resumo livro x

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A República – Livro X Por Ana Pismel No livro IX, viu-se o término do percurso empreendido por Sócrates, Gláucon, Adimanto, Polemarco e os demais interlocutores a fim de saber o que é a justiça, tal como ver sua presença no interior da alma do homem. Conforme tudo o que entre eles ficou acordado, foi demonstrado que a justiça não só é mais útil ao homem que a possui, como proporciona uma vida equilibrada e prazerosa. Sócrates exprime ainda a satisfação que sente em ver com todas as conclusões ao afirmar – logo no inicio do livro X: “sobre muitas questões relativas à nossa cidade (...) tenho em mim que nós a fundamos da melhor maneira possível. Isso, porém, afirmo sobre tudo quando penso na poesia” (595 a). Sem dúvida a discussão resultou em uma concepção acerca do teor da justiça baseada nos liames de uma constituição interna da alma explorada de maneira muito engenhosa por Sócrates. No entanto, se voltarmos ao que ficou estabelecido dês de o livro II, reencontraremos a complexa questão da expulsão dos poetas da cidade perfeita. Ainda que hesitante diante do grande respeito por Homero e pelos poetas trágicos, ele menciona novamente a questão da imitação, sobre a qual fará um novo exame, dessa vez à luz das conclusões da discussão acerca da justiça e tendo a cidade perfeita e sua constituição dado a ver claramente a alma do homem. Lembremos, com efeito, que no livro II essa questão já havia aparecido: logo no inicio da fundação da cidade perfeita, Sócrates expurga dela a figura do poeta trágico devido à propagação de mitos que não estariam de acordo com a constituição da cidade. Aqui não será diferente, e é aprofundando essa posição que tudo será reexaminado. A nova roupagem dos fundamentos dessa argumentação aparece, logo de início, quando Sócrates recorre à teoria das idéias para embasar seu conceito de imitação, um dos grandes núcleos do livro X, sendo o segundo a exposição do principio de imortalidade da alma – igualmente fundamental para arremate da conclusão sobre a superioridade da justiça sobre a injustiça. Mas essa questão será abordada mais adiante. Voltando a esse segundo argumento, é preciso observar que nesse horizonte artistas imitadores como o pintor e o poeta buscam criar imagens baseadas no aparente, ou seja, na natureza. Essa última, por sua vez, é feita à imagem das idéias mas não contém sua perfeição. Recorrendo a um exemplo do próprio Sócrates: temos a idéia de cama, vemos várias camas de formas, cores e tamanhos diferentes, feitas por artesãos, baseados na mesma e única idéia de cama. Então, um pintor, ao pintar uma cama, imita a imitação da idéia verdadeira desse objeto. Dessa maneira, a pintura da cama estaria a três graus da verdade, não tendo sequer com ela vínculo direto. Junto ao pintor, podemos encaixar o poeta na qualidade de imitador. Pois assim como o primeiro imita, não aquilo que é verdadeiramente, mas o que aparenta ser, também o poeta faz o mesmo ao imitar todas as coisas sem ao menos conhecê-las. O imitador só é

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Resumo do Livro X de República de Platão

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A Repblica Livro X

A Repblica Livro X

Por Ana Pismel

No livro IX, viu-se o trmino do percurso empreendido por Scrates, Glucon, Adimanto, Polemarco e os demais interlocutores a fim de saber o que a justia, tal como ver sua presena no interior da alma do homem. Conforme tudo o que entre eles ficou acordado, foi demonstrado que a justia no s mais til ao homem que a possui, como proporciona uma vida equilibrada e prazerosa. Scrates exprime ainda a satisfao que sente em ver com todas as concluses ao afirmar logo no inicio do livro X: sobre muitas questes relativas nossa cidade (...) tenho em mim que ns a fundamos da melhor maneira possvel. Isso, porm, afirmo sobre tudo quando penso na poesia (595 a). Sem dvida a discusso resultou em uma concepo acerca do teor da justia baseada nos liames de uma constituio interna da alma explorada de maneira muito engenhosa por Scrates. No entanto, se voltarmos ao que ficou estabelecido ds de o livro II, reencontraremos a complexa questo da expulso dos poetas da cidade perfeita.

Ainda que hesitante diante do grande respeito por Homero e pelos poetas trgicos, ele menciona novamente a questo da imitao, sobre a qual far um novo exame, dessa vez luz das concluses da discusso acerca da justia e tendo a cidade perfeita e sua constituio dado a ver claramente a alma do homem. Lembremos, com efeito, que no livro II essa questo j havia aparecido: logo no inicio da fundao da cidade perfeita, Scrates expurga dela a figura do poeta trgico devido propagao de mitos que no estariam de acordo com a constituio da cidade. Aqui no ser diferente, e aprofundando essa posio que tudo ser reexaminado.

A nova roupagem dos fundamentos dessa argumentao aparece, logo de incio, quando Scrates recorre teoria das idias para embasar seu conceito de imitao, um dos grandes ncleos do livro X, sendo o segundo a exposio do principio de imortalidade da alma igualmente fundamental para arremate da concluso sobre a superioridade da justia sobre a injustia. Mas essa questo ser abordada mais adiante.

Voltando a esse segundo argumento, preciso observar que nesse horizonte artistas imitadores como o pintor e o poeta buscam criar imagens baseadas no aparente, ou seja, na natureza. Essa ltima, por sua vez, feita imagem das idias mas no contm sua perfeio. Recorrendo a um exemplo do prprio Scrates: temos a idia de cama, vemos vrias camas de formas, cores e tamanhos diferentes, feitas por artesos, baseados na mesma e nica idia de cama. Ento, um pintor, ao pintar uma cama, imita a imitao da idia verdadeira desse objeto. Dessa maneira, a pintura da cama estaria a trs graus da verdade, no tendo sequer com ela vnculo direto.

Junto ao pintor, podemos encaixar o poeta na qualidade de imitador. Pois assim como o primeiro imita, no aquilo que verdadeiramente, mas o que aparenta ser, tambm o poeta faz o mesmo ao imitar todas as coisas sem ao menos conhec-las. O imitador s capaz de imitar todas as coisas por que s alcana um pouco de cada uma, mesmo isso no passando de uma imagem inane (598 e conferir.). com efeito, o imitador gera iluso e aparenta conhecer, mesmo no conhecendo o objeto que imita em profundidade.

A imitao no caminha com a sabedoria nem cultiva a razo. Por isso ela no participa da verdade e, se no incentiva a parte da alma relativa Filosofia, no pode ser til constituio da cidade perfeita. E, mesmo, afasta esse conhecimento, no tendo, assim, lugar nessa cidade. Ora, sendo o poeta trgico um arauto do mito, est em, oposio ao filosofo, cuja busca o saber verdadeiro.

A poesia imita o homem em todas as suas contradies internas, conflitos, felicidades e infelicidades. E ao represent-los que os coloca como verdades aparentes. Com isso, ela dificulta a educao do homem, na medida em que dando iluso aparncia de verdade, afasta-os do conhecimento pleno do ser. O poeta , nas cidades comuns, um formador de opinio, j que cria os mitos a serem tomados por todos. Por isso que, como os pintores, e ainda mais que eles, no tem lugar numa cidade cuja constituio regida pela Filosofia. E no pode haver contradies, que a poesia revelaria nos cidados.

Em seguida, vemos o principio de imortalidade da alma, outro ponto importante no Livro X, mobilizado por Scrates para argumentar quanto preocupao com a virtude, j que ela a fonte da justia. Em resumo: feita uma comparao entre vcios da alma e doenas no corpo. Assim como pode haver doenas prejudicando o corpo pode haver tambm vcios prejudicando a alma. Baseado na premissa de que algo s pode ser destrudo por outra coisa, a no ser que seja de sua prpria natureza, Scrates procura demonstrar que a alma imortal pelo fato de que apesar de o corpo poder ser destrudo por doenas, a alma no sucumbe diante dos vcios. Isso se d por que esses vcios no prejudicam propriamente a alma que os carrega, mas recaem sobre os outros.

Scrates ainda retoma a tese proposta do elogio injustia para demonstrar que, mediante sua anlise, ela se mostra equivocada. Ele afirma, com efeito, que aos justos que cabem todas as honras, ficando aos injustos as injurias. o que permite ver isso o ponto a que se chegou, que permite a ele4s observarem a alma em si mesma e nela a justia e a injustia e suas verdadeiras conseqncias.

O Mito de Er corroborar sua posio e arrematar todo o percurso de Scrates na obra. Seu significado reside em chamar ateno para a busca da justia, que levaria felicidade tanto em vida quanto depois dela. Ao recorrer idia de vida depois da morte, Scrates acrescenta mais um argumento sua defesa da justia, na medida em que, como depreendido do mito, a sorte das almas se d mediante a conduta em vida, sendo que ela desencadeia tanto benefcios quanto punies.

O fechamento do percurso da obra retem, notavelmente, um teor potico. Tal caracterstica leva suposio de a situao dramtica da poesia na cidade perfeita se deve, em parte, ao fato de Plato ter tido grande talento na escrita e inclinao potica. Esse trao no , entretanto, empecilho no interior do percurso dA Republica. Afinal, tomada em vrios aspectos, no se pode negar o fato incontestvel de que muitos dos principais temas e conceitos que a Filosofia elegeu desenvolveu e consagrou, se originaram, direta ou indiretamente, do pensamento de Plato.1Bibliografia

Plato, A Repblica; traduo de Ana Lia de Almeida Prado; Martins Fontes, 2006.

1 A Repblica, Introduo, p. VII.