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Jandui Tupinambás O Capital no Século 21 Thomas Piketty Resumo

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Jandui Tupinambás

O Capital no Século

21 Thomas Piketty

Resumo

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Trabalho iniciado em Abril e terminado em outubro de 2016.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Dedico o resumo ao nosso amigo de infância Garrolê, uma antítese da meritocracia.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

iv

Considerações Muitos líderes mundiais – tendo em Lula um de seus expoentes – e diversos

intelectuais colocam a questão da distribuição mundial de renda no centro da

solução da crise que vive toda população mundial atualmente. A concentração

de riquezas no século XXI – que já atingiu níveis semelhantes aos do início do

século XX - com tendência a se concentrar ainda mais, poderá levar a

humanidade a uma crise generalizada a ponto de comprometer todo o avanço

da humanidade nos últimos 300 anos. Piketty sinaliza um caminho e dá sugestões

de como poderíamos redistribuir a renda de forma que o retorno do capital não

ultrapassasse a taxa de crescimento da produção – ponto central da discussão

presente neste trabalho – e assim, mais que estancar a concentração de renda,

voltássemos a redistribui-la sem a necessidade de passarmos por um período de

sofrimentos ou guerras como foi o caso do século passado onde a renda foi

redistribuída de forma mais humanitária.

Para tornar a leitura mais fácil, omiti todas as referências e pesquisas que

corroboram as afirmações de Piketty. As referências podem ser acessadas em

português aqui:

http://delubio.com.br/biblioteca/wp-content/uploads/2015/02/O-Capital-no-

Seculo-XXI-Thomas-Piketty-2.pdf

O resumo foi feito de forma livre, mas sempre tentando ser fiel às ideias de cada

tópico. O livro é dividido em Partes, Capítulos e Sessões. São 208 sessões. Cada

uma ganha seu resumo. Caso o texto que você esteja lendo se encontre neste

formato (itálico, fonte menor), significa que você estará lendo uma opinião minha

ou um cenário criado por mim para esclarecer melhor alguns conceitos

importantes apresentados por Piketty.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Sumário

Introdução ............................................................................................. 1

1 Um Debate Sem Dados? ................................................................ 1

2 Malthus, Young e a Revolução Francesa ........................................ 2

3 Ricardo – Princípio da Escassez ...................................................... 3

4 Karl Marx – Princípio da Acumulação Infinita ................................ 3

5 De Marx para Kuznets ou o Apocalipse dos Contos de Fada ......... 3

6 A Curva de Kuznets: Boas Notícias em Tempos de Guerra Fria ..... 4

7 Colocando a Questão da Distribuição de Volta no Coração da

Análise Econômica ............................................................................ 4

8 As Fontes de Dados Usadas Neste Livro ........................................ 5

9 Os Principais Resultados Deste Estudo .......................................... 6

10 Forças Divergentes e Convergentes ............................................. 6

11 O fator Fundamental da Divergência: r > g .................................. 7

12 Os Limites Históricos e Geográficos Deste Estudo ....................... 7

13 A Estrutura Teórica e Conceitual .................................................. 9

14 Esboço do Livro ............................................................................ 9

Parte 1 - Renda e Capital ......................................................................... 13

Capítulo 1 - Renda e Produção ............................................................ 14

15 A Divisão Capital-Trabalho no Longo Prazo: Não Tão estável ... 14

16 A Ideia de Renda Nacional ......................................................... 15

17 O Que é Capital? ........................................................................ 16

18 Capital e Riqueza ........................................................................ 16

19 Razão Capital / Renda ................................................................ 17

20 A Primeira Lei Fundamental do Capitalismo: α = r * β............... 17

21 Contas Nacionais: Uma Construção Social em Evolução ........... 18

22 A Distribuição Global da Produção ............................................ 19

23 De Blocos Continentais Para Blocos Regionais .......................... 19

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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24 Desigualdade Global: de 150 a 3.000 Euros por Mês ................ 20

25 A Distribuição Global da Renda é Mais Desigual do Que o PIB

Entre os Países ................................................................................ 20

26 Quais Forças Favorecem a Convergência? ................................. 21

Capítulo 2 – Crescimento: Ilusões e Realidades ................................. 21

27 O Crescimento mundial ao longo dos tempos ........................... 22

28 A Lei do Crescimento Cumulativo .............................................. 22

29 Os Estágios do Crescimento Demográfico ................................. 23

30 Crescimento Demográfico Negativo? ........................................ 24

31 Crescimento como um fator de Equalização ............................. 24

32 Os Estágios do Crescimento Econômico .................................... 25

33 O que Significa um Aumento de 10 vezes no Poder de Compra?

......................................................................................................... 25

34 Crescimento: Uma Diversificação do Estilo de Vida .................. 26

35 O Fim do Crescimento? .............................................................. 27

36 Um Crescimento de 1% Implica em Mudanças Sociais

Importantes..................................................................................... 28

37 A Posteridade do Período Pós-Guerra: Entrelaçando Destinos

Além-Mar ........................................................................................ 28

38 As Duas Curvas de Gauss do Crescimento Global ...................... 29

39 A Questão da Inflação ................................................................ 30

40 A Enorme Estabilidade Monetária dos Séculos XVIII e XIX ........ 30

41 O Significado do Dinheiro na Literatura Clássica ....................... 30

42 A Perda das Relações Monetárias no Século XX ........................ 31

Parte 2 – A Dinâmica da Razão Capital/Renda ....................................... 33

Capítulo 3 – A Metamorfose do Capital .............................................. 34

43 A Natureza da Riqueza: da Literatura para a Realidade ............ 34

44 A Metamorfose do Capital na Grã-Bretanha e França ............... 35

45 A Ascensão e Queda do Capital Estrangeiro .............................. 35

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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46 Renda e Riqueza: Algumas Ordens de Grandeza ....................... 36

47 Riqueza Pública, Riqueza Privada ............................................... 36

48 Riqueza Pública em uma Perspectiva Histórica ......................... 36

49 Grã-Bretanha: Dívida Pública e a Revitalização do Capital Privado

......................................................................................................... 37

50 Quem Lucra com a Dívida Pública? ............................................ 38

51 Os Altos e Baixos da Equivalência de David Ricardo .................. 39

52 França: Um Capitalismo Sem Capitalistas no Período Pós-Guerra

......................................................................................................... 39

Capítulo 4 – Da Velha Europa Para o Novo Mundo ............................ 40

53 Alemanha: O Capitalismo “Reno” e Propriedade Social ............ 40

54 Choques do Capital no Século Vinte .......................................... 41

55 O Capital na América: Mais estável do que na Europa .............. 41

56 O Novo Mundo e o Capital Estrangeiro ..................................... 42

57 Canadá: Propriedade da Coroa por Longo Tempo ..................... 42

58 O Novo e o Velho Mundo: A Importância da Escravidão ........... 43

59 Capital Escravo e Capital Humano ............................................. 43

Capítulo 5 – A História da Relação Capital / Renda ............................ 43

60 A Segunda Lei Fundamental do Capitalismo β = s / g ................ 43

61 Uma Lei de Longo Prazo ............................................................. 44

62 O Capital Está de Volta aos Países Ricos a Partir dos Anos 70 ... 44

63 Além das Bolhas: Baixo Crescimento, Altas Taxas de Poupança 45

64 Os Dois Componentes da Poupança Privada ............................. 45

65 Bens Duráveis e Bens de Consumo ............................................ 46

66 O Capital Expresso em Anos de Rendimento Disponível ........... 46

67 A Questão das Fundações e Outras Organização de Capital ..... 47

68 A Privatização das Riquezas nos Países Ricos ............................ 47

69 A Histórica Recuperação dos Preços dos Ativos ........................ 47

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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70 Capital Nacional e Ativo Líquido Estrangeiro nos Países Ricos .. 47

71 Como Ficará a Razão Capital / Renda no Século XXI? ................ 48

72 O Mistério do Valor da Terra ..................................................... 48

Capítulo 6 – A Divisão Capital-Trabalho no Século XXI ....................... 49

73 Da Razão Capital / Renda Para a Divisão Capital-Trabalho ........ 49

74 Fluxos de Renda: Mais Difícil de Estimar do que o Capital ........ 49

75 A Noção do Retorno Puro do Capital ......................................... 49

76 A Participação do Capital na Renda numa Perspectiva Histórica

......................................................................................................... 50

77 O Retorno do Capital no Início do Século XXI ............................ 50

78 Ativos Reais e Nominais ............................................................. 50

79 O Capital é Usado Para Quê? ..................................................... 51

80 A Noção de Produtividade Marginal do Capital ......................... 52

81 Capital em Excesso Mata o Retorno do Capital ......................... 52

82 Além de Cobb-Douglas: a Questão da Estabilidade da Divisão

Capital-Trabalho .............................................................................. 53

83 Substituição do Capital-Trabalho no Século XXI: Elasticidade

Maior do que 1 ................................................................................ 53

84 Sociedades Agrícolas Tradicionais: Uma Elasticidade Menor que

1....................................................................................................... 54

85 O Capital Humano é Ilusório? .................................................... 54

86 Mudanças de Médio Prazo na Divisão Capital-Trabalho ........... 55

87 De Volta para Marx e a Queda do Lucro .................................... 55

88 Além do Debate “Two Cambridges” .......................................... 56

89 A Volta do Capital a um Regime de Baixo Crescimento ............. 56

90 Os Caprichos da Tecnologia ....................................................... 57

Parte 3 – A Estrutura da Desigualdade ................................................... 58

Capítulo 7 – Desigualdade e Concentração: Considerações

Preliminares ........................................................................................ 58

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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91 A Lição de Vautrin – Personagem de Balzac .............................. 59

92 A Pergunta Chave: Trabalho ou Herança? ................................. 59

93 Desigualdades em Relação ao Capital e Trabalho ..................... 59

94 Capital: Sempre Mais Desigualmente Distribuído do que o

Trabalho .......................................................................................... 59

95 Desigualdades e Concentração: Algumas Ordens de Grandeza 60

96 Classes Baixa, Média e Alta ........................................................ 60

97 Luta de Classes ou Luta do 1%? ................................................. 61

98 Desigualdades Relacionadas ao Trabalho: Desigualdade

Moderada? ...................................................................................... 61

99 Desigualdades Relacionadas ao Capital: Desigualdade Extrema62

100 A Grande Inovação: A Classe Média Patrimonial ..................... 62

101 Desigualdade da Renda total: Dois Mundos ............................ 63

102 O Problema dos Índices Sintéticos ........................................... 63

103 O Véu Casto das Publicações Oficiais ....................................... 64

104 De Volta às “Tabelas Sociais” e à Aritmética Política ............... 64

Capítulo 8 – Dois Mundos ................................................................... 65

105 Um Caso Simples: A Redução da Desigualdade na França no

Século XX ......................................................................................... 65

106 A História da Desigualdade: Uma História Política Caótica ..... 65

107 De Uma “Sociedade de Rentistas” Para Uma “Sociedade de

Gerentes” ........................................................................................ 66

108 O Mundo Diferente dos 10% Mais Ricos.................................. 66

109 Os Limites do Imposto de Renda ............................................. 66

110 O Caos dos Anos de Entre Guerras .......................................... 67

111 O Choque das Temporalidades ................................................ 67

112 O Aumento da Desigualdade na França a Partir de 1980 ........ 68

113 Um Caso Mais Complexo: a Transformação da Desigualdade

nos EUA ........................................................................................... 68

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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114 A Explosão da Desigualdade nos EUA após 1980 .................... 70

115 O Aumento da Desigualdade Causou a Crise Financeira? ....... 70

116 A Ascensão dos Super Salários ................................................. 71

117 Coabitação nos 1% Mais Ricos ................................................. 72

Capítulo 9 – Desigualdade na Renda do Trabalho .............................. 73

118 Desigualdade Salarial: Uma Corrida Entre Educação e

Tecnologia? ..................................................................................... 74

119 Os Limites do Modelo Teórico: O Papel das Instituições ......... 75

120 Escalas Salariais e o Salário Mínimo ......................................... 75

121 Como Explicar a Explosão da Desigualdade nos EUA? ............. 76

122 A Ascensão do Supergestor: Um fenômeno Anglo-Saxão ....... 76

123 Europa: Mais Desigual do que o “Novo Mundo” em 1900-1910

......................................................................................................... 78

124 Desigualdades nas Economias Emergentes: Menor do que nos

EUA? ................................................................................................ 78

125 A Ilusão da Produtividade Marginal ......................................... 79

126 A Decolagem dos Supergestores: Uma Força Poderosa de

Divergência...................................................................................... 80

Capítulo 10 – Desigualdade da Propriedade do Capital ..................... 80

127 Riqueza Hiperconcentrada: Europa e América ........................ 80

128 França: Um Observatório da Riqueza Privada ......................... 81

129 As Metamorfoses de Uma Sociedade Patrimonial .................. 81

130 Desigualdade do Capital na Europa da “Belle Époque” ........... 82

131 A Emergência da Classe Média Patrimonial ............................. 83

132 Desigualdade de Riqueza na América ...................................... 84

133 Os Mecanismos da Força Divergente: r Versus g na História .. 85

134 Porque o Retorno do Capital é Maior Que a Taxa de

Crescimento? .................................................................................. 86

135 A Questão da Preferência Temporal ........................................ 88

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

xii

136 Existe Um Equilíbrio de Distribuição? ...................................... 89

137 O Código Civil e a Ilusão da Revolução Francesa ..................... 89

138 Pareto e as Ilusões da Desigualdade Estável ........................... 90

139 Porque a Desigualdade de Riqueza não Retornou aos Níveis do

Passado ........................................................................................... 91

140 Algumas Explicações Parciais: Tempo, Impostos e Crescimento

......................................................................................................... 91

141 Século XXI: Ainda Mais Desigual Que o Século XIX? ................ 92

Capítulo 11 – Mérito e Herança a Longo Prazo .................................. 93

142 A Herança Flui a Longo Prazo ................................................... 93

143 Fluxo Fiscal e Fluxo Econômico ................................................ 94

144 As Três Forças: a Ilusão do Fim da Herança ............................. 94

145 A Mortalidade no Longo Prazo................................................. 95

146 A Riqueza Envelhece Com a População: o Efeito μ X m ........... 96

147 Riqueza dos Mortos e Riqueza dos Vivos ................................. 96

148 Os Cinquentões e os Velhos de Oitenta anos: Idade e Fortuna

na Belle Époque .............................................................................. 97

149 O Rejuvenescimento da Riqueza em Virtude da Guerra ......... 97

150 Como o Fluxo de Herança Irá Evoluir no Século XXI? .............. 98

151 Do Fluxo Anual de Herança Para Estoque de Riqueza Herdada

......................................................................................................... 98

152 De Volta ao Vautrin de Balzac .................................................. 98

153 O Dilema de Rastignac ............................................................. 99

154 A Aritmética Básica dos Rentistas e Gestores ........................ 100

155 A Sociedade Patrimonial Clássica: O Mundo de Balzac e Austen

....................................................................................................... 100

156 Extrema desigualdade da riqueza: Uma Condição da Civilização

Em Uma Sociedade Pobre? ........................................................... 100

157 Extremismo Meritocrático Nas Sociedades de Ricos ............. 101

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

xiii

158 A Sociedade dos Pequenos Rentistas .................................... 101

159 O Rentista, Inimigo da Democracia ........................................ 102

160 O Retorno da Riqueza Herdada: Um Fenômeno Europeu ou

Global? .......................................................................................... 103

Capítulo 12 – Desigualdade Global da Riqueza no Século XXI .......... 104

161 A Desigualdade do Retorno do Capital .................................. 105

162 A Evolução do Ranking da Riqueza Global ............................. 105

163 Do Ranking dos Milionários Para os “Relatórios da Riqueza

Global” .......................................................................................... 106

164 – Herdeiros e Empreendedores nos Rankings da Riqueza ..... 106

165 – A Hierarquia Moral da Riqueza ........................................... 107

166 – O Retorno do Capital nas Dotações Universitárias ............. 108

167 – Qual é o Efeito da Inflação na Desigualdade do Retorno do

Capital? ......................................................................................... 109

168 O Retorno Sobre os Fundos Soberanos: Capital e Política ..... 109

169 Os Fundos Soberanos Dominarão o Mundo? ........................ 110

170 A China Irá Dominar o Mundo?.............................................. 110

171 Divergência Internacional, Divergência Oligárquica .............. 111

172 Os Países Ricos na Verdade São Pobres? ............................... 111

Parte 4 – Regulando o Capital no Século XXI ........................................ 112

Capítulo 13 – Um Estado Social Para o Século XXI ............................ 113

173 A Crise de 2008 e o Retorno do Estado ................................. 113

174 O Crescimento do Estado Social no Século XX ....................... 114

175 Redistribuição Moderna: Uma Lógica de Direitos ................. 114

176 Modernizar o Estado Social e não o Desmantelar ................. 115

177 As Instituições Educativas Possibilitam a Mobilidade Social? 116

178 O Futuro das Aposentadorias: as Contribuições Previdenciárias

em Época de Fraco Crescimento ................................................... 117

179 O Estado Social nos Países Pobres e Emergentes .................. 118

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

xiv

Capítulo 14 – Repensando o Imposto de Renda Progressivo ........... 118

180 A Questão da Tributação Progressiva .................................... 118

181 O Imposto Progressivo no Século XX: Um Efêmero Produto do

Caos ............................................................................................... 119

182 Tributação Progressiva na Terceira República ....................... 120

183 Tributação Confiscatória da Alta Renda: Uma Invenção

Americana ..................................................................................... 120

184 A Explosão dos Salários dos SuperGerentes: O Papel da

Tributação ..................................................................................... 121

185 Repensando a Questão da Taxa Marginal Superior ............... 122

Capítulo 15 – Um Imposto Global Sobre o Capital ........................... 122

186 Um Imposto Global Sobre o Capital: Uma Utopia Útil ........... 122

187 Transparência Democrática e Financeira ............................... 123

188 Uma Solução Simples: Transmissão Automática de Informações

Bancárias ....................................................................................... 123

189 Qual o Propósito de um Imposto Sobre o Capital? ................ 124

190 Um Projeto para Tributação da Riqueza na Europa ............... 125

191 Tributação de Capital Em Uma Perspectiva Histórica ............ 125

192 Formas Alternativas de Regulação: Protecionismo e Controles

de Capital ...................................................................................... 126

193 O Mistério da Regulação do Capital Chinês ........................... 126

194 A Redistribuição das Receitas do Petróleo ............................ 127

195 Redistribuição Pela Imigração ................................................ 127

Capítulo 16 – A Questão do Dívida Pública ....................................... 128

196 Reduzindo a Dívida Pública: Impostos Sobre o Capital, Inflação

e Austeridade ................................................................................ 128

197 A Inflação Redistribui Riquezas? ............................................ 129

198 Qual o Papel dos Bancos Centrais? ........................................ 130

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

xv

199 A Crise cipriota: Quando a Tributação do Capital se Junta à

Regulação Bancária ....................................................................... 131

200 Euro: Uma Moeda Sem Estado Para o Século XXI? ................ 133

201 A Questão da Unificação da Europa ....................................... 133

202 Poder Público e Acumulação de Capital no Século XXI .......... 134

203 Direito e Política ..................................................................... 135

204 Mudança Climática e Capital Público ..................................... 136

205 Transparência Econômica e Controle Democrático do Capital

....................................................................................................... 136

Conclusão .............................................................................................. 138

206 A Contradição Central do Capitalismo: r > g .......................... 139

207 Por Uma Economia Política e Histórica .................................. 140

208 O Interesse dos Mais Pobres .................................................. 140

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

1

Introdução “As distinções sociais só podem se fundamentar na utilidade comum”

Artigo I, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França 1789

A dinâmica do capitalismo nos levará para o caminho anunciado por Karl

Marx – concentração infinita do capital – ou para o caminho de Simon

Kuznets – a harmonia do mercado? Esta são algumas das perguntas que este

trabalho tentará responder.

Mas um aviso: as respostas aqui presentes são imperfeitas e incompletas. No

entanto, se baseiam em dados históricos e comparativos muito mais

extensos que os dados de qualquer outra pesquisa já realizada e numa

estrutura teórica inovadora que permite compreender melhor as tendências

e os mecanismos em operação.

O crescimento econômico atual e a força do conhecimento tornaram possível

evitar o apocalipse marxista, mas não modificaram as estruturas profundas

do capital e da desigualdade. Quando a taxa de remuneração do capital

ultrapassa a taxa de crescimento da produção e da renda, como ocorreu no

século XIX e parece provável que volte a ocorrer no século XXI, o capitalismo

produz automaticamente desigualdades insustentáveis, arbitrárias, que

ameaçam de maneira radical os valores de meritocracia sobre os quais se

fundam nossas sociedades democráticas.

Existe, contudo, caminhos para reverter a tendência da concentração da

riqueza e assegurar que o interesse geral da população da terra tenha

prioridade sobre os interesses do capital privado sem, todavia, perder o grau

de abertura econômica e repelindo retrocessos protecionistas e

nacionalistas. Muitas proposições serão feitas neste sentido ao longo do livro

que se apoiam em lições tiradas de experiências históricas cuja narrativa

forma a trama principal deste texto.

1 Um Debate Sem Dados? Durante muitos anos os debates políticos e intelectuais sobre a distribuição

da riqueza se alicerçavam no preconceito, nos interesses de classe e na

pobreza de fatos.

Mesmo sem uma estrutura teórica ou análises estatística, os escritores de

suas épocas conseguiam detalhar a estrutura da riqueza, padrões de vida e

níveis de fortuna dos diferentes grupos sociais revelando a estrutura

profunda da desigualdade da época. Dois exemplos excelentes são Austen e

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

2

Honoré de Balzac. Os dois escritores possuíam conhecimento íntimo da

hierarquia da riqueza em suas sociedades – Londres e Paris,

respectivamente. Os romancistas da época da Belle Époque desnudaram os

meandros da desigualdade como nenhuma análise ou estatística seria capaz

de alcançar.

A questão é importante demais para ficar na mão somente de cientistas ou

filósofos. Banqueiro, operário, camponês, cada um tem uma visão distinta

sobre a questão e elabora sua própria concepção do que é justo e do que não

é justo. Logo, sempre haverá uma questão subjetiva sobre o tema e por isso,

ele é tão delicado e sempre levará a conflitos políticos que nenhuma análise

política saberia atenuar. A democracia jamais será suplantada pela república

dos especialistas (ou pelos cabeças de planilha, como diria o economista e

jornalista Luiz Nassif)

Mas, de qualquer forma a questão merece ser estudada de forma sistemática

e metódica. Sem dados e métodos podemos dizer qualquer coisa e o seu

oposto. E tudo será verdade. Ou mentira. Para alguns a desigualdade será

sempre crescente e o mundo sempre injusto. Para outros, a desigualdade

será sempre decrescente e a harmonia se dará de forma natural. Em meio a

este diálogo de surdos, entre conservadores dogmáticos ou marxistas

dogmáticos onde cada lado justifica sua preguiça de buscar dados e métodos

para sustentar suas afirmações, existe um papel a ser urgentemente

desempenhado por outros intelectuais com pesquisas honestas, sistemáticas

e metódicas, mas nunca totalmente científica pois o tema não o é. A pesquisa

metódica pode destruir os debates retóricos, conduzir melhor as políticas

públicas, tornar os debates mais produtivos e racionais.

Ora, não se pode negar que os estudos sobre a desigualdade da riqueza

sempre foram carentes de dados e se fundamentavam em poucos fatos

sólidos, mas, sim, em muitas especulações inspiradas na ideologia. Antes de

mostrar as fontes deste trabalho vamos traçar um panorama histórico das

reflexões sobre esta questão tão bem contada por Austen e Balzac.

2 Malthus, Young e a Revolução Francesa O crescimento demográfico da França, saltando de 20millhões de habitantes

em 1700 para 30 milhões em 1790 motivaram análises conservadoras

expressas em Malthus e Arthur Young, um agronomista inglês. Dado suas

origens, as análises de ambos, além de carente de dados robustos, eram

preconceituosas em muitos aspectos. Tanto para Malthus quanto para

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Arthur Young, dois nobres intelectuais assustados com os rumos da

revolução francesa, achavam que o problema da distribuição da riqueza

eram os pobres e à medida que a população crescia, mais catastrófico seria

o cenário. A solução que eles propunham era afastar os plebeus das decisões

políticas e conter radicalmente a expansão demográfica.

3 Ricardo – Princípio da Escassez Com o aumento da população, a lei da oferta e procura elevarão o preço das

terras e dos aluguéis das terras. Esta era a base do pensamento de David

Ricardo. Para equilibrar a desigualdade (a riqueza tende a ir para os donos da

terra) ele propôs aumentar o imposto do aluguel das terras. Suas ideias

teriam grande fundamento se a tecnologia e a revolução industrial não

entrassem em cena algumas décadas depois. A terra seria um bem raro e por

isso o nome “princípio da escassez” em que se baseia todo seu trabalho.

4 Karl Marx – Princípio da Acumulação Infinita Piketty questiona os trabalhos de Marx.

1) Usou pouco os dados disponíveis na época para apoiar seu trabalho

2) O princípio da “acumulação infinita” não faria sentido, segundo

Piketty.

Mas Marx dizia que antes do “infinito” haveria a revolução proletária. Difícil de

saber quem teria razão. O passado como laboratório pouco ajuda nesta questão

devido aos tropeços da humanidade com a primeira e segunda guerras mundiais.

5 De Marx para Kuznets ou o Apocalipse dos Contos de Fada Passando dos escritores apocalípticos vamos para os escritores que tinham

uma atração pelos contos de fadas. Kuznets é um representante clássico

destes economistas. Segundo a sua teoria, a desigualdade deveria diminuir

automaticamente nos estágios mais avançados do desenvolvimento

capitalista de um país, a despeito das políticas adotadas ou das diferenças

entre países, até que se estabilizasse num nível aceitável. A teoria de Kuznets

foi elaborada após a segunda guerra influenciada pelos anos dourados

chamados de “trinta gloriosos” na França. Da mesma forma seguiu Robert

Solov que em 1956 analisou as condições que levariam uma economia a

alcançar a “trajetória do crescimento equilibrado”. Tais visões eram uma

antítese do que previam as teorias de David Ricardo e Karl Marx. Estas teorias

dos “contos de fada” influenciaram fortemente todas as linhas

conservadoras do século XX pós-guerra e ainda continuam, de certa forma,

influenciando. Apesar de Kuznets ter se precipitado em conclusões muito

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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genéricas influenciado pelo ambiente de crescimento da época, ele fez o que

Malthus, Ricardo e Marx não fizeram: se baseou em muitas fontes de dados

confiáveis para fazer suas análises. Kuznets, de certa forma tinha razão:

baseando em dados e estatísticas evidenciou os anos dourados do pós-

guerra apesar do equívoco de afirmar que a curva descendente da

desigualdade na época seria uma prova de que o sistema capitalista

naturalmente levaria a uma sociedade harmoniosa.

6 A Curva de Kuznets: Boas Notícias em Tempos de Guerra Fria Segundo a teoria de Kuznets, a desigualdade de renda em qualquer lugar

poderia ser descrita como uma curva em forma de sino. Cresce de início, tem

um pico e logo em seguida entra em declínio quando os processos de

industrialização e desenvolvimento começam a fluir. A ideia é simples e

quase ingênua. Kuznets se precipita - apesar de ele próprio chamar a atenção

para que não haja precipitação na interpretação dos dados que ele coletou

durante quase todo o século XX até 1953 – ao concluir que todo capitalismo

no início tende a concentrar renda pois poucos indivíduos estariam

preparados para se beneficiar efetivamente dos ganhos iniciais dos

processos dos novos meios de produção e mais à frente cai a concentração

da riqueza pois muitos passam a ter possibilidade de beneficiar do processo.

A teoria da “curva de Kuznets” foi formulada pelos motivos errados e o

fundamento que a sustenta é frágil. A queda da desigualdade de renda que

se deu entre 1914 e 1945 é, na verdade, consequência das guerras mundiais

e dos violentos choques econômicos e políticos que delas sobrevieram. Tem

muito pouco a ver com os fatores de produção dos setores econômicos

descritos por ele.

7 Colocando a Questão da Distribuição de Volta no Coração da Análise Econômica Pensadores como Kuznets no meado do século XX atrasou o debate sobre a

questão da distribuição das riquezas. Só agora estamos nos conscientizando

que o crescimento mundial da economia não é harmônico e sem conflitos. O

capitalismo, por mais que tenha avançado alavancando tecnologias e

conhecimentos, não nos levou a um período de distribuição de riquezas e

igualdades. Pelo contrário. Os economistas do século XIX se encontravam em

um ambiente bem semelhante de desigualdades de riquezas como o que

encontramos agora. A resposta que eles deram para a questão talvez não

tenha sido tão satisfatória, mas, pelo menos, fizeram as perguntas certas.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Hoje, ainda, nem as perguntas certas os economistas não se propuseram a

fazer.

Não há motivo para acreditar que o crescimento tende a se equilibrar

naturalmente. Temos que urgentemente resgatar as questões do século XIX.

Ao longo de várias décadas o tema da distribuição foi negligenciado em

parte, devido às conclusões otimistas de Kuznets e dos novos pensadores

atuais atraídos pelos modelos matemáticos reducionistas conhecidos como

“modelos de agente representativo”. Como a maioria das áreas do

conhecimento – climatologia, medicina, nutrição... – a economia também sofre

viés ideológico ao ser invadida pela plutocracia.

Para trazer a questão de volta é preciso reunir a base de dados histórica mais

completa possível a fim de compreender o passado e refletir sobre as

tendências futuras. Somente assim poderemos ter a esperança de revelar os

mecanismos em operação e proporcionar um maior esclarecimento sobre o

futuro.

Coincidência ou não, quando o mundo se encontrava em níveis tão desiguais

quanto hoje, o homem ao fugir deste indispensável debate, acabou mergulhando

em duas guerras mundiais.

8 As Fontes de Dados Usadas Neste Livro O livro se baseia na técnica de Kuznets de análise evolutiva e histórica da

renda, riqueza e desigualdade. O autor destaca que os dados eram

detalhados demais para os historiadores e histórico demais para os

economistas. Provavelmente Piketty e sua equipe foram os primeiros a

encarar e estudar com detalhes a evolução da riqueza, renda e desigualdade

desde os princípios da revolução francesa.

A fonte primária do livro é o WTID – World Top Incomes Database – o maior

banco de dados histórico sobre o assunto.

WITD se concentra na renda gerada pelo capital. Diversos esforços para obter

informações históricas sobre a renda vinda do trabalho foram feitos com

incursões a diversos autores.

Piketty destaca a importância de se estudar a relação entre capital/renda e

estimar a renda nacional anual com o total de riqueza de uma nação.

Geralmente esta proporção pode variar entre 3 e 8 vezes (mais ou menos).

O atual estudo leva vantagem sobre todos os anteriores sobre desigualdade

pela amplitude histórica dos dados analisados. Algo inédito nesta área.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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9 Os Principais Resultados Deste Estudo Quais conclusões que Piketty tira deste seu estudo?

Primeira conclusão: não se pode em hipótese alguma confiar em argumentos

provenientes do determinismo econômico quando o assunto é distribuição

da renda e riqueza. Este assunto sempre foi e será político o que o impede

de ser analisado com os modelos dos plutocráticos e suas planilhas.

Segunda conclusão: toda distribuição de riqueza que ocorreu nos países

desenvolvidos durante o século passado não foi por fenômenos naturais de

mercado ou do capitalismo, mas antes de tudo, de políticas públicas

adotadas devido às grandes guerras e os choques econômicos advindos

delas.

Terceira conclusão: a dinâmica da distribuição da riqueza sempre leva a duas

forças distintas. A primeira de convergência que faz com que a riqueza seja

distribuída e a segunda força que faz com que a riqueza fique cada vez mais

concentrada. E não existe nenhum fator natural para impedir os fatores

divergentes de atuarem. Ou o ser humano se prepara para conter o horror

do ciclo vicioso da concentração de renda ou partimos para cenários cada vez

mais obscuros.

Quarta conclusão: o crescimento do capital humano e o fim da luta de classes

e o início da luta de gerações.

O crescimento do capital humano seria a capacidade do trabalhador de

influenciar mais e mais no meio de produção fazendo com que isto force a

distribuição de riquezas. Não há evidência de que a participação do trabalho

na renda nacional tenha aumentado de modo substancial ao longo dos anos.

Tanto esta hipótese como a ideia do fim da luta de classes são duas grandes

ilusões. O que se pode afirmar é que o capital é quase tão indispensável hoje

quanto foi nos séculos XVIII e XIX e talvez se torne mais indispensável ainda

no futuro.

10 Forças Divergentes e Convergentes Existem forças de divergência e convergências relacionadas à desigualdade.

À medida que o capitalismo avança, a tecnologia e o conhecimento passam

a ter um papel importante na diminuição das desigualdades. Mas Piketty

afirma que este movimento não é natural. Depende de fatores diversos como

políticas públicas educacionais, cultura, etc. Piketty irá analisar as forças de

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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divergência do capital mesmo em sociedades consideradas regulamentadas

e mercadologicamente eficientes.

Duas curvas de desigualdades são apresentadas – são as curvas em U (figuras

1.1 e 1.2). Na primeira, mostra a evolução dos 10% dos salários mais altos

em relação à renda nacional. Nota-se, como já dito, a participação menor dos

“top decile” no período da 2ª. guerra mundial com uma recuperação

impressionante a partir da década de 80. A segunda curva, semelhante à

primeira refere-se à razão entre capital/renda na Alemanha, França e Grã-

Bretanha. Também, nota-se que entre 1940 e 1980, a razão capital/renda foi

menor que nas décadas subsequentes.

Destaca-se que a diferença descomunal entre os salários dos top decile sobre

os trabalhadores americanos é o principal fator de divergência da

desigualdade.

11 O fator Fundamental da Divergência: r > g r = retorno do capital

g = taxa crescimento do país

Esta relação carregará a lógica de todo o livro. Quanto maior o retorno do

capital em relação à taxa de crescimento maior será a desigualdade.

Se o retorno do capital excede muito a taxa de crescimento então, segue-se

que a riqueza herdada crescerá mais rapidamente que a produção e a renda.

12 Os Limites Históricos e Geográficos Deste Estudo O livro analisará a distribuição da riqueza desde o século XVII até os dias

atuais. Se concentrará, principalmente por limitações de fontes de dados, aos

países França, Inglaterra e Estados Unidos. Mas também, apresentará dados

importantes da Alemanha, Japão e alguns países emergentes.

A França será o país com análises mais detalhadas por dois motivos:

a) Riqueza de dados históricos graças, principalmente, à revolução

francesa.

b) A população da França mudou muito pouco desde o século XVIII. Na

revolução francesa a população já alcançava 30 milhões de almas.

Nos EUA, durante a independência, a população era ainda de 3

milhões.

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A dinâmica de distribuição da riqueza se comporta de forma distinta num

país que apenas dobrou sua população para um país em que a população

cresceu 100 vezes! Devido a este vertiginoso crescimento populacional dos

EUA, a distribuição de riqueza era mais justa até os idos de 1970 bem

diferente da França onde a população apenas duplicou em 200 anos. Por isto,

o estudo da França nos trará conclusões mais acertadas sobre o estudo do

comportamento da distribuição da riqueza no mundo atual já que não

existem países com crescimento impressionante como ocorreu com os EUA

– salvo exceções em países da África.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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13 A Estrutura Teórica e Conceitual Piketty diz que pertence à geração que assistiu à queda do muro de Berlim.

Não se considera um esquerdista que nega o desastre da URSS nem um

capitalista que acha que as leis de mercado tudo resolve.

Quer dar uma modesta contribuição para encontrar a melhor maneira da

sociedade se organizar de forma a minimizar as desigualdades sociais. Faz

uma diferenciação entre a escola econômica americana – onde terminou seu

doutorado aos 25 anos – e a escola francesa. Na França, a escola econômica

não goza do mesmo status que a escola dos EUA. Mas na França, não existe

tentativa arrogante de tentar fazer das ciências econômicas uma verdadeira

ciência. E mais que isto: uma ciência independente das outras como é

comum nas universidades dos EUA.

A escola francesa sabe os limites das ciências econômicas e entende que a

relação com as demais áreas – história, sociologia e política, é fundamental

para a compreensão da questão das riquezas e suas desigualdades.

Ele pede a paciência dos leitores que não têm muita intimidade com

matemática, mas muita preocupação e interesse pela questão da

desigualdade mundial pois irá usar algumas relações matemática não muito

complexas para analisar a história de uma forma diferente.

14 Esboço do Livro O Livro é dividido em 4 partes.

Parte I

Traz uma visão geral e conceitos de renda e capital

Parte II

Apresenta historicamente a relação entre Capital e renda.

Parte III

Disseca a estrutura da desigualdade principalmente nos EUA e Europa.

Parte IV

Apresenta sugestões para efetiva regulação do Capital no Século XXI

Parte I

Capítulo I

Apresenta os seguintes conceitos:

a) Renda Nacional

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b) Capital

c) Razão Capital / Renda

E fala de forma geral sobre a evolução da distribuição de renda e da

produção.

Capítulo II

Fala de como o crescimento populacional evoluiu juntamente com a

produção industrial desde o início da revolução industrial.

Parte II

Capítulo III

Descreve sobre a metamorfose do capital a partir do século XVIII

Capítulo IV

Mostra casos dos EUA e da Alemanha – evolução da desigualdade, renda e

crescimento

Capítulo V e VI

Estende as análises da desigualdade, renda e crescimento para todo o

planeta.

Parte III

Capítulo VII

Atenta para a estrutura da desigualdade do ponto de vista do trabalho e do

ponto de vista da renda via capital.

Capítulo VIII

Analisa a dinâmica histórica da desigualdade descrita no capítulo anterior

tomando por base França e EUA.

Capítulo IX e X

Estende a análise para todos demais países com dados presentes no banco

de dados WTID.

Capítulo XI

Estuda a influência da riqueza via herança na estrutura da desigualdade.

Capítulo XII

Comenta sobre as perspectivas da distribuição global da riqueza no século

XXI

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Parte IV

Capítulo XIII

Oferece caminhos para um “estado social” se enquadrar nas condições

atuais e como este estado seria.

Capítulo XIV

Propõe novas formas de taxação progressiva do capital.

Capítulo XV

Descreve mais detalhadamente como seria uma taxação progressiva do

capital e outras formas de impostos.

Capítulo XVI

Destaca as questões prementes relativa aos débitos públicos atuais.

O estudo do comportamento da renda, capital e trabalho desde a revolução

francesa apenas mostrou que o futuro do capital é totalmente imprevisível.

O estudo do passado ajuda a clarear e entender melhor o presente para que

possamos construir o futuro.

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Parte 1 - Renda e Capital

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Capítulo 1 - Renda e Produção Acionistas de uma mina na África do Sul manda invadir uma mina. Trinta e

um trabalhadores morrem.

Motivo da greve: aumento salarial.

No coração do conflito capital/trabalho está a questão: qual o percentual da

produção deve ser direcionado ao trabalho e qual percentual para o Capital

e lucro?

A história é repleta de rebeliões causadas pela desigualdade social: o

latifundiário e o lavrador, o dono da terra e o produtor que paga o aluguel,

os donos dos meios de produção e o trabalhador. Durante a revolução

industrial os conflitos aumentaram talvez pela maior riqueza gerada pois a

produção à medida que se tornava mais dinâmica com a participação maior

do capital (máquinas e maior uso de recursos naturais) menos era usufruída

pelos trabalhadores.

Será que esses tipos de conflitos serão suavizados ou serão parte importante

da evolução histórica deste século?

Nas duas primeiras partes deste livro trataremos da desigualdade entre

capital e trabalho e não entraremos na questão das desigualdades no campo

do trabalho (um trabalhador comum e um executivo, por exemplo). Também

é de fundamental importância as diferenças salariais atuais mas deixaremos

isto para mais adiante.

15 A Divisão Capital-Trabalho no Longo Prazo: Não Tão estável Tinha-se como verdade que a participação do trabalho na renda nacional

sempre girou em torno de 2/3 e a participação do Capital os outros 1/3. Mas,

após a possibilidade de acesso a um rico banco de dados sobre a riqueza

desde o final do século XVIII, viu-se que a coisa não é bem assim.

Esta divisão sofreu mudanças principalmente com a primeira e a segunda

guerra mundiais que acabou fazendo com que o capital tivesse uma menor

participação no crescimento econômico do que o trabalho. Mas, a partir da

década de 80 com Margareth Thatcher e Ronald Reagan, o capital começou

a se recuperar e a desigualdade inicia sua curva ascendente com perspectiva

de chegar em 2020 em situação pior que a “Belle Époque”.

Existe hoje uma ideia espalhada e tida como consenso de que o crescimento

econômico depende quase que exclusivamente do “capital humano”. À

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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primeira vista, isto significaria que o trabalho está, então, reivindicando uma

maior participação na produção e riqueza. Mas isto não é bem assim uma vez

que a participação do capital (excluindo o “capital humano”) no século XXI é

muito pouco maior do que a participação do capital no início do século XX.

Mais uma vez é importante destacar que, diferentemente do que se pensa no

mundo econômico, o capital humano não teve um peso considerável no total da

renda uma vez que a participação do capital no início do século XXI é

praticamente igual (um pouco superior) à sua participação no início do século

XIX.

A predominância do capital sobre o trabalho na atualidade nos países ricos se

deve pelo baixo crescimento populacional e de produtividade aliado a políticas

que objetivamente favorecem o capital privado.

As partes I e II irão tratar da divisão capital / trabalho e da razão capital /

renda. Relação esta que será o centro para entender toda a estrutura da

desigualdade social.

16 A Ideia de Renda Nacional Renda Nacional: é a soma da renda de toda população residente de um país.

Está intimamente relacionado com o conceito de PIB que mede a quantidade

de bens e serviços produzidos em um dado ano no território de um país. A

renda nacional é o PIB subtraindo a depreciação dos ativos que tornam esta

produção possível. O valor desta depreciação é substancial e gira em torno

de 10% do PIB.

A renda Nacional é, portanto, o produto interno bruto líquido somado a

diferença entre a renda que um país ganha vinda do exterior e a renda que o

país transfere para outros países no exterior:

Renda Nacional = PIB – 10%(depreciação) + (Renda entra do exterior – Renda

sai para exterior).

Importante perceber que a diferença do segundo termo desta equação leva

a desigualdades entre as nações que podem causar tensões políticas sérias.

Geralmente, este segundo termo é sempre positivo nos países ricos.

Mas a questão é que a desigualdade de renda interna nos países é bem mais

séria que a desigualdade entre os fluxos de renda líquida entre os países

(apesar de existir também). Mas é lenda dizer que os EUA pertencem aos

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bancos japoneses ou que a França pertence aos fundos de pensão da

Califórnia – são lendas urbanas.

17 O Que é Capital? Produção e renda = Renda de capital + Renda do trabalho.

Um parêntese. Reflexão sobre o que é o capital:

Numa reflexão preliminar concluiria que capital poderia ser considerado como

sendo trabalho estocado ao longo do tempo e apropriado por quem já possuía o

domínio sobre as pessoas que forneciam sua força de trabalho. E como é

estocado, pode ser transferido e perpetuado via herança, mas sempre manchado

pelo pecado original da usurpação.

Primeiramente, quando Piketty se refere a capital ao longo do livro, ele não

considera (apesar da maioria dos economistas infelizmente considerarem) o

capital humano como componente do próprio capital.

Capital seria então: somatório total de ativos não humanos que podem ser

apropriados e negociado no mercado.

Exemplos: residências, prédios, máquinas, infraestrutura, patentes, etc.).

Porque “capital humano” não pode ser tratado como Capital? Pelo fato de

não poder ser apropriado por alguém – a não ser nos regimes escravocratas

do passado – ou mesmo negociado no mercado (não permanentemente,

pelo menos).

O conceito de capital, portanto, é variável na história da sociedade. Não é

imutável pois reflete o estado de desenvolvimento das relações sociais de

cada época.

18 Capital e Riqueza Capital representa as riquezas acumuladas por seres humanos ao longo do

tempo. Dependendo do contexto podemos excluir bens naturais do conceito

de capital. A terra, os minerais e outros bens naturais são riquezas que, em

determinado momento podemos considerar parte de um dado capital e em

outros momentos, apenas como riqueza.

Riqueza Nacional = riqueza privada + riqueza pública.

Considerando que riqueza pública é praticamente zero na maioria dos países

– ou mesmo negativa (o débito público geralmente é maior que o crédito),

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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conclui-se que a riqueza privada é responsável por quase a totalidade da

riqueza Nacional.

Capital Nacional = Riqueza Nacional = Capital doméstico + Capital exterior

líquido

O capital estrangeiro no total é igual a zero globalmente. Este fator da

fórmula pode ser razoavelmente positivo ou negativo se considerarmos

análises individuais de cada nação.

19 Razão Capital / Renda Renda: é um fluxo. Corresponde à quantidade de bens produzidos e

distribuídos em um dado período.

Capital: é estoque. Quantidade de riqueza possuída em um dado ponto no

tempo.

A forma mais útil de medir o capital em um país é dividindo o estoque de

riquezas pelo fluxo anual da renda. À esta razão chamaremos de β.

A grandeza β não diz nada quando se fala em desigualdade exatamente pelo

fato de que as riquezas são mal distribuídas nacionalmente. Mas β irá nos

dizer a importância geral do capital para a realidade de um dado país sendo

esta grandeza fundamental para o estudo das desigualdades.

O objetivo principal da parte II do livro é entender porque e como β varia de

país para país e como tem evoluído no tempo.

O capital pode ser, a grosso modo, dividido em duas partes: Capital

doméstico e Capital profissional (empresas particulares e governo).

20 A Primeira Lei Fundamental do Capitalismo: α = r * β r representa o retorno do capital e α corresponderia a participação do capital

no total da renda nacional.

Um cenário hipotético para exemplificar melhor:

Imaginemos um país-ilha fictício cuja população produz sandálias de fibra de

folhas de palmeiras. Para a fabricação das sandálias são necessários alguns

ativos a saber: cadeira, suporte metálico para trançar as fibras, tela para bater

as folhas, cestos e caixas.

O valor desses ativos equivale a 6 vezes a quantidade de sandálias que a

população consegue produzir no ano. Isto significa que a quantidade de trabalho

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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necessária para se produzir estes ativos corresponde à quantidade de trabalho

necessária para se produzir 6 anos de sandálias. Se algum habitante empresta

um cesto estocado que ele possuía para algum grupo de trabalhadores, no final

do ano este capitalista (afinal, podemos chamá-lo assim, pois possui um cesto

estocado fruto de trabalho no passado) continuará de posse do seu cesto –

apesar de emprestado e receberá uma quantidade de sandálias equivalente a 5%

do valor do seu cesto. E qual seria, então a participação de todo o capital na renda

da ilha? Ora, é uma simples expressão tautológica:

α = r * β

α = 5% * 600% = 30%.

Isto é, todo ativo da ilha: cestos, cadeiras, etc, contribuem com 30% para

formação de toda a renda produzida em 1 ano.

Os 30% do exemplo acima coincidem com a média da participação do capital em

países ricos no ano de 2010.

Apesar da fórmula ser tautológica, podemos considerá-la a primeira regra

fundamental do capitalismo por envolver as três grandezas mais importantes

do sistema capitalista a saber:

A razão capital / renda, a participação do capital na produção e a taxa de

retorno do capital.

A fórmula fundamental nos leva à segunda lei fundamental do capitalismo:

quanto maior a taxa de poupança e menor a taxa de retorno, maior será a

razão capital / renda.

Isto fica lógico quando nos lembramos do exemplo das sandálias da ilha. Quanto

mais cadeiras, telas, etc, um morador da ilha conseguir guardar, e quanto menor

for o crescimento do total de produção de sandálias na ilha, maior será o capital

em relação à produção de sandálias.

21 Contas Nacionais: Uma Construção Social em Evolução Desde meados do século XVII já se nota tentativas tímidas de países europeus

em medir suas riquezas nacionais. A partir do final da segunda guerra

mundial os países passaram a medir anualmente a renda nacional – PIB ou

GDP. Uma das motivações para este esforço e preocupação foram as

consequências devastadoras da depressão de 1931.

Conclui-se que as contas dos estados sofrem evoluções constantes. Os

números nunca foram e nunca serão perfeitos. São sempre estimativas que

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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vão melhorando com o tempo, principalmente com o advento da

informática. Os dados que são oferecidos pelos governos sempre

apresentam falhas que devem ser percebidas e complementadas com outras

fontes e análises.

É importante destacar que os indicadores governamentais estão

relacionados com médias e totais absolutos e nunca com índices que medem

desigualdades sociais ou distribuição de renda entre os grupos da sociedade.

22 A Distribuição Global da Produção No início do século XIX os índices de distribuição da produção já eram bem

conhecidos.

De 1900 a 1980, 70-80% da produção de bens e serviços estavam

concentrados na Europa e América.

A partir de 2010, a participação do PIB dessas duas regiões declinou para

50%. E, em algum ponto deste século, talvez, a participação deva cair para

20-30%.

Observa-se que as curvas do PIB per capita entre as regiões América/Europa

e o resto do mundo estão em caminho de colisão (cacth-up da curva oriental)

e é difícil de se fazer uma previsão de quando elas se colidirão, se é que isto

realmente irá ocorrer no futuro dado as incertezas da economia

principalmente as dificuldades de se analisar a economia da China.

23 De Blocos Continentais Para Blocos Regionais No tópico anterior fizemos uma divisão continental. Mas, para expressar

melhor a realidade dos desníveis das riquezas e PIB é melhor que separemos

o mundo em regiões e não continentes. Todos os continentes possuem

diferenças internas significantes. Na América são dois mundos distintos. O

Norte representado por Canadá e EUA e um mundo pobre representado

pelos demais que estão abaixo dos EUA até o Chile. O Norte com uma renda

per capita de 40.000 Euros e o Sul com uma renda de 10.000 euros bem

semelhante à média mundial.

Em 2012 a renda per capita mundial girava em torno de 760 euros / mês o

que nos dá 9.120 euros / ano.

A própria Europa mostra suas desigualdades. Os países do oeste europeu,

entre eles Espanha, França, Itália, Alemanha e Inglaterra, possuem renda per

capita de 31.000 Euros e 410 milhões de habitantes. Os restantes do Leste

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

20

(não considerando Rússia e Ucrânia) somam 130 milhões de habitantes com

uma renda per capita de 16.000 Euros.

África é a região mais pobre do mundo com uma renda per capta de apenas

2.000 Euros. Na Ásia, apesar do Japão sustentar uma renda per capita

semelhante à dos países ricos, pouco influencia no geral da Ásia pois sua

população é pequena em relação ao total da Ásia.

24 Desigualdade Global: de 150 a 3.000 Euros por Mês A renda per capita varia de 150 a 3.000 euros por mês ao redor do mundo. A

renda média mundial está entre 600-800 euros por mês – coincidindo com a

renda média per capita chinesa.

Mas todo cuidado é pouco para analisar dados sobre desigualdades. A

dificuldade de obtenção de dados confiáveis sobre desigualdades internas

em cada país é sempre maior do que da obtenção de dados entre países.

Para se fazer análises de desigualdades entre países Piketty usa o indicador

“poder de compra por paridade”. Indicador administrado pela instituição ICP

– International Comparison Program que compara o poder de compra entre

moedas. Tal indicador é mais constante e confiável do que o fator universal

de conversão das moedas dado a dependência deste último indicador às

políticas econômicas de cada país.

Apesar de garantir um indicador mais estável, o ICP afirma, mesmo assim,

que existe um grau de incerteza sobre o índice “poder de compra por

paridade” de até 10%.

25 A Distribuição Global da Renda é Mais Desigual do Que o PIB Entre os Países Isto fica claro quando se percebe que os fluxos de renda entre os países são

discrepantes. Geralmente os países com PIB maior geram renda fora de suas

fronteiras. Parte do PIB dos países mais pobres são direcionados para os

países mais ricos.

De qualquer forma, a diferença desses fluxos de riquezas entre países

impacta pouco. EUA e Grã-Bretanha o impacto é de 1 a 2%. No Japão e

Alemanha varia de 2 a 3%.

O continente que mais sofre com este desequilíbrio é a África onde o total

produzido (PIB – 10% de depreciação) é 5% maior do que a renda do

continente.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Antes da primeira guerra mundial, a situação era pior: os grandes da Europa

detinham de 1 terço a 1 quarto da produção da África e Ásia e três quartos

de todo capital industrial.

26 Quais Forças Favorecem a Convergência? Convergência: ricos se tornando menos ricos e pobres se tornando menos

pobres.

Existe a teoria que diz que o investimento de países ricos nos territórios dos

países pobres, apesar do lucro ser enviado de volta, pode diminuir o gap das

desigualdades pois afinal, o capital investido melhora a produtividade dos

países que recebem o investimento.

No entanto, esta teoria tem dois grandes problemas.

Primeiro:

A convergência de produção per capita (crescimento do PIB nos países

pobres graças ao investimento feito pelos países ricos) não significa

convergência de renda per capita. Comparemos a taxa de retorno do capital

que os países pobres devem pagar aos países ricos com a taxa de crescimento

do PIB dos países ricos e pobres.

Segundo:

A ascensão dos países asiáticos nos últimos 20 anos não se deveu aos

investimentos dos países ricos e sim, aos investimentos feitos por eles

próprios tanto em capital físico quanto em capital humano. Da mesma forma,

países pobres dominados pelos ricos, tanto na época da colonização quanto

os países da África hoje, não tiveram e não têm atualmente perspectiva de

convergências.

Resumindo, o que contribui para a convergência é a difusão do

conhecimento suportado por governos legítimos e eficientes.

Capítulo 2 – Crescimento: Ilusões e Realidades O ponto central desta sessão é a tendência de baixo crescimento do PIB de

todos os países do mundo e a perspectiva seria do crescimento continuar em

baixos níveis durante todo o século XXI.

Importante destacar que crescimento do PIB envolve dois componentes:

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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a) Crescimento populacional

b) Crescimento puramente econômico

Somente o último componente envolve elevação no nível do padrão de vida

da população. Os debates públicos muitas vezes desconsideram o primeiro

componente pois assumem que o crescimento populacional não mais existe

o que é uma falsidade, pelo contrário. Mundialmente, a população mundial

cresce em torno de 1% enquanto o crescimento mundial do PIB está em 3%

ou um pouco superior a isto. Logo, o crescimento per capita estaria um pouco

acima de 2%.

27 O Crescimento mundial ao longo dos tempos Antes de analisar as tendências de crescimento atuais, vamos nos debruçar

no crescimento da produção mundial a partir da revolução industrial.

Observa-se que o mundo antes da revolução industrial praticamente não

crescia se considerarmos que o aumento da população crescia a taxas iguais

ao aumento da produção. A partir da revolução industrial inicia-se um

crescimento tímido de 0.1%. É importante destacar que, diferente do que os

debates costumam propagar em que afirmam que 1% de crescimento seria

desprezível, na verdade, ao longo de grandes períodos no tempo, 1% é na

verdade um crescimento considerável.

28 A Lei do Crescimento Cumulativo O crescimento populacional mundial cresceu numa média anual de 0.8% ao

ano entre 1700 e 2012. Isto, portanto, dá um crescimento vertiginoso em 3

séculos de 10 vezes. De 600 milhões de habitantes em 1700 pulou para 7

bilhões em 2012. Neste ritmo, em 2300 teremos uma população girando em

torno de 70 bilhões.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Portanto, é importante destacar que crescimento de produção ou de

população de 1% é algo imperceptível em 1 ano, mas é o suficiente para

mudar completamente a estrutura e o perfil de uma nação ou sociedade se

este crescimento de 1% for constante durante 30 anos, por exemplo.

Da mesma forma podemos dizer do retorno do capital. 1% ou o mais comum,

5% ao ano pode não parecer um retorno significativo, mas ao longo de um

período de 20 ou 30 anos significa um aumento assustador no capital do

investidor.

A tese centra do livro é precisamente que o aparentemente gap entre o

retorno do capital e a taxa de crescimento pode a longo prazo desestabilizar

e causar efeitos devastadores na estrutura e dinâmica da desigualdade

social.

Os valores acumulados do retorno do capital não deveriam ser usados para

acumular mais capital e sim, serem usados para aumentar a produção mundial

de forma que a taxa de crescimento não fique abaixo do retorno do capital. Isto

deveria ser uma regra humanitária patrocinada e difundida mundialmente pela

ONU.

29 Os Estágios do Crescimento Demográfico As taxas de crescimento populacional do planeta a partir do ano 0 até 1700

eram bem tímidas comparadas com as taxas após a revolução industrial.

Estima-se que a população mundial cresceu 25% entre os anos 0 e 1000 e

50% entre os anos 1000 e 1500. De 1500 a 1700 o crescimento foi de 50%

novamente. A partir de 1700 tivemos uma taxa de crescimento de 0.4% ao

ano no século 18 e 0.6% no século 19. A Europa experimentou seu maior

crescimento populacional no período de 1820 a 1913 que girou em torno de

0,8% ao ano. De 1913 a 2012 a taxa caiu pela metade chegando a 0.4%

Previsões da ONU indicam crescimento mundial de 0.4% de 2012 a 2030

caindo para 0.1% de 2030 a 2070. Lembrando que a América tem taxa

prevista de 0% de crescimento, Ásia e Europa com índices provavelmente

negativos de 0.2% e 0.1% respectivamente. A taxa geral de 0.1% de

crescimento deve-se a previsão populacional da África com taxa anual de 1%.

Evidente que são apenas previsões imprecisas pois elas dependem da taxa

de fertilidade, expectativa de vida e evolução das políticas socioeconômicas.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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30 Crescimento Demográfico Negativo? A tendência de reversão do crescimento populacional é bem clara quando se

compara a Europa Ocidental com a América do Norte. Em 1780 a Europa

Ocidental já ultrapassava 100 milhões de habitantes enquanto a América do

Norte tinha quase 3 milhões. Em 2010 Europa Ocidental chegou a 410

milhões e a América já alcançou 350 milhões. A ONU prevê a América com

uma população ultrapassando a Europa Ocidental já em 2050.

A explicação para esta reversão não é simples. Por que a taxa de fertilidade

da Europa é menor? As políticas de proteção social não podem ser a

explicação uma vez que, por lá na América, elas praticamente não existem.

Talvez a explicação seja uma mistura de história e cultura. Talvez resta ainda

na mente dos americanos a imagem da terra prometida onde eles ainda

vislumbram um futuro sempre melhor para seus filhos. De qualquer forma,

mesmo na América do Norte, a taxa de crescimento demográfico também

está caindo. Muitos fenômenos podem ocorrer num futuro próximo como o

aumento de imigração entre os dois continentes, a taxa de fertilidade

aumentar na Europa ou mesmo a expectativa de vida na América não evoluir

na mesma proporção que na Europa. Portanto, estas previsões da ONU são

somente previsões.

Outro país que reverteu a taxa de crescimento populacional foi a China que

a partir de 1970 com a política de filho único conseguiu estabilizar sua taxa

de fertilidade. A previsão da ONU é de que a Índia a ultrapasse já no ano de

2020.

Assim, mesmo com as previsões de reversão de crescimento populacional,

não é exagero os números da ONU, pelo contrário. Mesmo com possíveis

pequenas variações, a tendência de o mundo chegar a uma população de 70

bilhões em 2300 se a taxa de crescimento continuasse em 0.8% ao ano, não

é uma previsão plausível. A ONU considera que a média de crescimento de

2012 até 2300 não ultrapasse 0.1% ou 0.2% ao ano. Isto nos daria uma

população variando entre 9 a 13 bilhões de habitantes.

31 Crescimento como um fator de Equalização Prever taxas de crescimento demográfico não é a tarefa central do livro, mas

é um fator importante para avaliar a distribuição de riquezas.

Uma taxa de crescimento alta tende a diminuir as desigualdades uma vez que

diminui o peso da herança sobre o total das riquezas e capital acumulado.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Da mesma forma, se a taxa de crescimento populacional é negativa ou

mesmo se a taxa de crescimento econômico também for negativa, a

influência do capital é maior. Neste cenário, caímos no problema já

destacado mais no início onde a taxa de retorno do capital se torna maior

que a taxa de crescimento econômico contribuindo para aumento das

desigualdades.

O crescimento populacional também pode contribuir para uma maior

mobilidade social resultando em diminuição das desigualdades uma vez que

a transferência de pai para filho das funções exige a inclusão de novos

agentes estranhos à família.

32 Os Estágios do Crescimento Econômico A média do crescimento econômico entre 1700 e 2012 foi igual à média do

crescimento populacional: 0.8%. Em três séculos, a produção mundial

cresceu 10 vezes. A renda per capita em 1700 girava em torno de 70 euros e

em 2012, 760 euros.

Grande parte do crescimento econômico deve-se ao século XX onde a média

foi de 1.6% por ano com o século XIX ficando com 0.9% e o século XVIII com

apenas 0.1%.

Medir crescimento per capita é uma tarefa bem mais complexa do que medir

crescimento populacional. O poder de compra passa a ser um indicador

relativo dependente dos costumes e cultura da época. A cesta básica do

século XVIII por exemplo não pode ser comparada com a cesta básica atual

que engloba serviços nem existentes à época e diversos outros produtos

manufaturados que não eram essenciais ou nem mesmo existiam.

Piketty neste tópico apenas chama a atenção para se ter cuidado ao tentar

comparar poder de compra de antigamente com o poder de compra das

sociedades atuais.

Se a população cresceu com taxas iguais ao crescimento da produção nos 3

últimos séculos, significa que o homem não conseguiu aumentar sua

produtividade neste período. Mas, importante dizer que nos dois primeiros

séculos houve um retrocesso na produtividade e o século XX, graças, talvez às

novas tecnologias, conseguiu reverter e recuperar este atraso.

33 O que Significa um Aumento de 10 vezes no Poder de Compra? 1. Produtos industriais manufaturados – setor secundário

2. Produtos agrícolas – setor primário

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3. Serviços – setor terciário

Os preços do primeiro grupo caíram bem acima da média devido aos avanços acentuados da tecnologia na área trazendo mais produtividade ao setor.

O segundo grupo – agrícola – caiu no mesmo nível da média geral dos preços.

Apenas no grupo de serviços podemos detectar baixa produtividade em relação aos tempos mais remotos ou mesmo taxa de crescimento de produtividade próxima de zero.

As mudanças de hábitos de consumo a partir da revolução industrial foram tão grandes que tentar medir e comparar o poder de compra entre gerações desde os meados do século XIX são tentativas fúteis e reducionistas.

De qualquer maneira, os avanços tecnológicos possibilitaram à boa parte da população mundial acesso a mais alimentos, serviços e produtos industriais diversos.

34 Crescimento: Uma Diversificação do Estilo de Vida Em relação ao custo de vida relacionado com serviços, o livro lança mão de um exemplo interessante: o valor de 1 hora de trabalho de um típico trabalhador atual consegue comprar a mesma quantidade de cortes de cabelo que 1 hora de trabalho de um típico trabalhador de 100 anos atrás. O poder de compra desse tipo de serviço permaneceu inalterado.

De qualquer forma, a classificação do mercado de trabalho em primário, secundário e terciário fazia mais sentido no meio do século passado quando a divisão entre os três setores era similar (32%, 33% e 35% - primário, secundário e terciário respectivamente na França). Hoje, a divisão na França é a seguinte:

3% primário, 21% secundário e 76% terciário.

Portanto, é imprescindível para não comprometer análises, subdividir o setor de serviços em subsetores:

Saúde e Educação – 20% ou mais

Hotéis, cafés, restaurantes, bares, Cultura e Lazer – 20%

Consultoria, projetos, TI, Financeiras, Bancos e Transportes – 20%

Órgãos públicos - 10%

No caso de serviços relacionados com saúde e educação, parte são custeados

via impostos e de livre utilização variando de país para país. Nos EUA e Japão,

por exemplo, o custo com educação e saúde é bem menos subsidiado pelo

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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estado em relação aos países europeus, por exemplo. Estas variações

dificultam ainda mais quando se tenta fazer comparações entre padrão de

vida entre os países.

O livro chama a atenção para o fato de que não existe uma concordância com relação em sumarizar os serviços públicos de saúde e educação no cômpito geral do PIB. Na visão de Piketty é claro que este valor deve ser somado. Caso não fosse, se um país opte em diminuir seus serviços de saúde e educação privatizando parte desses setores (o Brasil corre este risco com o programa

“Ponte para o Futuro” do governo Michel Temer), ele automaticamente estaria aumentando artificialmente o PIB do país.

Sem sombras de dúvidas, o crescimento econômico entre 1700 e 2012 trouxe um grande avanço no padrão de vida das pessoas na ordem de 10 vezes – de 76 euros por mês para 760 euros/mês. Se considerarmos somente os países ricos, este salto foi mais que 20 vezes.

35 O Fim do Crescimento? Será que o espetacular aumento da renda per capita entre 1700 e 2012 enfim

chegou ao fim neste século XXI? Será que estamos vivenciando o início de

períodos de crescimento zero por problemas tecnológicos ou ecológicos ou

por ambos os motivos?

Antes de continuar, é muito importante destacar que nunca existiu na

história da humanidade crescimento acima de 1.5% por períodos longos. Os

analistas que reivindicam que crescimento abaixo de 3% não seria um

crescimento que mereça destaque, estão enganados e esqueceram de

estudar a história econômica mundial.

Com estas considerações, o que poderemos dizer das futuras taxas de

crescimento? De acordo com alguns economistas como Robert Gordon, a

tendência das taxas de crescimento não devem ultrapassar 0.5% até 2100.

Suas análises se baseiam nas ondas de inovações que ocorreram durante a

história da humanidade a partir da revolução industrial. A máquina a vapor e

a introdução da eletricidade nos meios de produção trouxeram uma ruptura

revolucionário na sociedade impactando enormemente a produtividade. Já

as novas ondas de avanços e inovações tecnológicas – como a introdução da

informática – não tiveram o mesmo potencial de ruptura não trazendo tantas

melhorias na produtividade.

Prever taxas de crescimento é tão difícil quanto prever taxa de crescimento

populacional. O que será tentado neste trabalho é desenhar alguns cenários

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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relacionados com a dinâmica da distribuição de riquezas. Para tanto, não

iremos considerar previsões otimistas de crescimento de renda nem nos

basear nas previsões de Robert Gordon (0.5% até 2100). Mas para termos

um cenário palpável consideraremos uma taxa de crescimento do PIB na

ordem de 1.2% até 2100. E mesmo assim, para isto se concretizar, teremos

que ter avanços tecnológicos que permitam que fontes de energias

alternativas já estejam preparadas para substituição da energia convencional

dos hidrocarbonetos. E este, é apenas um cenário dentre vários possíveis.

Há controvérsias em relação aos hidrocarbonetos. Além da teoria ser fraca de

que sejam uma ameaça ao meio ambiente, não se sabe exatamente qual seria o

estoque de petróleo ainda não descoberto.

36 Um Crescimento de 1% Implica em Mudanças Sociais Importantes É sempre bom destacar que prever taxas de crescimentos a longo prazo não

é mais importante do que perceber que 1% de crescimento per capita anual

é, na verdade, um crescimento extremamente rápido, mais rápido do que

muitos economistas e debatedores espalhados pelo mundo imaginam.

Piketty descreve as mudanças profundas nos países como EUA, Japão e

Europa nos últimos 30 anos onde o crescimento médio foi de 1 a 1.5% ao

ano.

Uma sociedade com crescimento de 0.1 a 0.2% ao ano se reproduz e se

repete sem modificações significativas em suas estruturas socioeconômicas.

Já sociedades com crescimento a longo prazo de 1 a 1.5% sofrem profundas

e constantes alterações.

Mas estas alterações não dizem respeito a uma melhor distribuição das

riquezas. Pelo contrário caso não sejam criadas instituições e políticas para

conter a concentração. As forças invisíveis do mercado ou mesmo as novas

tecnologias não irão de forma alguma fazer este papel distributivo.

37 A Posteridade do Período Pós-Guerra: Entrelaçando Destinos Além-Mar Os EUA sentiram menos os impactos da primeira e segunda guerras

mundiais. Diferente da Europa, principalmente a Europa Ocidental que

experimentou os “30 Gloriosos – Trente Glourieses” – período de 1940 a

1970 onde viveram com um crescimento per capita de 4%. No caso dos EUA

o crescimento até 1950 foi constante e um pouco acima do crescimento

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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europeu e no intervalo dos Trente Glourieses, o crescimento não foi tão

espetacular quanto o crescimento da Europa. Após estes anos dourados,

tanto Europa quanto EUA experimentaram uma curva descendente no

crescimento onde Europa partiu de 4% chegando a 1.5% em 2012 e EUA de

2.5% para um pouco menos que 1.5%.

O crescimento percebido na Europa Ocidental seria ainda mais acentuado se

retirássemos os dados de crescimento da Inglaterra que se comportou de

forma mais semelhante aos EUA do que a própria Europa.

Importante dizer que os 30 gloriosos foram marcados por uma presença

forte do estado sobre a economia dos países europeus. Muitos analistas

consideram que o inicio do liberalismo nos anos 80 foi o causador do fim

destes anos gloriosos.

Os países de língua inglesa (EUA e Inglaterra), no período de 1950 e 1980

viram seus rivais – Alemanha, França, Japão e até Itália (Piketty não cita URSS,

mas creio que também pode entrar na lista) experimentaram crescimento

maiores que os deles. Ao invés de perceberem que o crescimento a menor

poderia ter sido pelo motivo da pouca interferência do estado na economia,

a reação foi inversa. Margareth Thatcher e Ronald Reagan radicalizaram e

promoveram ainda mais o liberalismo na economia. Até hoje, muitos ainda

acham que esta atitude teria sido a correta uma vez que hoje as taxas de

crescimento de todos estes países se igualaram.

Na verdade, nem a intervenção do estado na economia seria a razão da glória

e nem o liberalismo seria a razão do desastre. Piketty desconfia que talvez,

os países de língua não inglesa ao chegarem no limite da fronteira

tecnológica dos EUA e Inglaterra, igualaram suas taxas de crescimento.

38 As Duas Curvas de Gauss do Crescimento Global Tanto o crescimento global da população quanto o crescimento per capita da

riqueza nos últimos 3 séculos desenham uma curva em forma de sino (curva

de Gauss).

Mas as duas curvas se distinguem. O crescimento populacional iniciou sua

ascendência antes da curva da riqueza e o mesmo se pode dizer em relação

ao momento em que as duas começaram a sua descendência: o crescimento

populacional desacelerou-se bem primeiro.

O pico do crescimento populacional se deu entre 1950-1970 com

aproximadamente, 2% ao ano. Enquanto o crescimento populacional

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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iniciava sua ascendência, o crescimento per capita da renda ficou

adormecido por 100 anos. Iniciou timidamente sua decolagem no século XIX

e só atingiu picos semelhantes e até maiores que 2% somente no século XX.

Os percentuais entre 1950 e 2012 atingiram níveis acima do crescimento

populacional graças à recuperação econômica da Europa e posteriormente

da Ásia principalmente da China que chegou a crescer 9% ao ano – algo nunca

alcançado antes na história da humanidade. Num cenário um pouco mais

otimista que o cenário descrito por Robert Gordon, Piketty prevê

crescimento de até 3.5% até 2030, 3% até 2050 e depois, estabilização em

torno de 1.5% até o final do século XXI. Logicamente que são somente

previsões ligeiramente otimistas, mas factíveis. Previsões mais pessimistas

são, é claro, possíveis.

39 A Questão da Inflação A análise do crescimento excepcional a partir da revolução industrial ficaria

comprometido se não falássemos sobre a inflação. Todos os indicadores

econômicos usados para análise de renda per capita ou qualquer outra

analise relacionada à renda sofrem influência da inflação. A inflação a cada

época é expurgada dos índices antes de serem apresentados. Entretanto, ela

gera um certo ruído, uma vez que não é tão simples dimensionarmos valores

reais com moedas pois a todo momento os mesmos estão contaminados pela

inflação que nem sempre pode ser detectada com precisão milimétrica.

A inflação também é um fator que influencia na distribuição de riquezas

tanto concentrando quanto fazendo o papel de convergência (ver Sessão 10

– Fatores Divergentes e Convergentes). No caso do pós-guerra, por exemplo,

a inflação foi um fator importantíssimo para diminuir os vultosos débitos das

contas públicas principalmente na Europa.

40 A Enorme Estabilidade Monetária dos Séculos XVIII e XIX Nesta sessão Piketty descreve sobre as moedas da França, Inglaterra e EUA

desde a revolução Francesa mostrando a incrível estabilidade interna e

também, a estabilidade das paridades entre elas até o alvorecer da primeira

guerra mundial concluindo que o fenômeno da inflação é típico do século XX

e XXI.

41 O Significado do Dinheiro na Literatura Clássica Piketty usa exemplos de clássicos da Literatura como Jane Austen (1775-

1817) ou Honre de Balzac (1799 – 1850) para mostrar a estabilidade das

moedas. Nesta época os autores usavam a renda dos personagens

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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representada em moedas correntes para situá-los socialmente. Observa-se

que os valores são praticamente os mesmos durante todo o século XIX e

início da primeira guerra mundial. Tais exemplos podem também ser

encontrados nos EUA, Itália e em várias outras nacionalidades de autores

além dos autores da Inglaterra e França já citados.

42 A Perda das Relações Monetárias no Século XX Devido à primeira e segunda guerra mundiais, a estabilidade das moedas de

todos países ocidentais foi destruída. Os romances simplesmente pararam

de tomar como referência os valores monetários dado sua variabilidade com

o advento da inflação. A paridade com o ouro sucumbiu em 1914, voltou em

1920, com a crise de 1930 desapareceu novamente. Viram que tal paridade

trazia maior confiabilidade e retornaram com a paridade em 1946

permanecendo até 1970. Após isto, a ruptura final aconteceu e a paridade

com o ouro desapareceu completamente nascendo a era do dólar. Tal

ruptura não se deu somente no mundo da economia, mas ocorreu também

no mundo cultural, social e na literatura.

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Parte 2 – A Dinâmica da Razão Capital/Renda

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Capítulo 3 – A Metamorfose do Capital A parte II do livro tratará do Capital e a razão entre Capital / Renda além das

diferentes formas que o Capital pode se apresentar.

Relembrando minha reflexão sobre o Capital: trabalho estocado ao longo do

tempo em forma de riquezas e apropriado por quem já possuía o domínio sobre

as pessoas que forneciam sua força de trabalho. E, se estocado, pode ser

perpetuado e transferido via herança. O capital, portanto, sempre trará a

mancha do pecado original da usurpação.

Observação: da mesma forma que as relações sociais mudam, que as pessoas

passam a ver a vida de formas diferentes, que os hominídeos um dia se libertaram

dos altos galhos das árvores e buscou o chão ou que a larva se transforma em

uma borboleta, meu conceito sobre o Capital provavelmente também irá evoluir

principalmente após ler o livro presenteado pelo meu irmão: O Capital de Karl

Marx.

O Capital apresentou formas diferentes de se manifestar desde o século

XVIII. Ele pode ser observado de várias formas: terras, máquinas, firmas,

estoque, patentes, pecuária, ouro, recursos naturais, etc.

As análises se concentrarão na Grã-Bretanha e França por possuírem

informações históricas abundantes. Piketty inicialmente usará a literatura

para ilustrar e introduzir a questão da riqueza.

43 A Natureza da Riqueza: da Literatura para a Realidade O estudo usa os romances do século XIX de Balzac e Jane Austen para mostrar

as formas que o capital tomava antigamente e como o mesmo gerava riqueza

e renda. Com a leitura dos romances da época pode-se perceber que o

capital, apesar de sua estrutura ter mudado, sua função permanece a

mesma: gerador de renda e, por tabela, caso o retorno do rendimento se

encontre acima da taxa de crescimento no período, gerador também, de

desigualdades. E, comparando as formas de desigualdades sociais nos

romances com os dias de hoje, é feito um questionamento: a forma que

tomou o capital atual é mais dinâmico e menos danoso ou menos “avarento”

que o capital de antigamente?

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

35

44 A Metamorfose do Capital na Grã-Bretanha e França O valor total do capital tanto na França quanto na Inglaterra nos séculos XVIII

e XIX e até o início da primeira guerra mundial era 6 ou 7 vezes maior que o

total da renda anual desses dois países. Com o início da primeira grande

guerra, a depressão de 1930 e ainda, a segunda guerra mundial, esta relação

caiu fazendo o valor total do capital ser no máximo 3 vezes a renda anual.

Após a segunda guerra mundial o capital inicia novamente sua recuperação

chegando em 2010 com vigor semelhante aos séculos XVIII e XIX.

Reflexão: o que significaria capital de uma nação cair de 6 ou 7 vezes a sua renda

anual para somente 3 vezes? Voltemos ao nosso exemplo do país-ilha (Sessão 19

– Razão Capital / Renda). Para que a quantidade de capital da ilha (cadeira,

suporte metálico para trançar as fibras, tela para bater as folhas, cestos e caixas)

caia para 3 vezes o valor da produção de sandálias de 1 ano, significa que em um

dado período, estes ativos foram usados para produção de sandálias e a

quantidade acrescentada de renda, dado a inclusão desses ativos no processo de

produção, não retornou para o capitalista para acumular mais ativos e sim,

usado e sumarizado na própria renda da ilha trazendo, como consequência,

maior distribuição de riquezas diminuindo as desigualdades entre os nativos.

Apesar da relação capital/renda ter voltado aos tempos antigos, não

podemos deixar de destacar que sua estrutura mudou completamente. Se

antes, a terra tinha uma participação majoritária no total do capital, após a

revolução industrial e os avanços tecnológicos, a terra passou a ter uma

participação irrisória chegando a valores incríveis abaixo de 5% do valor total

do capital.

45 A Ascensão e Queda do Capital Estrangeiro Chama-se de capital estrangeiro a soma de todas as riquezas do país em

domínios estrangeiros subtraído das riquezas de outros países no seu próprio

solo.

A partir de 1800 a Inglaterra aumentou significativamente suas posses com

sua política de colonização. Até o início da primeira guerra a Inglaterra

possuía capital estrangeiro equivalente a 3 vezes sua renda nacional anual.

O mesmo pode ser dito para a França apesar da França possuir na época bem

menos riquezas internacionais que a Inglaterra.

Nesta posição confortável, tanto a Inglaterra quanto a França podiam manter

uma balança comercial negativa. Consumiam mais do que exportavam. Os

demais países do mundo trabalhavam para eles consumirem sem haver

problemas de déficit uma vez que as riquezas internacionais compensavam

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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a balança comercial. Com o fim da segunda guerra mundial estas riquezas

originadas do colonialismo praticamente desapareceram. Hoje, podemos

dizer que a riqueza internacional líquida exerce influência quase zero na

estrutura do capital das nações.

46 Renda e Riqueza: Algumas Ordens de Grandeza Piketty faz comparações da estrutura de riquezas entre os séculos XVIII/XIX

com a atualidade mostrando o deslocamento natural das riquezas que

migraram da terra para outros tipos de capitais (imobiliário, máquinas, etc.).

Piketty mostra que apesar da estrutura do capital ter se transformado

totalmente, a renda nacional se preservou na mesma proporção que o capital

nacional.

47 Riqueza Pública, Riqueza Privada Antes de analisar as razões do ressurgimento do Capital no século XXI, é

importante distinguir entre Capital Privado e Capital Público. Lembrando que

tanto capital privado ou público é a resultante entre os ativos e passivos de

cada um. Isto é, ao se falar de Capital Público ou Privado, falamos de Capital

Líquido.

Para Capital Público separamos em Capital de ativos e Capital financeiro.

Estima-se que atualmente o capital público de ativos da Inglaterra gira em

torno de 1 ano da renda nacional. Na França seria 1 ano e 6 meses.

Considerando que os dois países possuem débitos na ordem de 1 ano de

renda nacional, Inglaterra possui praticamente zero de Capital Público

líquido e a França em torno de 30% de sua renda nacional.

Estes valores, importante dizer, são estimativas pois avaliar ativos públicos

como rodovias, escolas, hospitais não é algo tão simples e corriqueiro. De

qualquer forma, é claro que o Capital Líquido Público é insignificante se

comparado com o Capital Líquido Privado.

De forma geral temos que hoje no mundo toda a riqueza se encontra no

mundo privado uma vez que as dívidas públicas dos países estão na mesma

ordem de grandeza de seus ativos.

48 Riqueza Pública em uma Perspectiva Histórica Observando a evolução da riqueza líquida tanto da França quanto da

Inglaterra podemos concluir que a relação entre renda nacional e capital

nacional fica restrito somente ao capital privado uma vez que a riqueza

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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líquida pública sempre é irrisória. Os totais de ativos públicos sempre estão

bem próximos dos débitos: um anulando o outro.

Isto mostra como os dois países sempre se basearam na propriedade privada

para dirigir suas economias. Atualmente, não só os dois países, mas todos os

países mais ricos estão em fase de executar grandes dívidas públicas (ver

tabela da sessão anterior). Mas este contexto de dívida pública pode mudar

rapidamente como iremos mostrar mais adiante pois tanto Inglaterra quanto

França oferecem experiências ricas nesta questão.

País Dívida %PIB Reservas em milhões US$

Japão 229 1.026 Itália 133 128 Portugal 129 19 Bélgica 106 22 EUA 104 119 Espanha 99 49 França 96 0,1 Irlanda 96 - Reino Unido 89 144 Canadá 86 0,9 Alemanha 71 175 Índia 66 361

BRICS Brasil 66 362

China 43 3.000

Rússia 17 391

Fonte: http://pt.tradingeconomics.com/portugal/indicators - em 2015.

Tabela não presente no livro de Piketty

49 Grã-Bretanha: Dívida Pública e a Revitalização do Capital Privado Nos séculos XVIII e XIX os governos da França e Inglaterra sempre andaram

endividados. As despesas, principalmente devido às guerras napoleônicas e

a revolução americana, eram grandes.

A forma como as duas nações conviveram e trataram suas dívidas foram

completamente distintas. Enquanto a França, no alvorecer da revolução

francesa usou a moratória e a inflação – a chamada “Banqueroute des deux

tiers” ou Bancarrota dos dois terços para liquidar suas dívidas no início do

século XIX, a Inglaterra usou seu orçamento positivo durante todo o século

XVIII e XIX para financiar o capital privado que emprestava sem limites com

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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retorno garantido de 4 a 5%. Com isto, o capital privado na Inglaterra se

tornou mais forte que o capital privado na França.

50 Quem Lucra com a Dívida Pública? A retrospectiva anterior mostrando como o estado de certa forma transferia

riquezas para o capital privado foi importante para entendermos o porquê

da preocupação dos socialistas com a dívida púbica – a começar por Karl

Marx.

Os rentistas eram pagos generosamente e sem atrasos os seus bônus de

governo. Os personagens dos romances de Balzac e Jane Austen são prova

do “bon vivant” das classes mais abastadas não só na Inglaterra como na

França e outros países da Europa. Na França do século XIX, Bonaparte taxou

os produtores de bebidas para honrar dívidas com rentistas. No final da

guerra com a Prússia, novamente se valeu de taxar a população para pagar a

dívida equivalente a 30% da renda nacional ao país vencedor. Os exemplos,

tanto em registros da história quanto nos romances de Balzac e Jane Austen

são ricos e definitivos: os estados eram usados como ferramenta para

aumentar a riqueza privada.

No século XX um novo ponto de vista sobre a dívida pública surgiu. A dívida

pública passou a ser um instrumento de política de inclusão social e ajuda

aos mais necessitados. Os débitos com os rentistas eram quitados usando-se

a inflação para financiar as políticas públicas. As taxas pagas não eram

corrigidas proporcionalmente com as emissões de moedas. Os rentistas

tinham a garantia do pagamento, mas a diferença entre o montante real a

pagar e montante nominal eram usados pelos governos para implementação

de seus projetos sociais.

Com esta nova forma de tratar a dívida pública, a França saiu de uma dívida

de 80% de sua renda nacional em 1914 para apenas 30% em 1950. Observem

que, além de melhorar a vida das pessoas, o estado também diminuía seus

débitos.

Por outro lado, na Inglaterra a história da dívida pública da Inglaterra seguia

caminhos mais tortuosos. Se em 1815 sua dívida era preocupante, em 1950

era maior ainda: 200% de sua renda nacional. Foi após a guerra que a

Inglaterra usou da mesma artimanha da França e conseguiu amenizar sua

dívida a partir da inflação chegando a 50% do PIB.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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A técnica da inflação para conter a dívida pública não é um mar de rosas. Não

são somente os rentistas milionários que pagam o pato. Longe disto. Muitos

setores sofrem. Com a inflação, setores da sociedade perdem e outros ficam

ricos. Além disto, o processo se torna um ciclo vicioso e depois se torna um

problema difícil de dominar. A inflação juntamente com a recessão –

estagflação – passou a ser um fenômeno comum na década de 70 com

significativos índices de desemprego. Assim, o controle da inflação passou a

ser um consenso entre os economistas já no final da década de 70.

51 Os Altos e Baixos da Equivalência de David Ricardo A hipótese do Princípio da Equivalência de Ricardo diz: Débito público não

teria nenhum efeito na acumulação do capital nacional.

Ricardo formulou esta hipótese pelo que testemunhou. O débito de 200% do

PIB na época ainda não tinha sido perceptível na poupança do capital privado

e provavelmente por isso, David Ricardo teria “comido mosca”.

John Maynard Keynes reconhece que não existia outra forma na época de

os estados resolverem o problema da dívida a não ser via a técnica da

inflação.

52 França: Um Capitalismo Sem Capitalistas no Período Pós-Guerra Os ativos da França e Inglaterra nos séculos XVIII e XIX giravam em torno de

50% de suas rendas nacionais. Com a forte expansão da economia no século

XX os ativos mais que dobraram. A França em 2010 contabiliza 150% da renda

nacional em ativos e a Inglaterra chega a 100%.

Estes dados omitem uma realidade: apesar dos ativos estatais crescerem

significativamente, a partir de 1980 seguiu-se uma onda de privatizações nos

setores industriais e de serviços. Este fenômeno pode ser observado não

somente nos países europeus como também em diversos países emergentes.

Antes desta onda de privatização, no intervalo de 1930 a 1980 o descrédito

ao liberalismo foi intenso. A depressão de 1930, a segunda guerra mundial

que exigiu uma atitude mais igualitária de todos setores nacionais, e a

própria postura de certos capitalistas principalmente na França que, durante

a ocupação nazista se beneficiaram financeiramente, a grande reação

econômica da URSS após a revolução de 1917 bem como sua importância

fundamental para derrota da Alemanha, foram fatores importantes que

trouxeram os estados para o centro das questões e soluções sociais.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Capítulo 4 – Da Velha Europa Para o Novo Mundo Após analisar as metamorfoses do capital na França e Inglaterra, Piketty irá

estender sua análise para a Alemanha e posteriormente EUA e Canadá. Os

EUA possuem algumas características que os distinguem dos países

europeus:

a) A terra é abundante e barata não impactando no valor total do capital

b) A herança não teve impacto importante na concentração e perpetuação

das riquezas

c) Existência da escravidão

d) Tendência da cultura dos povos colonizadores da América em acumular

menos capital que a Europa

53 Alemanha: O Capitalismo “Reno” e Propriedade Social Devido às constantes mudanças territoriais da Alemanha não se pode ir

muito além na história para analisar as transformações do capital neste país.

Pode-se notar semelhanças entre Grã-Bretanha tomando por base as

transformações ocorridas e que puderam ser observadas a partir de 1870.

Alemanha não possuía riquezas internacionais como a França e muito menos

ainda como a Inglaterra. Talvez seja esta a principal razão das tensões

militares que causaram a primeira guerra mundial: Alemanha desafia França

em sua supremacia no Marrocos. Imperialismo, o ápice do capitalismo de

Lenin (1916) traz esta tese do imperialismo e os conflitos derivados que

influenciaram o ambiente para a primeira grande guerra.

A história dos ativos internacionais entre Alemanha e as duas antigas

potências coloniais – França e Inglaterra – são inversas. Enquanto a

Alemanha não possuía muitas riquezas internacionais nos séculos XVIII e XIX

e França e Inglaterra acumulavam riquezas extraordinárias graças às suas

colônias, a Alemanha foi acumulando aos poucos seus ativos internacionais

com seus superávits comerciais. Atualmente, os ativos internacionais da

França e Inglaterra estão próximos de zero e a diferença com os ativos da

Alemanha tendem a aumentar mais ainda.

Em relação à dívida pública, Alemanha se comportou de forma semelhante à

França e Inglaterra: usou e abusou da inflação para diminuir suas dívidas no

século XX. Hoje, paradoxalmente, a Alemanha é um dos países que mais

evitam a inflação em sua economia. Talvez, pelo trauma causado na década

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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de 20 quando, ao utilizar deste meio para aliviar as dívidas, viu a hiperinflação

sair dos domínios do estado.

Existe, entretanto, diferenças substanciais entre o capital privado da

Alemanha e todos os demais países da Europa. Seu capital privado é bem

inferior que os demais tomando por base o PIB. Mas esta situação pode ser

temporária e mesmo ilusória pois pode ser explicado pelo controle rígido dos

juros, unificação com Alemanha oriental que derrubou os preços dos ativos

e a forma como a Alemanha avalia suas empresas. Na verdade, esta diferença

de capital privado da Alemanha e demais países não é nada mais do que uma

questão política do que uma questão propriamente de métodos de avaliação

de ativos.

A saúde econômica da Alemanha comparada com os demais países nesta

crise pode ser explicada pela forma como suas empresas privadas são

administradas. Os acionistas compartilham o poder com outras partes

interessadas como a sociedade em volta da empresa e os próprios

funcionários que possuem poder de decisão nivelado com o poder de decisão

dos próprios acionistas.

54 Choques do Capital no Século Vinte Entendendo como se deu o colapso da relação Capital / Renda no século XX

e sua surpreendente recuperação a partir da década de 80.

A queda do capital pode ser explicada somente em partes pela destruição de

ativos causadas pela primeira e segunda guerras mundiais. Com um capital

nacional em média 6 a 7 vezes a renda nacional (Alemanha, França,

Inglaterra, etc.) em 1913 para um capital nacional de 2,5 vezes a renda

nacional. Se as guerras por si justificassem a queda do capital, Inglaterra teria

uma queda do capital em relação à renda bem menor que França e Alemanha

onde as duas guerras foram mais destruidoras. De acordo com dados de

Piketty, a queda do capital em relação aos ativos destruídos na Grã-Bretanha

pelas bombas nazistas foi 40 vezes maior.

Isto prova que o choque político orçamentário causado pelas guerras se

mostraram bem mais destrutivos ao capital do que os combates

propriamente ditos.

55 O Capital na América: Mais estável do que na Europa Por motivos óbvios, o Capital na América teve um papel menos importante

na economia. A nação estava só começando. Os colonos que saiam da Europa

para o Novo Mundo não levavam ativos, riquezas ou máquinas. As terras

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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eram baratas. Assim, a relação capital / renda era bem menor que a relação

na Europa. Como consequência, as riquezas eram distribuídas de forma

menos desigual. O fenômeno de pouco capital acumulado talvez seja a razão

do espírito de liberdade e igualdade que dominou os americanos até o final

do século XIX. Mas no início do século XX o capital já tinha se recuperado e a

fama americana de uma sociedade mais igual e justa foi desaparecendo. De

qualquer forma, a curva em U da queda do capital no século XX nos EUA foi

mais suave que na Europa. Talvez por isso, os americanos sempre olharam o

capitalismo com olhos mais otimistas que a Europa durante o século XX –

pelo menos, até a década de 80.

56 O Novo Mundo e o Capital Estrangeiro Os EUA não eram uma colônia típica da época onde os impérios a tudo

possuía e toda riqueza era transferia e sugada. De toda riqueza dos EUA, 98%

era de propriedade dos próprios americanos e apenas 2% pertenciam a

estrangeiros.

Esta tradição se manteve. A posição líquida do capital estrangeiro dos EUA

sempre se manteve estável: um pouco negativa e às vezes ligeiramente

positiva. As riquezas presentes no país sempre estiveram nas mãos dos

próprios americanos. Os estrangeiros nunca se apropriaram de mais que 5%

das riquezas em nenhum momento da história econômica dos EUA.

Já o Canadá tem uma história distinta dos EUA. Grande parte de sua riqueza

pertenceu aos estrangeiros, principalmente os Ingleses. Talvez pelo fato da

relação com a Grã-Bretanha ter sido mais subserviente. Apenas nos dias

atuais que a riqueza líquida internacional se estabilizou na mesma ordem de

grandeza dos EUA.

57 Canadá: Propriedade da Coroa por Longo Tempo Curiosamente, o Canadá sempre foi mais submisso aos colonizadores. O total

das riquezas nacionais pertencentes aos estrangeiros chegou a 25% do total.

Algo inimaginável para os cidadãos estadunidenses dos séculos passados.

Provavelmente isto tem uma explicação política uma vez que a ruptura do

Canadá com a Inglaterra não foi feita de forma traumática como a

independência dos EUA. No entanto, atualmente o percentual de

participação de estrangeiros nas riquezas nacionais do Canadá caíram para

10%. Um patamar mais comparável com os números apresentados pelos

EUA.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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58 O Novo e o Velho Mundo: A Importância da Escravidão Em 1800 os escravos representavam 20% da população dos EUA – 1 milhão

num total de 5.

No Sul, região de Thomas Jefferson – presidente dos EUA em 1801 – 40% da

população era escrava. O próprio Thomas Jefferson possuía 600 escravos.

Como o sul dos EUA possuía muito mais escravos que o Norte, a desigualdade

econômica e social era bem mais acentuada trazendo reflexos até os dias

atuais.

59 Capital Escravo e Capital Humano O preço de um escravo nos EUA girava em torno de 12 anos de salários de

um trabalhador rural livre. Piketty, em desacordo com muitos economistas

atuais (principalmente americanos), não considera o trabalho humano como

capital. Assim, ele evita o termo “capital humano”. No caso do trabalho

escravo é diferente pois se trata de se transformar pessoas em mercadorias.

E o capital “escravo” tinha uma particularidade interessante que atraía os

capitalistas: a taxa de retorno r era até 12 vezes maior que a taxa de retorno

do capital convencional.

Capítulo 5 – A História da Relação Capital / Renda Mesmo com todas as transformações do capital nestes últimos 3 séculos

analisados, observa-se que a relação Capital / Renda não mudou

substancialmente. Após o final da segunda grande guerra o Capital voltou a

se recuperar e alcançar os mesmos patamares do início do século. Resta

saber se esta pressão do Capital sobre a Renda continuará a crescer ou se

estabilizará no decorrer deste século.

Interessante ressaltar que a relação Capital / Renda na Europa, como sempre

foi historicamente, continua maior que nos EUA. Europa: C / R = 6 – EUA: C/R

= 4.

60 A Segunda Lei Fundamental do Capitalismo β = s / g s = taxa de poupança em relação ao PIB

g= taxa de crescimento do PIB

Esta relação tende a ser verdadeira a longo prazo.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Voltando no nosso exemplo da ilha. Se a ilha poupa 12% de sua produção de

sandálias e 2% delas se transformam em mercadorias e o restante vira capital

(estoque de sandálias), seu capital evidentemente irá aumentar. Em um longo

prazo a relação Capital /renda tenderá a 6. Isto é: o capital teria no futuro um

valor 600% maior que o valor total das sandálias produzidas em 1 ano.

A taxa de crescimento populacional não pode deixar de ser considerada.

Logo, a renda per-capita é fundamental para se analisar esta relação. A

explicação para a relação C/R ser maior na Europa do que nos EUA se deve

exatamente a isto: a taxa de crescimento populacional nos EUA ainda é

ligeiramente positiva o que ocasionou um poder do capital um pouco menor

do que no velho continente.

61 Uma Lei de Longo Prazo A segunda lei do capitalismo é assintótica. Tende a ser verdadeira somente à

longo prazo. Ela é importante para ajudar a entender o comportamento

desta relação durante todo o século XX, por exemplo. Se considerarmos

períodos curtos dos choques da primeira ou segunda guerra mundiais, esta

equivalência não fará muito sentido.

Exemplificando a lei com três exemplos:

12% de poupança em um país com capital 6 vezes sua renda anual.

12% de poupança em um país com capital menos que 6 vezes sua

renda anual.

12% de poupança em um país com capital maior que 6 vezes sua

renda anual

No primeiro caso o capital crescerá 2% e assim, a taxa de crescimento da

renda será também de 2% (β =s/g 6 =12 / s) fazendo com que a relação β

(C/ R) permaneça estável.

Por outro lado, no segundo caso, uma taxa de poupança de 12% implica num

crescimento do capital maior que 2% - mais rápido que a renda - e assim, β

crescerá até atingir seu equilíbrio.

Já no terceiro caso, o capital crescerá numa taxa menor que 2% e assim, β

não poderá se manter no nível inicial e decrescerá até alcançar um equilíbrio.

62 O Capital Está de Volta aos Países Ricos a Partir dos Anos 70 Piketty destaca que, apesar dos fenômenos de bolhas que ocorreram com

frequência desde a década de 90 até os dias atuais onde os ativos eram

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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supervalorizados, a evolução da relação Capital / Renda é real. A partir da

segunda lei fundamenta do capitalismo β = s / g, podemos concluir que

algumas das causas desta evolução foram:

a) Menor crescimento da renda

b) Menor crescimento populacional

c) Altas taxas de poupança

Além destas forças dominantes de longo prazo também não se pode

menosprezar outros fatores como a transferência dos ativos públicos para as

mãos privadas e a recuperação natural dos ativos de todo o mundo após sua

desvalorização no período subsequente a segunda guerra mundial (1945 –

1980).

63 Além das Bolhas: Baixo Crescimento, Altas Taxas de Poupança O fenômeno da recuperação do capital após a década de 70 pode ser

demonstrada a partir das taxas de crescimento populacionais e da renda

juntamente com o percentual de poupança de cada país. Ver tabela 5.1 a

seguir.

A maior concentração do capital na Europa e Japão do que nos países ricos

periféricos e EUA pode ser explicada devido a um maior crescimento da

renda nestes últimos países. As diferenças não são grandes, mas à longo

praza traz um grande impacto na estrutura da razão Capital / Renda.

64 Os Dois Componentes da Poupança Privada Poupança advinda do ganhos individuais privados e poupança dos lucros que

são reinvestidos pelas empresas. Este segundo componente geralmente é

usado para manter o capital: compensar sua própria depreciação. Assim,

somente a poupança líquida pode incrementar o capital social.

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65 Bens Duráveis e Bens de Consumo Estes itens que não são considerados riquezas ou poupanças privadas. A

título de curiosidade os bens duráveis (móveis, automóveis, geladeiras, etc.)

correspondem a 3 anos e meio de rendimento de um indivíduo. Esta

proporção sempre manteve esta ordem de grandeza desde o início do século

XVIII. Por outro lado, os bens de valor – pedras preciosas, joias, ouro, etc –

são contabilizados de acordo com as normas internacionais como riquezas

privadas mas tem um valor montante bem menor que os bens duráveis e seu

valor decresceu consideravelmente comparando com os séculos passados.

66 O Capital Expresso em Anos de Rendimento Disponível A diferença entre Renda Disponível e Renda Nacional está no somatório de

obrigações (taxas, impostos, etc.) pagas pelo cidadão. Seria a grosso modo a

Renda Nacional líquida. Antigamente quando o estado tinha participação

menor na sociedade, o somatório da Renda Disponível dos indivíduos

correspondia a 90% da renda nacional. Sempre que no livro se faz referência

à renda, considera-se que seria a Renda Nacional. Para comparações com

outras nações, o indicador de Renda Disponível pode desvirtuar as análises

pois um país onde o estado é mais participativo implica em Renda Disponível

menor que em um país com pouca participação do estado. O último, usando-

se estes índices poderia mostrar indicadores de qualidade de vida melhores

que o anterior mesmo sendo um país mais carente.

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67 A Questão das Fundações e Outras Organização de Capital As fundações perfazem um total de 5 a 10% do total das riquezas privadas

atualmente. A rigor, não poderiam ser tratados como riqueza privada e nem

como riqueza pública. Não é uma nem outra. Piketty escolheu considerar os

valores das fundações como sendo riqueza privada. A decisão, na verdade,

não afeta muito as análises, uma vez que os valores não são tão relevantes

como na época da revolução francesa por exemplo onde os bens da Igreja

tinham um impacto significativo na renda nacional.

68 A Privatização das Riquezas nos Países Ricos O período de recuperação do capital coincide com a onda de privatizações

entre 1970-2010. Proporcionalmente à renda nacional, Itália e Japão são os

países onde o capital atingiu o maior nível em relação à renda nacional.

Esta onda não se restringiu somente entre os países mais ricos. Todo o

sudeste europeu e a Rússia seguiram este caminho após a derrocada do

comunismo e a queda do muro de Berlin.

69 A Histórica Recuperação dos Preços dos Ativos Outro fenômeno que contribuiu para a grande recuperação do capital se

refere à valorização dos ativos a partir do fim da segunda guerra mundial. De

1910 a 1950 os ativos, por diversos motivos, ficaram desvalorizados em todo

o mundo. Com o fim da guerra os ativos foram recuperando seu valor real

chegando num provável pico máximo em 2010. As bolhas, de certa forma,

podem ser interpretadas como fenômenos complementares desta reação.

Este fenômeno incentivou o uso do indicador Tobin’s Q (homenagem ao

economista James Tobin). O indicador atribui 1 para uma firma onde o valor

de mercado da empresa corresponde exatamente ao valor real. Áreas de

negócios que sofrem com as bolhas possuem o indicador Tobin’s Q sempre

maior do que 1.

Tobins’s Q = valor mercado / valor contábil

Finalizando, a recuperação dos valores dos ativos no período de 1970 a 2010

foi responsável por 1 quarto a 1 terço no aumento da razão Capital / Renda.

70 Capital Nacional e Ativo Líquido Estrangeiro nos Países Ricos As riquezas internacionais que as grandes nações ricas possuíam no alvorecer

da primeira grande guerra mundial praticamente desapareceram já no início

da década de 70. Assim, a grande recuperação do capital após a segunda

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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grande guerra não contou com estes ativos e sim, com as próprias riquezas

domésticas destas nações.

A questão que fica é: será que alguns países ficarão dominados por outros

financeiramente ou no decorrer deste século os ativos internacionais

tenderão a se equilibrar? Para analisar melhor esta questão temos que

estudar a questão do petróleo e dos países emergentes – China

principalmente. Mas isto será assunto em capítulos posteriores.

A estrutura do capital atual tornou mais complexa a questão dos ativos e

passivos dos países pois as transações financeiras perderam as fronteiras

principalmente na Europa. Esta questão será discutida com mais detalhes na

parte III do livro.

71 Como Ficará a Razão Capital / Renda no Século XXI? Já sabemos como foi o comportamento do capital durante todo o século

passado. Seguiu uma curva em U nos períodos das grandes guerras se

recuperando a partir de 1970. Este cenário também foi observado no Japão

e toda América Latina.

Numa tentativa de prever como seria esta curva nas próximas décadas

usamos a segunda lei β = s /g considerando as previsões de crescimento

demográfico e crescimento econômico já apresentados no capítulo 2.

Relembrando as previsões: crescimento econômico caindo de 3.5% para

1.5% na segunda metade deste século com a taxa de poupança estabilizando

em 10% a longo prazo. Aplicando estes indicadores à lógica da segunda lei

capitalista poderemos ter um planeta com a cara da Europa do século XVIII

na época da Belle Époque. Apesar de plausível este cenário não passa de uma

possibilidade dentre várias outras, mas do ponto de vista do autor, talvez seja

o cenário mais provável.

72 O Mistério do Valor da Terra A segunda lei do capitalismo não se aplica à terra que é um capital que não

se pode acumular. Mas, qual seria o valor da terra? Estima-se que o valor não

é significativo em relação ao montante do capital de um país. Portanto, o

valor da terra não é uma variável determinante na fórmula β = s /g.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Capítulo 6 – A Divisão Capital-Trabalho no Século XXI Vimos como a relação capital / renda é dependente da taxa de poupança de

crescimento das nações. E estes índices são totalmente imprevisíveis e

influenciáveis por milhares de variáveis dependentes de fatores culturais,

econômicos, psicológicos, sociais e demográficos. Estes fatos no ajudam a

entender as grandes variações históricas e geográficas desta relação.

73 Da Razão Capital / Renda Para a Divisão Capital-Trabalho Da primeira lei do capitalismo α = r * β podemos deduzir qual é a participação

do capital e do trabalho na renda nacional. Afinal, se temos β e r, obtemos α

que é a participação do capital. Com a participação do capital em mãos, basta

subtrair do total da renda nacional e obtemos a participação do trabalho.

Mas como deduzir r? r = % retorno do capital investido no ano.

Não é uma tarefa trivial. Afinal, o indicador r por si só é uma construção

abstrata. Dependendo da quantidade e do tipo de capital que se está

investindo pode-se ter rendimentos que variam de 8 a 0% ou mesmo a

percentuais negativos no caso de ambientes com inflação. O fator r que

usaremos sempre representará uma média anual.

74 Fluxos de Renda: Mais Difícil de Estimar do que o Capital Nos séculos passados a renda advinha de forma mista isto é: rendimentos de

pessoas físicas fruto tanto do trabalho quanto do capital tinha um peso bem

maior sobre a renda doméstica nacional. Exemplos destes trabalhadores

“sem salário”: donos de pequenos estabelecimentos como bares, salões ou

profissionais liberais, fazendeiros, etc. Piketty justifica em não detalhar esta

faixa pois na atualidade esta renda representa menos que 2% da renda

doméstica nacional.

Mas, considerando que estes trabalhadores “sem salário” nos séculos

passados geravam renda superior a 30% da renda do país, é importante

analisar de forma crítica os gráficos relativos ao retorno do capital quando

olhamos para o passado.

75 A Noção do Retorno Puro do Capital Os gráficos da página 202 mostram a evolução histórica do retorno do capital

na França e Inglaterra. Piketty traça curvas paralelas para mostrar o retorno

REAL do capital subtraindo (estimativa) o trabalho gasto pelo capitalista para

fazer com que seu capital tenha o devido retorno. Com isto, as curvas do

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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retorno puro, como ele se refere, ficam em torno de 2 pontos percentuais

abaixo da curva nominal (ou oficial) do retorno do capital.

76 A Participação do Capital na Renda numa Perspectiva Histórica O retorno do capital nos séculos XVIII e XIX giravam em torno de 4 a 5% e no

século XX ficou em torno de 3 a 4%. Estes números seriam relativos ao

retorno líquido (ou retorno puro) do capital. Nos romances de Balzac tem-se

a impressão que o retorno é bem maior, mas analisando mais

detalhadamente percebe-se que existe um grande esforço dos investidores

para se chegar nos percentuais observados entre os personagens. Na

verdade, este esforço deve ser debitado no trabalho para alcançar tal

percentual.

Na atualidade existe uma tendência desses 3 a 4% de retorno atingirem

valores maiores dada às novas habilidades tecnológicas dos capitalistas com

a especulação.

77 O Retorno do Capital no Início do Século XXI Mostra que o retorno do capital gira em torno de 3-4% lembrando que este

indicador se refere ao retorno líquido ou retorno puro. O motivo deste

indicador ser menor hoje do que nos séculos passados se deve aos impostos

e ao trabalho atual que hoje é bem mais significativo para se obter os

rendimentos (custos gerenciais e custos para se chegar às melhores opções

de investimento).

78 Ativos Reais e Nominais Ao considerar o indicar de retorno do capital devemos ficar atentos aos

ativos nominais e ativos reais. Afinal, ativos nominais estão sujeitos aos

ataques inflacionários enquanto os ativos reais oscilam seus valores originais

com o mercado. Assim, o retorno do capital relativo ao ativo nominal deve

ser descontado os índices inflacionários no período do rendimento.

Sua conclusão final acerca da inflação e dos ganhos de capitais é que a

inflação tem uma influência maior na redistribuição de riqueza nas diversas

categorias que ela representa do que efeito real sobre a riqueza de forma

geral. Exemplo: a inflação teve papel fundamental para liquidar os débitos

públicos na sequência das duas grandes guerras mundiais. Mas as grandes

fortunas souberam se livrar dos ativos nominais migrando para os ativos

reais quando perceberam que o fenômeno da inflação seria de longa

duração.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Enfim, Piketty quer deixar claro que o papel da inflação na distribuição ou

concentração da riqueza é bem limitado. No geral, ela apenas faz com que o

capital transite de uma representação monetária para uma outra.

79 O Capital é Usado Para Quê? Quais as forças sociais que determinam o retorno do capital em um dado

período da história? Porque e como estas forças mudam no decorrer do

tempo? Saberemos prever como as taxas de retorno iram evoluir no século

XXI?

O que seria afinal o retorno do capital? De acordo com os conceitos

estabelecidos seria o percentual acrescido na produção de acordo com uma

dada unidade de capital investido. A isto, damos o nome de produtividade

marginal. Mas em um modelo mais complexo e mais exato, a participação do

capital oscila para mais ou para menos em relação à produtividade marginal

de acordo com as várias forças e partes envolvidas no processo. De qualquer

forma, as forças básicas envolvidas para determinação do retorno do capital

se referem à tecnologia e à abundância de capital disponível para

investimento (capital em excesso mata o retorno do capital).

Se o estoque de capital de uma sociedade qualquer não possui participação

alguma nos meios de produção logo, o retorno do capital nesta sociedade

fictícia seria zero. Nesta sociedade hipotética, toda produção e renda são

consequência única e direta do trabalho. Não significa que não exista

motivações ou interesses para que se acumule capital por outros motivos

(estoque para prever tempos difíceis, ostentação, status, etc.).

Historicamente sabemos que esta sociedade hipotética nunca existiu. O

Capital, além de prover moradia – melhor ainda, prover trabalho para que a

moradia possa existir – ele também contribuiu no processo de produção ao

possibilitar o uso de terra, maquinário, infraestrutura, etc.

Observem que no processo de produção existe implicitamente dois tipos de

trabalhos: o trabalho no tempo presente que executa as funções para gerar a

produção e o trabalho armazenado no tempo pretérito que permite que as

funções sejam executadas. Para se fazer as sandálias em nosso exemplo do país-

ilha fictício, não bastava trançar as fibras das folhas de palmeira para se fazer as

sandálias. Era fundamental o suporte metálico para que elas fossem trançadas.

E o suporte metálico não existe sem um trabalho anterior. E no futuro, para se

produzir mais sandálias, trabalhos presentes para fabricação de mais suportes

também são necessários. Por isto, o capital, com exceção dos bens naturais, não

passa de trabalho ocorrido no tempo passado se manifestando no presente caso

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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participe da produção ou simplesmente, capital estocado, caso fique à margem

da produção.

80 A Noção de Produtividade Marginal do Capital A produtividade marginal do capital pode ser definida como sendo o valor

adicional da produção devido ao acréscimo de uma unidade de capital no

processo.

Voltando à ilha. Supondo que a produção de sandálias estava aquém da

capacidade real que os trabalhadores poderiam produzir. Existia a mão de obra,

mas faltava suportes metálicos para todos os trabalhadores. Supondo que um

suporte metálico custasse $SD 120,00 (pode-se ler 120,00 Sanreal = unidade

monetária da ilha) e que foram investidos $SD 1.200,00 de suportes. Com este

adicional de capital, a produção aumentou em 100 sandálias por ano dando um

acréscimo final de $SD60,00 na renda anual da ilha – logo, uma sandália custa

atualmente na ilha $SD 0,60 (há tempos atrás custava exatos $SD 1,00). Assim,

o retorno do capital na ilha equivaleria a 5%.

Este exemplo ilustra o que vem a ser a produtividade marginal do capital.

Mas é importante considerar que no mundo real, nem sempre o retorno real

corresponde à produtividade marginal. Bolhas, especulações, excesso de

capital ou a falta dele podem fazer com que o retorno oscile muita a menor

ou muito a maior. As questões que ficam são muitas: o capitalista merece

receber este adicional mesmo não participando diretamente da produção?

Quais as consequências para a sociedade se os capitalistas recebem bem

mais ou bem menos do que a produtividade marginal? Precisamos refletir

sobre estas questões de difícil respostas.

81 Capital em Excesso Mata o Retorno do Capital Que o retorno do capital cai com excesso de capital é algo óbvio. A questão

é tentar entender o quão rápido cai o fator r a medida que cresce a

disponibilidade de capital. Dois casos são possíveis:

a) r cai numa velocidade maior que β (β = capital / renda ). Por

exemplo, r pode cair de 5% para 1.5% enquanto β apenas dobra seu

valor. Neste cenário, α = r * β que é a participação do capital na

renda, diminui enquanto β aumenta.

b) r cai numa velocidade menor que β aumenta então a participação

do capital α na renda aumenta enquanto β também aumenta. Neste

caso, a queda de r serve como um amortecedor para moderar o

aumento do capital.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Os dois cenários são possíveis. O cenário b) se encaixa no comportamento do

capital e do retorno do capital desde os tempos da revolução industrial.

Importante destacar que ambos cenários são possíveis. Tudo depende das

tecnologias disponíveis à época e a combinação de tecnologia com trabalho.

Deve-se medir o quanto é fácil de substituir capital por trabalho ou trabalho

por capital para se produzir as demandas da sociedade.

82 Além de Cobb-Douglas: a Questão da Estabilidade da Divisão Capital-Trabalho Esta questão nunca foi consenso entre os economistas do século XX. Cobb e

Douglas propuseram em 1928 que a fórmula α = r * β é estável

independentemente se β é 3 ou 6 (Capital 3 ou 6 vezes maior que a renda

nacional anual). Esta estabilidade nos levaria também a uma estabilidade

entre a divisão Capital-Trabalho. Piketty questiona esta linha teórica que

inclusive, foi endossada por Keynes. A Hipótese de Cobb-Douglas pode

parecer verdadeira quando se compara com dados de somente um setor da

economia ou mesmo um período da história. Ela não é satisfatória quando

comparamos períodos maiores, ou mesmo num mesmo período,

comparamos um país com outro, ou quando fazemos uma análise de dados

em períodos de longo prazo.

Os economistas marxistas, por outro lado, tendem a afirmar que a divisão

Capital-Trabalho no sistema capitalista sempre será instável e o capital

tenderá sempre ao crescimento e os salários, no mínimo, ficam estagnados.

Mas as análises a longo prazo dos dados também não validam esta teoria

pois tivemos períodos (pós-guerra) onde os salários aumentaram e o capital

diminuiu.

Muitas pesquisas a partir de 1990 mostram um fluxo de riquezas migrando

do trabalho para o Capital colocando em cheque a lei universal da

estabilidade da divisão Capital-Trabalho.

Até mesmo o FMI reconheceu esta instabilidade sinalizando que a questão

da concentração do capital está sendo levada mais a sério neste século.

83 Substituição do Capital-Trabalho no Século XXI: Elasticidade Maior do que 1 Clareando o termo elasticidade. É um conceito usado pelos economistas que

reflete as possibilidades tecnológicas de uma sociedade. Se a elasticidade =

0 significa que incrementar mais capital ou trabalho humano ao processo de

produção não aumentará a produção.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Por outro lado, se a elasticidade é infinita, sempre que se acrescentar capital

ao processo de produção, haverá incremento na quantidade total produzida.

Os dois extremos não seriam relevantes. Mas os dois intervalos: de 0 a 1 e >1

são distintos e merecem consideração.

Elasticidade de 0 a 1: significa que um aumento de β (capital / renda)

acarreta uma queda em r a tal ponto que nos leva a uma menor participação

do capital. Lembrando que α = r * β.

Elasticidade >1: significa que um aumento de β (capital / renda) acarreta

uma queda em r não o suficiente fazendo a participação do capital aumentar.

Assim, o primeiro intervalo representa uma sociedade de menores

habilidades tecnológicas para trocar trabalho por capital com ganho de

produtividade marginal do que a segunda.

Provavelmente, por um longo período a elasticidade da substituição Capital-

Trabalho ficou acima de 1(um). Isto significa como vimos anteriormente que,

apesar do retorno do capital ter decaído, o aumento de β também fez

aumentar a participação do capital na renda nacional. Provavelmente isto se

deve à capacidade do capital se envolver nos meios de produção via

tecnologia. A tendência para este século seja, talvez, um crescimento sempre

maior de β com redução do retorno do capital e aumento da participação do

capital na renda (α). E é importante destacar que não existe um mecanismo

de autocorreção para prevenir esta forte tendência de aumento de β com

uma também forte tendência de aumento de α.

84 Sociedades Agrícolas Tradicionais: Uma Elasticidade Menor que 1 Nas sociedades agrícolas tradicionais o capital era representado quase que

exclusivamente pela terra. Desta forma, a habilidade de substituição de

trabalho por capital era deficiente. Assim, mesmo com o capital

aumentando, o retorno do capital cai a tal ponto que a participação do capital

na renda final também decresce.

85 O Capital Humano é Ilusório? Atualmente muitos acreditam que o que caracteriza o processo de

crescimento e desenvolvimento econômico é a crescente importância do

trabalho humano, suas habilidades e conhecimento. Mas Piketty, se

baseando em seus modelos teóricos e dados de longo prazo, considera que

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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a tecnologia se baseia principalmente em capital e mais importante do que

isto, na nossa atualidade, o capital assume diversas formas e maneiras de se

inserir nos meios de produção. Segundo ele, dado uma elasticidade > 1, a

participação do capital na renda mundial irá aumentar e sua importância

continuará avançando sobre o trabalho. Muitos da comunidade econômica

consideram que entramos na era do capital humano o qual está fazendo com

que o papel do capital desapareça lentamente. Não é bem assim. Pelo

contrário. A importância do capital está, na verdade aumentando, e esta é a

tendência deste século.

86 Mudanças de Médio Prazo na Divisão Capital-Trabalho Um dos exemplos claros de que a hipótese de Coob-Douglas que diz que a

divisão Capital-Trabalho seria historicamente estável pode ser retirado da

época da revolução industrial onde a participação do capital pulou de 10%

para 35-40% no final do século XVIII início do século XIX e para 45-50% já nos

meados do século XIX quando Karl Marx escreveu “Manifesto do Partido

Comunista” e começou a trabalhar “O Capital”.

E da mesma forma, a participação do capital decaiu no período subsequente

de 1870-1900 e novamente veio a aumentar entre 1900 e 1910.

De acordo com os dados de Robert Allen, economista que detectou a

estagnação do trabalho, pode-se concluir que esta sobreposição do capital

sobre o trabalho nestes períodos tem causas no êxodo rural com grande

oferta de mão-de-obra nos centros urbanos e avanços tecnológicos que

permitiram ao Capital se moldar e se fundir de forma mais eficiente aos

processos de produção.

87 De Volta para Marx e a Queda do Lucro Para Karl Marx, o capitalismo cava sua própria cova no princípio da

acumulação infinita. Evidentemente, este princípio leva a uma queda

constante do lucro (o retorno do capital). Marx não utiliza de modelos

matemáticos e seus textos muitas vezes não ajudam a clarear esta questão.

Uma forma consistente para interpretar e entender seu pensamento seria

considerar o crescimento da renda representado em g na dinâmica β = s / g

igual a zero ou perto de zero. Naquela época, crescimento da produção era

consequência direta do incremento do capital industrial. Não se cogitava a

ideia de aumento de produtividade.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Numa realidade como a imaginada por Karl Marx onde a taxa de

produtividade e de crescimento populacional se aproximava de zero, a

acumulação infinita talvez fosse realmente a única conclusão ao alcance.

A maior falha da teoria de Karl Marx foi se basear em dados de apenas alguns

setores da economia Britânica não considerando os indicadores nacionais do

país. Ele usou dados que mostravam o enorme retorno r do capital (próximo

de 10!) a partir de balanços de poucas empresas de tecelagem para embasar

toda sua teoria que levou à conclusão paradoxal da acumulação infinita.

88 Além do Debate “Two Cambridges” A batalha “Two Cambridges” trata dos debates que ocorreram nos meados

do século XX entre as universidades Cambridge da Inglaterra e Cambridge de

Massachusetts.

Em resumo o debate se deu em torno da afirmação dos economistas Ingleses

onde a fórmula β = s / g trazia termos constantes e eram naturalmente

balanceadas. Já os economistas americanos afirmavam que este

balanceamento não era natural e que sempre levaria a crises importantes e

destacavam que a intervenção na economia a curto prazo – teoria defendida

por Maynard Keynes – era algo que deveria ser considerado para tentar

equilibrar a equação.

O cerne da questão é a distribuição de renda. A linha Cambridge inglesa,

defendendo a estabilidade e natural equilíbrio das forças da relação β = s /

g, afirmava que o capital e o trabalho sempre estariam em perfeito equilíbrio.

Já a linha americana tinha a convicção de que a não intervenção na economia

faria com que as grandezas envolvidas se desequilibrariam levando a um

aumento das desigualdades.

89 A Volta do Capital a um Regime de Baixo Crescimento Considerando a quantidade de dados que Piketty consegue juntar, ele afirma

que a taxa Capital / renda tenderá a ficar acima de 5 podendo chegar a 7. A

principal razão para isto é o baixo nível de crescimento atual não

ultrapassando 1.5%. Por outro lado, o retorno do Capital não deve decrescer

mais que o aumento da taxa capital/renda uma vez que a elasticidade deve

ficar acima de 1 dado a facilidade atual do capital ser aplicado nos meios de

produção. Com este cenário, as chances da participação do capital na renda

nacional podem chegar a 30-40%, um nível perto dos níveis alcançados nos

séculos XVIII e XIX podendo chegar a níveis ainda mais elevados.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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90 Os Caprichos da Tecnologia A principal lição que tiramos desta segunda parte do livro: não existe força

natural que reduz a importância e a opressão do capital sobre a renda. Após

a segunda guerra mundial as pessoas pensaram que o capital humano teria

triunfado sobre o próprio capital devido às novas tecnologias acompanhadas

das habilidades humanas para utilizá-las. As evoluções tecnológicas deram

mais poder à força de trabalho vinda do homem, mas, ao mesmo tempo,

aumentou a importância da infraestrutura, das máquinas, prédios,

escritórios e do próprio capital financeiro. O aumento do capital devido às

novas tecnologias foi proporcional ao aumento do valor do trabalho na

renda. Resumindo, o crescimento moderno, o qual é baseado no crescimento

da produtividade juntamente com a tecnologia vez com que se evitasse o

apocalipse previsto por Karl Marx da acumulação infinita e balanceou o

processo de acumulação. Todavia, todo este processo moderno não mudou

a estrutura do capital e sua importância frente ao trabalho. A desigualdade

gerada pela falta de controle do capital sobre o trabalho se mostrou evidente

e será o tema central da próxima parte a seguir.

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Parte 3 – A Estrutura da Desigualdade

Capítulo 7 – Desigualdade e Concentração: Considerações Preliminares Se na parte anterior discutimos sobre a evolução e a divisão capital/trabalho,

agora iremos tratar das desigualdades entre renda e capital em um nível mais

individual. Descobrimos que a recuperação do capital após a segunda grande

guerra foi, em grande parte, devido a um fenômeno que se repete: o baixo

crescimento econômico semelhante ao do século XIX.

Agora iremos analisar as desigualdades do século XX e mostrar como as

políticas sociais pós-guerra contribuíram para diminuir as desigualdades

sociais na segunda metade do século XX. E este processo, evidentemente,

diferente da teoria de Kuznets, não foi nada natural ou espontâneo (ver

sessão de número 3 sobre a teoria de Kuznets).

Antes de iniciar é bom destacar que a desigualdade pode ser decomposta em

três termos:

1. A desigualdade de renda vinda exclusivamente do próprio trabalho

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2. A desigualdade de renda vinda dos rendimentos daqueles que se

apropriam do capital

3. E a interação entre os dois termos anteriores.

91 A Lição de Vautrin – Personagem de Balzac Piketty usa os personagens Vautrin e Restignac de Honoré de Balzac para

ilustrar a questão da herança e do trabalho nos meados do século XIX – a

chamada “Belle Époque”.

Vautrin mostra para Restignac que não adiantaria ele estudar direito ou

medicina para tentar chegar ao topo das classes sociais que frequentavam as

noites de Paris. Ele iria se matar de estudar e trabalhar para receber valores

bem aquém dos rentistas da época. Ele, de forma bem nua e crua, mostra o

atalho infalível: casar com filha de um homem rico. Assim, Piketty inicia sua

discussão sobre renda vinda do trabalho e vinda da herança.

92 A Pergunta Chave: Trabalho ou Herança? Nas últimas décadas do século XX o trabalho se valorizou mais e tentar galgar

as classes sociais mais abastadas via herança passou a ser considerado uma

atitude imoral e com menos chances de sucesso do que tentar pela via dos

estudos e do trabalho. Mas até que ponto se deu esta transformação e o que

exatamente ocorreu e ainda, existe a chance desta maior valorização no

trabalho se inverter novamente?

93 Desigualdades em Relação ao Capital e Trabalho Para se analisar a desigualdade em uma dada sociedade é preciso distinguir

desigualdade originada do trabalho e a desigualdade originada do capital.

Podemos ter uma sociedade onde a desigualdade presente na renda via

capital é maior que a desigualdade vinda da renda no trabalho e vice-versa.

Muitos economistas esquecem de fazer este tipo de análise que é

fundamental. Até mesmo alguns indicadores como o GINI mistura os dois

conceitos tornando quase impossível distinguir claramente as múltiplas

dimensões das desigualdades em cada país. Nas próximas sessões Piketty

tentará distinguir os dois tipos de desigualdade com mais precisão.

94 Capital: Sempre Mais Desigualmente Distribuído do que o Trabalho

Este fenômeno ocorre em todos os países e em todos os períodos da história

onde temos dados disponíveis. Logo, podemos dizer com certeza que a

desigualdade relativa ao capital e ganhos de renda vindos do capital são bem

maiores que a desigualdade que encontramos nos rendimentos do trabalho

desde o século XVIII.

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Em geral, 10% dos cidadãos com os maiores salários recebem de 25 a 30% do

total da renda vinda do trabalho enquanto os top 10% da distribuição da

renda vinda do capital se apropriam de 50% do total (e em algumas

sociedades pode chegar até a 90%). Além disto, os 50% na parte de baixo dos

rendimentos do trabalho recebem no total o equivalente aos 10% do topo.

Já os 50% na parte de baixo do capital recebem geralmente menos de 5% do

montante dos top 10% mais ricos.

Esta característica de concentração maior no âmbito do capital do que no

âmbito do trabalho não se deve à tendência de as pessoas acumularem

capital durante a vida para garantir uma aposentadoria mesmo porque, os

mais velhos em geral são mais ricos que os mais novos. A explicação desta

desigualdade mais acentuada pode ser encontrada na dinâmica das

heranças. Por exemplo, um cidadão que tenha recebido de herança um

apartamento terá mais condições de acumular riquezas do que o cidadão que

tem que pagar aluguel durante toda sua vida.

95 Desigualdades e Concentração: Algumas Ordens de Grandeza Piketty mostra alguns dados da Europa, Escandinávia e EUA relativos aos top

centiles, deciles e os 50% mais pobres relativos ao total que cada faixa se

apropria dos totais de rendas ou capital. Mostra que os países da

Escandinávia são mais igualitários, mas estão também muito longe do ideal.

Em relação ao capital somente, até a Escandinávia se encontra em posição

de muita desigualdade. Esta sessão serve para o leitor se acostumar com o

conceito de top centile e top decile.

Topo centile: são os 1% mais ricos - Top decile: são os 10% mais ricos

96 Classes Baixa, Média e Alta Piketty, para tornar suas ideias mais claras define a classe A como sendo o

top decile, a classe B os 40% abaixo dos 10% e a Classe C os 50% restantes

mais pobres. Isto irá facilitar no decorrer do livro.

É muito comum se deparar com conceitos onde quase 99% dos top decile (os

10% mais ricos) são jogados na classe média. Muitas vezes esta manipulação

está relacionada com a tentativa de mostrar que este grupo não é

privilegiado e que a pouca participação nas taxas de impostos se justifica

(Bezerra da Silva: “malandro é malandro mané é mané...”).

Os conceitos de classe alta, média e baixa variam de sociedade para

sociedade e de tempos em tempos. Piketty não entra neste mérito e faz uma

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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divisão bem estatística (10%, 40% e 50%) sem desmerecer os conceitos de

níveis de classes em cada cultura.

97 Luta de Classes ou Luta do 1%? As desigualdades de renda entre as classes sociais são consideráveis e se

aproximam dos índices do final do século XIX. No entanto, percebe-se que a

desigualdade no top da cadeia – os deciles – é ainda maior. As diferenças de

renda entre os centiles (1% mais ricos) em comparação aos demais 9%

trazem números impressionantes.

Piketty quer deixar bem claro sua opção impessoal de dividir a sociedade nos

10%, 40% e 50%. Seria a forma mais imparcial de tratar a desigualdade. Se

não fosse assim, uma divisão quase que matemática, o autor teria que se

subordinar a visões preconceituosas ou culturais de cada país e assim, suas

análises se perderiam. Destaca que dentro dos 10% mais ricos sempre

existiram a classe dominante representada pelos 1% dos 10% mais ricos.

Desde os tempos de 1789 que os top centiles já dominavam a sociedade e

tinham um controle efetivo de todo o destino de um povo.

Não basta apenas fazer a divisão de escala de salários de 1 a 100, por

exemplo. É preciso quantificar o número de pessoas em cada escala salarial.

Só assim poderemos fazer um estudo que demonstre o grau de desigualdade

de uma dada sociedade. Finalmente, é importante destacar que a

distribuição de renda e riquezas nas três classes será feita nesta parte do livro

sem considerar a intervenção dos impostos. Para cada país, podemos ter

uma política de distribuição mais igualitária ou mais concentradora. Por

enquanto nos preocuparemos somente com o estágio antes das ações dos

impostos.

98 Desigualdades Relacionadas ao Trabalho: Desigualdade Moderada?

É certo que a desigualdade vinda do capital é bem maior que a desigualdade

da renda do trabalho. Mas não se pode negligenciar esta questão: além de

ser também acentuada a desigualdade no trabalho, a renda do trabalho

corresponde a mais de dois terços ou três quartos da renda nacional.

Observa-se diferenças de desigualdades de renda no trabalho entre os países

bem mais discrepantes do que a diferença de renda do capital. As políticas

públicas têm uma influência bem maior para mitigar estas desigualdades

quando se trata da renda no trabalho do que da renda do capital.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Os países menos desiguais ainda são os escandinavos seguido dos europeus.

Os EUA é um exemplo de país onde a desigualdade salarial é considerada

uma das mais severas.

Nos 50% com salários mais baixos em todo o mundo, as mulheres têm uma

representação acima do normal. Somente nos países do norte da Europa que

elas conseguem diminuir esta discrepância.

Estas desigualdades sociais trazem a consequência de domínios de uma

classe sobre a outra e sempre são causas de conflitos sociais importantes.

Portanto, é importante entender as forças políticas, econômicas e sociais que

determinam estas diferenças econômicas entre classes em diferentes

sociedades.

99 Desigualdades Relacionadas ao Capital: Desigualdade Extrema Em relação ao capital, as desigualdades são mais impressionantes. Em quase

todas as sociedades a metade mais pobre praticamente não possui nada.

Invariavelmente os 50% mais pobres possuem menos que 10% de toda a

riqueza em qualquer sociedade. Nos EUA estes números chegam a 2%!

Curioso observar que a desigualdade de capital na Escandinávia é mais

desigual que a desigualdade salarial nos EUA.

Os imóveis correspondem a 50% do total da riqueza do grupo dos 10% mais

ricos. Mas quando subimos na hierarquia, descobrimos que os imóveis

correspondem, no máximo, a 10% de suas riquezas. Os ativos financeiros

para os milionários correspondem praticamente com 90% de suas riquezas.

100 A Grande Inovação: A Classe Média Patrimonial A grande mudança na estrutura da distribuição da riqueza no século XX entre

os países ricos foi sem sombra de dúvida, o aumento considerável dos bens

patrimoniais da classe média.

É verdade que a desigualdade de 1900-1910 persiste. Da mesma forma que

os 50% mais pobres daquela época possuíam em torno de 5% das riquezas,

hoje nos EUA estes índices são parecidos. Mas se antigamente não existia

uma classe entre os ricos e os pobres, hoje esta camada é significante e

possui cerca de um quarto a um terço de toda riqueza dos países ricos. Esta

é a classe dos 40% ou classe média. Como nada vem do nada, esta riqueza

migrou de parte da classe dos 10% sem tirar nenhum tostão dos 1% mais

ricos, mas sim, dos restantes 9% mais ricos. E a curva para sair dos 9% para

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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os 1% é a curva mais acentuada que existe nas curvas das desigualdades. E

um dos objetivos principais deste trabalho é tentar não só entender essas

desigualdades como também tentar entender como elas emergem,

subsistem, desaparecem ou mesmo, reaparecem.

101 Desigualdade da Renda total: Dois Mundos Renda Total: soma das rendas vinda do trabalho + renda do capital. Como a

renda do trabalho corresponde a 70% da renda total logo, a desigualdade

considerando a renda total tende a ser mais parecida com a desigualdade de

renda do trabalho.

Analisando dados históricos é possível perceber um limiar de desigualdades

em que se consegue um equilíbrio (ou uma pax romana) entre as classes.

Este limiar gira em torno de 50% de posses de riquezas pelos 10% mais ricos.

Acima disto, a sociedade passa a viver riscos iminentes de revoltas e

revoluções. Logicamente que a história não se pode confundir com

matemática. Muitas estratégias podem tornar mais flexíveis este limiar como

o monopólio da informação nas mais dos 10%, por exemplo.

Observa-se que nos EUA, se a curva de desigualdade continuar no ritmo

desde o início deste século, este limite já terá sido ultrapassado em 2030.

A presente desigualdade da renda total atual está sendo justificada com o

argumento da meritocracia: os super-salários sendo justificados pela

competência de alguns e os salários irrisório pela incompetência de outros

por não aproveitar as oportunidades.

Piketty chama a atenção para a possibilidade de se combinar as

desigualdades vindas da renda do trabalho e do capital fazendo com que no

futuro, as desigualdades venham a se tornar ainda mais graves (ver pag. 265

versão em Inglês). A sombra do limiar dos 10% mais ricos com 50% de toda a

riqueza e suas consequências podem ser ameaças reais e assustadoras a

encobrir nosso mundo ainda antes de 2030.

102 O Problema dos Índices Sintéticos Antes de examinar a estrutura e evolução da desigualdade país por país, é

importante discutir a questão dos índices que medem esta grandeza. O índice

mais comum que tenta medir esta grandeza é o índice de GINI – homenagem

ao estatístico Corrado Gini (1884-1965). Por definição, o índice varia de 0 a

1. Zero significa um país totalmente igual e 1 significa uma sociedade

totalmente desigual. Na prática, este índice varia de 0.2 a 0.4 quando se

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refere ao salário e de 0.6 a 0.9 quando se refere exclusivamente ao capital.

Com relação à renda total a variação de GINI fica em torno de 0.3.a 0.5.

Grandezas sociais entre elas e principalmente as grandezas relacionadas com

a desigualdade não são unidimensionais nem lineares com o índice de GINI.

Este é o principal problema destes índices. Um número isolado,

independentemente de todo trabalho estatístico por trás não consegue

traduzir toda estrutura de desigualdade de uma nação. Além disto, estes

índices confundem desigualdade do trabalho com desigualdade do capital

mesmo sabendo que são dois tipos de desigualdades bem distintas e que

devem ser tratadas separadamente pois a mitigação de cada tipo exigem

políticas sociais também completamente diferentes.

Por estes motivos, Piketty opta em demonstrar as desigualdades

distinguindo os tipos de desigualdades (trabalho, capital e misto) e

estratificando em centiles, deciles, 40% e 50%.

103 O Véu Casto das Publicações Oficiais A OCDE oferece indicadores que camuflam a verdadeira realidade da desigualdade das nações. Usam o índice P90/P10 que corresponde ao valor salarial para se entrar no top 10 centile dividido pelo valor para se entrar nos 90% mais pobres. Estes tipos de índice acabam encobrindo de forma deliberada como se dá a distribuição de renda dentro dos mais miseráveis e a impressionante diferença de renda entre os 10% em comparação com os 1% e os 90%. Fazer a divisão usando valores fixos como os dados oficiais de propósito tem como objetivo camuflar a desigualdade. Por isso, Piketty usa percentuais sobre a renda total, do trabalho ou do capital para fazer a divisão dos 10% (1% + 9%), 40% e dos 50%.

104 De Volta às “Tabelas Sociais” e à Aritmética Política Atualmente as contas nacionais permitem medir a renda nacional e a riqueza a todo ano. Considerando que se tem também dados de toda a população, fica fácil um cruzamento e analisá-los usando o método de decile e centile (1,10%, 40% e 50%) trazendo assim, mais luz para a estrutura da desigualdade atual. Com este método não ficamos restritos em saber se uma nação cresceu o PIB em 1% ou 5%. Temos a chance se saber qual o percentual deste crescimento foi transferido para uma destas 3 ou 4 faixas estipuladas por Piketty. Bom destacar que a tabela proposta por Piketty não é original. Este método era usado ainda no século XVII e XVIII no iluminismo. Eram chamadas de “Tabelas Sociais” e podem ser encontradas na Enciclopédia no artigo

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“Aritmética Política” de Diderot. Estes tipos de abordagem dissecam a realidade da desigualdade de uma sociedade. Formas bem menos parciais do que os índices unidimensionais e secos inspirados em GINI ou Pareto.

Capítulo 8 – Dois Mundos Este capítulo tratará da evolução e história das desigualdades de renda e

capital desde o início do século XIX. O choque provocado com as grandes

guerras, a compressão da desigualdade nos períodos dourados de 1950-1980

e a concentração de riqueza que veio a seguir. Estes fatores não foram em

hipótese alguma causados por fenômenos naturais. As políticas públicas e

sociais tiveram um papel importante nas mudanças estruturais da

desigualdade.

105 Um Caso Simples: A Redução da Desigualdade na França no Século XX Desde os tempos da Belle Époque que a desigualdade na França vem caindo.

No início do século XX, antes da primeira guerra mundial, o top decile (10%

mais ricos) detinham de 45 a 50% de toda riqueza da França caindo para 35

a 40% atualmente. Esta queda da distribuição se deve somente ao capital.

No caso dos salários, apesar de novas habilidades, sociedade do

conhecimento, etc, os números permaneceram praticamente constantes. O

colapso do top centile foi devido à queda de renda vinda dos ganhos

financeiros. Nada a ver com compressão das desigualdades como um

processo natural previsto pela visão otimista de Kuznets.

106 A História da Desigualdade: Uma História Política Caótica Estudar a história da desigualdade de um país é na verdade uma maneira rica

de estudar toda a sua história. Os movimentos sociais, as guerras civis,

conflitos, etc, são de certa forma reflexos dos caminhos turbulentos das

variações das desigualdades entre as classes socioeconômicas: a luta entre

os deciles, percentiles, 40 e 50% mais pobres determinam a roda da história.

A história da desigualdade na França é quase um retrato de toda a Europa –

com exceção da Inglaterra cuja realidade é mais semelhante à dos EUA. O

choque que o capital tomou, ou o tombo, teve início com a primeira guerra

mundial, agravou-se com a depressão de 1930 e atingiu seu nadir no final da

segunda guerra mundial. Após isto, o capital não conseguiu mais se recuperar

ao ponto de chegar nos níveis da Belle Époque.

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As duas principais razões da queda do capital no período das guerras:

destruição de ativos e política de taxação do capital.

107 De Uma “Sociedade de Rentistas” Para Uma “Sociedade de Gerentes”

O grupo dos top 10% continuam com características semelhantes desde o

início da primeira guerra. Mas temos uma diferença importante hoje: antes,

a renda do capital somente sobrepõe a renda do trabalho quando entramos

na faixa dos 0.1% mais ricos. Em 1932 esta faixa era 5 vezes maior.

Esta mudança é importante: antes tínhamos os rentistas que viviam no top

1% e tinham suas rendas garantidas somente com rendimento do capital.

Isto é: nem trabalhavam. Hoje, boa parte dos top 1% são compostos de

gestores de empresas onde a origem da renda vem predominantemente do

trabalho. Se o valor pago é proporcional ou não à sua produtividade, é outra

questão.

Mas o que fez com que os rentistas não voltassem com toda força como no

alvorecer da primeira guerra mundial? Os impostos sobre o capital e a

herança com certeza, é uma das razões. Mas não é somente isto. A questão

é mais complexa. Outros fatores que exercera papeis semelhantes aos

impostos devem ser considerados.

108 O Mundo Diferente dos 10% Mais Ricos A sessão presente apenas reforça a anterior e mostra detalhes da diferença

existente entre os 10% mais ricos. Destaca que na atualidade, para se

alcançar o top 1%, o restante dos 9% precisam lançar mão de rendimentos

fora do trabalho e buscar renda a partir do capital. As mudanças estruturais

básicas nesta faixa comparando com o alvorecer da primeira guerra mundial:

- A faixa de rentistas era 5 vezes maior que hoje

- Os tipos de profissionais da faixa dos 9% mais ricos (que antes eram 5,6%

mais ricos) mudaram significativamente. Hoje as profissões são um pouco

mais diversificadas e mais especializadas que antes para se atingir o top 10%.

Afora as mudanças de perfil das profissões de forma geral, as faixas dos 40 e

50% pouco se alteraram durante 100 anos.

109 Os Limites do Imposto de Renda A análise das desigualdades baseadas nas declarações de imposto de renda

traz o problema da evasão fiscal que é invisível aos dados da receita. Assim,

sempre que nos debruçamos em dados oficiais de IR temos que levar em

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conta que boa parte da renda vinda do capital não foi declarada. O mesmo

não se pode dizer em relação à renda vinda do trabalho pois esta fonte é

mais difícil de sonegação. Para tornar os indicadores destas fontes mais reais

é necessário acrescentar em torno de 2% a 3% (no caso da França. No Brasil,

acredito que estes percentuais sejam um pouco maiores) nas rendas de capital

para não camuflarmos a verdadeira estrutura da desigualdade.

Rendimentos, juros e dividendos são tratados de forma bem parecidas nos

países ricos. Mas o ganho de capital é uma exceção. Nos EUA, por exemplo,

a taxação sobre ganho de capital é feita de forma bem mais controlada do

que na França.

Outra limitação de dados de declaração de imposto de renda diz respeito à

origem do capital fruto da renda adquirida. Este capital é fruto de ganho

próprio ou de herança? Esta questão camufla a importância da herança na

estrutura da desigualdade.

Por estes motivos, as fontes de dados vindas da receita federal são analisadas

neste livro, mas sempre acompanhadas de outras fontes para correção e

complementação.

110 O Caos dos Anos de Entre Guerras A “dança” da participação dos top 10 na renda nacional das grandes nações

mostra quão turbulento foi o período entre guerras. A partir de 1914, tanto

os top decile quanto os top centiles começaram a sentir a queda. Mas no

crash da bolsa de Nova York houve uma inversão das curvas: os top decile se

recuperaram até 1935 enquanto os top centiles sentiram mais ainda a queda.

A explicação pode ser encontrada quando se analisa os dados mais

detalhadamente. O top centile acumulava seus rendimentos em sua maioria

com ações e lucros de empresas as quais, neste período, se encontravam em

situação deplorável. Já os top deciles, em sua maioria, eram os funcionários

do alto escalão que não sentiram tanto a onda de desemprego na época que

atingiu basicamente as faixas abaixo.

111 O Choque das Temporalidades Piketty sempre prioriza as análises de longo prazo de 40, 50 ou mais anos.

Mas não despreza as mudanças estruturais da variação e distribuição da

renda de médio e curto prazo pois estas pequenas mudanças, às vezes, para

o tempo de vida de um ser humano é quase que toda a sua vida. A história

da desigualdade da França e outros países é repleta desses períodos curtos

que se distinguem das tendências de longo prazo e devem ser analisados com

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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cuidado. Um exemplo clássico é o comportamento dos salários nos períodos

de guerra. Geralmente nestes períodos a inflação é alta e os salários mais

baixos são mais protegidos pela inflação do que os salários dos top 10. Além

disto, a falta de mão de obra desqualificada também acaba ajudando a

valorizar os salários dos 40 e 50% mais pobres.

Outro exemplo foi o período curto entre 1945 e 1967. Tempos de

crescimentos vertiginosos dado às perdas da guerra e a necessidade das

nações de se recuperarem. Neste período ninguém deu prioridade à

mitigação das desigualdades mesmo porque, elas tinham se suavizado

durante a guerra. A partir de 1967 até 1983 um período inverso se sucedeu:

os salários deram uma recuperada aumentando a compressão dos salários.

E novamente, a partir da década de 90, o capital e a renda do trabalho dos

top 10 voltam a se recuperar.

Observa-se assim, 3 períodos curtos de 1945 até 2010 de descidas e subidas

da desigualdade. Numa análise de longo prazo – 1945 até 2010 – como um

todo, podemos afirmar que tivemos um período estável. Mas olhando com

uma lupa, percebe-se a turbulência do período.

112 O Aumento da Desigualdade na França a Partir de 1980 O que causou o aumento da desigualdade de renda na França a partir de

1980 foi um fenômeno que já ocorria nos EUA: aumento significativo dos

salários dos trabalhadores da faixa top centile (os 1% mais ricos).

Mas, por ser um processo totalmente novo na França, precisamos de analisar

este fenômeno em uma perspectiva internacional.

113 Um Caso Mais Complexo: a Transformação da Desigualdade nos EUA Os EUA se destacam entre todos os países como sendo o primeiro país a criar

a classe dos “supergestores”. As figuras 8.5 e 8.6 mostram a evolução dos

top decile nos EUA (comprimido e estratificado). Mas esta evolução se deu

graças ao incremento dos salários dos 1% mais ricos e não dos 9% restantes

como mostra a figura 8.6.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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A evolução das rendas entre os EUA e a França é bem parecida. Destaca-se,

entretanto, que os EUA na virada do século XX era um país mais igualitário e

hoje as coisas se inverteram: a desigualdade nos EUA é bem maior que em

todos países da Europa ocidental e não só na França.

O que torna o caso dos EUA mais complexo é que diferente da Europa que

apenas recuperou os índices de desigualdade do início do século XX, eles

voltaram com uma desigualdade bem maior que tinham nesta mesma época.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Com os efeitos da guerra, a sociedade dos rentistas na Europa sofreram um

impacto significativo. Já os EUA, por estar longe do palco da guerra, não teve

este impacto distributivo como tiveram os países europeus. Uma das razões

da desigualdade nos EUA ter partido de uma posição inferior no início do

século XX para uma posição de destaque atualmente.

114 A Explosão da Desigualdade nos EUA após 1980 Os tempos dourados dos EUA onde a desigualdade chegou no seu ponto mais

baixo se deu entre 1950 e 1980, pelo menos para os brancos. Paul Krugman

nostalgicamente se refere a este período como “A América que amamos”.

Espantosamente a partir de 1980 a desigualdade explodiu e a curva

ascendente até 2010 continua firme. A continuar no mesmo ritmo, em 2020

os 10% mais ricos (top decile) estará abocanhando 60% de toda renda

nacional da América. E ainda temos que destacar que o gráfico da figura 8.5

se baseia em declarações de impostos de renda. Logo, valores não

declarados e paraísos fiscais, se possível fosse demonstrá-los no gráfico,

teríamos um cenário ainda mais desigual. Logo, a desigualdade que hoje está

em níveis da Belle Époque pode estar a níveis ainda mais assustadores.

As bolhas de 2000-2001 e 2007-2008 não foram suficientes para suavizar a

onda de desigualdades. Mesmo com os ganhos de capitais despencando, à

médio prazo, a desigualdade nos EUA continuou aumentando.

De acordo com a figura 8.6 nota-se que o grosso da desigualdade está

representado no grupo dos 1% mais ricos e não nos demais 9%.

E entre esses 10% dos mais ricos estão boa parte dos economistas que

afirmam que a economia dos Estados Unidos da América vai muito bem,

obrigado. Sem comentários.

115 O Aumento da Desigualdade Causou a Crise Financeira? As crises de 2001 e 2008 não causaram fortes impactos na estrutura da

desigualdade nos EUA. Mas, e o contrário: será que o acentuado aumento

das desigualdades pode ter causado ou ajudado a explodir a crise de 2008,

por exemplo? Afinal, os picos de desigualdades dos EUA ocorreram

exatamente nos anos de suas piores crises: crash de 1929 e a crise de 2008.

Portanto, este questionamento não pode ser evitado. Do ponto de vista de

Piketty isto é bem claro. O aumento da desigualdade traz diminuição do

poder de compra. Com a diminuição do poder de compra dos 40 e dos 50%

mais pobres, a dívida bancária aumenta e a inadimplência força a crise

financeira

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Nota-se ainda que a transferência de renda dos 90% mais pobres para os 10%

mais ricos no período de 1980 até 2010 foi de aproximadamente 15% - 4

vezes maior que o próprio déficit comercial dos EUA. Isto significa que o

desequilíbrio entre EUA e os países com superávit comercial é bem menos

significativo do que o desequilíbrio que a própria economia americana gerou

internamente.

Os economistas que moram nos 10% tentam encontrar culpados fora usando o

desequilíbrio das balanças comerciais enquanto o problema está bem mais perto

deles. Está entre os seus salários e os salários dos porteiros de seus prédios ou do

salário do garçom que os servem diariamente ou do salário de sua própria

secretária que agenda suas palestras sobre crise econômica.

116 A Ascensão dos Super Salários Durante a segunda guerra mundial os salários se comprimiram fazendo com que a média salarial se aproximasse mais dos 10% mais rico. Este cenário permaneceu inalterado até o final da década de 50. Foi nos meados da década de 70 que os salários dos 10% mais ricos começaram a ter uma participação bem maior no total da renda nacional vinda do trabalho.

Alguns alegam que a questão da desigualdade salarial não é tão relevante,

pois durante a carreira de um trabalhador a recuperação seria natural

bastando se valer da regra da meritocracia. Esta é uma falácia que ainda é

usada por muitos economistas e conservadores a qual não se sustenta com

os dados vindos das declarações de impostos.

A figura 8.7 a seguir ilustra as fases de compressão e descompressão salarial

nos EUA desde 1910 usando a participação salarial dos 10% mais ricos sobre

a renda.

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117 Coabitação nos 1% Mais Ricos Apesar da evolução extraordinária dos salários dos “supergestores”, o ganho

de renda vindo do capital continua a prevalecer entre os 1% mais ricos. Em

resumo, a população de indivíduos desta faixa em que o rendimento via

trabalho prevalece aumentou na faixa de baixo crescendo até o patamar de

0.1%. Mas mesmo assim, os poucos que restaram nos 0.1% detêm 70% de

toda renda desta faixa.

Os dois quadros abaixo mostram uma evolução deste comportamento em

dois pontos de alta concentração de renda: no alvorecer do crash da bolsa

de Nova York e no alvorecer da crise de 2008.

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Capítulo 9 – Desigualdade na Renda do Trabalho Neste capítulo será estudado a dinâmica da desigualdade do trabalho em

outros países desenvolvidos além dos EUA e França. O que causou a explosão

dos supergestores? Por que da diversidade da evolução histórica da estrutura

da desigualdade entre os países desenvolvidos?

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118 Desigualdade Salarial: Uma Corrida Entre Educação e Tecnologia? A teoria mais aceita para explicar o porquê de as desigualdades salariais

serem tão díspares entre os países é a corrida entre a educação e a

tecnologia. Mas ela não explica tudo. Muito menos, o nascimento dos

supergestores ou a explosão das desigualdades salariais nos EUA a partir da

década de 80. De qualquer forma, deixa uma pista para entendermos a

evolução histórica da questão.

A teoria se baseia em duas hipóteses:

a) O salário do trabalhador está baseado na sua produtividade

marginal, isto é, o quanto sua força de trabalho contribui para a

produção final da organização na qual ele trabalha.

b) A produtividade marginal do trabalhador está diretamente

relacionada com suas habilidades e com a capacidade da sociedade

em suprir e demandar estas habilidades.

Por exemplo, se em uma sociedade temos poucos tradutores (fornecimento

é baixo) mas temos muitos livros para traduzir, o mais provável é que a

combinação de baixo fornecimento e alta demanda resultará um salário alto

para os poucos tradutores.

A produtividade marginal é uma hipótese um pouco fraca. A força social e

organizacional de um grupo é mais determinante na sua valorização social do

que sua produtividade marginal mesmo porque, esta última grandeza além

de ser difícil de ser determinada é muitas vezes subjetiva. Já a segunda

hipótese destaca duas grandezas econômicas e sociais de papel fundamental

na questão da desigualdade salarial: a oferta e demanda das habilidades dos

trabalhadores. No mínimo, estas duas últimas grandezas têm uma influência

crucial nos diferentes grupos sociais. Se a sociedade oferece muita tecnologia

no mercado, mas não consegue treinar no mesmo ritmo seus cidadãos para

utilizar estas tecnologias, esses trabalhadores permanecerão em estágios

menos especializados e a desigualdade salarial tende a aumentar. O

contrário já traria uma maior compressão salarial.

Piketty cita dois estudos, um feito na França ou nos EUA que comprova a

segunda hipótese e conclui: para diminuir as diferenças salariais, o estado

precisa de investir de forma eficaz na educação.

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119 Os Limites do Modelo Teórico: O Papel das Instituições O modelo teórico referido é o modelo da produtividade marginal que por sua

vez leva a especialização do trabalhador que levará à questão da tecnologia

e educação. Piketty mostra com exemplos de capítulos anteriores que a

compressão e expansão salarial frequentes ocorridas nos EUA e França não

têm relação com a produtividade marginal e mostra como a evolução do

salário mínimo tanto na Europa quanto nos EUA têm uma influência muito

maior no poder de compra dos salários e na estrutura da desigualdade

salarial do que a teoria da produtividade marginal. O gráfico a seguir mostra

a evolução do salário mínimo na Europa e EUA.

120 Escalas Salariais e o Salário Mínimo Piketty faz uma análise sobre o salário mínimo e sua capacidade de diminuir

as diferenças salariais. EUA e França foram um dos primeiros países a

implantar a política de salário mínimo. A Inglaterra implantou somente em

1999 e a Alemanha usa os acordos bilaterais para cada ramo industrial – o

salário mínimo parece que foi implantado entre 2013 e 2014. Apesar do

salário mínimo ser um fator para evitar muitas desigualdades salariais, a

melhor maneira para que o trabalhador melhore o poder de compra do seu

trabalho ainda é o investimento público em educação de forma que o

conhecimento não fique aquém do desenvolvimento tecnológico

disponibilizado no mercado.

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121 Como Explicar a Explosão da Desigualdade nos EUA?

O modelo teórico da produtividade marginal não explicaria o fenômeno dos

altos salários nos EUA a partir de 1980. Muitos economistas se curvam à esta

teoria da especialização e avanços tecnológicos que teria criado uma minoria

de gênios gestores que justificariam seus altos salários a partir da

produtividade marginal que estas habilidades teoricamente ofereceriam às

empresas. Mas estes argumentos são fracos e não convencem.

A variação dos salários na faixa dos 1% e até dos 0.1% dos mais ricos mostra

uma curva bem mais acentuada do que os salários dos demais 9% mais ricos.

Ao mesmo tempo ao se construir um perfil de habilidades desses dois grupos,

percebe-se que eles são, senão idênticos, muitos semelhantes. Logo, apesar

das habilidades serem iguais e, portanto, a produtividade marginal

semelhante, os salários das duas faixas tiveram variações bem diferentes

com o grupo dos 1% mais ricos se tornando ainda mais ricos e distantes dos

9% - o que dirá dos 40 e 50% mais pobres.

Logo, a teoria da produtividade marginal a qual está diretamente relacionada

com a meritocracia não explica esta explosão dos super salários. Este

fenômeno será melhor discutido a seguir.

122 A Ascensão do Supergestor: Um fenômeno Anglo-Saxão A explosão de altos salários ter ocorrido em alguns países e não ter ocorrido

em outros é também um forte indicador de que a teoria da produtividade

marginal não explica o fenômeno do supergestor. Coincidência ou não, este

fenômeno ocorreu nos países de língua inglesa: EUA, Inglaterra, Austrália e

Canadá. A curva de participação na renda dos 10% mais ricos desses países

são bem semelhantes como mostra a figura 9.2 a seguir.

A explicação para a curva se tornar ascendente a partir de 1980 é clara:

ascensão meteórica dos salários dos supergestores.

Por outro lado, as curvas da Alemanha, Japão, Suécia e França não mostram

esta ascensão dos salários dos 10% mais ricos. A figura 9.3 sugere, pelo

contrário, uma estabilização desde a década de 50 com uma ligeira queda e

recuperação a partir dos anos 80.

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Os demais países da Europa possuem curvas semelhantes às curvas dos

países não saxões. Mas não podemos nos deixar enganar: apesar da curva

dos demais países não mostrar uma ascensão tão incrível como a dos países

de língua inglesa, percebemos que a participação dos 0.1% dos mais ricos

avançou de forma extraordinária em todos os países ricos praticamente

dobrando em todos eles de 1980 a 2010. Exceção para os EUA em que a

participação aumentou de 5 a 7 vezes.

Por tudo isto dito, temos que a evolução da desigualdade salarial mostrou

ser distinta em diferentes partes do mundo mostrando que a teoria da

produtividade marginal e a evolução tecnológica juntamente com a

educação que acompanha esta teoria por ser homogênea em todos os países

analisados, não são suficientes para explicar estas desigualdades.

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123 Europa: Mais Desigual do que o “Novo Mundo” em 1900-1910 Diferente do que muitos pensam, a desigualdade na Europa no início do

século passado era bem mais acentuada do que nos EUA. A característica

americana como o país das oportunidades, prosperidade e igualdade se

esvaía, mas ainda se refletia no alvorecer da primeira guerra mundial.

Para explicar a concentração excessiva de renda na Europa, incluindo os

países escandinavos e o Japão, temos que analisar a questão da

concentração do capital nestes países na época. Porque o capital era tão

concentrado na Europa e Japão?

A resposta para esta questão está relacionada diretamente com a baixa taxa

de crescimento populacional destas regiões o que resulta automaticamente

em uma maior concentração de riquezas refletindo diretamente na

desigualdade salarial.

124 Desigualdades nas Economias Emergentes: Menor do que nos EUA? Piketty conseguiu analisar dados de alguns países pobres ou emergentes:

África do Sul, Índia, China, Argentina, Colômbia e Indonésia. Observou que as

desigualdades salariais são semelhantes aos países desenvolvidos com dois

pontos fora da curva: China como o país menos desigual e Colômbia como o

mais desigual trazendo indicadores piores que dos EUA. A figura 9.9 a seguir

mostra a famosa curva em U demonstrando a ascensão, queda e nova

ascensão dos 10% mais ricos (semelhante à recuperação do capital).

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Curiosidade: conseguir recuperar dados tanto em países emergentes quanto

em países ricos não é tarefa fácil. Com o advento da informática na década

de 90 paradoxalmente, a tarefa se tornou ainda mais difícil pois a busca de

dados em sistema legados na maioria dos casos é praticamente impossível.

Esta é uma das razões dos gaps de dados que aparecem na figura 9.9.

125 A Ilusão da Produtividade Marginal Comparar os níveis de desigualdades salariais entre EUA e os países de

economia emergente coloca a teoria da produtividade marginal em cheque.

Afinal, se a teoria explica a diferença quase sobrenatural dos salários dos top

1%, poderíamos afirmar que a educação nos EUA é mais precária do que a

educação na Índia ou África do Sul pois por lá, as desigualdades salariais são

menores. Lembrando que a consequência de falta de oferta de educação de

qualidade é exatamente aumento da desigualdade salarial entre os menos

especializados e os mais abastados de conhecimento.

Para Piketty, a explicação para a desigualdade salarial dos EUA ser tão maior

do que nos demais países é a que segue. Determinar uma produtividade

marginal para trabalhadores de linha de produção ou de um garçom, por

exemplo, não é tarefa difícil. Mas tentar medir a produtividade marginal de

um gestor sênior de uma grande empresa é uma tarefa impossível. Esta

determinação acaba se confundindo com uma construção ideológica para

justificar o status do gestor que oprime o trabalhador comum. A

determinação de salários dos altos executivos é responsabilidade de quem?

Ora, dos próprios executivos. Quando acusamos que os políticos determinam

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seus próprios salários, esquecemos estes pequenos detalhes. Apesar da tal

da governança corporativa que possui regras distintas de país para país e

muitas vezes suas regras são dúbias e até falhas – principalmente quando se

refere à interesses dos espécimes que habitam o topo da cadeia usurpadora.

126 A Decolagem dos Supergestores: Uma Força Poderosa de Divergência Forças divergentes: ver sessões 5 e 6.

A abordagem relativa aos salários astronômicos dos supergestores

considerando normas sociais internas das grandes empresas parece

plausível, mas apenas desloca a compreensão do fenômeno para um outro

nível. Nos movemos de um contexto econômico para uma problemática

multidisciplinar envolvendo questões sociológica, política, psicológica,

histórica e social.

Independente da multidisciplinariedade da questão, a bondade do sistema

com os salários dos gestores das grandes empresas é um fator poderoso de

força divergente mesmo porque, esses gestores têm poder suficiente para

fazer pressão política para que a tabela de imposto de renda continue sendo

sempre boazinha para eles.

Capítulo 10 – Desigualdade da Propriedade do Capital O capítulo tratará da desigualdade das riquezas em geral. A questão é mais

importante do que a desigualdade da renda do trabalho pois o fenômeno é

mais concentrador e mais global. A desigualdade do trabalho é um fenômeno

com limitações geográficas. Já a acumulação do capital no início deste século

se mostra mais firme e geral.

127 Riqueza Hiperconcentrada: Europa e América A riqueza, isto é, a renda advinda somente do capital sempre foi mais concentrada do que a riqueza da labuta. Em qualquer sociedade que conhecemos os 50% mais pobres não possuem mais que 5% de toda riqueza enquanto os 10% mais ricos possuem de 60% a 90% dela. Estes números podem ser bem detalhados para os países que conservaram seus dados históricos: EUA, Inglaterra, França e Suécia.

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128 França: Um Observatório da Riqueza Privada França é o país com o maior registro confiável relacionado com a distribuição de riqueza em todo o mundo desde o final do século XVIII até os dias de hoje.

A revolução francesa impôs em 1791 impostos sobre propriedades e doações de herança para qualquer tipo de riqueza – imóveis, estoque, propriedade urbana, fazendas, bônus e qualquer outra forma financeira de capital independentemente se os proprietários eram cidadãos comuns ou nobres. Controle das riquezas neste nível da França só começou a ocorrer 100 anos depois na Grã-Bretanha e logo após em outros países como os EUA que implementou controles a partir de 1916.

Curiosamente, as taxas de impostos na França impostas pela revolução eram agradáveis para os mais ricos pois eram taxas irrisórias de 1% a 2%. Se tornaram progressivas somente a partir de 1901 após batalhas longas no parlamento.

129 As Metamorfoses de Uma Sociedade Patrimonial A estrutura do capital foi totalmente transformada entre os séculos 18 e o início do século 20 (capital de terra substituído por capital financeiro, industrial e imobiliário). Contudo, o total de riqueza medido em anos de renda nacional permaneceu relativamente estável.

Em relação à distribuição de renda houve uma melhora causada pelos períodos das duas grandes guerras mundiais. No entanto, a partir da década de 70 observa-se uma recuperação clara do capital até os dias de hoje como mostra a figura 10.1 a seguir.

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130 Desigualdade do Capital na Europa da “Belle Époque” Vimos que o nível de desigualdade na Europa no período da Belle Époque (1871 – 1914) foi um dos mais terríveis da história. A revolução francesa nos deu uma certa ilusão de que a iniquidade na Inglaterra seria bem maior que na França. Mas os dados mostram que a concentração de renda na França neste período era praticamente igual à da Inglaterra. Talvez, um pouco pior. A figura 10.3 mostra a evolução da riqueza dos 10% mais ricos da França. Observem como a desigualdade percorria uma curva ascendente mesmo após ter ultrapassado 60% em 1890 até se deparar com a primeira guerra mundial.

Mais impressionante são os dados históricos da Suécia onde se descobre que a desigualdade do capital não era tão diferente da França ou Inglaterra. Atualmente é um pouco menor que na França: os 10% mais ricos hoje na Suécia possuem 60% de toda riqueza do país enquanto na França os mesmos 10% possuem 70%. Em ambos os casos, a inclinação das curvas mostra forças divergentes atuando.

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131 A Emergência da Classe Média Patrimonial Antes de terminarmos este capítulo teremos que responder três questões fundamentais:

1. Por que a desigualdade era tão extrema e ainda seguia em ascensão até a primeira guerra mundial?

2. Por que, apesar da recuperação do capital no início do século XXI, a desigualdade ficou bem abaixo do recorde histórico?

3. Finalmente, esta situação seria irreversível?

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Uma das chaves para entender estas questões é a presença de uma nova classe detentora de até um terço de toda a riqueza nacional: a classe média (os 40% da hierarquia da riqueza).

Apenas lembrando a hierarquia traçada por Piketty para analisar a distribuição de riquezas:

Classe A: 1% dos mais ricos (elite) Classe B: 9% dos mais ricos (classe alta) Classe C: 40% abaixo (classe média) Classe D: 50% restantes (ralé)

Lembrando que os 50% mais pobres continuaram com o mesmo perfil em toda a Europa: possuem de 5% a, no máximo, 10% da riqueza nacional.

Esta foi a grande mudança estrutural que pode ser observada em toda a Europa: o nascimento de uma classe que passou a ser proprietária de um quarto a um terço das riquezas.

132 Desigualdade de Riqueza na América Muitas diferenças entre Europa e EUA de destacam no período analisado desde 1800. No início deste período, por exemplo, o nível de desigualdades nos EUA era semelhante ao nível de desigualdade da Suécia no período de 1970-1980. Isto não seria surpresa pois o país ainda era de imigrantes que chegaram sem nenhuma riqueza e pouco tempo ainda tinha se passado para que as riquezas pudessem ser acumuladas. Se considerássemos somente os estados do norte dos EUA, o nível de desigualdade seria ainda menor do que os níveis da Suécia. Por outro lado, o sul dos EUA mostrou desigualdade pior que os níveis da Europa da Belle Époque. Ainda no início do século XX os EUA ainda se mostravam um país mais igual do que a Europa, mas já se observava uma curva ascendente da desigualdade desde então que iria ultrapassar a curva da Europa no final da década de 50. Percebia-se desde o final do século XIX que os americanos aos poucos iam perdendo seu pioneiro espírito igualitário apesar das taxas progressivas de impostos que impuseram ainda em 1916.

As diferenças entre EUA e Europa são interessantes. A Europa no período de 1950 a 1970 experimentou uma queda acentuada na desigualdade. O espírito capitalista sumiu dando lugar a uma atmosfera mais socialista com uma maior presença do estado fazendo o papel de proteção social. Mas, a partir de 1980 houve uma inversão. E até hoje, os europeus se perguntam

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porque a época dourada de 1950-70 se esvaiu e quando chegará o dia que o gênio do capitalismo voltará para sua garrafa.

Já nos EUA, foi o contrário. A partir de 1950 as desigualdades se acentuaram ultrapassando a Europa e ao invés de quererem que o gênio do capitalismo voltasse para a garrafa, a cada aumento da desigualdade, mais eles se apegavam às crenças do livre mercado na ilusão de que o capitalismo fosse a solução para a nação americana. O fenômeno Bernie Sanders – eleições

presidenciais 2016 - talvez seja um sinal de que a descrença ao capitalismo tenha iniciado seu processo por lá.

133 Os Mecanismos da Força Divergente: r Versus g na História Vamos tentar explicar agora o fenômeno da hiperconcentração de renda na Europa no século XIX até o início da primeira guerra seguido de uma suavizada no período entre guerras até início da década de 70 e novamente uma retomada das desigualdades sem, contudo, alcançar os níveis mais alarmantes do início do século passado.

Para relembrar as grandezas r, s e g vá às sessões 6, 15 e 55.

A principal razão para a hiperconcentração da riqueza antes da primeira guerra mundial seria a baixa taxa de crescimento das nações associado à alta taxa de retorno do capital em comparação com o crescimento. Como já foi dito brevemente em sessões anteriores r > g é um fator que se destaca como força divergente. Funciona como se segue. Um mundo onde o crescimento econômico girava em torno de 0.5% a 1% e ao mesmo tempo r (retorno do capital) girava em torno de 4% a 5% significa que temos um retorno relativo muito grande em relação ao crescimento econômico.

Imagine nossa Ilha onde a produção de sandálias praticamente não cresce no ano e, ao mesmo tempo, o capitalista que emprestou alguns cestos para a produção das sandálias obtém todo ano algumas sandálias como pagamento.

Isto significa que a acumulação da riqueza ocorrerá de forma bem mais rápida do que o aumento da produção. Este cenário é um cenário de uma sociedade de heranças que nos leva a um ambiente severamente desigual onde as fortunas tendem sempre a aumentar enquanto a riqueza para quem não possui capital para usufruir do seu retorno fica estagnada ou decresce.

A figura 10.7 mostra como o fator r era superior à taxa de crescimento g: idêntico ao cenário descrito acima. A renda vinda do capital chegava a 40% da renda nacional e isto era o suficiente para gerar uma poupança de 10%

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que era o suficiente para garantir um crescimento da riqueza bem maior do que a renda nacional e assim, fazia a concentração de riqueza aumentar (ver figura 10.8).

134 Porque o Retorno do Capital é Maior Que a Taxa de Crescimento? Muitos economistas acham estranho r > g em um período tão longo da história. Como seria isto possível? A história e os dados coletados mostram que foi assim.

Desde a antiguidade até o final do século XVII, o crescimento líquido (considerando a taxa de crescimento populacional) nunca excedeu 0.1% a 0.2% por muito tempo. Enquanto isto, a taxa de retorno do capital girava sempre em torno de 4-5%. Muitos dados mostram que este intervalo é coerente. Mas, mesmo supondo que o retorno girasse em torno de 2-3% ainda assim, temos um valor r 10 a 20 vezes maior que g. A figura 10.9 mostra a evolução dos dois indicadores numa escala de longuíssimo prazo.

A taxa de crescimento no século XX, por outro lado, se mostrou bem maior que a média de 0.1-0.2% girando em torno de 3.5-4% ao ano. Isto explica porque, apesar da recuperação do capital no século XX, hoje os índices de desigualdade aumentaram, mas não chegaram nos patamares da Belle Époque europeia.

A perspectiva para o século XXI como já mostrado é de índices tímidos de crescimento de, no máximo 1.5% ao ano. Isto nos leva obrigatoriamente a pensar em conter o capital através de taxas progressivas de impostos e outras ações contundentes. Caso contrário, a grande diferença de r e g pode fazer com que os níveis de desigualdade que vigoravam no alvorecer da primeira guerra mundial voltem mais fortes ainda.

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E nunca é demais lembrar que a sociedade nunca reage de forma pacífica quando as desigualdades atingem valores que precederam a grandes guerras mundiais.

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135 A Questão da Preferência Temporal r > g é uma realidade e evidência histórica mas não significa que uma sociedade possa conviver com o inverso mesmo sem a intervenção do estado. Tudo depende de como o capital é empregado – tecnologia – e por outro lado, as atitudes dos cidadãos relativos a poupança e propriedade. O capitalista pode, simplesmente, estocar seu capital sem aplicá-lo nos meios de produção. Neste caso teríamos r = 0. Mas na prática, isto é raro na história. A média histórica do retorno do capital r gira sempre em torno de 4-5% e no pior caso, 3-4%. O fenômeno econômico que explica esta constante de r se chama “preferência temporal” e é representada pela letra grega θ. Funciona assim: se o indivíduo está disposto a economizar 105 no futuro para gastar 100 a mais no presente, então θ é igual a 5%. Assumindo uma taxa de crescimento de 0% não fica difícil deduzir que o retorno do capital r tem que ser igual à preferência temporal θ.

Logo, de acordo com esta teoria, a explicação para que r fique sempre em torno de 4-5% é psicológica uma vez que r refletirá sempre uma média da impaciência do indivíduo perante o futuro.

O problema desta teoria é seu simplismo. Tentar encapsular todo comportamento humano de poupança e sua postura diante o futuro em um simples parâmetro psicológico é um tanto quanto ingênuo.

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Resumindo, podemos dizer que a taxa de crescimento g tende a ser estruturalmente baixa (geralmente, no máximo 1% ao ano no caso de transições demográficas já completas e o país atingindo a fronteira tecnológica onde o ritmo da inovação é mais lento). Por outro lado, a taxa de retorno do capital r depende de vários fatores tecnológicos, culturais, sociais e psicológicos que juntos, resultam mais ou menos nos 4-5%.

136 Existe Um Equilíbrio de Distribuição? Vamos retornar à questão central e das mais importantes deste estudo: a inequação r > g ser persistente a longo prazo é uma força divergente de desigualdade das mais potentes. Por exemplo, se a taxa de crescimento g = 1% e a taxa de retorno do capital r = 5%. Os indivíduos abastados precisam investir somente 1/5 do seu capital anual para garantir que seu capital cresça tão rápido quanto a renda média. Diante de um quadro desse, a única força que pode impedir uma espiral de desigualdade é a seguinte. Se a fortuna dos indivíduos ricos cresce mais rapidamente que a média da renda, a razão capital / renda irá crescer indefinidamente o que, a longo prazo nos conduz a um decréscimo do fator r de retorno do capital. Este processo pode, no entanto, levar décadas, especialmente em economias abertas onde indivíduos ricos podem acumular ativos fora de suas fronteiras. A princípio este processo chega a um fim, mas isto obviamente, pode levar tempo.

O controle da herança também é uma questão central que pode contribuir para diminuir as forças divergentes da desigualdade. A herança é o principal meio de se concentrar riquezas. A forma como era feita antes da revolução francesa era mais concentradora ainda pois considerava o filho mais velho como o único herdeiro. Esta prática aos poucos foi sendo abandonada em todas as nações, mas mesmo assim, a herança ainda é um fator que perpetua a desigualdade. A forma para amenizar mais ainda é implementar meios legais de taxá-la.

137 O Código Civil e a Ilusão da Revolução Francesa Mesmo após a implantação do código civil (1804) e após todas resoluções socialistas da revolução francesa, a desigualdade no século XIX continuou a crescer atingindo picos exorbitantes no período da Belle Époque e com índices parecidos aos da época da aristocracia e monarquia britânica. Qual seria a razão desta aparente contradição?

O fato concreto é que a revolução francesa não atuou de forma firme para diminuir a taxa de retorno do capital r em relação à taxa de crescimento g. A taxação de renda implantada não era progressiva e os percentuais, além de pífios, eram fixos em 1-2% independentemente da faixa de renda de cada

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indivíduo. Isto conservou o gap r – g alto a longo prazo causando uma maior desigualdade de renda. O fim da herança baseada somente no filho mais velho ajudou um pouco, mas foi irrisório levando em consideração que a diferença r -g se mostrou constante por longos tempos. Por mais incrível que possa parecer, a desigualdade na França de 1913 era maior que a desigualdade da Inglaterra da família real e dos aristocratas.

Enfim, a desigualdade na França chegou a 70% de toda riqueza pertencente aos 10% mais ricos. Fica uma questão: se não tivesse ocorrido choque de capital no período entre guerras, qual seria o limite máximo que a sociedade europeia suportaria de desigualdades?

138 Pareto e as Ilusões da Desigualdade Estável Vilfredo Pareto desenvolveu sua teoria chamada “Lei de Pareto” entre 1890 e 1910 onde afirmava que as desigualdades sociais são fenômenos estáveis e, portanto, sem necessidade de interferências quaisquer. Tal lei foi abraçada pelos movimentos fascistas da Itália e Pareto, antes de morrer, saudou Mussolini no poder.

Fazendo uma análise retrospectiva da lei de Pareto fica fácil de concluir a superficialidade de sua teoria. Pareto se baseou em alguns dados de, no máximo, uma década da Prússia, Inglaterra e Suíça. Os dados, inclusive, mostram uma tendência à desigualdade se acentuando e, claramente, Pareto se esforça para esconder esta tendência.

A verdade é que a base de dados utilizada por Pareto não o credencia a afirmar nada sobre qualquer tendência acerca da desigualdade no mundo. O caso Pareto é interessante pois ilustra o ramo da economia que se apoia ilusoriamente na matemática para tentar justificar as desigualdades sociais. Pareto desenvolveu uma família de funções para demostrar a relação entre o decrescimento de contribuintes à medida que se sobe na hierarquia de rendimentos. Todas suas funções possuem parâmetros que fazem com que tal comportamento se adapte a elas não interessando se estamos falando de desigualdades na Suécia, EUA ou França. Basta ajustar os parâmetros e temos, então, a curva de Pareto. As questões sociais, políticas e econômicas são postas de lado e passam a valer somente suas funções e seus parâmetros. Após ajustar os parâmetros, suas funções irão demonstrar que a desigualdade representada gráfica e matematicamente, não passam de leis naturais da sociedade.

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Enfim, Pareto é uma farsa que o fascismo de Mussolini deu guarida. Nos faz lembrar das políticas neoliberais que o Brasil sofre desde Sarney até os dias de hoje (incluindo em certa medida o governo Lula-Dilma com seus juros elegantemente mantidos no topo do mundo) onde se tenta justificar com fórmulas de planilhas eletrônicas as políticas econômicas de inspiração rentista.

139 Porque a Desigualdade de Riqueza não Retornou aos Níveis do Passado Voltando à questão essencial: porque os níveis de desigualdade não voltaram aos níveis da “Belle Époque”? Podemos ter a certeza de que esta situação é estável e irreversível? A questão é complexa e não temos uma fórmula matemática para tentar responde-la com precisão.

Sobre o choque ocorrido no período entre guerras onde a desigualdade decaiu temos uma explicação mais simples e fácil. Os impactos do capital devido às duas grandes guerras somados às ações políticas da época provocaram um colapso no capital levando o fator r (Capital / Renda) a níveis mais suaves que hoje.

O período entre guerras deu a ilusão aos mais ricos de um sistema estável e balanceado. O que ocorria era uma corrida dos milionários aos capitais acumulados para manter seu estilo de vida. E assim, o capital foi se deteriorando impactando nas gerações vindouras. Tanto é que a média de rendimentos dos 1% mais ricos no período da Belle Époque girava em torno de 80-100% do salário médio da época enquanto o rendimento dos 1% mais ricos em 1930 girava em torno de 30-40% do salário médio.

Notem que a pergunta é mesmo complexa pois Piketty ainda não a respondeu.

140 Algumas Explicações Parciais: Tempo, Impostos e Crescimento Enfim, não é surpresa de forma alguma que a desigualdade diminuiu entre 1914-1950. O mais curioso e de explicações menos triviais diz respeito a não total recuperação do capital após 1950. É importante destacar que acumulação de capital não é um processo de curto prazo. O nível alto de acumulação de riquezas na Belle Époque, por exemplo, foi fruto de acumulações anteriores, não de décadas, mas de séculos. Portanto, o capital não se recuperou exatamente no período 2000-2010. Ele vem se recuperando desde então e continua a se recuperar. É um processo contínuo. Em outras palavras, uma das razões pela qual o capital não é tão desigualmente distribuído como no alvorecer da primeira guerra mundial diz respeito ao tempo. Pouco tempo se passou desde o final da segunda guerra

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para que a concentração ainda não atingisse os níveis horríveis de 1910. O tempo é, pois, parte da explicação. Mas não o suficiente.

Quando observamos que os 1% mais ricos em 1910 com 60-70% da renda nacional contra 20-30% atualmente, fica claro que o choque entre guerras causou uma mudança estrutural de tal forma que até agora tem evitado os níveis de desigualdade do início do século XX. Uma destas mudanças é a taxação do capital exercido pelos estados. Antes da primeira guerra o capital (lucros, dividendos, ações, etc.) não eram taxados e quando eram, as taxas eram irrisórias e não progressivas.

141 Século XXI: Ainda Mais Desigual Que o Século XIX? Além dos fatores tempo, impostos e crescimento ainda temos alguns fatores que exercem influência importante sobre a desigualdade: o decrescimento do capital sobrea a renda e da taxa de retorno do capita no longo prazo. A taxa de crescimento da produção no século XXI deve ser tímida não ultrapassando 1.5% mas mesmo assim será maior do que as taxas históricas dos séculos anteriores ao século XIX. Assim, os níveis de desigualdades tendem a não se igualarem aos níveis do final do século XIX mesmo se as políticas econômicas das nações não taxarem firmemente o capital.

Mas não temos motivo para regozijo. Provavelmente a desigualdade não atingirá os níveis do passado, mas a probabilidade de continuar a crescer substancialmente é grande. E, como já dito, a questão não se consegue ser resumida com fórmulas matemáticas. Existem forças divergentes atuando que podem levar a uma desigualdade ainda maior que as vividas antes da primeira guerra. Por exemplo, a taxa de crescimento, apesar da previsão de crescimento médio de 1.5% pode vir a se tornar negativa fazendo com que a questão da herança exerça um papel fundamental na concentração de riquezas. Além disto, o mercado de capital pode se tornar mais e mais sofisticado de forma a fazer com que o fator r siga em ascendência e sabemos que este fato é outro fator de força de divergência.

Resumindo, o fato é: o menor nível de desigualdade hoje na Europa em relação à Belle Époque se deve a questões do acaso como as duas grandes guerras e as questões pontuais de taxação de capital. Enfim, tudo é incerto. Podemos caminhar para um século novo mais desigual ou não. Mas uma coisa podemos afirmar: é uma ilusão pensar que existe algo de natural no crescimento moderno ou que as leis do mercado de capital irão contribuir para diminuir as desigualdades e que uma harmoniosa estabilidade se alcançará.

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Capítulo 11 – Mérito e Herança a Longo Prazo Para entender melhor a evolução e a acumulação do capital no século XXI

vamos usar o presente capítulo para analisar a evolução a longo prazo das

regras da herança e a poupança na formação do capital. A acumulação do

capital sempre se dá pela herança ou poupança. Um século atrás, a herança

era a principal maneira de se acumular capital. Atualmente os indivíduos

estão poupando mais tornando este comportamento mais significativo no

acúmulo do capital. Uma das razões para esta mudança pode ser explicada

no aumento significativo da expectativa de vida. Não significa que a herança

fica em um segundo plano. Ela também irá exercer papel importante na

acumulação do capital no século atual.

Pode-se concluir, considerando que a diferença r – g ainda é discrepante, que

a herança superará a poupança pois o capital acumulado no passado renderá

mais no presente do que a riqueza guardada no presente através do trabalho.

142 A Herança Flui a Longo Prazo Uma coisa é certa: existe somente duas maneiras de se acumular capital: via

herança ou via trabalho. A questão central é em que proporção ocorre estes

dois tipos de acumulação do capital nos 10% e nos 1% mais ricos. Para

analisar a sistemática de acumulação de capital vamos acompanhar o fluxo

das riquezas que passam de geração em geração através da herança

tomando a renda nacional como comparativo.

A figura 11.1 a seguir mostra o fluxo da herança no tempo na França desde 1820 até 2010. Nota-se que a herança participava com até 25% da renda nacional até o início da primeira guerra e continuou caindo e só recuperando após a segunda guerra mundial. Neste período de alta da herança, quase que a totalidade do estoque de capital vinha da herança. Vê-se assim, que as tragédias vividas pelos personagens de Balzac eram histórias reais onde o protagonista era encorajado a trocar os estudos pelo casamento com herança garantida para galgar os degraus da nobreza.

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A evolução da curva durante o final do século 19 até 2010 mostra uma mudança profunda na estrutura da desigualdade na Europa. Existe uma crença de que não mais vivemos a era da herança onde se podia garantir a posição social dos ascendentes através da riqueza acumulada e transmitida. Realmente, hoje a participação da herança é bem menor que no início do século passado mas vem se recuperando e já é 4 a 5 vezes maior do que era no final da segunda guerra mundial. Podemos viver novamente os tempos de Balzac se o crescimento demográfico e econômico se mostrar pífio e o retorno do capital r continuar acima de 2.5-3%.

143 Fluxo Fiscal e Fluxo Econômico Piketty, para garantir a confiabilidade dos dados levantados sobre herança na França, utilizou-se de duas fontes distintas para desenhar o gráfico do fluxo de herança: o fluxo fiscal e o fluxo econômico. Apesar de ser fontes totalmente distintas vê-se pelo gráfico que uma valida a outra. A curva do Fluxo Fiscal fica sempre um pouco abaixo da outra curva provavelmente devido aos ativos que são sonegados nas declarações de imposto de renda.

144 As Três Forças: a Ilusão do Fim da Herança A vantagem de se utilizar uma abordagem do fluxo de herança no tempo é que ela requer uma visão das três forças que a determinam. Para expressar o fluxo de herança tomando como base a renda nacional usamos a seguinte expressão:

by = μ × m × β,

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onde by representa o fluxo de herança

μ representa a razão entre a média da riqueza no fim da vida e a renda média dos indivíduos ao longo da vida.

m é a taxa de mortalidade.

Uma análise resumida das três forças:

β = razão do capital privado e a renda nacional. Note que aqui utiliza-se somente a renda privada uma vez que a renda pública não pode ser considerada na herança. Logicamente se, em um dado período uma sociedade possui um fluxo alto de herança então, a quantidade de capital que pode ser usada como herança também é grande.

m - taxa de mortalidade também é uma igualdade lógica. Quanto maior a taxa de mortalidade, maior o fluxo de herança.

μ Vamos supor que a média de riqueza na hora da morte é a mesma média da riqueza da população como um todo. Assim, μ = 1. Então, by – fluxo da herança é igual ao produto da taxa de mortalidade e a razão β.

Claramente, μ depende diretamente da quantidade de riqueza guardada no tempo. Quanto mais a riqueza aumenta com a idade mais alto será μ e assim, mais alto será o fluxo by.

145 A Mortalidade no Longo Prazo A segunda força que pode explicar o fim da herança é o aumento na expectativa de vida que diminui a taxa de mortalidade m. Mas todo cuidado é pouco antes de se chegar a qualquer conclusão. Esta diminuição no fluxo de herança pode ser temporária ou não. Imaginemos primeiramente um cenário onde a taxa de mortalidade está diminuindo e a taxa de natalidade também diminuindo. Chegará um momento que as pessoas vão ter que morrer mesmo com a taxa de mortalidade em descenso. Neste momento, considerando que a população irá diminuir devido à baixa taxa de natalidade, o fluxo de herança passará a ser mais significativo. Por outro lado, um cenário onde a taxa de mortalidade também caia, mas a taxa de natalidade aumentando, a herança não será um fator divergente na desigualdade.

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146 A Riqueza Envelhece Com a População: o Efeito μ X m Agora vamos imaginar o cenário onde, a longo prazo, as faixas etárias permanecerão constantes, mas a taxa de mortalidade é baixa. Se os indivíduos demoram mais a morrer logo, o fluxo de herança diminui, certo? Na verdade, não é bem assim. Se a expectativa de vida sobe de 60 para 80 anos, a média de idade com que um filho receberá sua herança subirá de 30 para 50 anos. Por outro lado, a própria riqueza em “disputa” também sofrerá o fenômeno do aumento de expectativa de vida. Isto é: o indivíduo ao demorar mais anos para morrer irá acumular mais capital. Assim, a expectativa de vida como coeficiente negativo no fluxo é confrontada com o aumento do valor da herança fazendo com que a equação do fluxo de herança permaneça, no mínimo, estável. Matematicamente podemos representar este raciocínio com a expressão no título: μ X m onde o primeiro coeficiente é influenciado para cima pelo aumento da riqueza da herança e o segundo coeficiente influenciado para baixo com a queda da mortalidade.

147 Riqueza dos Mortos e Riqueza dos Vivos Piketty apresenta dados para desmistificar a afirmação de que a era das heranças não existe mais. A herança ainda é um fator importante para conservar o status quo sendo um dos instrumentos mais importantes de força divergente. Desde 1820, como mostra a figura 11.5 a seguir, a riqueza dos mortos está sempre acima da média da riqueza dos cidadãos. Exceção apenas ao período da segunda guerra mundial.

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148 Os Cinquentões e os Velhos de Oitenta anos: Idade e Fortuna na Belle Époque Usando dados da França desde 1820, observa-se que a média da riqueza dos mais velhos chegou a níveis extremos em 1912 quando a média da riqueza dos indivíduos acima de 80 anos chegou a 253% maior do que a riqueza da faixa de 50-59 anos. Sabemos que este fenômeno não pode ser explicado pelo valor do trabalho mesmo porque, com 80 anos o indivíduo não consegue mais produzir com tanta eficiência quando era mais jovem. Na verdade, é consequência direta da desigualdade r > g e a lógica acumulativa e exponencial que esta diferença acarreta. Sabemos que o indivíduo na faixa dos 1% mais rico, à medida que envelhece vai virando sua fonte de riqueza do trabalho para o rendimento do seu próprio capital se tornando um rentista e, se o crescimento da renda nacional é baixo como era na Belle Époque e a diferença entre r e g acentuada, a desigualdade aumenta expressivamente e a lógica das heranças garante sua manutenção.

149 O Rejuvenescimento da Riqueza em Virtude da Guerra Este mecanismo que se auto sustentou por muito tempo foi abaixo com o choque do capital de 1914-1945. A consequência é um forçado rejuvenescimento da riqueza que pode ser visto de forma clara na figura 11.5 anterior. Este fenômeno também pode ser visto no fato de que em 1947, por exemplo, o grupo de indivíduos entre 50-59 anos acumulava mais riqueza que o grupo dos octogenários. Fato único nos registros da história da riqueza da França.

O rejuvenescimento da riqueza é de simples explicação: com a destruição de imobilizados e ativos com a guerra somado às empresas que iam à falência, levaram os ricos ao abismo. Os mais velhos não tinham a força que os mais novos tiveram para se recuperar. Por isto esta transferência da riqueza entre as faixas mais velhas para as faixas mais novas. Este cenário foi propício para alastrar a ideia de que o capitalismo seria um sistema econômico superado.

Mas este foi um cenário breve. A base da sociedade nada tinha mudado. O status-quo permanecia inalterado. E assim, a faixa de 50-59 que se tornaram os mais ricos foi envelhecendo e o fator r > g incumbiu de torná-los os mais ricos quando chegaram na faixa de 60-69 e assim, chegamos em 2010 com uma realidade semelhante à de 1912. Portanto, o fluxo de herança volta a ter um papel preponderante como força de divergência.

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150 Como o Fluxo de Herança Irá Evoluir no Século XXI? Considerando que questões culturais não irão mudar radicalmente o

comportamento dos indivíduos durante o século XXI em relação à poupança,

os cenários mais prováveis desenhados por Piketty baseados em baixo

crescimento tanto populacional quanto de renda e retorno do capital

insistindo em permanecer entre 2-5% nos leva a concluir que o fluxo de

herança será fator importante de força divergente durante todo o decorrer

deste século. Caso o crescimento do PIB mundial se mostrar baixo – que é o

mais provável – e o retorno do capital se situar em torno de 4-5%, o papel do

fluxo da herança passará a ter o mesmo peso do período da Belle Époque

(1871-1910).

É ilusório imaginar que o aumento da expectativa de vida irá diminuir o papel

de transferência de riquezas. Pelo contrário. Com mais tempo para acumular

riquezas a partir de rendimentos financeiros, a tendência é o fluxo se tornar

mais forte. Afinal, a expectativa de vida pode aumentar, mas todos um dia

irão morrer.

151 Do Fluxo Anual de Herança Para Estoque de Riqueza Herdada Piketty apenas reforça o importante papel da herança no século XXI

contradizendo boa parte dos economistas que acreditavam que a herança

iria perder a importância como fator de acúmulo da riqueza. De todo

conjunto de dados analisados na França, somente na década de 70 que a

riqueza acumulada durante a vida pelos mais ricos ficou acima da riqueza

herdada. A partir da década de 80, a herança se recupera podendo voltar aos

tempos de 1910 como ele já disse nas sessões anteriores.

Desde 1820 que a herança transferida equivale à riqueza total adquirida

mostrando o baixo crescimento de renda em relação ao retorno do capital.

O título da sessão quer dizer isto: durante todo este período, a riqueza

herdada foi a base da criação de novas riquezas.

152 De Volta ao Vautrin de Balzac Vautrin, talvez o personagem mais vil de Balzac disse mais ou menos assim

em Pere Goriot:

“Que tipo de vida alguém pode esperar viver ganhando seu próprio dinheiro

comparado com a vida que podemos ter casando com alguém com uma

grande herança? ”

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Os romances de Balzac ilustram como a herança era realmente algo

determinante na hierarquia da riqueza na época da Belle Époque. Nesta

sessão Piketty apenas reforça a recuperação da força da herança a partir da

década de 80. O poder da herança apenas sofreu uma queda devido aos

choques no capital graças às duas grandes guerras. Considerando os

prováveis valores dos indicadores g, r e a estabilidade da taxa de crescimento

populacional, Piketty reforça que a importância da herança como força

divergente pode voltar aos níveis do início do século XX.

153 O Dilema de Rastignac O Dilema de Rastignac: aqueles que de alguma forma conseguem colocar as

mãos em uma boa herança estariam em chances de ter uma vida melhor do

que aqueles que são obrigados a galgar as hierarquias sociais através do seu

próprio trabalho.

Piketty traça um gráfico mostrando o padrão de vida das pessoas mais ricas

nascidas desde 1790 comparando o padrão de vida dos 1% mais ricos por

herança e os 1% mais ricos por rendimento do trabalho. Observa-se que o

padrão de vida do grupo dos 1% mais ricos por herança só ficou abaixo do

padrão dos 1% mais ricos via rendimento do trabalho somente no período de

1900-1950. Este estudo apenas vem comprovar que a herança perdeu força

devido aos choques do entre guerras e que se recuperou a partir da década

de 70 como mostra a figura a seguir.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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154 A Aritmética Básica dos Rentistas e Gestores Recapitulando: uma sociedade onde a renda vinda de herança se sobrepões

à renda do trabalho no topo da hierarquia social – sociedade bem descrita

por Balzac e Austen – duas condições precisam ser preenchidas:

a) β necessariamente deve ser grande o suficiente - acima de 6. E este

estoque de capital dever ser composto de, no mínimo, 1/4 de

herança.

b) A riqueza via herança deve ser extremamente concentrada.

A herança deve ser responsável por 50-70% de toda a riqueza dos

1% mais ricos. Com esta proporção, os milionários rentistas

alcançam um padrão de vida maior do que os 1% mais ricos que

vivem da renda do trabalho.

Assim, no atual ambiente mundial onde o crescimento é pífio com

estagnação populacional e o retorno do capital é grande em relação ao

crescimento, os 1% mais ricos com capital irão sempre se sobrepor sobre os

1% mais ricos via remuneração do trabalho.

155 A Sociedade Patrimonial Clássica: O Mundo de Balzac e Austen Piketty apresenta cenas dos romances de Balzac – França, Austen – Inglaterra

e Henry James – EUA para mostrar de forma contundente as desigualdades

extremas da Belle Époque e a força que tinha o capital acumulado sobre as

rendas advindas do trabalho.

156 Extrema desigualdade da riqueza: Uma Condição da Civilização Em Uma Sociedade Pobre? O luxo dos 1% mais ricos nos períodos da Belle Époque tão bem descritos por

Balzac e Austen não seriam possíveis se seus rendimentos fossem somente

20-30 vezes o rendimento médio da época. Atualmente, sim, seria possível.

Ocorre que naquela época as coisas eram mais caras. Se vestir, viajar,

frequentar clubes e bares eram atividades que dispendiam muito mais

esforço financeiro do que hoje. Por isso que esses milionários tinham

rendimentos que ultrapassavam 60 vezes a média de rendimento. Por isto,

para se viver naquela extravagância, a extrema desigualdade era necessária.

Naquela época não se precisava usar da falácia da meritocracia como é

comum hoje. Antigamente, para se viver uma vida luxuosa, a competência

profissional ou intelectual não era considerada: bastava ter fortuna herdada.

Bem, pelo menos, à época, praticava-se menos a hipocrisia.

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157 Extremismo Meritocrático Nas Sociedades de Ricos Bem, talvez não era bem assim. Na época de Napoleão, inclusive com

concordância dele próprio, muitos movimentos políticos eram realizados

para fazer com que os altos funcionários públicos recebessem salários que

garantissem um padrão de vida semelhante aos dos rentistas (herdeiros) na

época. O pior na defesa da tal da meritocracia sem evidência alguma de

produtividade marginal é o teor hipócrita dos argumentos. Nos EUA

atualmente é frequente ouvirmos os argumentos justificando os salários

astronômicos dos supergestores: ora, se eles não recebem esses salários

somente os grandes herdeiros teriam o direito de alcançar uma riqueza

verdadeira e isto seria algo injusto. Enfim, justificam uma prática de

desigualdade no campo do trabalho (salários) mirando-se nas desigualdades

ainda mais extremas no campo do capital. Igualando as duas extremas

desigualdades é a forma deles mostrarem que estão combatendo a

iniquidade.

E o pior de tudo é que esta crença da meritocracia vira ladainha não somente

no topo da hierarquia dos 1% ou 0.1% mais ricos. Se torna um discurso

conservador e hipócrita no âmbito da classe média – os 40% abaixo dos

verdadeiramente ricos. Michèle Lamont desenvolveu uma pesquisa entre

diversos indivíduos na França e EUA confirmando este comportamento da

classe média. Além das qualidades de esforço e competência, os indivíduos

pesquisados ainda argumentavam que recebiam mais que a classe baixa por

possuir também qualidades morais superiores.

Pois é: pelo menos, os herdeiros-rentistas milionários dos personagens de

Austen e Balzac não comparavam seu caráter com o caráter de seus criados.

158 A Sociedade dos Pequenos Rentistas Piketty reforça a tendência de a herança predominar no decorrer do século

XXI considerando o cenário já descrito de baixo crescimento econômico e

alto retorno do capital. O gráfico 11.11 a seguir baseado neste cenário

mostra que os indivíduos nascendo a partir de 2010 já terão riquezas

herdadas no futuro proporcionalmente maiores do que os indivíduos

nascidos na Belle Époque.

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Mas a estrutura da riqueza atual mudou bastante. Se os 1% mais ricos

possuíam 2/3 de toda riqueza, hoje estes mesmos 1% possuem por volta de

20% da riqueza. Nasce no final do século passado e início deste os pequenos

rentistas. Boa parte do patrimônio e capital nas mãos dos 1% mais ricos se

transferiram para as mãos desta nova classe: os 40% ou a chamada classe

média. Este fenômeno acabou causando a onda de meritocracia e a

desigualdade passa a perpetuar nas habilidades adquiridas nas grandes

universidades. Dos romances de Balzac e Austen onde os grandes artistas e

protagonistas pertenciam à classe dos rentistas que não possuíam qualquer

habilidade, para os grandes heróis das séries americanas onde os

protagonistas são muitas vezes indivíduos doutores, inteligentes e com

habilidades específicas. Hoje, o sistema educacional não tem a habilidade de

fazer o papel de distribuir renda a partir da capacitação mais igual. Ela foi

apropriada pela classe dominante garantindo uma estrutura social rígida e

desigual.

159 O Rentista, Inimigo da Democracia E nada indica que esta tendência ira se reverter. Pelo contrário. O baixo

crescimento da renda nacional de quase todas nações e o alto retorno do

capital mostram que a característica desigual de nossa sociedade do século

XXI deva durar muito ainda. O pior deste cenário é que a sociedade atual se

preocupa em justificar seu perfil desigual usando a crença hipócrita da

meritocracia. Pelo menos, tal crença oferece mais conforto às consciências

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dos mais “competentes” e abastados. E esta crença meritocrática exerce um

papel fundamental: em uma democracia a igualdade de direito tão

orgulhosamente afirmada se contrasta com a bruta desigualdade social e

para superar tal paradoxo, a meritocracia se encaixa como luva pois a

desigualdade não seria uma realidade imposta e sim uma situação

conquistada pelo próprio indivíduo. Caso ele não queira sofrer nas classes

sociais mais baixas, basta estudar e oferecer suas habilidades.

Hoje existe um preconceito com a palavra rentista ou rendimento como se o

retorno do capital acima da taxa de crescimento da renda fosse algo que deva

ser corrigido bastando para isto detectar os setores de mercado onde a

concorrência não está atuando ou não estão atuando de forma livre. A ideia

de que o livre mercado e a soberania do mercado competitivo irão dizimar a

herança e levar a sociedade para o mundo perfeito da meritocracia é uma

ilusão. O advento do sufrágio universal acabou com o domínio formal dos

ricos sobre a política. Mas o mundo está mostrando que isto não foi o

suficiente para abolir as forças econômicas que geram a sociedade dos

rentistas.

160 O Retorno da Riqueza Herdada: Um Fenômeno Europeu ou Global? É bom lembrar que todos os gráficos e dados apresentados até aqui sobre

fluxo de heranças são relativos à França. Para Alemanha, Inglaterra, EUA,

infelizmente não temos dados em que podemos confiar para fazer análises

criteriosas como as feitas com o fluxo de herança na França. No entanto, o

que podemos deduzir sobre este assunto para estes países é o seguinte:

Alemanha: a curva em U do fluxo de herança se desloca um pouco para a

direita e não se recuperou de forma tão acentuada como na França ainda.

Isto é: a força da herança se recuperou com um certo atraso. Provavelmente

isto não se deve a problemas de comportamento ou questões culturais.

Provavelmente, a razão disto é que em certa época no século passado após

a segunda guerra mundial, o crescimento demográfico foi maior do que na

França inibindo a força da herança.

Inglaterra: aqui, o cenário é mais interessante. A predominância da herança

é bem mais fraca do que na França e também na Alemanha e não se encontra

indicadores geográficos, econômicos ou políticos que justifique. Talvez, os

britânicos mais velhos sejam mais dados a gastar mais. Sabemos também

que investem mais em fundos de pensão apesar de isto ser apenas parte da

explicação dado o montante destes fundos. EUA: O caso dos EUA é o pior

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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entre eles pois é onde temos os dados mais incompletos. Chega a ser tão

incertos que na década de 80 surgiram duas teorias de dois economistas

respeitáveis: Modigliani e Summers.

Modigliani afirmava a partir de dados coletados à época que da riqueza atual

dos EUA somente 20-30% eram de herança. Já Summers dizia que a herança

era responsável por 70 a 80% de toda a riqueza.

Examinando com mais detalhes os dados analisados por eles e com os

disponíveis hoje, os quais eles não tinham, concluiremos que a verdade

estava entre as duas teorias tendendo mais para Summers: provavelmente a

herança é responsável por 50-60% das riquezas dos EUA.

Podemos concluir finalmente que o retorno do fluxo de herança sobre o total

da riqueza dos países voltou a ser bastante determinante principalmente na

França e provavelmente, num futuro próximo, voltará com a mesma força na

Alemanha. Na Inglaterra a recuperação também pode ser esperada, mas em

menor grau um pouco. E ainda, apesar de significativa, um pouco menor nos

EUA.

Capítulo 12 – Desigualdade Global da Riqueza no Século XXI A dinâmica da desigualdade das riquezas foi tratada até aqui com uma certa

restrição. Foram analisados dados da França e Inglaterra. Se faz necessário

avançar mais afinal, o fenômeno financeiro global é uma força significativa e

que poderá levar a mudanças ainda mais estruturais na lógica da

desigualdade. Afinal, o que interessa é tentarmos entender a lógica desta

estrutura de forma global: será que as novas habilidades do capital de

interferir na produtividade marginal irão contribuir para uma maior

concentração de renda? Será que este fenômeno já não estaria em pleno

funcionamento?

Para isto, Piketty irá analisar a evolução das riquezas dos milionários durante

o século XXI e analisar em seguida as desigualdades entre as nações. Mas

antes irá analisar a força divergente crucial que exerce papel de suma

importância neste contexto: a desigualdade do retorno do capital.

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161 A Desigualdade do Retorno do Capital Muitos modelos econômicos consideram que o retorno do capital é igual

independentemente do tamanho deste capital que o capitalista detém.

Vamos combinar. O rio corre para o mar. Quanto maior o cacife do capitalista

mais facilidade ele terá para aumentar o retorno do seu capital contra os

investidores menos abastados. Isto se agrava à medida que o mundo

financeiro se torna cada dia mais complexo e cheio de possibilidades. Assim,

os 1% mais ricos tendem a ficar cada dia mais ricos se distanciando dos 10%

mais ricos agravando ainda mais o problema da desigualdade.

Este fenômeno pode levar a uma diferença cada vez maior de r – g e o único

fenômeno natural que pode suavizar esta força divergente como já vimos no

Capítulo I seria o fator g de crescimento. Da mesma forma que analisamos

individualmente as diferenças de retorno do capital, também temos que

analisar as desigualdades entre as nações. Primeiramente será analisado o

retorno do capital relacionado com dotações universitárias e depois o

retorno de fundos soberanos da China de países exportadores de petróleo.

162 A Evolução do Ranking da Riqueza Global No geral, os economistas fazem vistas grossas para a relação Forbes de

milionários questionando seus métodos. Mas a pesquisa existe e é global. As

pesquisas e estatísticas governamentais pecam por fazer levantamentos

apenas domésticos em um mundo capitalista que se torna a cada dia mais e

mais global. Estas pesquisas tendem a perder totalmente o valor. Apesar da

revista Forbes não utilizar dos melhores métodos, pelo menos, ela é global e

vale a pena fazer uma análise mais de perto.

Todos os anos, desde 1987, a revista Forbes publica a lista dos bilionários. De

1987 a 1995 a lista foi liderada por um Japonês. De 1996 a 2009 passou a ser

liderada por um Americano e por último, por um mexicano. Eram 140

bilionários em 1987 e hoje temos 1.400 bilionários (2013). Para uma análise

mais racional sem armadilhas da matemática, vamos analisar uma parte fixa

– vinte milionésimos – dos mais ricos: cerca de 150 pessoas de 3 bilhões no

final da década de 80 para 225 pessoas de 4,5bilhões no final de 2010. Assim

temos que a média da riqueza acumulada deste grupo cresceu de 1,5bilhões

em 1987 para quase 15bilhões em 2013.

Resumindo: a riqueza global tem crescido numa média um pouco mais

acelerada do que a renda. No entanto, as grandes fortunas cresceram bem

mais rapidamente do que a média das riquezas.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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163 Do Ranking dos Milionários Para os “Relatórios da Riqueza Global” Piketty chama a atenção para a falta de estatísticas governamentais ou de

agências econômicas para coletar dados de forma global relacionados com a

riqueza – principalmente sobre os 0.1%, 1% e 10% mais ricos. Ele é obrigado

a consultar fontes pouco confiáveis como os dados da revista Forbes e

outros. Alguns bancos na Europa já estão fazendo estas coletas e análises e

disponibilizando para a comunidade, mas os dados são recentes e não se tem

como fazer análises a médio e longo prazo.

Observando estas diversas fontes de dados podemos concluir que

globalmente a desigualdade de riquezas em 2010 chega ao nível da

desigualdade no alvorecer do século XX. Piketty coloca os percentuais de

renda por faixa dos top decile, etc mas, como ele mesmo diz, são dados bem

imprecisos e de difícil certificação. No entanto, pode-se afirmar que a

concentração de riqueza no âmbito global é bem maior do que a

concentração observada internamente nos países.

Existem duas forças se debatendo neste cenário: uma divergente forçando

ainda mais a desigualdade nos 0.1% e 1% mais ricos e outra força

convergente relacionada à taxa de crescimento dos países mais pobres

sempre um pouco maior do que dos países ricos. É difícil de afirmar qual força

irá superar a outra ou se as duas irão se compensar ou se elas irão ou não

afetar as classes sociais abaixo dos 1% mais ricos.

A bomba relógio da desigualdade está na diferença de retorno do capital

entre os 1 e 0.1% mais ricos que pode gerar uma espiral de desigualdades

que levará a classe média para níveis de pobreza que podem causar

instabilidades sociais. Como será visto adiante, somente uma taxação

progressiva do capital poderá impedir esta espiral da fome.

164 – Herdeiros e Empreendedores nos Rankings da Riqueza Piketty descreve as metodologias das revistas Forbes, Magazine e outras.

Mostra que são metodologias incompletas e pouco confiáveis mas têm o

mérito de, pelo menos fazer o levantamento global – o que os governos ou

mesmos institutos econômicos nunca se arriscaram a fazer. De qualquer

maneira, as pesquisas traçam um cenário onde duas forças se debatem: uma

divergente forçando ainda mais a desigualdade nos 0.1% e 1% mais ricos e

outra força convergente relacionada à taxa de crescimento dos países mais

pobres sempre um pouco maior do que dos países ricos. É difícil de afirmar

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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qual força irá superar a outra ou se as duas irão se compensar ou se elas irão

ou não afetar as classes sociais abaixo dos 1% mais ricos.

165 – A Hierarquia Moral da Riqueza É estéril a discussão se as desigualdades são consequências diretas ou não de empreendedorismo ou por r ser maior que g. Estes dois argumentos não passam de falácias. A lista dos mais ricos do mundo mostra que não é bem a mente empreendedora que eleva os indivíduos ao topo e sim, na grande maioria, sua herança. E a expressão r > g apesar de força divergente não explica totalmente a desigualdade atual. Mas o fator r do retorno do capital ser bem maior para os mais ricos do que para os menos ricos é sim argumento poderoso que, juntando-se ao fato do mundo está iniciando um período de pouco crescimento, explicaria este triste cenário que se vai igualando aos tempos de Balzac.

Até mesmo os empreendedores como Bill Gates com o tempo vão se deslocando de empreendedores para rentistas de forma natural. Bill Gates viu bem confortavelmente em seu sofá de aposentado sua fortuna crescer mais rapidamente do que no tempo em que trabalhava 10 horas ou mais por dia.

Esta é a principal justificativa para se taxar progressivamente as grandes fortunas. Esta taxação seria a única saída para evitar este processo danoso exponencial e ao mesmo tempo preservar a dinâmica do empreendedorismo. Esta ideia será examinada com mais detalhe na parte IV bem como suas limitações.

A abordagem fiscal elimina elegantemente o blábláblá da justificativa moral da riqueza envolta no discurso da meritocracia. Se as grandes fortunas não são totalmente fruto de roubo ou totalmente fruto de méritos, não importa. A taxação progressiva oferece uma forma democrática de controle – o que já é um avanço.

Piketty desmonta a lógica de que grandes milionários se tornaram milionários por mérito próprio citando como exemplo Gates e o Mexicano Slim. Parece coincidência, mas não é: os admiradores de Gates que acreditam que o mesmo é um milionário dado a sua capacidade de trabalho e empreendedorismo são sempre pessoas conservadoras que buscam justificativas para o nível alarmante das desigualdades da atualidade.

Outra justificativa para a taxação progressiva do capital são a grande quantidade de bilionários espalhados pelo mundo onde as origens do capital vêm de roubo como foi o caso do multimilionário Teodorin Obiang que roubou milhões de hectares do povo de Guiné Bissau se tornando um

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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bilionário explorando as florestas daquele país e comprando imóveis, quadros e carros milionários em Paris.

Enfim, as grandes fortunas podem ter origem do bom empreendimento, da herança, do roubo e independentemente da sua origem, ela cresce devido ao desproporcional retorno do capital quando ela chega no topo dos 0.1% mais ricos. Por isso, a solução para este ciclo não se tornar uma perigosa espiral da desigualdade seria a taxação progressiva.

166 – O Retorno do Capital nas Dotações Universitárias Vimos na sessão anterior que o retorno do capital aumenta proporcionalmente com o tamanho da riqueza de quem está investindo, mas os dados para se demonstrar este fenômeno não existem no âmbito governamental e Piketty foi forçado a analisar os dados das revistas Forbes e outras. No entanto, Piketty encontra uma fonte rica e confiável que pode mostrar que este fenômeno é real: os dotamentos universitários dos EUA. Desde 1979 uma instituição chamada National Association of College and University Business Officeres publica os montantes investidos pelas dotações das 850 universidades públicas americanas. Neste montante de dados bem detalhados, encabeça o ranking de maiores dotações para investimentos as seguintes universidades: 1 Havard - US$30milhões 2. Yale - US$ 20milhões 3. Princeton - US$ 15milhões 4. Stanford - US$ 15milhões 5. MIT - US$ 7milhões 6. Columbia - US$ 7milhões 7. Chicago - US$ 7milhões 8. Pennsylvania - US$ 7milhões

As pesquisas publicadas anualmente pela instituição responsável mostram que a taxa de retorno dos investimentos de cada universidade é maior para aquelas onde se detém maiores montantes de dotações. A razão é de certa forma de simples explicação: as Universidades com maiores dotações possuem mais capacidade de contratar melhores gestores para indicar os melhores setores para investir. Este paralelo feito por Piketty tem a intenção de mostrar como a taxa r de retorno do capital tende a ser

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extremamente maior que a taxa g de crescimento nacional da renda à medida que o agente financiador vai acumulando mais e mais capital. Novamente, Piketty destaca que esta lógica leva a uma espiral de desigualdade que só poderá ser interrompida e até retraída se houver em âmbito internacional taxação progressiva do capital.

167 – Qual é o Efeito da Inflação na Desigualdade do Retorno do Capital? Existe ainda uma crença na comunidade econômica de que a inflação é um instrumento de força convergente. Isto é: os rentistas teriam dificuldades de manter um retorno do capital atraente após descontado a taxa da inflação. Não é bem assim. Os valores dos ativos e imóveis em uma sociedade com inflação acima de 4.5% são reajustados e os rendimentos que são gerados a partir deles também aumentam na mesma proporção.

A inflação, na verdade, irá dificultar os rentistas menos enriquecidos (classe média) de ter acesso a formas de investimentos mais lucrativos que compensem a inflação. Estes realmente perdem. Mas os grandes investidores possuem cacife para pagar agentes que irão buscar opções de investimento que preservem o retorno do capital descontado a inflação. No máximo, a inflação irá promover uma pequena distribuição de renda entre os muito ricos (agentes) e os milionários pois os últimos retiram parte do rendimento adquirido para pagar os anteriores.

A ilusão de que a inflação seria uma forma de distribuição de renda talvez esteja relacionada com os métodos do pós-guerra onde os governantes usaram a inflação para diminuir as dívidas públicas.

Piketty não defende uma sociedade com inflação zero (esta questão será discutida na parte IV). No entanto, oferecer a inflação como forma de distribuição de renda é uma falácia perigosa que irá, na verdade, fomentar ainda mais nossa espiral da desigualdade.

O autor bate novamente na tecla da taxação progressiva do capital como a única maneira de amenizar as desigualdades.

168 O Retorno Sobre os Fundos Soberanos: Capital e Política Fundo Soberano: é um instrumento financeiro adotado por alguns países que utilizam parte de suas reservas internacionais

Piketty analisa os fundos soberanos da Noruega e dos países do Oriente Média que tiveram um crescimento substancial nos últimos anos. Na Noruega, o fundo soberano corresponde a 3 vezes as dotações universitárias americanas. 60% dos rendimentos da indústria do petróleo norueguês é

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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direcionado para os Fundos Soberanos e 40% para as despesas governamentais. O custo para manter o Fundo Soberano da Noruega é de 0.1% do seu ativo – 3 vezes menor que os custos das dotações americanas. No entanto, o retorno não parece ser alto. O Fundo Soberano de Abu Dhabi possui um retorno de cerca de 7 a 8%. Já o FS da Arábia Saudita é direcionado para o Bônus do Tesouro Americano – uma opção conservadora de investimento que não ultrapassa 3% ao ano. Talvez, esta opção seja o preço que ela paga para receber proteção política e militar do império. Isto nos

lembra os pagamentos dos pequenos comerciantes ao serviço de segurança prestado por Al Capone na Grande Chicago nas décadas de 20 e 30.

169 Os Fundos Soberanos Dominarão o Mundo? A maior parte dos fundos soberanos pertencem aos países produtores de petróleo. O total destes fundos chegam a U$5.3 trilhões. Lembrando que, de acordo com a revista Forbes, o montante da riqueza dos grandes bilionários chega a U$5,4 trilhões. Somando as duas fontes de riqueza temos apenas 3% do total de riqueza no mundo. Tudo bem. Parece pouco e não precisamos de nos preocupar com isto.

Mas não é bem assim. Grande parte do capital mundial está em forma não líquida. O que não ocorre com o capital dos fundos soberanos de petróleo. Por isso, eles têm um poder bem maior. Além disto, os fundos soberanos acumulam mais riquezas não só a partir dos próprios rendimentos do retorno do capital como também do próprio lucro da indústria do petróleo.

A previsão do preço de barril pode chegar a U$200,00 entre 2020 e 2030. Neste cenário, os países produtores de petróleo podem chegar em 2040 com 20 a 30% de toda riqueza mundial. A reação política e militar dos países ricos do ocidente pode ser imprevisível. Nada garante que este processo de deslocamento da riqueza em direção ao oriente médio ocorreria de forma pacífica.

170 A China Irá Dominar o Mundo? Considerando a lógica onde r sobrepõe com folga g e que isto continue através deste século e somado a isto uma baixa taxa de crescimento da população dos países produtores de petróleo, poderemos ter um futuro meio sombrio onde os fundos soberanos de petróleo iriam comprar quase que o mundo inteiro e simplesmente viver dos rendimentos do seu capital. Diferente da China e Índia. Apesar dos fundos chineses serem consideráveis, a taxa de poupança não alcançaria índices que permitissem que os fundos desses dois países dominassem o mundo. Portanto, o temor da China ou Índia, de certa forma, dominar o mundo neste século, é pouco provável. O

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Oriente Médio, portanto, continuará sendo um caldeirão que não tem perspectiva de esfriar. Pelo contrário.

171 Divergência Internacional, Divergência Oligárquica De qualquer forma, é bem mais possível que, ao invés de fundos ou países passarem a dominar o capital mundial, as grandes oligarquias e os multimilionários o dominem. Assim, não seria a China, mas sim, seus indivíduos multimilionários, não seria os fundos de pensão do oriente médio, mas seus indivíduos multimilionários que teriam bem mais chances de dominar o mundo neste cenário de r > g sem controle público do capital.

Os países ricos são mais ricos do que eles próprios pensam que são. O medo do crescimento chinês é pura fantasia. O total de ativos dos países europeus totalizam 70 trilhões de euros. O total dos fundos soberanos somados às reservas do Banco Central da China somam irrisórios 3 trilhões de euros.

Mesmo assim, existe um sentimento de perda de posses, um medo real do ocidente de perder o controle do capital para os chineses. De onde vem este mito? Em parte, o mito vem da invasão de alguns estrangeiros do oriente e oriente médio no mercado imobiliário da Europa. Apesar de estatisticamente comprarem pouco, talvez o sentimento ufanista faz com que esta participação pareça bem maior. Com isto, gera este temor irracional.

172 Os Países Ricos na Verdade São Pobres? Outro ponto que deve ser destacado se refere aos ativos espalhados pelos paraísos fiscais ficando difícil de identificar a distribuição geográfica das riquezas. E isto parece claro quando se compara os ativos líquidos dos países ricos com o resto do mundo. Eles se tornam negativos. Não significa que os países ricos são pobres, é claro. Significa sim, que boa parte de suas riquezas não conseguimos contabilizar pois estão nos paraísos fiscais. Mesmo assim, Alemanha e Japão estão em posição confortável. Possuem bem mais ativos fora de seu território do que o restante do mundo. E o mais estranho que quando analisamos mais detalhadamente os ativos dos países pobres: também negativos. Caímos no paradoxo do planeta terra todo negativo. Estaríamos devendo para o planeta Marte? Claro que não. Os paraísos fiscais é explicação para este absurdo contábil. Os levantamentos sobre as riquezas nos paraísos fiscais são incertos, mas a estimativa é de que o grosso da riqueza pertença a indivíduos dos países ricos.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Parte 4 – Regulando o Capital no Século XXI

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Capítulo 13 – Um Estado Social Para o Século XXI Analisamos a evolução da riqueza desde os tempos da revolução francesa e

toda estrutura da desigualdade no mundo em particular Europa e EUA. Vimos

que a estrutura da riqueza e dos patrimônios sofreram mudanças profundas

com as duas grandes guerras mundiais diminuindo temporariamente as

desigualdades. Vimos também que os índices de desigualdade voltaram a

aumentar com indivíduos possuindo mais riquezas que um país inteiro. Neste

capítulo iremos analisar as possibilidades de implementação de políticas

públicas capazes de reverter este processo de forma que não seja necessário

esperarmos passivamente por uma terceira guerra mundial (esta sim, global)

para retomarmos vergonhosamente o caminho da justiça social.

173 A Crise de 2008 e o Retorno do Estado Fazendo uma análise dos dados da crise de 1930 e comparando com a crise

de 2007-2008 podemos afirmar que a crise de 30 foi bem mais devastadora.

Enquanto a capacidade produtiva dos países ricos caia 40% e o desemprego

também atingia o mesmo patamar na primeira crise, a atual crise teve queda

de somente 5% da produção nos países mais ricos. Mas isto foi o suficiente

para que fosse considerada a segunda maior crise do capitalismo de todos os

tempos.

A principal razão para que o mundo não sofresse o mesmo colapso de 30 se

deve aos governos e bancos que não deixaram o sistema financeiro explodir

evitando concordatas em série como ocorreu entre 1920-1935. Os bancos

centrais evitaram uma bancarrota, porém, não foram capazes de evitar a

crise e muito menos de impedir o aprofundamento da desigualdade.

1930 teve pelo menos o mérito de trazer o estado para o centro do epicentro

exercendo um papel mais regulador. A taxação das grandes fortunas, por

exemplo, chegou a 80% no início do governo Roosevelt enquanto não passou

de 35% no segundo mandando de Barack Obama.

A participação tímida do governo na atual crise com certeza será o principal

motivo pelos prováveis intervalos que se seguirão de mais crises.

A partir desta última crise, o mundo se dividiu mais ainda entre aqueles que

defendem o fim do estado ou o “estado mínimo” e aqueles que consideram

que o mercado precisa de ser controlado com políticas públicas e maior

participação na economia. De qualquer forma, o mundo precisará dar uma

resposta urgente e desafiadora a um mundo atual bem mais complexo.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Antes de apresentar qualquer possibilidade de saída vamos dar uma olhada

breve na evolução das taxas de impostos e nos gastos públicos desde o final

do século 19.

174 O Crescimento do Estado Social no Século XX Olhando a figura 13.1 a seguir podemos perceber a evolução do estado e sua

participação no dia-a-dia dos indivíduos.

Os impactos da crise de 2008 terem sido menor que os da crise de 1930

também podem ser associados à alta participação do estado na sociedade

neste século em comparação com as primeiras décadas do século passado

como mostra claramente o gráfico:

Na presente sessão Piketty detalha os percentuais de gastos dos estados

atuais em educação, saúde, seguro desemprego e aposentadoria mostrando

que o total de gastos sociais chegam a 25-35% da renda nacional.

175 Redistribuição Moderna: Uma Lógica de Direitos Resumindo: a redistribuição moderna não consiste em transferência de

renda do rico para o pobre de forma explícita. O que ocorre atualmente é o

financiamento de serviços públicos que podem ser oferecidos de forma igual

para toda a população e assim, nivelando de certa forma, a qualidade de vida

entre as diferentes camadas sociais. A redistribuição moderna da renda está

fundamentada no princípio dos direitos fundamentais iguais para todos

historicamente reafirmados tanto na revolução francesa quanto na

declaração dos direitos da constituição americana. Ambas afirmaram

igualdade de direitos como princípio absoluto. Mas na prática, o sistema

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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político que se desenvolveu à revelia destas revoluções no século 19 se

preocuparam mais em proteger o direito de propriedade.

176 Modernizar o Estado Social e não o Desmantelar Esta nova forma de redistribuição criada pelos estados europeus no século

passado baseada na educação, saúde e aposentadoria elevando as taxas para

patamares acima de 40% do PIB tem seus problemas, desafios e limitações

mas marcaram um avanço histórico significativo da sociedade e apesar de

todos conflitos partidários e ideológicos que giram em torno desta questão,

este novo paradigma se tornou um consenso. Não existe qualquer

movimento político sério que reivindique a volta de um estado com um

orçamento com menos de 30% da renda nacional.

Considerando que os impostos são arrecadados e gastos com transparência

para o bem de toda a população não existiria lógica em não se concordar em

aumentar os gastos para 2/3 ou ¾ de toda renda nacional de uma nação. Mas

temos pelo menos duas boas razões para afirmar que isto não ocorrerá no

decorrer do século 21.

Primeiramente, durante o século XX, a taxa de crescimento mundial girava

em torno de 5% bem acima das taxas atuais. O mundo se tornava mais rico

enquanto a participação do estado era mínima até o final da segunda guerra

mundial. Este ambiente foi propício para que o estado assumisse um papel

protagonista do bem-estar social saltando dos 20% do PIB em arrecadação

para 40-50% após a segunda guerra. Hoje o cenário é bem diferente uma vez

que nos encontramos numa fase de baixo crescimento do PIB com

perspectiva de longo prazo. Com baixo crescimento fica mais difícil do estado

querer reivindicar ainda mais elevação de impostos. Soma-se isto com as

novas necessidades do mundo consumista. As pessoas necessitam de mais

dinheiro para viajar, comprar novos produtos de tecnologia, adquirir roupas,

etc. A sociedade precisa de escolher as prioridades entre os diferentes tipos

de necessidades.

Além disto, novas formas de organização nem totalmente públicas nem

privadas irão evoluir durante este século de forma a melhorar a gestão

financeira dos recursos sociais antes que 2/3 ou ¾ da renda nacional sejam

direcionadas para o setor.

A questão sobre a eficiência do estado e como as organizações podem evoluir

a longo prazo foge ao escopo deste estudo. Contudo, iremos analisar mais de

perto a questão do acesso igual à educação, principalmente às universidades

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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e logo após, analisar os planos públicos de aposentadoria com contribuição

antecipada (pay-as-you-go) em um mundo de baixo crescimento.

177 As Instituições Educativas Possibilitam a Mobilidade Social? Um dos objetivos dos gastos públicos com educação é promover a

mobilidade social. Mas será que as instituições públicas estão cumprindo

este papel?

As escolas superiores se proliferaram. Os meios de produção passaram a

exigir mais conhecimento específico, mais tecnologia e a educação

respondeu satisfatoriamente. O nível escolar no ambiente de trabalho é mais

sofisticado atualmente. Portanto, de acordo com dados disponíveis isto não

foi suficiente para possibilitar uma maior mobilidade social. Pelo contrário: a

mobilidade é hoje menor do que nos tempos anteriores ao boom

tecnológico. Os países com maior mobilidade social são os nórdicos e o de

menor mobilidade, os EUA – entre os mais ricos do mundo. Entre estes

extremos se encontram Alemanha, França e Inglaterra. Lembrando que este

cenário mostra uma inversão a qual já foi destacada em capítulos anteriores:

na época das colônias, a terra prometida que garantia ascensão social a partir

do trabalho era os EUA e os países Europeus primavam pela máxima do

conservadorismo.

Os números da Universidade de Havard mostram que a meritocracia não é

um critério para admissão de seus alunos. A média salarial dos pais dos

alunos é de U$ 450.000,00 o que corresponde à média salaria dos 2% mais

ricos dos EUA.

Mas o problema da falta de igualdade de oportunidades e igualdade de

acesso às universidades é uma epidemia mundial onde nenhum país

conseguiu dar uma resposta satisfatória. Creio que o governo Lula / Dilma

deram uma resposta satisfatória a este desafio ao implementar projetos

unificados na área; ENEN, Ciências Sem Fronteira, Fies, Lei de Cotas e outros.

Depois apresentaremos estes programas para o nobre economista que cita o

Brasil somente duas vezes em seu livro.

De qualquer forma, a questão é bem complexa: não existe uma fórmula

mágica para se atingir uma igualdade real de oportunidades para se alcançar

o ensino superior.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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178 O Futuro das Aposentadorias: as Contribuições Previdenciárias em Época de Fraco Crescimento Geralmente os planos públicos previdenciários são do tipo pay-as-you-go,

isto é: a parte descontada na folha do trabalhador já é direcionada para pagar

os trabalhadores já aposentados. Diferente dos planos de saúde particulares

onde as contas são personalizadas. Por definição, o tipo PAYGO oferece, por

definição, um retorno igual à taxa de crescimento da economia: a

contribuição disponível para pagar a aposentadoria de amanhã aumenta à

medida que a média salarial aumenta. Este sistema é, na verdade, virtuoso e

promove a harmonia entre as gerações pois é interesse de quem está na ativa

que as crianças tenham uma boa educação para obter um bom emprego para

pagar sua aposentadoria e que a taxa de crescimento esteja sempre a

crescer.

Mas o cenário atual é bem diferente do cenário do pós-guerra quando o

plano PAYGO foi implantado. Na época, além da taxa de natalidade ser alta,

a taxa média de crescimento mundial girava em torno de 5%. Ambiente ideal

para um plano onde o valor contribuído vai diretamente para o trabalhador

já aposentado. Hoje, o retorno do capital girando em torno de 5% e a taxa de

crescimento da economia em torno de 1,5% forçarão os planos de

aposentadoria migrar de PAYGO para planos de capitalização individuais. O

grande impasse é passar de um plano para o outro pois muitos trabalhadores

que já contribuíram ficariam prejudicados. Além do mais, os planos de

capitalização ficam na dependência da volatilidade do mercado financeiro.

De qualquer forma, os planos de aposentadorias que foram arquitetados

quando a expectativa de vida girava em torno de 60-70 anos agora encaram

uma realidade bem diferente onde a expectativa de vida sobe para 89-90

anos. Elevar a idade para se aposentar não é uma saída simples nem mesmo

igualitária. Os trabalhadores mais especializados tendem a querer trabalhar

bem além da idade de se aposentar. Os trabalhadores menos especializados

geralmente começam a trabalhar mais cedo e não querem e nem conseguem

estender sua idade de aposentadoria. Os países que estão tentando mudar

esta política sofrem resistências importantes por este motivo. (É o que está

ocorrendo na era Temer aqui no Brasil).

O desafio dos estados é construir um sistema de aposentadoria unificado

com leis claras e iguais para todos os trabalhadores com conta individual de

forma que o trabalhador saiba o quanto ele irá receber quando aposentar.

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179 O Estado Social nos Países Pobres e Emergentes Os impostos arrecadados pelos países ricos montam valores sempre

próximos de 45-50% ou até mais da renda nacional. Estes montantes, na

verdade, eram até menores e evoluíram no decorrer do século 20. No

entanto, os países emergentes e pobres a situação se inverte: a maioria deles

não arrecadam mais que 15% de sua renda nacional.

Uma análise histórica mostra que os países ricos têm um importante papel

neste cenário triste. A forma como se deram as independências de cada país

onde fronteiras artificiais foram impostas, onde muitos dos ativos dos países

continuaram nas mãos dos países imperialistas além de formas de governos

impostas pela guerra fria contribuíram sobremaneira para a criação de

estados fracos e corruptos. De qualquer maneira, as formas como os estados

sociais dos países pobres e emergentes irão evoluir é uma questão

fundamental para o futuro do planeta.

Capítulo 14 – Repensando o Imposto de Renda Progressivo O imposto progressivo e o imposto sobre herança foram as principais

inovações do século XX para diminuir a desigualdade social. No atual século,

estas duas instituições estão ameaçadas. Piketty irá analisar em mais

detalhes estes dois tipos de impostos numa perspectiva progressiva de

cobrança e o papel fundamental desta forma de tributação para se alcançar

uma sociedade mais igual e redistribuída.

180 A Questão da Tributação Progressiva Tributação não é uma questão técnica. É sim, uma questão política, filosófica

e cultural. Talvez, a questão mais importante de qualquer questão política.

Sem tributação, ações coletivas seriam impossíveis e as sociedades não

conseguiriam visualizar um destino comum.

Em todas revoluções políticas da história encontramos uma revolução fiscal

correspondente. O antigo regime francês foi varrido do mapa após as

assembleias revolucionárias abolirem os privilégios fiscais da aristocracia. A

expressão “No taxation without representation” presente na independência

dos EUA também ilustra esta afirmação.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Distinguimos três tipos de tributação: tributação de renda, de capital e de

consumo. A tributação de consumo é chamada de tributação indireta pois

não incide diretamente na renda ou no capital. Ela é paga indiretamente no

momento da venda/compra de um bem.

Para além destas retóricas de definições, o importante é classificar os

diversos tipos de impostos em progressivo, proporcional ou regressivo. Se

progressivo, quanto mais se ganha ou quanto mais se tem ou quanto mais se

consome, mais impostos se paga. Se progressivo, as taxas são proporcionais

ao ganho e se for regressivo, quanto mais rico menos se paga. Aliás, foi o

famoso “pool tax” onde Margareth Thatcher defendia o imposto regressivo,

que a tirou do cargo de primeira ministra em 1990.

A maioria das tributações governamentais podem ser classificadas como

proporcionais e, politicamente, não é fácil de se implantar sistemas

tributários que fogem à esta regra. Os tributos progressivos foram um dos

principais responsáveis em evitar que o capital chegasse ao patamar da Belle

Époque e, ao mesmo tempo, os tributos progressivos, são os principais

motivos que explicam as grandes fortunas atuais.

A guerra dos tributos entre países na era do capital sem fronteiras está

fazendo com que muitos países passem a isentar o grande capital como uma

forma de fixar o capital no país. Com isto, existe uma tendência forte da

evolução da tributação regressiva tornando a perspectiva futura ainda mais

sombria em relação às desigualdades.

A existência de um estado social ainda significativo e protetor exigirá que as

tributações não evoluem para regressivas e voltem, no mínimo para um

sistema progressivo. Fica ainda mais incerto o futuro do estado social quando

olhamos para o sistema de tributação dos patrimônios. As heranças sofrem

ainda mais com a síndrome da “curva em forma de sino” onde a taxação cai

à medida que os ativos herdados valem mais.

181 O Imposto Progressivo no Século XX: Um Efêmero Produto do Caos O imposto progressivo no século XX foi uma realidade devido ao choque das

duas grandes guerras mundiais como mostra a figura 14.1 a seguir. A alíquota

de imposto para os mais ricos na França, por exemplo, era de apenas 2% em

1914. Logo após o fim da primeira guerra a alíquota já chegava aos patamares

modernos de 50% chegando a 72% em 1924. Vinte anos após o final da

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segunda guerra mundial as alíquotas da tributação de grandes fortunas

voltam a se estabilizarem em torno de 40-50%.

182 Tributação Progressiva na Terceira República Terceira República Francesa: iniciou-se em 1870 durante a guerra Franco-

Prussiana e terminou em 1940 com a invasão da Alemanha.

Durante a terceira república a França, apesar de afirmar os ideais da

revolução, além de retroceder com o sufrágio universal masculino em 1871

relutou em implantar tributação progressiva sobre salários ou capital.

Somente após o final da segunda guerra mundial que as alíquotas reagiram

progressivamente. O mais interessante era perceber que durante a terceira

república, a elite econômica usava o argumento de que a França era um país

igualitário e, portanto, não precisava de política de tributação progressiva.

183 Tributação Confiscatória da Alta Renda: Uma Invenção Americana EUA e Inglaterra nos períodos entre guerras lançaram mão de tributações

progressivas mais que os demais países da Europa – principalmente os EUA.

A alta taxação das grandes fortunas não tinha nenhum objetivo de buscar

novas receitas. O objetivo era tentar desmotivar as grandes fortunas para

não criar conflitos sociais e manter tentar manter os princípios do ideal

americano de igualdade.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Logo após a primeira guerra muitos americanos começaram a se preocupar

com o caminho de extrema desigualdade que os EUA estavam se dirigindo.

Os americanos reagiram à esta escolha pela desigualdade logo após a

primeira guerra. Em 1919 os americanos com alta renda já eram taxados em

70% de tributos federais. E, em 1933, Roosevelt também taxa os imobilizados

acima de 70%.

A onda da super tributação chega na Inglaterra. Em 1942 a alíquota sobre a

renda subiu para 80% e em 1944 alcançava o valor astronômico de 94% se

estabilizando em 90% até o início da década de 60. A média da tributação

das grandes fortunas nos EUA entre 1932-1980 alcançou nada mais nada

menos que 81% da renda.

184 A Explosão dos Salários dos SuperGerentes: O Papel da Tributação A partir da década de 70 os EUA e a Grã-Bretanha diminuíram suas alíquotas

de impostos sobre os mais ricos diferentemente da Alemanha e França. Este

comportamento conservador dos dois países está diretamente relacionado

com o sentimento de ameaça devido à reação econômica de outros países.

Esta recuperação econômica do Japão, China e outros países criou um

ambiente propício para a implantação de políticas conservadores e

concentradoras de renda nas gestões de Ronald Reagan e Margareth

Thatcher.

Com a queda das alíquotas sobre os mais ricos, os salários dos grandes

gestores começaram a subir. Até a década de 80 não era de interesse deles

forçar um salário mais alto, pois grande parte iria diretamente para o

governo. Com o leão mais manso sobre os salários astronômicos, estes

gestores conseguiram convencer as partes interessadas das grandes

organizações (conselheiros, acionistas, etc.) de que a produtividade marginal

de seus trabalhos seria diretamente proporcional aos salários reivindicados.

Assim, nascia o fenômeno dos salários astronômicos dos executivos

americanos.

Já foi mostrando em sessões anteriores que este alto salário não é algo

meritocrático. Sabemos que o PIB per capita dos países desenvolvidos não

aumentou em nada com o advento desses super-salários. Piketty, Emmanuel

Saex e Stefanie Stantcheva fizeram pesquisas que foram além de

comparações internacionais para mostrar que a grande ascensão dos salários

dos supergestores é simplesmente uma questão de alíquotas bondosas. A

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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única forma de resolver esta questão seria o retorno das alíquotas mais

pesadas como ocorriam antes da década de 80.

185 Repensando a Questão da Taxa Marginal Superior Tais pesquisas mostraram que uma alíquota nas rendas dos 1% mais ricos

não só é possível como também seria a única saída para conter a ascensão

dos altos salários. De acordo com as estimativas desta pesquisa, 80% seria a

alíquota ótima para resolver de vez esta questão. Na verdade, a receita não

iria melhorar uma vez que os salários desses milionários iriam migrar para

faixas menores. Por isto, faixas menores também deveriam sofrer aumentos

de taxas na ordem de 60% - estamos falando em salários de U$200.000,00

trazendo impactos positivos para as receitas dos estados.

Mas Piketty não é nada otimista em relação à implementação desta visão da

alíquota progressiva. Pelo contrário: aqueles que deveriam mudar as leis que

são representantes legitimados pelo sufrágio universal estão no topo da

cadeia dos rendimentos. Tal ideia foi implantada no século passado graças

aos choques tanto econômicos quanto psicológicos das duas grandes

guerras. A tendência, segundo Piketty, é de um século XXI mais parecido com

a Belle Époque do que com os tempos dourados dos anos 60 onde o capital

deu uma arrefecida mitigando um pouco as desigualdades.

Capítulo 15 – Um Imposto Global Sobre o Capital Para regular o capitalismo patrimonial no século XXI não bastará rever o

modelo fiscal e social do século XX e adaptá-lo aos dias atuais. Fundamental

que duas ações sejam tomadas: tributação progressiva e volta de um estado

social forte. Mesmo que a democracia se sobreponha ao poder do mercado

financeiro, ela terá que se reinventar. Uma questão central deverá ser

atacada: o controle financeiro internacional com total transparência. Piketty

analisará mais detalhadamente a questão da tributação progressiva e

posteriormente fará algumas reflexões acerca do controle internacional do

capital.

186 Um Imposto Global Sobre o Capital: Uma Utopia Útil Uma tributação global sobre o capital é uma ideia utópica. A implantação

desta ideia é realmente de difícil execução. Uma forma de torná-la exequível

seria implementar por região começando na Europa, por exemplo. Não

podemos esquecer que a tributação progressiva que ocorreu entre as duas

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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grandes guerras também era algo impensável e totalmente utópica no final

do século XIX e início do século XX. A proposta de Piketty é tributar

globalmente o alto capital de forma progressiva e todos os tipos de capital

incluindo os ativos. Para se ter uma estrutura fiscal de tributação mundial

com o mínimo de distorções possíveis será necessário tirar lições dos

diversos tipos de tributação que falharam ou que são casos de sucesso. Os

países de língua inglesa possuem sistemas distintos dos sistemas da França

que por sua vez são diferentes dos interessantes sistemas de tributação da

China, etc.

187 Transparência Democrática e Financeira A proposta de criar uma tributação global não tem como objetivo aumentar

as receitas do estado nem substituir as demais formas de arrecadação já

existentes. O propósito principal seria a regulamentação do mercado

financeiro. O objetivo primeiro seria interromper o aumento incontido da

desigualdade de riquezas e segundo, impor uma regulação efetiva no sistema

bancário para evitar as crises cíclicas. Para alcançar tais objetivos o sistema

global de tributação precisa promover transparência financeira

democrática.

A transparência é fundamental pois se a tributação é global como saberíamos

que a arrecadação sobre grandes riquezas está gerando os valores corretos

caso os países não ofereçam relatórios e dados confiáveis?

Com a transparência tal tributação forçaria os governos a ajustar os acordos

internacionais relacionados aos compartilhamentos de dados entre bancos.

O princípio é simples: as autoridades de cada país responsáveis em recolher

esses impostos receberiam toda informação necessária para efetuar os

cálculos das bases do imposto de cada cidadão. E considerando que a taxas

seria relativamente pequena (0.1%), os milionários optariam em pagar

evitando problemas fiscais com as autoridades tanto nacionais quanto

internacionais.

188 Uma Solução Simples: Transmissão Automática de Informações Bancárias O primeiro passo para se implantar a tributação global será estender a nível

internacional todas as transações bancárias para que cada país tenha o

controle dos ativos dos contribuintes.

A missão não é simples, mas já foram dados os passos iniciais para alcançar

este objetivo. O Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA) dos EUA já

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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prevê que todos os bancos mundiais informem as transações e ativos dos

contribuintes americanos. A União Europeia também possui algum tipo de

controle não tão rígido quanto o FATCA, mas já é um início. De qualquer

forma, os controles atuais são insuficientes. Seria necessário implantar

penalidades não só aos bancos como também aos países que se recusarem a

prestar contas.

189 Qual o Propósito de um Imposto Sobre o Capital? Com a tributação progressiva, o estado se contentaria com 0.1% sobre o

capital ou uma alíquota mais substancial seria necessária? A questão deve,

na verdade, ser colocada de outra forma: qual é, afinal, o objetivo da

tributação progressiva do capital? Primeiramente, é importante destacar que

existem duas justificativas para se aplicar tabela progressiva: contributiva e

incentivada.

A ideia contributiva é simples: a taxação não pode ser feita somente sobre a

renda, mas necessariamente sobre os rendimentos originados desta renda.

Por exemplo, um bilionário que possui 10 bilhões de euros terá um

rendimento de 500 milhões de euros/ano. Tal indivíduo, por mais bom gosto

possa ter, não conseguirá gastar estes 500 milhões de euros. Este retorno do

capital, portanto, precisa ser tributado de forma progressiva. Os sistemas

atuais esquecem este tipo de tributação e assim, ao invés de fazerem o

importante papel de distribuição de renda, os sistemas estão fortalecendo a

lógica da desigualdade.

A outra justificativa para a implementação da tributação progressiva se

baseia na ideia do incentivo. A ideia básica é a seguinte: taxar capital

incentiva buscar o melhor investimento e, portanto, o melhor retorno do

capital para compensar o imposto que será cobrado posteriormente. Por

exemplo, uma alíquota de 1-2% sobre um capital onde o empreendedor

consegue um retorno de 10% é um imposto pouco significativo. Assim, o

capital nas mãos de empreendedores acomodados tende a ser transferido

para empreendedores mais arrojados fazendo com que ele tenha uma

participação mais ativa nos processos de produção.

Por outro lado, sabemos que o retorno do capital é uma grandeza volátil e

que o próprio empreendedor, por mais competente que seja, não tem total

domínio sobre ele. Por isso, a tributação deve ser feita não somente sobre o

capital. São três os pilares na tributação progressiva que se complementam:

tributação sobre herança, capital e renda.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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190 Um Projeto para Tributação da Riqueza na Europa Qual seria o plano de implantação para um sistema de implantação global e

o que este sistema poderia nos trazer de ganhos? Primeiramente teríamos

que tributar as grandes heranças uma única vez a cada geração. A tributação

das grandes propriedades poderia gerar em torno de 0.5 a 1% de rendimento

tributário considerando que o valor assumido do retorno do capital dessas

propriedades gira em torno de 3 a 5%.

O próximo ponto é importante. O alto nível de riqueza privada que impera

hoje na Europa trará uma receita considerável com a tributação progressiva.

Aplicando a tabela abaixo, por exemplo, teríamos uma receita líquida de 2%

do PIB europeu.

Riqueza em Euros Alíquota Progressiva

Até 1 milhão 0%

Até 5 milhões 1%

Acima de 5 milhões 2%

Tanto a FATCA quanto a União Europeia não têm a intenção de trabalhar com

tributação progressiva. O objetivo deles não vai além de informar às

autoridades sobre os ativos dos contribuintes para diligências internas

relativas à sonegação.

191 Tributação de Capital Em Uma Perspectiva Histórica Nos tempos da Grécia antiga Aristóteles destacava que juros significava tocos - criança em grego. Aristóteles afirmava que dinheiro não poderia fazer nascer mais dinheiro. Isto nos idos anteriores à Idade Média. A partir da Idade Média e até os dias atuais, obter mais riquezas a partir do capital sem exercer qualquer esforço nunca foi considerado algo imoral, antiético ou ilegal. O princípio geral dos juros desde então se tornou inquestionável. A consequência em se aceitar os juros como algo normal e natural vez com que o capital se reproduzisse também naturalmente perpetuando as desigualdades e concentrando cada vez mais a riqueza. A solução apresentada por Karl Marx para este problema foi colocada em prática na antiga União Soviética. O Capital foi apropriado pelo estado e o

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retorno privado caiu a 0%. Mas a questão de uma classe burocrática responsável em administrar todo o capital que um dia estava nas mãos dos indivíduos trouxe um custo que, no final, todos nós sabemos qual foi o resultado. Tributar progressivamente o capital ao invés de torná-lo totalmente centralizado no estado é uma solução mais inteligente e eficaz. É a única resposta para a desigualdade r > g. Piketty faz um resumo dos sistemas de tributações atuais mostrando suas falhas e a eficácia zero para tentar resolver o problema do acúmulo do capital. Por fim, mostra que a tributação global progressiva do capital é uma ideia nova que precisa ser discutida democraticamente por todos os líderes e organizações mundiais para a sua implementação.

192 Formas Alternativas de Regulação: Protecionismo e Controles de Capital Não temos outra forma de controlar o capital a não ser com tributação

progressiva. Outras formas estão sendo utilizadas, mas sem sucesso. As

formas são o protecionismo e o controle de capital. O protecionismo como

forma de proteger setores de econômicos de um país de problemas de mão

de obra escrava e processos comerciais ilegais de outros países é

perfeitamente justificável e uma ferramenta que deve ser usada. Mas o

procedimento não muda em nada o controle do capital, apenas fortalece

determinados setores sem ocorrer diminuição de desigualdades.

Outro procedimento é o controle do capital. Após a queda do muro de

Berlim, os economistas do capital entraram em êxtase e suas corporações

foram juntas. O FMI e a OCDE mandaram às favas os controles de capitais e

propagaram a ideia de autocontrole da economia. Com isto, o capital nadou

de braçada nos países do terceiro mundo aumentando ainda mais as

desigualdades entre as nações.

193 O Mistério da Regulação do Capital Chinês Nem todos países caíram no canto da sereia do livre fluxo de capitais. A China

é um bom exemplo. O controle de ações é rígido e o estrangeiro não pode

ter controle majoritário sobre ações. Da mesma forma para a saída de capital

que é totalmente controlada. Além disto, as tributações do capital na China

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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são mais progressivas que nos países desenvolvidos e a receita originada são

investidas em educação, saúde e infraestrutura. Sem dúvida, apesar de ser

um sistema pouco, a tributação na China tem mais chances de se tornar um

sistema progressivo como sugerimos do que os sistemas europeus.

194 A Redistribuição das Receitas do Petróleo A distribuição mundial dos recursos mundiais principalmente o petróleo é

um fator complicador da regulação internacional do capital. Se a terra fosse

uma simples e única comunidade democrática, os recursos poderiam ser

distribuídos de forma mais igual. Como o mundo não é este, a distribuição de

recursos naturais é feita quase sempre na imposição de fronteiras artificiais

e muitas vezes na força explícita da guerra. As regiões com poucos recursos

sofrem com a pobreza e os países no oriente médio que possuem muitos

recursos - quase sempre construídos sob fronteiras impostas pelos impérios

- não utilizam a renda oriunda desses recursos para melhorar a educação,

infraestrutura ou saúde.

Uma nova sistemática do controle de capital deverá encontrar meios de

alcançar uma distribuição mais justa dos rendimentos do petróleo seja

através de obrigações fiscais, impostos ou ajuda internacional com o objetivo

de dar oportunidade aos povos carentes de todos países de usufruir da

riqueza do planeta.

195 Redistribuição Pela Imigração A imigração é um caso oposto ao problema dos recursos naturais. Mover

capital é bem mais complexo e envolve mais conflitos de interesses do que a

imigração. É bem mais simples permitir deslocamentos de mão de obra de

uma região ou país com salário menor para uma região com salário mais alto.

Aliás, esta foi a grande contribuição dos EUA para a história da distribuição

de renda mundial. No início da colonização o país possuía 3 milhões de

habitantes. Hoje são 300 milhões. A imigração força o capital a não se

acumular tanto e torna suportável o ambiente de desigualdades. Os

imigrantes nos EUA apesar de estarem em posição bem inferior do que a

média da renda nacional, se sentem, de certa forma, confortáveis, pois, nos

seus países de origem estariam ainda piores. Isto suaviza os conflitos de

classe.

É claro que a imigração mitiga um pouco o problema da desigualdade, mas

não resolve a questão. Parte da desigualdade em um país pobre é deslocada

para um país mais rico. No entanto, a tendência de concentração de renda

continuará caso não se contenha o capital a partir de tributação progressiva.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Caso não se tenha estados sociais fortes e globalmente não se construa um

sistema de regulação do capital, a imigração continuará sendo um tema

tratado com ódio e nacionalismo. A África passaria a ter vantagens em

relação à imigração, por exemplo. Com tributações internacionais mais justa

não teríamos o débito atual da África onde os valores que saem do

continente são maiores que os valores de ajuda que entram.

Capítulo 16 – A Questão do Dívida Pública Existem apenas duas formas de um governo financiar suas despesas: com

impostos ou com débitos. É claro que usando a segunda forma, tem-se a

vantagem de não se ter custo de arrecadação mas chega um momento em

que o compromisso deve ser quitado. Dependendo dos juros praticado, a

segunda forma faz com que as riquezas migrem sempre para o lado daqueles

que possuem o capital para emprestar. Existe situações em que seria

interessante o uso do débito público. Atualmente estamos em um ciclo de

débitos. Todas as grandes nações estão com dívidas equivalentes ao valor de

seu PIB. Por outro lado, os países pobres estão com dívidas públicas que

giram em torno de 30% do PIB. Dívida pública não é indicador de riqueza de

um país como mostra o exemplo acima. Não passa de transferência de

riqueza do setor público para o privado e vice-versa. Europa vive hoje um

paradoxo: continente com maior riqueza privada do planeta e uma extrema

dificuldade em resolver suas dívidas públicas.

196 Reduzindo a Dívida Pública: Impostos Sobre o Capital, Inflação e Austeridade O estado pode seguir três caminhos para diminuir sua dívida. A mais

adequada sem dúvida é a tributação progressiva e controle do capital

principalmente na Europa onde quase todo líquido positivo de capital se

encontra no setor privado. Outra solução, como no passado, é fazer uso da

inflação para transferir riquezas do setor privado para o público. A forma

menos aconselhada é a que está sendo feita hoje na Europa: austeridade

prolongada. Considerando que a soma dos ativos dos estados europeus com

os débitos está próxima de zero, como eles conseguiriam zerar seus débitos?

Vendendo seus ativos?

A dívida pública do Brasil já está em 67% do PIB (setembro 2016). E este é o

raciocínio da direita brasileira ou como diria Marx, do lupem burguês: vender ao

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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máximo os ativos do estado para liquidar o débito público e levar um por fora, é

claro.

E é evidente que esta não é a solução. Se os ativos são vendidos, toda nação

irá pagar aluguel para usar os ativos que foram vendidos aos compradores

que são, é claro, os 10% dos capitalistas que possuem mais de 60% das

riquezas domésticas dos países. Assim, a dívida pública volta a crescer e a

concentração de renda alcançaria níveis alarmantes que faria inveja aos

indicadores da Belle Époque.

Voltamos à tecla que temos que pressionar incansavelmente: a solução mais

racional e justa é cobrar taxas excepcionais do capital que no caso da maioria

dos países no mundo está sob a tutela do mundo privado.

197 A Inflação Redistribui Riquezas? Sem dúvida, a melhor forma de diminuir grandes montantes de dívidas

públicas seria a tributação progressiva ao capital. Mas uma outra maneira já

foi utilizada com sucesso principalmente no final da segunda guerra mundial.

Os títulos das dívidas públicas geral são ativos nominais – isto quer dizer que

são valores pré-fixados livres do fator inflacionário. Assim, o governo da

Alemanha, por exemplo, logo após a segunda guerra mundial financiou sua

reconstrução com dinheiro usando a inflação para fazer acontecer um alto

fluxo de capital do setor privado para o público sem aumentar sua dívida pois

os títulos para captar dinheiro no mercado não eram indexados na alta

inflação da época.

Curiosamente temos o Banco Central dos EUA, o Banco Central do Japão e o

Banco Central da Inglaterra tentando aumentar a inflação atualmente para

tentar aliviar os débitos públicos desses países que giram em torno de 229%,

104% e 89% respectivamente – ver tabela de dívida pública mundial na

sessão 47. Caso sejam bem-sucedidos, estes 3 países se recuperarão bem

mais rápido do que os países da zona do Euro.

Dado o estratosférico débito público da maioria dos países desenvolvidos,

além de uma necessária e excepcional taxação do capital, será necessário

usar também a inflação para se livrarem mais rapidamente de suas dívidas.

Um exemplo de que a austeridade não seja o caminho correto para se sair de

crises pode ser visto na história da Inglaterra. Após as guerras napoleônicas

a dívida deste país foi equilibrada com superávits primários de 2-3% do PIB

somente depois de 99 anos – 1814 a 1913! Lembrando que na época a

inflação na Inglaterra era mínima contribuindo para este período eterno de

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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acertos fiscais. Não foi à toa que Inglaterra ficou estagnada economicamente

todo este período (ocupando-se somente em enriquecer ainda mais os credores

privados da época).

Usar a técnica da inflação para diminuir dívida pública pode ser uma faca de

dois gumes. Depois que a inflação é instalada ela fica difícil de se controlar.

Na França a inflação chegou a 50% entre 1945 e 1948 e na Alemanha em

1923 os preços das mercadorias chegaram a se multiplicar por 100 milhões!

Além disto, a inflação é um fardo para os pequenos poupadores não

empreendedores pois capital parado é o mais penalizado em épocas de

inflação.

Concluindo, a inflação poderia ser usada para reduzir a dívida pública, mas o

desafio dos governantes seria mantê-la sob controle e, para que os pequenos

investidores não sejam tão penalizados, mantê-la alta por pouco tempo e,

após se resolver a dívida, promover políticas distributivas para compensar

possíveis perdas da população. De qualquer forma, sem a taxação

excepcional do capital, qualquer procedimento apenas jogará lenha na

fogueira dos fatores divergentes de desigualdade.

198 Qual o Papel dos Bancos Centrais? Para melhor entender o papel da inflação e principalmente dos bancos

centrais na regulação do capital temos que voltar um pouco na história antes

da atual crise para uma análise mais ampla. Antes, quando o ouro era o

padrão de todas as moedas – antes da primeira guerra mundial – os bancos

centrais tinham uma importância bem menor na economia. O poder de criar

dinheiro estava sempre limitado na quantidade de ouro ou prata que se tinha

em estoque. Reside problemas sérios no padrão ouro. O sistema se

desestabiliza quando o PIB mundial aumenta e as descobertas não. Ou

quando se descobre muitas reservas de ouro ou prata enquanto o PIB se

estabiliza causando aumento de preços e ganhos para alguns e muitas perdas

financeiras para outros. Com certeza, o padrão ouro nunca mais volta para

ser a base de controle monetário mundial. Keynes se referia ao ouro como

uma relíquia bárbara.

Se o ouro não é base para geração de moedas, o Banco Central passa a ter

um poder imenso sobre a economia e precisa, portanto, ser regulamentado.

Esta é a questão central da discussão sobre a independência ou não do Banco

Central. Deixá-lo solto e autônomo é transferir poder de instituições

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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democráticas eleitas diretamente para grupos tecnocratas que não passaram

no crivo de nenhum escrutínio.

Apesar do debate acirrado, hoje é consenso que o Banco Central tem um

papel de garantir saúde financeira das economias. O papel dele é evitar

bancarrotas e garantir liquidez. Na crise de 1930 quando o Banco Central

ainda digeria o poder que lhe foi dado de geração de moeda, a bancarrota

foi generalizada por falta de liquidez. O Banco Central dado sua imaturidade

– o padrão ouro tinha sido banido há pouco tempo – não cumpriu seu papel

regulador. Esta foi a principal causa da crise de 30 ter sido bem maior que a

crise de 2008.

Para Friedman, a solução para qualquer crise econômica se encontra única e

exclusivamente em controles monetários, isto é, controle de emissão de

moedas. Para Friedman e todos monetaristas que formaram a base do

liberalismo que se alastrou no final da década de 70, o New Deal que tirou os

EUA da crise foi uma farsa custosa e inútil.

Mas sem entrar na discussão de política monetarista liberal X keynesiana,

todos são unânimes: o papel do Banco Central é garantir liquidez e segurança

no mercado impedindo bancarrotas e crises como a de 1930.

Mas hoje afinal, o que os Bancos Centrais fazem? É importante destacar que

eles não produzem riqueza, mas a distribuem. Ao efetuar um empréstimo de

alto valor para uma determinada organização, ocorre uma dança de ativos e

passivos, mas o capital total do país continuará inalterado.

Para resolver pânicos financeiros, crises de guerra ou desastres naturais a

melhor ferramenta é o Banco Central que pode imprimir milhões de cédulas

para um financiamento rápido e resolver a questão pontual. Outras soluções

são morosas e não apropriadas dado a urgência. Criar um novo imposto ad-

hoc, aguardar sua tramitação no congresso, etc não é uma solução

inteligente para momentos de crise.

199 A Crise cipriota: Quando a Tributação do Capital se Junta à Regulação Bancária O caso da Grécia é extremo e exemplar. Exige-se da Grécia que ela faça os

mais ricos pagarem mais impostos. Trata-se sem dúvida de uma excelente

ideia. O problema é que, na ausência de uma cooperação internacional

adequada, a Grécia, evidentemente, não tem os meios para arrecadar,

sozinha, um imposto justo e eficaz, pois é muito fácil para os seus cidadãos

mais ricos deslocar seus fundos para outros países, muitos deles europeus.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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As autoridades europeias não tomaram medidas que permitissem uma

implementação de tributação internacional e regulamentação bancária. Em

consequência, na falta de recursos fiscais adequados, tanto a Grécia como os

outros países envolvidos na crise criam receitas por meio da venda dos ativos

públicos que ainda lhes restam, em geral a preços baixos, o que para os

compradores — gregos ou europeus de diversas nacionalidades — sem

dúvida é mais interessante do que pagar impostos.

Outro caso interessante é o Chipre de março de 2013. O Chipre é uma ilha

com um milhão de habitantes que se juntou à União Europeia em 2004,

depois à zona do euro em 2008. Seu setor bancário é hipertrofiado,

aparentemente pelo fato de possuir grandes depósitos estrangeiros,

sobretudo russos, atraídos pelo regime fiscal frouxo. O problema, na

verdade, é que os bancos cipriotas não têm o dinheiro que aparece em seus

balanços. As quantias parecem ter sido alocadas em títulos gregos hoje

desvalorizados e investimentos imobiliários em parte ilusórios.

Naturalmente, as autoridades europeias hesitam em usar o dinheiro do

contribuinte europeu para cobrir os bancos cipriotas sem uma contrapartida,

sobretudo porque se trata, no final das contas, de cobrir os milionários

russos.

Depois de meses de reflexão os responsáveis pela crise europeia tiveram a

triste ideia de aplicar uma tributação progressiva equivocada sobre as contas

nestes bancos. Ocorre que um milionário russo pagava quase que a mesma

taxa de um poupador comum pois as taxas eram muito semelhantes. Além

disto, a base da tributação ficou pouco clara e os milionários eram taxados

somente no ato do depósito. Os valores já em conta, bastava fazer uma

transferência para títulos, ações ou bônus. Esta proposta foi violentamente

rejeitada pela população de Chipre que percebeu que a proposta era, na

verdade, regressiva.

Esse episódio é interessante por ilustrar as limitações dos bancos centrais e

das autoridades financeiras. Sua força é a rapidez de ação; sua fraqueza, a

capacidade limitada de direcionar corretamente as redistribuições que eles

realizam. A conclusão é que o imposto progressivo sobre o capital é não só

útil enquanto imposto permanente como também pode desempenhar um

papel central na forma de arrecadação excepcional (com taxas às vezes bem

mais elevadas) no contexto da regulação de grandes crises bancárias.

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200 Euro: Uma Moeda Sem Estado Para o Século XXI? A decisão de criar o Euro surgiu no tratado de Maastricht em 1992 e a ideia

implementada em 2002. Naquela época, quando o neoliberalismo se

fantasiava de salvador da economia mundial, o papel dos bancos centrais era

visto apenas como um regulador da inflação sem atuação de controle maior

e com total independência dos governos democráticos. Talvez por isso, que

o Euro tenha surgido. Mas com a crise de 2008 perceberam que os bancos

centrais e, por conseguinte o Banco Central Europeu foram personagens

importantes para evitar uma crise maior e perceberam que o neoliberalismo

não era solução para nenhuma crise.

Ainda hoje, o estatuto do BCE prioriza a inflação baixa sobre o pleno emprego

e o crescimento refletindo ainda a ideologia neoliberal de 2002.

E, ainda mais importante, esses estatutos impedem o BCE de comprar dívidas

públicas recém-emitidas do governo: ele deve antes deixar os bancos

privados emprestarem seu dinheiro aos Estados da zona do euro (às vezes a

uma taxa mais alta do que aquela a que o BCE emprestou aos bancos

privados), depois recomprar os títulos no mercado secundário, o que ele

acabou fazendo para os países do sul da Europa.

Em meio à crise instalada em 2008 na Europa, é quase impossível organizar

um debate democrático tranquilo sobre os esforços necessários e sobre as

reformas indispensáveis do Estado social europeu. Para os países do sul da

Europa, trata-se de uma péssima combinação. Antes da criação do euro,

podia-se reativar a competitividade desvalorizando sua moeda interna e

impulsionando a atividade econômica. Pela lógica, a contrapartida da perda

da soberania monetária deveria ser a garantia da possibilidade de tomar

emprestado, se necessário, a taxas baixas e previsíveis.

201 A Questão da Unificação da Europa Para resolver estas contradições, a Europa precisa urgente de reinventar seu

parlamento. O parlamento europeu atual possui 27 países e muitos não

estão na zona do euro e não estão interessados em resolver questões de

forma unificada. Um novo parlamento formado somente por países do Euro

com parlamentares eleitos pelos próprios países com legitimação

democrática seria um grande passo. As metas de redenção (níveis de dívida

pública) e orçamentárias poderiam ser programadas de forma consensual e

conjuntas.

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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Sem uma evolução desta magnitude fica bem difícil imaginar uma saída desta

crise da zona do Euro. As dívidas e déficits devem ser compartilhados.

Uma questão crítica é o imposto sobre os lucros das empresas. Na Irlanda e

em alguns países do leste europeu as taxas são irrisórias. Esta estratégia vai

de encontro com as ideias de unificação. A melhor solução seria haver uma

declaração única de lucros de toda a Europa na zona do Euro e buscar

integrações entre os bancos e estados para impedir que grandes

multinacionais transfiram seus lucros (o caso da Google na Inglaterra é um

exemplo) para países fora da zona do euro com leis que não obriguem a

arrecadação de impostos com altas taxas.

O imposto sobre o capital individual também é um problema para a

unificação europeia. Gerard Depardieu também é um bom exemplo quando ele

usou a Rússia para se livrar das altas tributações da França. O conceito de

residência do detentor do capital deveria ser trocado pelo conceito de

residência do capital. Isto poderia diminuir os fluxos de capitais entre os

países da zona do euro como subterfúgio para sonegação de impostos.

Tudo isto é utópico? Não, se considerarmos que antes da primeira guerra era

utópico taxar grandes fortunas em até 80% ou mais como foi feito durante o

século passado. Se deixássemos de fazer algo por parecer utópico, hoje nem

existiria uma moeda independente de estados como foi idealizado o Euro em

1992. Assim, questões como taxa de juros da dívida pública, imposto

progressivo sobre capitais e tributação dos lucros das multinacionais

deveriam sair da soberania única de uma nação e se tornar uma questão

fiscal unificada.

202 Poder Público e Acumulação de Capital no Século XXI Numa sociedade ideal qual seria o nível ideal de endividamento público? Ou

melhorando a questão: qual o nível ideal de capital público em relação ao

capital total nacional? Enfim, de acordo com que já foi estudado, qual seria

o melhor valor para β (capital total / renda nacional)? É difícil uma resposta

exata mas podemos fixar uma margem limite dentro de determinadas

hipóteses. Seria razoável que o retorno r do capital – teoricamente dentro

dos parâmetros de sua produtividade marginal – não ultrapasse a taxa de

crescimento do PIB g. No século XIX r girava em torno de 4 a 5% e o

crescimento não passava de 1%. Para diminuir o retorno do capital

precisaríamos de acumular mais e mais capital. Difícil dizer qual a quantidade

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deveria ser acumulada, mas com certeza, valores bem acima de 5, 6 ou 7

vezes o valor do PIB.

Na verdade, a coisa vista desta forma se torna bem abstrata. A regra de outro

r = g não é algo prático. Difícil qualquer sociedade acumular tanta riqueza

para depois, evitar o acúmulo e concentração de renda. Mas existe uma regra

interessante implícita nesta lógica r = g. Podemos concluir após alguma

reflexão (reflexão presente na sessão original de Piketty) que a regra de outro

se assemelha a uma estratégia de saturação do capital. Acumula-se tanto

capital que a sociedade chegará num ponto onde os rentistas não terão mais

o que consumir pois seria necessário usar todo capital para reinvestir para

que o capital cresça no mesmo ritmo da economia e preservar o mesmo

status social da média da sociedade. Isto, se r = g. Mas com r > g será o

suficiente reinvestir a cada ano uma parte do retorno do capital

correspondente à taxa de crescimento e consumir o resto. A desigualdade r

> g é, portanto, o mundo ideal dos rentistas.

203 Direito e Política O tratado de Maastricht em 1992 que fundou o euro fixou a dívida pública

em 3% do PIB e que a dívida pública total não poderia ultrapassar 60% do

PIB. Ninguém nunca conseguiu explicar a lógica econômica por trás destes

números dos “cabeças de planilha”. Como fixar dívida de um conjunto de

países se os ativos e capital público de cada país são variáveis indispensáveis

para se determinar a capacidade de endividamento de cada um? Voltamos

no problema de um conselho democrático e unificador para tratar estas

questões. Varais razões nos levam a afirmar que não é nada sensato escrever

em mármore jurídico ou constitucional estes critérios orçamentários. Tal

poder não pode ser deslocado para o judiciário. Em tempos de crises, limites

econômicos ou orçamentários não são os mesmos que em tempos de

bonança. Por isso, as decisões precisam ser políticas e democráticas e não

judiciais como está ocorrendo atualmente.

A história mostra o viés conservador e inflexível do judiciário quando se trata

de questões orçamentárias. Na Europa existe a tendência de se priorizar o

direito absoluto de livre circulação de bens e capitais sobre os direitos dos

Estados de promover o interesse geral – o que inclui o direito de arrecadação

de impostos.

Não podemos esquecer que atualmente a Europa nunca esteve tão rica. O

patrimônio púbico líquido é quase zero em todas as nações do Euro, mas o

capital privado nunca esteve tão elevado. O fato é que os países europeus

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jamais estiveram tão prósperos. Vergonhosamente, o capital nacional é

extremamente mal repartido: a riqueza privada vive da pobreza pública e,

sobretudo, por consequência, há uma despesa muito maior em juros da

dívida do que o que investimos, por exemplo, no nosso ensino superior. (No

Brasil o contexto é o mesmo só que em um nível ainda mais alarmante – estou

em outubro de 2016). Hoje, a dívida pública está custando muito caro às

finanças púbicas. Esta é a principal razão pela qual é necessário reduzir esta

dívida por meio de tributação progressiva. Mas estas decisões, de qualquer

forma, devem vir de um parlamento soberano e democrático.

204 Mudança Climática e Capital Público Piketty coloca a questão da degradação do capital natural do ser humano no

decorrer do século XXI e como o poder público iria poupar capital público

para tentar mitigar ou diminuir esta perda. Ele mergulha num tema que ele

pouco conhece do aquecimento global e fala algumas besteiras como a

possibilidade de inibir o uso de hidrocarbonetos.

A verdade é que atualmente a área do meio ambiente está contaminada pela

“bad Science” e com isto, as conclusões e as políticas públicas mundiais sobre a

questão estão totalmente equivocadas. Melhor desconsiderar esta sessão do

livro.

205 Transparência Econômica e Controle Democrático do Capital O verdadeiro desafio do futuro não seria exatamente a questão do meio

ambiente. O desafio do futuro é, sem sombra de dúvidas, o desenvolvimento

de novas formas de propriedade e de controle democrático do capital. Pode

existir formas híbridas de organizações que não sejam nem totalmente

públicas nem totalmente privadas com controle público e democrático sobre

as decisões. Para isto precisamos de evoluir em relação à transparência fiscal

e econômica. Este é um desafio de governança democrática com participação

popular nas decisões das organizações.

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Conclusão

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Durante todo o livro, foi apresentado todo o conhecimento humano relativo

à distribuição das riquezas desde o século 18 até os dias atuais. Temos daí

algumas lições que podemos tirar.

Os estudos apresentados sobre este tema neste livro foram os mais amplos

e detalhados do que qualquer outro em todos os tempos. Porém, a pesquisa

científica nunca é nem será definitiva. Nada substitui o amplo e aberto

debate democrático.

206 A Contradição Central do Capitalismo: r > g A conclusão geral deste estudo é que a economia de mercado baseada na

propriedade privada contém forças convergentes baseadas no

conhecimento e em novas habilidades no âmbito do trabalho. No entanto,

as forças divergentes existem e atuam de tal forma que passam a ser uma

ameaça às sociedades democráticas. Quando não se tem sistemas eficientes

e democráticos de controle do capital o fator r tende a perdurar por longo

tempo acima de g (taxa de crescimento da economia) trazendo mais

concentração e maior desigualdade. Isto se torna um ciclo vicioso levando os

empreendedores a abdicar mais e mais de ações diretas nos meios de

produção valorizando a relação capital X produtividade marginal e a se

dedicar ao nada dos rendimentos financeiros graças ao alto índices do

indicador r.

A solução mais clara para esta sinuca de bico é a tributação progressiva sobre

o capital que irá evitar a tenebrosa espiral da desigualdade. A experiência

histórica mostra que as desigualdades de riquezas tão extremas não têm

relação com o espírito empreendedor e nenhuma utilidade para o

crescimento. A desigualdade, enfim, é inimiga da “utilidade comum”;

retornando à expressão que foi utilizada pela declaração de 1789 com a qual

foi aberto este livro.

A dificuldade para encarar tal caminhada de controle do capital é a

necessidade de conquistarmos uma cooperação internacional adequada e

uma integração política regional suficiente. No entanto, somente assim

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poderemos almejar uma regulação eficaz do capitalismo patrimonial do

século XXI que está somente se iniciando.

207 Por Uma Economia Política e Histórica Algumas palavras sobre economia e ciências sociais são importantes para

concluirmos. A Economia não pode ser um ramo de estudos independente

da ciências sociais, história, sociologia e antropologia. Ela deve ser colocada

no seu devido lugar: uma subdisciplina destas. Ciências econômicas é um

termo meio arrogante como se a economia tivesse galgado um patamar mais

elevado e deixado as outras ciências sociais para trás. Piketty sugere mudar

o nome de Ciências econômicas para Economia Política. Os economistas

precisam de se engajar nos debates públicos mais do que ficar a desenvolver

fórmulas em planilhas e tentar explicar fenômenos como a fome ou o

desemprego com índices criados em laboratórios.

Os economistas desde tempos antigos gastaram energia demais com

especulações puramente teóricas sem que os fatos políticos ou os problemas

econômicos que propunham resolver fossem devidamente entendidos ou

mesmo definidos com clareza.

Hoje existe uma tendência salutar de alguns economistas em utilizar

experiências para identificar casualidades para embasar teorias. Isto é bom,

mas não podemos nos distanciar do mais importante: a história como o

maior laboratório de economia. As lições que podemos tirar analisando a

história são insubstituíveis. Para tentar ser mais eficazes, os economistas

precisam ser mais pragmáticos e passar a utilizar com mais afinco os dados

históricos disponíveis sobre as sociedades e a economia de cada país e, é

claro, se aproximarem mais das outras disciplinas das ciências sociais para

melhor compreensão do que estão analisando. Por outro lado, os cientistas

das áreas sociais precisam encarar com mais coragem os números quando

eles se apresentam e não lavarem as mãos como se análises de números

fossem de responsabilidade exclusiva de economistas.

208 O Interesse dos Mais Pobres Furet, um economista francês abre seu livro de 1965 – Movimentação do

lucro na França do século XIX: “Enquanto as rendas das classes da sociedade

contemporânea estiverem fora do alcance da pesquisa científica, será em

vão querer empreender uma história econômica e social válida.”.

O livro de Furet é rigoroso, sem preconceitos e busca antes de tudo reunir

materiais e estabelecer fatos. Ele se tornou célebre por seus trabalhos sobre

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O Capital no Século XXI – Thomas Piketty

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a história política e cultural da Revolução Francesa onde é difícil encontrar

algum traço das “rendas das classes da sociedade contemporânea” em que

o grande historiador, preocupado com embate com os marxistas (na época

dogmáticos e dominantes na Sorbonne), parecia mais preocupado em

refutar toda forma de história econômica social. Isto foi uma pena, na

medida em que é possível conciliar as diferentes abordagens.

Os combates bipolares dos anos 1917-1989 estão nitidamente no passado.

Longe de estimular pesquisas sobre capital e as desigualdades, os confrontos

entre capitalismo e comunismo contribuíram mais para empobrecê-los,

tanto entre historiadores e economistas como entre os próprios filósofos. Já

está em tempo de superar confrontos desta natureza.

A abdicação da história como ferramenta fundamental para a análise

econômica se deve muito à dificuldade de obtenção e tratamento de dados.

Assim, a análise dos elos entre as evoluções econômicas e a história política

e social do período estudado é frequentemente mínima tornando as obras

pobres e áridas.

O fim do uso da história pelos cientistas parece também estar ligado ao fato

de que este programa de pesquisa (história serial) ter morrido antes de

alcançar o século XX. Hoje corremos o risco do simplismo onde os esquemas

abstratos sobre a infraestrutura econômica e a superestrutura política

bastam para compreensão do todo. Mas, uma breve olhada nas curvas de

desigualdade da renda e do patrimônio ou a relação capital / renda bastam

para ver que a política está em toda parte e que as evoluções econômicas e

políticas são indissociáveis, devendo ser estudadas lado a lado.

Piketty tem para ele que os pesquisadores em ciências sociais, os jornalistas,

comentaristas, os militantes sindicais e os políticos de todas as tendências e,

principalmente todos os cidadãos deveriam se interessar mais pelo dinheiro,

por sua medida, pelos fatos e pelas evoluções que o rodeiam. Aqueles que

possuem muito nunca se esquecem de defender seus interesses. Recusar-se

a lidar com números raramente trará benefícios aos mais pobres.