resumo levi strauss estruturas elementares do parentesco c 1-5

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PREFÁCIO Entendemos por estruturas elementares do parentesco os sistemas nos quais a nomenclatura permite determinar imediatamente o círculo dos parentes e os dos aliados, isto é, os sistemas que prescrevem o casamento com um certo tipo de parente. Ou, se preferirmos, os sistemas que, embora definindo todos os membros do grupo como parentes, dividem ·nos em duas categorias, a dos cônjuges possíveis e a dos cônjuges proibidos estruturas complexas para os sistemas que se limitam a definir o circulo dos parentes e que deixam a outros mecanismos, econômicos ou psicológicos, a tarefa de proceder à determinação do cônjuge. o objeto fundamental deste livro é mostrar que as regras do casamento, a nomenclatura, o sistema dos privilégiOS e das proibições são aspectos inseparáveis de uma mesma realidade, que é a estrutura do sistema considerado As estruturas elementares permitem definir classes ou determinar relações. Mas, em regra geral, vários indivíduos são igualmente aptos a constituírem a classe ou a satisfazerem a relação, sendo freqüentemente em grande número. Mesmo nas estruturas elementares, por conseguinte, sempre uma certa liberdade de escolha. -> Limitação nas possibilidades biológicas - mais de um irmão, irmã ou primo Inversamente, nenhuma estrutura complexa autoriza uma escolha absolutamente livre, consistindo a regra, não em que alguém possa casar-se com quem quiser relativamente ao sistema, mas que é possível casar-se com os acupantes das posições da nomenclatura que não são expressamente proibidas. ---> Limitação na proibição do incesto Não é possível, portanto, estabelecer uma completa oposição entre as estruturas elementares e as estruturas complexas. Igualmente é difícil traçar a linha divisória que as separa. Entre os sistemas que indicam o cõnjuge e aqueles que o deixam indeterminado, há formas híbridas e equívocas, CAPÍTULO 1 - NATUREZA E CULTURA Distinção estado de natureza x estado de sociedade/cultura -> apesar de não ter signifcação histórica aceitável, apresenta um

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resumo do livro de claude levi strauss estruturas elementares do parentesco

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PREFCIO

PREFCIO

Entendemos por estruturas elementares do parentesco os sistemas nos quais a nomenclatura permite determinar imediatamente o crculo dos parentes e os dos aliados, isto , os sistemas que prescrevem o casamento com um certo tipo de parente. Ou, se preferirmos, os sistemas que, embora definindo todos os membros do grupo como parentes, dividem nos em duas categorias, a dos cnjuges possveis e a dos cnjuges proibidos

estruturas complexas para os sistemas que se limitam a definir o circulo dos parentes e que deixam a outros mecanismos, econmicos ou psicolgicos, a tarefa de proceder determinao do cnjuge.

o objeto fundamental deste livro mostrar que as regras do casamento, a nomenclatura, o sistema dos privilgiOS e das proibies so aspectos inseparveis de uma mesma realidade, que a estrutura do sistema considerado

As estruturas elementares permitem definir classes ou determinar relaes. Mas, em regra geral, vrios indivduos so igualmente aptos a constiturem a classe ou a satisfazerem a relao, sendo freqentemente em grande nmero. Mesmo nas estruturas elementares, por conseguinte, h sempre uma certa liberdade de escolha. -> Limitao nas possibilidades biolgicas - mais de um irmo, irm ou primo Inversamente, nenhuma estrutura complexa autoriza uma escolha absolutamente livre, consistindo a regra, no em que algum possa casar-se com quem quiser relativamente ao sistema, mas que possvel casar-se com os acupantes das posies da nomenclatura que no so expressamente proibidas. ---> Limitao na proibio do incestoNo possvel, portanto, estabelecer uma completa oposio entre as estruturas elementares e as estruturas complexas. Igualmente difcil traar a linha divisria que as separa. Entre os sistemas que indicam o cnjuge e aqueles que o deixam indeterminado, h formas hbridas e equvocas,

CAPTULO 1 - NATUREZA E CULTURA

Distino estado de natureza x estado de sociedade/cultura -> apesar de no ter signifcao histrica aceitvel, apresenta um valor lgico que justifica seu uso como instrumento de mtodo

Homem como ser biolgico e social - nem sempre fcil distinguir qual a origem causal

Mais ainda, na maioria dos casos, as causas nao sao realmente disitintas e a resposta do sujeito constitui verdadeira integraao das fontes biolgicas e das fontes sociais

A cultura no pode ser considerada nem simplesmente justaposta nem simplesmente superposta vida. Em certo sentido substitui-se vida e em outro sentido utiliza-a e a transforma para relaizar uma sntese de nova ordem

Quando a distinao de princpio facil, a dificuldade surge ao iniciar a anlise -> tentar encontrar mecanismos que fazem com que atitudes de origem cultural possam enxertar-se em comportamentes de natureza biolgica e integr-los a si, p ex.

O problema aqui o da passagem entre as duas ordens. Onde acaba a natureza? Onde comea a cultura?

Diversas tentativas de responder, mas todas insatisfatrias

Tudo parece passar-se como se os grandes macacos, j capazes de se libertarem de um comportamento especifico, no pudessem chegar a estabelecer uma norma num plano novo. O comportamento institntivo perde a nitidez e a preciso que encontramos na maioria dos mamferos, mas a diferena puramente negativa e o domnio abandonado pela natureza permanece sendo um territrio no-ocupado

Esta ausncia de regra parece oferecer o critrio mais seguro que permita distinguir um processo natural de um processo cultural que, com efeito, h um crculo vicioso ao se procurar a natureza a origem da sregras instituiconais que supem - mais ainda, que so j - a cultura, e cuja instaurao no interior de um grupo dificilmente pode ser concebida sem a interveno da linguagem. A constncia e a regularidade existem, a bem dizer, tanto na natureza quanto na cultura. Mas, na primeira, aparecem precisamente no domnio em que na segunda se manifestam mais fracamente, e vice-versa. Em um caso, o domnio da herana biolgica, em outro, o da tradio externa. No se poderia pedir a uma ilusria continuidade entre as duas ordens que explicasse os pontos em que se opem.

Por conseguinte, nenhuma anlise real permite apreender o ponto de passagem entre os fatos da natureza e os fatos da cultura, alm do mecanismo da articulao deles.

Presena ou ausncia da regra nos comportamentos no sujeitos s determinaes instintivas: critrio mais vlido das atitudes sociaisEm toda parte onde se manifesta uma regra podemos ter certeza de estar numa etapa da cultura. Simetricamente, fcil reconhecer no universal o critrio da natureza

Na falta de anlise real, os dois critrios, o da norma e o da universalizade, oferecem os princpios de uma anlise ideal, que pode permitir - ao menos em certos casos e em certos limites - isolar os elementos naturais dos elementos culturais que intervm nas snteses de ordem mais complexa

- Universal -> natureza - espontaneidade

-Norma -> cultura - relativo e particular

Proibio do incesto: fato que apresenta inequivocamente e indissoluvelmente reunidos, os dois caracteres contraditrios de duas ordens exclusivas

Exceo: relativa, pois varia conforme a cultura que se toma como padro. A questo no consiste em saber se existem grupos que permitem casamentos que so excludos em outros, mas sim em saber se h grupos nos quais nenhum tipo de casamento proibido

A resposta deve ser absolutamente negativa

nunca autorizado entre todos os parentes prximos, somente entre algumas categorias

Unies consanguneas ou tem carter temporrio e ritual ou, se tm carter oficial/permanente, so privilgio de categorias sociais muito restritas

De onde provm ento a proibio do incesto? Qual o seu lugar e significao?

CAPTULO II - O PROBLEMA DO INCESTO

Proibio do incesto:

Social, por sua natureza de regra

Pr social, pela universalidade e pelo tipo de relaes qual a norma imposta (vida sexual)

A vida sexual duplamente exterior ao grupo - exprime a natureza animal do homem (sobrevivencia dos instintos); fins transcendentes (satisfazer ou desejos individuais ou tendncias especficas, o que, em ambos os casos, ultrapassam os fins e convenes da sociedade)

Se a regulamentao das relaes sexuais a cultura invadindo a natureza, a vide sexual , na natureza, um prenncio da vida social -> o impulso sexual o nico que para se definir tem necessidade do estimulo de outrm

A proibio est ao mesmo tempo no limiar da cultura, na cultura e, em certo sentido a prpria cultura

Tentativas de explicao da ambiguidade anteriores (consideradas redutivas):

Mantm a dualidade de carter da proibio, mesmo dividindo-a em duas fases distintas

Conexo extrnseca, constituda por uma atitude racional do pensamento

Morgan e Maine, p ex - ao mesmo tempo natural e social, mas no sentido de resultar de uma reflexo social sobre um fenmeno natural. Defender a espcia dos resultados de casamentos consanguneos

Problema: todas as sociedades humanas teriam que entender as supostas consequencias das unioes endgamas

A partir do trabalho de um bilogo sobre cultivo endogamico de milho, LS conclui que o perigo temporrio das unies endgamas, supondo que exista, resulta evidentemente de uma tradio de exogamia ou de pangamia, mas no pode ser a causa dela; os casamentos consanguneos arcaicos no tm influncia seno sobre as geraes imediatamente consecutivas.

essa influencia uma funo das dimenses absolutas do grupo. Para um volume populacional dado, sempre possvel definir um estado de equilbrio no qual a frequencia dos casamentos consanguineos seja igual p de tais casamentos em regime de panmixia (o criterio aparentemente aqui portadores de caracteres recessivos)Apesar de populaes pequenas correrem mais risco de aparecimento de uma tara recessiva, a passagem rpida ao homozigotismo deve assegurar a eliminao do carter temido

Elimina um dos termos da antinomia entre os caracteres natural e social da instituio - o social

Psiclogos como Westermarck e Havelock Ellis, p ex - A proibio do incesto apenas a projeo ou o reflexo no plano social de sentimentos ou tendncias que a natureza do homem basta inteiramente para explicar

Variaes importantes: horror do incesto vindo da natureza fisiolgica ou das tendncias psquicas

Problema: horror s se manifesta por ocasio de conhecimento suposto ou posteriormente estabelecido - portanto, no poderia ser de fonte instintiva

Westermarck e Ellis - papel negativo dos hbitos cotidianos sobre a excitabilidade ertica

Objeo: confuso de dois tipos de hbitos - o que se desenvolve entre indivduos sexualmente unidos (sendo sabido que tal hbito acarreta geralmente o enfraquecimento do desejo) e o que reina entre parentes prximos, ao qual se atribui o mesmo resultado, embora o costume sexual esteja ausente no segundo caso. A tese reduz-se, portanto, a uma petio de princpio - sem observao experimental impossvel saber se a falta de desejo sexual entre parentes prprios explica-se pelo hbito fisico ou psicolgico ou pelos tabus da proibio.

LS questiona tambm a repugnncia instintiva - apesar de tudo, o incesto ainda mto mais frequente do que levaria a supor a conveno coletiva de silncio.

Explicar a universalidade terica da regra pela universalidade do sentimento ou da tendncia abrir um novo problema, porque o fato admitido como universal no tal de modo algum.

Confuso ainda maior: se o horror do incesto resultasse de tendncias fisiolgicas ou psicolgicas congnitas, por que se exprimiria em forma de proibio ao mesmo tempo to solene e to essencial? No existe nenhuma razo para proibir aquilo que, sem proibio, no correria o risco de ser executado.

Respostas:

-proibio para casos excepcionais, em que a natureza falha -> questionado por proporo das falhas e pela importncia dada punio, que indicaria que considerado nocivo e perigoso para o grupo

- analogia com suicdio -> problemtica - incesto como natural, comum a animais e suicdio social; a sociedade so probe aquilo que suscita; suicdio proibido por ser prejudicial a interesses da sociedade e no por negao de tendencias congnitas

Eliminar um dos termos da antinomia - o natural

Expresso da regra em termos biolgicos aspecto acidental e secundrio; concepo mais diversificada conforme o autor

Considerada como instituio social, a proibio do incesto aparece sob dois aspectos diferentes:

Proibiao da uniao sexual entre consanguneos ou colaterais prximos

Proibio, embora fundada sobre um critrio biolgico, apenas um aspecto de um sistema mais amplo, do qual parece estar ausente qualquer base biolgica (ex.: regras de exogamia)

Essa interpretao d ateno maior a essa forma mais ampla e socializada da proibio

Interpretao de que as regras de exogamia so criadas para impedir o incesto - LS as nega

Teorias que do uma interpretao sociolgica da exogamia, derivando a proibio do incesto da exogamia - LS as considera mais importantes

A - McLennan, Spencer e Lubbock

Problemas diversos, mas mais importantemente um metodolgico: fazer derivar uma lei geral - proibio do incesto - de um fenmeno especial, de carter frequentemente anedtico cuja ocorrencia no pode ser universalizada (no caso, uma forma particular de exogamia e a captura de esposas)

B - Durkheim

Hiptese de trplice carter:

-universalizao de fatos observados em um limitado grupo de sociedades

-proibio de incesto como consequncia longnqua das regras da exogamia

-regras da exogamia interpretadas em funo de fenmenos de outra ordem

Interpretao a partir das sociedades australianas - noes de identidade cl-totem, sangue como substancia mgica com proibies especiais, e mais especificamente o sangue menstrual

Em ltima anlise, se, de acordo com a regra da exogamia, um homem no pode contratar casamento no interior de seu prprio cl, pq, se agisse de outra maneira, entraria em contato, ou correria o risco de entrar em contato, com este sangue quue o sinal visvel e aa expresso substancial do parentesco com o seu totem. Esse perigo no existe para os membros de outro cl, pq o totem de outrem no sofre nenhum interdito

Disso decorreria a dupla regra do casamento interclnico e da proibio do incesto no interior do cl

A proibio do incesto, tal como a concebemos atualmente, seria portanto um vestigio

Fora da interpretao: organiza em um s e mesmo sistema fenomenos mto diferentes entre si, que, tomados em si mesmos, parecem dificilmente inteligveis

Fraqueza: conexes entre os fenmenos so frgeis e arbitrrias

As interpretaes sociolgicas apresentam um vcio comum e fundamental. Procuram fundar um fenmeno universal sobre uma sequncia historica cujo desenrolar no de modo algum inconcebvel em caso particular, mas cujos episdios so to contingentes que se deve excluir inteiramente que tenha podido se repetir sem alterao em todas as sociedades humanas

Embora se possa haver nascimento de instituies por transformaes de carter arbitrrio, os processos desse tipo conduzem a instituies mto diferentes cf a sociedade. Qdo instituies anlogas nascem independentemente (fenmeno de convergncia), as sequencias histricas que prepararam seu aparecimento so tb mto diferentes

Se encontramos resultados sempre identicos procedentes de uma sucesso de acontecimentos imutavelmente repetidos, podemos concluir que esses acontecimentos no so a razao de ser do fenmeno, mas a manifestao da existencia de uma lei

Mais: se a proibio vestigial temos um problema - ou as observaes que temos do fenmeno no correspondem totalidade da instituio, tornando difcil compreender sua universalidade e vitalidade; ou a probio adquiriu funes novas e diferentes na sociedade moderna

Se for o segundo caso, como saber se a origem da instituio nao se encontra justamente nessas funes e no em um esquema historico vago e hipottico?

O problema no consiste em procurar que configuraes histricas explicam as modalidades da instituio em determinada sociedade, mas em procurar que causas profundas e onipresentes fazem ccom que, em todas as sociedades e em todas as pocas, exista uma regulamentao das relaes entre os sexos.Diante dos problemas dessas interpretaes, resta aberto um nico caminho: a passagem de uma anlise esttica sntese dinmica. A proibio do incesto no nem puramente de origem cultural nem puramente de origem natural, e tambm no uma dosagem de elementos variados tomados de emprstimo parcialmente natureza e parcialmente cultura. Constitui o passo fundamental graas ao qual, pelo qual, mas sobretudo no qual se realiza a passagem da natureza cultura. Em certo sentido pertence natureza, porque uma condio geral da cultura, e por conseguinte no devemos nos espantar em v-la conservar da natureza seu carter formal, ie, a universalidade. Mas em outro sentido tambm j a cultura, agindo e impondo sua regra no interior de fenmenos que no dependem primeiramente dela.

A proibio do incesto consiste justamente o vnculo que une a existncia natural existncia social do homem. Essa unio, porm, no nem estatica nem arbitrria, transformando a situao total. No se trata de unio, mas de transformao, passagem. A proibio do incesto o processo pelo qual a natureza se ultrapassa a si mesma, criando uma estrutura de novo tipo, uma nova ordem mais complexa e superposta s estruturas da vida psquica e animal

PARTE I: A TROCA RESTRITA

Os Fundamentos da Troca

CAPTULO 3: O UNIVERSO DAS REGRAS

Se a raiz da proibio do incesto est na natureza, entretanto apenas por seu termo, isto , como regra social, que podemos apreend-la

Gde diversidade cf a sociedade

Muitas vezes atinge menos a consanguinidade real, pois esta frequentemente impossivel de estabelecer-se - atinge mais o fenomeno puramente social pelo qual dois indivduos sem verdadeiro parentesco estao classificados na classe dos irmaos, etc

A proibio confunde-se, ento com a regra da exogamia. s vezes tb subsistem conjuntamente

A proibio do incesto por conseguinte no se exprime sempre em funo das regras de parentesco real, mas tm por objeto sempre os indivduos que se dirigem uns aos outros empregando certos termos

a relao social, situada alm do vnculo biolgico que desempenha o papel determinanteConsiderada do ponto de vista mais geral, a proibio do incesto exprime a passagem do fato natural da consanguinidade ao fato cultural da aliana

Natureza atua por si mesma segundo o duplo ritmo de receber e dar, traduzido na oposio entre casamento e filiao

Embora esse ritmo aparea nos dois casos, no se apresenta sob o mesmo aspecto

O domnio da natureza caracteriza-se pelo fato de nele so se dar o que se recebe. O fenmeno da hereditariedade exprime esta permanncia e continuidade

Na cultura, o indivduo recebe sempre mais do que d, e ao mesmo tempo d mais do que recebe.

Esse duplo desequilbrio exprime-se nos processos inversos e opostos ao anterior: educao e inveno

Apenas os fenmenos culturais teriam o privilgio da sntese dinmica. Desse ponto de vista, o problema da passagem da antureza cultura reduz-se, portanto, ao problema da introduao de processos de acumulap no interior de processos de repetiao

A cultura no indiferente aos ritmos de receber e dar da natureza

Diante do primeiro periodo, o do recebimento, expresso pelo parentes biolgico, a cultura impotente, pois a hereditariedade de uma criana est integralmente inscrita no interior dos genes veiculados pelos pais. A ao momentanea do meio pode acrescentar sua marca, mas nao poderia fixa-la independnetemente das transformaoes desse mesmo meio.

Consideremos agora a aliana. to imperiosamente exigida pela natureza quanto a filiao, mas no da mesma maneira nem na mesma medida. S exigido o fato da aliana, no sua determinaoA natureza atribui a cada indivduo determinantes veicullados por seus pais efetivos, mas nao decide em nada quais serao esses pais.

A hereditariedade, portanto, considerada do ponto de vista da natureza, duplamente necessaria, primeiramente como lei - no h gerao espontnea - em seguida como especificao da lei, porque a natureza no diz somente que precisto ter pais, mas tambm que tu sers semelhante a eles.

No que se refere aliana, porm, a natureza contenta-se em afirmar a lei, sendo indiferente ao conteudo dela. Se a relao entre pais e filhos rigorosamnete determinada pela natureza dos primeiros, a relao entre macho e fmea so determinada pelo acaso e pela probabilidade

H portanto na natureza - deixando de lado as mutaes - um princpio de indeterminao, e um s, sendo no carter arbitrrio da aliana que se manifesta.

Admitindo que a natureza seja historicamente anterior cultura, somente graas s possibilidades deixadas abertas pela primeira que a segunda pde, sem descontinuidade, inserir sua marca e introduzir suas exigncias proprias. A cultura tem de inclinar-se diante da fatalidade da herana biolgica.

Somente no fenmeno da aliana, sobre o qual a natureza no disse tudo, a cultura pode afirmar seu domnio

a aliana que fornece a dobradia, ou mais exatamente o corte, onde a dobradia pode fixar-se

A natureza impe a aliana sem determin-la, e a cultura s a recebe para definir-lhe imediatamente as modalidades. Assim se resolve a aparente contradio entre o carter de regra da proibio e sua universalidade

A universalidade exprime somente o fato da cultura ter sempre e em toda a parte preenchido esta forma vazia. Contentemo-nos por ora com esta verificao, que a preencheu com o conteudo que a Regra, substncia ao mesmo tempo permanente e geral da cultura, sem levantar ainda a questo de saber por que esta regra aparesenta o carter geral de proibir certos graus de parentesco, e por que este carter geral aparece to curiosamente diversificado

O fato da regra, considerado de maneira inteiramente independente de suas modalidades, constitui a prpria essncia da proibio do incestoO papel primordial da cultura est em garantir a existncia do grupo como grupo, e portanto em substituir, neste domnio como em todos os outros, a organizao ao acaso

A proibio do incesto uma certa forma de interveno, mas antes de tudo a Interveno

A interveno coletiva uma questo levantada e resolvida afirmativamente todas as vezes que o grupo se defronta com a insuficiencia ou a distribuio aleatria de um valor cujo uso apresenta fundamental importncia.

A questo das proibies do casamento constitui uma aplicao particular, a um domnio dado, de princpios e mtodos encontrados todas as vezes que a existncia fsica ou espiritual do grupo est em jogo

As trocas matrimoniais e as trocas econmicas formam no esprito do indgena parte integrante de um sistema fundamental de reciprocidade

O carter de escassez das mulheres

Equilbrio biolgico entre nascimentos masculinos e femininos -> exceto se o equilbrio for modificado pela interveno dos costumes, probabilidade alta de encontrar uma esposa

Questo da poligamia

Monogamia predomina em sociedades cujo nvel econmico e tcnico aparece como o mais primitivo - LS: dificuldades da existncia cotidiana e obstaculo que criam para a formao de privilgios econmicos que limitam a poligamia. Trata-se, para ele, no de monogamia, mas de uma poligamia abortada

Tanto nessas sociedades quanto nas que sancionam favoravelmente as unies polgamas e quanto na nossa prpria, a tendncia no sentido da multiplicao das esposasObservao social e biolgica concorre p/ sugerir que sao tendencias naturais e universais no homem, somente limitaes do meio e da cultura que so responsveis pelo recalcamento delas. Monogamia no uma instituio positiva, mas somente o limite da poligamia em sociedades em que a concorrencia economica e social atinge forma aguda

Mesmo nessas sociedades, alis, a monogamia no constitui regra geral - poligamia como privilgio de chefes e feiticeiros

Isso j basta para subverter o equilbrio natural dos sexos

Mas mesmo em uma sociedade que aplicasse a monogamia de maneira rigorosa, a tendncia polgama profunda, cuja existncia pode ser admitida em todos os homens, faz aparecer sempre insuficiente o nmero de mulheres disponveis

Alm disso, nem todas so igualmente desejveis

Dessa forma, a demanda de mulheres, atual ou virtualmente, est sempre em um estado de desequilbrio e de tensoAs implicaes sexuais disso so secundrias na sociedade primitiva - h mltiplos meios para resolver este aspecto do problema

Mas na maioria das sociedades primitivas, o casamento apresenta uma importncia diferente - no ertica, mas econmica.

Diviso do trabalho entre os sexos - diferentes especializaes tcnicasnao exagerado dizer que nessas sociedades o casamento apresenta uma importncia vital para cada indivduo. Porque cada indivduo est duplamente interessado no somente em enocntrar para si um cnjuge, mas tb em prevenir a ocorrncia, em seu grupo, dessas duas calamidades da sociedade primitiva, a saber, o solteiro e o rfo

Que aconteceria, se o princpio da interveno coletiva, afirmado do ponto de vista puramente formal pela regra que probe o incesto no existisse?

Seria possvel esperar que se formassem privilgios no interior dessa aglomerao natural constituda pela famlia

Postulamos apenas que no interior do grupo, e sem levantar a questao da precednCia histrica de um com relao ao outro, a viscosidade especfica da aglomerao familiar agiria nessa direo, e que os resultados de conjunto verificariam esta ao. Ora, tal eventualidade - segundo mostramos - incompatvel com as exigncias vitais da sociedade primitiva, e mesmo da sociedade pura e simplesmente.CAPTULO 4: ENDOGAMIA E EXOGAMIA

Ao estabelecer uma regra de obediencia geral - qualquer que seja essa regra - o grupo afirma seu direito de controle sobre o que considera legitimamente um valor essencial

O grupo recusa-se a sancionar a desigualdade natural da distribuio do sexo nas famlias, estabelecendo a liberdade de acesso s mulheres do grupo

Regra vantajosa para os indivduos

Obrigando renncia a um lote limitado de mulheres imediatamente disponveis, abre a todos um direito de reivindicao sobre um nmero to elevado quanto possivel, sendo o mesmo para todos

Apesar de ainda em uma forma grosseira e aproximada suficiente para mostrar que uma hiptese como a de Tylor (de que os grupos ao longo da histria tiveram que escolhere entre marrying out and being killed out no necessria

Mas para que a demonstrao seja eficaz preciso que se estenda a todos os membros do grupo

Considera em seu aspecto puramente formal, a proibio do incesto, portanto, apenas a afirmao, pelo grupo, que em matria de relao entre os sexos no se pode fazer o que se quer. O aspecto positivo da interdio consiste em dar incio a um comeo de organizaoSobre os Nhambiquara - chefe com privilgio da poligamia desequilibra o sistema. Isso, porm, traz outros ganhos - permite que o chefe cumpra suas funes polticas. Para LS a origem e o signifcado do privilgio esto na troca pelo grupo dos elementos de segurana individual (monogamia) pela segurana coletiva (organizao poltica)

A poligamia no contradiz, portanto, a exigncia da distribuio equitativa das mulheres, mas apenas superpe uma regra de distribuiao a outra.

Monogamia e poligamia correspondem a tipos de relaes compllementares - de um lado, o sistema de auxlios prestados de auxlios recebidos que liga entre si os membros individuais do grupo; do outro, o sistema de auxlios dados e recebidos que liga entre eles o conjunto do grupo e seu chefe

Na proibio do incesto so consideramos o aspecto mais somrio, o da regra enquanto regra. Considerada por este ngulo, no fornece ainda a soluo do problema, mas estabelece somente uma medida preliminar, a qual a condio das medidas ulterioresEm suma, afirma que no com base em sua distribuio natural que as mulheres devem receber seu uso social.

Trata-se de afirmar que a diviso ou competio em torno das mulheres ser feita no grupo e sob o controle do grupo, e no em regime privado. Trata-se de um aspecto primordial, o nico coextensivo proibio inteira

Falta, ento, definir qual essa base

Devemos mostrar agora, ao passar do estudo da regra enqto regra ao de seus caracteres mais gerais, a maneira pela qual se realiza a passagem de uma regra de contedo originariamente negativo a um conjunto de estipulaes de outra ordemComo interdio, a proibio do incesto limita-se a afirmar a preeminncia do social sobre o natural. Mas a regra apaarentemente negativa tambm engendra sua inversa - toda proibio , ao mesmo tempo, e sob outra relao, uma prescrioAs regras do casamento proibem um crculo de parentesco. s vezes, tb determinam um crculo no interior do qual o casamento deve necessariamente efetuar-se. Devemos distinguir dois casos:

Endogamia - obrigao de casar-se no interior de um grupo definido objetivamente

Unio preferencial - obrigao de escolher para cnjuge quem tem com o indivduo uma relao de parentesco determinada

Distino difcil nos sistemas classificatrios de parentesco - pois todos os indivduos apresentam entre si uma relao de parentesco definida passam a ser constitudos em uma classe, transitando entre as duas categorias sem mudana acentuada

Todo sistema de casamento entre primos cruzados poderia ser interpretado como um sistema endgamo, se todos os indivduos, primos paralelos entre si, fossem designados por um mesmo termo e os primos cruzados entre si por um termo diferente. Assim, um sistema exgamo por excelncia daria lugar a um novo sistema, que apresentaria todas as aparncias da endogamia.

Convm, portanto, distinguir dois tipos diferentes de endogamia - um que apenas o inverso de uma regra de exogamia e s se aplica em funo desta; e a endogamia verdadeira, que no um aspecto da exogamia, mas se encontra sempre dada conjuntamente com esta embora no na mesma relao, e simplesmente conexo.

Sob esse ltimo ponto de vista, toda sociedade ao mesmo tempo exgama e endgama. Assim, os australianos so exgamos quanto ao cl, mas endgamos no que se refere tribo

A endogamia e a exogamia no so aqui instituies complementares, sendo simtricas apenas do ponto de vista formal.

A endogamia verdadeira somente a recusa de reconhecer a possibilidade do casamento fora dos limites da comunidade humana, estando esta ltima sujeita a definies muito diversas, segundo a filosofia do grupo considerado

De maneira geral, a endogamia "verdadeira" manifesta simplesmente a excluso do casamento praticado fora dos limites da cultura, cujo conceito est sujeito a toda espcie de contraes e dilataes. A frmula, positiva na aparncia, da obrigao de casarse no interior de um grupo definido por certos caracteres concretos (nome, lingua, raa, religio, etc.), pois a expresso de um simples limite, socialmente condicionado, do poder de generalizao

Ao contrrio, a outra forma de endogamia que distinguimos anteriormente, e que se poderia chamar "endogamia funcional", por ser somente uma funo da exogamia, fornece o equivalente de uma regra negativa.

Os primos cruzadOS so menOs parentes que devem casar-se entre si do que os primeiros, no grupo dos parentes, entre os quais o casamento possvel, desde o momento em que os primos paralelos so classificados como irmos e Irms. Este carter essencial foi freqentemente ignorado, uma vez que o casamento entre primos cruzados era, em certos casos, no somente autorizado mas obrigatrio. obrigatrio, desde que possvel, porque fornece o sistema de reciprocidade mais simples de conceber

A melhor prova de que a determinao dos primos cruzados resulta somente da eliminao da classe proibida (por conseguinte, que a endogamia neste caso realmente uma funo da exogamia, e no o contrrio), que no se produz nenbuma perturbao se o cnjuge potencial, apresentando o grau requerido de parentesco de primo, falta. ento substitudo por um parente mais afastado. A categoria dos cnjuges possiveis em um sistema de unio preferencial nunca fechada. Tudo quanto no proibido permitido,

A diferena entre as duas formas de endogamia particularmente fcil de fazer quando se estudam as regras matrimoniais de sociedades fortemente hierarquizadas. A endogamia "verdadeira" tanto mais acentuada quanto mais elevado o nvel ocupado pela classe social que a pratica.

Distinguimos deste modo uma endogamia "verdadeira", que uma endogamia de classe (no sentido lgico, mas ao mesmo tempo, em numerosas sociedades que a praticam, no sentido social do termo classe), e uma endogamia funcional, que se pode chamar endogamia de relao. Esta apenas a contraposio da exogamia. Sob forma positiva exprime o carter aparentemente negativo desta ltima.

Limitamo-nos aqui a esta rpida descrio, que basta para mostrar, em um caso definido, que categorias exgamas e categorias endgamas no constituem entidades independentes e dotadas de existncia objetiva. Devem ser consideradas mais como pontos de vista, ou perspectivas diferentes, mas solidrias, de um sistema de relaes fundamentais, no qual cada termo definido por sua posio no interior do sistema.Como dito no comeo do captulo, a endogamia complementar est a para lembrar que o aspecto negativo apenas o aspecto superficial da proibioA proibio do uso sexual da filha ou da irm obriga a dar em casamento a filha ou a irm a um outro homem e, ao mesmo tempo,cria um direito sobre a filha ou a irm desse outro homem.

Assim, todas as estipulaes negativas da proibio tm uma compensao positiva. A proibio equivale a uma obrigao, e a renncia abre caminho a uma reivindicao

Isso somente verdade para a forma de endogamia que chamamos funcional, e que apenas a prpria exogamia considerada em suas consequncias

A proibio do incesto no apenas uma interdio. Ao mesmo tempo que probe, ordena. A proibio do incesto, como a exogamia que sua expressao social ampliada, constitui uma regra de reciprocidade.O contedo da proibio no se esgota no fato da proibio. Esta s instaurada para garantir e fundar J direta ou indiretamente, imediata ou mediatamente, uma troca. Como e por que, o que se torna preciso agora mostrar.

CAPTULO 5: Retoma Mauss - troca nas sociedades primitivas mais como dons recprocos que transaes. No tem somente nem essencialmente carter econmico, mas coloca-nos em face do que chama, numa expresso feliz, um fato social total, isto , dotado de significao simultaneamente social e religiosa, mgica e econmica, utilitria e sentimental, jurdica e moral

-> a atitude do pensamento primitivo a respeito da transmisso dos bens no se exprime somente em instituies nitidamente definidas e localizadas, mas impregna todas as operaes no curso das quais so dados ou recebidos objetos e produtos

Dupla suposio (explcita ou implcita) - presentes recprocos constituem um modo de transmisso dos bens (ou de certos bens); esses presentes no so oferecidos principalmente, ou em todo o caso essencialmente, com a finalidade de benefcio ou vantagem de natureza econmicaNem um nem outro dos parceiros retira benefcio material verdadeiro

que, com efeito, a troca no produz um resultado tangvel, como no caso das transaes comerciais de nossa sociedade. O lucro esperado no nem direto nem inerente s coisas trocadas, como so o lucro de dinheiro ou o valor de consumo. Ou melhor, no tal de acordo com nossas prprias convenes. Porque, para o pensamento primitivo, h na verdade outra coisa no que chamamos um "bem", diferente daquilo que o torna cmodo para seu detentor ou para seu negociante_ Os bens no so somente comodidades econmicas, mas veculos e instrumentos de realidades de outra ordem, potncia, poder, smpatia, posio, emoo

O jogo das trocas consiste em um conjunto complexo de manobras, conscientes ou inconscientes, para adquirir garantias e prevenir-se contra riscos no duplo terreno das alianas e das rivalidades

No somente na sociedade primitiva que parece reinar a ideia de haver uma vantagem misteriosa na obteno das comodidades por via de donativos reciprocos e no pela via da produo ou da aquisio individuais

A distino entre objsetos de consumo/provises e a propriedade por excelncia [valor mais simblico que do trabalho e matria prima,muitas vezes nicos a entrar nos ciclos rituais de troca] est sempre em vigor na sociedade moderna.

H tambem retribuio de presentes, assim como de convites (tb distribuies liberais de alimentos e bebidas)

Estamos, portanto, tambm aqui em pleno dominio da reciprocidade. Tudo se passa, em nossa sociedade, como se certos bens, de valor de consumo no essencial fossem considerados como devendo convenientemente ser adquiridos em forma de dons recprocos e no em forma de troca ou de consumo individual

-ritual do natal como exemplo de reciprocidade e potlach

o jogo que fornece, na sociedade moderna, a imgagem mais caracterstica dessas transferncias de riquezas, com o fim exclusivo de adquirir prestigio

Durante os ltimos cem anos, o jogo tomou um desenvolvimento excepcional todas as vezes que os meios de pagamento excederam consideravelmente as disponibilidades locais de bens - ex.: histrias de jogo no alasca na expanso mineira ou na amazonia na epoca da borracha

como se, qdo nao consegue esgotar-se no papel de obteno de bens econmicos, o dinheiro retomasse uma outra funo arcaica, a de instrumento de prestgio ao preo do dom e do sacrifcio

Essa ritualizao do uso dos excedentes corresponde regulamentao do uso dos produtos escassos. Entre esses dois extremos encontra-se uma espcie de zona de indiferena e de liberdadeOs requintes da diviso ou da distribuo aparecem com a urgncia ou a ausncia da necessidade

Mas ainda aqui estamos em presena de um modelo geral - seguem diversos exemplos mostrando que se trata de um fato social total, que ultrapassa as questes economicas

Os primitivos s conhecem dois meios de classificar os grupos estranhos: ou so bons" ou so "maus". Mas a traduo ingnua dos termos indgenas no nos deve iludir. Um grupo "bom" aquele ao qual, sem discutir, concede-se hospitalidade, aquele para o qual nos despojamos dos bens mais preciosos, ao passo que o grupo "mau" aquele do qual se espera e ao qual se promete, na primeira ocasio, o sofrimento ou a morte. Com um luta-se, com o outro troca-se.A troca, fenmeno total, primeiramente uma troca total, compreendendo o alimento, os objetos fabricados e esta categoria de bens mais preciosos, as mulheres.

A proibio do incesto e a repugnncia de um campones em beber seu prprio frasco de vinho constituem fenmenos do mesmo tipo, elementos de um mesmo complexo cultural, ou mais exatamente, do complexo fundamental da culturaLS levanta possiveis criticas prpria tese

Deriva uma regra da exceo (dom como exceo na sociedade moderna, mero vestgio)

Aspecto positivo da reciprocidade falta na proibio do incesto como praticada em nossa sociedade. Essa interpretao s poderia ser vlida para os sistemas exogmicos e, particularmente, as organizaes dualistas

A sobrevivncia de um costume ou de uma crena pode, com efeito, explicar-se de duas maneiras: ou o costume e a crena constituem um vestgio sem outra significao a no ser a de um resduo histrico poupado pelo acaso, ou por motivo de causas extrnsecas; ou ento sobreviveu porque continua, ao longo dos sculos, a desempenhar um papel, e este no difere essencialmente daquele pelo qual possvel explicar seu aparecimento inicial. Uma instituio pode ser arcaica porque perdeu a razo de ser, ou, ao contrrio, porque esta razo de ser to fundamentaI que a transformao de seus meios de ao nem foi possvel nem necessria.

Tal o caso da troca. Enqto com relao s mercadorias, o papel da troca diminuiu progressivamente, no referente s mulheres conservou sua funo fundamental - pq as mulheres constituem o bem por excelncia e por nao serem primeiramente um sinal de valor social, mas um estimulante naturalA troca pOde no ser - diferentemente da exogamia - nem explcita nem Imediata. Mas o fato de que posso obter uma mulher em ltima anlise conseqncia do fato de um irmo ou um pai terem renunciado a ela. Apenas, a regra no diz em proveito de quem feita a renncia.

A nica diferena consiste portanto em que na exogamia exprimese a crena de que preciso definir as classes para que se possa estabelecer uma relao entre as classes, enquanto na proibio do incesto basta a relao unicamente para definir, em cada instante da vida social, uma multiplicidade complexa e continuamente renovada de termos direta ou indiretamente solidrios

Seguem diversos exemplos que relacionam as instituies de casamento e de troca

Nhambkwara - ao mesmo tempo medo e desejo do contato com outros bandos

Existe um vnculo, uma continuidade entre as relaoes hostis e a prestao de servios reciprocos. As trocas so guerras pacificamente resolvidas, as guerras so o desfecho de transaes infelizes

Ao fazer a paz -> Da luta passa-se com efeito imediatamente aos presentes

Pode ser atingido um estgio suplementar - dois bandos que chegaram a estabelecer relaes cordiais durveis podem decidir, de maneira deliberada, fundirem-se, instaurando entre os membros masculinos dos dois bandos respectivos uma relao artificial de parentesco, a de cunhados

Existe uma transio contnua da guerra s trocas e das trocas aos intercasamentos. E a troca das noitvas apenas o termo de um processo ininterrupto de dons reciprocos, que realiza a passagem da hostilidade aliana, da angstia confiana, do medo amizade