resumo do texto de severino nguenha

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1 Resumo do texto de Severino Nguenha “Historicidade e Etnocidade”. Neste texto o autor fala do divórcio entre a História e Etnologia e as motivações que estiveram por detrás do mesmo. Para o autor, as duas ciências derivam da necessidade de conhecer o social, pretendem-se, portanto, científicas, nesta necessidade, porém, o autor apresenta criticamente as motivações que estiveram por detrás da distanciação e posterior (re)união das duas ciências. Para o autor a História e Etnologia constituíram-se como disciplinas afins e contraditórias, alimentando entre elas relações que derivam de duas categorias principais, tempo e espaço. Ambas são instrumentos de descrição do universo humano; aqui percebe se que as duas ciências apresentam algumas semelhanças, porém, segundo o autor a história faz o inventário do tempo e a etnologia do espaço. Por outras palavras a história efectua um estudo diacrónico e a etnologia efectua uma análise sincrónica do social, nota que a história, até então, estuda o Homem de todas as sociedades. Contudo, verifica-se no seculo XVI uma particularização do domínio da história, passando esta a preocupar-se com as nações, e os povos europeus. A história e etnologia separam-se em meados do seculo XIX quando o evolucionismo triunfante, antes de Darwin, separou o estudo das sociedades evoluídas das sociedades ditas primitivas. Essa separação foi motivada pelo ideal do progresso, entretanto a história, segundo o autor, foi reduzida ao que se acreditava ser a única humanidade susceptível de se transformar rapidamente. Para a Europa “civilizada” o chamado novo mundo é um outro mundo: costumes selvagens, sem religião, espírito degradado. Os povos não têm escrita, não têm arquivos, não têm estado. Eles não pertencem, portanto, ao mundo histórico em todas as suas formas, moral, civil e política. Existe aqui um discurso de desqualificação, onde os que não comungassem dos mesmos sistemas sociais, políticos e culturais dos ocidentais eram considerados primitivos, não civilizados.

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Page 1: Resumo Do Texto de Severino Nguenha

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Resumo do texto de Severino Nguenha “Historicidade e Etnocidade”.

Neste texto o autor fala do divórcio entre a História e Etnologia e as motivações que

estiveram por detrás do mesmo. Para o autor, as duas ciências derivam da necessidade de

conhecer o social, pretendem-se, portanto, científicas, nesta necessidade, porém, o autor

apresenta criticamente as motivações que estiveram por detrás da distanciação e posterior

(re)união das duas ciências.

Para o autor a História e Etnologia constituíram-se como disciplinas afins e

contraditórias, alimentando entre elas relações que derivam de duas categorias principais,

tempo e espaço. Ambas são instrumentos de descrição do universo humano; aqui percebe

se que as duas ciências apresentam algumas semelhanças, porém, segundo o autor a

história faz o inventário do tempo e a etnologia do espaço. Por outras palavras a história

efectua um estudo diacrónico e a etnologia efectua uma análise sincrónica do social, nota

que a história, até então, estuda o Homem de todas as sociedades.

Contudo, verifica-se no seculo XVI uma particularização do domínio da história,

passando esta a preocupar-se com as nações, e os povos europeus. A história e etnologia

separam-se em meados do seculo XIX quando o evolucionismo triunfante, antes de

Darwin, separou o estudo das sociedades evoluídas das sociedades ditas primitivas. Essa

separação foi motivada pelo ideal do progresso, entretanto a história, segundo o autor,

foi reduzida ao que se acreditava ser a única humanidade susceptível de se transformar

rapidamente.

Para a Europa “civilizada” o chamado novo mundo é um outro mundo: costumes

selvagens, sem religião, espírito degradado. Os povos não têm escrita, não têm arquivos,

não têm estado. Eles não pertencem, portanto, ao mundo histórico em todas as suas

formas, moral, civil e política. Existe aqui um discurso de desqualificação, onde os que

não comungassem dos mesmos sistemas sociais, políticos e culturais dos ocidentais eram

considerados primitivos, não civilizados.

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Portanto, a História, segundo Nguenha, não diz respeito a todas as nações, mas

simplesmente algumas; as que produzem, que trocam, em resumo, as nações que contam.

O resto da humanidade é abandonada ao não ser histórico. A etnologia desenvolve-se

como um saber residual, definido negativamente em relação à história da Europa e da

América do Norte.

O autor coloca-se uma séries de questões as quais busca resposta, nomeadamente, qual é

o estatuto epistemológico da etnologia? Porque a história recusou aceitar nas suas

margens os povos ditos “selvagens”, e que tipo de discurso se transformou em etnologia?

O autor afirma que foi uma suma de razões ideológicas, mais do que científicas, que

empurrou as nações não ocidentais para fora da história. As razões que estão na base do

nascimento da etnologia , não são científicas. O autor avança ainda que ninguém pode

justificar , que a descrição da fauna e da vegetação, que faziam então parte da história,

fossem historicamente mais dignas que os povos não ocidentais. O que estava em causa,

era o estatuto do outro, a relação entre a unidade e a diversidade humana. Essa postura

criou então uma história dos sem história, a história dos bárbaros: a etnologia. Assim,

consumava-se a separação entre o que Claude Lévi-Strauss chama sociedades

historiagrafáveis e sociedades etnografáveis. Em poucas palavras a etnologia é resultado

da rejeição do outro.

Segundo Nguenha, o objecto de estudo da história vai ser o passado europeu e os seus

domínios de reflexão centravam-se no desenvolvimento cronológico dos eventos e

reconstituir as etapas da evolução no seio da grande tradição histórica e a etnologia tinha

como objecto as sociedades exóticas reputas sem história e tenta compreendera estrutura

e a função das instituições sociais nas sociedades marcadas essencialmente pela

permanência e pela repetição.

A etnologia é o resultado da expansão de dois imperialismos: o imperialismo mercantil

que apropria se das terras, dos recursos naturais e até dos homens. Depois, do

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imperialismo histórico, que se apropria de um novo espaço conceptual: o homem

histórico.

Segundo o autor, a Antropologia como a conhecemos hoje, nasceu na segunda metade do

século passado e como resultado de rupturas importantes no pensamento e na cultura

ocidental, contrariamente a ideia de que a antropologia inicia na antiguidade clássica.

A discurso sobre o outro não é homogéneo ao longo da história, na idade antiguidade

clássica havia homens naturalmente nascidos para reinar e outros para governar segundo

Aristóteles, na Idade média assiste a igreja católica vai chamar de Selvagens a todos

aqueles que não comungavam do catolicismo e na idade das luzes assiste-se uma forte

discussão sobre a alteridade, alguns autores emblemáticos como Hume, são a favor da

ideia de que o negro é primitivo e pertence ao estado natural, onde o homem não possui

cultura.

O autor afirma que nas últimas duas décadas do seculo XVIII, os estudos de história

sofreram uma revolução, sobretudo na universidade de Gotingen. Gattere, iniciou a o

projecto de escrever não a história dos reis ou das guerras, mas a historia como biografia

de um povo. Spittler estudava as instituições como expressão de povos particulares, e ao

mesmo tempo modelos, que se lhes plasmavam. Um outro pensador que foi crucial para a

história foi Meiners, que sustentava que em cada época e cada lugar tem uma

mentalidade particular determinada pela sua posição geográfica e pelas suas instituições.

Verifica-se neste caso uma postura relativista.

A Antropologia surge com uma necessidade prática que é conhecer melhor o primitivo

para dominar melhor. E ele afirma que o saber e o poder constituem as faces da mesma

moeda, na medida em que são as relações sociais, económicas, ideológicas num ado

momento da história de uma sociedade, que constituem o “saber” e determinam as formas

de e os domínios possíveis do conhecimento. A Antropologia legitima a “necessidade”,

até mesmo a “racionalidade” da colonização.

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A corrente “culturalista americana” desenvolvida por Frans Boaz aparece em oposição as

teorias evolucionistas. Esta corrente insistia sobre a necessidade de uma descrição

etnográfica sem teorias pré-concebidas nem projectos de explicação global, e avançava a

ideia de que cada cultura humana tinha sua história específica irredutível às outras

culturas. Malinowski vai dizer que, todos os homens são iguais mas diferentes, e todas as

diferenças são iguais. Todavia, na origem desta mudança não está o selvagem mas ela

inscreve-se na corrente intelectual e científica da época.

A partir os anos 60 mostra-se uma reconciliação entre a história e antropologia devido a

uma renovação interna de ambas as disciplinas. A antropologia começou por abandonar a

antiga distinção entre as sociedades primitivas e as sociedades complexas, e descobriu a

dimensão histórica das sociedades que estuda no presente (mudança social) e no passado

(etnologia histórica ou antropologia histórica). Num segundo momento, a renovação da

antropologia consistiu na sua conversão ao estudo das sociedades europeias. Doravante,

ela interessa-se pela alteridade interna as sociedades europeias: a antropologia voltou a

casa.

A história, sob a influência da escola doa anais, o princípio da explicação da história

tende a apreender o outro na sua singularidade, cada sociedade tornou-se uma sociedade.

Hoje, a história das mentalidades ou história antropológica, tornou-se a ciência das

mudanças e da lógica social, história das estruturas e da mentalidade, estudo dos objectos

tradicionais da antropologia como os mitos, a morte, a sexualidade, a família, as festas,

etc.

Em suma, para Nguenha, a historicidade começou por englobar o género humano de

todas as sociedades, passando no época das luzes, com o triunfo do evolucionismo, a ser

uma disciplina que direccionava a sua atenção para o povo ocidental, considerado quente,

com escrita, evoluída, que se transforma e por rejeição do outro, surgiu a antropologia

que seria no entanto a história dos sem história, dos povos ditos primitivos, estáticos,

sociedades frias surgiu como um finalidade meramente instrumental.

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Mas esta postura evolucionista é criticada posteriormente por autores como Frans Boaz,

Malinowski e outros, que afirma que não existem culturas superiores nem inferiores, mas

sim culturas diferentes, marcando se assim uma viragem na abordagem do outro, verifica-

se também uma reconciliação entre a história e a antropologia, porém o autor supracitado

é da opinião que ainda existe nas duas formas de fazer ciência uma certa carga de

eurocentrismo, que precisa ainda ser superado.