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Direito da Família 2009/10 Direito Matrimonial 1 Rita Terrível 20070376

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Direito da Família 2009/10

Direito Matrimonial

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Direito da Família 2009/10

Noções Fundamentais

Noção jurídica de família

O art. 1576º CC considera fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.Se o casamento e a adopção, como actos jurídicos, são verdadeiramente fontes das correspondentes relações jurídicas familiares, já o mesmo se não pode dizer do parentesco e da afinidade que são eles próprios, relações familiares, derivadas, respectivamente da geração e da geração e do casamento.

A relação matrimonial é a relação que em consequência do casamento liga os cônjuges entre si.As relações de parentesco são as que se estabelecem entre pessoas que têm o mesmo sangue, porquês descendem uma das outras ou porque provêem de um progenitor comum. Há relações em si mesmas não familiares, mas obrigacionais ou reais, que nascem e se desenvolvem na dependência de uma relação de parentesco, e cujo regime é influenciado por tal circunstância, por isso mesmo sendo abrangidas e estudadas no direito da família.As relações de afinidades são elas mesmas um dos efeitos da relação matrimonial. São as que, em consequência do casamento ficam a ligar um dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge.As relações de adopção estabelecem-se entre adoptante e adoptado ou entre um deles e os parentes do outro.À família de uma pessoa pertencem não só o seu cônjuge e como ainda os seus parentes, afins, adoptantes e adoptados; este conceito assim tão lato é que corresponde à noção jurídica de família.A família, em sentido jurídico, constitui um grupo de pessoas mas não é ela própria uma pessoa jurídica. Não quer isto dizer que a lei não reconheça o grupo familiar como portador de interesses próprios, interesses distintos, de alguma maneira, dos interesses individuais das pessoas que formam o grupo.

Relações parafamiliares

As relações mencionadas no art. 1576º são as verdadeiras e próprias relações de família; ao lado delas, porém, há outras que, não merecendo essa qualificação, são conexas com relações de família.

O direito da família e as suas divisões

Direito da família – conjunto das normas jurídicas que regulam as relações de família, as relações parafamiliares e ainda as que, não sendo em si mesmas familiares ou parafamiliares, todavia se constituem e desenvolvem na sua dependência. É o ramo do direito civil a que pertence o estudo daquelas normas: a sua interpretação e aplicação, a construção de conceitos com base nas soluções legais e a ordenação sistemática desses conceitos.

Direito matrimonial – pertence o estudo do casamento e dos seu efeitos. Direito da filiação – tem por objecto as relações de filiação e a matéria da

adopção.

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Direito da tutela – estuda a organização tutelar na sua constituição e funcionamento.

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Relações familiares distintas da relação matrimonial

Parentesco

Noção e limite

O parentesco é uma relação de sangue, por isso se chamando também consanguinidade; são parentes as pessoas que descendem uma das outras ou procedem de progenitor comum (art. 1578º). Diz-se que no 1º caso o parentesco é em linha recta ou directa e no 2º em linha transversal ou colateral (art. 1580º).Deve-se ter em conta o limite à relevância jurídica do parentesco posto no art. 1582º, segundo o qual os efeitos do parentesco se produzem em qualquer grau na linha recta, mas só até ao 6º grau na colateral (excepção no art. 2042º).

Contagem

O parentesco conta-se por linhas e por graus. Nos termos do art. 1579º cada geração forma um grau e a série dos graus constitui a linha de parentesco.A linha recta pode ser descendente ou ascendente (art. 1580º).O cômputo dos graus faz-se segundo as regras do art. 1581º: na linha recta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor; na linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos e descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum. Segundo este processo de contagem, os irmãos, ou os avós e netos, são parentes em 2º grau, os tios e os sobrinhos em 3º, etc.

Efeitos

Os efeitos variam consoante a relação de parentesco que se considere. O efeito principal do parentesco é o sucessório e a obrigação de alimentos.Os efeitos do parentesco que se traduzem em limitações ou restrições à capacidade jurídica. Segundo o art. 1602º não podem contrair casamento entre si os parentes na linha recta, nem os parentes em 2º grau na linha colateral. E também os parentes em 3º grau na linha colateral não podem casar mas o impedimento é agora meramente impediente, e admitindo dispensa (art. 1609º).

Afinidade

Noção

A afinidade é o vínculo que liga um dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge (art. 1584º CC).Aos parentes e não aos afins:é o que se costuma exprimir na máxima afinidade não gera afinidade. O padrasto não é afim da mulher do enteado.A fonte da afinidade, ou das várias relações de afinidade, é, pois o casamento.Um casamento, naturalmente ainda não dissolvido. E como o casamento é que é a causa da afinidade, esta só começa coma celebração do casamento. A afinidade não opera para trás, não é retroactiva, e sobre isto não se levantam dúvidas. Mas a afinidade cessará igualmente quando se dissolve o casamento que lhe deu origem? Seria de certo modo a

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solução lógica, mas o art. 1585º resolve de outro modo, dispondo que a afinidade não cessa pela dissolução do casamento.

Contagem

Conta-se da mesma maneira que a afinidade.

Efeitos

Os afins não têm direitos sucessórios e, no tocante à obrigação de alimentos, a lei só a impõe ao padrasto ou madrasta, relativamente a enteados menores.O art. 1602º considera a afinidade em linha recta impedimento dirimente relativo à celebração do casamento.

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Relações Familiares

União de Facto

Noção

A legislação anterior referia-se-lhe como vida em comum em condições análogas às dos cônjuges. As pessoas vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, como se fossem casadas, apenas com a diferença de que não o são, pois não estão ligadas pelo vínculo formal do casamento. A circunstância de viverem como se fossem casadas cria uma aparência externa de casamento, em que terceiros podem confiar, o qe explica alguns efeitos atribuídos à união de facto. A união de facto distingue-se igualmente do concubinato duradouro, por mais longo que este seja. Embora haja aí, de alguma maneira, comunhão de leito, não há comunhão de mesa nem de habitação. A unidade ou exclusividade da união de facto, que é exigida pela vivência em condições análogas às dos cônjuges. Uma pessoa só pode viver em união de facto com outra, não com duas ou mais.Foi a reforma de 1977 (art. 2020º) que usou pela primeira vez a expressão união de facto para designar a situação das pessoas que não são casadas mas vivem como se o fossem.

Formas e motivações

Às vezes trata-se de convivência pré-matrimonial, assumida como situação transitória. As pessoas querem casar, mas há um impedimento temporário ao casamento.

Outras vezes a situação é aceite como definitiva. Os membros da união de facto, deliberadamente, não querem casar.

Na coabitação juvenil os jovens não querem assumir já um compromisso, mas admitem vir a casar.

Há também a união de facto dos estratos mais desfavorecidos da população. Há pessoas que não se casam porque o casamento lhes traria desvantagens.

A união de facto e a CRP

A CRP não fala na união de facto nem dispõe directamente sobre ela.Alguma doutrina, tal como Gomes Canotilho e Vital Moreira, tem entendido que a união de facto está prevista na 1ª parte do nº 1 do art. 36º, segundo os quais do direito de constituir família enunciado naquele preceito decorreria uma abertura constitucional para conferir o devido relevo às uniões familiares de facto. Para nós esta posição não nos parece correcta. Embora a formulação do art. 36º levante as maiores dúvidas e várias interpretações sejam legítimas, temos entendido que o art. 36º nº 1, primeira parte não pretende referir-se à união de facto mas respeita exclusivamente à matéria da filiação.Se a união de facto não está directamente prevista na CRP está porém abrangida no direito ao desenvolvimento da personalidade, no art. 26º. Este artigo não exige, todavia, que o legislador dê à união de facto efeitos idênticos aos que dá ao casamento, equiparando as duas situações.

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Não se dia que o diferente tratamento do casamento e da união de facto viola o princípio da igualdade. Um tratamento diferente das duas situações, em que as pessoas que vivam em união de facto, não tendo os mesmos deveres, não tenham em contrapartida os mesmos direitos das pessoas casadas, mostra-se assim conforme ao princípio da igualdade, que só quer tratar como igual o que é igual e não o que é diferente, não havendo base legal para estender à união de facto as disposições que ao casamento se referem. Uma legislação que equiparasse a união de facto ao casamento, impondo às pessoas que vivem maritalmente os mesmos deveres e concedendo-lhes os mesmos direitos que impõe e concede às pessoas casadas, também seria inconstitucional, pois violaria o seu direito de não casar, dimensão ou vertente negativa do direito de contrair casamento. Se as pessoas vivem em união de facto porque não querem casar, embora pudessem fazê-lo, seria uma violência impor-lhes o estatuto matrimonial, que elas deliberadamente rejeitaram; a imposição desses estatuto seria uma grosseira violação do seu direito de não casar.Em conclusão, cremos que a CRP não permite penalizar a união de facto nem equipará-la ao casamento: entre estas duas balizar vale o princípio democrático, que permite ao legislador ordinário conformar livremente o regime da união de facto, de acordo coma opção mais progressiva ou conservadora da política familiar adoptada.

A união de facto, relação de família?

Em face do art. 1576º que apenas considera relações de família as que resultam das fontes que estão aí mencionadas, temos entendido que a união de facto não é uma relação de família para a generalidade dos efeitos.O direito português regista noções mais amplas e menos técnicas de família, válidas em certos domínios ou para determinados efeitos. Assim, o direito da segurança social acolhe o conceito de agregado familiar, de que faz parte a pessoa ligada por união de facto com o beneficiário.

A institucionalização da união de facto na Lei n.º 135/99 e na Lei n.º 7/2001

Em Portugal a relação foi de certo modo institucionalizada na Lei nº 135/99, revogada pela Lei n.º 7/2001.Há porém disposições inovadoras que permite às pessoas de sexo diferente que viviam em união de facto a adopção conjunta de menores, nos termos do art. 1979º.

Constituição da relação

A união de facto constitui-se quando os sujeitos da relação passam a viver em comunhão de leito, mesa e habitação, como marido e mulher. Não sendo objecto de registo civil nem de registo administrativo não se torna fácil saber quando a união de facto se inicia. É importante sabê-lo pois só a partir dessa data se contam os dois anos que devem decorrer para que a união de facto produza os efeitos previstos na lei 7/2001.

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Conteúdo da relação: efeitos pessoais e patrimoniais

B – Condições de eficácia

Na lei 135/99 o primeiro dos requisitos era a heterossexualidade. No direito actual a união de facto entre pessoas do mesmos sexo parece estar equiparada à união de facto entre pessoas do sexo diferente, gozando de igual protecção jurídica, salvo para efeitos de adopção.

A união de facto só produz efeitos se já dura há mais de dois anos. Não deve existir impedimento dirimente ao casamento dos membros da união de

facto (1601º e 1602º). Não podendo as pessoas abrangidas por estes impedimentos celebrar casamento, por haver aqui interesses públicos fundamentais a salvaguardar.

C – Efeitos pessoais

Não assumindo compromissos, os membros da união de facto não estão vinculados por qualquer dos deveres pessoais que o art. 1672º impõe aos cônjuges e nenhum deles pode acrescentar aos seus apelidos do outro (art. 1677º).A união de facto releva para efeitos de aquisição de nacionalidade. O estrangeiro que vivia em união de facto com nacional português há mais de três anos pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração de vontade.Quanto aos filhos, há a notar que a paternidade se presume quando tenha havido comunhão duradoura de vida entre a mãe e o pretenso pai no período legal da concepção (art. 1871º) e que se os progenitores conviverem maritalmente, o exercício do poder paternal pertence a ambos se declarem perante o conservador do registo civil, ser essa a sua vontade (art. 1911º); neste caso, são aplicáveis as disposições que regem o poder paternal na constância do matrimónio (art. 1901º) e bem assim as relativas à regulação do exercício do poder paternal no caso de divórcio, separação de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento (art. 1905º).

D – Efeitos patrimoniais

As relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros estão sujeitas a um estatuto particular, a que se chama regime de bens do casamento. Não acontece assim na união de facto.A vida em economia comum é um dos aspectos em que se exprime a união de facto. Esta pode prolongar-se por muitas anos, durante os quais as pessoas adquirirem bens, contraem dívidas, movimentam contas bancárias em nome de um deles ou de ambos, tudo com interferência nos respectivos patrimónios.

As relações patrimoniais dos membros da união de facto se regem pelo direito comum das relações obrigacionais e reais, podendo aqueles contratar com terceiros ou entre si como se de estranhos se tratasse. É o princípio geral que comporta porém a excepção prevista no art. 953º que manda aplicar às doações o art. 2196º. É nula a doação à pessoa com quem o doador casado cometeu adultério. Se for solteiro viúvo ou divorciado a doação que faça é válida.

Os membros da união de facto vivem em comunhão de leito, mesa e habitação, como se fossem casados, o que cria uma apareñcia de vida matrimonial, que pode suscitar a confiança de terceiros que contraem com os membros da relação ou com um deles. É razoável estender à união de facto o art. 1691º, entendendo

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que os sujeitos da relação são solidariamente responsáveis (art. 1695º) pelas dívidas contraídas por qualquer deles para ocorrer aos encargos normais da vida em comum.

O acórdão da Rel. De Évora decidiu que a pessoa que vive em união de facto com outrem não pode reclamar do seu ex cônjuge o pagamento de alimentos, por aplicação analógica do art. 2019º quando este se refere ao casamento.

Torna-se aplicável aos membros da união de facto o regime do IRS.

Extinção da relação

A – Princípios geraisA união de facto pode extinguir-se, quer pela ruptura da relação, ruptura por mútuo consentimento ou por iniciativa de um dos seus membros, quer em consequência da morte de algum deles.Extinta a relação, há que proceder à liquidação e partilha do património do casal, que pode suscitar dificuldades, sobretudo, quando a vida em comum durou muito tempo. Não valendo aqui os art. 1688º e 1689º que só ao casamento respeitam, as regras a aplicar são as que tenham sido acordadas no contrato de coabitação eventualmente celebrado e, na sua falta, o direito comum das relações reais e obrigacionais.

B – Ruptura. Destino da casa de morada comumNão excluímos a possibilidade de a ruptura da união de facto, em determinadas circunstâncias, se mostrar clamorosamente injusta, com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé ou pelos bons costumes ao exercício do direito (art. 334º). Suponhamos que um dos sujeitos rompe a ligação depois de dezenas de anos de vida em comum, e que o outro, já muito idoso e gravemente doente, sempre o auxiliara dedicadamente na sua vida pessoal e profissional. O abuso do direito não privará o sujeito mesmo neste caso, do direito de romper a união de facto, mas obrigá-lo-á a reparar os prejuízos causados.Questão diferente é a do destino da casa de morada comum no caso de ruptura da relação. Há que distinguir conforme se trata de casa própria (art. 1793º) ou de casa tomada de arrendamento (art. 1105º).

C – Morte Se o falecido não era casado ou, sendo casado, estava separado de pessoas e

bens, o sobrevivo que vivia com ele em união de facto há mais de dois anos tem direito a exigir alimentos da herança caso não possa obtê-los do cônjuge ou ex-conjuge, dos descendentes, dos ascendentes ou dos irmãos (art. 2020º). A lei não exige que a união de facto não tenha sido adulterina durante o prazo de dois anos, o qual apenas é requerido como garantia de estabilidade da relação; basta que à data da morte o falecido não fosse casado ou estivesse separado de pessoas e bens, embora o seu casamento só se tivesse dissolvido por morte ou divórcio há menos de dois anos.

A lei nº 7/2001 concede ainda ao sobrevivo o direito real de habitação da casa de morada comum pelo prazo de cinco anos.

Deu a lei igualmente ao sobrevivo o direito de preferência na venda da casa pelo prazo de cinco anos.

Transmissão do direito ao arrendamento para habitação. No caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da união de facto,

o sobrevivo poderá exigir ao autor da lesão uma indemnização dos prejuízos

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sofridos? Tratando-se de danos patrimoniais pode (art. 495º), mas já não é aceite quanto aos danos não patrimoniais porque o elenco do art. 496º é taxativo.

A lei dá ainda ao sobrevivo direito ao subsídio por morte e á pensão de sobrevivência.

O trabalhador pode faltar justificadamente 5 dias consecutivos por falecimento da pessoa com quem vivia em união de facto, desde que esta durasse há mias de dois anos.

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Princípios constitucionais do direito da família

Os art. 36º, 67º, 68º e 69º da CRP consagram certo número de princípios, que delimitam, neste domínio, o âmbito em que o legislador ordinário pode mover-se.

1º princípio – direito à celebração do casamento

O princípio está expresso no art. 36º/1 2ªparte, mas não pode entender-se literalmente. A afirmação constitucional de que todos têm direito a contrair casamento em igualdade de condições, tomada à letra, levaria a que fossem consideradas inconstitucionais quaisquer normas que estabelecessem impedimentos ao casamento. Não deve porém a legislação ordinária estabelecer impedimentos que não sejam justificativos por interesses públicos fundamentais.Existe a questão de saber se este artigo concede apenas um direito fundamental a contrair casamento ou, mais do que isso ou ao mesmo tempo do que isso, é uma norma de garantia institucional. Embora a CRP não formule de modo explicito um princípio de protecção do casamento, temos entendido que a instituição do casamento está constitucionalmente garantida, pois não faria sentido que a CRP concedesse o direito a contrair casamento e, ao mesmo tempo, permitisse ao legislador suprimir a instituição ou desfigurar o seu núcleo essencial.

2º princípio – direito de constituir família

É o princípio consagrado no art. 36º/1, 1ª parte CRP, o qual, obscuro como é permite diferentes interpretações.Gomes Canotilho e Vital Moreira interpretam este artigo dizendo que este visa fundamentalmente a união de facto. O conceito constitucional de família não abrange, portanto, apenas a família jurídica, havendo assim uma abertura constitucional para conferir o devido relevo jurídico às uniões familiares de facto. Constitucionalmente, o casal nascido da união de facto também é família e, ainda que os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges, seguramente que não há distinções quanto às relações de filiação daí decorrentes. Não temos a mesma posição. Família e casamento são realidades distintas e o legislador constitucional terá tido o propósito de marcar a distinção.Apesar da formulação maximalista do art. 36º/1 que a todos concede em condições de plena igualdade o direito de constituir família, admitimos que a atribuição deste direito conheça limitações ou restrições na lei ordinária.

3º princípio – competência da lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, independentemente da forma de celebração

É o princípio consagrado no art. 36º/2 que visa fundamentalmente, subtrair ao direito canónico a regulamentação das matérias aí previstas. Relativamente aos efeitos do casamento, o princípio não levanta dificuldades, pois os efeitos do casamento católico, quer os patrimoniais quer os pessoais, já eram regulados pelo direito civil mesmo antes da CRP.Em conclusão, a concordata de 2004 deixou nas mãos do legislador nacional a opção a tomar: manter o disposto no art. 1625º, reservando aos tribunais eclesiásticos o conhecimento das causas respeitantes à nulidade dos casamentos católicos, ou alterar

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esse preceito e, à semelhança do disposto nas legislações espanhola e italiana, permitir que os casamentos católicos não só possam ser declarados nulos no foro eclesiástico como possam ser anulados nos tribunais civis.

4º princípio – admissibilidade do divórcio, para quaisquer casamentos

Seria, pois, inconstitucional a norma que proibisse o divórcio, em geral ou mesmo só quanto aos casamentos católicos. O art. 36º/2 não deixa dúvidas a este respeito.

5º princípio – igualdade dos cônjuges

O art. 36º/3 consagra o princípio da igualdade dos cônjuges, que é uma aplicação do princípio geral do art. 13º e tem o maior interesse prático, tanto no âmbito do direito matrimonial como no do direito da filiação.No que se refere ao direito matrimonial, o princípio da igualdade dos cônjuges feriu de inconstitucionalidade as normas do CC que colocavam a mulher casada em situação de desfavor relativamente ao marido, normas que a reforma de 1977 suprimiu ou adaptou aos novos imperativos constitucionais.No âmbito do direito da filiação, o princípio assume relevo sobretudo quanto ao poder paternal, que tratando-se de filho nascido do casamento, é exercido por ambos os pais (art. 1901º).

6º princípio – atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos

O princípio formulado no art. 36º/5 CRP tem duas faces distintas. Trata-se em primeiro lugar, de um poder em relação aos filhos, cuja educação é dirigida pelos pais. Por outro lado, trata-se igualmente de um poder em relação ao estado, ao qual pertence cooperar com os pais na educação dos filhos (art. 67º/3 CRP).

7º princípio – inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores

É o princípio enunciado no art. 36º/6 CRP, segundo o qual os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

8º princípio – não discriminação entre filhos nascidos do casamento e fora do casamento

O princípio está expresso no art. 36º/4 CRP. A segunda parte da disposição enuncia o princípio da não discriminação em sentido formal, não permitindo o uso de designações discriminatórias como as de filho ilegítimo ou outras que não se limitem a mencionar o puro facto do nascimento fora do casamento dos progenitores. A primeira parte do artigo formula o princípio da não discriminação em sentido material, não permitindo que os filhos nascidos fora do casamento sejam por esse motivo objecto de qualquer discriminação.Há diferenças de regime que na verdade desfavorecem os filhos nascidos fora do casamento mas que também parecem conciliáveis com o princípio da não discriminação, enquanto sejam suficientemente justificadas pela diversidade das condições de nascimentos dos filhos. É o caso, sobretudo, da presunção pater is est (art.

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1826º) que só vale em relação aos filhos nascidos do casamento, não beneficiando, compreensivelmente os nascidos Dora do casamento.

9º princípio – protecção da adopção

Segundo o art. 36º/7 a adopção é regulada e protegida nos termos da lei, o que tornou a adopção objecto de uma garantia institucional: a adopção, como instituição, é garantida pela CRP, que assegura a sua existência e a sua estrutura fundamental, não podendo, pois, o legislador ordinário suprimi-la nem tão-pouco desfigurá-la ou descaracterizá-la essencialmente.

10º princípio – protecção da família

É o princípio enunciado no art. 67º CRP o qual, como já tivemos ensejo de referir, concede à própria família um direito à protecção da sociedade e do estado, tornando-a, assim objecto de uma garantia institucional.

11º princípio – protecção da paternidade e da maternidade

Iguais observações merece o art. 68º que considera a paternidade e a maternidade valores sociais eminentes e concede aos pais e às mães, neta qualidade, sejam ou não unidos pelo matrimónio, um direito à protecção da sociedade e do estado na realização da sua acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à educação destes, para que a paternidade e a maternidade não os impeçam de se realizarem profissionalmente de participarem na vida cívica do país.

12º princípio – protecção da infância

O art. 69º CRP atribui igualmente às crianças um direito à protecção da sociedade e do estado, com vista ao seu desenvolvimento integral.

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Direito Matrimonial

Constituição da relação matrimonial: o casamento como acto

Podendo o casamento ser católico ou civil, nos termos do art. 1587º, importa esclarecer o sentido desta dualidade, que é um dado essencial do direito matrimonial português. Tratar-se-á apenas de duas formas de celebração do casamento, ou o casamento civil e o casamento católicos serão institutos diferentes, regidos por distintas normas jurídicas?Antes da CRP de 1976 não se duvidada de que o casamento civil e o casamento católico fossem institutos diferentes.

Conceito e caracteres gerais do casamento

Noção geral de casamento

A ideia de casamento como acordo entre um homem e uma mulher feito segundo as determinações da lei e dirigido ao estabelecimento de uma plena comunhão de vida entre eles. Se, considerado agora o casamento como estado, acrescentarmos que esta comunhão de vida deve ser exclusiva, isto é, que nenhum dos cônjuges pode fazer igual acordo com terceira pessoa enquanto o anterior vigorar, e tendencialmente perpétua, ou seja, indissolúvel ou pelo menos não livremente dissolúvel.

Conceito de casamento civil

É o caso do direito português onde o art. 1577º define o casamento como o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste código.Importa notar que a procriação, sendo um fim normal ou natural, não é todavia, um fim absolutamente essencial do casamento civil, pelo que não deve entrar na respectiva definição.

Conceito de casamento católico

Também o casamento católico, regulado no direito canónico, corresponde fundamentalmente à noção geral de casamento que enunciámos.De todo o modo, a consumação continua a ter no casamento católico um relevo que não possui no casamento civil. Não é que seja necessária para a perfeição do acto pois o casamento canónico é um contrato consensual e não real. Mas a consumação como que torna o acto mais estável, pois só depois de consumado é que o casamento católico goza de indissolubilidade, não apenas intrínseca, mas também extrínseca.

O casamento como acto

A primeira característica do casamento que merece referência e que no direito português tem especial interesse, é a de que o casamento é um acto por que se interessam profundamente não só o estado como também as igrejas.

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Sistemas matrimoniais

Sistema de casamento religioso obrigatório – não se admite o casamento civil. Este sistema vigorou na Grécia até 1982.

Sistema de casamento civil obrigatório – o estado não admite outra forma de casamento senão o casamento civil, celebrado segundo as suas leis e regulado por elas; o direito matrimonial do estado é obrigatório para todos os cidadãos, independentemente da religião que professem. Claro que admitida que seja a liberdade de culto, o estado dará inteira liberdade aos nubentes para casarem segundo as normas da sua confissão religiosa, mas não atribuirá à respectiva celebração quaisquer efeitos jurídicos.

Sistema de casamento civil facultativo – segundo o qual os nubentes podem escolher livremente entre o casamento civil e o casamento católico ou celebrado segundo os ritos de outra religião, atribuindo o estado efeitos civis ao casamento em qualquer caso. Este sistema abrange duas modalidades distintas:

o O estado permite que os seus nacionais celebrem casamento católico e dá a esse casamento efeitos legais, mas dá-lhe os mesmos efeitos e sujeita-o ao mesmo regime do casamento laico ou civil.

o Quando o estado admite como válido e eficaz o casamento católico admite-o como tal, ou seja, como é regulado pelo direito da igreja. Portanto, o estado não reconhece apenas a forma de celebração religiosa; o estado reconhece a própria legislação eclesiástica sobre o casamento, como que renunciando nessa medida à sua soberania. O casamento civil e o casamento católico não são pois apenas duas formas diversas de celebração do casamento, mas dois institutos diferentes.

Sistema de casamento civil subsidiário – o casamento católico é o único que o estado reconhece; o casamento civil só é admitido subsidiariamente, isto é, para os casos em que é considerado legítimo pelo próprio direito canónico. Todas as pessoas que estão obrigadas, em face da igreja, ao casamento católico, também, e por isso mesmo, estão obrigadas ao casamento católico em face do estado. O estado apenas admite que celebrem casamento civil os que não tenham recebido baptismo válido segundo a igreja católica. O que não se vê, porém, é como ele possa conciliar-se com o princípio da liberdade religiosa, que em muitos países, como o nosso, tem foros de regra constitucional (art. 41º CRP).

Evolução do direito português

O sistema do CC de 1867 era confuso e contraditório. Os art. 1057º e 1072º pareciam admitir o casamento civil só para os não católicos; mas como não podia haver inquérito acerca da religião dos contraentes e o casamento civil não podia ser anulado por motivo da sua religião, vinha a reconhecer-se, afinal que o código consagrava o sistema de casamento civil facultativo.Com o DL 1910 as coisas modificaram-se radicalmente. O sistema só se modificou com a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa assinada em 1940. Veio-se a admitir de novo o sistema de casamento civil facultativo na segunda modalidade. Vemos o estado a reconhecer efeitos civis aos casamentos católicos, em certos termos a não permitir aos sues tribunais aplicar o divórcio aos casamentos católicos e a reservar ao foro eclesiástico a apreciação da validade ou nulidade dos mesmos casamentos.O CC de 1966 manteve a legislação concordatária praticamente sem alterações.

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Em 1975 foi assinado um Protocolo à Concordata que saliente o grave dever dos cônjuges que celebram casamento católico de não pedirem divórcio; trata-se agora, porém de um simples dever de consciência que lhes incumbe, de um dever perante a igreja e não perante o estado.O marco seguinte da evolução do direito português é a CRP de 1976 que no art. 36º/2 atribui competência à lei civil para regular os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração.Há ainda a Lei da Liberdade Religiosa regulamentada pelo DL 324/2007que introduziu alterações ao Código Registo Civil. Assim mesmo depois de a Lei 16/2001 ter sido regulamentada, o nosso sistema matrimonial continuou a ser para os católicos como veremos em seguida, o de casamento civil facultativa na segunda modalidade referida no número anterior. Passaram a existir, porém, casamentos civis celebrados por forma religiosa, perante ministro do culto de igreja ou comunidade religiosa radicada no país; os quais constituem, esses sim, apenas outra forma de celebração do casamento, que fica sujeito, à parte a questão da forma, às mesmas disposições por que se regem os casamentos civis celebrados perante o conservador do registo civil.

Caracterização do sistema actual

Para os católicos continua a ser um sistema de casamento civil facultativo na segunda modalidade em que o casamento católico não é apenas outra forma de celebração do casamento, mas um instituto diferente, disciplinado em vários aspectos por normas diversas das que regem o casamento civil;

Para os que pertençam a igrejas ou comunidades religiosas que se considerem ou venham a considerar-se radicadas no países, é igualmente um sistema de casamento civil facultativo mas na primeira modalidade indicada, ou seja, um sistema em que o casamento religioso é apenas uma forma de celebração do casamento, o qual, à parte a forma, fica sujeito em todos os aspectos às mesmas normas por que se rege o casamento civil.

Para os que pertençam a outras igrejas ou comunidades religiosas, não radicadas no país, é um sistema de casamento civil obrigatório, pois a lei não dá qualquer valor à respectiva cerimónia religiosa.

O casamento como negócio jurídico

Sabemos o que é o negócio jurídico: uma declaração de vontade dirigida a certos efeitos e que a ordem jurídica tutela em si mesma e na sua direcção determinada, atribuindo-lhe efeitos jurídicos em geral correspondentes aos fins que o declarante ou os declarantes têm em vista. O negócio jurídico é o instrumento por excelência da autonomia da vontade privada.É certo que é muito limitada a margem de autonomia concedida às partes neste domínio. Os efeitos pessoais do casamento, em particular os direitos e deveres dos cônjuges são fixados imperativamente na lei. Embora os cônjuges não possam alterar os deveres que o art. 1672º lhes impõe a lei permite-lhes decidir livremente sobre o modo de cumprimento de alguns desses deveres.

O casamento como contrato

A contratualidade do casamento civil tem sido todavia contestada.

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Uma orientação extrema é a que vê na declaração do funcionário do registo civil o elemento verdadeiramente constitutivo do casamento, sendo o consentimento das partes um simples pressuposto dessa declaração. Assim o casamento seria um puro acto do poder estadual, um puro acto administrativo.Nós cremos que o consentimento dos nubentes é que constitui o núcleo essencial e verdadeiramente fundamental do matrimónio.

O casamento como contrato entre pessoas de sexo diferente

A diversidade de sexos é exigida pelo fim do matrimónio, que é o de estabelecer entre os cônjuges uma plena comunhão de vida, nos termos do art. 1577º. Se os cônjuges forem do mesmo sexo, o casamento é inexistente (art. 1628º).A heterossexualidade continua a ser requisito de validade ou até de existência do casamento na generalidade das legislações. Há porém a notar a evolução verificada na última década. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é hoje admitido na Holanda, na Bélgica, na Espanha e nos EUA. Por outro lado, há países que, sem permitirem o casamento, admitem a união de facto registada entre pessoas do mesmo sexo com efeitos idênticos ou quase idênticos aos do casamento – Alemanha, Reino Unido.Em Portugal a Lei 7/2001 equiparou a união de facto entre pessoa do mesmo sexo à união de facto entre pessoa de sexo diferente, salvo quanto à adopção.Não curou a lei do caso de transexualidade, que, a bem dizer, só nas últimas décadas despertou o interesse dos juristas e a questão se saber se é possível obter em acção judicial o reconhecimento jurídico da mudança de sexo tem dividido a jurisprudência. Algumas decisões estão contra essa possibilidade. E, neste sentido, pode dizer-se que o cariótipo da pessoa não muda, apesar das intervenções cirúrgicas e das alterações morfológicas verificadas. A protecção do direito constitucional à identidade pessoal parece impor contudo a solução contrária que também pode fundar-se no art. 70º CC. Segundo o acórdão da Rel. De Lisboa de 1984 o sexo tem quatro componentes (biológica, morfológica, psicológica e social) e a questão é a de saber qual deva prevalecer no caso de discordância entre elas. A prevalência da componente biológica seria mais favorável à certeza do direito; mas o critério esqueceria os factores psicológicos e sociais cuja violação o direito não pode tolerar se quiser considerar o homem como um ser social, como uma totalidade. O pequeno número de decisões judiciais que se têm pronunciado sobre a questão não permite dizer com segurança que requisitos são exigidos para obter o reconhecimento jurídico da mudança de sexo.Questão complexa é a de saber quid iuris se o transexual casão se submete a operação cirúrgica de que resulta mudança de sexo e o facto é reconhecido por sentença judicial. Cremos que o casamento do transexual se torna inexistente. Claro que o regime desta inexistência sucessiva ou superveniente não corresponderá inteiramente ao da inexistência originária, única que a lei previu no art. 1630º, pois o casamento do transexual mantém todos os efeitos que produziu desde a data em que foi celebrado até à do trânsito em julgado da sentença que reconheceu a mudança de sexo. A inexistência pode em princípio ser invocada por qualquer pessoa e a todo o tempo, independentemente de declaração judicial; mas se o casamento estiver registado e a inexistência não resultar do próprio contexto de registo este não é inexistente, tornando-se necessária uma acção judicial em que se peça a declaração de inexistência do casamento e, acessoriamente, o cancelamento do registo.

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O casamento como negócio pessoal

O casamento é um negócio familiar e sabe-se como os negócios familiares são negócios pessoais dos mais típicos e característicos. Pessoais dizem-se os negócios que não se destinam a constituir, modificar ou extinguir relações de carácter patrimonial, mas a influir no estado das pessoas, familiar ou de outra ordem, os restantes chama-se patrimoniais. Os negócios pessoais são regidos em grande parte por normas imperativas. Os negócios pessoais só podem ser concluídos ou celebrados pessoalmente, não admitindo representação propriamente dita.

O casamento como negócio solene

O casamento é um daqueles negócios em que a vontade dos contraente não pode manifestar-se ou exprimir-se de qualquer modo mas só através de certa forma, determinada pela lei. Enquanto a forma exigida para os outros negócios solenes consiste no documento escrito a que as respectivas declarações de vontade devem ser reduzidas, a forma requerida para a validade do casamento consiste na cerimónia da celebração do acto.

Caracteres do casamento como estado

Unidade – uma pessoa não pode estar casada ao mesmo tempo com duas ou mais. A bigamia é um crime punido pelo art. 247º CPVocação de perpetuidade – até à lei do divórcio de 1910 o casamento era mesmo perpétuo, mas passou a ser apenas presuntivamente perpétuo com a legislação da 1º república que veio permitir o divórcio.A lei 47/98 facilitou ainda mais o divórcio por mútuo consentimento, permitindo que este seja pedido a todo o tempo, mesmo acto contínuo à celebração do casamento. Em face da legislação actual, falar em vocação de perpetuidade ainda fará sentido? Cremos que sim, pois é tal característica do estado matrimonial que explica, designadamente que não possam ser apostos ao casamento condição ou termo resolutivos e que haja um numerus clausus de causa de divórcio, não sendo permitido estipular outras além das previstas nos arts. 1779º e 1781º.

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Efeitos do casamento: o casamento como estado

Efeitos pessoais

Os efeitos do casamento podem resumir-se assim: o casamento constitui a família, impõe aos cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade – art. 1671º e 1689º.

Princípios fundamentais: igualdade dos cônjuges e direcção conjunta da família (art. 1671º)

Princípio da igualdades dos cônjuges – o art. 36º/3 é mero corolário do princípio geral do art. 13º/2 que proíbe qualquer discriminação em razão do sexo. O homem e a mulher são iguais perante a lei e não deixam de o ser pelo facto de serem casados um com o outro. Num sistema de igualdade surgem dificuldades provocadas pelo eventual desacordo dos cônjuges; mas estes devem resolver os seus diferendos, que de resto podem ter solução judicial, embora isso só excepcionalmente aconteça no nosso direito.

Princípio da direcção conjunta da família – se os cônjuges são iguais, a direcção da família deve pertencer aos dois e não exclusivamente a um deles. Trata-se de um preceito imperativo pelo que seria nulo o contrato em que estes acordassem em que essa direcção ficasse a pertencer a um deles. O objecto do acordo deve versar sobre a orientação da vida em comum e só sobre ela. Mas fica de fora a vida pessoal, a vida privada do marido e da mulher. O casamento não limita os direitos de personalidade dos cônjuges, salvo o direito à liberdade sexual, pois cada um está obrigado em face do outro ao débito conjugal, assim como a não ter relações sexuais com terceiros. Segundo o art. 1677º-D cada um dos cônjuges pode exercer qualquer profissão ou actividade sem o consentimento do outro.O exercício por um dos cônjuges, sem o acordo do outro, de profissão pouco decorosa ou de actividade muito perigosa podem configurar, nas circunstâncias do caso e tendo em conta a personalidade e a susceptibilidade do outro cônjuge, uma violação grave dos deveres de cooperação ou de respeito e fundamentar, a esse título, um pedido de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.Qual é a natureza jurídica dos acordos que os cônjuges celebram no cumprimento do dever que o art. 1671º lhes impõe? Os cônjuges pretendem determinados efeitos práticos e têm intenção de os alcançar sob a tutela do direito, que em princípio determina a produção dos efeitos jurídicos correspondentes a tal intenção. As obrigações assumidas pelos cônjuges não são susceptíveis de execução em forma específica, dada a sua natureza estritamente pessoal. E, pela mesma razão, aqueles acordos não estão sujeitos ao princípio geral de que os contratos só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes (art. 406º). Podem ser revogados unilateralmente por qualquer dos cônjuges e a todo o tempo, não só quando se modifiquem as circunstancias em que um e outro fundaram a sua vontade de fazer o acordo, mas também quando se modifique o juízo ou avaliação que algum dos cônjuges faça dessas circunstancias. E a expectativa de um dos cônjuges de que o acordo se mantenha, tanto mais fundada quanto mais tempo o acordo durar, deve merecer alguma protecção da lei, em certas circunstâncias admitimos mesmo que a revogação do acordo constitua um abuso do direito que responsabilize o cônjuge que o revogou. No âmbito das relações entre os cônjuges apenas em três casos permite o código que o conflito

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entre os cônjuges seja decidido pelo tribunal: nos casos de desacordo sobre a fixação ou alteração da residência da família (art. 1673º), sobre o nome próprio ou os apelidos dos filhos (art. 1875º) e sobre questões de particular importância relativas ao exercício do poder paternal (art. 1901º).

Deveres dos cônjuges

No art. 1672º estão os cônjuges reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência. Trata-se de deveres recíprocos, como o exige o princípio da igualdade dos cônjuges.Note-se que a violação culposa de qualquer destes deveres é causa de divórcio ou separação judicial de pessoal e bens litigiosos, como no direito espanhol, no francês ou no italiano. É certo que a violação culposa dos deveres conjugais só é relevante quando, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum (1779º) mas a violação releva em si mesma, não se dilui na ruptura do casamento.O art. 1672º é imperativo, no sentido de que não é possível excluir convencionalmente qualquer dos deveres que ele impõe aos cônjuges. Mas a lei oferece por vezes a possibilidade de estes os cumprirem de modo diverso, de acordo com os seus interesses e conveniências.

Dever de respeito

É um dever residual. Só são violações do dever de respeito actos ou comportamentos que não constituam violações directas de qualquer dos outros deveres mencionados no art. 1672º.Como dever negativo o dever que incumbe a cada um dos cônjuges de não ofender a integridade física ou moral do outro, compreendendo-se na integridade moral todos os bens ou valores da personalidade. O dever de cada um dos cônjuges não se conduzir na vida de forma indigna, desonrosa e que o faça desmerecer no conceito público.O dever de respeito é porém ainda um dever positivo. Não o dever de cada um dos cônjuges amar o outro, pois a lei não impõe nem pode impor sentimentos. Mas o cônjuge que não fala ao outro, que não mostra o mínimo interesse pela família que constitui, que não mantém com o outro qualquer comunhão espiritual, não respeita a personalidade do outro cônjuge e infringe o correspondente dever.

Dever de fidelidade

Trata-se de um puro dever negativo, pois o chamado débito conjugal, ou seja, o dever de cada um dos cônjuges ter relações sexuais com o outro, não se integra no dever de fidelidade mas no de coabitação. O dever de fidelidade obriga cada um dos cônjuges, em primeiro lugar, a não cometer adultério, ou seja, a não ter relações sexuais consumadas com pessoa de outro sexo que não seja o seu cônjuge.Quanto às relações com pessoa do mesmo sexo, não costumam ser abrangidas na noção de adultério. Mas é obvio que constituem igualmente violação do dever de fidelidade ou, quando assim se não entenda, do dever de respeito. São ainda violações do dever de fidelidade a conduta licenciosa ou desregrada de um dos cônjuges nas suas relações com terceiro, a ligação sentimental e a correspondência amorosa que mantém com ele.

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Dever de coabitação

Comunhão de leito – o casamento obriga os cônjuges ao chamado débito conjugal. A recusa de consumar o casamento ou de manter relações sexuais com o outro cônjuge constitui violação do dever de coabitação e, como tal, causa de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, se não for justificada por impotência, doença de um ou outro dos cônjuges.

Comunhão de mesa – a vida em economia em comum.

Comunhão de habitação – de acordo com o princípio da igualdade dos cônjuges são estes que devem escolher de comum acordo a residência da família, ou seja, a terra e o local onde vão viver; nos termos da lei, devem os cônjuges atender nomeadamente às exigências da sua vida profissional, aos interesses dos filhos e à salvaguarda da unidade da vida familiar (art. 1673º).A residência da família é o lugar do cumprimento do dever de coabitação, falando linguagem do direito das obrigações; escolhida a residência da família, ambos os cônjuges têm obrigação de viver aí, salvo motivos ponderosos em contrário. Nem por isso haverá então separação de facto dos cônjuges, para o efeito previsto no art. 1781º se ambos tiverem o propósito de restabelecer a comunhão de vida quando isso for possível (art. 1782º). A alteração da residência requer igualmente o acordo dos dois.

Dever de cooperação

Importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxilia mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram (art. 1674º). Assim, o cônjuge que mostra um absoluto desinteresse pela saúde e pela educação dos filhos não infringe apenas um dever em relação a estes, mas também um dever em relação ao outro cônjuge, o dever de assumir em conjunto com o outro as responsabilidades inerentes à vida familiar.

Dever de assistências

Obrigação de prestação de alimentos – se vivem juntos o dever de prestação de alimento toma a forma de dever de contribuição para os encargos da vida familiar. No caso de separação de pessoas e bens, judicial ou administrativa, e de simples separação de facto, não existe vida familiar e não tem sentido falar na obrigação de contribuir para os respectivos encargos; mas a lei em certas condições, obriga cada um dos cônjuges a prestar alimentos ao outro.Se a separação for imputável igualmente aos dois cônjuges ou não for imputável a qualquer deles, mantém-se obrigação recíproca de prestação de alimentos (art. 1675º). Se a separação é exclusivamente imputável a um dos cônjuges ou mais imputável a ele que ao outro, só a esse cônjuge, em principio, incumbe a obrigação de prestação de alimentos. Menos clara na lei é a questão de saber qual o objecto da prestação de alimentos e com que critério dever ser fixado o respectivo montante. Segundo o art. 2004º o montante dos alimentos depende das necessidades de quem os pede e das possibilidades de quem os presta.

Obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar – segundo o art. 1676º o dever de contribuição para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges

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nos mesmos termos e pode ser cumprido por qualquer deles de duas formas: pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e através do trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos. É possível que um dos cônjuges cumpra aquela obrigação de uma forma e o outro da outra; mas também é possível que os dois cumpram a obrigação de ambas as formas. Tudo depende do que seja convencionado entre eles. Como resulta dos princípios gerais que expusemos trata-se de declarações negociais, normalmente tácitas, o que não impede, porém, que o acordo dos cônjuges seja revogado ou denunciado unilateralmente por qualquer deles.Segundo o art. 1676º o trabalho prestado por um dos cônjuges no governo da casa e na criação e educação dos filhos tem valor económico, como o trabalho profissional.A violação grave ou reiterada do dever de contribuir para os encargos da vida familiar é causa de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, nos termos gerais do art. 1779º. Mas a lei prevê ainda as hipóteses de um dos cônjuges contribuir para aqueles encargos com mais ou menos do que devia. Se a mulher tem ainda a seu cargo o trabalho doméstico, contribui com mais do que devia. Teria direito a ser compensada por isso, ainda que só no momento da partilha do casal. A lei, porém, presume que ela renuncia à compensação, embora a presunção admita prova em contrário (art. 350º). O art. 1676º considera a hipótese de um dos cônjuges contribuir com menos do que devia. Neste caso, o outro cônjuge pode exigir ao faltoso o que for devido.

Nome e nacionalidade

Nome – art. 1677º e 1677º-C. A regra fundamental é a de que cada um dos cônjuges conserva os seus próprios apelidos mas pode acrescentar-lhes apelidos do outro, até ao máximo de dois. O casamento não faz perder a qualquer dos cônjuges os seus apelidos de solteiro, e de que, por outro lado, nenhum deles tem obrigação de juntar apelidos do outro cônjuge aos seus.O cônjuge que tenha adoptado apelidos do outro conserva-os em caso de viuvez e, se o declarar até à celebração do novo casamento, mesmo depois de segundas núpcias (art. 1677º-A), não podendo neste caso, porém acrescentar apelidos do segundo cônjuge.No caso de divórcio, nos termos do art. 1677º-B pode o cônjuge conservar os apelidos se o ex-conjuge der o seu consentimento.

Nacionalidade – o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na circunstância do casamento; a declaração de nulidade ou a anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o tenha contraído de boa fé. O português que case com nacional de outro estado não perde por esse facto a nacionalidade portuguesa, salvo se, tendo adquirido pelo casamento a nacionalidade do seu cônjuge, declarar que não quer ser português.

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Modificação da Relação Matrimonial

Separação de pessoas e bens

Na separação de pessoas e bens, a separação não afecta simplesmente os bens mas as próprias pessoas dos cônjuges, sendo, pois, muito mais extensa e profunda, em relação à que se opera na simples separação judicial de bens, a modificação que se verifica na relação matrimonial.No direito actual, porém, em que todos os casamentos, civis ou católicos, podem dissolver-se por divórcio, a natureza da separação de pessoas e bens é uma só: a separação é, em qualquer caso, a antecâmara do divórcio, em que pode ser convertida a requerimento de ambos os cônjuges ou de um deles.A separação de pessoas e bens pode revestir duas modalidades: separação de pessoas e bens litigiosa e separação de pessoas e bens por mútuo consentimento. A primeiro supõe um litigioso; é portanto pedida por um dos cônjuges contra o outro e funda-se numa determinada causa. A segunda não implica litígio algum, sendo requerida pelos dois cônjuges de comum acordo e sem indicação da causa por que é pedida. Por sua vez, a separação por mútuo consentimento pode ser judicial ou administrativa, conforme é decretada pelo tribunal ou pela conservatória.

A separação de pessoas e o divórcio

A separação de pessoas e bens e o divórcio são os dois remédios que as leis oferecem para as crises da vida conjugal que, pela sua gravidade, justificam a extinção da relação matrimonial ou no sentido de um relaxamento de um vínculo. A lei admite-os lado a lado, podendo os cônjuges optar por qualquer um.

Separação por mútuo consentimento remissão para o divórcio

Separação litigiosa remissão para o divórcio

Efeitos da separação

Se o vínculo conjugal se mantém e os cônjuges mantêm esse estado, hão de manter-se todos os efeitos do casamento que lhe são absolutamente essenciais, de tal forma que o casamento não possa conceber-se sem eles.

Mantém-se o dever de fidelidade conjugal, os deveres recíprocos de respeito e cooperação.

O dever de coabitação é que cessa com a separação. O dever de alimentos mantém-se mas cessa o dever de contribuir para os

encargos da vida familiar. Com a separação pode dizer-se que termina o regime matrimonial em vigor,

qualquer que ele seja, e que deixa de haver propriamente um regime de bens do casamento.

Reconciliação dos cônjuges separados de pessoas e bens

O processo de reconciliação de cônjuges separados de pessoas e bens está regulado no DL 272/2001 e é de exclusiva competência das conservatórias do registo civil.

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Conversão da separação em divórcio

Se no prazo de 2 anos a contar do trânsito em julgado da sentença ou da decisão do conservador que decretou a separação os cônjuges não se reconciliarem, pode qualquer deles pedir que a separação, litigiosa ou por mutuo consentimento seja convertida em divórcio. E se a conversão for requerida por ambos os cônjuges nem é necessário o decurso daquele prazo.O efeito da conversão da separação em divórcio é o de fazer cessar todas as consequências do casamento que ainda se mantinham durante a separação.

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Extinção da relação matrimonial Lei anterior

Extinção por dissolução e extinção por invalidação

De extinção da relação matrimonial pode falar-se, com maior ou menor rigor, quando o casamento se dissolve e quando ele é declarado nulo ou anulado.Sabe-se que o casamento, católico ou civil, tem vocação para ser perpétuo, mas tal vocação não exclui que o casamento se dissolva, excepcionalmente, quando determinadas circunstâncias se verifiquem.

As causas de dissolução do casamento admitidas em geral, no direito português são a morte de um dos cônjuges e o divórcio entre eles.

A morte como causa de dissolução da relação matrimonial

Quanto à morte presumida – a declaração da morte presumida não dissolve o casamento, mas o cônjuge do ausente tem a faculdade de contrair novo casamento, dissolvendo-se o primeiro pela celebração do segundo. Se o ausente regressar ou houver notícia de que era vivo quando foram celebradas as novas núpcias, considera-se o primeiro matrimónio dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida (art. 115º, 116º CC). Com a morte dissolve-se o casamento e extingue-se a relação matrimonial e cessam todos os efeitos do casamento, os pessoais como os patrimoniais. Há efeitos do casamento que não caem mesmo depois de caída a causa que lhes deu origem. Assim, o cônjuge sobrevivo continua a poder usar os apelidos do outro, a relação de afinidade mantém-se, etc.

Divórcio

Entende-se por divórcio a dissolução do casamento decretada pelo tribunal a requerimento de um dos cônjuges ou dos dois, nos termos autorizados por lei.

Evolução legislativa

Em Portugal o divórcio foi introduzido depois da República, pelo DL 3 de Novembro 1910, vulgarmente chamado Lei do Divórcio. Admitia-se tanto o divórcio litigioso como o divórcio por mútuo consentimento.

Concordata com a Santa Sé de 1940 – os casamentos católicos celebrados depois de 1 de Agosto de 1940 deixaram de poder dissolver-se pelo divórcio.

O CC de 1966 manteve e incorporou no seu texto a solução concordatária quanto ao divórcio. E, relativamente aos casamentos civis, veio dificultar o divórcio, introduzindo no respectivo regime alterações significativas.

O DL 261/75 veio permitir que daí em diante se pudesse ser requerido o divórcio tanto nos casamentos civis como nos casamentos católicos.

Características do direito ao divórcio

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O direito ao divórcio, litigioso ou por mútuo consentimento, é um direito potestativo, pessoal e irrenunciável.

É um direito potestativo, pois não se traduz no poder de exigir qualquer prestação ou comportamento de outrem mas no poder de produzir determinado efeito jurídico, a dissolução do vínculo matrimonial. Não podem ser exercidos por mero acto de vontade do titular, mas em que este acto de vontade carece de ser integrado por ulterior acto de uma autoridade pública, judicial ou administrativa. É um direito potestativo extintivo.

O direito ao divórcio é um direito relativo ao estado das pessoas e como tal um direito pessoal que não permite a sua intransmissibilidade quer inter vivos quer mortis causa.

É um direito irrenunciável porque a lei quer que o cônjuge a quem pertença esse direito tenha, sempre, a faculdade de decidir, com inteira liberdade e em face das circunstâncias actuais, sobre a oportunidade do divórcio. O direito ao divórcio é insusceptível quer de renúncia total quer de renúncia parcial, de modo que não pode sequer limitar-se o direito ao divórcio, obrigando-se os cônjuges a só o exercerem em certas condições ou com certos encargos, ou sujeitando-se para o caso de o exercerem a determinadas sanções ou penalidades.

Divórcio por mútuo consentimento

O divórcio por mútuo consentimento não é pedido por um dos cônjuges contra o outro mas pelos dois, de comum acordo, e os cônjuges não têm de revelar a causa ou as causas por que pretendem o divórcio.

PressupostosNa Lei do Divórcio de 1910, o divórcio por mútuo consentimento só podia ser decretado se os cônjuges tivessem completado vinte e cinco anos de idade e fossem casados há mais de dois anos. A reforma de 1977 eliminou o primeiro requisito mas manteve a exigência de um prazo mínimo de duração do casamento, aumentado até esse prazo de 2 para 3 anos. Tratava-se de defender os cônjuges contra a sua leviandade ou precipitação.A lei 47/98 suprimiu pura e simplesmente a exigência de um prazo mínimo de duração do casamento, permitindo aos cônjuges requerer o divórcio por mútuo consentimento a todo o tempo e, portanto, mesmo imediatamente após a celebração do acto.O único pressuposto de que depende hoje o divórcio por mútuo consentimento, para além da vontade comum dos cônjuges é que estes estejam de acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores e o destino da casa de morada da família.

Processo – A) Divórcio AdministrativoO processo de divórcio por mútuo consentimento é administrativo, ainda que, na hipótese de haver filhos menores e o poder paternal não estar judicialmente regulado, haja lugar a intervenção do tribunal se os cônjuges não concordarem com as alterações introduzidas pelo MP no acordo sobre a regulação do exercício do poder paternal.

Processo – B) Divórcio judicial

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O divórcio por mútuo consentimento só reveste carácter judicial se em processo de divórcio litigioso os cônjuges acordarem em se divorciar por mútuo consentimento, correspondendo a iniciativa do juiz nesse sentido ou por iniciativa própria.Pretendendo favorecer o divórcio por mútuo consentimento, que julgou preferível ao divórcio litigioso, a lei permitiu em qualquer altura do processo a conversão do divórcio litigioso por mútuo consentimento, conversão que, para verdadeiramente o ser, exige que não se inicie novo processo, o que sempre seria permitido aos cônjuges mesmo que a lei não o dissesse, mas que se aproveitem o mais possível os actos já praticados no âmbito do processo litigioso.

Divórcio litigioso

Litigiosos diz-se o divórcio pedido por um dos cônjuges contra o outro e com fundamento em determinada causa. O divórcio litigioso é sempre judicial.

Divórcio sanção é o divórcio que pressupõe um acto ou procedimento culposo de algum dos cônjuges e quer ser a sanção contra esse acto ou procedimento.

Divórcio-remédio – é o divórcio que pressupõe apenas uma situação de crise do matrimónio, um estado de vida conjugal intolerável, e quer ser o remédio para um tal estado ou situação.

Divórcio-constatação da ruptura do casamento – como remédio para uma situação de crise em que a vida matrimonial se tornou intolerável, o divórcio visará sempre libertar dessa situação um cônjuge inocente, embora não se requeira que tal situação de crise seja imputável ao outro cônjuge a título de culpa.

O sistema português consagra um sistema de compromisso, em que a componente dominante é a do divórcio-constatação da ruptura do casamento mas que continua a dar à culpa um lugar apreciável.

Noção de causa do divórcio e seu valorO divórcio litigioso é um divórcio com causa, o que quer dizer que um dos cônjuges só pode pedir o divórcio contra o outro desde que alegue e prove uma circunstância que seja fundamento para o divórcio.Deve ser permitido nos casos em que, segundo os juízos de valor legais, exista um tal estado de intolerabilidade ou impossibilidade da vida conjugal. Mas quando se trata de definir esses casos concebem-se dois sistemas. Concebe-se um sistema de tipicidade das causas do divórcio, que serão todas elas causas determinadas, factos que a lei individualiza e específica com precisão. Concebe-se, porém, igualmente que a lei utilize aqui uma cláusula geral.O direito português segue aqui um critério misto. Usa uma cláusula geral: qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum.O valor da noção da causa do divórcio é duplo. O efeito primário das causas do divórcio é o de abrir a tal porta fechada do divórcio litigioso. Mas a causa do divórcio não serve apenas para possibilitar a acção de divórcio. Serve também para nos dizer em que sentido é decretado o divórcio, se é pronunciado contra um dos cônjuges, contra o outro, contra os dois, ou se não é pronunciado contra nenhum deles. Pode falar-se aqui de uma função ou de um efeito secundária das causas do divórcio.

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Nota: A causa do divórcio é uma categoria abstracta enquanto a causa de pedir na acção de divórcio é, como resulta do conceito do art. 498º/4 CPC o facto concreto que se invoca.

Classificações das causas do divórcio Causas determinadas e indeterminadas – a causa é determinada se a lei

individualiza e específica com precisão o facto que pode fundamentar o pedido de divórcio; indeterminada se esse facto não está concretamente especificado mas cabe numa cláusula geral, a que a lei recorreu para definir as causas do divórcio.

Causas peremptórias ou absolutas e causas facultativas ou relativas – naquelas, o juiz apurados os factos que as integram tem de decretar o divórcio sem qualquer apreciação sobre a gravidade desses factos, ou seja, sem qualquer averiguação sobre se eles determinaram, no caso concreto, um estado de vida conjugal intolerável. Decerto que o divórcio só é autorizado porque se entende que esse estado exista; mas a lei admite uma presunção iuris et de ire de que há um estado de vida matrimonial intolerável onde quer que estejam verificados aqueles factos, que reconheceu como causas peremptórias de divórcio. Diversas são as coisas quanto às causas de divórcio facultativas, nas quais o juiz tem de averiguar ainda, uma vez apurados os factos que as integram, se eles turvaram a harmonia conjugal em termos de passar a ser impossível ou intolerável a vida em comum. Na lei do divórcio de 1910 as causas do divórcio eram todas peremptórias. No código de 1966 as causas eram facultativas pois só justificavam o divórcio quando comprometessem a possibilidade de vida em comum dos cônjuges.

Causas subjectivas e objectivas – as primeiras são culposas e as segundas não culposas.

Causas unilaterais ou bilaterais – conforme podem ser invocadas só por um dos cônjuges ou pelos dois.

Causas do divórcio litigioso1. Divórcio fundado em violação culposa dos deveres conjugais – o art. 1779º

permite a qualquer dos cônjuges requerer o divórcio se o outro violar culposamente deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração comprometa a possibilidade da vida em comum. A violação dos deveres conjugais só é causa do divórcio se for culposa, podendo tratar-se de dolo, directo ou eventual, ou de simples negligência, consciente ou mesmo inconsciente.

2. Divórcio fundado em ruptura da vida em comum – a separação de facto por 3 anos consecutivos, ou por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro. Como causa do divórcio, a separação exige a separação de facto dos cônjuges, integradas por dois elementos: o elemento objectivo é a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residência diferentes. Mas o elemento objectivo é muitas vezes equívoco, pois o dever de coabitação reveste-se de grande plasticidade. O elemento subjectivo consiste numa disposição interior, num propósito da parte de ambos os cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial. Os cônjuges não se separam de uma vez: vão-se separando. São os casos mais difíceis. É necessário datar a separação para se saber desde quando

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corre o prazo, e nestes casos não é fácil fixar uma data. Estes 3 anos terão de ser consecutivos. A separação não tem de ser livremente consentida, não tem de ser acordada entre os cônjuges.

3. Alteração das faculdades mentais – a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge que dure há mais de 3anos, quando pela sua gravidade, comprometa a possibilidade da vida em comum, é pois causa de divórcio litigioso. Trata-se, como é evidente de causa autónoma em face da separação de facto: o divórcio pode ser pedido com fundamento em alteração das faculdades mentais mesmo que o doente não tenha sido hospitalizado e não haja, portanto sequer o corpus de uma separação de facto entre os cônjuges. Também é esta, decerto, uma opção difícil para qualquer legislador do direito da família. Os cônjuges devem-se socorro e auxílio mútuos e unem as suas vidas para a felicidade e para a provação. A verdade, porém, é que a alteração das faculdades mentais, quando seja grave, destrói à partida ao contrário do que acontece quando se trate de outras doenças, a plena comunhão de vida, não apenas física, mas também intelectual e afectiva. Claro que um resíduo de vida em comum é sempre possível mesmo neste caso, mas a continuação de uma vida em comum tão gravemente limitada representaria para o outro cônjuge um sacrifício inexigível. Não parece que o direito deva impor-lhe sacrifico tão pesado; se ele quiser, assumi-lo-á.

4. Ausência sem notícias – pode assim o cônjuge do ausente, decorridos dois anos sobre a data das últimas notícias, pedir o divórcio com fundamento na própria ausência e passar a segundas núpcias se o desejar.

Causas de exclusão do direito ao divórcioO art. 1780 refere 3 casos em que o cônjuge ofendido não pode obter o divórcio fundado em violação culposa dos deveres conjugais, nos termos do artigo anterior, por ocorreram fatos que impedem ou extinguem o direito ao divórcio. São os casos em que um dos cônjuges tenha instigado o outro a praticar o facto invocado como fundamento do pedido de divórcio, tenha criado intencionalmente condições propícias à verificação desse facto ou tenha revelado pelo seu comportamento posterior, designadamente por perdão, expresso ou tácito, não ter considerado o acto praticado como impeditivo da vida em comum. O direito ao divórcio também pode extinguir-se por caducidade, se o cônjuge ofendido deixou correr o prazo fixado no art. 1786º.

Efeitos

O divórcio dissolve o casamento: extingue a relação matrimonial e faz cessar para o futuro os efeitos da relação mantendo-se porém os efeitos já produzidos.Constitutiva como é a sentença que decreta o divórcio só opera ex nunc e não ex tunc. Doravante, os ex cônjuges são em princípio estranhos um ao outro. Extinguem-se os deveres de fidelidade, coabitação e cooperação. Apenas subsiste, claro está, o dever de respeito enquanto dever geral que, apesar do divórcio, continua a vincular os ex cônjuges: cada um não deve agredir fisicamente o outro, injuriá-lo, etc. não havendo vida familiar, extingue-se naturalmente a obrigação de contribuir para os respectivos encargos; mas pode manter-se a de prestar alimentos, a outra obrigação compreendida no dever de assistência (art. 2016º). Quanto ao nome, o cônjuge que tenha adoptado apelidos do outro perde em princípio o direito de os usar, mas pode conservá-los de o ex cônjuge o consentir ou o conservador do registo civil ou o tribunal o autorizar, tendo em atenção os motivos invocados.

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Data em que se produzem os efeitos do divórcio

Produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença conforme o princípio geral do art. 667º CPC. Mas existem algumas excepções:

Os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.

Se a cobitação entre os cônjuges tiver cessado por culpa exclusiva ou predominante de um deles e a falta de coabitação estiver provada no processo, pode o outro cônjuge requerer que a sentença fixe a data em que a coabitação cessou, retrotraindo-se os efeitos patrimoniais do divórcio a essa data.

Termo da comunhão. Partilha

Com a dissolução do casamento cessam as relações patrimoniais entre os cônjuges e podem proceder-se à partilha do casal. Esta faz-se, em regra, de acordo com o regime de bens estipulados, recebendo cada um dos cônjuges os seus bens próprios e a sua meação no património comum. Pode fazer-se extrajudicialmente ou judicialmente nos termos gerais. A partilha pode também fazer-se no próprio processo de divórcio. O acordo sobre a partilha é homologado pela decisão que decreta o divórcio ou a separação.Quando, porém, a sentença que decretou o divórcio litigioso contém a declaração cônjuge culpado, este não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. Na opção tomada terá pesado decisivamente o facto de o regime da comunhão geral favorecer a celebração de casamentos cujo móbil seja o interesse económico e conduzir a soluções de flagrante injustiça, mal se entendendo que o casamento, em si mesmo, seja um meio de adquirir. E particularmente injusto seria que, dissolvendo-se o casamento por divórcio, o cônjuge declarado único ou principal recebesse na partilha metade dos bens que o outro já tinha ao tempo do casamento ou depois lhe adviessem por herança ou doação.

Destino da casa de morada de família remissão para os diapositivos

Termo das ilegitimidades conjugais

As ilegitimidades conjugais cessam com o trânsito em julgado da sentença de divórcio. Se o regime de bens era de comunhão, deixa de haver um património comum como património colectivo.

Perda de direitos sucessórios

Os direitos sucessórios do cônjuge, na sucessão legal também cessam com o divórcio (art. 2133º).

Perda de benefícios

O cônjuge declarado único ou principal culpado perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer tenham sido estipulados antes do casamento quer posteriormente.

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Falando em benefícios, a lei quer referir-se apenas às liberalidades recebidas ou a receber pelo cônjuge culpado ou principal culpado do divórcio, pois ó quanto a elas tem fundamento a ideia de que o cônjuge se mostrou indigno de as receber.

Obrigação de alimentos

A obrigação de alimentos suscitou sempre alguns problemas fundamentais – o da titularidade do direito, o da medida do crédito e o do cumprimento pontual. Quanto à titularidade, foi sempre discutido se devia ter direito a alimentos apenas o cônjuge inocente, ou também qualquer dos dois culpados, ou ainda o culpado exclusivo. A doutrina sobre a medida de crédito oscilou sempre entre conceder o mínimo estritamente indispensável ou garantir a manutenção do estilo de vida que o casal atingira. Quanto aos meios de cumprimento, foi sempre difícil encontrá-los.

Quem tem direito a alimentosSe não existisse uma norma especial que se aplica aos alimentos em caso de divórcio diríamos que poderia pedir alimentos quem tivesse necessidade deles, nos termos gerais do art. 2009º.Tem legitimidade para pretender alimentos qualquer dos ex-conjuges se tiver havido divórcio por mútuo consentimento ou se, tendo havido divórcio litigioso, ambos foram igualmente culpados ou nenhum deles o foi. Porém, se tiver havido apenas um culpado ou se a culpa de um tiver sido manifestamente superior à do outro, só o inocente ou o menos culpado tem direito de formular um pedido de alimentos. E no caso especial do divórcio decretado com base em alterações nas faculdades mentais o direito pertence expressamente ao cônjuge réu.

Modo de estabelecer a obrigação de alimentosTratando-se de alimentos provisórios e no caso de divórcio por mútuo consentimento, a lei manda que os cônjuges acordem sobre eles, para que o juiz homologue o acordo na primeira conferência.Tratando-se de alimento definitivos pode resultar de um acordo entre ex cônjuges que não é mais do que um negócio jurídico entre eles sujeito às regras gerais e ao art. 2014º

Medida da obrigaçãoO problema é o de saber qual deve ser o alcance do auxílio que se presta ao ex cônjuge que pretende exercer um direito a alimentos.

Orientação restritiva – o ex cônjuge poderá ter a pretensão de receber aquilo que for indispensável ao sustento, vestuário e habitação e saúde. Pouco importa que o casal tenha vivido muito acima deste padrão mínimo.

Orientação mais alargada – procura-se manter o ex cônjuge ao nível a que ele se habituou durante a vigência do casamento.

Orientação intermédia – o ex cônjuge poderá aspirar a um socorro que o coloque numa situação razoável. Esta orientação parece ser a mais justa e realista.

Modo de prestar os alimentosO legislador determinou que os alimentos são fixados em prestações pecuniárias mensais. Mas também se admitem outros modos de cumprir a obrigação baseada num acordo das partes, em disposição legal ou noutros motivos que justifiquem medidas de excepção.

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A ideia que preside ao pagamento em capital, una tantum, é a de procurar cortar de uma vez as relações económicas entre os divorciados, poupando-os às dificuldades que provavelmente surgirão entre ex cônjuges, tornados agora credor e devedor, forçados a discutir os incumprimentos da obrigação e a rever periodicamente em tribunal as suas divergências. O montante é calculado com base nos elementos tradicionais, tendo em conta o tempo previsível em que a necessidade do credor se verificará, e o pagamento de uma só vez antecipa todo o pagamento devido.

Alteração dos alimentos fixadosO art. 1121º CPC regula o procedimento da alteração quando há e quando não há execução por falta de pagamento.

Indisponibilidade e impenhorabilidade do direitoNão pode ceder-se o crédito de alimentos porque ele está intimamente ligado às necessidades pessoais do credor. O mesmo carácter impede que se possa renunciar ao direito. Está ainda proibida a compensação da dívida de alimento com um crédito que o devedor de alimentos tenha sobre a contraparte mesmo relativamente a prestações vencidas. Também não pode penhorar-se o crédito de alimentos.

Cessação da obrigação de alimentarCom a morte do credor não parece razoável transmitir aos herdeiros deste a obrigação pessoal que ele teve, fundada no casamento que celebrou.A celebração de um casamento pelo credor coloca um fim no dever de solidariedade restante, que impõe o dever de alimentos entre ex cônjuges.

Obrigação de indemnizar remissão para os diapositivos

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Direito da Filiação

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Introdução

Nascimento, maternidade e paternidade

O nascimento como facto jurídico autónomo

1. Interesse prático-jurídico do registo de nascimento

O nascimento é um facto jurídico autónomo, independente dos outros factos que são a maternidade e a paternidade. O nascimento tem relevância jurídica mesmo que não seja possível identificar a mãe e o pai.Os estados membros organizaram serviços públicos de registo civil para registar e comprovar os episódios mais relevantes do estatuto pessoal dos cidadãos, designadamente o seu nascimento. O art. 1º RegCivil considera o nascimento um facto obrigatoriamente sujeito a registo, ainda antes do estabelecimento da maternidade e/oi da paternidade, e mesmo que nunca venha a ser possível identificar a mãe e/ou o pai,

2. Declaração de nascimento. Registo por inscrição e por transcrição

A declaração de nascimento deve ser feita no prazo de vinte dias a seguir ao parto (art. 96º RC) e compete, obrigatória e sucessivamente a várias pessoas, começando pelos pais e acabando em qualquer pessoa que tenha assistido ao nascimento (art. 97º RC).A declaração de nascimento não está sujeita pela lei a qualquer controlo de veracidade, embora a prática dos serviços mostre que se pedem esclarecimentos ou comprovações em alguma situação duvidosa.O regime tradicional de registo do nascimento consiste na inscrição do nascimento nos livros próprios, em face da declaração de nascimento feita na conservatória por algumas das pessoas obrigadas a fazê-la; nestes casos normais o assento de nascimento é lavrado por inscrição (art. 52º RC).O DL 13/2001 introduziu um procedimento novo que previa a declaração de nascimento, feita por qualquer dos pais na unidade de saúde em que o parto ocorreu, em impresso próprio o qual era oficiosamente enviado à conservatória competente. Recebido o documento, o assento de nascimento, seria lavrado por transcrição, no livro próprio. Este regime reforçava, em geral, o interesse de evitar a omissão do registo que pode lançar o recém-nascido na clandestinidade e o deixa com uma protecção jurídica deficiente.

3. Registo de abandonados

Há casos em que uma criança é encontrada na soleira de uma porta ou dentro de um contentor do lixo, a lei manda proceder ao registo do nascimento ainda que sejam totalmente ignoradas as identidades da mãe e do pai, e portanto, ainda que seja absolutamente impossível proceder imediatamente ao registo dos factos da maternidade e da paternidade.Os art. 105º e ss RC ocupam-se desse registo, procurando compor o nome de tal forma que se evitem motivos de discriminação futura sobre o individuo, quer pela atribuição de apelidos que sugerem a existência de duas famílias quer pelo cuidado de não inventar apelidos que denunciem a condição de abandonado.

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Maternidade e paternidade

1. Estabelecimento jurídico e retroactividade

A consideração do laço biológico e da sua especificidade leva o direito a conferir retroactividade ao reconhecimento jurídico. Quando um homem é reconhecido como pai de um filho, é considerado pai desde o nascimento, embora o reconhecimento tenha ocorrido cinquenta anos depois.

A concepção

1. Relevo jurídico do momento da concepção

O interesse da determinação do momento da concepção está, por exemplo, em saber se um filho foi concebido antes do casamento dos pais ou em saber se um filho nascido depois da dissolução do casamento ou depois de ter terminado a coabitação conjugal foi concebido durante o matrimónio ou antes do termo da coabitação.Ressalvados os progressos recentes nunca foi possível dispor do conhecimento rigoroso acerca do momento da concepção. Não havia meios técnicos, resultantes da ciência médica, que auxiliassem os juristas na obtenção de uma data que pudesse ser tomada como a data da concepção, em cada caso. Assim, os sistemas jurídicos tiveram de encontrar um instrumento sucedâneo que, apesar de ser grosseiro, permite resolver os problemas em que o momento da concepção releva – o período legal da concepção.

2. O recurso ao conceito de período legal da concepção e a regra da indivisibilidade

Os juristas nunca tiveram um modo rigoroso para determinar o momento da concepção, mas souberam alguns dados firmes da experiência. Souberam, por experiência milenar, que a gestação costuma demorar o tempo mínimo de 180 dias, embora sejam conhecidos casos excepcionais de gestação mais curta; e souberam que o tempo máximo é de 300 dias, apesar de também serem conhecidas gestações mais longas. O período legal da concepção, obtido deste modo, corresponde aos primeiros centro e vinte dias dos trezentos que antecedem o nascimento do filho (art. 1798º CC).O apuramento deste período legal, que por sua vez é acompanhado de uma regra indispensável que lhe dá a solidez e a operacionalidade pretendida: a regra da indivisibilidade, segundo a qual todos os dias são equivalentes como dias da concepção; não tem interesse procurar distinguir, entre todos os dias, uns mais relevantes do que outros, a indivisibilidade era acompanhada da chamada presunção omni meliore momento: presumia-se que o filho tinha sido concebido no melhor momento de todos, de acordo com o seu interesse.Deste modo, por exemplo, se o marido da mãe morre duzentos e noventa e nove dias antes do nascimento, considera-se que o filho pode ter sido concebido no primeiro dia do período legal, que é o último dia anterior à dissolução do casamento; e, portanto, entende-se que o filho foi concebido na constância do casamento, pelo que se lhe aplica a presunção de paternidade do marido (art. 1826º CC).

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3. Excepções

Gestação anormalmente longa – o CC de 1966 veio a admitir claramente a demonstração de uma gravidez anormalmente longe. Esta possibilidade era conhecida pela ciência médica e a literatura mostra casos até trezentos e dez dias.

Gestação anormalmente curta – o CC de 1966 também veio admitir, claramente, a possibilidade de provar que uma certa gestação demorou menos do que cento e oitenta dias.

Determinação da época provável da concepção dentro do período legal – o direito português só admitiu em 1977 a fixação da data provável da concepção dentro do período legal. Esta fixação da data provável da concepção dentro do período legal pode interessar, pró exemplo, no âmbito de uma impugnação da paternidade do marido, para o efeito de fazer coincidir a concepção com uma ausência ou com uma doença temporária grave do marido.A data provável da concepção é registada nas maternidades em todos os nascimentos resultantes de gravidezes vigiadas, designadamente pela ecografia do 1º trimestre. O cálculo tem uma margem de erro que se estima em três dias, em condições ideais, e de uma semana, no máximo aceitável. Estes dados são protegidos pelas normas gerais sobre segredo médico e protecção de dados pessoais.

4. Meio processual idóneo

A fixação do momento da concepção pode interessar como uma simples prova no decorrer de uma acção de estado típica; pode constituir a causa decisiva de um pedido exclusivamente patrimonial; e pode resolver o litígio acerca da verificação de um requisito de que depende a presunção legal da paternidade do marido. Assim, a fixação da época real da concepção devia ser feita em juízo da forma que mais conviesse aos propósitos do interessado, ou à feição do processo em que releva – não devia apresentar-se forçosamente como o uma acção judicial autónoma.

Aspectos gerais sobre exames científicos de filiação

1. O art. 1801º como proclamação de abertura às possibilidades científicas

O art. 1801º teve a intenção específica de mostrar que a reforma do CC em 1977, decidira organizar o direito da filiação sob a égide do respeito pela verdade biológica e, por esta razão, pretendia que não houvesse qualquer entrave ao uso dos métodos científicos que pudessem contribuir para a descoberta dos vínculos biológicos, quer para os reconhecer juridicamente, quer para impugnar os reconhecimentos que não se apoiassem na verdade.

2. Provas judiciais e extrajudiciais

Segundo o regime tradicional, as provas periciais são requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz, sempre no âmbito de uma causa.A entrada em vigor do DL 11/98 veio expressamente permitir a realização de exames de filiação quer a pedido dos tribunais quer no âmbito das actividades do instituto nacional de medicina legal.

3. Recusa de cooperação

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O princípio da cooperação entre os intervenientes no processo (art. 266º CPC) tem, no âmbito da instrução da causa, o corolário do dever de cooperação para a descoberta da verdade (art. 519º CPC). A mera aplicação desta regra à produção da prova científica requerida pelas partes ou ordenada pelo juiz, implica que as partes têm a obrigação de se sujeitarem aos exames laboratoriais pertinentes.A falta de comparência aos exames, sobretudo pelo réu em investigações de paternidade, obriga a definir as consequências jurídicas da recusa; é este o propósito do art. 519º CPC. O art. 519º/3 CPC determina que a recusa é legítima se a obediência importar violação da integridade física ou moral das pessoas; os referidos direitos fundamentais são um limite inultrapassável à coerção ao cumprimento. Em suma, parece mais adequado tentar coagir o relapso através de meios técnico-jurídicos, em vez de legitimar a violência física.O texto do art. 519º CPC prevê a condenação em multa daquele que recuse a cooperação e a jurisprudência tem feito uso da cominação, com a concordância da doutrina.O art. 519º CPC acrescenta uma referência expressa à aplicação do art. 344/2 CC no sentido de a recusa de colaboração implicar a inversão do ónus da prova. Segundo Guilherme de Oliveira sempre que o problema em causa exige a definição dos vínculos biológicos, devem ser usados os meios de prova que a ciência pôs a definição dos vínculos biológicos, devem ser usados os meios de prova que a ciência pôs à disposição dos tribunais, e parece inadmissível que uma das partes frustre os objectivos do processo com uma recusa fácil da cooperação a que está obrigada.

4. Valor das provas periciais

Nos termos do art. 389º CC a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal; e o art. 591º CPC corrobora aquela afirmação.Tratando-se de prova pericial, é costume distinguir o juízo do tribunal sobre os factos que serviram de base à perícia e o juízo do tribunal sobre a validade científica das conclusões apresentadas.Nos casos típicos, em que nada se pode assinalar de anormal, é difícil que o tribunal se afaste das conclusões dos peritos, tal é a credibilidade dos laboratórios nacionais e o potencial técnico dos procedimentos, quer para a exclusão de um vínculo quer para a sua afirmação.

5. Novos meios de prova e recurso de revisão

Os progressos evidentes das provas científicas e a divulgação pública que se tem feito delas, tornam concebível a possibilidade de reabrir processos encerrados em que não tenha sido possível determinar os vínculos biológicos, quer para os impugnar quer, sobretudo, para os estabelecer. A vantagem desta orientação consistiria em vir a obter uma declaração concordante com a verdade biológica. A desvantagem desta orientação estaria em alargar o recurso de revisão para o domínio das acções de filiação, alargando a quebra de segurança jurídica e o sacrifício do caso julgado que o regime necessariamente comporta.

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Princípios fundamentais do estabelecimento da filiação

Princípios constitucionais – remissão para o vol. I

Art. 2º - direito de constituir família -» no sentido de que todos têm o direito de ver juridicamente reconhecidos os vínculos de parentesco.

Art. 8º - não discriminação entre filhos nascidos fora do casamento e do casamento.

Art. 9º - protecção da adopção. Art. 10º - protecção da família – no ponto em que se impõe a efectividade de

condições que permitam a realização pessoal dos membros da família que implica a constituição de vínculos de parentesco.

Art. 11º - protecção da paternidade e da maternidade – no sentido marginal em que os pais são insubstituíveis enquanto têm o dever de agir em nome dos filhos para a promoção das diligências necessárias para o estabelecimento da filiação, designadamente para agir em acções de investigação ou de impugnação.

2. O direito à identidade pessoal e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade art. 26º CRP

O direito à integridade pessoal consiste, por um lado, num direito a ter um nome, de não ser privado dele, de o defender e de impedir que outrem o utilize. Consiste, por outro lado, num direito à historicidade pessoal, significando isto o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores que, por sua vez, garante um direito à localização familiar, de tal modo que cada indivíduo possa identificar os seus parentes, a sua origem geográfica e social. O direito ao desenvolvimento da personalidade, ao mesmo temo que fundamenta uma tutela geral da personalidade, consagra uma liberdade geral de acção, uma liberdade de comportamento no sentido de uma autonomia e autodeterminação individuais, assegurando a cada um a liberdade de traçar o seu plano de vida.

Princípios de ordem pública do direito da filiação

1. Princípios da verdade biológica

O princípio da verdade biológica exprime a ideia de que o sistema de estabelecimento da filiação pretende que os vínculos biológicos tenham uma tradução jurídica fiel, isto é, pretende que a mãe juridicamente reconhecida e o pai juridicamente reconhecido sejam realmente os progenitores, os pais biológicos do filho. Este princípio exige, também, que seja possível usar instrumentos jurídicos de correcção nos casos em que a aplicação das normas de estabelecimento da filiação conduziram, num primeiro momento, a um resultado falso.O sistema jurídico português adoptou uma preocupação, maior do que a de outros sistemas jurídicos, com a coincidência entre a verdade jurídica e a verdade biológica; mais do que outros sistemas, e mais do que o nosso sistema anterior a 1977, o direito português manifesta a intenção de se submeter, quase exclusivamente, à realidade biológica, sem mostrar respeito por outros interesses como, por exemplo, o interesse concreto do filho, o interesse de não perturbar a paz das famílias, ou a estabilidade sócio-afectiva de uma relação jurídica que não tenham fundamento em vínculos biológicos.

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2. Princípio da taxatividade dos meios para o estabelecimento da filiação

O princípio da taxatividade dos meios para o estabelecimento da filiação significa que os vínculos de filiação se estabelecem apenas através dos modos previstos imperativamente na lei, com exclusão de quaisquer acordos privados através dos quais se pretenda constituir vínculos diferentes ou com fundamentos diferentes.

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Estabelecimento da filiação

Estabelecimento da maternidade

São concebíveis dois modelos de regime para o estabelecimento da maternidade e, de facto, os sistemas jurídicos europeus adoptam um ou outro.A maternidade pode ser entendida como uma simples decorrência do puro facto biológico que é o parto. Este facto tem de ser levado ao conhecimento do registo civil, por qualquer pessoa que tenha tido conhecimento dele. Neste sistema, a maternidade impõe-se à mãe, que não pode deixar de assumir o estatuto jurídico inerente. As razões que sustentam este regime são um respeito incondicional pelo direito do filho ao estabelecimento dos vínculos.Numa outra orientação, o parto e a assunção do estatuto jurídico de mãe não estão necessariamente ligados. A mulher pode ter o parto, o nascimento do filho é registado, mas ela só se torna juridicamente mãe se praticar um acto jurídico autónomo de reconhecimento do filho. Esta orientação tem o propósito de evitar que as mulheres grávidas interrompam a gravidez sempre que não possam ou não queiram desempenhar o papel de mães.O direito português anterior à reforma de 1977 seguia o primeiro modelo quanto à filiação legítima, isto é, quanto ao estabelecimento da maternidade das mulheres casadas. Os filhos nascidos de mulheres casadas, na constância do casamento das mães, tinham de ser considerados filhos legítimos delas e dos respectivos maridos, sem que pudesse fazer-se qualquer declaração em sentido contrário (art. 1807º CC). Pelo contrário, o direito português seguia o segundo modelo quando se tratava de filhos de mulheres solteiras; na verdade, sendo as mães solteiras, depois de registado o puro nascimento do filho esperava-se um acto jurídico autónomo de perfilhação pela mãe que, portanto, não assumia o estatuto jurídico correspondente, de forma automática, só por força do parto.A reforma de 1977 alterou o regime tradicional no sentido do modelo biologista. Desde então a maternidade resulta do facto do nascimento sem necessidade de um acto subsequente de perfilhação, tanto para os filhos de mulheres casadas como para os filhos de mulheres solteiras.A maternidade resulta do facto do nascimento, isto é, do parto. Alguns sistemas jurídicos de cultura inglesa e o direito grego já aceitaram que a mãe jurídica possa não ser a mulher que tem o parto. Ex: mães hospedeiras.

Estabelecimento por indicação ou por declaração no registo civil

Por indicação

Deve referir-se a título preliminar, que todos os actos que conduzam ao reconhecimento administrativo da maternidade estão vedados se constar do registo civil um registo de maternidade contraditório. O primeiro registo efectuado goza de prevalência sobre os registos subsequentes (art. 124º RC).O estabelecimento da maternidade rege-se pelos art. 1803º e ss.Os casos normais são aqueles em que a maternidade é estabelecida por ocasião da feitura do registo de nascimento. A pessoa que fizer a declaração de nascimento deve identificar a mãe, e esta indicação é suficiente para que o conservador faça menção do nome da mãe no assento de nascimento (art. 1803º CC).

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Por declaração

Num outro tipo de casos, marginal, a maternidade pode ser estabelecida num momento posterior àquele em que foi feito o registo de nascimento; o registo de nascimento já existe, mas é omisso quanto à maternidade. O meio técnico para desencadear o estabelecimento da maternidade é agora a declaração de maternidade feita pela própria mãe (art. 1806º CC); ou então a indicação ou identificação da mãe, feita por outra pessoa. Se o modo normal de fazer a declaração de maternidade é a declaração feita perante o funcionário do registo civil, também é verdade que a declaração pode ser feita por testamento, por escritura pública ou por termo lavrado em juízo (art. 129º RC).A lei não dispõe sobre a capacidade para fazer a indicação ou a declaração de maternidade. Com efeito, é bom de ver que, para assumir a qualidade de pai, através da perfilhação, basta a capacidade de um maior de dezasseis anos que não seja interdito por anomalia psíquica ou demente notório (art. 1850º CC). Para indicar ou para declarar a maternidade, basta a capacidade natural suficiente para entender o nascimento e para identificar a mãe.Vale a pena sublinhar a facilidade com que se pode estabelecer a maternidade, na esmagadora maioria dos casos, que até um terceiro pode declarar o nascimento e indicar o nome da mãe. Como consequência avulta sobretudo a falta de controlo sobre a veracidade das declarações prestadas, sendo certo que elas têm uma relevância muito grande. Esta falta de controlo permite que a indicação da maternidade seja falsa, quer por força de uma intenção deliberada quer por acidente.Parece claro que o regime de registo de nascimento em unidades de saúde com a elaboração do documento do nascimento controlado por funcionário da unidade e cm o envio para a conservatória pela própria unidade de saúde, evitaria os eventuais casos em que uma mulher pretenda registar como seu o filho que outra mulher teve.Em casos muito especiais, a lei veda a inscrição tardia do nome da mãe, quer através de declaração de maternidade quer através de indicação por terceiro (art. 1806º CC – 1824º). A razão da diferença de regime está antes do problema que o estabelecimento da maternidade pode causar quanto ao estabelecimento da paternidade do filho. No momento em que a maternidade ingressasse no registo, gerava-se um conflito entre a paternidade que dele já consta e a paternidade do marido que a lei impõe através da presunção do art. 1826º CC. No direito actual o legislador não aceita esta solução que, embora fácil, pode bem desrespeitar a verdade biológica da filiação; se a mãe não se apresentou oportunamente no registo civil e se há uma perfilhação por pessoa diferente do marido da mãe, é bem possível que o marido não seja o progenitor. E para que o conflito se esclareça antes de se fazer o estabelecimento da paternidade, para que o registo exprima desde logo a verdade biológica, não há outro remédio senão remeter a questão para uma acção judicial. Aqui está a razão pela qual a mãe, em vez de fazer uma declaração de maternidade no registo civil, deve requerer ao tribunal que declare a maternidade (art. 1824º CC).

Impugnação da maternidade registada

A veracidade do estabelecimento está sujeita a um controlo posterior, através da acção de impugnação da maternidade (art. 1807º CC). A maternidade falsa impugna-se; a declaração perante o funcionário, o testamento, o termo lavrado em juízo ou a escritura pública podem ser invalidados, como actos jurídicos que são.O tribunal competente resulta da aplicação das regras gerais (lei da organização e funcionamento dos tribunais judiciais).

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1. Imprescritibilidade

O direito de impugnar não caduca.

2. Legitimidade activa

A legitimidade activa do MP manifesta o interesse do estado no estabelecimento da filiação biológica.A lei reconhece expressamente legitimidade à pessoa declarada como mãe, e com esta frase deve querer permitir-se a impugnação à mãe que consta do registo, quer ela tenha sido alheia à declaração quer ela tenha sido conivente ou autora da declaração contrária à verdade; com efeito o intuito de descobrir a verdade biológica da filiação prevalece sobre o interesse de proibir que, através de uma impugnação, a declarante venha contra facto próprio, negando a maternidade falsa que conscientemente declarou.Pode perguntar-se a razão pela qual a lei designou expressamente alguns sujeitos e, para além deles, conferiu legitimada a um conjunto indeterminado de pessoas que tiverem interesse moral ou patrimonial na procedência da acção. O sentido útil da norma estará em a lei presumir o interesse relevante dos 3 sujeitos designados, enquanto os outros eventuais impugnantes terão de alegar e provar as circunstâncias de que se infira um interesse moral ou patrimonial na procedência da acção.Se o valor da designação especificada de alguns sujeitos é este que acabamos de referir, então é defensável afirmar que se devia ter acrescentado a designação de um outro – aquela que se declarar mãe do registado.

3. Legitimidade passiva

A lei não define quem tem legitimidade passiva para esta acção o que recomenda a aplicação da regra geral do art. 26º CPC, que nos levaria a intentar a acção contra a pessoa declarada como mãe e contra o filho, enquanto titulares da relação material controvertida de maternidade. No caso que nos ocupa, talvez seja forçado procurar no art. 26º/3 CPC o fundamento para a legitimidade do pai que conste do registo; recorrer-se-á então à analogia com o art. 1846º previsto para a impugnação de paternidade, que manda demanda a mãe, o filho e o presumido pai.

Averiguação oficiosa

A averiguação oficiosa é um procedimento comum ao estabelecimento da maternidade e da paternidade. É regulado nos arts. 1808º a 1813º CC, quanto à maternidade, e nos art. 1864º e 1865º CC quanto à paternidade.

Reconhecimento judicial

A acção comum da investigação da maternidade

No caso raro de não ter havido estabelecimento administrativo, é possível promover uma acção judicial destinada a obter uma sentença que declare a maternidade. O art. 1815º CC estabelece: não pode promover-se o estabelecimento judicial da maternidade contra uma mulher se, porventura, o registo de nascimento exibir uma outra pessoa como mãe. De facto, se há uma maternidade estabelecida, ela é verdadeira até que seja impugnada através da acção de impugnação da maternidade.

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Segundo o art. 1814º CC o estabelecimento da maternidade tem de resultar de acção especialmente intentada pelo filho para esse efeito.

1. Legitimidade activa

Esta acção será intentada pelo filho, em nome próprio, se já tiver capacidade judiciária, ou representado pelo MP, enquanto representante geral dos incapazes no quadro do reconhecimento judicial clássico.

2. Presunção e transmissão da acção (remissão para a paternidade)

3. Legitimidade passiva (remissão)

4. Prova da maternidade

O autor tem de mostrar que o filho nasceu da pretensa mãe (art. 1816º CC). A doutrina comum afirma que a prova da maternidade resulta da prova do parto e da identidade do filho. Isto quer dizer que o autor tem de mostrar que a pretensa mãe teve um parto e que o pretenso filho é o indivíduo que nasceu desse parto.As provas tradicionais do parto e da identidade eram necessárias apenas porque não tinham alternativa – não havia meios científicos para demonstrar o que se pretendia. Hoje, porém, não há qualquer razão para considerar aquelas provas como necessárias, desde que seja possível provar a maternidade, directamente por meio de testes científicos.O art. 1816º/2 com o intuito de facilitar a prova ao autor, previu dois casos em que a maternidade se presume. Assim, se o autor puder demonstrar que viveu na posse de estado de filho ou se exibir um escrito no qual a pretensa mãe declare a sua maternidade, fica dispensado de provar o vínculo de maternidade, a lei presume-o. A presunção estabelecida no art. 1816º/2 pode ser ilidida pela ré com a demonstração de factos que suscitem dúvidas sérias no tribunal (art. 1816º/3) -» remissão.

5. Prazo para a propositura da acção (remissão) – art. 1817º

A acção especial, quando a mãe é casada (art. 1822º e ss.)

A acção de investigação de maternidade assume um carácter especial pela circunstância de o filho ter nascido ou ter sido concebido durante o matrimónio da pretensa mãe, ou ainda por o filho ter sido perfilhado por pessoa diferente do marido da mãe.

1. Legitimidade activa

A acção pode ser intentada pelo marido da pretensa mãe, durante a menoridade do filho. Neste caso a acção deve ser dirigida contra a pretensa mãe, contra o filho e se houver perfilhação, contra o perfilhante.A própria mãe pode intentar a acção especial de estabelecimento da maternidade (art. 1806º e 1824º). O legislador quis evitar que a mãe pudesse, com a simples declaração de maternidade perante o funcionário do registo civil, fazer operar automaticamente a presunção de paternidade marital e suscitar a rectificação oficiosa da menção da paternidade de terceiro. A mãe desempenha o papel de autora enquanto o filho é o réu, juntamente com o marido e o eventual perfilhante.

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A lei considera legitimado um outro sujeito activo – o MP – na sequência da averiguação oficiosa prevista nos art. 1808º e ss (art. 1810º).

2. Legitimidade passiva

A lei impõe ao filho autor que chame também o marido da investigada; se a acção decorrer nestas condições e proceder, o filho obterá declaração judicial da maternidade e, porque a mãe era casada no momento da concepção ou do nascimento, funcionará a presunção do art. 1826º que atribuirá a paternidade ao marido.Além do casamento da pretensa mãe na época do nascimento ou da concepção, pode acrescer a circunstância de o filho investigante ter sido perfilhado por pessoa diversa do marido da investigada. Esta perfilhação, que foi possível porque o registo era omisso quanto à maternidade, provoca um conflito entre a paternidade do marido e a paternidade do terceiro. Neste caso, a lei manda o filho dirigir a acção contra a pretensa mãe, contra o marido e ainda contra o perfilhante que é, afinal o único progenitor reconhecido (art. 1823º).

3. Impugnação da paternidade do marido

Pretende-se evitar que, por força de um estabelecimento de maternidade de mulher casada, com o inevitável estabelecimento da paternidade do marido através da presunção legal, acabasse por ser necessária uma acção posterior e autónoma de impugnação da paternidade quando o marido não fosse o pai.A primeira observação a fazer é a de que se aplicam as regras previstas para a acção de impugnação (art. 1383º e ss), sem prejuízo da eventual aplicação das normas respeitantes à cessação da presunção.Segundo o art. 1842º/1 b) o direito de impugnar da mãe, caduca logo que sejam transcorridos dois anos sobre o nascimento; e o nº2 do artigo não prevê uma regra especial para o início do curso do prazo a que está submetido o exercício do direito daquela. Assim, poderia entender-se que o advérbio sempre autorizaria a mãe a impugnar a paternidade do marido ainda que já tivessem passado dois anos sobre o nascimento.Não creio, porém, que se deva interpretar a norma do art. 1823º como uma derrogação do disposto no art. 1842º. Em primeiro lugar, porque seria insólito querer facultar numa norma aquilo que noutra se quis deliberadamente proibir; em segundo lugar, porque a natureza estrita do prazo que a lei estabelece no art. 1842º se compreende bem, já que a mãe conhece o nascimento desde que ele ocorreu e bastar-lhe-ão os dois anos que a lei lhe confere para resolver impugnar a paternidade do marido.O teor liberal do art. 1823º pode comportar um sentido útil: a impugnação da paternidade do marido seria admitida em qualquer estado da causa. Isto é, o sujeito legitimado para impugnar a paternidade – que estará presente como autor ou réu na acção de investigação da maternidade – ficará sempre a tempo de formular o pedido de impugnação e exibir as respectivas provas, até ao momento da sentença em que o tribunal considera que o pai é o marido da mãe. A sentença sobre a maternidade resolva também a questão da paternidade do marido, de tal modo que não chegue a ser inscrita no registo civil uma paternidade falsa, sujeita a uma impugnação posterior.A aplicação das normas comuns que regem a legitimidade activa para impugnar carece de adaptação às particularidades do caso quando exista uma perfilhação: com efeito, o perfilhante deve ter legitimidade para impugnar. Com efeito, julgo que o perfilhante demandado nos termos do art. 1822º deve ter uma legitimidade integral para mover a

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impugnação que o art. 1823º prevê, em vez da simples faculdade que lhe é atribuída pela regra geral do art. 1841º. O perfilhante não é um estranho cujas declarações e pretensões mereçam controle para defesa dos estados familiares reconhecidos; o perfilhante está dentro da relação familiar controvertida e é mesmo o único investido do estado jurídico correspondente. Assim, a posição do perfilhante deve ser mais forte do que aquela que a lei dá ao terceiro que se declare pai natural, no âmbito do art. 1841º.Esta necessidade de dirigir a acção também contra o perfilhante, nos termos do art. 1822º significa que a lei reconhece ao progenitor um interesse sério. Bem basta que impenda sobre o perfilhante o ónus de impugnar, já que a regra pater is est… prevalece nos termos do art. 1823º/2; seria hipócrita, injusto e inadequado, reduzir os seus poderes ao mero requerimento nos termos do art. 1841º, colocando-o, depois, na dependência absoluta do tribunal e do MP.O direito de fixar a maternidade por simples declaração da mãe não caduca (art. 1806º).

Conflitos de maternidade

É possível que sujam conflitos: 1. Alguém declara o nascimento e indica a maternidade e, posteriormente, uma outra mulher pretende fazer uma declaração de maternidade em seu favor; 2. Anos depois de um estabelecimento normal da maternidade, o filho pretende intentar uma acção de investigação da maternidade contra uma mulher diferente; 3. Quando está em curso uma acção de investigação contra uma mulher, outra mulher pretende fazer uma declaração de maternidade em seu favor.O art. 124º RC estabelece uma regra natural de prioridade de registo, ao impedir a relevância de qualquer declaração de maternidade que esteja em contradição com um registo anterior (art. 1815º).Aplicando estes regimes aos exemplos enunciados acima, nos casos 1 e 2 não se admitiria o segundo estabelecimento da maternidade; no caso 3 a declaração seria admitida como válida, mas com a eficácia dependente da improcedência da acção em curso.

Estabelecimento da paternidade

A maternidade resulta do facto do nascimento, a mãe é necessariamente a mulher que tem o parto, e este facto não se altera pela circunstância de a mulher ser casada ou solteira. Quanto à paternidade, porém, o estado de casada da mulher deu sempre a possibilidade de seguir um caminho simples, automático, para estabelecer a paternidade: a presunção legal pater is este quem nuptias demonstrant; se a mulher é solteira, não há um marido que possa ser presumido pai, e o estabelecimento da paternidade tem de seguir outros caminhos.A lei organiza um modo de estabelecimento da paternidade do marido – por presunção legal – e outras três vias para se estabelecer a paternidade fora do casamento – a perfilhação, a acção de investigação da paternidade e a averiguação oficiosa da paternidade que, verdadeiramente, acaba por se reconduzir a uma destas duas, quando procede.

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Presunção da paternidade do marido da mãe

O pai é o marido da mãe

Segundo o art. 1826º presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe tem como pai o marido. O legislador de 1977 terá acolhido a concepção germânica da regra pater is este…, nos termos da qual a paternidade é um facto, e a atribuição da paternidade ao marido assenta numa forte probabilidade de ele ser o autor da fecundação, de acordo com o que normalmente acontece; não era esta a visão do legislador de 1966 que, empenhado na generalização do estatuto de filho legítimo e hostil à prova do adultério da mãe casada, tomava a atribuição da paternidade como um princípio ético de organização da família, um efeito do casamento.

1. Âmbito de aplicação da presunção

A presunção de paternidade funciona relativamente ao filho concebido antes do casamento e nascido durante o matrimónio; relativamente ao filho concebido e nascido durante o casamento; e relativamente ao filho concebido durante o casamento e nascido depois da sua dissolução.A identificação dos vários casos supõe o recurso às disposições gerais que definem o período legal da concepção e permitem a fixação judicial da concepção (art. 1798º e ss).A lei nº 7/2001 não estendeu a presunção da paternidade àquele que vivia em união de facto com a mãe do filho. Isto significa que o estabelecimento da paternidade seguirá os outros modos.

2. Fundamento e natureza da presunção

Partindo do princípio de que é necessário fazer coincidir a realidade jurídica com a verdade biológica na atribuição legal da paternidade, o problema que se põe é, portanto, o do conhecimento da paternidade real.Em primeira linha deve pretender-se uma certeza, a descoberta do autor efectivo da procriação em cada caso.O legislador resolverá a questão de saber quem é o pai (facto desconhecido), partindo de circunstâncias conhecidas (os nascimentos de mãe casada) recorrendo aos princípios de normalidade patentes (juízo de probabilidade). Deste modo, sem qualquer necessidade de averiguação caso por caso, o resultado legal é verdadeiro – o pai é o marido da mãe.Tudo isto é, afinal, recorrer ao instrumento técnico-jurídico da presunção legal. Ela vale e actua independentemente de qualquer litígio ou da existência de uma fase probatória de qualquer litígio em que intervenha. Trata-se de uma presunção iuris tantum. Fundando-se a presunção legal num juízo de probabilidade e não uma certeza, tem de admitir-se uma zona de erro possível, zona que se situa entre o máximo da probabilidade e a certeza absoluta, isto é, tem de admitir-se que, em certos casos, o não-provável acontece e o marido da mãe não é o pai. Posto isto, a lei tem de admitir com largueza a correcção do erro, a reposição da verdade, o que implica a possibilidade de provar, em qualquer caso, a não-paternidade do marido da mãe, ou seja, o contrário do facto presumido.

3. Menção obrigatória da paternidade

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A paternidade do marido, que resulta do funcionamento da presunção, é a paternidade verdadeira enquanto não for provado o contrário; assim, mesmo antes de constar do registo e de os interessados a poderem invocar (art. 3º RC) já os serviços do registo estão obrigados a fazer a respectiva menção, pelo que se devem negar a aceitar uma declaração de que o pai é incógnito, ou a aceitar uma perfilhação incompatível.As excepções que libertam o funcionário do registo do dever de inscrever no assento de nascimento a paternidade do marido têm de estar previstas na lei. O art. 1835º refere-se a dois casos de cessação da presunção legal de paternidade considerados nos art. 1828º e 1832º. Há, todavia, outras circunstâncias previstas na lei em que a paternidade do marido não chega a ser mencionada no registo, quer porque cessa nos termos do art. 1829º quer porque é impugnada no contexto de uma acção especial de investigação da maternidade, segundo o art. 1823º.

4. Casos de cessação da presunção. Renascimento da presunção

Os arts. 1828º, 1829º e 1832º ocupam-se dos casos em que a lei não impõe a presunção da paternidade do marido da mãe, embora a concepção ou o nascimento do filho se tenham verificado durante a constância formal do matrimónio. Nas circunstâncias definidas pelo legislador a possibilidade de o marido da mãe ser o pai do filho é muito remota; tão remota que se torna mais razoável excluir, logo de inicio, a presunção legal e admitir o seu restabelecimento, a cargo dos interessados, quando se provem circunstâncias especiais (art. 1831º).A primeira via legal para fazer cessar a presunção de paternidade costa do art. 1828º.O art. 1829º determina que a presunção de paternidade do marido cessa quando o filho tiver nascido trezentos dias depois da data em que os cônjuges deixaram de coabitar.O art. 1829º/2 por sua vez, define certas hipóteses em que se considera funda a coabitação.A primeira hipótese em que a lei considera finda a coabitação é aquela em que os cônjuges iniciaram um processo de divórcio ou separação por mútuo consentimento: a coabitação considera-se terminada na data da primeira conferência.A segunda hipótese em que a lei considera funda a coabitação conjugal é aquela em que os cônjuges iniciaram um processos de divórcio litigioso ou de separação: a coabitação considera-se terminada na data da citação do réu.Numa terceira hipótese, a lei permite que o momento relevante para o termo da coabitação seja fixado pelo juiz, na sentença, quando esse facto ficou provado e se reporta a uma data anterior à data da citação do réu. O prazo de trezentos dias previsto no art. 1829º conta-se a partir da data mencionada na sentença.Pode acontecer que a presunção de paternidade do marido seja mencionada no assento de nascimento e, depois uma vez proposta uma acção de divórcio ou de separação, a sentença venha a fixar o termo da coabitação conjugal numa época anterior à concepção do filho. A menção da paternidade deve ser rectificada em face dos dados novos, com base no art. 1836º/2. A fixação do termo da coabitação tem, pois, uma vocação de retroactividade, para se aplicar aos actos de registo lavrados no passado, ou seja, durante a separação de facto.Por último, o art. 1832º consagra um outro regime de cessação da regra pater is este… este novo regime porventura inspirado na lei francesa de 1972, terá sido pensado para os casos em que a mulher casada, separada do facto do marido, tinha um filho que era alheio ao seu casamento.A reforma de 1977 reconheceu a grande improbabilidade de o marido ser o pai do filho nascido naquelas condições, apesar da subsistência formal do matrimónio.

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O DL 273/2001 simplificou o regime: a mera declaração da mãe é suficiente para fazer cessar a presunção de paternidade do marido.O art. 119º/3 RC manda notificar o marido cuja paternidade foi afastada para lhe dar o ensejo de controlar a verdade do registo; permite que o marido impugne a paternidade registada, ou perfilhe, podendo estranhar-se que não faça referência ao renascimento da presunção da paternidade prevista nos art. 1832º/6 e 1831º.Quando se faz cessar a presunção de paternidade do marido a paternidade fica omissa e estabelece-se nos termos gerais: por perfilhação, averiguação oficiosa, ou investigação judicial. A não ser que a presunção de paternidade do marido venha a ser restabelecida nos termos do art. 1831º.

5. Renascimento da presunção de paternidade

Se pode admitir-se como altamente provável que a coabitação conjugal tenha cessado nas datas consideradas pelo art. 1829º/2 reconhece-se apesar de tudo a possibilidade de o marido ser o pai, sempre que todo ou parte do período legal da concepção tenha decorrido entre as citadas datas e o momento do trânsito em julgado das sentenças de divórcio ou de separação; neste caso a lei prevê os meios de restabelecer a presunção, nos termos da parte final do nº1.Segundo o art. 1831º a legitimidade para intentar a acção de renascimento da presunção cabe a qualquer dos cônjuges ou ao filho. A fórmula utilizada, porém, beneficia com uma advertência: apesar dos seus termos, ela não pode sustentar a necessidade de que o autor seja um dos cônjuges no momento da petição – basta que se trate da mãe ou daquele que era o marido dela, relativamente a quem a presunção foi afastada.Creio que na acção de nascimento da regra pater is este.. devem ser chamados a contradizer a mãe, o filho e o marido da mãe, quando não figurem nela como autores.Problema mais delicado é o de saber quem serão réu quando todos estes sujeitos pretendam agir em litisconsórcio no sentido de restabelecer a presunção. O regime mais aceitável parece ser o de citar o MP na sua qualidade de promotor e guardião do interesse público da legalidade.Os factos a que a lei atribui relevância no sentido de fazer renascer a presunção da paternidade são a existência de relações entre os cônjuges, no período legal da concepção que tornem verosímil a paternidade do marido.As relações entre os cônjuges não podem deixar de ser tomadas no sentido de relações sexuais.A verosimilhança da paternidade é o elemento cuja prova pode tornar-se mais difícil.Não quer dizer que se exija do tribunal uma certeza da paternidade; exige-se-lhe só uma convicção acerca da probabilidade razoável do nexo causal entre as relações sexuais demonstradas e a paternidade do marido.A prova da verosimilhança da paternidade, sempre delicada, ainda se torna mais difícil quando, ao lado das relações entre a mãe e o marido, se provam relações da mãe com outro homem,Além das relações entre os cônjuges e da verosimilhança da paternidade, a lei estabelece o requisito de a coabitação ter ocorrido durante o período legal da concepção do filho.O renascimento da presunção pode também basear-se na demonstração de que o filho na ocasião do nascimento, beneficiou de posse de estado relativamente a ambos os cônjuges (art. 1831/1). Este artigo determina que a posse do estado só releva quando exista na ocasião do nascimento. A posse de estado de filho tem sempre um valor indiciário do vínculo biológico mas é razoável supor que na altura do nascimento ela assume aquele sentido com a maior

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intensidade. A posse de estado iniciada e consolidada depois do nascimento é equívoca, do ponto de vista da realidade biológica. Ela pode resultar de uma atitude benévola do marido em face do adultério da mulher, e da sua vontade no sentido de considerar como seu um filho de terceiro. A posse de estado de filho comum no momento em que é mais significativa – a ocasião do nascimento – satisfaz as intenções da lei.A justiça e a economia processual impõem que o réu use todos os meios de prova, designadamente os meios científicos, que afastem decisivamente a paternidade do marido e inutilizem a presunção legal que o autor deseja restabelecer.O interessado em negar a paternidade do marido deve poder fazê-lo qualquer que seja o momento em que for chamado a defender-se numa acção de renascimento da presunção; e, se o não fizer, o prazo geral de caducidade estabelecido no art. 1842º só deve correr a partir do estabelecimento da paternidade, ou seja, a partir do trânsito em julgado da acção de renascimento da presunção que tenha procedido.Um outro aspecto digno de consideração é a posição do eventual perfilhante; de facto, a circunstância de ter cessado a presunção de paternidade do marido dá o ensejo para o filho ser reconhecido por um terceiro; mas, se algum interessado se propõe fazer renascer a presunção, estabelece um conflito potencial com a paternidade que consta do registo. A reforma de 1977 estabeleceu a regra da prioridade de registo no âmbito da filiação extramatrimonial (art. 1848º); por outro lado, resolveu expressamente um conflito entre a paternidade resultante de uma perfilhação e a presunção de paternidade do marido no regime detalhado e saliente dos arts. 1822º a 1824º, favorecendo a paternidade marital. Julgo, portanto, que a solução mais coerente, no seio da reforma de 1977 embora, porventura, não a melhor – é aquela nos termos da qual o perfilhante demandado tem o direito de impugnar a paternidade do marido mas esta paternidade, se não for impugnada, prevalece sobe o reconhecimento anterior.Pode estranhar-se que não tenha sido definido um prazo para se intentar a acção de renascimento da presunção de paternidade. Se a mulher ou o filho pretenderem o renascimento da presunção muitos anos após o nascimento, o marido, poderia ver-se em dificuldades para mobilizar provas envelhecidas ou até perdidas. No caso presente, e por uma razão de coerência do sistema, devia ter-se assinado um prazo para a acção, ou ter-se permitido ao marido que suscitasse o pleito para declaração de ausência de relações entre os cônjuges ou de inexistência de posse de estado, que assim confirmaria a cessação da presunção.Hoje, no entanto, penso que a existência de prazos de caducidade, pelo menos nas acções de investigação de maternidade e de paternidade, não é compatível com a CRP.

A acção de impugnação da paternidade

A acção de impugnação da paternidade supõe que a presunção da paternidade do marido funcionou e que o nome do marido da mãe figura no lugar da paternidade, no registo de nascimento do filho; supõe também que a presunção indicou um pai que, na verdade, talvez não seja o progenitor.

A – Filhos concebidos dentro do casamento

1. Legitimidade activa

A lei consagrou nitidamente a legitimidade activa ao filho.

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A possibilidade de corrigir uma atribuição legal e automática de paternidade que se julgue não corresponder ao vínculo real de parentesco decorre do direito fundamental à integridade pessoal que a CRP de 1933 já consagrava e que o actual diploma constitucional reafirma no seu art. 25º e decorre ainda do direito à identidade pessoal, previsto no art. 26º se entendermos que o conhecimento da ascendência verdadeira é um aspecto relevante da personalidade individual e uma condição de gozo pleno daqueles direitos fundamentais.O direito actual também reconhece legitimidade activa à mãe. Ao exercer o direito de impugnar, ela pode também pretender criar as condições para uma futura perfilhação pelo pai biológico, e pode ainda querer excluir o marido do poder paternal sobre um filho que não é dele, isto é, pode pretender concentrar em si o poder de direcção sobre o filho.Actualmente, por força da consagração da lei fundamental (art. 36º/3) do princípio da igualdade jurídica dos cônjuges, dificilmente se poderia negar à mãe esta legitimidade activa para impugnar, nas mesmas condições em que ela é reconhecida ao marido.O art. 1839º permite também àquele que se declarar pai natural requerer ao tribunal a impugnação da paternidade presumida, nos termos do art. 1841º. A nossa lei não achou curial a impugnação autónoma e incontrolada do terceiro porque a concessão de uma legitimidade plena significaria sempre a intromissão de um estranho, co-autor do adultério da mulher casada, no seio da família, intervenção sempre grave, mesmo quando acabasse por ser considerada improcedente. Porém, já se considerou admissível a mera iniciativa dele fortemente condicionada por uma averiguação prévia, feita pelo tribunal, sobre a viabilidade da acção impugnatória, acção esta intentada e mantida pelo MP.Pode pensar-se, no entanto, que uma vez reconhecida pelo tribunal a viabilidade da acção, não se justifica que seja o MP e não o suposto pai natural, a intentar de conduzir a impugnação.Esta atribuição de legitimidade activa ao suposto pai natural, depois de abandonada pelo tribunal a viabilidade da acção, poderia dar origem, ao contrário do que acontece com o actual sistema legal, a que a impugnação não viesse a ser intentada por desinteresse do pai natural.

2. Prossecução e transmissão da acção

Pode dar-se o caso de um sujeito legitimado para intentar a acção morrer sem a ter intentado, ou morrer durante o curso da acção. A lei estabelece, apra estes casos, quem poderá tomar o lugar deleNo caso de morte do presumido pai, a legitimidade transmite-se ao cônjuge que não seja a mãe do filho e a todos os descendentes, mesmo que sejam igualmente descendentes da mulher.No caso de morte da mãe, têm o poder de continuar a acção, ou de a propor, os parentes na linha recta – descendentes e ascendentes.No caso de morte do filho, a lei chamou o cônjuge à transmissão, admitindo que é ele quem partilha e melhor defende os interesses do falecido. Também os descendentes do filho podem prosseguir ou propor a acção, como parentes muito próximos e membros da família nuclear.Os legitimados para prosseguir ou intentar a acção, embora intervenham subsidiariamente, exercem um direito próprio, fundado na proximidade familiar em que se encontram relativamente ao titular, por vínculo de sangue ou por vínculo conjugal. Não agem em representação do falecido como se fossem sucessores, herdeiros.

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O legislador equiparou a morte do titular do direito de agir à sua ausência justificada (art. 1845º). Não é necessário que a ausência chegue ao ponto de se declarar a morte presumida (art. 114º); basta que se atinja uma situação que permita a justificação da ausência (art. 99º).O prazo assinado para a impugnação por esses familiares, porém, é de cento e oitenta dias. E compreende-se que o prazo seja maior do que o de noventa dias. De facto, a transmissão do direito verifica-se depois de um período longo de falta de notícias do titular.

3. Legitimidade passiva

O art. 1846º define a legitimidade passiva para a acção de impugnação, mostrando o intuito de fazer participar todos os principais interessados. Assim, prevê-se que a acção se dirija contra o presumido pai, a mãe e o filho, em litisconsórcio; é claro, que sendo o pedido formulado por um deles, deverá ser dirigido contra os outros, na hipótese de o pedido ser formulado pelo MP, a requerimento de quem se declara pai natural, deverão estar em juízo, no lado passivo, aqueles 3 sujeitos.

4. Objecto do processo

Segundo o art. 1839º/2 o autor deve fazer a prova de que paternidade do marido é manifestamente improvável.O julgador tem de se convencer de que o marido não é o pai. E não se pede um juízo como o que se requer no domínio das ciências da natureza, mas antes um juízo recto, fundado num alto grau de probabilidade, com uma garantia de certeza tão grande quanto o permite o conhecimento e a experiência prática da vida.

5. Prazos para a propositura da acção

Segundo o regime actual, o marido tem o direito de impugnar no prazo de dois anos contados desde que teve de conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade (art. 1842º).O prazo começa a correr logo que os factos elucidativos se tornem conhecidos pelo marido, ainda que ele não tenha tirado a conclusão da sua não paternidade? Ou só começa a correr mais tarde, no momento em que o marido tiver tirado, finalmente a conclusão que um homem médio teria alcançado mais cedo? As palavras da lei dizem que as circunstâncias devem ser de molde a que se possa concluir a não paternidade, e não apenas de molde a que o marido possa concluir a sua não paternidade. O art. 1841º/2 determina que o prazo nunca começa antes do ingresso da maternidade no registo. A mãe dispõe de dois anos contados a partir do nascimento.O filho, pode agir durante toda a menoridade, através do representante legal e por si próprio, durante o ano posterior à maioridade ou à emancipação; porém, se ele só mais tarde tomou conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se que não é filho do marido da mãe, o prazo de um ano só se conta a partir dessa data.O art. 1842º não se refere ao MP, quando ele impugna a requerimento de quem se declarar pai do filho. A caducidade porém opera por força do disposto no art. 1841º já que a impugnação depende daquele requerimento, e este tem de ser apresentado no prazo de sessenta dias a contar da data em que a paternidade do marido da mãe conste do registo.

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A caducidade do direito de impugnar é geralmente estabelecida pelos sistemas jurídicos mais conhecidos. São conhecidas as razões que habitualmente se invocam para justificar a perempção do direito de agir sobre o estado civil: o perigo do enfraquecimento das provas e o dano resultante de uma insegurança prolongada em matéria tão grave.A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, a força redutora da verdade biológica, e a igualdade do estatuto jurídico d todos os filhos, ainda não tiveram o mérito de afastar o regime tradicional e de fazer consagrar a admissibilidade da impugnação a todo o tempo.Segundo a opinião do prof os tempos correm em favor da imprescritibilidade das acções de filiação. O respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade.

6. O caso especial da impugnação antecipada

Quando a maternidade ainda não está estabelecida e, portanto, ainda não foi desencadeado o efeito da presunção de paternidade do marido, este já pode formular o pedido de impugnação da sua paternidade (art. 1843º).

7. O caso especial da inseminação com dador

O art. 1839º/3 prevê a hipótese de ter havido um acordo entre os cônjuges no sentido de a mulher recorrer à procriação medicamente assistida com esperma de um dador. O direito português, no entanto, certamente por inspiração do direito suíço de 1976 (art. 256º/3) não reconhece o direito de impugnar aos cônjuges que celebraram aquele acordo. Na verdade, o marido e a mulher aderiram a um projecto familiar que consistiu na investidura do homem no estatuto social e afectivo de pai, sabendo que ele não era o progenitor.As restrições mencionadas não valem, porém, relativamente ao filho, que mantém o direito de impugnar nos termos gerais.

B – Filhos concebidos antes do casamento

Segundo o art. 1840º o marido da mãe cujo filho nasceu dentro dos 180 dias seguintes à data do matrimónio, pode destruir a atribuição legal da paternidade mediante a simples prova das datas do casamento e do nascimento. Não é necessário demonstrar a não paternidade, a impossibilidade ou a improbabilidade dela.A presunção é digamos mais fraca e pode ser afastada mediante a simples prova da data do nascimento do filho em confronto com a do casamento, atitude que revelará uma convicção negativa da paternidade do marido.O legislador considerou certas situações verificáveis em relação ao pretenso pai e marido que precludem o direito de impugnar nos termos do art. 1840º. Estas situações são conhecimento anterior ao casamento da gravidez; o consentimento pessoalmente prestado ou por representante com poderes especiais da inscrição do filho como seu no acto de registo de nascimento e o reconhecimento por qualquer forma da paternidade.Como se vêm a verificação de qualquer destes factos altera radicalmente a força da atribuição legal da paternidade. A prova de qualquer dessas circunstâncias vem permitir ao legislador fundar a atribuição da paternidade numa probabilidade mais forte.Aos factos previstos nas várias alíneas deve acrescentar-se a prova de que a concepção ocorreu dentro do matrimónio, apesar de o filho ter nascido dentro do primeiro cento e oitenta dias posteriores à celebração. Esta prova mostrará necessariamente que a

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gestação durou menos do que seis meses. Este facto transporta o caso para o âmbito do art. 1839º respeitante aos filhos de concepção matrimonial.A relevância dos factos previstos nas várias alíneas do art. 1840º supõe que eles foram praticados de uma forma livre e esclarecida. Assim o art. 1840º/2 prevê a possibilidade de aqueles factos perderem o valor que teriam, quando forem invalidados por vícios da vontade, nos termos aí referidos.A verificação de qualquer daqueles factos impede que a impugnação siga a via do art. 1840º, mas não impede que se ataque a paternidade nos termos gerais, previstos no art. 1839º.

Reconhecimento voluntário por perfilhação

O acto de perfilhação

1. Conceito e caracteres da perfilhação

O reconhecimento jurídico da paternidade fora do casamento faz-se, normalmente, através do acto de perfilhação. Este acto consiste numa manifestação de um indivíduo que se apresenta como progenitor de um filho que ainda não tem a paternidade estabelecida. Esta manifestação, passa a constar do registo civil, e a paternidade considera-se estabelecida, com efeito retroactivo até à data do nascimento do filho.O acto de perfilhação não é, seguramente um negócio jurídico porque o declarante não pode conformar os efeitos da declaração. A perfilhação é um simples acto jurídico, na acepção conhecida segundo a qual o declarante não causa mas desencadeia os efeitos jurídicos que se produzem por força da lei.É mais difícil discutir se este acto consiste numa declaração de vontade ou numa declaração de ciência: o perfilhante diz que quer assumir o estatuto jurídico de pai ou, diferentemente, diz que sabe que é o pai biológico? Julgo que a perfilhação deve ser entendida como uma declaração de ciência – o perfilhante declara que sabe que é o progenitor – e a lei faz desencadear os efeitos jurídicos que constituem o estatuto da paternidade.A perfilhação é um acto jurídico unilateral, no sentido comum do termo, de que a mera actividade do perfilhante é suficiente para a perfeição e a validade do acto; e não-receptício, no sentido que não é necessário levar a declaração do perfilhante ao conhecimento do perfilhado para ela se tornar válida.O regime do art. 1883º que exige o consentimento do cônjuge do perfilhante para a introdução do filho no lar conjugal, também não invalida o que ficou dito. Neste caso, a perfilhação é válida e eficaz mesmo sem o consentimento mencionado, que só vale para o efeito específico de trazer o perfilhado para viver na casa de morada do cônjuge do perfilhante.A perfilhação é um acto pessoal (art. 1849º) em primeiro lugar no sentido de que não se destina a constituir, modificar ou extinguir relações de carácter patrimonial; em segundo lugar, a perfilhação é um acto pessoal no sentido de que deve ser praticado pelo suposto progenitor – e não por outra pessoa em seu lugar – ressalvada a possibilidade de o progenitor se fazer representar por procurador com poderes especiais.Também não pode admitir-se que, na falta de uma perfilhação pelo progenitor o descendente seja reconhecido como neto, ou como irmão, como sobrinho; por outro lado a exclusão de modos de substituição do incapaz favorece a permissão que o acto seja praticado por sujeitos que sofram de incapacidade negocial mas que tenham capacidade natural suficiente para entender a perfilhação (art. 1850º).

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A perfilhação é um acto livre (art. 1849º). É livre, num primeiro sentido, porque deve ser praticada por quem tiver uma vontade esclarecida, ou seja, formada com exacto conhecimento das coisas e, em segundo lugar, formada com liberdade exterior, isto é, sem a pressão de violências ou ameaças.A pergunta difícil é se a perfilhação é livre no sentido de ser facultativa – o progenitor perfilha se quiser? Ou tem o dever jurídico de perfilhar desde que saiba que é o responsável pela concepção?O autor crê que pode argumentar-se, de modo suficiente, e com base no nosso sistema legal, em favor da existência de um dever jurídico de perfilhar e do correspondente direito a ser perfilhado.A satisfação plena do direito à identidade e à integridade pessoais (art. 25º e 26º CRP), e no direito ao desenvolvimento da personalidade (art. 26º CRP), implica a atribuição dos meios técnicos-jurídicos adequados à descoberta da ascendência, isto é, a atribuição de um direito à constituição do estado de filho. Ora, se a comunidade enviada esforços para estabelecer a paternidade de cada indivíduo, parece que o progenitor tem um especial dever de agir. Em segundo lugar, o nosso sistema posterior a 1967 estabelece a obrigação de averiguar oficiosamente a paternidade que reste incógnita no assento de nascimento.Se o regime do estabelecimento da maternidade não permite à mãe que evite a menção da maternidade como se justificará que o pai tenha o direito de omitir a menção da paternidade?Defendida a existência de um de um dever jurídico de perfilhar, segue-se que a omissão culposa do reconhecimento, pelo progenitor, viola um direito alheio e gera uma obrigação de indemnizar nos termos gerais da responsabilidade civil.A perfilhação é também um acto puro e simples, no sentido de que não pode comportar cláusulas que limitem ou modifiquem os efeitos que a lei lhe atribui, sejam cláusulas típicas como o termo ou a condição, sejam cláusulas atípicas.O acto de perfilhação uma vez praticado não pode ser revogado (art. 1858º).A segunda parte da norma prevê a hipótese de a perfilhação ser feita em testamento, para estabelecer que a revogação do testamento não arrasta a revogação da perfilhação.

2. Capacidade para perfilhar

Para perfilhar basta a consciência das relações sexuais fecundantes e a convicção da paternidade; quanto aos efeitos, a lei é que os define em toda a sua extensão. É a falta deste mínimo de autonomia pessoal que justifica a falta de capacidade dos interditos por anomalia psíquica ou dos que no momento do acto, se encontrem dementes (art. 1850º).A fixação de uma idade mínima a partir da qual se presume a maturidade suficiente para a prática de certo acto envolve sempre algum arbítrio. A escolha dos dezasseis anos justifica-se tendo em conta os casos paralelos e a tradição do nosso sistema.A capacidade para perfilhar tem de se verificar no momento da prática do acto e não no momento da sua eficácia.

3. Forma de perfilhação

A perfilhação pode ser feita por várias formas (art. 1853º) que têm de comum o serem formadas mais solenes do que o simples escrito particular.A perfilhação que não revista alguma das formas prescritas no art. 1853º é nula. O perfilhante poderá, normalmente, renovar o acto segundo a forma prescrita. Quando, porém, não conseguir ou não quiser fazê-lo será útil que a perfilhação nula valha como

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simples escrito do pai para efeito de investigação – basta que, apesar do vício, ela signifique uma manifestação esclarecida de convicção de paternidade.A perfilhação perante o funcionário do registo civil é a forma mais comum.A perfilhação pode ser feita em testamento. A perfilhação contida num testamento pode sofrer as consequências dos vícios que afectam o próprio testamento. Quando o testamento não tiver sido observado a forma comum a perfilhação não está suportada pelo documento autêntico que a lei exige e assim é nula como o próprio testamento. Se o vício do testamento for de ordem substancial, pode acontecer que a perfilhação deve considerar-se, todavia, válida.Qualquer escritura pública pode ser aproveitada para fazer um reconhecimento voluntário.O caso típico da perfilhação feita por termo lavrado em juízo é aquele em que o pretendo progenitor confirma a paternidade no curso de uma averiguação oficiosa (art. 1865º/2 e 3).Vale em todos os casos a regra segundo a qual a filiação reconhecida só é atendível depois de registada (art. 1797º CC e 2º RC), embora tenha, depois da menção no registo, eficácia retroactiva (art. 1797º/2).

4. Tempo da perfilhação

A lei permite que ela seja feita em qualquer altura, mesmo que o filho ainda não tenha nascido, ou já tenha morrido (art. 1854º).

5. Perfilhação de nascituro

A perfilhação do nascituro justifica-se pelo desejo de assegurar o reconhecimento da paternidade contra o risco, ou a certeza, da morte do pai durante a gravidez, ou risco de o progenitor de desinteressar do filho, depois de um primeiro momento de adesão às suas responsabilidades; se é certo que estes factos não impediriam o recurso à investigação judicial da paternidade (art. 1873º e 1819º).Dentro do período legal (art. 1800º) a perfilhação será válida se for posterior a esse momento, mesmo que ocorra dentro do período legal de cento e vinte dias.Na altura do registo do nascimento, o conservador deve controlar o respeito pelos requisitos legais. O conservador sabe a data do nascimento, dispõe dos conhecimentos gerais sobre o período legal da concepção, sabe a data da perfilhação, e conhece os dados fornecidos pelo perfilhante sobre a época confessada da concepção e a data que fora prevista para o parto (art. 132º/2 RC). Se o conservador, perante os elementos que possui, se convencer de que se respeitarem as exigências legais, trata a perfilhação como válida e eficaz; se o conservador se convencer de que a perfilhação foi necessariamente anterior à concepção deve comunicar o facto ao MP, para este promover a competente declaração judicial de invalidade (art. 132º/3 RC).O segundo requisito de validade da perfilhação de nascituro é a identificação da mãe (art. 1803º).

6. Perfilhação de filho maior

O tempo normal, digamos assim, para fazer uma perfilhação, é o tempo da vida do filho, depois do nascimento. Não haveria lugar para falar aqui em especialidades, se não fosse o regime tradicional que exige o assentimento do filho maior, ou dos descendentes maiores ou emancipados de filho pré-defunto, para a eficácia da perfilhação (art. 1857º).

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A perfilhação do filho maior é sempre válida, e o assentimento é apenas uma condição da sua eficácia.Em face das razões que justificam este regime, não tem qualquer sentido facultar ao perfilhante um direito de impor o estabelecimento da paternidade, por via judicial no caso de o filho rejeitar a perfilhação.Não se determina, em princípio, qualquer prazo de caducidade para o filho dar o seu assentimento; o assentimento pode ser prestado a todo o tempo (art. 131º RC).Pode estranhar-se que a lei admita que o assentimento seja dado antes da perfilhação (art. 1857º/2). Contudo, o legislador entendeu que, sendo aquele referido interesse um interesse disponível, o perfilhado pode querer antecipar o assentimento por encontrar nisso quaisquer vantagens.A lei admite que o filho maior ou os descendentes maiores do filho pré-defunto dêem o assentimento através de representante legal, no caso de serem interditos. A solução pode aceitar-se, mas nunca haverá unanimidade, nestas questões. De facto, tratando-se do exercício de um direito pessoal, pode defender-se que não deve haver lugar para a representação, porque não pode haver substituição da vontade da pessoa interessada. Esta solução, porém, levaria a que o assentimento pudesse nunca ser dado, sempre que a interdição se mantivesse indefinidamente, perdendo-se a oportunidade de constituir uma relação jurídica que, apesar de tardia, pode mostrar-se vantajosa para o interdito, na medida em que proporciona um devedor de alimentos.Pode pôr-se a questão de saber o que acontece se o filho maior morrer sem ter assentido ou rejeitado a perfilhação. Só se prevê o assentimento para o caso de filho pré-morto com descendentes maiores ou emancipados. Assim, parece-me que a perfilhação do perfilhado maior, que não tenha descendentes maiores, deve tornar-se eficaz no momento da sua morte, como se tivesse sido feita depois da sua morte.No caso de serem vários os descendentes maiores do perfilhado pré-defunto, ou no caso de haver mais do que um transmissário do direito de assentir ou de rejeitar, é preciso saber se tem de haver unanimidade no assentimento ou na rejeição, se vale a regra de maioria, ou se deve confiar-se ao julgador a decisão, no caso de divergência entre os interessados. A solução de recorrer ao juiz é a saída típica para os conflitos jurídicos entre sujeitos do mesmo nível.No que respeita à força de prestar o assentimento, observe-se que o legislador admitiu como bastante uma forma menos solene do que a exigida para o acto da perfilhação: contentou-se com um documento autenticado.O assentimento ou a rejeição constituem simples actos jurídicos, no sentido comum da expressão, e aplicam-se-lhes as regras que estão previstas para os negócios jurídicos, na medida em que a analogia das situações o justifique (art. 295º).

7. Perfilhação de filho pré-morto

A perfilhação é admitida mesmo depois da morte do filho (art. 1856º). Esta possibilidade pode parecer estranha, na medida em que, por um lado, o filho não terá qualquer benefício com o estabelecimento da paternidade e, por outro lado, o filho vai adquirir um estado jurídico depois de se ter extinguido a sua personalidade jurídica (art. 68º). A nossa lei, como outras, admitiu o reconhecimento do filho pré-falecido, certamente com base na ideia de que o reconhecimento se limita a exprimir juridicamente uma realidade biológica indelével que ocorreu; mas teve o cuidado de impedir que o perfilhante pudesse tirar vantagens.

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Anulação da perfilhação

1. Por incapacidade

A perfilhação feita por um incapaz é um acto praticado por quem não tem condições para formar um juízo ponderado sobre a autoria da filiação. Nestas condições, o acto jurídico do perfilhante não merece confiança, não pode servir como a expressão de uma convicção de paternidade.Como seria de esperar, tendo em conta o regime geral das incapacidades, a perfilhação feita por um incapaz é anulável (art. 1861º); dento do prazo de um ano contado a partir de vários momentos, consoante o autor da acção.Tratando-se de acção movida pelos pais ou pelo tutor, o período de um ano conta-se desde a prática do acto.Quem for o perfilhante a pretender anular o acto, alegando a falta da idade mínima, o prazo conta-se a partir do momento em que o perfilhante atinge a maioridade ou se emancipa pelo casamento.Quando o perfilhante pretender alegar a interdição por anomalia psíquica ou a demência notória no momento da prática do acto, o prazo conta-se a partir do termo da incapacidade.

2. Por erro ou coacção moral

A perfilhação também pode ser anulada por erro ou por coação moral.À semelhança do que acontece no regime da anulação do casamento, também aqui o dolo não tem relevância específica. É que a perfilhação, como acto iminentemente pessoal e fora do comércio jurídico, não carece da tutela da confiança do tráfego que justifica a eficácia típica e autónoma do dolo.A perfilhação só constitui um meio sério de prova e de estabelecimento da paternidade quando o juízo formado pelo perfilhante assenta num conhecimento suficiente das circunstâncias em que se produziu a fecundação, a gravidez e o nascimento, o erro que tenha afectado o processo de formação do juízo de paternidade de um modo decisivo (art. 1860º/2) torna a perfilhação anulável.A coação moral ofende a liberdade do acto (art. 1849º) e retira à perfilhação o valor de prova da relação biológica.O art. 1860º/3 estabelece um prazo idêntico ao prazo geral de arguição das anulabilidade (art. 287º). Acrescenta, porém, uma suspensão do fim do prazo em proveito do menor não emancipado ou do interdito por anomalia psíquica: a caducidade não se consuma enquanto não decorrer um ano sobre o termo da incapacidade.

3. Questões comuns aos casos de anulabilidade

Tratando-se de uma anulabilidade fica aberta a possibilidade de confirmação do acto, e de convalidação pelo decurso do prazo de invalidação.A legitimidade activa cabe à pessoa em cujo favor a lei previu a invalidade: o perfilhante, sem prejuízo das regras gerais sobre a representação legal que sejam oportunas, como o próprio art. 1861º exemplifica.O art. 1862º ocupa-se da morte do perfilhante no decurso da acção, ou antes de a ter intentado.

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Para ale dos legitimados que se identificam pela qualidade de descendente ou ascendente, a lei dá a faculdade de agir a todos os que se mostrem prejudicados nos seus direitos sucessórios por efeito da perfilhação.Não pode duvidar-se de que a lei exija a demonstração de um prejuízo actual, uma diminuição jurídica ou prática de autênticos direitos sucessórios, e não de meras expectativas hereditárias.A acção tem de ser intentada no prazo máximo de um ano a contar da morte do perfilhante.

Impugnação da perfilhação

Segundo o art. 1859º a perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável. Não parece ao autor rigoroso dizer que a perfilhação é impugnável: com efeito, a perfilhação é só um meio de estabelecer a paternidade e a impugnação dirige-se, precisamente, contra o resultado obtido, que se supõe falso. O que se impugna é a paternidade estabelecida por via da perfilhação. O acto que o perfilhante praticou, esse, torna-se inútil, incapaz de preencher o fim para que existe e caduca. Neste sentido, enquanto a anulação visa destruir o próprio acto de perfilhação, a impugnação dirige-se contra o resultado desse acto – contra a paternidade.

1. Legitimidade activa

A lei dá legitimidade activa, genericamente, a quem tiver um interesse moral ou patrimonial; e dá legitimidade, especialmente, ao perfilhante, ao perfilhado e ao MP. A legitimidade activa do perfilhante baseia-se no interesse óbvio que o declarante tem de mostrar que formou uma convicção errada da sua responsabilidade pela concepção do indivíduo que perfilhou e no interesse correlativo de se afastar das responsabilidades inerentes ao estatuto de pai.A nossa lei não estabelece restrições à legitimidade do perfilhante; o reconhecimento conscientemente falso não limita o direito de impugnar; e só constituirá motivo de responsabilidade penal por falsificação de estado civil (art. 248º penal).O direito do perfilhado não oferece dúvidas; ninguém estranhará que o filho possa mostrar que o perfilhante não é seu pai biológico.O legislador teve o cuidado de dizer o perfilhado tem o direito de impugnar ainda que haja consentido na perfilhação – o que vale para os casos de perfilhação de maiores.Quanto à legitimidade activa do MP – é duvidoso que o interesse público da verdade biológica se imponha aos interesses particulares daqueles que vivem em harmonia familiar, como se fossem relacionados pelo sangue.

2. Prossecução e transmissão da acção

O legislador não definiu regras específicas quanto à prossecução e à transmissão da acção, neste caso. Tendo a aplicar por analogia as regras estabelecidas para a impugnação da paternidade do marido, já que se trata da mesma questão fundamental: afastar um paternidade que não corresponde à verdade biológica, como quer que ela tenha sido adquirida pelo registo civil.

3. Legitimidade passiva

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A acção de impugnação deve ser intentada contra o perfilhante e contra o perfilhado, quando algum deles não seja o autor. Quanto à mãe, a opinião mais fácil e segura, por enquanto, é a que exclui a mãe da relação material controvertida a e a remete para uma posição secundária da assistente no processo.

4. Objecto do processo

O propósito do autor é o de demonstrar que o perfilhante não é o progenitor do indivíduo perfilhado. O fundamento do pedido é, pois, a desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica. O autor pode usar qualquer meio de prova para convencer o tribunal de que o perfilhante não é o pai biológico.O art. 1589/3 foi introduzido pela reforma de 1977. Em princípio, tratando-se de impugnar a paternidade estabelecida através do reconhecimento voluntário, o impugnante tem de provar que o perfilhante não é o pai biológico. Esta nova disciplina, porém, dá a possibilidade de a mãe e o filho impugnarem a relação estabelecida sem prova da não-paternidade. É afinal uma impugnação por mera negação.Pretende-se facilitar a eliminação das paternidades falsas, que resultam de meras perfilhações de complacência, ou de perfilhações puramente levianas e abusivas.

5. Imprescritibilidade

A acção de impugnação pode ser intentada a todo o tempo (art. 1807º).

Averiguação oficiosa

1. Noção e procedimento

O instituto da averiguação oficiosa foi introduzido no nosso direito em 1966. A intenção do nosso legislador foi, certamente, a de eliminar os casos de progenitura incógnita, no sentido de proporcionar às crianças, logo a seguir ao nascimento o seu lugar no sistema de parentesco.O processo envolve, em primeiro lugar, a conservatória do registo civil, porque é aí que, ao fazer-se o registo de nascimento, se nota, a falta do estabelecimento completo da filiação. Assim, a conservatória deve abrir o processo com os elementos que permitam a averiguar a identidade do progenitor, e mandá-lo para o tribunal.O tribunal de família inicia as averiguações, através do curador, que pode ouvir quem quiser e usar qualquer meio de prova legalmente admitido.O curso das investigações e o sucesso delas depende de várias circunstâncias. O curador pode não conseguir obter qualquer indicação útil da parte da mãe ou da pessoa que declarou o nascimento; ou seja de quem for. Na verdade, se não obtiver o nome de um pai possível, o curador pode ver-se numa situação em que não sabe em que direcção deve continuar. Num caso destes, só lhe restará arquivar o processo e o assento de nascimento continuará incompleto.É mais frequente que o curador consiga obter um nome de eventual pai; aliás, o tribunal deve ouvir a mãe, sempre que possível, sobre a paternidade que atribui ao filho (art. 1865º). O indivíduo designado será convocado e confrontado com a possibilidade de ser o progenitor verdadeiro. A sequência das averiguações depende da atitude do possível progenitor. Pode acontecer que ele, em face do que ele próprio sabe e das informações que lhe são fornecidas, se convença de que é o pai e se proponha assumir o estado

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correspondente; neste caso, será feita uma perfilhação sob a forma de termo lavrado em juízo (art. 1853º) perante o curador ou perante o juiz (art. 1865º/3).Mas nem sempre as coisas correm tão favoravelmente. Se o progenitor possível, ou provável, não se convencer de que é o responsável pela concepção do filho, rejeitará fazer uma perfilhação. Poderá condicionar a sua atitude à realização de provas científicas e ao seu resultado, o que certamente será aceite pelo curador. Pode acontecer que o resultado seja negativo, o que encerrará os esforços relativamente àquele indivíduo, embora a atenção possa centrar-se noutro possível pai. Se o resultado for positivo, o processo pode acabar com uma perfilhação; pode acontecer, pelo contrário, que o indivíduo em causa persista na ideia de não assumir as suas responsabilidades, embora o curador esteja convencido de que ele é o pai. Se assim for, o curador vai encarar a promoção de uma acção de investigação de paternidade contra o provável progenitor (art. 1865º/4 e 5).A acção será intentada no tribunal da comarca da residência do réu, segundo a regra geral (art. 85 CPC).Pode dizer-se, em conclusão, que a averiguação oficiosa não é um modo autónomo de estabelecer a paternidade – é apenas um procedimento instrumental, que pode não ter sucesso, ou por uma acção de investigação da paternidade, estes sim, meios autónomos de estabelecimento da filiação.

2. Características especiais da intervenção oficiosa

Ao introduzir este procedimento especial o legislador de 1966 rodeou-o de certas cautelas. Assim, desde logo, as declarações que os possíveis progenitores prestam durante a fase administrativa não servem para estabelecer a filiação, não constituem sequer presunção de filiação, nem podem ser usadas como princípio de prova na futura e eventual acção judicial de investigação (art. 1811º e 1868º); com excepção, é claro, da declaração que seja uma verdadeira confirmação da maternidade (art. 1808º) ou de uma verdadeira perfilhação por termo lavrado em juízo (art. 1865º/3 e 1853º).O art. 1811º não impede, porém, que se junte à acção de investigação o relatório de um exame pericial realizado durante a averiguação oficiosa. É que este elemento de prova, apesar de não ter sido sujeito a contraditório quando foi produzido, pode mais tarde beneficiar desse controlo – a contraparte pode questionar tanto a respectiva admissão como a sua força probatória (art. 517º/2 CPC).Em segundo lugar, o processo de averiguação oficiosa é secreto e deve ser conduzido por forma a evitar a ofensa ao pudor e à dignidade das pessoas art. 1812º e 1868º). Este regime derroga a regra geral da publicidade do processo civil (art. 167º CPC) segundo a qual o processo civil é público e qualquer pessoa com um interesse atendível pode consultá-lo, etc.Uma terceira característica especial reside em que a acção proposta pelo curador na sequência da averiguação não faz caso julgado, quando improcede (art. 1873º e 1813º).A acção judicial de investigação da paternidade que o curador intentar, na sequência da averiguação oficiosa, é uma acção de investigação como outra qualquer. Tudo é igual, com algumas excepções. A excepção mais nítida está em que o autor é o MP no exercício de poderes oficiosos, e não um autor em veste particular.

3. Casos em que a averiguação oficiosa não é admitida

O primeiro caso diz respeito aos filhos incestuosos. Ficam abertas quer a perfilhação quer a acção judicial de investigação, que resultam da vontade e da iniciativa dos

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interessados – pai, mãe e filho – mas não quis impor aos particulares a revelação do incesto através de um procedimento oficioso.Não haverá acção judicial oficiosa se já tiverem decorrido dois anos sobre a data do nascimento.Quando se completam dois anos sobre o nascimento, a instrução que esteja a ser feita é arquivada.

4. Averiguação oficiosa com base em processo crime

O art. 1867º ocupa-se de um caso especial de intervenção oficiosa do MP, que tem lugar sempre que, em processo crime, seja provada cópula em termos de constituir fundamento para a investigação da paternidade e se mostre que a mãe vítima teve um filho cujo período legal da concepção abrange a data do crime. O caso supõe que a mulher vítima de crime acabou por manter uma cópula fecundante com o réu, sabendo-se que, pelas datas do nascimento, da concepção e do crime, o filho que nasceu pode ter sido concebido por causa dessas relações sexuais provadas.A intervenção oficiosa do MP é especial, por três razões. Ela não tem de observar o prazo de caducidade de dois anos. O presumível pai está encontrado, os dados obtidos na acção penal parecem suficientes, e só tem que se mover, imediatamente, a acção judicial de investigação propriamente dita. Não se impõe que o MP obtenha um despacho de viabilidade do juiz que condicione a sua iniciativa.A intervenção do MP resume-se pois à acção judicial de investigação da paternidade. Esta acção, tirando a ausência de prazo de dois anos, é exactamente igual a qualquer outra acção de investigação de paternidade oficiosa que o MP intente. O MP actua, nesta acção, como representante do interesse público, do estado, e não em nome do filho e no interesse dele.O facto de se provar a cópula dentro do período legal da concepção não significa obviamente que o réu seja o pai; com efeito, o réu pode defender-se com êxito, usando todos os meios de prova entre os quais se contam as provas científicas.

Reconhecimento judicial. A acção de investigação da paternidade

A reforma de 1977 suprimiu o art. 1860º que estabelecia as condições de admissibilidade da investigação judicial do vínculo paterno.Registou-se um movimento ascendente de certos valores que reclamam a liberdade do estabelecimento jurídico do parentesco. O direito à identidade e à integridade pessoais, e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, contêm a faculdade básica de procurar o reconhecimento público da localização social do individuo.Eis que tornamos a encontrar a procura da verdade biológica como o critério redutor do reconhecimento judicial da paternidade.

1. Legitimidade activa

Cabe ao filho (art. 1869º). É claro que só tem legitimidade o filho capaz. O filho menor e o filho interdito só podem estar em juízo através do seu representante. A representação cabe, naturalmente à mãe, já que a acção será proposta normalmente, quando a maternidade está reconhecida (art. 1869º e 1910º). A lei cuidou ainda da hipótese de a mãe ser, por sua vez, menor (art. 1870º). O legislador admitiu a mãe menor a representar o seu filho na acção. Aliás, o propósito de intentar a acção só exige uma capacidade natural de ajuizar a responsabilidade do investigado pela procriação. Se,

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porém, a maternidade ainda não se encontra reconhecida, e a acção pretende estabelecer a maternidade e a paternidade (art. 1869º), ou se a mãe reconhecida não cuida dos interesses do menor, o MP tem o dever de assumir a representação do autor, na sua qualidade de representante geral dos incapazes.A acção de investigação também pode ser intentada pelo MP na sequência de uma averiguação oficiosa.Costuma dar-se por assente que o suposto progenitor não tem legitimidade activa para intentar a acção de investigação da paternidade – provavelmente com razão. De facto, o progenitor que quiser estabelecer a paternidade pode, simplesmente, perfilhar.Prevê-se a coligação activa de vários filhos contra o mesmo pretenso progenitor. Só prevê a coligação activa de filhos da mesma mãe, certamente por entender que as vantagens de uma congregação mais vasta não compensavam os inconvenientes que resultariam da multiplicidade das questões suscitadas.

2. Prossecução e transmissão da acção

O art. 1818º aplicável por remissão do art. 1873º prevê a eventualidade de o filho morrer sem ter proposto a acção de investigação, ou de ele morrer na pendência da causa. O filho pode ser substituído pelos descendentes e pelo cônjuge não separado judicialmente. Isto é: por qualquer descendente, ou pelo cônjuge, porque a lei não exige litisconsórcio.Se o filho morre na pendência da causa, a instância suspende-se (art. 276º) até que alguém dos legitimados requeira o prosseguimento dela.

3. Legitimidade passiva

A legitimidade passiva cabe, naturalmente, ao pretenso progenitor.Quando o autor supõe que o progenitor é um certo indivíduo, mas admite a possibilidade fundada de, afinal, o pai ser outro indivíduo, pode formular um pedido principal contra o primeiro e um pedido subsidiário contra o segundo (art. 31º-B CPC).No caso de o suposto pai ter morrido, a acção deve ser dirigida contra familiares próximos. Assim, a acção deve ser intentada contra o cônjuge sobrevivo, que não estivesse separado judicialmente de pessoas e bens, e ainda contra os descendentes reconhecidos do pretenso progenitor; na falta de descendentes serão chamados os ascendentes; na falta destes a acção dirigir-se-á contra os irmãos; se não tiver sobrevivido cônjuge nem existir algum dos parentes dos grupos mencionados, a acção deverá dirigir-se contra um curador especialmente nomeado para se opor à pretensão do investigante.O art. 1819º estabelece o ónus, para o autor, de chamar à acção certas pessoas que serão prejudicadas com a procedência da investigação, sob pena de não lhes poder opor o seu direito – herdeiros e legatários. Este regime mostra que esses demandados não vêm desempenhar um papel relevante no contraditório fundamental e apenas vêem defender direitos patrimoniais; se algum destes sujeitos não for demandado, a consequência é a inoponibilidade da sentença, com prevalência dos direitos patrimoniais adquiridos e não a absolvição da instância por ilegitimidade.

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Objecto do processo

O pedido que o autor faz ao tribunal é que declare a paternidade jurídica do réu, relativamente ao filho, estabelecendo por decisão judicial a filiação que não foi estabelecida por perfilhação. A causa de pedir é o vínculo biológico de progenitura que, pretensamente liga o réu ao filho. O autor pode tentar provar o vínculo biológico; ou pode beneficiar de uma presunção de paternidade.

A – Prova do vínculo biológico

A tentativa de comprovar o vínculo biológico é muito antiga.Tradicionalmente os factos instrumentais eram o facto positivo da existência de relações sexuais entre o réu e a mãe do filho, durante o período legal da concepção; e o facto negativo da ausência de relações sexuais entre a mãe do filho e outros homens, durante aquele período -» coabitação + exclusividade.Perante este esforço do autor, o réu tentava contrariá-lo em dois aspectos: por impugnação, podia alegar que não tinha mantido relações sexuais com a mãe do filho; por excepção tentava mostrar que tinha havido outro homem, ou outros homens, a manter relações sexuais com a mulher, durante o período legal da concepção do filho. No caso de a impugnação proceder, é claro que a acção se perdia; no caso de excepção ser provada, o tribunal ficava sem saber qual dos homens era o causador da concepção e, portanto, a acção também tinha de improceder.Os progressos com os exames de sangue trouxeram uma novidade importante às acções de investigação.Houve uma interpretação restritiva do assento de 1983: disse-se, resumidamente, que o assento não impunha a prova da exclusividade, em todos os casos. O assento foi feito, exclusivamente, para dizer que, sempre que fosse preciso demonstrar a exclusividade, caberia ao autor fazer a sua prova; quando a filiação pudesse ser demonstrada por meios científicos, quer se demonstrasse quer não uma coabitação concorrente, prescindia-se da prova da exclusividade.A partir da formulação dessa interpretação restritiva do assento de 1983 na acção de investigação em que o autor se proponha provar o vínculo biológico de descendência espera-se que se demonstre a coabitação do réu com a mãe do filho e a causalidade desta coabitação relativamente à concepção do filho.Este modo de entender as coisas tem sido designado por prova directa da paternidade biológica.Este modo de intentar a acção – apenas com base na alegação do mero facto da descendência biológica – no entanto, pode suscitar problemas.Não haverá dificuldades, se o filho, a mãe e o réu comparecerem ao exame; o resultado obtém-se com facilidade, o tribunal pode dar como certo o vínculo biológico, e declarar a paternidade jurídica. Ou, pelo contrário, o vínculo biológico é excluído e a acção improcede.Haverá dificuldades com qualquer falta aos exames científicos, que comprometa a realização da prova pericial. Se isto acontecer, o único facto alegado não se poderá provar, e a acção não pode proceder. Dir-se-á que, se a falta for do réu, inviabilizado a prova, poderia justificar a aplicação do regime previsto no art. 344º/2 CC. Este regime determina a inversão do ónus da prova, em desfavor da parte faltosa: o autor passaria a beneficiar da inversão, e o rei teria o ónus de provar que não é o progenitor. Mas se o réu persistisse no seu propósito de não colaborar, regressaríamos à situação de ausência de prova. Ou seja, a inversão do ónus da prova do vínculo biológico contra o réu, e a

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sua falta sucessiva, deixaria o tribunal na situação de decretar a paternidade sem ter sido feita qualquer prova… o que seria possível de acordo com as regras gerais do processo civil mas não costuma ser admitido no âmbito específico das acções de estado, onde se exige que o autor alegue e prove os factos constitutivos do seu direito, independentemente da atitude do réu.

B – Presunção de paternidade

1. Factos constitutivos

Factos constitutivos da presunção de paternidade são os factos alegados e provados – factos conhecidos – de que a lei tira a ilação do vínculo biológico – o facto desconhecido (art. 349º) com base numa ideia de probabilidade.

Posse de estado – o filho viveu na posse de estado de filho quando foi reputado e tratado como filho pelo réu (nomem e tractatus) e foi reputado como filho pelo público (fama). Estes três elementos tradicionais em que se traduz a posse de estado devem conjugar-se em cada caso; não haverá posse de estado se faltar algum delas.

Escrito de pai – por escrito do pai entende-se qualquer carta escrita ou só assinada ou nem sequer assinada mas proveniente do suposto pai; ou qualquer documento em que o suposto pai afirme a sua convicção de paternidade, como num diário pessoal em que se faça referência ao nascimento ou ao filho.A doutrina costuma afirmar que não interessa o modo como o investigante obteve o escrito.

Convivência – se houve convivência entre o réu e a mãe do autor na altura da concepção deste, é altamente provável que o responsável pela gestação tenha sido o réu, e não outro homem qualquer. A convivência relevante pode ter assumido duas formas. Pode ter sido a convivência more uxorio se os dois conviventes viveram em condições análogas às dos cônjuges, como se fossem casados; pode ter sido um concubinato duradouro, uma convivência simples, um namoro intenso com vida sexual, mas em que os dois se mantiveram em casas separadas, por qualquer razão, incluindo a diferença de condição social. O art. 1800º admite a divisibilidade do período legal da concepção, no sentido de procurar a data provável da concepção, parece ainda mais claro que a convivência não precisa de durar por todo o período legal.

Sedução da mãe – o relevo que é dado a esta prova baseia-se na ideia de que a mulher não teve relações sexuais com um homem qualquer, durante o período legal da concepção; teve relações sexuais com o réu porque o réu usou de artifícios, manobras capazes de o colocar numa situação especial relativamente a ela.

Relações sexuais – a prova de um acto sexual isolado, praticado durante o período legal da concepção, faz presumir a paternidade que o autor quer provar. Enquanto a demonstração do conteúdo das outras alíneas mostra que o réu é, com grande probabilidade, o progenitor que se quer encontrar, a prova das simples relações sexuais entre o rei e a mãe do filho só mostra a possibilidade de o rei ser o pai.Neste sentido é razoável afirmar-se que, neste caso, a presunção de paternidade é injusta para o réu. O autor acredita, porém, que este regime se tornou conveniente, em Portugal. Em primeiro lugar porque ao contrário do que acontecia antes tornou-se cada vez mais fácil, para os réus recorrer às provas

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científicas. Em segundo lugar, a presunção de paternidade, neste caso, constitui um expediente técnico eficaz para contrariar as faltas aos exames científicos que se vinham tornando frequentes no nosso país. Na verdade, ao presumir-se a paternidade, inverte-se o ónus da prova e passa a impender sobre o réu o ónus de contrariar a presunção – o réu passa a ter interesse em colaborar para a descoberta da verdade, em vez de faltar aos exames.

2. A defesa do réu

Nos termos gerais do direito civil, as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário (art. 350º/2). No caso particular da investigação de paternidade, o legislador português desviou-se desta regra geral e admitiu que o réu possa ilidir a presunção legal de paternidade com alegações de que resultem dúvidas sérias acerca da paternidade; não se exige do réu a prova de que não é o pai.É preciso perguntar quando é que estaremos perante uma dúvida séria ou antes de uma simples dúvida?É preciso não exceder a margem de erro admissível; só deve declarar-se a paternidade do réu quando ela é altamente provável e a possibilidade de um outro homem ser o progenitor é muito pequena: quanto maior for esta possibilidade, maior será o risco de que a presunção estabeleça um erro.As dúvidas sérias resultam das circunstâncias que enfraquecem uma grande probabilidade de o réu ser o pai; e não das circunstâncias que, embora manifestem a possibilidade de outrem ser o progenitor, não abalam a grande verosimilhança da responsabilidade do réu.

Efeitos da sentença

Convencido da existência de um vínculo biológico entre o réu e o filho, o tribunal declara a relação de paternidade jurídica entre os dois. Há sempre possibilidade de recursos, pois trata-se de uma acção sobre o estado das pessoas, a que a lei dá um valor equivalente à alçada da relação e mais 0,001 euros (art. 312º CPC).Também por ser uma acção sobre o estado das pessoas o recurso tem efeito suspensivo (art. 692º CPC). Transitada em julgado a decisão, será extraída certidão destinada ao registo civil, para que se averbe a paternidade no registo de nascimento do filho (art. 78º RC). Está consumado o reconhecimento judicial da paternidade.A sentença produzirá efeitos de caso julgado, mesmo contra terceiros, nos termos gerais do art. 674º CPC – desde que a acção tenha sido dirigida contra os interessados directos e tenha havido oposição.

Prazo para a propositura da acção

1. Início do prazo

Não há obstáculos a que a investigação possa ser intentada logo após o inicio da gestação. É certo que, antes do nascimento, o filho ainda não é um sujeito de direitos; mas não será difícil aceitar que o estabelecimento da paternidade é um facto jurídico favorável ao filho. Também é verdade que as provas do vínculo biológico se apresentam mais difíceis, dado que não podem ser realizadas intervenções agressivas sobre o feto.O estabelecimento judicial da paternidade, ainda durante a gestação não seria mais do que a face jurisdicional da perfilhação de nascituros (art. 1855º).

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A mãe representaria o nascituro, usando os poderes que são conferidos aos pais sobre o filho (art. 1878º).

2. Limites do prazo (ver alteração nos diapositivos)

A acção só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (art. 1817º).Durante a menoridade o filho seria representado na acção pela mãe ou pelo MP, na qualidade de representante dos incapazes.Os dois anos em que o filho já podia agir sozinho pareciam indispensáveis para se garantir ao interessado um espaço de actuação livre, que não o deixasse apenas entregue à iniciativa dos seus representantes.O art. 1817/3 prevê um prazo especial para intentar a acção, depois de ter expirado o prazo-regra estabelecido no nº 1. Trata-se do caso particular de o filho dispor de um escrito do pai. Note-se que para evitar o protelamento da incerteza, o prazo de seis meses conta-se a partir do momento em que o interessado conheceu o conteúdo do escrito ou a partir do momento em que podia tê-lo conhecido; o filho não pode propor a acção alegando que lhe entregaram a carta, lhe sugeriam o seu relvo, mas ele só leu o conteúdo cinco anos depois.O art. 1817º/4 abria a segunda excepção ao regime regra – baseada no tratamento como filho. A razão desta excepção encontrava-se no reconhecimento de que um filho, beneficiando de actos de tratamento do pretenso progenitor, não tem condições para intentar uma acção contra ele, apesar de o suposto pai não fazer a perfilhação que se impunha; encontra-se num estado de impossibilidade moral de agir, tolhido pelo tratamento como filho que o suposto pai lhe dispensa. Esta inibição só desaparece quando o suposto pai termina os actos de tratamento; o filho disporia, então, de um ano para intentar a acção.A lei nº 21/98 substitui o nº 4 pelos actuais nº 4 e 5. O actual nº 4 foi redigido de modo a distingui os casos em que a cessação do tratamento foi voluntária ou não. A acção pode ser proposta no prazo de um ano contado a partir da cessação voluntária, se ela tiver ocorrido; ou a partir da morte, se não tiver ocorrido antes uma cessação voluntária do tratamento.O nº 5 foi aditado para prever o prazo de um ano para os transmissários do direito de agir exercerem o seu direito, contado a partir da morte do filho, ou contado a partir da cessação voluntária do tratamento pelo suposto pai.O nº 6 do art. 1817º pretendia resolver o problema do ónus da prova de que a acção entrara em tempo.

3. O problema da constitucionalidade do regime

A partir de 1988 foi levantado o problema da inconstitucionalidade dos prazos de caducidade – primeiro relativamente ao art. 1817º/1, 3 e 4. O tribunal deliberou sempre no sentido da compatibilidade das normas com os princípios constitucionais, afirmando que o regime definia aquilo que se devia chamar um condicionamento do direito de investigar, mais do que uma verdadeira restrição.Voltando hoje ao assunto penso que alguns dados do problema mudaram. Nesta balança em que se reúnem os argumentos a favor do filho e da imprescritibilidade da acção, e os argumentos a favor da protecção do suposto progenitor e da caducidade, creio que os pratos mudaram de peso.

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O autor receia que se tenha dado um valor imerecido à garantia de segurança jurídica nesta matéria.O argumento do envelhecimento das provas perdeu quase todo o valor, com a eficácia e a generalização das provas científicas.Em conclusão, o autor acredita que os progressos técnicos e os movimentos sociais de valorização das origens e de responsabilidade individual estão contra a limitação de investigar que resulta do prazo de caducidade. Em face do quando de direitos constitucionais implicados e de uma valoração particular dos interesses gerais defendidos pela caducidade, julgo que a limitação de agir que resulta do prazo estabelecido pela lei vigente significa uma restrição não justificada, desproporcionada, do direito do filho. Julgo, em suma, que se tornou sustentável alegar a inconstitucionalidade dos prazos estabelecidos nos art. 1817º e 1873º CC.

Conflitos de paternidade

Umas vezes a aplicação normal das leis acaba por tender para o estabelecimento incompatível da paternidade de dois homens; outras vezes, dois homens querem usar os meios legais para assumir o estatuto de pai da mesma criança.O art. 1834º procura evitar o conflito entre duas presunções de paternidade. A atribuição simultânea e contraditória da paternidade a dois maridos da mãe poderia ocorrer em dois casos típicos – o de bigamia e o de casamento sucessivo com desrespeito do prazo internupcial. A lei manda prevalecer sempre a presunção da paternidade do segundo marido.O art. 1848º estabelece uma regra de prioridade de registo; estabelecida a paternidade por qualquer dos modos tipificados na lei, essa paternidade prevalece sobre qualquer tentativa de criar um estado incompatível, enquanto o primeiro não for impugnado com êxito.O art. 1863º determina que prevaleça a filiação resultante da investigação procedente, com prejuízo da filiação estabelecida antes da decisão da causa mas já durante a sua pendência; isto é, prevalece ope legis a paternidade estabelecida em segundo lugar.Note-se que o princípio da prevalência da paternidade anteriormente registada vale para o reconhecimento incompatível posterior, mas não impede o estabelecimento posterior da paternidade marital, por via da presunção pater is est. Se em acção de investigação ou de estabelecimento de maternidade se verificar que a mãe era casada no momento da concepção ou do nascimento, a presunção legal atribui a paternidade ao marido da mãe com prejuízo de uma eventual perfilhação que conste do registo. A presunção de paternidade prevalece sobre o reconhecimento voluntário.

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Responsabilidade Parental(Substituir a expressão “poder paternal” pela expressão “responsabilidade parental”)

A criança e o adolescente enquanto filhos

Por família, em sentido jurídico, deve entender-se o conjunto de pessoas ligadas entre si por relações jurídicas que tenham como fonte o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção (art. 1576º).Enquanto grupo social, a família identifica-se hoje com a “pequena família”, tendencialmente coincidente com a família conjugal, composta pelos cônjuges e pelos filhos menores de idade.A família reconhece-se como comunidade intermédia entre o indivíduo e o estado. Grande mediador cultural onde se opera o segundo nascimento do homem como personalidade sócio-cultural, a família apresenta-se como instrumento de formação da pessoa, destinado a realizar de forma privilegiada o pleno desenvolvimento da personalidade de cada um dos seus membros. A nova família não assenta já numa estrutura patriarcal, hierárquica, em que predomina a sujeição à autoridade do marido e pai “chefe da família”, mas sim numa estrutura igualitária e democrática.A consideração da criança e do adolescente como pessoas, sujeito de direito em desenvolvimento, e o reconhecimento a tais sujeitos de uma capacidade geral de agir limitada a um determinado âmbito de actuação impõem, desde logo, uma rejeição liminar de uma orientação como a adoptada pela doutrina tradicional, que se consubstancia na análise do poder paternal como principal meio de suprimento da incapacidade dos filhos menores de idade.

A concepção tradicional de responsabilidade parental

De acordo com a orientação tradicional, o curso natural da investigação traduzir-se-ia no estudo do instituto do poder paternal como meio principal de suprimento da incapacidade de agir dos filhos menores de idade, analisada que estava a menoridade enquanto idade e a incapacidade (de agir) enquanto sua principal consequência.Todavia, uma tal orientação padece de um erro de perspectiva. A referida concepção de responsabilidade parental parece encontrar o seu fundamento no “dogma” da incapacidade de agir por menoridade, enquanto incapacidade do sujeito menor de idade para decidir por si mesmo a gestão dos seus próprios interesses e a consequente necessidade absoluta de protecção.O aspecto das relações pessoas entre pais e filhos, e, em especial, a protecção da pessoa deste apresenta-se como secundário, quase irrelevante no contexto da disciplina jurídica do instituto.A par do poder-dever de representação, a lei consagra, como linhas de força, o poder de guarda e o poder de correcção como forma de transpor para o mundo jurídico a efectiva posição de sujeição em que o filho menor se encontra na relação com os pais até à maioridade. O poder paternal converte-se, deste modo, em poder-sujeição e, dura enquanto durar a menoridade, ou melhor, a incapacidade do filho. Este, enquanto menor, enquanto incapaz, encontra-se totalmente sujeito aos pais sem qualquer margem de liberdade ou de autodeterminação que não se reconduz aos casos excepcionais previstos por lei. Poder paternal e autodeterminação do filho menor revelam-se conceitos radicalmente inconciliáveis, que se excluem mutuamente, não se admitindo a sua coexistência nem o eventual conflito entre eles. Afirmar a capacidade para a

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autodeterminação do filho menor significa afirmar a possibilidade deste se subtrair aos comandos dos pais e, por conseguinte, a desnecessidade do poder paternal na medida em que a personalidade do filho já se encontra plenamente formada.Esta concepção de poder paternal, tributária de uma visão autoritária e hierárquica das relações familiares, era a concepção que enformava a regulação do Code Civil (1804). Este código, produto do liberalismo individualista que triunfou com a revolução francesa exerceu uma forte influência sobre o CC português de 1867.O CC de 1966 se bem que tenha acolhido, no essencial, as regras que presidiam à regulamentação do instituto do poder paternal no CC anterior, não deixou, porém, de reorientar o entendimento do instituto através de um novo tratamento sistemático. O poder paternal traduz agora o complexo de direitos e deveres que entretecem a especial relação entre pais e filhos menores de idade primordialmente desenvolvida no plano das relações internas.Apesar de mediar quase um século entre os dois CC, o facto é que as linhas básicas do regime do poder paternal se mantêm quase inalteradas, a hipervalorização da função de representação e a sua transposição para o plano pessoal do poder paternal continuaram a dominar a análise jurídica do instituto.A interpretação tradicional sobreviveu mesmo à remodelação do instituto do poder paternal pela Reforma de 1977.Ao fazer coincidir a menoridade com a incapacidade e, por conseguinte, a posição do filho menor com a sujeição ao poder paternal direccionado para o suprimento de tal incapacidade, a tendência é para considerar como regra esta forma de actuação dos pais e depreciar a margem de autonomia que a lei foi concedendo ao filho, considerando-a como situação excepcional.Em conclusão, o poder paternal não tem, decididamente, como fundamental a incapacidade legal de agir do filho menor de idade, mas sim o cuidado da pessoa do filho no sentido da sua protecção e promoção do seu desenvolvimento integral. Não pode, por conseguinte, confundir-se a sua análise com a análise da incapacidade de agir por menoridade. Aliás, estes dois institutos desenvolvem-se em planos distintos: a incapacidade legal de agir situa-se no plano das relações externas, enquanto que o poder paternal tende a exprimir o conteúdo das relações entre pais e filhos menores de idade no seio da comunidade familiar. O único ponto de encontro é o instituto da representação legal.

O regime actual do poder paternal

Procurar-se-á averiguar se tal regime se mostra adequado à imagem do filho menor de idade como pessoa, sujeito de direito, titular de direitos e liberdades fundamentais, submetido a um particular processo de desenvolvimento, dotado de uma progressiva autonomia, que reclama para si um papel activo na construção do seu próprio projecto de vida, numa palavra, da sua própria personalidade.

O poder paternal na CRPA CRP estabelece uma constelação de princípios que revestem particular importância na medida em que se traduzem na delimitação da margem de manobra do legislador ordinário no âmbito da disciplina das relações familiares.De entre os princípios constitucionais de direito da família alguns há que visam directamente a relação pais-filhos. São eles: o princípio da igualdade dos cônjuges quanto à manutenção e educação (art. 36º/3 CRP), o princípio da atribuição aos pais do

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direito-dever de educação e manutenção dos filhos (art. 36º/5 CRP) e o princípio da inseparabilidade dos filhos de seus pais (art. 36º/6 CRP).O primeiro princípio em questão vem estabelecer a natural correspondência entre titularidade e exercício do poder paternal: o poder paternal, tratando-se de filho nascido do casamento, pertence aos dois progenitores, estabelecida que esteja a filiação e é por ambos exercido (art. 1901º CC). A lei civil procurou estender o princípio da igualdade dos progenitores casados aos progenitores não unidos pelo casamento, no que diz respeito não só à titularidade mas também ao exercício do poder paternal (art. 1911º/3 CC).O segundo princípio desdobra-se em duas vertentes. A primeira consubstancia-se num direito-dever face aos filhos: aos pais compete dirigir a educação dos seus filhos menores (art. 1878º CC) não de forma autoritária, mas antes de modo a respeitar a personalidade do filho e a promover a sua autonomia progressiva (art. 1874º e 1878º/2 CC). A segunda traduz-se num direito-dever face ao estado: aos pais pertence o direito prioritário de educar os seus filhos, segundo as suas convicções filosóficas, ideológicas, política, estéticas, morais e religiosas, definindo e pondo em prática as linhas de orientação no que respeita à formação intelectual, moral e espiritual do filho. Tal direito impõem-se ao estado cuja posição se reduz à de auxiliar e colaborador dos pais no exercício desse seu direito prioritário (art. 67º/2 c), 68º/1 CRP).O terceiro princípio reduz-se a um direito subjectivo dos pais a não se verem privados dos seus filhos. Os filhos só podem ser separados dos pais nos casos previstos pela lei, ou seja, nos casos em que estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com os filhos, e apenas mediante decisão judicial (art. 1915º e 1818º CC).A análise a que aqui se procedeu da relação entre pais e filhos no plano dos princípios constitucionais foi uma análise centrada nos direitos dos pais. Importa, agora, proceder ao exame de tais princípios da óptica dos direitos dos filhos. Com efeito, a disciplina constitucional também lhes é dirigida: os filhos têm o direito a ser educados pelos seus pais (art. 36º/5 e 67º/2 c) CRP), o direito a com eles conviverem e coabitarem, ou seja, o direito a não serem deles separados (art. 36º/6 CRP) e ainda o direito a serem protegidos com vista ao seu desenvolvimento integral, designadamente contra o exercício abusivo da autoridade na família (art. 67º/1 CRP).A CRP parece atribuir à função educativa o relevo de principal vector do poder paternal. Na verdade, a maternidade e a paternidade são declaradas como valores sociais eminentes (art. 68º/2 CRP) e são objecto da protecção da sociedade e do estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (art. 68º/1 CRP).

O poder paternal no CCO poder paternal é perspectivado pela lei civil como um dos efeitos da relação jurídico-familiar de filiação.O modelo de família em que se baseia a lei para disciplinar as relações familiares e, em especial, a relação entre pais e filhos, é o modelo da pequena família da feição igualitária e democrática, assente na afectividade, solidariedade, respeito e auxilia mútuos. Em perfeita harmonia com esta concepção, a relação entre pais e filhos, como relação jurídico-familiar que é, comporta direitos e deveres recíprocos para os sujeitos dessa mesma relação. (art. 1874º CC)A relação entre pais e filhos adquire, no entanto, uma especial intensidade quanto estes últimos são menores de idade. O poder paternal consiste no complexo de direitos e deveres que a ordem jurídica concede ou impõe a ambos os pais para que estes, no seu

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exercício, cuidem de todos os aspectos relacionados com a pessoa e os bens dos filhos menores de idade no interesse destes últimos (art. 1878º CC).A estes direitos e deveres dos pais corresponde o dever de obediência dos filhos menores de idade (art. 1878º/2 CC). Todavia, tal dever não pode já ser entendido como uma completa submissão dos filhos aos pais, traduzida na anulação da sua personalidade. Na verdade, a lei reconhece aos filhos o direito de se pronunciarem sobre as questões relativas a assuntos importantes da vida familiar, devendo os pais, em função da maturidade daqueles, tem em consideração a sua opinião nas decisões relativas a tais assuntos, bem como reconhecer-lhes autonomia nas organizações da própria vida.Os dois principais fundamentos do poder paternal, a saber: a necessidade natural de protecção do filho nos primeiros tempos da sua vida e a vocação natural dos pais para assumir as tarefas de protecção e de educação do filho.O poder paternal deve manter-se enquanto se mantém o estado de dependência existencial do filho. O poder paternal termina no momento em que o filho atingir aquele grau de desenvolvimento físico, intelectual e moral e de experiência de vida mínimo considerado, numa determinada sociedade e numa determinada época, suficiente por forma a habilitá-lo a conduzir a sua vida de modo autónomo. Este momento coincide formalmente com o atingir da idade de maioridade ou com a emancipação (art. 130º, 132º, 133º e 1877º CC). O poder paternal é, portanto, uma missão temporária, uma missão evolutiva. A situação de dependência em que se encontram os filhos é regressiva: à medida que os filhos vão crescendo, vão-se desenvolvendo e adquirindo as faculdades físicas, intelectuais, morais e emocionais que os tornam aptos para reger a sua pessoa e administrar os seus bens de modo autónomo e consciente. O poder paternal não assume um carácter estático, monolítico e rígido; antes, pelo contrário, deve apresentar um elevado grau de elasticidade.

Finalidade da protecçãoEm que é que se traduz esse cuidado da pessoa do filho? Ou, por outras palavras, a que fins vai dirigida uma tal actuação dos pais?Da noção de poder paternal apresentada e dos fundamentos que lhe foram assinalados decorre logicamente uma primeira finalidade: a finalidade de protecção.Tal finalidade resume-se à protecção da pessoa do filho. Essa conclusão não corresponde à realidade, pois o poder paternal visa também a protecção do património do filho. Com efeito, compete ainda aos pais representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens. (art. 1878º CC)

Finalidade de promoção da autonomia pessoal e da independênciaO reconhecimento de que a criança e o adolescente, enquanto sujeitos menores de idade, se encontram em permanente processo de evolução e crescimento impôs ao poder paternal uma outra finalidade: a do apoio a esse mesmo crescimento através da promoção da autonomia e da independência dos filhos (art. 1885º/1 CC).

Relação entre as duas finalidadesA relação que se estabelece entre as referidas finalidades, sendo uma relação de tensão, não se caracteriza pelo antagonismo mas pela complementaridade, o que está, aliás, bem de acordo com a caracterização do poder paternal como missão evolutiva.

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As duas finalidades mencionadas não se apresentam, porém, com o mesmo peso quanto ao modo de exercício do poder paternal.O exercício dos direitos e deveres que constituem o poder paternal, muito embora centrado no interesse do menor pressupõe a uma concepção deste instituto principalmente orientada para a protecção do filho e para o estímulo da sua autonomia e independência.Uma tal concepção do poder paternal fundamentalmente ancorado na sua finalidade de protecção mais não é do que uma das consequências da visão da criança e do adolescente como sujeitos desprovidos de aptidão natural para gerir os seus interesses.

Natureza jurídica do poder paternal

De acordo com o modelo vigente de família e de acordo com a concepção da relação entre pais e filhos e a respectiva posição que estes ocupam no grupo familiar, o poder paternal aparece como um poder funcionalizado. O poder paternal é habitualmente definido como um feixe de poderes funcionais atribuído pela ordem jurídica aos pais para que eles possam desempenhar a sua função de cuidar dos filhos, protegendo-os e promovendo a sua autonomia e independência. A realização de uma tal função é orientada não para a prossecução do interesse do filho.O poder paternal, como direito familiar pessoal que é, não se deixa, portanto, reconduzir à categoria do direito subjectivo em sentido estrito. Com efeito, definir o poder paternal como o poder que o pai tem de exigir certos comportamentos do filho, é ficar sem ideia nenhuma do que seja tal direito. A figura que melhor parece adaptar-se a esta concepção de poder paternal é a do poder funcional, poder-dever ou direito-dever. Os poderes que integram o poder paternal não podem ser exercidos de forma livre e discricionároa, quer isto dizer, que não podem ser exercidos se, quando e como os quais pretendam. Antes pelo contrário, os pais devem exercê-los do modo e na medida em que o interesse do filho o exigir. O poder paternal apresenta-se como irrenunciável (art. 1882º CC), intransmissível e o seu exercício é objectivamente controlável.

Conteúdo do poder paternal

Torna-se praticamente impossível fornecer uma lista completa de forma rígida todos os poderes-deveres que compõem o poder paternal, na medida em que os efectivos poderes-deveres exercitados pelos pais variam necessariamente de acordo com as particulares necessidades do filho, de acordo com o seu próprio processo de desenvolvimento e, por último, de acordo com as reais circunstância em que ao filho se encontre. O poder paternal apresenta determinadas linhas de força que, estas sim, são susceptíveis de ser concretizadas. Reconduzem-se às mencionadas no art. 1878º/1 CC, o qual não deve ser interpretado como enumeração taxativa dos poderes-deveres que compõem o poder paternal.

Plano pessoal e plano patrimonialParece possível dividir o poder paternal, no que respeita ao seu conteúdo, em dois planos fundamentais: um plano relativo à pessoa do filho e um plano relativo aos bens dele.

Plano pessoalPodem descortinar-se neste plano vários poderes-deveres – o poder-dever de declarar o nascimento do filho (art. 97º RC), o poder-dever de dar um nome ao

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filho (art. 1875º e 1876º CC, 103º RC), o poder-dever de pedir o passaporte do filho, do consentir ou recusar esse pedido; o poder-dever de viajar com o filho para o estrangeiro.

o Poder-dever de guarda -» por guarda em sentido amplo entende-se o conjunto de poderes-deveres que compõem no seu todo o poder paternal; por guarda em sentido específico, entende-se apenas aquele concreto poder-dever, inserido no âmbito pessoal do conteúdo do poder paternal, que se traduz em ter o filho em sua companhia (art. 36º/6 CRP) ou, de um modo mais geral, em lhe fixar residência e exigir que ele aí permaneça (art. 1887º CC). Adopta-se aqui o conceito de guarda em sentido estrito.Normalmente, a residência do filho é a casa dos pais ou do progenitor que exerça o poder paternal determinando, por isso, o art. 85º do CC. Um tal direito impõe-se, desde logo, ao próprio filho como dever de não abandonar a casa dos pais. Impõe-se igualmente a terceiros, e assim também ao estado, como dever de o não retribuir daquela. Os pais, no sentido de fazer cumprir tais deveres, podem recorrer ao tribunal ou à autoridade competente. Mas a este direito dos pais corresponde necessariamente um dever: o dever de ter o filho em sua companhia. Tal dever traduz-se na relação de interacção afectiva, emocional, moral e intelectual, no criar da relação de proximidade existencial característica da relação entre pais e filhos.

o Poder-dever de vigilância -» apresenta-se intimamente ligado ao poder-dever de guarda. Traduzindo-se este último no dever de ter o filho em sua companhia, ele assegura a possibilidade de vigiar, controlar, estar atento, numa palavra, proteger o filho na sua integridade física e moral.

o Poder-dever de manutenção -» o poder-dever de prover ao sustento do filho menor de idade reconduz-se, no essencial, à obrigação de alimentos dos pais para com o filho menor. Esta obrigação não se confunde com a obrigação geral de alimentos entre parentes (art. 2003º e ss. CC). A todas as necessidades relacionadas com o seu crescimento e desenvolvimento físico, intelectual, moral e emocional.Este poder-dever cessa com a maioridade ou a emancipação do filho, na medida em que, nesse momento, se extingue o poder paternal. No entanto, o CC português prevê no seu art. 1879º, a possibilidade de tal poder-dever cessar mais cedo. Assim, se o filho menor de idade puder suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, as despesas com o seu sustento, os pais ficam desobrigados de o fazer. A crítica que pode dirigir-se ao preceito referido tem a ver com o facto de ele não ter em conta a diferente situação em que pais e filhos se encontram normalmente perante a vida. Os filhos menores de idade estão ainda em processo de crescimento com vista à sua participação na vida activa quando alcançarem a idade adulta. Deste modo, as despesas com o seu sustento, segurança, saúde e educação devem ser, em primeira linha, satisfeitas pelos pais.O art. 1896º CC consagra a possibilidade dos pais, no exercício de tal poder-dever, utilizarem os rendimentos dos bens do filho menor de idade para fazer face às despesas com o seu sustento, segurança, saúde e educação e às despesas relativas às necessidades dos restantes membros

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do agregado familiar, dentro de justos limites, em homenagem à ideia de solidariedade familiar. Esta norma pretende ser a tradução de uma nova ideia de família, cujos membros se encontram vinculados por laços afectivos e por direitos e deveres recíprocos, designadamente o dever de assistência (art. 1874º/2 CC).

o Poder-dever de velar pela saúde -» o exercício deste poder-dever pelos pais implica, numa primeira aproximação, o dever de, na medida das suas possibilidades, fornecerem ao filho uma alimentação apropriada à sua idade e especiais necessidades, cultivando hábitos alimentares saudáveis; observem no cuidado diário do filho as regras básicas de higiene; assegurarem-lhe os cuidados médicos essenciais.Num segundo momento, o poder-dever de velar pela saúde do filho assume outros contornos. O seu exercício traduz-se agora no direito e no dever de decidir pelo filho no que respeita a intervenção cirúrgica ou tratamento médico a que este, segundo opinião médica, deva sujeitar-se. A exigência de autorização dos pais para a realização de intervenções médicas encontra o seu fundamento no exercício do poder-dever de velar pela saúde do filho e não no poder-dever de o representar.

o Poder-dever de educação -» todos os outros poderes-deveres aparecem como instrumentais relativamente ao poder-dever de educação, aparecem como manifestações de realização e desenvolvimento da função educativa. De um modo muito geral, pode dizer-se que educar o filho é prepará-lo para a vida, para que se torne num cidadão adulto responsável e autónomo. Esta noção ampla de educação pode ser decomposta em duas ou três vertentes: a educação propriamente dita, a instrução escolar e a formação técnica e profissional. A instrução escolar e a formação técnica e profissional é hoje levada a cabo pela escola e por outros profissionais do ramo da educação e da formação profissional. Aos pais compete determinar o tipo de educação dos filhos, designadamente, o estabelecimento de ensino.O grau de ensino que os pais estão obrigados a proporcionar aos filhos está dependente das suas possibilidades económicas (art. 1885º/1 CC), e por outro, deve corresponder às aptidões e inclinações do filho (art. 1885º/2 CC). A educação propriamente dita traduz-se num direito de direcção e orientação da vida do filho menor.Questão duvidosa é a de saber quais os meios de que os pais dispõem para efectivar esse direito de direcção. A reforma de 1977 não acolheu a redacção do anterior art. 1884º do CC de 1996 que reconhecia a ambos os pais o poder de corrigir moderadamente o filho nas suas faltas. Estará, assim, excluída esta possibilidade de fazer valer as ordens, os conselhos dos pais mesmo contra a vontade do filho? A doutrina dominante parece pronunciar-se no sentido de admitir que, embora não se encontre formalmente consagrado, tal poder continua a assistir aos pais. Compete-lhes, pois, a faculdade de corrigir os filhos, não como faculdade autónoma, mas antes subordinada ao poder-dever de vigilância e ao poder-dever de educação, devendo ser exercida sem carácter punitivo, dentro dos limites da autoridade amiga e responsável que a lei atribui aos pais e que, por isso, só pode ser exercido sem abusos, no interesse dos filhos e com respeito pela sua saúde, segurança, formação moral, grau de maturidade e de autonomia.

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Plano patrimonialo Poder-dever de representação -» este poder-dever apresenta-se como

um meio de suprimento da incapacidade de agir dos filhos menores no campo negocial. As actividades dos pais orientada no interesse do filho baseia-se, não nos direitos deste, mas sim no seu próprio direito-dever de cuidar da pessoa do filho, enquanto e na medida em que este não é capaz de o fazer por si mesmo.Até que ponto podem os pais assumir obrigações em nome do filho? A lei tomou algumas cautelas neste sentido, designadamente: estão excluídos do poder-dever de representação os actos relativos aos bens de que os pais não detenham a administração (art. 1888º, 1889º, 1892º, 1885º/2 CC).

o Poder-dever de administração -» encontram-se, em princípio sob a administração dos pais todos aqueles bens de que o filho seja titular e todos aqueles que este for adquirindo por qualquer meio. No entanto, nem todos os bens do filho estão efectivamente sujeitos à administração dos pais. O art. 1888º do CC indica, de modo taxativo, as cinco categorias de bens cuja administração os pais não possuem.No exercício da administração dos bens dos filhos que lhes caiba, devem os pais empregar a mesma diligência que usam na administração dos seus próprios bens (art. 1897º CC). Não lhes é exigida, em princípio, a prestação de contas (art. 1899º CC), nem a prestação de caução (art. 1898º CC).O poder-dever de administração dos bens dos filhos cessa quando cessar o poder paternal. No entanto, tal poder-dever pode igualmente cessar por outras causas tal como a inibição total ou parcial do poder paternal (art. 1913º, 1914º e 1915º/2 CC). Neste caso, os bens devem ser entregues não ao filho mas ao representante legal que entretanto lhe tenha sido nomeado (art. 1900º/1, 2ª parte CC).

Exercício do poder paternal

O exercício do poder paternal nem sempre consiste na prática de actos jurídicos, nem sobretudo numa actuação substitutiva dos filhos. O poder paternal não se reduz a uma relação de autoridade entre pais e filhos. O exercício de tais poderes-deveres pode apresentar momentos de índole diferente, a saber: momentos de autoridade, momentos protectivos e momentos educativos.O exercício do poder paternal está vinculado à realização do interesse do filho. Em que consiste? O interesse da criança não é, porém, uma qualquer fórmula vazia de sentido, mas antes um conceito a ser preenchido através de juízos de valor e de experiência. Tal conceito assume, no âmbito do nosso ordenamento jurídico, a natureza de conceito jurídico indeterminado.A determinação do interesse do filho, com todas as dificuldades que comporta, cabe, em primeira linha aos pais. O interesse do filho é objecto de uma heteroavaliação. Os filhos devem-lhes obediência, não uma obediência cega, de sujeição completa e absoluta, mas obediência. O que significa que a avaliação que o filho faz dos seus próprios interesses não é, ou não tem que ser, necessariamente tida em consideração.O exercício do poder paternal tem como limite o respeito pela personalidade do filho. À medida que o filho cresce, a sua personalidade vai-se formando e, por conseguinte, manifestado, tanto nas coisas mais banais como nas coisas mais importantes. Aos pais

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cumpre ter em atenção os seus gostos, os seus sentimentos, as suas ideias e não procurar projectar no filho os seus próprios gostos, sentimentos e ideias, no fundo, a sua própria concepção do mundo e da vida.

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A Protecção dos Idosos

A Administração do Património das pessoas com capacidade diminuída

Interdição/Tutela

A cura é uma medida que visa essencialmente a protecção do património dos incapazes e concede um lugar de destaque à família. O curador é um representante, actua no lugar do incapacitado e fá-lo de forma permanente.A tutela pode ser vista como paradigma da medida total.Esta medida, tal como se encontra configurada no sistema jurídico português, funciona num desequilíbrio de tudo-ou-nada.De facto, a interdição subtrai a capacidade de exercício ao interdito.Está inscrito no CC a ideia que na interdição está em causa uma anomalia psíquica que “aniquile a capacidade natural de querer ou entender”.Além disto, e não obstante o facto de a categoria da incapacidade de exercício ter sido pensada e criada para responder a situações de cariz patrimonial, a interdição tem consequências directas sobre a capacidade de gozo dos interditos, atingindo com golpe certeiro os mais importantes actos de natureza pessoal.Na verdade, os interditos por anomalia psíquica não podem casar (1601º), perfilhar (1850º), testar (2189º), etc.A medida de tutela apresenta um carácter demasiado rígido. Desde logo, não há possibilidade de personalizar a medida de protecção. O tutor fica investido em poderes gerais sobre a pessoa e o património do incapacitado, que deverá exercer com a diligência de um bom pai de família (art. 1935º).

Inabilitação/Curatela

No que diz respeito ao seu âmbito material, a inabilitação traça um círculo de incapacidade mais maleável. Na verdade, abandonámos o terreno da incapacitação total.A falta de capacidade de exercício de direitos é determinada pelo juiz na sentença (art. 153º e 154º).

Todavia, apesar de não exibir um carácter rígido e haver maleabilidade na fixação do seu âmbito, a inabilitação implica sempre incapacidade em relação aos actos de disposição inter vivos. É este o conteúdo mínimo da sentença.Quanto ao modo de suprimento da incapacidade, a curatela também demonstra maior flexibilidade. Desde logo, a regra é o recurso à assistência, i.e., a sujeição ao aval do curador da actuação da pessoa inabilitada, no âmbito da inabilitação. No entanto, o sistema também se abriu para os caos em que é necessário agir em nome de e é, portanto possível o recurso à representação, sendo a administração do património, no todo ou em parte, entregue ao curador (art. 154º).

Análise de aspectos comuns à interdição/tutela e à inabilitação/curatela

Apesar dos diferentes âmbitos das incapacitações, há sempre necessidade de limitação formal da capacidade.

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O regime do CC elenca e hierarquiza aqueles que poderá servir de representantes legais da pessoa incapacitada (art. 143º) não permitindo a escolha antecipada do tutor ou do curador por parte da pessoa futuramente incapacitada.Quanto às atribuições do tutor ou curador cabe ao legislador regular esse círculo de poderes que não poder ser modificados por ninguém.Afigura-se, igualmente discutível a recondução ao regime da menoridade que é feita pelo art. 139º- na verdade, na maioridade e na menoridade, falamos de (in)capacidades que se desenvolvem, por regra, em sentido inverso. No primeiro caso teremos uma capacidade involutiva, no segundo, evolutiva.Uma falha importante do nosso sistema de protecção de adultos com capacidade diminuída é o facto de tanto a interdição como a inabilitação não cobrirem situação temporárias.

Síntese

1. A tutela é o paradigma da medida total.2. A interdição implica uma incapacidade geral de exercício de direitos.3. A interdição comporta ainda a ablação da capacidade de gozo quanto a

importantes actos pessoais.4. A tutela assenta na representação legal da pessoa interdita.5. O representante legal, o tutor, é investido em poderes gerais sobre a pessoa e o

património do interdito.6. A curatela apresenta-se como uma medida mais flexível.7. A inabilitação determina uma perda limitada da capacidade de exercício, que se

pode cingir aos actos de disposição entre vivos.8. No entanto, comporta consequências ao nível da capacidade de gozo.9. A curatela implica a assistência por parte de um curador e, eventualmente, a

concessão de poderes de representação.10. Tanto a tutela como a curatela não deixam espaço ao exercício da autonomia

prospectiva da pessoa incapacitada (no que diz respeito à escolha de futuro tutor ou curador, das suas atribuições ou padrão de actuação).

11. Tanto a tutela como a curatela assentam num processo que se pode vir a revelar complexo e estigmatizante.

Decisores alternativos

Gestão de negócios

O gestor de negócios no ordenamento jurídico portuguêsNos casos em que a pessoa em situação de incapacidade não se encontra escudada pela actuação de um tutor, há que agir em vez desta para prover às suas necessidades, realizar actos urgentes e evitar prejuízos. Nestas situações é comum que um terceiro actue, sem autorização para tal, assumindo a direcção dos interesses dessa pessoa, actuando no interesse e por conta desta. Esta é, aliás, uma prática comum nas situações de capacidade diminuída associadas ao envelhecimento. Nestes casos, facilmente encontramos a família a assumir os encargos do cuidado da pessoa em situação de incapacidade, resistindo à intervenção de estranhos a este núcleo, especialmente da autoridade judicial.Parece que por esta via o ordenamento jurídico abre a possibilidade de se considerar um decisor alternativo para a pessoa com capacidade diminuída não incapacitada.

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Mas, não poderemos ir mais longe e considerar que a nossa norma da gestão de negócios pode abranger também os casos em que o cuidado de uma pessoa com capacidade diminuída é assumido por quem não tem a qualidade legal de tutor, ainda que haja tutor nomeado? Na verdade, encontramos situações em que a inércia do tutor impele a intervenção, particularmente quando se trata de situações de emergência, e em que se preenchem os pressupostos da gestão de negócios. E haverá gestão de negócios quando o tutor nomeado não actua na qualidade de tutor?

Requisitos da gestão de negócios Assunção da direcção de negócio alheio – exige que o seu objecto seja um

negócio de outrem. No nosso caso, o dominus negotti será a pessoa com capacidade diminuída. Face a um dominus com capacidade diminuída, o gestor de negócios poderá estar legitimado para agir de forma mais ampla do que um tutor nomeado para o proteger, que tem de adequar a sua actuação aos limites dos art. 1937º e 1938º.

No interesse e por conta do dono do negócio – se a pessoa gere um negócio alheio na convicção de que é próprio, não actua para outrem, mas para si. Nestes casos, as regras da gestão de negócios só vigoram se houver aprovação pelo dono do negócio.

Falta de autorização – por fim, não deve existir uma relação jurídica legal ou convencional entre o dominus negotti e o gestor que autorize ou imponha a intromissão nos negócios, ou seja, o gestor não pode ter o direito ou a obrigação de assumir a gesto do negócio alheio. Assim, por exemplo, no nosso caso, não poderá ser gestor quem agir na qualidade de tutor da pessoa com capacidade diminuída, porque está obrigado por um dever legal. No entanto, pode configurar-se a possibilidade de o tutor exceder voluntariamente o âmbito das funções em que foi legalmente investido.

Relações entre o gestor e o dono do negócio Obrigações do gestor face ao dono do negócio – o gestor deve actuar de acordo

com o interesse e a vontade real ou presumível do dono do negócio, sempre que esta não se mostre contrária à lei, à ordem pública ou aos bons costumes.O que acontece, então, se o dominus, por se encontrar numa situação de incapacidade, não puder ser o melhor juiz dos seus próprios interesses? Neste caso deve optar-se por dar primazia à vontade presumível da pessoa com capacidade diminuída, entendida como a vontade que teria se se encontrasse numa situação de plena capacidade e pudesse conhecer e avaliar correctamente todas as circunstâncias com relevância para o caso -» é a perspectiva mais favorável ao dominus, à sua vontade e interesses subjectivos.Recaem ainda sobre o gestor uma série de outras obrigações. O gestor deve, logo que possível avisar o dono do negócio de que assumiu a gestão, sob pena de responsabilidade para o gestor e de ilegitimidade da gestão; prestar contas; prestar ao dono do negócio todas as informações relativas à gestão; e entregar ao dono do negócio tudo o que tenha recebido de terceiros no exercício da gestão ou o saldo das respectivas contas.Quais as consequências efectivas, no nosso caso, do cumprimento destes deveres? No tratamento deste problema, há que ter em conta que o dominus pode não se encontrar em condições de entender estas informações. Nesta situação, o dominus não actuará como receptor, nem terá, em princípio, quem o

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substitua na assunção desse papel, não passando o cumprimento de tais deveres de mera formalidade.O CC determina a responsabilidade do gestor pelos danos que a interrupção injustificada da gestão cause. Antunes Varela vê aqui a consagração indirecta de um dever de continuar a gestão até que o negócio chegue a bom termo ou que o dono possa prover por si mesmo. Assim, quando o dominus tenha capacidade diminuída interessa que a gestão se mantenha até que seja nomeado tutor ou até que cesse a incapacidade.

Obrigações do dono do negócio face ao gestor – a aprovação da gestão pelo dono do negócio tem importantes repercussões no campo das obrigações do dominus negotti face ao gestor. Por um lado, o dominus negotti fica vinculado a dois deveres. Em primeiro lugar, deve reembolsar o gestor das despesas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis bem como ser indemnizado pelo prejuízo que haja sofrido durante a gestão. Em segundo lugar, e não obstante a regra da gratuidade, quando a actividade profissional do gestor corresponda à gestão realizada, este terá de ser remunerado. Por outro lado, a aprovação faz cessar a responsabilidade do gestor pelos danos que eventualmente tenha causado.No caso de a gestão não ter sido aprovada pelo gestor, os direitos do gestor dependem da prova que se faça da regularidade da gestão, da sua conformidade com o interesse e a vontade do dominus negotti. Na hipótese contrária, o dono do negócio responde apenas de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.Como transpor estas considerações para o caso específico em que o dominus negotti tem capacidade diminuída? Para Roger Bout o problema da capacidade não se põe na gestão de negócios para o dono do negócio. O autor explica-nos que o dominus negotti fica obrigado em relação ao gestor nas mesmas condições que uma pessoa capaz, dado que as suas obrigações nascem sem que nenhum acto jurídico seja realizado por si. Sabe-se que a incapacidade protege o interessado contra os seus próprios actos, mas não contra as obrigações que nascem à sua conta, independentemente da sua vontade.Já no que diz respeito à aprovação da gestão a questão assume contornos diferentes. Este acto supõe a capacidade do dono do negócio, dado que o dominus tem de aceder a um conhecimento suficiente da situação que lhe permita formular o referido juízo de concordância. Ora, um dono do negócio com capacidade diminuída dificilmente o poderá fazer. Parece que a melhor solução será recorrer à intervenção do MP, nos termos da secção seguinte, já que a aprovação por parte da pessoa com capacidade diminuída seria passível de ser anulada, recorrendo ao regime da incapacidade acidental.

Relações entre o gestor e terceirosSe estivermos perante um caso de gestão representativa, em que o gestor agiu em nome de outrem, aplicam-se as normas respeitantes à representação sem poderes. O negócio será eficaz se ratificado pelo dominus. Não sendo ratificado, o negócio é ineficaz em relação ao dono do negócio.Na hipótese da gestão não representativa, o gestor age em nome próprio, aplicando-se as regras do mandato sem representação.Ora, a ratificação por parte de um dominus com capacidade diminuída levanta os mesmos problemas que se referiam quanto à aprovação.

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Intervenção do Ministério Público

Encontramos situações em que, sendo necessária a prática de actos de gestão do património da pessoa com capacidade diminuída, não há nenhum terceiro disposto a intervir ou não é possível a prática do acto sem a intervenção da própria pessoa com capacidade diminuída. Nestes casos, há que encontrar um decisor alternativo e a lei portuguesa elege o MP como representante natural dos incapazes.Vários autores consideram que o art. 1439º CPC é a norma invocável, com as devidas adaptações, para os pedidos de autorização para a prática de actos, quando o requerente seja o MP, actuando em representação dos interesses dos incapazes e dos ausentes. Recorre-se assim ao tribunal, mas o MP assume um papel activo central, iniciando este processo.Parece que o MP não estará talhado para levar a cabo uma administração regular do património das pessoas com capacidade diminuída, mas assume um papel central, permitindo que se pratiquem determinados actos, através do suprimento do consentimento da pessoa com capacidade diminuída, e tornando iniciativa no processo de autorização para a sua prática.

Solidariedade social e solidariedade familiar – considerações sobre o novo complemento solidário para idosos

O grupo classificado como pessoas idosas apresenta sinais de crescimento progressivo, reclamando a satisfação de novas e maiores necessidades.No século passado, o estado assumiu de forma crescente uma série de encargos face a diversos riscos sociais, incluindo a velhice e a dependência a ela associada. Hoje, porém, enfrentamos a chamada crise do estado providência.Todavia, também a família se debate com mudanças estruturais e funcionais que põem em causa os modelos considerados pelo direito.Assim, a solidariedade em relação às pessoas idosas encontra-se numa situação de desequilíbrio; os seus prestadores assumem um papel mais fraco, enquanto que os seus beneficiários são um grupo cada vez mais relevante. Daí que se reclame a intervenção do direito, criando uma regulação eficaz das relações entre família e estado no que diz respeito à assistência àquele grupo.Esta necessidade foi já sentida pelo legislador português, que recentemente criou um novo instrumento – o complemento solidário para idosos (DL 232/2005).

Solidariedade social e solidariedade familiar no CSI

A perspectiva portuguesa acerca da solidariedade social e da solidariedade familiarO posição-regra do sistema português quanto ao problema da satisfação das necessidades próprias de cada indivíduo, traduz-se num princípio de auto-financiamento. Todavia, quanto este princípio falha, o direito criou uma série de soluções que visam garantir a cada cidadão os meios suficientes para garantir a sua subsistência; tanto impondo obrigações familiares como concedendo atribuições patrimoniais de origem estadual.Na verdade, apesar de a ideia de solidariedade familiar não se limitar às obrigações de alimentos entre familiares, este instrumento jurídico é, possivelmente a sua mais forte manifestação.O art. 2009º determina um círculo de pessoas obrigadas a prestar alimentos, dos quais podemos distinguir dois grupos diferentes. Por um lado, encontramos a obrigação de

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alimentos dos cônjuges e dos pais em relação aos filhos; por outro lado, existem relações jurídicas que se estabelecem entre outros familiares.Estes grupos apresentam regimes diferentes, que assentam em bases distintas. No primeiro grupo, temos uma solidariedade consentida que deriva tanto do casamento como da procriação. O fundamento da obrigação do segundo grupo é a solidariedade familiar.

Fundamentos e objectivosO DL 232/2005 criou o CSI como complemento a um rendimento base, que inclui tanto pensões como outros rendimentos, e apresenta-o como um instrumento de combate à pobreza.O núcleo do nosso problema consiste na crise financeira em que o estado se encontra, pelo que não dispõe de meios suficientes para gerar aumentos significantes nestes montantes. Daí que uma luta efectiva contra a pobreza só possa ser feita, de acordo com a preâmbulo deste diploma, através da concentração de recursos nos mais necessitados.Na sequência destas considerações, os beneficiários do CSI são, em traços largos, aqueles que recebem pensões de velhice ou de sobrevivência ou equivalentes, vivendo em território português com idade superior a 65 anos e cujos recursos se encontrem abaixo do valor de referência que é definido para a atribuição do CSI.Mas como é que o estado pretende atingir o objectivo traçado pelo regime legal do CSI? Propõe-se da coordenação das obrigações do estado com as obrigações de todos os que podem e devem contribuir para melhorar a qualidade de vida dos idosos, designadamente as suas famílias.Não devemos esquecer que a CRP elege o princípio da democracia económica, social e cultural como estruturante do nosso sistema. Este princípio impõe tarefas para o estado, incluindo a obrigação de organizar um sistema de segurança social que proteja os cidadãos na doença e na velhice.

As ligações entre solidariedade familiar e solidariedade social no regime legal do CSIO núcleo do DL são as relações entre a solidariedade social e solidariedade familiar.

Determinação dos recursos do requerente, que toma em consideração o rendimento do seu agregado familiar, bem como o rendimento dos seus filhos – O legislador considera que a situação de pessoas idosas que vivem sós ou com famílias de baixos rendimentos é diferente da situação daquelas com famílias de rendimentos altos.Consequentemente, de modo a beneficiar do CSI, a determinação dos recursos do requerente tem de ser feita tomando em conta o seu rendimento e o do seu cônjuge ou de pessoa que com ele vivia em união de facto, bem como a solidariedade familiar, que considera os rendimentos dos filhos, atendendo às dimensões e características dos agregados.No contexto de outra expressão de solidariedade familiar – as obrigações de alimentos – um problema semelhante foi já abordado. Braga Cruz considerava que é da responsabilidade comum dos cônjuges a obrigação de alimentos em relação aos descendentes do outro, mas, em relação aos outros parentes é já não se vê que exista o mesmo imperativo de ordem moral a exigir que a elas fique vinculado também o outro cônjuge.Ainda que a referência feita se aplique apenas ao rendimento dos filhos, teremos ainda de nos perguntar se será legitimo, numa era em que os ideais individualistas assumem um papel central, considerar que se pode contar com

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recursos que extravasem os da família nuclear. Para efeitos do regime do CSI, as obrigações que derivam da solidariedade familiar não se identificam com as obrigações de alimentos. A ideia de solidariedade familiar no âmbito deste regime está directamente relacionada com a parte do rendimento dos filhos que contribuirá para o agregado familiar dos seus pais.

Conclusão

O núcleo do regime do CSI centra-se fundamentalmente nas relações entre solidariedade familiar e solidariedade social e inclui manifestações de subsidiariedade da solidariedade social.No que diz respeito aos recursos do requerente, toma em conta tanto o rendimento do seu agregado familiar, considerado de forma alargada, como o rendimento do agregado fiscal dos seus filhos, embora esta exigência se baseie apenas na obrigação de alimentos dos filhos.A lei exige igualmente uma declaração de que o requerente reclamará alimentos quando o filho se recuse a apresentar a sua declaração de rendimentos.Por um lado, o regime do CSI assume os vínculos familiares como fontes de financiamento. Por outro lado, este esquema de solidariedade pretende funcionar como um travão em elação ao recurso a prestações estaduais, já que o primeiro chamamento é dirigido à família.

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Adopção

Noção e espírito do instituto

Uma inovação muito importante do CC de 1966 foi o reconhecimento da adopção como fonte de relações jurídicas familiares. O art. 1586º dá a noção de adopção: esta é o vínculo que, à semelhança da filiação natural mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos do art. 1973º e ss. Por oposição ao parentesco natural que é o verdadeiro parentesco, a adopção é assim um parentesco legal, criado à semelhança daquele. Não quer isto dizer, porém, que se trate de uma ficção da lei. O que acontece é que a adopção assente em outra verdade, uma verdade afectiva e sociológica, distinta da verdade biológica em que se funda o parentesco.Este novo interesse pela adopção corresponde a uma modificação radical no espírito do instituto, o qual, centrado antigamente na pessoa do adoptante e ao serviço do seu interesse de assegurar, através da adopção, a perpetuação da família e a transmissão do nome e do património, visa hoje servir sobretudo o interesse dos menores desprovidos de meios familiar normal.Só podem ser adoptados menores, em princípio menores de 15 anos (art. 1980º/2 e 1993º/1), e que o vínculo se constitui por sentença judicial (art. 1973º/1), só devendo o tribunal decretar a adopção, nomeadamente, quando esta apresente para o adoptando reais vantagens e seja razoável supor que se estabelecerá entre o adoptante e o adoptado um vínculo semelhante ao da filiação (art. 1974º/1). Todo este regime se ajusta à ideia de que se trata aqui de proteger o interesse do adoptando, mas visto este interesse à luz do interesse geral a adopção plena não é revogável, nem sequer por acordo do adoptante e do adoptado (art. 1989º), e só permitindo a revisão da sentença que tenha decretado a adopção, plena ou restrita, ou a revogação da adopção restrita, nos casos excepcionais que prevê (art. 1990º, 1991º e 2002º-B a 2002º-D).

Modalidades: adopção plena e adopção restrita; adopção conjunta e adopção singular

As condições e os efeitos da adopção variam conforme a modalidade em que o vínculo se constitua. A lei admite duas modalidades de adopção: plena e restrita (art. 1977º/1), permitindo, porém, que a adopção restrita se converta em plena se estiverem preenchidos os requisitos respectivos (art. 1977º/2). Por outro lado, e quer se trate de adopção plena ou restrita, a adopção pode ser conjunta ou singular, conforme é feita por um casal ou por uma só pessoa casada ou não casada.O art. 7º da lei 7/2007 permite a adopção conjunta às pessoas que vivam em união de facto sem prejuízo das disposições legais respeitantes à adopção por pessoas não casadas.

Regras comuns à adopção plena e à adopção restrita

Requisitos gerais

A adopção que nos termos do art. 1974º visa realizar o superior interesse da criança, apenas será decretada quando estiverem preenchidos os requisitos gerais expressos nos art. 1974º e 1975º.

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Em primeiro lugar no art. 1974º/1 é necessário que a adopção apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e seja razoável supor que entre adoptante e adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação.A adopção pode apresentar reais vantagens para o adoptando e todavia não se fundar em motivos legítimos. Suponhamos que A querendo instituir B seu herdeiro, pretende adoptá-lo para que B, como filho, fique isento de imposto de selo na transmissão por morte dos seus bens, imposto que teria de pagar como herdeiro testamentário.A previsão de que se estabeleça um vínculo semelhante ao da filiação é um requisito fundamental. É à luz deste requisito que deverão ser consideradas questões que a doutrina às vezes discute em abstracto, como as de saber se a adopção poderá ser decretada quando não haja certa diferença de idade entre adoptante e adoptando ou existiam entre ambos determinadas relações de família. Embora a lei não exclua que a adopção seja decretada em hipóteses como estas, decerto que a decisão do tribunal será desfavorável, na generalidade dos casos, à constituição do vínculo.Em segundo lugar, deverá o adoptando ter estado ao cuidado do adoptante durante prazo suficiente para se poder avaliar da conveniência da constituição do vínculo (art. 1974º/2). A lei não fixa este prazo, que depende das circunstâncias; mas, como se verá, a adopção é necessariamente precedida de confiança do menor ao fundo adoptante e, estabelecida a confiança administrativa, a confiança judicial ou a confiança a pessoa seleccionada para a adopção, abre-se o período de pré-adopção, não superior a seis meses, em que o organismo de segurança social acompanha a situação do menor e elabora o inquérito a que se refere o n art. 1973º/2.Por último, e salvo no caso de os adoptantes serem casados um com o outro exige a lei que em relação ao adoptando não subsista qualquer adopção anterior (art. 1975º).

Processo

a) Apresentação de candidatura ao organismo de segurança social Quem pretenda adoptar um menor deve comunicar essa intenção ao organismo de segurança social da área da sua residência (art. 5º DL 120/98).O organismo de segurança social, verificados os requisitos legais, emite e entrega ao candidato a adoptante certificado da comunicação e do respectivo registo; no prazo máximo de seis meses procede ao estudo da pretensão que deve incidir, nomeadamente, sobre os aspectos referidos no art.6º/2 e concluído o estudo profere decisão sobre a pretensão e notifica-a ao interessado. Em caso de decisão que rejeite a candidatura, recuse a entrega do menor ao candidato a adoptante ou não confirme a permanência do menor a cargo, a notificação ao interessado deve referir a possibilidade de recurso, o prazo em que ele pode recorrer e a identificação do tribunal competente para o efeito. O recurso da decisão deve ser interposto no prazo de 30 dias para o tribunal competente em matéria de família e menores da área da sede do organismo de segurança social.

b) Confiança administrativa O candidato a adoptante só pode tomar o menor a seu cargo com vista a futura adopção, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção (art. 8º).A confiança administrativa resulta de decisão do organismo de segurança social que entregue o menor, com idade superior a seis semanas (art. 1982º/3 CC), ao candidato a adoptante ou confirme a permanência de menor a seu cargo.

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Decidida a confiança administrativa, o organismo de segurança social deve emitir e entregar ao candidato a adoptante certificado da data em que o menor lhe foi confiado e comunicar o facto ao MP junto do tribunal competente, assim como à conservatória do registo civil onde estiver lavrado o assento de nascimento do menor, para efeito de preservação do segredo da identidade previsto no art. 1985º CC.O candidato a adoptante que tenha tomado menor a seu cargo mediante confiança administrativa pode requerer ao tribunal a sua nomeação como curador provisório do menor até ser decretada a adopção ou instituída tutela. O processo de confiança administrativa é apensado ao de confiança judicial ou ao de adopção.

c) Confiança judicial e medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção

A confiança do menor a casal, a pessoa singular ou a instituição com vista a futura adopção pode ainda ser decidida pelo tribunal quando não existam ou se achem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das cinco situações previstas no art. 1978º/1 CC.Note-se, porém, que a confiança com fundamento nas situações previstas nas als. a), c), d) e e) não pode ser decidida se o menor estiver a viver com ascendente, colateral até ao 3º grau ou tutor e a seu cargo (art. 1978º/4).Têm legitimidade para requerer a confiança judicial do menor – art. 1978º CCNote-se que requerida a confiança judicial, pode o tribunal ouvido o MP e o organismo de segurança social da ária da residência do menor quando não forem requerentes, atribuir desde logo a guarda provisória do menor ao candidato à adopção, sempre que, em face dos elementos dos autos, conclua pela probabilidade séria de procedência da acção (art. 166º/1 OTM).O juiz procede às diligências necessárias, designadamente à audiência do organismo de segurança social da área da residência do menor; se houver contestação e oferecimento de prova testemunhal designa dia para audiência de discussão e julgamento; e, por fim, decide, devendo comunicar à conservatória do registo civil onde esteja lavrado o assento de nascimento do menor as indicações necessárias à preservação do segredo da identidade previsto no art. 1985º CC (art. 165º/3 OTM). O processo de confiança judicial é apensado ao de adopção.Na sentença que decida a confiança judicial, o tribunal deve designar curador provisório ao menor, o qual exercerá funções até ser decretada a adopção ou instituída tutela.A confiança judicial protege o interesse do menor de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, pois torna desnecessário o consentimento dos pais ou do parente ou tutor que, na sua falta, tenha o menor a seu cargo e com ele viva (art. 1981 CC) e inibe os pais do exercício do poder paternal (art. 1978º-A) permitindo que o investimento afectivo e educativo no período de pré-adopção se faça com segurança e serenidade.A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de candidato seleccionado para a adopção pelo competente organismo de segurança social ou sob a guarda de instituição com vista a futura adopção (art. 38º-A) e só pode ser aplicada, como a confiança judicial, nas situações previstas no art. 1978º CC. Tem efeitos idênticos aos da confiança judicial.Decidida a medida, não há lugar a visitas da família natural e até ser instaurado o processo de adopção, o tribunal deve solicitar ao organismo de segurança social, de 6 em 6 meses, informação sobre os procedimentos em curso com vista à adopção.

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d) Período de pré-adopção Estabelecida a confiança administrativa, a confiança judicial ou a confiança a pessoa seleccionada para a adopção, e após o começo do processo de vinculação observada, inicia-se o período de pré-adopção, não superior a seis meses, em que o organismo de segurança social acompanha a situação do menor e realiza o inquérito previsto no art. 1973º/2 CC.O resultado do inquérito é notificado ao candidato a adoptante; após a notificação ou decorrido o prazo de elaboração do relatório, a adopção pode ser requerida, devendo sê-lo no prazo de um ano, sob pena de o organismo de segurança social ter de reapreciar a situação.

e) Processo judicial O processo de adopção propriamente dito está regulado nos art. 168º e ss OTM e reveste a natureza de processo de jurisdição voluntária (art. 150º).O tribunal competente para constituir o vínculo é o tribunal de família e menores da área da residência do menor, onde o haja ou, não havendo tribunal de família e menores, o tribunal de comarca.O requerente deve alegar os factos tendentes a demonstrar os requisitos gerais da adopção, atrás referidos, e as demais condições necessárias à constituição do vínculo.Deve ainda juntar à petição o relatório do inquérito previsto no art. 1973º/2 CC. Junto o relatório, juiz ouve o adoptante e as pessoas cujo consentimento a lei exija e ainda o não tenham prestado, esclarecendo-os sobre o significado e os efeitos do acto (art. 170º OTM); o consentimento deve reportar-se inequivocamente à adopção plena para ser válido quanto a esta (art. 1982º).Ouvido o MP, ordenando o juiz as necessárias diligências e assegurando o contraditório relativamente às pessoas cujo consentimento possa ser dispensado (art. 171º OTM). Tendo em conta a sua idade e grau de maturidade, o juiz deve ouvir o adoptando mesmo que este ainda não tenha completado 12 anos. Deverá o juiz ouvir ainda os filhos do adoptante maiores de 12 anos, assim como os ascendentes (art. 1984º). Efectuadas as diligências requeridas e outras julgadas convenientes e ouvido o MP é proferida a sentença da qual, se adopção for decretada deve ser enviada certidão à conservatória do registo civil detentora do assento de nascimento do adoptado (art. 78º RC) para aí ser feito o averbamento respectivo (art. 69º/1).O processo de adopção, assim como os respectivos procedimentos preliminares incluindo os de natureza administrativa, têm carácter secreto. O tribunal, porém, nos termos previstos neste artigo pode autorizar a consulta dos processos e a extracção de certidões a requerimento de quem invoque interesse legítimo.O carácter urgente dos processos relativos ao consentimento prévio para adopção, à confiança judicial de menor e à adopção é outra nota a referir.

A adopção e o registo civil

O princípio de que pela adopção plena o adoptado adquire a situação de filho do adoptante, extinguindo-se, em princípio as relações de família entre o adoptado e os seus ascendentes e colaterais naturais (art. 1986º) tem expressão adequada no plano do registo, no qual se reflecte igualmente o segredo da identidade, do adoptante e dos pais naturais do adoptado, previsto no art. 1985º.A adopção é regista por averbamento no assento de nascimento do adoptado mas a lei admite a feitura de novo assento de nascimento (art. 123º/1), protegendo assim o

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interesse dos pais adoptivos de apagar do registo a história passada da criança (art. 213º RC).

Adopção plena

Consentimento

Sendo um acto jurídico complexo a adopção supõe antes de mais nada o consentimento do adoptante para a adopção. Embora o art. 1981º/1 que enumera nas suas várias alíneas as pessoas cujo consentimento é necessário, não refira o consentimento do próprio adoptante, é óbvio que é este consentimento que, antes de qualquer outro, se torna necessário para que a adopção se constitua. Se fosse precisa uma justificação legal, poderia invocar-se o art. 1990º, que permite a revisão da sentença que tenha decretado a adopção quando falte ou tenha sido viciado por erro ou determinado por coação moral o consentimento do adoptante.A falta e os vícios do consentimento do adoptante, este rege-se por regras próprias, não tendo aqui aplicação as normas que regulam a falta e os vícios do consentimento nos negócios jurídicos em geral. Neste aspecto, a lei especial afasta a lei geral. E não só neste aspecto. Basta ver que a falta ou os vícios da vontade do declarante, a falta do consentimento do adoptante ou o facto de o consentimento ter sido prestado por erro ou sob coação, no condicionalismo legal, não determina a nulidade ou a anulabilidade da adopção, mas apenas pode ser fundamento de uma acção de revisão da sentença que a tenha decretado, nos termos do art. 1990º e 1991º.A adopção não requer apenas, porém o consentimento do adoptante, mas também o assentimento a que a lei chama igualmente consentimento das pessoas referidas nas várias alíneas do art. 1981º/1. A circunstância de os pais ou outros familiares do menor não se terem oposto ou terem expressamente consentido na confiança administrativa, que tenha procedido o processo judicial de adopção, não afasta a exigência de que neste processo prestem perante o juiz o seu consentimento para a adopção.A revisão da sentença não pode ser pedida por falta ou vício do consentimento do cônjuge do adoptante, por vício do consentimento do adoptado ou, ainda por falta ou vício do consentimento do ascendente, colateral até ao 3º grau ou tutor.

Consentimento “em branco”A fim de facilitar a constituição da relação adoptiva, permite a lei que as pessoas cujo consentimento é necessário, nos termos do art. 1981º/1, prestem consentimento “em branco”, independentemente da instauração de processo de adopção e sem referência à pessoa do futuro adoptante (art. 1982º/2); o consentimento caduca se, no prazo de 3 anos, o menor não tiver sido adoptado nem confiado mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa ou a instituição com vista a futura adopção (art. 1983º).

Consentimento prévioO consentimento prévio anterior à data em que deveria ser prestado, pode ser tanto o dos pais naturais do adoptando como o de qualquer outra pessoa cujo consentimento a lei exija e qualquer que seja a situação do adoptando; além disso, pode ser prestado em qualquer tribunal competente em matéria de família e menores, independentemente da residência do menor ou das pessoas que o devam prestar.A prestação de consentimento prévio pode ser requerida pelas pessoas que o devam prestar, pelo MP ou pelos organismos de segurança social.

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Dispensa do consentimentoO consentimento das pessoas referidas nas várias alíneas do art. 1981º/1 pode todavia ser dispensado pelo tribunal, no próprio acesso de adopção, nos 3 casos previstos do nº 3 do preceito.

Capacidade

A lei formula uma primeira exigência relativa à idade do adoptante, à qual põe um limite máximo e um limite mínimo.O adoptante não deve ter mais de 60 anos à data em que o menor lhe tenha sido confiado, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção (art. 1979º/3); a partir dos 50 anos, porém, a diferença de idades entre o adoptante e o adoptando não pode ser superior a 50 anos, a não ser que, excepcionalmente, motivos ponderosos o justifiquem. Se os adoptantes têm 57 anos, não podem pois adoptar, em princípio, uma criança de um ou dois anos, mas já o podem fazer se também quiserem adoptar um irmão da criança de oito ou novo. Sendo estes os princípios, há porém que os conciliar com a exigência, formulada, no art. 1974º, como um dos requisitos gerais da adopção, de que seja razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante da filiação. Note-se por último, que o limite máximo de idade estabelecido no art. 1979º/3 e 4 não se aplica se o adoptando for filho do cônjuge do adoptante.Quanto ao limite mínimo, varia conforme a adopção é conjunta ou singular: na adopção conjunta, ambos os cônjuges, ou as pessoas que vivam em união de facto, devem ter mais de 30, excepto se adoptar filho do seu cônjuge ou, deve entender-se, da pessoa que com ele viva em união de facto, pois neste caso basta que tenha idade superior a 25 anos. Tratando-se de adopção conjunta, exige ainda a lei que os cônjuges estejam casados há mais de 4 anos e não estejam separados de pessoas e bens ou de facto ou que a união de facto dure há mais de 4 anos.A capacidade para adoptar não depende porém apenas da idade do adoptante, mas também de a sua candidatura ter sido aprovada no estudo a que o organismo de segurança social deverá proceder e de lhe ser favorável o relatório do inquérito que precede necessariamente o pedido de adopção. Naturalmente, a adopção não será permitida a um interdito ou inabilitado por anomalia psíquica, a um demente de facto ou a um inabilitado por uso de bebidas alcoólicos ou de estupefacientes; mas o juiz poderá entender que a circunstância de o candidato a adoptante estar interdito por anomalia psíquica, a um demente de facto ou a um inabilitado por uso de bebidas alcoólicos ou de estupefacientes; mas o juiz poderá entender que a circunstância de o candidato a adoptante estar interdito ou inabilitado por surdez-mudez ou cegueira não o priva da capacidade para adoptar.Relativamente ao adoptando, a lei dispõe que podem ser adoptados plenamente os filhos do cônjuge do adoptante e todos os que lhe tenham sido confiados, mediante confiança administrativa, a confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção (art. 1980º). O nº2 põe um limite máximo à idade do adoptando, que em princípio deve ter menos de 15 anos à data da petição inicial de adopção. Pode todavia ser adoptado quem tenha menos de 18 anos a essa data e não se encontre emancipado, quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes. Pelo contrário, não põe a lei em princípio limite mínimo à idade do adoptando. O art. 1982º, porém, defende a mãe contra um eventual consentimento

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precipitado, determinado pelo seu estado emocional, só lhe permitindo prestar validamente o consentimento para a adopção decorridas seis semanas após o parto.

Efeitos

No que se refere aos efeitos da adopção plena o art. 1986º enuncia o princípio geral: pela adopção plena o adoptado adquire a situação e integra-se com os seus descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e os seus ascendentes e colaterais naturais.Mesmo que se trate de adopção singular, o princípio comporta as excepções previstas no art. 1986º; nas relações entre o adoptado e a sua família natural, mantêm-se os impedimentos matrimoniais referidos nos art. 1602º a 1604º; além disso, se um dos cônjuges adoptar o filho do outro, mantêm-se as relações entre o adoptado e o cônjuge do adoptante e os respectivos parentes, sendo este o único caso em que a lei admite uma adopção aberta. Se um dos membros da união e facto adopta o filho do outro, mantêm-se as relações entre o adoptado e o outro membro da união de facto e os respectivos parentes.Filho do adoptante, o adoptado plenamente tem os direitos e, em geral a situação jurídica que como tal a lei lhe atribui, para efeitos sucessórios, para efeitos de alimentos, para efeitos de poder paternal para efeitos de impedimentos matrimoniais, etc.

NomeO art. 1988º faz aplicação quanto ao nome do princípio enunciado no art. 1986º: desligado da sua família natural, o adoptado plenamente perde os apelidos de origem e toma novo nome, constituído nos termos gerais do art. 1875º. Excepcionalmente, o tribunal modifique também o nome próprio do menor, se a modificação salvaguardar o seu interesse, nomeadamente o direito à identidade pessoal, e favorecer a integração da família. Mas ao interesse do adoptante pode contrapor-se o direito do menor à sua identidade pessoal, direito constitucionalmente protegido (art. 26º CRP), que tem naturalmente pouco significado se a criança é de tenra idade mas já assume grande relevo se o adoptando é um jovem adolescente conhecido pelo seu nome entre colegas e amigos. Saber qual dos dois interesses é mais digno de protecção, nas circunstâncias do caso, é tarefa do juiz, o qual, em caso de dúvida, não deve esquecer que a modificação do nome próprio só excepcionalmente é permitida pelo art. 1988º/2.

NacionalidadeNos termos do art. 5º da Lei da Nacionalidade, o adoptado plenamente por nacional português adquire a nacionalidade portuguesa. Trata-se de um caso de aquisição e não de atribuição (originária) da nacionalidade cujos efeitos só se produzem a partir da data em que a adopção é decretada.

Irrevogabilidade

A adopção plena é irrevogável, mesmo por acordo entre o adoptante e o adoptado (art. 1989º), tal como a relação de paternidade ou maternidade à qual se vem substituir, está subtraída à disponibilidade das partes.

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Proibição de estabelecer a filiação natural

A protecção da estabilidade do vínculo, uma vez constituído, vai ao ponto de a lei não permitir que depois de decretada a adopção plena se estabeleça a filiação natural do adoptado ou se faça prova dessa filiação fora do processo de casamento. Dispõe o art. 1987º cuja doutrina pode suscitar dúvidas quanto à sua conformidade ao direito à identidade pessoal do menor do qual decorrerá um direito ao conhecimento da sua ascendência biológica, e até ao direito de constituir família.A questão deve ser apreciada em face do art. 18º/2 CRP que permite restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na CRP, em quando seja necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Revisão da sentença (art. 1990º e 1991º)

A lei não admite uma acção de declaração de nulidade ou de anulação da adopção; como já foi dito, a adopção não é negócio jurídico mas acto jurídico complexo, integrado pela declaração de vontade do adoptante e pela sentença se pode obter a invalidação da adopção, com destruição retroactiva dos seus efeitos.A revisão apenas pode ser pedida com os fundamentos expressos nas várias alíneas do art. 1990º/1, pelas pessoas e nos prazos fixados no art. seguinte.Ainda que os fundamentos da revisão atrás referidos se mostrem verificados a revisão não será concedida quando os interesses do adoptado possam ser consideravelmente afectados, salvo se razões invocadas pelo adoptante imperiosamente o exigirem.Dispondo que a sentença que tenha decretado a adopção só é susceptível de revisão nos casos aí previstos, o art. 1990º sugere que não pode ser interposto recurso de revisão da sentença nos termos gerais do art. 771º CPC. Mas não cremos que seja essa a intenção do preceito, que só terá visado os fundamentos substantivos da revisão.A possibilidade de interpor recurso extraordinário de revisão da sentença que tenha decretado a adopção está de resto prevista no art. 173º-A OTM, segundo o qual nos incidentes de revogação ou de revisão, bem como no recurso extraordinário de revisão, o menor é representado pelo MP.Fundando-se em um vício originário da adopção, a revisão da sentença que a decretou tem efeitos retroactivos. O adoptado deixa assim de ser o filho do adoptante, não apenas ex nunc mas ex tunc, como se nunca tivesse sido adoptado e, do mesmo modo, as relações que mantinha com a família do adoptante apagam-se como se não tivessem existido. Pelo contrário, as relações entre o adoptado e a sua família natural, que a adopção cortara, restabelecem-se como se não tivessem sido interrompidas.

Adopção restrita

Efeitos

A adopção restrita tem efeitos restritos, efeitos que a lei tem o cuidado de enumerar. Ao contrário do que acontece no caso de adopção plena, o adoptado restritamente não adquire a situação de filho do adoptante nem se integra com os seus descendentes na família dele.Não sai da sua família natural, em relação à qual mantém, em princípio todos os direitos e deveres (art. 1994º).A filiação natural coexiste pois, agora com a filiação adoptiva.

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Há reciprocamente um dever de alimentos, mas enquanto o adoptante se considera ascende em 1º grau do adoptado, para o efeito delhe prestar alimentos, precedendo os pais naturais na ordem estabelecido no art. 2009º, o adoptado ou os seus descendentes só são obrigados a prestar alimentos ao adoptante na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes em condições de satisfazer esse encargo (2000º).O vínculo de adopção restrita gera um impedimento matrimonial, nos termos do art. 1604º e 1607º, impedimento simplesmente impediente e dispensável (art. 1609º).

Revisão da sentença art. 1993º

Revogação

Por outro lado, e embora também seja irrevogável, em princípio como a adopção plena, a adopção restrita pode ser revogada em determinados casos. Assim, a adopção é revogável, a requerimento do adoptante ou do adoptado, quando se verifique alguma das ocorrências, referidas no art. 2166º que justificam a deserdação dos herdeiros legitimários (art. 2002ºB). A revogação que é sempre judicial, é processada como incidente do processo de adopção e como se depreende do art. 2002º-D não opera ex tunc mas só ex nunc, ao contrário do que acontece com a revisai da sentença.

Conversão em adopção plena

A requerimento dos adoptantes, a adopção restrita pode a todo o tempo ser convertida em adopção plena, desde que se verifiquem os requisitos respectivos (art. 1977º/2). A este propósito, deve ter-se em conta que o art. 1979º não é aplicável à adopção restrita, como resulta do art. 1993º/1.

Natureza jurídica da adopção

A adopção como acto complexo ou misto

A adopção será um contrato ou, de todo o modo revestirá carácter negocial?A teoria do contrato corresponde às soluções do antigo direito, em que só se admitia a adopção de maiores, mas não se ajusta ao regime do direito português, onde o consentimento do menor só é exigido quando o adoptando seja maior de 12 anos (art.1981º); nos demais casos, que são a regra, torna-se evidente que o menor não é sujeito, mas objecto da adopção. Nem pode ver-se na adopção, essencialmente, uma declaração negocial, a declaração de vontade do adoptante ou dos adoptantes que a requereram.A construção da adopção como acto complexo ou misto parece ser a mais realista e, de alguma maneira, está reflectida no art. 1990º; decretada a adopção por sentença transitada em julgado, a lei não permite uma acção de declaração de nulidade ou de anulação do acto de adopção, mas só a revisão da respectiva sentença; os fundamentos substantivos da revisão, porém, reportam-se ao acto de adopção, consistindo na falta ou nos vícios do consentimento do adoptante ou de outros consentimentos requeridos para aquele acto. Verdadeiramente, a adopção é composta por aquele acto de direito privado e por um acto de direito público (a adopção que decreta a adopção),actos constitutivos os dois, mesmo o último.

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