levi strauss - a análise estrutural em linguistica e em antropologia

13
"e' \ '-'vv'o Rxv--t Q ) J/UYD --\> <!.M CAPITULO Il Q.u.v,. ;).. ",,'e.. f'O>,o., "" -uv: 04 1 J-e J:J.- \Y:, :2. '(>u:oc..ù A-I.' ......... \ ..... C\ \ Jl ,ç,< ( , > ';( c "1 0 1 A ANALISE ESTRUTURAL EM LINGOISTICA E EM ANTROPOLOGIA l No con junto das ClenC las sociais ao qua I perte:ncc indis· cutiv 'cImente. a li ngüistica ocupa, entretanto, um lugar excepR ciona l: ela nao é llma ciência soc ial como as outra;.. -maS a de ha muita, reaIizou os maiores progressas;" a l'mica, 17\ t,.se m duvida, que pade reivindicar 0 nome de cîência e que 'J ao mesmo tempo, a formular mIl método positivo -e a ko nhecer a natureza dos fatos subme tidos à sua anàlise./Esta situ açao pr ivîlegiada acarreta algurnas dependêncîas: 0 lin- güista vera muitas vêzes pesquisadores provenientes de dplinas vizinhas, mas diferentes, se inspirarem em seu exem- plo e tentar seguir seu caminho. Noblesse oblige: Ullla reVistav lingüistica camo Word nao pod e se limitar .: iJustraçâo de teStS e de po ntos de vista estritamente lingüisticos. Tem taro bém que acolher os psicéJogos. soc iélogos e et négrafos an sios os par aprender da Hngüistica moderna e caminho que concluz ao conhecimento positive dos fatos sociais, Como escrevia, ha 'vin te anas , Marcel Mauss: "A sociologia esta ria. cer tamente. muita mais avançacla se tivesse procedido. em tôdas as situaçôes, il maneira dos lingüistas." " ".2 A estreita ana 1 0gia de método que existe entre as ciu as disdplinas lhes impôe um dever especial de colaboraçao. .. A' Oescle Schrad er ,3 nao ha mais necessidade de demons- tra c ej'ûe assistência a lingüistica pode trazer ao sociélogo no estudo dos problemas de parcntesco, Foram lingüistas e filo... 1) Publ!cadO co m 0 titulo, L'Analyse Structurale en lIn g uIstlque et an- thropologIe, Word, JouT1Ial 01 the Li n guü tic Clrcle oi New York, \'01. 1, n_ 2, agOsto de 1945, pp. 1-21. 2) Rapports re els ct pratiques , etc . . ", 'ln: SOCiologie et Anthropologie, Paris, 1951. J) O. 6CHRADER, Prehistorlc Antiquitfc! of the Peopl e.!, trad. F. B. Jevons (Londres, 1(80), cap. XII, 4. 47 .;.,., ., " " "1 " j ., 1 i .,

Upload: angelina-michelle

Post on 02-Jul-2015

1.840 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

~~~ "e' \ '-'vv'o ~ "-' ~Q.<) '<fov,~.(.~ y;~

Rxv--t Q Qy,"t'~~ ) ~.~ ~J-,

.~~.Ja J/UYD

--\> ~ <!.M \.-l-\~

CAPITULO Il

t~~ Q.u.v,. ~ ;).. ~ (~"",.:U;.- ~.t,e.: ",,'e.. f'O>,o., "" -uv: ~u, (~~ 04 ~,) 1 ~ J-e ~/ir.o­J:J.-~ ~ \Y:, Q.e-Y\~. ~)

:2. JJJvvvv?o.v,o.~-,

'(>u:oc..ù ~ A-I.'

......... \ ..... C\ \ ~,{\

Jl ,ç,< ( p-~,I..

, > ';( c

"1 01

A ANALISE ESTRUTURAL EM LINGOISTICA E EM ANTROPOLOGIA l

No con junto das ClenClas sociais ao quaI perte:ncc indis· cutiv'cImente. a lingüistica ocupa, entretanto, um lugar excepR

ciona l: ela nao é llma ciência social como as outra;.. -maS a que~ de ha muita, reaIizou os maiores progressas;" a l'mica,

17\ t,.sem duvida, que pade reivindicar 0 nome de cîência e que 'J ~ chcgou, ao mesmo tempo, a formular mIl método positivo -e a

konhecer a natureza dos fatos submetidos à sua anàlise./Esta situaçao privîlegiada acarreta algurnas dependêncîas: 0 lin­güista vera muitas vêzes pesquisadores proven ientes de dis~ dplinas vizinhas, mas diferentes, se inspirarem em seu exem­plo e tentar seguir seu caminho. Noblesse oblige: Ullla reVistav lingüistica camo Word nao pode se limitar .: iJustraçâo de teStS e de pontos de vista estritamente lingüisticos. Tem taro bém que acolher os psicéJogos. sociélogos e etnégrafos an siosos par aprender da Hngüistica moderna e caminho que concluz ao conhecimento positive dos fatos sociais, Como jâ escrevia, ha 'vin te anas, Marcel Mauss: "A sociologia estaria. cer tamente. muita mais avançacla se tivesse procedido. em tôdas as situaçôes , il maneira dos lingüistas." " ".2 A estre ita ana10gia de método que existe entre as ciuas disdplinas lhes impôe um dever especia l de colaboraçao.

.. A'

Oescle Schrader,3 nao ha mais necessidade de demons­tra c ej'ûe assistência a lingüist ica pode trazer ao sociélogo no estudo dos problemas de parcntesco, Foram lingüistas e filo...

1) Publ!cadO com 0 titulo, L'Analyse Structurale en lInguIstlque et an­thropologIe, Word, JouT1Ial 01 the Lin guütic Clrcle oi New York, \'01. 1, n_ 2, agOsto de 1945, pp. 1-21.

2) Rapports reels ct pratiques, etc . . ", 'ln: SOCiologie et Anthropologie, Paris, 1951.

J) O. 6CHRADER, Prehistorlc Antiquitfc! of the A~an People.!, trad. F. B. Jevons (Londres, 1(80), cap. XII, Pl\.rt~ 4.

47

.;.,.,

., " "

"1 "

j ., 1

i .,

logos (Schrader, Rose) .( que demonstraram a improbabilida-de da hip6tese ___ â quai tanlos soci61ogos aînda se aferrav~~ na mesma época --- de sobrevivê ncias matrilineares na familla ~ 0 Iingüista forneee ao soci6Jogo etimologias que per­

mitem estabeler. entre a lgu ns têrmos de parentesc? vinculos que nâo eram imedi,atamente perceptiveis. Inversamente, 0

fÎ'\. soci6Iogo pode fazer conhecer ao lingüista costumes. reg ras : .~ positivas e proibiçôes que fazem compreender a persistência

de: c.crlos traços da lingupg em , ou a instabilidade de têrmos u de gcupos de têrmos>fburante urna sessao reeente do Cir­

cu la lîngüistico de Nd(a larque. Julien Banfante ilustrava êstc ponto de vista, relembrando a etimologia do nome do tio cm certas linguas romanas: 0 grcgo theios dando, cm italian o,

.:? espanhol e portuguës, zia c tio; e acrescentava que,,, cm a,:gll­V mas regiôcs da Italia, 0 tio sc chama barba . A barba, 0

~ "divino" tio. quantas sugestôes êste:s têrmos nao traze:m ao soci61agol As pesquisas do lastimado Hocart sôbre 0 carâter l'eligiasa da relaçao avuncular c 0 l'ouba do sacrificio pelas parentes maternos, nos vêm logo à mem6ria. 5 Qualquer que seja a interpretaçao que convenha clar aos fatos recolhidos por Hocart (a sua nao é por certo inteiramente satisfatôria), é indubitâvel que ° Hngüista colabora para a soluçao do p;:oblema, revelando, no vocabulàrio contemporâneo, a per­sistência tenaz das relaçôes desaparecidas. Ao mesmo tempo, o soci61090 explica ao lingüista a razao de sua etimologia e confirma sua validade.Mais rccentemente, fai cledicando-se, coma Iingülsta, aos sistemas de parentesco da Âsia do Sul. que Paul K. Benedict pôde trazer uma contribuiçao impor­tante à sociologia da familip desta parte do 'mundo:6

Mas, procedendo dêste . modo, lingüistas e sodôlogos prosseguem inclepcndentemente suas respectivas rotas. Sem

., 41 O. SCHRADER, lac. cit.: H. J. Rose, On tr~ Alleged · Evidence for Mot.her-Rlght l n Early Greece. Folklore, 22 (HJlll. Ver tamb~m, s6bre esta questAo, as outras mals recentes dO G. ThoDlson, favoravel la. hlp6tese de sobrevlvênclas matriUneares.

5) A. M. HOCART, ChlcCtalnshlp and the Slst:r's Son ln the Pacifie, American Anthropologbt, n. 6., vol 17 (1915); The Uterlne Nephew, 'Man , 23 (1923), n " 4; The Cousin ln Vidie Rltual, IncLum AnttquGrV, vol. 5-4 (1925); etc. /

6) P. K. BENEDICT, Tlhetan and Chlnese KlnshJp 'rerms. Harvard Journ. 01 A$iatic Studie,. 6 (1M2); Studles ln Tbal IGnshlp Termlnology, JOUNL. 01 the Muer. Oriental Societ"JI, 63 (194.3 ).

48

1

, J / ,C i ~, ' :

dévida, de vez em quando fazcm uma parada para com uni H

car uns aos outros, a!guns resu ltados: contudo, êstes res\ll­taclos provêm de procedimentos diferentes, e nao se tenta n.enhum esfôrço para faUT beneficiar um grupo corn os pro­gressos técnicos e metodoJôgicos conseguidos pelo outrO. Esta atitude podia ser entendida numa época onde a pes­quisa lingüi sta se apoiava sobr-e.tudo na anâlise histérica. Em relaçao a pcsquisa etnoJôgica, tal camo era praticada no mesmo periodo, a diferença e:ra de grau, mais do que: de

ra natureza. Os Iin güistas tinham um método mais rigoroso; tO seus res ultados cram mais bem estabelecidos; os socîol6gos ~ podiam se inspirar' cm seu exemplo, "renunciando a toma!

por base de suas classificaçôes a consideraçào no espaço das espécie!=i atuél.is";7 mas, afina l de contas, a antropoJogia e a sociologia 56 csperavam liç.ôes da lin giiistica; nada fa zia prever um a revelaçao.8

o nascimento da fonologia subvert eu es ta situaçao. Ela

1:.3.0 renovou apeniJS as perspectivas lingüisticas: uma tran s­formaçâo dessa amplitude nao esta limi tada a uma disciplina

QG2 particular.J'A fon ologia nao pode deixar de desempenhar, -\" perantc!s ciências sociais, 0 mesmo papeI renovador que a

fisica nuclear, por exemplo, desempenhou no conjun t~ das ciéncias exatas. Em que consÎste esta revoluçao, quando . tra­tamos d e encarâ-la cm suas implicaçôcs mais gerais? É 0

il ustre mestre da [onologia, N. Trubetzkoy, quem nos for­nececa a resposta a esta questao. Num artigo-programa,D D êle reduz, cm suru:!, 0 método fonol69i co ~ quatro procedi-

\ .2) ment~ fu~entais: ~m primeiro lugar, a fonologia pass<7 ~ do estudo dos fenômenos Iingüisticos conscientes ao estudo V de sua ' înf raestrutura inconsciente: ela se recusa a tratar oS

térmos como entidades independentes, tOm an do, ao contra-rio, camo base de sua anâlisc as relaçoes ent~e os têrmos:

7) L. BRUNSCHVICG, le Progrès de la C01I.Jct ence dan, la phUo.ophic Occidentale, II (Parts, 1927) , p. a62.

8) Entre 1900 e 1920. os tundadoreti da Itngüistlca. modt!rnn.. Perdinand de Saussure e AntoIne Meillet, sltuam-5! resolut.amente sob a prot.eÇlo dos 6Oc1610gos. SOmente np6s 1920 que Marcel Mauss eomeça, COUlO dlum 08 ec.onomlstas, a inverter Il tendência.

91 N. TRUBETZKOY, la Phonologte nctuelle, ln: P'ilcholoç!e du langage (ParIs. 1933).

49

introduz a noçao de sistemfl -- " A fonologia atual n~io se: limita a dcclarar que os fonemas SaD se:mpr,e membros de um siste:rna. ela mas/ra sistemas fon ol6gicos concretos e tarna patente sua estru tura" 10 -- en fim , visa à dcscoberta de leis _ocrais. quer encontradas por incluçao, "quer. deduzidas Iôgîcamentc, a que Ihcs da um carater absoluto".u

Assim, pela prirncira vez, uma ciência social consegue formuJar re laçocs necessarias. Tai é 0 sentido desta ultima frase de Trubetzkoy, ao passa que as regras precedentes mostram como a lingüistica cleve se arra n;3 f para chegar a êste resultaclo. N50 nos cabc mos trar agui que as pretensôes de Trubetzkoy sac justificadas; a grande maioria dos lin ~ güistas modernos pareee suficicn temente de a:ordo sobre êste ponto . Mas quando sc da um ilcontecimcnto des ta importân~ cia nunla das ciênci.Js do hom~m, n~o SOlllcnte é permitido aos representantes das discipli nas vizinha s, mas exigido dêles , verificar imediatamente suas conseqüências e sua apli­caçao possivel a fa tos de outra ordem.

Novas perspectivas se abrem en tao. Nao se trata mais apenas de uma colaboraçâo o'.:asional , onde 0 lingüista e 0

sociologo, cada quai trabalhando em seu canto, se atÎf3.m, de vez em quando, 0 que ca da um acha que pode in teressar ao outr~~/No estudo dos problem as de parenteseo (e sem du'Vîda tJmbêm no est udo de outras problemas), 0 soci6Jogo 1

se vê numa sit uaçao formalmente semel hante à do lîngüista® N h fonologo camo os fonerna s , 02 térmos de parente~ sac cIe 3 ; Q tJ ~ent<?:s de slgmflcaçao; como êles. 56 àaguirë'iTI esta si9.~i-

~ caçao sob a condlçao di, se llltegrarem em sist€mas; os SIS-

;... ' te mas de parentesco",,,.omo os "slstemas fonologlc os" , 55.0

.J i laborados pelo espmto no estaglo do pensamento Incon s­Icnte, enflill a recorrêncla, em reg locs a fastadas do mundo

em socleclades profundame.nte dlferentes , de formas de pa-! -entesco, regras de casamento, atltudes Idj;ntJcamente pres-

j' eritas entre certos tipOS de parentes, etc 1 faz crer que . cm ~ ambos os casos, os fcn êmenos observâveis resultam do logo -r de leis gerais, mas o::::ultas. 0 problerna pode entào se for-

mular da sëguinte maneira: l1uma ou tra ordcm de realidady

la) Op. c i t., p . 243.

Il) Ibid.

50 rl'J..OiJ lD AOI: OE J l .. 0~ C r ..

BIBLlOTËCA

1 i \." V 1

....... - ... ----------' os fenômenos de parenlcsco sao fenômenos do mcsmo tiPO\

(

qu-e os fenômeno s Iin g i.ii S tî co~ . Pade a sO:i610go , utilizando C~\ um método ana log o, quanto il forma (senac. quanta a~ con- ~)

f( teudo), 30 método introdu,zido pela fono]ogla, conduzlf ,:U3 ~ ciência a um progresse analogo ao que acaba de se reah ... ar

nas ciências lingüisticas? Sentir-nos-cmas ai nda mais dispastos a nos empenhar

'dnesta direçao, quando tivermos feito uma constataçâo suple­QJ m-entar; 0 estudo dos problemas de parentesco se apresenta

::!f.. hoje em dia nos rnesmos termo~, e .. ?a~ece que, às voltas com

las mesrn3S dificuldadcs, que a ImgUlsttca na vespera da revo­luçao fonol6gi ca. Entre a a ntiga lingüistica, . ~ue ,?rocurava, antes de tudo,. na his~ôria seu. principio de .explîcaçao, .c .algu. mas tentativas de Rlvers e XIste llma notavel an<llogla. noS

il dois casos. sozinho, -- o u ·q uase que sc 0 estudo d iacrônico deve explicar fenômenos si ncr6nieos . Comparando a fonol o­gia e a antiga Iin(lüî s ti ~ a, T ruhetzkoy de:fine a pri~~ i r~, camo um "estruturalismo e um universalismo siste:matlco , que opoe ao individual:smo e ao "atomismo" das cscolas ante­riares. E quando ële considera 0 estudo diacrônieo, 0 faz nu ma perspectiva profundamente modificada: "A evoluçâa do sistema fonologico é, a eada momento dada, dirigida pela tcndência a uma finalidade. E sta evoluçao tem pois. um se nt ido. urna 16gica interna , que sc exige da fonologia his­tôrica que torne pa tentc". 1 :.! E sta interpretaçao "individua­lista" , "atamista", exclusivam ente Eundada na contingên-::ia hist6rica, criticada por Trubetzkoy e Jakobson, é exatamente a rnesma. corn deito. que il geralmente aplicada aos problc­mas de parentesco. 13 C ada detalhe de terminologia, c~da regra especial do casamento, é ligada a um costume dlfe· .rente, como um,,1 conseqüéncia ou vestigio: eai-se num ex­ceSSa de descontinuidade. Ninguém ~ pe.rgunta como os sistemas de parentcsco, consiclerados effi seu· :ê?nJUntc;sJ~­crônieo. poderiarri ser 0 resultado ~.~D,t~ari?~~I)<.:a.t1.!~.Q.._~ ___ tre muitas instituiçOes h tte rogénea..;; (a maior parte. allas ,

12 ) op . cH., n. 24:'1: R. JAKOBSON. PrlnZlpen der hist<lnschen pbOnolOgle; :rravaux du Cercle linglli$tique de Pra9U~, IV ; t.ambém, as Remarque.! I"U l'cvoluUon plton%gique du TIU$C, do mesmo autor, Ibid., II.

13) w. H. R. RJVERS. T he H b to ru of ,4j'elanesia'1 Soclctv (Londres, I(H41. pa.Him : Social Organl Zat10n , cd . w . J. Perry (Londres. 1921 ), cap. IV.

51

"

hipo téticas ) , ,c con t_l!_ç .~ .Ju_n..sjona[ Com uma. regu laridadc.-C.­. eficac.j ~. guplqu.Cf..l1."

Contudo, uma d ificuldade preliminar se opoc à transpc-6içao do mê todo fonol09ico aos estudos de 50ciol09 ia primi · tiva . A analogia superficia l entre os sistemas fonol6gicos e os sistemas de parentesco é tao grande que impele imedia-

"'\OJ t tamente a uma pista falsa . Esta consiste cm é1ssimilar, do

1· ponto d·e vista de seu tra tam cnto form a), os técmos de pa­

rentesco aos fo nemas da linguag,zl11 . Sabc-se que, para atin­gir uma lei de estrutura, 0 li ng üis ta analisa OS fon emas cm "clementos diferencia is", que podem entao sec organizados em um ou varias "parcs de oposiçoes" .l~ 0 50ciol090 poderia sec tc'nrado a dissocia r os térmos d e parentesco de um siste-ma da do, seg uÎndo um rnétodo anâlogo. Em nosso sistema de pafente~co. pOf exemp lo, 0 tërmo pai t'em um a conota ç<io posit iva no que concerne, ao sexo , à idacle re lativa, à gera­çao; ao con t rarjo~ tem urna C'xtensao nula, e nao pode tra-

.1Y duzi r um a relaçao de a liança . Assim. perguntar-se-â, para \f' ca da s istema , quais sao as relaç6es expressas, e para cada

têrmo do s istema , qu e conotaçao ..- positiva ou nega tiva ..- possui COm referênc ia a cada uma destas reIaç6es : g.~ ­

raçao, extensao, sexo, idade relativa, afin idade etc. É neste c5tâgio "microssociolôgico" que se espera descobrir as leis cl..e cstrutura mais gera is. coma ° lingüista descobre as suas no estâgio infra-fonê mico. ou ° fîsico no estâgio infra-mole­lecular, isto é, no nivel do atomo. Nestes têrmos, poder-se-ia interpretar a Interessante tentativa de Davis e Warner .1G

Mas irnedia tamente, urna tfïplice objeçao se apresenta. Uma analise verdadeiramente cientifica deve ser real, sim ­plificadora e expli cativa. Assim os clementos diferencia is, que estao no têrmo d a anillise: fonologica , possuem u rna exis­tênc ia objetiva no tri p lo ponta de: vista psicolôgico, fjsio10-9ico e até fisico; êles sao menos numerosos que os fonemas formados por s ua combinaçao; enfirn , permitem compreen-

14) No mesmo 6entldo. 8. TAX . Borne Problems or Soclnl Orgo.n lzntlon. ln: Social AnthropoJoVlI 01 N Orth American 7'nues, F. Eggnn, ed. (C hicago .

1937 ).

15) R. JAIroBSON, Ob8en'o.t1ons 6lU' Je classemcnt phonoloçlQue dcs consonnes. loc. cU.

16) K . DAVIS c W. L. WARNER. Structural Ann lysis of Klnshlp. American AlIthropol09i8t, n . s., vol 37 (1935) .

52

der e reconstruir 0 sistema . Nada disto resultaria da hip6-tese precedente. 0 tra tamento dos têrmos de parentesco, ta l como acabarnos de imagina-Jo, 56 é analitico na aparência : pois de fato. 0 resultaclo é mais abstrato do que 0 principio; afas tamo-nos do concreto ao invés de nos dirigirmos a êle. e 0 sistema d efi nit ivo - se é que ha sistema ai - so poderia ser' conceitua l. Em segundo lugar, a experiência de Davis e Warner prova q ue 0 s istema obtido por êste processo é in fi­nitamente n1ais complicado e dificil de interpre ta r que os dados da experiência.17 Enfim, a hipétese nao tem nenhum valo! in dicativo: ela nao faz compreender a natureza do sistema; permitc menos ainda recons ti tuir sua gênese,

QuaI é a razao dêste re:vés? Uma fidelidade demasiado litera i tiO método do lingüis ta trai , na realidadi:. s.c.u espj~ito . Os têr~os de pa~cnte~co nao têm apenas' urna existência 50-

g CiOJogica : sac também elemen tos do discurso. É preciso nào LX. se esquecer, esforça ndo-se para tra nspô-Io aos métodos de

ana lise do lingüista, que, enquanto parte do vocabulârio, êles dependem dêstes métodos, nao de maneira analogica , mas direta. Ora, a lingüîs tica ensina precisamente que a anâlise fonologica nao incide di retamente sôbre as palavras, mas 50-

'7 mente sôbre as palavras prèviamen te cl issociadas em fone­mas. Na~ existem relaçôes necessari.as no nivel do v~abu­

}If tariO.lB Is to é verdade para todos os elementos do vocabulâ­{ rio.....- ai compreendidos os têrmos de parentesco. Isto é ver­

c;~ dadeiro em lingüistica, c deve pois ser verdadeiro ipso facto ~ (\para uma sociologia da Iioguagem. Uma tentativa camo esta,

cujas possibilidades discutimos agora, consistiria en tao em es tender 0 método fonolôgico, mas esquecendo seu funda­mento. Kroeber, num artigo hem an tigo, previu esta dificul -

!7) t; asslm Que, no fUn d& anill6t! dêstes autoree. 0 térmo 'mando' se encontra substltuldo pela f6rmula:

C2'/2d/9 B U 1- SlEgo (loc. cU.) Aproveltnrcmos a oca.slao para Indlcar dols estudos recent :s. lIt1liumdo

um nparelho 16glco mo.is retlnncto c que oterecem um grande Interl:!sse Quant.o a.o método e a.os resulto.dos. Cr. P. G. LOUNBBURY, A 6emanUc Analysls or the Pawn:e Klns.htp Usage, Language, vol. 32, n9 1956. W. R. OQODENQUOH. Tbe Componentlal Analysls of Klnablp, ID., tb/do

18) Como se notarfl. lendo 0 cap. V. eu usartu presentemente uroa f6r­mul:! mals m:ltlznda.

53

; .

. ~ .

~)f' clade de maneira profética.19 E se concluiu, naquele Illomen­

.' # to. pela imrossibilidade de uma ana lise estrutural dos têrmos de parentesco, é que a prôpria lingüistica Sc encontrava en­tao reduzjda a urna anajjse fon H lca. pSI co log Ica e hlsto[lca. As ciê:ncias sociais devem, corn deito, partilhar as limîta­çôes da lingüistica; mas elas padern também se aproveitar de seus prog l'essas.

1:: precise nao negligenciar também a diferença muita profunda que existe entre 0 t{luadro dos fonemas de uma lingua e 0 quadro dos térmos de parentesco de urna socie­clade. No primeiro casa, nao hâ àuvida quanta il. funçâo: sabemos todos para que serve uma linguagem; serve para comunicaçâo. 0 que 0 Iingüista ignorou durantc: muita tempo, pela cont,raria, e que soment-e a fono logia lhe permitiu des· cobrir, é 0 meio pela quaI a linguagcm chega a êste resulta .. do. A funçao era evidente; 0 sis tcma permanecia desconhe-cido. A êste respeito, 0 soci6logo se en contra em situaçao inversa: que os têrmos de parentesco constituem sistemas , n6s 0 sabemos claramente desde Lewis H, Morgan; pelo

~ .fc0ntrârio, sem pre ignoramos para q ue usa sc destinam. 0 ~ ~esconhecimento desta situaçao inicial reduz a maior parte

. JJ' das anâlises estruturais de sistemas de parentesco apuras ~~ tautologias, E las demonstram ° que é evidente, e negligen­

ciam' 0 que p-ermanece desconhecido. Isto nao signîfica que deviamos renundar a introduzir

um a ordem e descobrir li ma significaçao nas nomenc1aturas de parentesco, Mas é necessâria aa menos reconhecer os pro­blemas especiais que supôe uma socio10gia do vocabulario, e 0

carater ambiguo das reIaç6es que uncm seus métoclos aos d~ lingüistica. Por esta razao, seria preferîve1 nos limitarmos à discussao de um casa onde a analogia se apresenta de ma­neira simples. Felizmente, ternos esta possibilidade,

o que se denomina geralme-nte "sistema de parentcsco" recobre, realmente. duas ordens bem dif-erentes de realidade. Inicialmente. existem aî têrmos, pelos quais se exprimem os diferentes ti os de reJaçôes familia~IMas 0 parentesco nao se exprime ùnicamente numa nomenclatura; os individuos, ou as classes de indiv:duos que utilizam os tê rmos, se sentem

19) A. L. KROEDER. Clnsslflcatory, Systems of RelattonshllJ, Joum. 0/ the Roval Antllropol. Institute, vol. 39. 1909 .

54

- rr{) (o-U ~ao se scntem, conforme 0 caso) obrigados lins em re-~ laçao aos outras a uma conduta determinada: respeito ou '31 ~ familiarid ade, direito ou dever, afeiçao ou hostilid3.de. A ssim , #~Q;' no lado do que propomos nomear a sislema terminol6gÎco ( rr©

\..~ ".1 ·que constitui .. para se rmos exatos, um sistema de vocabul; - U P . rio), existe outra sistema, de natureza igualmente psicoJ6g ica

e social , que designaremos coma sistema de atitudes . ara, se oJ e verdade (com o 0 mostramos acima) .que .? est~do de. siste-

Vmas terminol6gicos nos coloca nllma sltuaçao analoga aquela na quaI nos e~contra mos face aos s i stema~ IOt~olôgi~OS .. ~as inversa, esta SltuaÇaO se cncontra. por asslm dlzer, r~ttflCa­

• ~ .. \ da" quando se trata' de sistemas de atitudes. Adivinhamos

~ papel representado por êstes ûltimos, que é assegurar a

coesao e 0 equilibrio do grupo, mas nao compre-e:ndemos a na­. t ureza das conexôes existentes entre as diversas atitudes, e

nao percebemos sua necessidad-e.:!tl Em cutros têrmos, e como l no ca 50 da linguagem. n6s conhecemos a funçao, mas 0 que l nos falta é 0 sistema .

() 1

Entre sistema t crmino{6gico e sis(ema de atitudes v<E:mos pois uma di~~3.-~a. ~ nos separamos n~ste ponta de A . ..R.---RadcJiffe-Brow~3 ele rea lmente acredltou, camo 1ho c:r;s'u-ratdm ès vêleS. que a segundo era apenas a expres­sao ou a trad uçao no pIano afetivo, do primeiro.2jAo Ion go d êstcs u ltimos anos, foram fornecidos numerosos -exemplos de grupos onde 0 quadro dos tê:rmos de parentesco nao re­f1ete exatamente 0 das at itudes familiais. e redprocamente. 22

~ Enga nar-nos-iamos <lcredltando que, cm gualquer socledade -o slste-ma de parent-esco constltul 0 mClO principal re10 quai

P se regulam as relaçôes Il1dlVlduals, e mesmo nas sooedades ~r onde êste papel lhe é destinado, êle nao 0 preenche sempre­~\?, no mesmo grau . Ademais, é necessa rio dlsttnguir scrupre en-

~ • ' 20).t necessti.rio cxcetuar f). notâv"J obra de W Lloyd WARNER Morphology and l-~unctlons of the AustraHan Murngln T-~'pe of Klnship, Amer Antllrop, n. B., vol. 32-33 (1930-1 931). onde a anâlise do 6lst':!ma de e.tltudea. dlll· cutlvel qunnto ao fundo. nâo del;IC!l. de Inaugurar \lma nOYa t&.8(l no eBtudo dos problemas de parente5Co.

21) A. R. RADCLIFFE-BROWN. Klnshlp Termlnology ln Callfomla, Amer. A.nthrOp., n. 5., vol 37 (1935) ; The Study of Klnshlp Systems, Joum. 0/ the ROll. Anthrop . Inst., vol 71 (1911) .

22) M . E. OPLER, Apache Dnta Concerntng th ~ Relation of Klnshlp Tcrmlnology ta Soclnl Classlflcatlon, Am er. An tilrpp., n. 5., vol. 39 (l937); A. M. HALPERN, Yuma Klnshlp Tcrms, ibid., H (1912).

55

• • • , • t • !

tee dois tipos de atitudes: primeiramcnte as atitud cs ~ nao-cristalizadas e desprovidas de carMer institucio;;ar,--aa;

". quais se pode admit ir que sao, no pIano psi.coI6gico, 0 reflexo n <,,' ''"v. ~r, . ..J:l?ou a eflorescência da terminologia; e I1comitantemente, ou

. ~~- além da s precedentes~ as atitudes es tilizada obrigatôrias,

Id'Sancionadas por tabus ou privilégias, e exprimem atra-

il. vés de cerimonial fixa. Long-e d e refletir automâticamente . a nomenclatura, estas atitudes aparecem freqüentemente

como elaboraç6es secundârias dcstinadas a reso lver contra­diç6es e superar insufic iências inerentes aD sistema termino-16gico. :Bste carilter sintétic6 ressalta de maneira particular­mente surpreendente entre o S W ik Munkan da Austrâlia; neste grupo, os privilêgios de zomba ria vêm sancionar um a contraqiçao entre as r-r..laç6es de parcntesco que unem dois homens, prêviamente ;t seu casamento, c a relaçao teorica que. seria necessario supor entre êles para .explîcar seu casa­mento subseqüente corn cluas mulheres que nao se encontram, entre si, na relaçao correspondente.~3 tIâ contradiçao entre dois sistemas possiveis de nomenclatura, C 0 acento pasto

1 "as atI tudes representa u m esfôrço para integrar, ou uItra­)3àssa t, esta contradiçao entre os termos. Concordaremos s-zm

: diTlculâade corn Raê-:lilfe-Brown para afirmar a existência

~f!:' de "re]açôes reais de interdependência entre a t-erminologia

. e (, resto do sistema" ;2' ao menas alguns de se us cr îticos se . '" enga naram, concluindo , da ausência de um paralelismo rigo­

. , , roso entre atitudes c nomenclatura, a autonornia recÎproca das cluas ordens. Mas esta relaçao de interdepend ência nao ê uma correspondência têrmo a térmo. 0 sistema de at itudes constituî an tes uma integraçao dinâmica do sistema termino-légico. .

. Mesmo na hipôtese ........ a que aderimos sem reserva --- de uma relaçao funcional entre os dois s istemas, tem-se pois 0

direito, por razôes de mêtodo, de tratar os problemas a feren­tes a cada um coma problemas separados. É 0 que nos pro-

23) D. F. THOMSON, The Joklns-Relatlonshlp and Organlzed Obsccnlty in North Que::nsland, Amer. Anthrop., n . s. vol. 37 (1935).

24) The Study of Klnshlp Systems. op. c it., p . 8. Esta ûltlma f6rmula de Radclltrc-Brown IlOS parcce multo mals satlsfn.t6rla. do qu~ sua. a.flr­ma çâo. dc 1035, de que as atltudes apresentam "um grau rn7..oo.vel mc·' te alto de corr:lnçl'to corn Il clnsslt1caçflo terml:loI6gtcll" (Am~r . Anthrc.p., n . s., 1935. p. 53) (cm In g:lês, no orIgInal - notn do T).

56

(j)

pornos fazer aqui par-3 um problema considerado com justiça camo a ponto de partida de qualquer teoria de atitud-es: 0

do tio materno. Tentaremos mostrar camo uma trélnspasiçao l'armaI do método seguido pela fanalogia permitc esc1arecer êste problema sob uma nova luz. Se os soci6logos lhe atri· buiram uma atençao particular, ê? realmente, apenas porque a relaçaa entre a tio materno e a sobrinho parecia se cons­t itu ir em objeto de um importante desenvolvimento nu m gran de numera de soc idades primit ivas. Mas nao basta cons­tatar esta freqüência; é precisa descobrir sua raûio.

Recordemos ràpidamente as principais etapas do desen­volvÎmento dêste problema. Durante todo 0 século XIX e até Sydney Hartland,25 interpretau-se natu ralmente a impar­tância do tic materna como uma sobrevivência de um reg i­me matrîlinear. Ëste conlinuava puramente hipotético, e -sua possibilidad e era particuJarmente duvidosa em vista dos exemplos europeus. Par outro Jado, a tpntativa de R ivers 2 G

para explicar a importância do tio materna na fndia do Sul como urn residuo do casamento entre primas cruzados termi~ nava num resultado particularmcnte af li tivo: 0 prôprio autor teve que reconhecer que esta interpretaçao nao podia expH­car todos os aspectas do problema , e êle se resignava à hip6-tese de que varias costumes heterogêneos, e agora desapare­cidos (o casamento de primos sendo apenas um dêJ.es) , tivessem que ser invocadas p3.ra compreender a ex istência de umLl ûnica institlliçâo . 0 atomismo e 0 mecanicismo triun­favam .27 De fato. é somen te corn 0 artiga capital de Lowie sôbre 0 complexo matrilinear:!8 que sc abre 0 que sc poderia denominar a 'rase modern a" do problema do avun cu lado. Lowie mostra que a corr-elaçao invocada, ou postulada, ell ­t e a redominância do tic materno e um reg ime matrilinear r.Üio resiste à ana ise; de ata: 0 avuncu ado sC' encontra as­sociado a regimes pat rilin-eares tanto quanto <;1 regimes ma-

25) S . HARTLA.NO, Matr1 J!ncal Klnshlp and the Qeustlon of tta Prlority, Mem. 01 the Am~r. Anthrop . A '30C ., -1 (917).

2(1) W. Ii. R. RIVERS. The MarI age ot Cousins ln Indla Jauni. 01 tlte ROyal A.fiatlc SOCkty, julho. 1907 .

27) Op. dt ., p. 62'1.

28 ) R. H. LOWœ. The Matrlllncai Complex. Un1v. 0/ Cal i /omla Publ. in Ami"r. A rcha~ol. and Ethnol .. 16 ( 1919), n 9 2.

57

tri1ineare~. 0 papel do tio materne nao se explica como urna conseqi.iência ou sobrevivência de uro regime de direito ma­terno: é s6mentc a aplicaçâo particu1.3r "de uma tendência muito ge.ral de associar relaç6es seciais definidas corn for­mas definidas de parentesco sem considerar 0 la do materno ou paterno'·. Ëste princîpio, introduziclo pela prim-eira vez por Lowie cm 1919, scgundo 0 qu.al existe uma tcndência

j ge.Ta l paril qualificar a.s a(itl./des, constitui a ùnica base posi­tiVéJ de uma reoria de. 'sistemas de. parentesc.o. Mas ao mesmo tempo. LO\l,:ie deixava aigu mas quest6e.s sem resposta: 0 que ::>c de·nominéJ. corn e:xatidao, de avunculado? Nao se confun-

j dem soh U!l1 ûni:::o têrmo costumes e atitucles diferentes? E se é ve.rdadc que existe uma k~: ndëncia para qualifjcar tôclas as atitude.s. por q ue somenlc algumas atitudes se encontram 3ssociad<Js à rc.laçao avuncular, e !laO, seg undo OS grupos ccnsidcrados, quaisquer atitudes possiveis?

Abrilmos aqui um paréntese para sublinhar a analogia su rpreendente que se manifesta entre a marcha de nasso proble:ma c ccrtas etapas da r-eflexao lingüist ica : a diversi­dade da. s atitudes possiveis no dominio cla s relaç6e:s inter in-

• dividuais ê pràt icamente jJimitada; dâ-se a mesmo para a di­vcrsidade de sons qu·e 0 aparelho vocal ' pode articul.ar, e produz efetivamente, nos primeiros meses da vida humana. Contudo. c3da lingua so retém um nûmero m uito pequeno d entre todas os sons possiveis. e a lingli istica se coloca duas questôes a êste respeito: porque faram selecionados alguns sons? Que relaçôes existem entre um ou muitas sons esco· lhidos c todos os outros? 2!l Nossa esbôço da historia do pro­blema do tia materno sc encol)t ra precisa mente no mesmo estag io: 0 .grupo social, como a. lingua, encontra à sua dis­posiç.ao um mater ial psicofisiol6gico muito rico, do rnesmo modo que a Iingua, êle retém apenas a lguns e1em entos, dos quais ao menos alguns permanecem os mcsmos através das culturas m3is divet'sas, e qu-e ê:le combina cm estruturas sem­pre diversificaclas. Pergunta-se, pois. quaI é a ra zao da esco-1ha , e quais sac as leis de combinaçao,

No que concerne ao problema particular da relaçao avuncular, é en tao para gadcliffe-Brown que convém se diri-

20 1 n. JAKOBSON, KlnderSl'rach,c, AphaSie und allgeT"'l.einc Lautçesetze t Upsala , 1941).

58

g ir; seu célebre artigo sôbre 0 tio materno na Africa do Sul 110

é a primeira ten tativa para atingi r e. analisar as modalidades do q ue poderiamos denominar 0 "pr incipio geral da qualifi­caçao de atitudes". Bastarâ recordar ràpidamentc, aqui, as teses funclamentais déste estudo, hoje clâssico.

Segundo Radcliffe-Brown, 0 têrmo avunculado recobre dois 'STtèrnas de atltudes antitéticas: num casa, 0 fIa materno

1

J epresentâ a tor iô5ële amil ia I; êle é tem ido ........ respeitado, oDe CCI 0 e pOSSUI direitas sôbre seu sobrinho; " _0 outra, é a

l' . sobrin 0 q uem exerce priv il égios de familiaridad,e cm relaçao a seu tio, e pooe trata-lo mais ou "ii1eIios CO>;!lO vitima. Em se­gundo lugar, existe uma correlaçao entre a atitude face ao t io materno e a atitude cam relaçao ao pai . Em ambos os casas, encontramos os me.smos dois sistemas de atitucl-es, ma s invçr­tidos: nos grupos onde a relaçao entre 0 pai e Who é fami­liar , a relaçao entre tio materna e sobrinho é rigorosa : e la onde 0 pai aparece como 0 austero depositârio da autoridade familial, é 0 tio que é tratado corn liberdade, Os dois grupos de atitudes formam en tao, coma diria 0 fonôlogo, pois pares de oposiçôes. Radcliffe-Brow n terminava propondo uma in-

:1 " terpre açao do fenôme no: a ~ :I iaçao Nd-e:term ina, cm '1~ltima f / anâHse, 0 sentido destas oposiçôes. a regime patn mear,

onde 0 pai e a Ii nhagem do pai representam a autoridad-e t(a~ clicional, 0 tio materna é considera do cOQlQJ.ma "mac mas­culi na", geralmente irataclo da mesma ma neira e às vêzcs mesmo c~al"Tlado p~Jo mesmo têrmo que a. mac. A situaçao inversa se encontra realizada no regime matrilinear: ai 0 tio materno encarna a autorid<lde, e as relaç6es de ternura e de fami liaridade se fixam no pai e em sua linhagem.

Dificilmcnte se poderia exagerar a impor tância des ta contribuiçao de Radcliffe-Brown. Apos a impiedosa critica da metafisica evolucionista, tao magistralmente conduzida par Lowie, 0 esfôrço de sintese é retomado numa base posi­tiva. Dizer que êste esfôrço nao atingiu de urna sô vez 0

seu têrmo nao é por certo atenuar a homenagem que se deve prestar ao nrande soci61ogo inglês. Reconheçamos, poi s, que o artigo de Radcliffe-Brown deixa, também êle, abertas

:l0) A. R. RADCL1FFE-BROWN. The Mothcr's Drother ln South ArrIen. SOllth Ajncan Journal oj S'ctellce, vol. 21 (1924).

59

~ C'-' s ~

'"' .. ,'UJ ' Q::- '

P"

questôes tremendas: cm primeiro 1U9a[, 0 avunculado naD se encootra presente t'ID I"odos OS sistemas matrilineares e pa­trilineares; e encontramo-lo às vêz~m sistemas ~nâ.o sâo nem uro nem outrO. 31 Em segu ida, a re:1açao avuncular nao i: uma relaçao a dois, mas a_ quatro térm'Os: cla sup6e um ir­mao, uma irmâ, um cunhado e um sobrinho. Uma interpreta­çao como a de Radcliffe-Brown isola arbltràriamente certo~ elementos de urna es tru tura global. e ue dev.e sec tratadà ca­mo ta. gun5 exemp os simp es salientarËio esta dup <3 (ljfJ:. culdade, ~organjzaçâo social clos indigenas das ilhas Trobriand,

nô Melanésia. se caracteriza pda filiaçao matrilinear, relaçôes livres c . famili ares entre pai e filho. e um antagonismo <Jeen­tuado entre ti at mo e sobrinho. :\2 Ao contrâri(\. os T ë er ess e: do Caucaso, qu.e s50 patrilineares, situam a hos­tilidade entre pai e Who, ao passa que 0 tio materna ajuda seu sobri nh o, presenteando-a corn tlm cavala quando ële ,<::'p'

t:asa. 33 Até aqui, estamos nos limites do esqu·e:ma de Rad~ cliffe-Brown. Ma s consideremos as outras relaçôes familia is -e:m causa: Malinowski mostrou que nas i1has Trobriand, ma­rido e mul her vivem numa atmosfera de intimidade terna e que suas relaçôes apresenta m carâter de reciprocidade. Em com­pe~saçao as relaçôes entre irmao e irma sâo dominadas par um tabu de extremo rigor. QuaI é a situaçao no Caucaso? A reJaçâo entre irmao e irma é que é a reJaçao terna, a tal ponta que, entre: os Pschav, uma filha ùnica "adota '" um irmao que desernpenhara junto dela 0 papel, habituaI ao ir­mao, de casto companheiro de. Ieito, 3 ,' Mas a situaçao é com~ pletamente difeœnte entre esp.osos: um Tcherkess nao vusa aparecer pùblicamente corn sua mulher e sé a visita em se­grêdo. Segundo Malinowski, nao existe insu lto mais 9rave. cm Trobriand, do que dizer a um hornem que éJe se asse-

31) Asslm os Mundogomor da No\'a-Gulné, ond!! a rel&çri.o entre Llo ma-1:erno e sobrln ho é constantement'! famlllar, ao passo que 0. tlllaçAo é altcrnatlvamentc patrllln~ar c matr1l1ncar. cr. Margar!!t MEAD, Sex !lnd Temperament fn PrimitIve Socie ttC8 (Nova Iorque, 1935), pp. 176-185.

32) B . MALINOWSKI. The Scxual Ltfe of Savoycs in Northwe.,tern Me/a-7lesia (Londres, 1929). 2 vols.

33) DUBOIS DE MONPEREUX (1839), cltado segundo M. KOVALEVSKI. l a Famille matriarcale au C!\ucalle. L'Anthropoloyie, t . .; (1893) .

34) I bid .

60

1 ,

1

1

1

-- -

melha a sua irma: 0 Câucaso oferece uro equivale:nte des ta' proibiçâo, corn a int.erdiçao de Se indagar de um homem a respeito da saude d.e s ua mulher.

Quando se consideram sociedades do tipo "Tcherkesse '" ou do tipo "Trobriand", naD basta e.ntao cstudar a correlaçâo· de atitudeso pai/[ill-to e lia/fi/ho da imlli, Esta correlaçao é apenas um aspecte d e um sistema gJobal: onde se acham presen tes quatro tipos de relaçôes orgânicamente ligados, a saber: irmao/irma, marido/mulher, paiffilho, tio mat./filho da irmii. Os dois grupos que nos serviram de exemplo forne-· cern arnbos aplicaçô'es d·2 urna lei que se pode fo rmular as­sim: nos dois grupos, a reJaçao entre tio materno e sobri· nho estâ para a relaçào entre irm âo e irmâ, camo a relaçao entre pai c [i l ho esta para a relaçao entre marido e mulher . .llisde gue um par de relaçôes sc ja conhecido, sera sem pre

ft> possivel deduzjr 0 G1I tro .

Exarninemos, agora , outras casos. Em Tonga, na Poli­nésia, a filiaç50 é patrilinear, camo entre os Tcherkesse. As' relaçôes entre marido e mulhcr parecem publicas e harmo­niosas: as querela ::; domésticas sao ra ras e, se bem que pos­sua freqüentement e um status superior ao de seu marido. a mulher "na a nutre a menor pensarnento de rebeliâo a seu respeito.. para tôdas as questôes domésticas, da se subme­te de barn grada à sua autoridade ~o mesmo modo, ~clna a maior Iiberdade entre ° tio materno e 0 sobrinho: êste é fa1hu, acima da lei, face a seu tio, corn 0 quai tôdas intimida ­des sac permitida s. A estas relaçoes livres se opôem as rc­Jaç6es· entre um filho e seu pai. b st e é tapu, é· proibido ao fi­Iho tocar sua cabeça ou cabelos, roça-Jo enquanto come, dor~ mir em seu leito ou sôbre seu travesseiro, partilhar sua bebi­da ou seu alimenta, mexer nos objetos que Ihe pertencem. Entretanto, a mais forte de todos os télpU é 0 que prevalece entre irmâo e irma, q ue nem podern [icar juntos sob 0 mesmo teto. 3 ;';

Se bem que sejam também patrilineares e patrilocais, OS

Îndigenas do lago Kutubu, na Nova-Guiné, oferecem 0 exem­plo de urna estrutura inversa da PEecedente: "Jamais vi asso~

35) E. W. GIFFORD. Tonga Society, B. P. BisJwp Museum Bui/etin, n9 61, HOllolulu. 1929, pp. 16·22

61

~1 " :1 1 ~I

" l , 1 ., ~o

0/'

1 ,

'. -ciaçao tao intima entre pai c filh o", escreve F . E. Williams a set! respeito. As relaçôes en tre marido e muiher sac ca­racterizadas pela status muito baixo atribu ido ao sexo femi­nino. "a separaçao figorosa entre os centres de intêresse mas­culino e ferninino" . As mulheres. diz Williams, "devem tra· balhar duramente para seu senhac ... de vez cm quando elas protestam e n~cebem uma surra". Contra seu marido , a mu-1her se beneficia sem pre da proteçao de seu irmao. e é: junto dë!e que procura refùgio. Quanto às relaçôes entre 0 sabri­nho e tia materna: "0 que melhar as restlme é 0 têrmo "res­r-e.ito" . . , corn um matiz de tentor ", pois 0 tic materna tem o poder (como en tre os Kipsigi da Africa) de maldizer seu 50brinho e afligi-lo cam uma grave doenç3 . :lf;

Esta ûlt ima estrutura , tjra cl a de urna socie:dade patJ · i!i~ J1Car ê entretanto. do m gs lllO tiro que a dos Slual de Bou­gainville, que tem filiaçâo matrilinear. Entre irrnao e irma, " r elaçôes arnigaveis e generosidade r·~ ciproca". Entre pai e lilho "nada indica urna relaçao de hostilidade. de autorida­de r igida ou de respeito tem-eroso" . Mas as re laçôes do 50-

brinho corn seu tio materna situam-se "entre a disciplina ri­gida e urna interdepcndência naturalmente ~-econhecida". To­davia, "os inrormanfes di zem que todos os rapazes têm um certo pavor de seu tio materno e Ihe ob-edecem melhor do que ao pai". No que concerne ao mar id o e à mulhcr. nao pa­rece que rein a uma boa harmonia e nt re êles: "Poucas jo­Yens cspôsas sao fiéis ... os jovens maridos sao sem pre des­confiados , propensos a c61eras ciumcntas ... 0 casamento im­plica cm tôda espéci-e de a justamentos dificeis" . J 7

Quadro idêntico, mas ainoa mais acentuado em Dobu: matrilîneares e vizinhos de Tiobriand, t3mbém matrilinear, mas corn uma estrutura bem diferente. Os casa is de Dobu sac instaveis . praticam assid uam-ente 0 adultério, e marido c mulher temem sem pre perecer pela feitiçaria um do outro. De Iato . a observaçao de Fortune de "que é uro grave insulto

J6 ) F'. E. WILLIAMS. Natives of Lake Kutubu. Pa:1ua. Oceania, vol. JI. 1940 -1 941 e 12. 1941-194 2. pp. 205-280 d o '101. Il. Group Sentiment and PrimItive Justice. A.merican A nthropologist, vol. 43. n~ 4. Pt. 1. 194L

·37) • Douglas L. OLrVER , A. Salomon I sland Society. K i Tl sh ip and Leader­shfp amOn!} t he 01 Bauf/ainvllle. Cam brldp::'!. Mass . 1955. pa.Jsitn.

62

r faz.er alusào aos podéres de fci tiçaria de urna mulher de modo que 0 seu marido passa ouvîr". parece uma per~uta-

+

Trob rjllnd . ~ mll,trll11'\.

+ , 4

Sluai.- ~Il, trilin.

PlO.

+

l'c:hcrk:es sea.- p!l.tr il in • .

+ i

A== 0

-\ +

, A

10n, ... _ Pôtr1l1n .

i - + i

6= 0 .6.

+\ .6.

1.4c Xutubu,- pa.trJlIn.

çâo das proibiç6es de Trobriand e do Câucaso anterÎormente citadas.

63

, i

,

1

, 1 l

l . . , !: 1 1 , l , l, 1

1 i 1 , , , ,

/

Em Debu, 0, irm ao cl'.! mfle é considerado como 0 mais severo de todos oS parentes. hI e bate cm seus sobrin hos muito tempo dép01S q ue seu S pais deixaram de fazê~ l o", e é proibido pronunciar se u nome. 'Ë. ceftc q ue existe relaçao terna corn 0 "umbigo", marido da irma da mac, isto é, um duplo do pai, mais do que Calll 0 proprio pai. Con tudo, 0 pai ê: considerado como senda "menas severo" do que 0 tio, e , contràriamente à lei de transmissao hereditar ia, êle sem pee pro::ura favoreccr seu Who à clista de seu 50brinho ute ri­

no. Enfim, 0 cio entre irmao c irma é "0 mais fort e: de todos

os clos soda 15" . 38

o que se deve conduir des tes exemp les? A correlaçao entre formas de avunculado e tipas de filiaçao nào esgota 0

problema. Diferen tes fo rm as de avunculado pod ern coexistir corn um m'ësmo bpo d'rlHiaçau;-paffîlïrfêar ou maffili near.

1VIas encon tramos sempre a I11 csma relaçâo fundam enta lentTe os quatro pares de oposiç6es que sao necessarios para a eJa­boraçâo do sistema. Isto aparecera mais claram en te nos es­quemas q ue ilustram nossos ex~mplos, e onde a sinai + re­presenta as relaç6es livres e familiares , 0 sinal as re laçôes aeentuadas pela hostilidade, antagonisme ou reser­va (Fig. 1). Esta simplif icaçào nao é inte iramente legitima, mas pode-se utiliza-la de manei ra pravi séria. Mais adiante procederemas âs distinçô€.s indispc nsaveis.

A lei sincrôn ica de: cOHelaçao élssim suge:rida pode ser veri ficada diacrônicamente:. Se resumimos a evoIuçâo das rc­laçOe:s familia is na ldade Mê:dia, tal como ressalta da exposi­çâo de Howard, obtê:rn-se 0 seg uinte esquema aproximativo : o poder do irmâo sôbre a irmâ diminui, 0 do marido prospe­tTvo aumenta. Sirnultâ neamente. 0 cIo entre pal ë Till'ï"OSe de­bilita, 0 eIo entre tio mater no e sobrinhe se reforça . 3~

Esta evoluçâo pareee eonfirmada pelos documentos reu­niclos pOl' L. Gau tier , pois, nos tex tos "conservadores"

38) Reo F. FORTUNE , The SOTceTers of Dobu , Nova Iorq uc, 1932, p p . 8 .

ID, 45. 62-64, etc .

39 1 O . E , HOW AR D, A fllS toTJI of Matrimonia l Institu t ion s. 3 vols .. Chica go. 19(}4.

64

( Raoul de Cambrai, Gesta dos Loherains etc), a relaçao po­sltlva se estabeleceant-es entre pai e filho, c s6 se desloca progressivamente para 0 tio materna e 0 sabrinho. 40

• •

Vern os pois ·11 que 0 avunculado. para ser eampreendi­do, deve se c tratado corno uma relaçao antcrior a uro siste­ma , e que é 0 proprio sistema que deve sec considCt"aao em seu conjunto, para se percebef sua estrutura, Esta .estrutura es~a f.und ada, ela prépria , sôbre quatro têrmos (irmao, irmâ . pal, ~Jlha) , unidos entre si poc dois pares de aposiç6es coc-

ii relatlv?s, e ta is que . em cada uma das d uas geraç6es em cau­s~ ' eX iste sem pre urna relaçao positiva e uma re1aç50 nega­

, S' tl_va , Agora , 0 q ue é es ta estrutura e quaI pode sec a sua 1'a­/<r zao? A cesposta é a seguinte: esta est rutura é a estrutura de pa~e~tesco mais simples que se pode coneeber e que pode eXIstlr. É , para sermos exatos, 0 elemento do parentesco . .

Em apoio desta aEirmaçâo, pode-se fazer valer um a rgu-mento d.e oc~em 16giea : para que uma estrutura de paren­t-e:co .exlsta, e necessario que se encontrem presentes nela OS

t~es tlpas. de relaç6es familiais sem pre dadas na sociedade h~rnana, Isto é, urna- relaçâo de consangüinidade. uma rela­çao de al~an~a . uma relaçao ,de f iliaçâo; e.m -outras palavras. uma- relaçao de germano corn germana , uma relaçao de espô­s~ .com espôsa , uma reJaçao de pai (ou mâe) corn filho. É fa~ il se ~xplicar que a estrutura aqui eonsiderada é a que per­mite s~tls fazer a esta tripliee exigência, segundo 0 principio da malOr econom ia. Mas as consideraç6es precedentes têm um ca rater abstrato, e uma prova mais direta pode ser in­vocacla para nossa demonstraçao,

65

.'...1;.-- """---

"

- - -. -';- _ .. --, :'

o carMer primitivo .e irredutivel do elemento de paren­tesce ta I como 0 definimos, resulta realmente de modo ime­diato: da cxistência universal da ~S'ibiçao do jnceSto~Isto cquivale a ciizer que, na sociedade humana: um homem 50 pode obter uma mulher de um outro homem. que lha cede sob forma de filha ou de Irma. Nao ternos, pois, necessicla­de de explicar como 0 tic materno faz sua apariçao na estru­tura de parentesco: êle naD aparece, êle é imediatamente dq-do, ële é a sua condiçâo. 0 êrro da 50cio109 ia tradicional , como da lingüîstica tradicional, é de ter considerado os tér­mûs, e nao as relaç6es entre os têrmos.

Antes de continuélrmos, eliminemos ràpidamente algumas objeç6es que poderiam vif ao cspirito. Em primeiro 1ugar, se: a relaça o dos "cunhados" form a 0 c ixo in eyitavel em tôrno do quaI se constrôi a estrutura do parentesco, par que fazer intervir a criança saida do casamento na estrutura elementar? Deve ficar enten diclo que a criança repre:senta ta lvez tanto a criança nascida como a nascer. Mas dito isto, a cfiança é indispensâve1 para atestar 0 carater dinâmico e te1eo16gico do procedimento inicial, que fu nda 0 parente:sco na e através da al iança. 0 parentesco nao é um fenômeno .estâtico : 56 existe para se perpetuar. Nilo pen samos aqui no desejo de perpe-tuar a raça, mas no fata de que , na maior parte dos sÎstemas de pare:ntesco, 0 desequilibrio inicial que se: produz, numa dada geraçao, entre 0 que cede uma mulher e 0 que a [ece­be, 56 pode se es tabi lizar pelas contraprestaç6es que se su­cedem nas geraçôes ulteriores, Mesmo a estrutura de paren­tesco mais ele:mentar existe 'simuItâneamente na ord.em sin­crônica e na ordem diacrônica.

Em segundo lugar, nao se,. poderia conce:ber uma estru­tura simétrica, de mua simplicidade igua1, mas onde oS sexos fôssem invertidos, isto é, urna 'estrutura implicando urna ir­ma, seu irmâo a mulher dêste ultimo, e a filha nascida d e su'a uniao? Se~ dûvida: mas esta possib i1 idade: te6rica pode ser imediatamente eliminada corn base expe rimental: na socie­dade humana, Sa,E. os homens que troca m as mulberes, nao 0

A contrârl o. Resta pesquisar se algumas culturas nao tenderam ( a realizar uma espécie de irnage:m ficticia desta cstrutura si~

métrica. Os casos so podern ser raroS. C hegamos e:ntao a uma objeçâo mais grave. Realmente:,

poderia acon tee el' qu e apenas t ivéss-e:mos conseguido revirar o problema , A sociologia traclic iona l se obstînou em exp1icar

66

a origem do avunculado, e n6s desembaraçamos d esta pesqui~ sa tratando 0 irmao da mac, nao COntO uro elemento extrin ~ seco, mas como um clado imediat.o da est rutura familial mais simples. Como é que se dâ entao que nao encontramos 0

avunculado sempre e em tôda parte? .Pois, se 0 avunculado apresenta uma distribuiçao muito freqüente. êle nao é, con­tudo, universaJ. Seria vao ter evitado a explicaçao de cas os onde êle se acha presente para fracassa r apenas diante de sua ausência.

N Observcmos in icialmente que 0 sistema de parentesco nao tem a mesrna im'portância em tôdas as culturas. Ële for~ nece a algumas 0 principio -ativo que rcgula tôdas as rela~ .ç6es sodais , ou é1 maior parte de las. Em outros grupos , co­n:o nossa socîedade , esta funçao est§. ausente ou ocm redu­zlda ; em outras ainda , camo as sociedades dos indios das P lanlces, cla 56 estâ parcialmcnte preenchida. 0 sistema de parentesco é .urna Jinguagem; nao é uma linguagem u niversal , e outros melOS de expressao e açao padern. ser preferidos: Do ponto de vista do soci610go, isto equivale a dizer que, em presença de: urna cultura determinada, se co10ca sem pre uma q uestao preliminar: sera que 0 sistema é sistemàtico? Uma ta l questâo, absurda à primeira vista , s6 0 seria re:alment~ 'Cm relaçâo à li!1gua; pois a Jing ua é 0 sistema de significaçao por excelência; ela nao pode: 1130 sign ificar, e 0 todo de sua existência esta na significaçao. Ao contrario, a questao deve sel' exarninada corn um rigor crcscente, à medida q ue nos a~astamos da lingua para encarar outros sistemas, que tam­b:-ffi pretendem à significaçao , mas cujo valor de significa­çao pe:rmanece parcial. fragmentario ou subjetîvo : organiza­-çao social, arte, etc.

Além d isto, nos interpretamos 0 avunculado coma um

(j)traço caracteristico da estr~tura elementar. Esta estrutura

..q e1eme?tar, resultante de re laçôes _s1cfi~Lentr.L.q.~ têr­a m~s c' . ao nosso ver.(3C'"verdadeiro atomo do parente~ 42

Nao ha existência que possa ser concebida -ou' dada fora das "y\ :xig~ncia.s .fu ndame~tais de sua es~rutura e, por outro lado.

.ele e 0 UTIlCO rnalenal de construçao de sistemas ma is COffi-

~;/tl ~ s~guramente supér!luo subllnhar que 0 atomlsmo tal como 0 1:uraf'\~OSâ em Rlvers, é 0 da fll oso!1a c1As.slca e nAo a COl1CCpÇâ.O estru­

o tomo, tal como a en coutramos na !lslca modern3.

67

plexos . Pois existem s is temas mais complexos: QU, para ser­mo::; mais exatos. qualquer sistema de paren tesco é elaborado a partir da repetiçao dcsta estrutura e1ementar, ou de sen de­senvolvimento poc integ raçao de novos .e1ementos. É preciso. pois , encarar duas hipéteses: aquela onde 0 sistema de pa­rentesco considerado procede poc justaposiçâo simpl.es de eS­truturas elementares, e onde, por conseg uinte, a relaçâo avun­cular permanece constan temente aparente; e a relaçao onde a unidade de construçâo do sisterna ja é de ord cm rnui to mais compl exa . Neste ûltimo caso, a relaçâo avuncular, mesmo es­tando presente. podera estar imersa num contexto diferencia­do . Por exemplo, pod e-se conceber uro sistema , tomando como ponta de partida a es trutura clementar , mas incorpora ndo a el.a, à dir"eita do tio materno, () roulher dêste ültimo· c, à es­qucrda do pai, primeiramente a irma do pa i, depois 0 marido destq.' Poder-se-ia demonstrar fàc ilmente que um desenvol. vimento des ta ordem aca rreta, na geraçao seguin te, um des­dobramento paral.elo: a criança deve ser en tao distinguida em um Who e uma fil ha , cada quaI unido par uma rclaçao 'simétrica ·e inversa aos têrmos que o:::upam na est rutura as outras posiçoes periféricas (posiçao preponderante da Irma do pai na Polinésia , nhlampsa sul-a fricana, e herança da mu­Iher do irmao da mâe) . Numa estrutura desta ordem, a re4

laçao avuncular continua a ser manifesta ; mas ja nao é mais predominante. Ela pode de.saparecer, ou se confundir corn ou­t ras, em estruturas de urna complexidade a inda maior. Mas precisa mente porque provém da est rutura clementar, a relaçao avuncular reaparece cJaramente, ' e tende a se destacar corn · ên fa se, cada vez que 0 sistema considerado apresenta um as­pecto critico: seja porque esta cm trans formaçao ràpida (cos­ta noroeste do Pacjfico); seja porque se encontra no ponta de contato e conflito entre culturas profundam ente diferen­tes \ F idji. .lndia do Su l); ou, enfim, porque est à prestes a so lrer uma crise fatal (!dade Média européia ),

Enfjrn. seria necessario acrescentar que os simbolos, po­sitivo e ne gativo, que ut ilizamos nos esquemas precedentes. representam uma simplif icaçao excessiva, aceitavel somente como uma etapa da demonstraçâo. Na realidade 0 sistema de

,/t' .~ti tudes elementares compreende ao menos quatro tê~:

uma atitude de afei .âQ.~rnura e de espon taneidade; uma

68

:"Î: , ,

atitude resultante da troca de prestaç6e:s e contraprestaçôes: e. além destas relaçôes bila ter ia is, ciuas relaçôes unilatera is , uma correspondente à atitude do C rE~do r , outra à do devedor. Ou melhor: mutualidade (=); reciprocidade ( ±) direi to ( + ); obrigaçao (-); estas quatro ati tudes lundamentais podern ser represcntadas cm suas re laçôes redprocas, da se4

guinte maneira :

= . 1 '

Fig. 2.

Em muitos sistemas, a r e: laçao en t re dois individuos se exprime freqüentemente , nao por uma (mica atitude, mas por varias delas q ue formam, por assim dizer. um feixe (assim , nas ilhas Trobriand. entre marido e mulher encontra-se mu­tualidacle mais reciprocidade). Existe ai uma razao suple· mentar pela quaI pode ser dificil disti nguir a estrutura fun­

da mental. •

• •

Tentamos mos( rar tudo 0 que a (lnali~ precedente deve aos mestres contemporâneos da sociologîa primitiva . Entre­tanto, é preciso sublinhar que, no ponte mais fundamental, eta se afasta de seu ensinamento. Ci ternos, por exempto, Radcliffe-Brown:

A unidadc de estrutura da qua! se constréi am paren·

~~tesco é 0 grupo que denomino uma "'familia e[ementar", a

. quaI consiste cm um homem e sua mu/her e seu ! ilho (a) ou , . [Ilhos (as) A eXlstência da famil ia elementar cria trés ~ J t ipOS espeClalS de rclaçôes socwis. entre paL (mae) e litho (a). t:) e~lre f i/Il os (as) dos mcsmos pais (germanos) . e entre mla-

'/-., ndo c mu/her coma pais do mcsmo fi/h o (a) ou fi/hos (as) .. ' As tris rclaçoes que existem dcntro da familia /elementa r con!:tituem 0 que denomino de primeira ordem. Relaçoes de

69

..... ... ... -:; i

-• ..

.. ,It.

• • ,.

"

- -segunda 'ordem sao aquelas que dependem da concxlio de duas familias elementares Btravés de um membro C011lunt, tai como 0 pai do pai, 0 irmiio da m'âe, a irmâ da cspôsa, e as­sint por diante. Na terceira ordent estâo pessoas como 0

[ilho do irmao do pai, 8 espôsa do irmao da mac . Dêste modo podemos traçaI'" se possuimqs-.klformaçao ge neal6gi­ca , re/a çoes de quarta. quinta ou ené.')ima ard em . 43

A idéia expressa nesta passagem. segundo a qual a fa­milia biolôgica constitue 0 ponta a partîr do quaI tôda so:i e­cl ade elabora seu s istema de parentesco, nâo é certamente pr6-pria do mestre inglês: nem é a que teria haje cm dia a maior unanimiclade Segundo n05sa opiniao, nao exis te umêl idé ia ma is perigosa . Sem duvida, a familia bio16g ica es tà presen te e se proJonga na sociedade humana, M as 0 que confere ao pa rentesco seu carater de fato social nao é 0 que ê. le deve conservar da nature:za: é 0 procedimento essenciaJ pela quaI se separa dela , U m sistema de parenteseo nao con­s ist-e: nos dos objetivos de filiaçâo ou eonsansüiniclad e dadas en tre os inclividuos; s6 existe na consciência dos hom ens. é um -s istema arbitrar Îo de representaçôes . nao 0 desenvol­v imen to espontâneo de uma situaçao de fato, Certamente is to nao significa que esta situaçao de fato seja a utomàtica­mente contradita , ou até sîmplesmente ignorada. Radcliffe­Brown mostrou, em estudos presentemente clâssicos, que os sistemas de aparência mais rigida e mais artifîcial , como os sis temas australianos de classes matrimoniais, levam em con­sideraçao, cuidadosamente, 0 parentesco biolôgico. Mas uma . observaçao tao indiscutivel quanto a sua d-e ixa intae to 0 fa­to, ao nosso ver decisivo, de. que, na sociedade humana . 0

parentesco 56 é admit ido a se estabelecer e se perpetuar por r e através de determinadas mOdal idades de aliança. Dito de outro modo, as relaçÔ'ts tratadas por Radcliffe-Brown de "re­la çôes de primeira ordem" sao funçao, e dependem, das que ële considera como secundàrias e derivadas. 0 cara ter pri­mordial do parentesco humano é -exigir, coma condiçâo de exis tê;l.(;j-a;-o-I..elacionamento disto que Radc1iffe-BrO\\'1l cha­ma '''{;:: milias elementares;'. Entâo, 0 que é vercladeiramente "eJcmentar" nao sao as famil ias , têrmos isolados , mas a re-

;W

43) A. R . RADCLIFFE-BROWN, op. cH., p. 2 (em lngl/!s, no original -Nota do T).

70

laçâo entre êstes têrm os. Nenhuma outra interpretaçao pode explica: a universaliclade da praibiçao do incesto. da quaI a relaçao avuncular , cm seu aspecta mais guaI, é somente um coralâdo, ora manifesta e or? disfarçado.

Porque sac s istemas de s imbolos, os sistemas de pareo­teSCQ oferecem ao antrop61ogo um campo privilegiado. no quaI seus esforços podem guase (e insistimos sôbre Isto: quase) reunir-sc aos da ciência social mais desenvolvida ou seja, a lingüistica. Mas a condiçao dê.ste e{lcontro do ~ual se pode esperar um melhor conhecimento do homem é de nao perder jamais de vista gue no casa do estudo s~ioJ6-g.ico c~mo no casa do estudo lingüist ico, oestamos cm pieno slmbohsmo. Ora, se é: leg itimo e, num sentido, inevitâve1 , recorrer ~à i.ntcrpretaçao natural ista pa ra tentar compreendcr a em ergencl~ d~ pcnsamento siJnb6lico, desde que ëste apa­reee, a expl1caçaa deve mudar tao radical mente de natureza quan ta 0 fenôm eno recentement.e aparecîdo difere dos fenô­menos que ° precederam e prepararam. A partir déste mo­menta, qu~lquer concessao ao naturalismo arriscaria compro.. met.e r os lmensos progressos jâ realizados no dominio lin­güistico. ~ que c.on:eçam a se esboçar também na socio)ogia da familla, e arroJar esta ûltima num empirismo sem inspi­raçao nem fecundid ade.

71