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Responsabilidade solidária por atos de corrupção Artigo publicado na revista dos tribunais | vol. 947/2014 | p. 313 | Set / 2014

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Responsabilidade solidária por atos de corrupçãoArtigo publicado na revista dos tribunais | vol. 947/2014 | p. 313 | Set / 2014

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Responsabilidade solidária por atos de corrupção

Sobre os autores:

Maurício Silva Leite Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP. Pós-graduado em Direito Penal pela Escola Paulista de Magistratura. Especialista em Direito Penal Empresarial pela FGV. Conselheiro Seccional da OAB-SP. Advogado e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados.  Eduardo Maffia Queiroz Nobre Mestrando em Direito Constitucional pela PUC-SP. Membro da Comissão de Direito Constitucional e da Comissão de Direto Eleitoral da OAB-SP. Membro da Comissão de Direito Administrativo e Controle da Administração Pública da OAB-DF. Advogado e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados.  Área do Direito: Constitucional; Penal; Administrativo; Comercial/Empresarial

Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de analisar a responsabilização solidária em decorrência de atos de corrupção praticados contra a Administração Pública. Atendendo a compromissos inter-nacionais assumidos na década de 1990,(São alguns dos compromissos internacionais assumidos na década de 1990: a Convenção da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - sobre o Combate ao Suborno de Oficiais Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, de 1997; a Convenção Penal do Conselho Europeu contra Corrupção, de 1999; a Con-venção Civil do Conselho Europeu contra Corrupção, de 1999; e a Convenção da ONU - Organização das Nações Unidas - contra a Corrupção, de 2003.) atrelados às manifestações populares reivindicando maior controle sobre a gestão do dinheiro público e à necessidade de incentivo para que as empre-sas nacionais e estrangeiras aumentassem o volume de investimentos no Brasil, a Lei 12.846, de 01.08.2013, chamada “Lei Anticorrupção”, entrou em vigor em 29.01.2014, buscando a prevenção, o combate e a repressão de atos corruptos, principalmente em relação ao único elo que ainda permane-cia ileso no tocante aos atos de corrupção, isto é, a empresa.

Palavras-chave:  Responsabilidade solidária - Solidariedade - Ato Administrativo - Corrupção - Ato de Corrupção - Lei Anticorrupção - Administração Pública.

Sumário:  1.Observações sobre o ato de corrupção - 2.Apontamentos sobre a evolução histórica e o surgimento da lei anticorrupção - 3.Da responsabilidade penal - 4.As operações societárias na Lei Anticorrupção - 5.A responsabilidade solidária na Lei Anticorrupção - 6.Observações sobre a prescrição na nova lei - 7.Conclusões - 8.Referências bibliográficas 

1. Observações sobre o ato de corrupçãoO termo corrupção advém do verbo corrumpere significando corromper, quebrar tratados, tirar o juízo etc.1 É nesse sentido que corrupção significa o rompimento com os padrões jurídicos do sistema em busca de interesses particulares, conforme Norberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino:2 “fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de recompensa. Corrupto é, portanto, o com-portamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estatal”.Apesar da corrupção não ser um desvio jurídico exclusivo do Brasil, aparentemente guarda especial relação com a nação brasileira, conforme indica George Sarmento: “[a] corrupção nos setores públicos é um dos males que assolam as nações contemporâneas, mas que no Brasil tem assumido conotações surpreendentes e desalentadoras”.3 Ainda, a célebre frase de Rui Barbosa sintetiza o sentimento na-cional com o rompimento dos padrões morais: “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver pros-

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perar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. 4

Wallace Paiva Martins Júnior5 assim discorre: “muitos investidos nessa condição o empregam como uma fonte inesgotável de aquisição, usufruto, distribuição e transmissão de regalias e mordomias, um modo de obter vantagens ilícitas para si ou para outrem (coronelismo, filhotismo, nepotismo, em-preguismo etc.), como um meio para distribuir favores ou prejudicar direitos, exercer o poder de ma-neira abusiva, em concurso com pessoas físicas e jurídicas de direito privado, motivo pelo qual não é de hoje a preocupação legislativa concreta com o fenômeno da imoralidade administrativa”.Nesse contexto, o estudo dos diversos instrumentos jurídicos, visando à proteção do erário público e punição dos infratores e beneficiários desses atos, guarda especial relevância.

2. Apontamentos sobre a evolução histórica e o surgimento da Lei AnticorrupçãoEm 29.01.2014 entrou em vigor a Lei 12.846/2013, denominada como Lei Anticorrupção.A referida norma legal propõe novas formas de combate ao ato de corrupção, sobretudo porque alargou a responsabilidade pelo ato de corrupção às pessoas jurídicas.Até a promulgação da Lei Anticorrupção, na esfera penal havia a punição pelo ato de corrupção prati-cado pelas pessoas físicas, com a imposição de pena restritiva de liberdade, conforme tipificado no Código Penal de 1940, inspirado no Código Suíço.6

Além da previsão existente no Código Penal voltada unicamente para a pessoa física, a legislação bra-sileira já dispunha de outras normas, cujo conteúdo visava a proteger direta ou indiretamente o Ente Público e, principalmente, o erário, como, por exemplo, a legislação que rege as licitações e demais contratações públicas (Lei 8.666/1993). A maior inovação até então existente estava contida na Lei 8.429/1992 (conhecida como a Lei de Improbidade Administrativa),7 voltada para o efetivo controle dos agentes públicos.Mas foi a novel Lei Anticorrupção que trouxe conteúdo diverso das leis preexistentes, com inequívoco rigor no tratamento do tema, sobretudo pelas severas sanções previstas e pela abrangência punitiva que se deu.O que se percebe é que se, anteriormente, a Lei de Improbidade Administrativa visava, precipuamente, ao controle do agente público, a Lei Anticorrupção veio para impor rigor às pessoas jurídicas que, mui-tas vezes, fomentam esses atos ilegais.Sem sombra de dúvidas, a sanção de maior impacto com a qual se deparam as empresas sujeitas à Lei 12.846/2013, e que revela o extremo rigor da norma punitiva, é a possibilidade de dissolução compulsória da pessoa jurídica (art. 19, III)8 conferindo-se à autoridade judicial o poder de, até mesmo, encerrar as atividades da empresa infratora, banindo-a definitivamente do mercado no qual atua.O rigor na adoção das sanções aplicáveis, marca registrada da Lei Anticorrupção, já ocasionou o sur-gimento de algumas vozes na doutrina destacando o “caráter de lei penal encoberta na norma em discussão”.9

Esse caráter penal da Lei 12.846/2013 pode ser observado quando a referida norma é comparada à Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), por exemplo. Esta última, única norma penal na legislação brasileira que incrimina a pessoa jurídica, possui sanções menos rigorosas que a primeira, que foi defi-nida pelo legislador como de índole exclusivamente civil e administrativa.Inclusive, a punição pela prática de crimes ambientais sofreu, ao longo do tempo, limitações dos próprios Tribunais, que chegaram a manifestar entendimento no sentido da necessidade de inclusão de uma pessoa física no polo passivo da ação penal para que se pudesse oferecer denúncia contra a pessoa jurídica, já que esta não detém vontade própria, o que impediria a demonstração do elemento subjetivo do tipo necessário à configuração do crime.10 Talvez antevendo os debates que surgirão em razão do rigor da nova lei em face das pessoas jurídicas, a Lei Anticorrupção trouxe previsão clara no sentido de responsabilização exclusiva e independente da pessoa jurídica ao estabelecer, no § 1.º de seu art. 3.º, que “a pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização das pessoas naturais”.A Lei Anticorrupção ainda albergou a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica,11 afastando a ne-cessidade de comprovação de dolo ou culpa – que seria exigível pela legislação geral, como na regra

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do art. 927 do CC12 – para que se tenha a responsabilização pelo ato de corrupção. Contudo, esta responsabilidade objetiva, não se amolda à clássica definição no sentido de que basta a comprovação do ato, do dano e de seu autor (nexo de causalidade entre o ato, dano e autor). A nova Lei trouxe sim uma modalidade diversa de responsabilidade objetiva, ao exigir, além dos requisitos tradicionais, a comprovação cumulativa de que o ato tipificado na própria lei seja praticado no interesse ou em benefício, direto ou não, da pessoa jurídica que será responsabilizada.E esta responsabilidade objetiva (ainda que diversa) veio para facilitar a punição no âmbito civil e administrativo. Segundo a exposição de motivos do projeto inicial: “Isso afasta a discussão sobre a culpa do agente na prática da infração. A pessoa jurídica será responsabilizada uma vez comprovados o fato, o resultado e o nexo causal entre eles. Evita-se, assim, a dificuldade probatória de elementos subjetivos, como a vontade de causar um dano, muito comum na sistemática geral e subjetiva de responsabilização de pessoas naturais”.13

Certamente, essa sugestão de alteração dos rumos da nova lei foi extraída dos entendimentos fir-mados pelo STJ acerca das ações de improbidade administrativa: “(…) 3. Observe-se, ainda, que a conduta do Agente, nos casos dos arts. 9.º e 11 da Lei 8.429/1992, há de ser sempre dolosa, por mais complexa que seja a demonstração desse elemento subjetivo; nas hipóteses do art. 10 da Lei 8.429/1992, admite-se que possa ser culposa, mas em nenhuma das hipóteses legais se diz que possa a conduta do agente ser considerada apenas do ponto de vista objetivo, gerando a responsabilidade objetiva. Precedentes: AIA 30/AM, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 28.09.2011; REsp. 1.103.633/MG, rel. Min. Luiz Fux, DJe 03.08.2010; EDcl no REsp. 1.322.353/PR, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 11.12.2012; REsp. 1.075.882/MG, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 12.11.2010; REsp. 414.697/RO, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16.09.2010; REsp. 1.036.229/PR, rel. Min. Denise Arruda, DJe 02.02.2010. (…)” (REsp 1.216.633/PR, j. 23.10.2013, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho).Nesse contexto, observa-se que as considerações relativas à Lei Anticorrupção são inúmeras e merecem reflexão. Sob um enfoque crítico e sem a presunção de esgotar o tema, são tecidas algumas considerações, inicialmente acerca da responsabilidade no campo do direito penal e, em seguida, sobre as previsões trazidas pelo art. 4.º da lei em comento, especialmente no que tange à responsabilidade solidária pela prática do ato de corrupção, uma vez que o tema é de grande interesse e envolve maté-rias tratadas em outras normas nacionais importantes, tais como a Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações) e a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).

3. Da responsabilidade penalConforme previsto no Código Penal, o ato de corrupção foi tipificado como crime e definido em dois tipos distintos: de corrupção passiva14 e de corrupção ativa.15 Eles se diferenciam, sinteticamente, pela qualidade do agente que pratica o crime: no primeiro caso, exige-se que o autor do fato seja funcionário público (intraneus), enquanto no segundo caso a prática do crime tem como agente o par-ticular (extraneus).Verifica-se que o ato de corrupção, conduta típica e antijurídica, só possui relevância no texto da norma incriminadora se praticada com dolo, ou seja, somente quando demonstrada a intenção do agente na prática do fato criminoso, não sendo admitida a figura culposa para a configuração do delito.A necessidade da demonstração do elemento subjetivo do tipo, o dolo, é indispensável para que seja possível falar-se em crime de corrupção, segundo a sistemática do Código Penal brasileiro.Assim, para a caracterização dos crimes em geral, o Direito Penal exige a existência de culpa, no seu sentido lato (dolo ou culpa stricto sensu), consagrando a ideia do nullum crimen sine culpa, o que guarda consonância com a regra geral do art. 29 do CP,16 na medida em que o referido dispositivo vincula a própria incidência do crime e a respectiva pena à culpabilidade.Essa constatação leva a outra de igual relevância, no sentido de que o Direito Penal adotado em nosso sistema jurídico é o Direito Penal do fato,17 que rechaça a possibilidade de acolhimento da responsa-bilidade objetiva em matéria criminal.O princípio da culpabilidade impossibilita a aplicação da pena objetivamente, pois, a partir dos seus conceitos, estabelece que a responsabilidade penal do agente estará sempre vinculada a determinada conduta humana. Nesse sentido, o entendimento de René Ariel Dotti,18 que afirma que “a conduta, revelada através de ação ou omissão, como primeiro elemento estrutural do crime, é produto do

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homem”, ao comentar a Lei 9.605/1998, que passou a prever a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais.Nessa esteira, a responsabilidade solidária também não é admissível em matéria penal, interpretação que decorre do art. 5.º, LV, da CF/1988, ao estabelecer que a pena não passará da pessoa do conde-nado, o que torna a responsabilidade criminal pessoal e intransferível.Portanto, para que se tenha configurada a prática do crime de corrupção, deverão ficar demonstradas: (i) a conduta típica incriminadora prevista abstratamente pelo legislador, no Código Penal; (ii) a prática de uma ação humana (não se admitindo que o crime seja praticado por pessoa jurídica); e (iii) o dolo.Dessa forma, nos moldes da legislação penal atual, não há hipótese de punição da pessoa jurídica por prática de ato de corrupção, ficando a punição reservada exclusivamente para as pessoas físicas en-volvidas, desde que demonstrados todos os elementos exigidos no tipo penal.

4. As operações societárias na Lei AnticorrupçãoDe forma geral, as regras do art. 4.º buscam evitar a impunidade,19 criando meios de dar efetividade à aplicação da lei quanto às suas sanções. Em algumas hipóteses, abrange todas as sanções contidas na lei; em outras, limita-se à pena de multa e ao dever de ressarcimento do dano causado.20

A primeira questão relativa à extensão e limites da responsabilidade por ato de corrupção, relativa-mente a atos societários que alterem de modo objetivo ou subjetivo a pessoa jurídica, está prevista no art. 4.º, caput, da Lei Anticorrupção:“Art. 4.º Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transfor-mação, incorporação, fusão ou cisão societária.”Como se verifica, a lei foi bastante ampla e procurou com tal dispositivo preservar a aplicação e o cumprimento das penas.Evidentemente, nas hipóteses de simples alteração contratual e transformação societária21 que não al-terem de modo objetivo (patrimônio) ou de modo subjetivo (controle) a sociedade, seria exagero fazer quaisquer apontamentos relativos à extensão ou limitação da responsabilidade, já que não haveria que se falar em alterações substanciais que pudessem impedir o alcance da sanção. Desta forma, a menção contida no caput parece decorrer de exagero. Todavia, tal previsão acaba sendo mitigada pelas regras contidas nos §§ 1.º e 2.º.De fato, o § 1.º do art. 4.º assim dispõe: “§ 1.º Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabi-lidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados”.Assim, de forma clara, para os casos de fusão e incorporação, as incorporadoras ou fundidas responderão de modo limitado ao patrimônio adquirido da outra sociedade que havia sido responsa-bilizada por infração à Lei Anticorrupção.Não obstante, não houve a mesma limitação da responsabilidade, ao menos de modo expresso, para os casos de cisão, cabendo, pois, tratar de modo mais profundo do tema.A cisão, nos termos do art. 229 da Lei das S.A., é a operação pela qual a sociedade empresária transfere para outra, ou outras, constituídas para essa finalidade ou já existentes, parcelas do seu patrimônio, ou a totalidade deste.Dessa forma, a não inclusão das operações de cisão entre aquelas indicadas no § 1.º se deu, a nosso ver, de forma incorreta, posto que algumas hipóteses de cisão resultam em empresas que têm seu patrimônio apenas parcialmente constituído através do patrimônio cindido. Por tal razão, também deveria ter sido mencionada a limitação da responsabilidade para o caso de cisão, relativamente ao patrimônio absorvido da cindida.Entretanto, apesar da falta de expressa previsão, não identificamos nenhum óbice à extensão dos efeitos do quanto previsto no § 1.º ao caso de cisão, relativamente ao patrimônio da cindida que fora absorvido. Em verdade, nessa hipótese, estaremos utilizando o mesmo conceito expresso no § 1.º para os casos de fusão e incorporação, onde a responsabilidade da sucessora será na exata parcela do patrimônio absorvido.

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5. A responsabilidade solidária na Lei AnticorrupçãoA nova Lei 12.846/2013 também trouxe, em seu art. 4.º, § 2.º, formas solidárias de responsabilização de outras sociedades, além da própria pessoa jurídica beneficiária ou com interesse nos atos ilegais: “§ 2.º As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado”.Por se tratar de responsabilidade solidária, poderá o Ente Público cobrar a dívida de quaisquer dos responsáveis por ela, de todos conjuntamente, ou de somente alguns deles, nos termos do que dispõe o art. 275 do CC. Qualquer um dos devedores solidários responderá pelo todo.Nas suas relações internas, deverão os responsáveis solidários pelo ato de corrupção se guiar pelo disposto no Código Civil, devendo se observar que caso a dívida seja paga por um dos responsáveis solidários (ou por alguns deles, ou por todos), terá ele o direito de cobrar o que pagou contra aquele que praticou o ato de corrupção (art. 285 do CC).22

Pelo Código Civil, as relações de controle (controladora/controlada) são assim definidas: “Art. 1.098. É controlada: I – a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores; II – a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas”.Já a Lei das S.A. traz conceito semelhante, no § 2.º, do art. 243, ao estabelecer que: “§ 2.º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores”.Nas palavras do Prof. Nelson Eizirik:23 “O § 2.º, cuja redação original foi mantida, estabelece, a princí-pio, conceito de controle similar ao regulado no art. 116, considerando controlada a sociedade na qual a controladora, direta ou indiretamente, é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos adminis-tradores. A caracterização do controle acionário prevista no § 2.º pressupõe a presença dos seguintes elementos: (i) predominância de votos nas assembleias gerais, com eleição da maioria dos administra-dores; (ii) permanência de tal predominância; e (iii) uso efetivo do poder de dominação para dirigir as atividades da sociedade”.E conclui, com importante afirmação para os fins da Lei Anticorrupção: “O acionista controlador é aquele que, de fato, comanda os negócios sociais, utilizando o seu poder para determinar os rumos da companhia. Assim, o poder de controle deriva de uma situação fática, de sorte que a identificação do acionista controlador pressupõe a verificação, em cada caso, de quem o exerce efetivamente”.É de se observar, outrossim, que o § 2.º do art. 4.º da Lei 12.846/2013, é expresso ao se referir ao controlador apenas na figura da pessoa jurídica e assim não impôs responsabilidade solidária à pessoa física que exerça tal controle. A Lei fala, apenas, em “sociedades”, sem qualquer referência as pessoas físicas que eventualmente se enquadrem nas hipóteses da lei societária. Vale destacar que o disposto no art. 265 do CC, que estabelece que “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”. Assim, não haveria o que se falar em termos de solidariedade, com base no § 2.º do art. 4.º da Lei 12.846/2013, para a hipótese em que o controle se dá através de pessoa(s) física(s).No que se refere ao conceito de coligada o Código Civil (art. 1.099) a define como sendo: “sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento do capital ou mais, do capital da outra, sem controlá-la”.Apesar da Lei das S.A. (art. 243, §§ 1.º, 4.º e 5.º) estabelecer conceito próprio para as sociedades anôni-mas, no caso da Lei Anticorrupção deve-se aplicar a definição prevista no Código Civil.24

Já no que se refere às sociedades consorciadas, tratadas nos arts. 278 e 279 da Lei 6.404/1976,25 salvo disposição contratual em contrário, as empresas, individualmente, não respondem de maneira solidária pelos atos do consórcio. Segundo o ilustre advogado Zanon de Paula Barros:26 “o consórcio é apenas a junção temporária de duas ou mais sociedades de qualquer tipo para executar deter-minado empreendimento. Essas sociedades não precisam ter qualquer outro interesse comum além daquele empreendimento específico. Comumente não têm qualquer vínculo societário entre elas e não participam de decisões umas das outras. Além disso, o consórcio, por determinação legal, não tem

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personalidade jurídica”.Entretanto, independentemente de precisão contratual, a Lei 8.987/1995 e a Lei 8.666/199327 im-põem que haja necessariamente a solidariedade quando da participação de consórcios em licitações públicas.28

Embora a previsão legal seja clara quanto à aplicação da responsabilidade solidária nos casos de participação de empresas em consórcio, não podemos esquecer que há ainda a possibilidade de constituição das sociedades de propósito específico (SPE) para execução de contratos advindos de licitações públicas. Nesses casos, pela Lei de Licitações cessará a solidariedade com a constituição da sociedade, já que não haverá mais a figura das empresas consorciadas, e sim da nova empresa.29

Contudo, para fins da Lei Anticorrupção o critério é bem amplo, bastando a existência dessa relação contratual e a prática de um ato ilegal realizado no âmbito do respectivo contrato executado por esse consórcio.Ultrapassadas as conceituações societárias, alguns pontos na aplicação desses tipos previstos nas hipóteses do § 2.º do art. 4.º da lei em comento, merecem reflexões aprofundadas. A própria solidariedade prevista merece críticas. Melhor seria, nesses casos, a aplicação da regra de subsidiarie-dade. Contudo, a opção legislativa foi outra.O legislador, de forma assertiva, estabeleceu um amplo rol de responsáveis solidários e, sob essa perspectiva, buscou a garantia de que o dano ao erário e as multas aplicadas possam vir a ser efeti-vamente satisfeitos.Contudo, a aplicação dessa solidariedade sem qualquer outro critério gerará, em alguns casos, mais injustiças e perplexidades do que benefícios. Se a lei veio com a nobre finalidade de reduzir ou mesmo eliminar esse mal que tanto assola o nosso país, certamente não poderá chegar ao seu objetivo sem uma cautelosa análise das situações concretas, sob pena de se chegar à injustiça inversa, qual seja, impor responsabilidade àquele que não teria, de modo algum, como evitar a corrupção, e nem seria beneficiado por ela.E essa preocupação se dá notadamente na solidariedade entre coligadas e nos casos afetos aos con-sórcios (já nas hipóteses das controladas e controladoras, as preocupações são certamente menores).Um exemplo dessa incongruência na relação das coligadas é o dado por Zanon de Paula Barros:30 “Veja-se então a seguinte situação: uma sociedade é responsabilizada por ato praticado no seu inter-esse, lesivo à Administração Pública, e essa sociedade não está em boa situação econômico-financeira. Entretanto, essa sociedade tem em seu patrimônio 10% do capital votante de outra sociedade anônima que, assim, por definição do Código Civil, é sua coligada. Ocorre que esse capital foi adquirido em bolsa de valores, como investimento, e sua titular não faz parte do bloco de controle da coligada nem tem acordo de acionistas em relação a ela. A única relação entre elas acontece no dia da AGO da coligada, quando lá aparece o advogado da investidora apenas para ter a confirmação de que está tudo em ordem e o valor dos dividendos que caberão ao seu cliente. Pois bem, pela letra da lei, por estar em boa situação econômico-financeira e ser coligada daquela interessada no ato acoimado de lesivo, a sociedade em que a beneficiária do ato detém meramente 10% do capital correrá o sério risco de ter de pagar as penalidades impostas à investidora e ressarcir os danos por ela causados, embora não tivesse meios fiscalizá-la e muito menos de impedir aquele ato e nem de longe tivesse qualquer interesse nele, só tomando conhecimento de sua existência quando lhe chegasse a salgada conta. É absoluta iniqui-dade da lei: penalizar-se quem não se beneficiou nem ao menos indiretamente do ato lesivo, no qual não tinha qualquer interesse, do qual não teve conhecimento e nem tinha o menor poder de impedi-lo. Isso não faz qualquer sentido”.Como critica o referido autor, a lei requer, para responsabilização solidária de coligada, controlada, controladora ou membro de consórcio apenas a existência de um ato tipificado de corrupção praticado em interesse ou benefício de empresa com a qual haja essa relação societária ou contratual.Para elucidar outra situação extrema, tomemos como exemplo o braço de investimento do BNDES, a BNDESPAR, que pode tanto se enquadrar no conceito de coligada como no de controladora, pois tem por objetivo ser “uma importante fonte de apoio financeiro às empresas através de valores mobil-iários, raramente detendo mais do que 33% do capital total de uma empresa. Apesar de serem tran-sitórios por natureza, alguns dos investimentos da BNDESPAR são feitos por períodos mais longos, dependendo essencialmente do tempo de maturação dos investimentos realizados”.31 Já do ponto de

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Responsabilidade solidária por atos de corrupção

vista de seus investimentos, a BNDESPAR detém em coligadas mais de R$ 18 bilhões e em não coli-gadas mais de R$ 54 bilhões; e, somente por meio de ações, participa em 141 empresas diferentes.32

Pela aplicação da regra de solidariedade, seria legítimo cobrar diretamente da BNDESPAR o valor de uma condenação por infração a essa lei, pelo simples fato de a infratora ser uma de suas coligadas. A aplicação da solidariedade não dependeria, portanto, de qualquer outra análise.Contudo, o simples fato de uma empresa deter participação que a coloque na situação jurídica de coli-gada não gera, a nosso ver, razão objetiva para a aplicação direta desta previsão.Não se ignora, como já dito, a regra do instituto da solidariedade, mas, diante da gravidade das con-dutas tidas por ilícitas e suas consequências (com multas que podem chegar a 20% do valor do fatura-mento da infratora), essa aplicação deve ser precedida de cautela.Nesses casos, entendemos, seria necessária também a análise do grau de benefício ou de interesse do responsável solidário no resultado do ilícito, fazendo-se, com isso, uma interpretação conjunta com o art. 2.º da Lei Anticorrupção; afinal, se para a configuração da responsabilidade objetiva a identificação dessas situações (análise do grau de benefício ou de interesse no resultado do ilícito) é condição para o reconhecimento do ilícito, não há razão para o desprezo de tais condições em relação ao pretenso responsável solidário.Vale repetir que, apensar de o texto da lei não indicar esses critérios, faltará razoabilidade na aplicação indiscriminada desta solidariedade. Essa é também a conclusão de Zanon de Paula Barros:33 “Veja-se que a intenção do § 2.º do art. 4.º da Lei é responsabilizar por solidariedade sociedades que não têm qualquer benefício ou interesse no ato lesivo. São responsabilizadas apenas por existir entre eles o vínculo societário referido. As demais sociedades ou pessoas jurídicas só são responsabilizadas, se, na forma do art. 2.º, tiverem algum interesse no ato ou benefício dele decorrente. Não importa se houve ou não participação delas no ato. Basta que este seja praticado em seu interesse ou benefício. É o que diz a Lei. Entretanto, a norma não pode ir além do razoável e é completamente fora de propósito que se responsabilize uma sociedade por ato de outrem do qual ela não participou, não teve benefício nem interesse e não tinha qualquer poder de controle ou de vigilância. Havia uma simples e pequena participação da outra em seu capital, participação esta que muitas vezes a investida nem tinha como impedir, como é o caso das companhias abertas”.Dessa forma, no caso das coligadas, entendemos que a efetiva análise de alguns critérios será necessária para a aplicação da solidariedade, entre eles a efetiva participação ou contribuição (por ação ou omissão) para a prática do ato de corrupção, obtenção de benefício direto e a configuração de seu interesse também direto no resultado do ilícito.E falamos ainda em benefício direto e interesse direto, pois, por consequência lógica, todo ato que beneficie a pessoa jurídica infratora tende a beneficiar e se dar no interesse, ainda que indireto, de seus sócios, coligados ou não. Se do ato ilícito resultar vantagem econômica, esta certamente poderá acabar como distribuição de lucros ou de dividendos, ou ainda se reverter em investimento na própria infratora. Por isso, é necessário perquirir efetivamente o grau desse benefício ou interesse, tendo como base o resultado do ato de corrupção; em outras palavras, verificar se os benefícios ou interesses são outros que não apenas os oriundos dessa legítima relação societária, pois neste caso a responsabili-zação solidária seria verdadeiro exagero e geraria enorme insegurança para os investidores.Por certo, esses critérios não deverão ser necessariamente analisados de forma cumulativa, mas serão critérios adequados para a manutenção da lógica do sistema.A mesma preocupação pode ser levantada em algumas hipóteses relativas aos consórcios. Mais uma vez, citamos exemplo de Zanon de Paula Barros, ao criticar a abrangência da expressão da lei “no âmbito do respectivo contrato”: “Como poderia uma das consorciadas ser responsável objetivamente por ato da outra que não tivesse sido em benefício do consórcio ou no seu interesse? Cada uma das consorciadas não tem poder nem direito de participar nem mesmo de fiscalizar qualquer ato da outra que não esteja vinculado às obrigações e direitos do contrato de consórcio. Estabelecer-se solidariedade por ato desvinculado dos interesses do consórcio seria parecido com estabelecer-se solidariedade em responsabilidade objetiva ao proprietário de um imóvel pelo dano ambiental ocorrido em uma propriedade vizinha apenas pelo fato de ambas terem uma cerca comum”.34

E com maestria conclui: “Estabelecer-se responsabilidade solidária, para sociedade coligada ou consorciada, por ato lesivo à administração pública, que não tenha sido praticado por agente seu nem

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se evidencie ser de seu interesse, fere de morte o princípio da razoabilidade”.35

A razoabilidade, princípio constitucional, não é apenas vetor de validade da atividade legislativa (substantive due process), mas também principal limitador da interpretação legal, como nos lembra o Professor Celso Bastos: “Eleva-se o ‘princípio’ da razoabilidade que, sem oferecer a solução final, ao menos torna o caminho do intérprete da lei não tão diversificado ou aleatório aos olhos do cidadão comum. Vê-se, pois, que o critério da razoabilidade exprime uma tentativa de determinação do critério ou critérios que incidirão no caso concreto”.36

Assim, para atender o princípio da razoabilidade, entendemos que a situação de cada caso concreto deverá orientar a aplicação da solidariedade, para assim evitar a criação de situações desarrazoadas e injustas.Diferente será a hipótese de um sócio ser executado como responsável solidário em razão de ser controlador da empresa que foi tida como beneficiária do ilícito, uma vez que o acionista controlador utiliza seu poder para guiar os rumos da empresa controlada.Por fim, não se devem esquecer, ainda, as questões relativas às garantias previstas no art. 5.º, LIV e LV, da CF/1988, quanto ao direito à ampla defesa, contraditório e devido processo legal, no âmbito do processo administrativo e judicial tendente à aplicação da sanção por infração à Lei Anticorrupção. Isto porque não se poderia admitir que terceira empresa, que não participou do ato de corrupção, possa ser demandada a responder por débito relativo à aplicação de sanção derivada de condenação ocorrida em procedimento do qual não tenha participado.37

6. Observações sobre a prescrição na nova lei

Outro ponto que merece destaque e tem impacto significativo sobre as relevantes questões abordadas no presente estudo é a prescrição. A nova Lei Anticorrupção, seguindo a tradição das leis que visam à punição de ilícitos por parte da administração,38 utilizou-se do lapso temporal39 de cinco anos para a prescrição das condutas lá descritas. Contudo, excluindo-se todas as penas previstas na lei que, depois do lapso de um lustro, estarão prescritas, ainda remanescerá o dever de ressarcimento ao erário, que pode ser considerado imprescritível, de acordo com a interpretação dada ao disposto no art. 37, da CF/1988: “§ 5.º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.Convém destacar que da interpretação desse dispositivo, notadamente de sua ressalva final, três cor-rentes surgiram:40 (a) a imprescritibilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma.No âmbito do STJ, a questão está pacificada e, no STF, através de algumas decisões, manifestou-se o entendimento no sentido de que as ações de ressarcimento de danos ao erário nos casos de impro-bidade administrativa são imprescritíveis. O tema hoje, já com repercussão geral aprovada, aguarda desfecho no STF.41 De toda forma, caso seja mantido o entendimento atual, a regra de imprescritibili-dade das ações que visem ao ressarcimento de danos ao erário aplicada às ações de improbidade será cabível também nos casos da Lei Anticorrupção, por completa identificação de ambas nesse ponto.Essas observações sobre a prescrição são importantes, uma vez que, pelo entendimento atual, as ações de ressarcimento por danos ao erário, principalmente para as previsões contidas no art. 4.º, não serão alcançadas pela prescrição, diferentemente da multa, que, por se tratar de pena, estará prescrita após o lapso temporal de cinco anos. E esse aspecto gerará grandes problemas nas operações societárias, notadamente nas fusões e aquisições, uma vez que esse passivo oculto dificilmente será identificado pelos tradicionais mecanismos de due diligence. Esse fator, inegavelmente, gerará um aumento de custo das operações e provocará alterações em suas estruturas contratuais.

7. Conclusões

A Lei Anticorrupção buscou estabelecer as formas mais amplas de penalização dos responsáveis pelas condutas definidas na lei, seja pelas variações das sanções ou pela preocupação com o efetivo ressarci-

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mento dos danos. Criou, no entanto, modalidade diversa de responsabilidade objetiva, ao estabelecer, para a configuração do ilícito civil/administrativo de corrupção, também que o ato ilícito se dê no interesse ou em benefício da pessoa jurídica infratora.Outro ponto que merece destaque é o caso da ausência de limitação expressa da responsabilidade da empresa que absorve parte do patrimônio de sociedade cindida que praticou o ilícito, posto que o ônus deveria (como de fato deve), se limitar ao referido patrimônio adquirido.Também é o caso do evidente exagero contido no § 2.º do art. 4.º da Lei Anticorrupção, que estabelece a responsabilidade solidária de modo completamente desarrazoado, alcançando sociedades que não teriam como interferir no ato de corrupção, e sequer seriam beneficiadas. Neste caso, a interpretação que melhor se adequa ao princípio da razoabilidade será a aplicação da regra de solidariedade, não de forma automática, mas com a observância dos mesmos requisitos exigidos para a configuração do ato de corrupção, ou seja, com a análise do efetivo interesse ou benefício. Portanto, para a aplicação da regra de solidariedade, o interprete deverá analisar a situação fática do caso concreto, para assim evitar punições injustas.Ademais, tratando-se de extensão da responsabilidade solidária às sociedades controladoras, con-troladas e coligadas, bem como consorciadas, dever-se-á observar a necessidade de chamá-las à par-ticipação efetiva no processo administrativo e/ou judicial, sob pena de violação do princípio da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, protegidos pelo art. 5.º, LIV e LV, da CF/1988.Por fim cabe destacar que, pelo entendimento atual das altas cortes brasileiras, o ressarcimento de danos ao erário é imprescritível.

8. Referências bibliográficas

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1 SARAIVA, F. R Santos. Novissimo diccionario latino portuguez. 7. ed. Rio de Janeiro: H. Garnier, livreiro-editor. p. 312.

 

2 BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmen C, Varriale et al.; coord. trad.

João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Brasília: Ed. UnB, 1998.

 3 SARMENTO, George. Aspectos da investigação dos atos de improbidade administrativa. Revista do Ministério Público 1/91.

 

4 BRASIL. Senado Federal, RJ. Obras completas de Rui Barbosa, 1914. vol. 41, t. 3, p. 86.

 5 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 1.

 

6 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959. vol. IX. p. 367.

 

7 Dentre as inúmeras definições: “(…) a improbidade administrativa é a designação técnica da chamada corrupção administrativa,

pela qual é promovido o desvirtuamento dos princípios basilares de uma administração eficiente, transparente e equânime, em

prol quer de vantagens patrimoniais indevidas, quer para beneficiar, de modo ilegítimo, servidores ou mesmo terceiros”. RAMOS,

André de Carvalho. Improbidade administrativa: comemoração pelos 10 anos da Lei 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 19.

 

8 “Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5.º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio

das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar

ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: (…) III – dissolução compulsória da pessoa jurídica.”

 

9 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A Lei Anticorrupção como lei penal encoberta. Consultor Jurídico, jul. 2014. Disponível em: [www.conjur.

com.br/2014-jul-08/direito-defesa-lei-anticorrupcao-lei-penal-encoberta]. Acesso em: 16.07.2014.

 

10 Nesse sentido: STJ, MS 27.593-SP, 6.ª T., j. 04.09.2012, Min. Maria Thereza de Assis Moura.

 

11 Destaque para as disposições contidas no art. 3.º da Lei: “A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade

individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. § 1.º A

pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput.

§ 2.º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade”.

 

12 “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”“Art. 186. Aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete

ato ilícito.”

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu

fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

 

13 EMI 00011 2009 – CGU/MJ/AGU. Disponível em: [www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=735505&

filename=MSC+52/2010+%3D%3E+PL+6826/2010]. Acesso em: 20.07.2014.

 

14 Corrupção passiva: Código Penal, “Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora

da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

 

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15 Corrupção ativa: Código Penal, “Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a

praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.

 

16 “Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”

 17 ASSIS TOLEDO, Francisco de. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 235.

 

18 DOTTI, René Ariel; PRADO, Luis Regis. Reponsabilidade penal da pessoa jurídica. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 174-175.

 

19 Conforme itens 20, 21 e 22 da Exposição de Motivos do projeto original.

 

20 O ressarcimento dos danos ao erário não é considerado como pena, mas apenas recomposição do patrimônio. Já a multa é

sanção pelo cometimento do ilícito.

 21 Segundo o art. 220 da Lei das S.A.: “A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução

e liquidação, de um tipo para outro”.

 

22 Nesse sentido: MIGNOT, Marc. Les obligations solidaires et les obligatios in solidum en droit privé français. Paris: Dalloz, 2002.

n. 455 e 456. p. 338-339.

 

23 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011. vol. III. arts. 189 a 300. p. 340.

 

24 Dispõe o art. 46 da Lei 11.941/2009: “O conceito de sociedade coligada previsto no art. 243 da Lei 6.404, de 15 de dezembro

de 1976, com a redação dada por esta Lei, somente será utilizado para os propósitos previstos naquela Lei. Parágrafo único. Para

os propósitos previstos em leis especiais, considera-se coligada a sociedade referida no art. 1.099 da Lei 10.406, de 10 de janeiro

de 2002 – Código Civil”.

 

25 “Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para ex-

ecutar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo. § 1.º O consórcio não tem personalidade jurídica e as

consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem

presunção de solidariedade”; e “Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade compe-

tente para autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: (…)”.

 

26 BARROS, Zanon de Paula. Questões atinentes à chamada lei anticorrupção. ReDE 2/262.

 

27 “Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas: (…) V –

responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do

contrato.”

 

28 “O Direito Comercial não prevê responsabilidade solidária pelos atos praticados em virtude do consórcio. Cada consorciado

responde em nome próprio pelos atos a si imputáveis. A situação é diversa no Direito Administrativo, eis que o regime jurídico

correspondente é caracterizado por outros princípios. O ponto fundamental da distinção reside na responsabilidade solidária dos

consorciados pelos atos praticados, ao longo da execução do contrato administrativo” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de

Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 495).

 

29 Nesse sentido: “Nos termos do edital, as várias empresas integrantes do consórcio vencedor, após a licitação, deverão formar

sociedade de propósito específico, com patrimônio líquido e personalidade jurídica própria, dissociados das empresas participantes.

Como mencionado na instrução, uma vez formada a empresa para a exploração da concessão, já não se aplica a responsabilidade

solidária pelos atos praticados em consórcio, na execução do contrato (inc. V do art. 33 da Lei de Licitações), visto que o consórcio

deixa automaticamente de existir” (TCU, Acórdão 586/2001, Plenário, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues).

 

30 BARROS, Zanon de Paula. Op. cit., p. 261.

 

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31 Segundo Relatório da Administração, de 31.12.2013, p. 9. Disponível em: [www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/

bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/RelatAdmBpar1213.pdf]. Acesso em: 20.07.2014.

 

32 Idem.

 

33 BARROS, Zanon de Paula. Op. cit.,, p. 262.

 

34 Idem.

 

35 Idem.

 

36 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo, Saraiva, 1998. p. 175.

 

37 Nesse sentido: SENDRA, Vicente Gimeno; LLOBREGAT, José Garberí; SERRANO, Nicolás Gonzáles-Cuéllar. Derecho procesal a

dministrativo. Valencia: Tirant lo Blanch, 1991. p. 189.

 

38 Por exemplo, a Lei do Funcionalismo Público (Lei 8.112/1990); a Lei 9.873/1999; a Lei da Ação Popular; e a própria Lei de

Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).

 

39 Destaques para os dois dispositivos na Lei Anticorrupção que tratam da suspensão da prescrição.

 

40 STF, tema n. 666, Repercussão Geral, rel. Min. Teori Zavaski.

 

41 Idem.

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