos

consterna ainda mais reconhecer que muitos daqueles que produziram no período

estudado foram aos poucos cooptados pela sociedade que suas reflexões iniciais

visavam modificar (caso de Guiomar Namo de Mello, 1993). Não nos cabe aqui

discutir as razões desta ‘mudança de lado’, apenas nos posicionarmos junto daqueles

que reconhecem a atualidade de Marx e do marxismo para os dias de hoje (Saviani,

1991b, p. 14):

O desmoronamento dos regimes do Leste europeu, em lugar de significar a

superação de Marx, constitui, ao contrário, um indicador de sua atualidade.

Levando-se em conta que uma filosofia é viva e insuperável enquanto o

momento histórico que ela representa não for superado, cabe concluir que se

o socialismo tivesse triunfado é que se poderia colocar a questão da

superação do marxismo, uma vez que, nesse caso, os problemas que

surgiriam seriam de outra ordem. Mas, os fatos o mostram, ele não triunfou.

O capitalismo continua sendo ainda a forma social predominante. Portanto,

Marx continua sendo não apenas uma referência válida, mas a principal

referência para compreendermos a situação atual.

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