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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 8 - Junho de 2006 MILTON CARLOS MATTEDI 399 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE TURISMO Milton Carlos Rocha Mattedi* RESUMO: Devido à grande relevância do setor de turismo no cenário nacional e internacional, este trabalho aborda a questão da regulamentação jurídica destas relações. Assim o autor identifica e desenvolve a acolhida jurisprudencial e doutrinária da adequação destas relações às normas de proteção do consumidor. ABSTRACT: Due to the impact of tourism in the national and international levels, this research takes up the question of the legal regulation of these relations. Thus, the author identifies and develops the jurisprudencial and doctrinal acceptance of the application of consumer legal norms to such relations. SUMÁRIO: 1. Turismo e o direito do consumidor . 2. O contato de turismo. 3. A responsabilidade civil nos contratos de turismo. 4. Conclusão * Mestrando pela Faculdade de Direito de Campos

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Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 8 - Junho de 2006

MILTON CARLOS MATTEDI 399

RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOSDE TURISMO

Milton Carlos Rocha Mattedi*

RESUMO: Devido à grande relevância do setor deturismo no cenário nacional e internacional, este trabalhoaborda a questão da regulamentação jurídica destasrelações. Assim o autor identifica e desenvolve a acolhidajurisprudencial e doutrinária da adequação destas relaçõesàs normas de proteção do consumidor.

ABSTRACT: Due to the impact of tourism in thenational and international levels, this research takes up thequestion of the legal regulation of these relations. Thus,the author identifies and develops the jurisprudencial anddoctrinal acceptance of the application of consumer legalnorms to such relations.

SUMÁRIO: 1. Turismo e o direito do consumidor . 2.O contato de turismo. 3. A responsabilidade civil noscontratos de turismo. 4. Conclusão

* Mestrando pela Faculdade de Direito de Campos

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 8 - Junho de 2006

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1. Turismo e o direito do consumidor

O turismo é responsável por uma enorme parcelada circulação de pessoas e valores financeiros no globoterrestre. É um dos setores que apresenta um maiorcrescimento econômico mundial.

Este fato também se dá no Brasil, sendo importanteferramenta para alavancar a economia de determinadasregiões e do país como um todo. O setor turístico trazenormes divisas para o Estado, gerando empregos epromovendo o desenvolvimento econômico e social.

SPODE afirma a importância econômica do turismo,in verbis:

Considerada a importância econômica daatividade turística, havida como asegunda na movimentação de recursosfinanceiros (perdendo apenas para o setorpetroquímico), já não se pode tratar oturismo, simplesmente como mais umadas muitas atividades a que o homem sededica, seja na condição de beneficiáriodela, seja como empresário do setor. 1

Contudo, a saliência econômica do turismo não érefletida da forma como mereceria dentro do ordenamentojurídico pátrio. Existem pouquíssimas normas que nãoconseguem abarcar de maneira ao menos razoável adisciplina do turismo e suas relações conexas.

Tal fato é claramente exposto nas palavras deTEPEDINO: “A investigação torna-se ainda mais árdua emrazão da ausência de regulamentação específica do setor.” 2

1 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.2 TEPEDINO, Gustavo, A responsabilidade civil nos contratos de turismo.AJURIS – Revista da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – EdiçãoEspecial, Vol. II, Março de 1998.

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No estado brasileiro, a falta de disciplina do setortorna-se ainda de maior gravidade em decorrência doenorme potencial turístico inutilizado ou subutilizado.

Com o advento da Constituição da República de1988, o Estado brasileiro começou a reconhecerjuridicamente a importância do Turismo. Tal setor revela-se fonte de relações jurídicas e como fator de grandeimportância social e econômica.

Dessa forma a Constituição da Repúblicadeterminou em seu artigo 180: “A União, os Estados, oDistrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarãoo turismo como fator de desenvolvimento social eeconômico.”

A partir de então começaram a despontar iniciativase para definir as relações jurídicas decorrentes daatividade turística. O país, os empresários e os própriosusuários do turismo despertam para a necessidade deuma regulamentação do setor para atingir uma maiorsegurança jurídica.

Mas antes de aprofundar o estudo utilizar-se-á doconceito de turismo fornecido pelo dicionário eletrônicoAurélio:

Turismo: 1. Viagem ou excursão,feita por prazer, a locais que despertaminteresse. 2. O conjunto dos serviçosnecessários para atrair aqueles quefazem turismo (1) e dispensar-lhesatendimento por meio de provisão deitinerários, guias, acomodações,transporte, etc. 3. O movimento deturistas. 3

Importante passo foi dado com a entrada em vigordo Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078 de 11

3 AURÉLIO, Dicionário Eletrônico, Século XXI. Versão 3.0, Novembro de1999.

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de setembro de 1990. Tal norma objetiva a sistematizaçãodas relações de consumo e proteção do consumidor.

Contudo, o Código de Defesa do Consumidor peloseu conteúdo, por sua estrutura e pelos princípiosutilizados, foi considerado como uma ferramenta deextrema importância que poderia ser utilizada pararegulamentar grande parcela da atividade turística.

TEPEDINO é incisivo nesta questão, in verbis:

No caso brasileiro, não há dúvida quantoà incidência do Código do Consumidor,sendo o turista o destinatário final do‘pacote turístico’ consubstanciado naprestação de serviços oferecida pelooperador ou pela agencia de viagens.Cuida-se de contrato normalmente deadesão, onde ao turista não é dadodiscutir cláusulas, condições depagamento ou clausulas penais peloinadimplemento.4

Apesar de existirem discussões a respeito daaplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor aosetor de turismo, o entendimento pela sua utilizaçãosagrou-se vencedora, sendo pacificado tal entendimento.

Essa afirmativa corrobora-se nas palavras deATHENIENSE que afirma de forma determinante, in verbis:

Pacificou-se o entendimento de que todoaquele que contrata turismo é consumidorde serviço, com direito ao tratamentoprevisto naquele diploma legal.5

4 TEPEDINO, Gustavo, A responsabilidade civil nos contratos de turismo.AJURIS – Revista da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – EdiçãoEspecial, Vol. II, Março de 1998.5 ATHENIENSE, Luciana Rodrigues, Quando o turismo não traz diversão. DelRey Revista Jurídica, Ano 5, nº. 10, Jan/Mar de 2003.

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Deve-se ressaltar a finalidade e os princípiosseguidos pelo Código de Defesa do Consumidor em seuartigo 4º que dispõe:

A Política Nacional das Relações deConsumo tem por objetivo oatendimento das necessidades dosconsumidores, o respeito à dignidade,saúde e segurança, a proteção de seusinteresses econômicos, a melhoria dasua qualidade de vida, bem como atransparência e harmonia das relaçõesde consumo (...).

Neste momento faz-se importante expor o conceitode consumidor definido pelo artigo 2º do Código de Defesado Consumidor, in verbis: “O consumidor é toda pessoafísica ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviçocomo destinatário final.”

O conceito de consumidor exposto acima é tambémaplicado ao turista, será considerado como tal aquele quese utiliza dos serviços e operações turísticas de formaampla e extensiva como destinatário final.

Nas palavras de LUCIANA SILVA:

Atualmente, entende-se que sãovisitantes, sejam quais forem asmotivações de suas viagens, ossujeitos que desfrutam da realizaçãodas operações turísticas lucrativas. Otermo turista não pode ser definido apartir do objetivo da viagem.6

6 SILVA, Luciana Padilha Leite Leão da. A responsabilidade civil nos contratos

de turismo em face ao código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro:Renovar, 2005.

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Observa-se que o conceito é objetivo e extensivo.Apesar disso, houve tentativas de restrição do conceitode turista como aquele que utiliza o turismo como formade lazer e diversão.

Porém, surgem duas questões a seremobservadas a seguir.

Na primeira questão, a restrição com base na finalidadeda viagem é demasiadamente abstrata e vaga, gerando umsubjetivismo exagerado e de difícil comprovação.

Já na segunda, pode-se afirmar que muitas viagensnão se detêm a um só objetivo, ou seja, uma pessoa queviaja para participar de um congresso ou palestrafreqüentemente aproveita os intervalos e horas livres parapassear pela cidade e conhecer seus pontos turísticos.

Dessa forma torna-se difícil e perigosa a restriçãodo conceito de turista. Adota-se o conceito de maioramplitude objetivando a segurança de sua aplicação e adefesa do consumidor de turismo.

Da mesma forma deve-se definir o conceito defornecedor. Para tanto se utiliza novamente o Código deDefesa do Consumidor em seu no artigo 3º, in verbis:

Fornecedor é toda pessoa física oujurídica, pública ou privada, nacional ouestrangeira, bem como os entesdespersonalizados, que desenvolvematividades de produção, montagem,criação, construção, transformação,importação, exportação, distribuição oucomercialização de produtos ouprestação de serviços.

Observa-se que o Código de Defesa do Consumidormantém de forma coerente sua sistematização alargandoo conceito de fornecedor.

E o mesmo diploma legal prossegue em seuparágrafo 2º, do artigo 3º, especificando aquilo que éconsiderado como serviço in verbis:

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Serviço é qualquer atividade fornecidano mercado de consumo, medianteremuneração, inclusive as de naturezabancária, de crédito e securitária, salvoas decorrentes das relações de carátertrabalhista.

MAROTTA explica de forma clara o conceito deserviço abarcando não somente os serviços comoatividade física, mas também aqueles prestados de formaintelectual:

Serviço, que é o que aqui, maisespecificamente, nos interessa, éprestação de atividade; mas não ésomente o desempenho de atividadefísica, pois que inclui tanto a execuçãode trabalho intelectual (de médicos,advogados, engenheiros etc.), como aobra material (empreitada, porexemplo).7

Esta extensão torna-se necessária quando a viagemturística for contratada por meio de agência ou operadorade turismo incumbida de organizar o transporte,hospedagem, passeios etc. O exame dessa extensão seráfeito no transcorrer desse trabalho.

Importante salientar a mudança de paradigmaocorrida nos contratos abrangidos pelo Código Civil e oCódigo de Defesa do Consumidor, admitindo este últimoà vinculação de todos aqueles participantes da cadeia defornecedores do serviço.

Recorre-se novamente as palavras de SPODE:

7 MAROTTA, Wander. Indenização do dano moral nos serviços de turismo.

RDC – Revista de Direito do Consumidor. Vol. 37, Jan/Mar de 2001.

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O Código de Defesa do Consumidorrompeu com a tradição contratualistaque admite vínculos apenas entre o quepresta o serviço e aquele que recebe aprestação, para incluir todos ospartícipes da cadeia, por exemplo, seo serviço é prestado por terceiro.8

Neste momento faz-se necessária a apresentaçãodo entendimento jurisprudencial já pacificado a respeitoda aplicação do Código de Defesa do Consumidor nasrelações turísticas.

É apresentada, a título de exemplo, a jurisprudênciado Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

CONTRATOS. INTERMEDIAÇÃO DEPACOTES DE TURISMO.DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL.FRUSTRAÇÃO DO CONSUMIDOR.SUPRESSAO DE DIAS DE VIAGEM.MODIFICAÇÃO UNILATERAL. DEVERDE INDENIZAR OS DANOSMATERIAIS E MORAIS DAIDECORRENTES. EM SE TRATANDODE RELAÇÕES DE CONSUMO, NASQUAIS HÁ APLICACAO DIRETA DASREGRAS DO CÓDIGO DE DEFESADO CONSUMIDOR (...). SENTENCACONFIRMADA.9 (GRIFOS NOSSOS)

1.1. Hierarquia do Código de Defesa do Consumidor

Aspecto imprescindível a ser analisado é quanto àhierarquia do Código de Defesa do Consumidor perante

8 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.9 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível ApelaçãoCível Nº 70001043876, Relator: Clarindo Favretto, Julgado em 14/12/2000.

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outras normas e tratados internacionais. Deve ser salientado ocaráter de ordem pública e de interesse social de suas normas.

O artigo 1º do Código de Defesa do Consumidorexpõe seu fundamento legal: “O presente Códigoestabelece normas de proteção e defesa do consumidor,de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts.5º, inciso XXXII10, 170, inciso V11, da Constituição Federale art. 4812 de suas Disposições Transitórias.”

Considerando o texto legal supra citado não há que setirar outra conclusão senão da sua aplicação sobre a legislaçãoordinária e dos tratados e convenções internacionais.

As palavras de TEPEDINO esclarecem a questão,in verbis:

No Direito brasileiro, todavia, como jáse esclareceu, através de vozesmajoritárias, em tema deresponsabilidade do transportadoraéreo, o Código de Defesa doConsumidor revoga o Código Brasileirode Aeronáutica (Lei nº. 7.505/86), bemcomo as convenções internacionaisratificadas pelo Brasil, em tudo queestiver em desacordo com a proteçãodos direitos do consumidor, tutelainserida na ordem publica interna eexpressão da norma constitucional.13

10 Constituição da República, Art. 5º, inc. XXXII: “o Estado promoverá, naforma da lei, a defesa do consumidor”.11 Constituição da República, Art. 170, V: “A ordem econômica, fundada navalorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar atodos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observadosos seguintes princípios: V – defesa do consumidor.”12 Constituição da República, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,Art. 48: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgaçãoda Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”13 TEPEDINO, Gustavo, A responsabilidade civil nos contratos de turismo.

AJURIS – Revista da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – EdiçãoEspecial, Vol. II, Março de 1998.

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Arrematando a questão, corroborando com aposição acima exposta, e trazendo ainda a pacífica posiçãojurisprudencial SPODE ensina:

Considerando que a tendência doutrináriae jurisprudencial (STF) predominante é nosentido de considerar hierarquicamentesuperior a ordem constitucional emrelação aos tratados, o Código de Defesado Consumidor se sobrepõe até mesmoà Convenção de Varsóvia.14

2. O contrato de turismo

Seguindo os parâmetros didáticos, far-se-á aclassificação geral dos contratos de turismo segundo seusprincipais traços distintivos. Contudo, deve ser salientadoque tal classificação deve ser considerada apenas parafacilitar a compreensão da espécie contratual.

Deve-se entender o Direito como algo uno e indivisível,não podendo ser analisado em compartimentos estanques.

A doutrina de TEPEDINO é bastante esclarecedora,in verbis:

No caso do contrato de turismo, cuida-se de contrato atípico, bilateral, oneroso,comutativo, caracterizado pela prestaçãode serviços especializados concernentesa organização de viagem para finsturísticos, celebrado entre o operador deturismo ou a agência de viagens, de umlado e, de outro, o turista.15

14 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.15 TEPEDINO, Gustavo, A responsabilidade civil nos contratos de turismo.

AJURIS – Revista da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – EdiçãoEspecial, Vol. II, Março de 1998.

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O primeiro aspecto importante refere-se à atipicidadedo contrato de turismo. Os contratos atípicos são aquelesque não possuem uma disciplina específica e precisa pormeio das normas.

Dessa forma, utiliza-se de princípios e cláusulasconstantes de outras espécies contratuais para a suaformação. Tal fato deve ser verificado com certa dose decautela em virtude das dúvidas e controvérsias que podemsurgir quando da formação ou execução do contrato.

Tal problema é levantado com PEREIRA, in verbis:

A celebração de um contrato atípicoexige-lhes o cuidado de descerem aminúcias extremas, porque na suadisciplina legal falta a suaregulamentação específica. Na soluçãodas controvérsias que surgirem, ojulgador ou intérprete terá de invocar emsuprimento do conteúdo das clausulaspróprias os princípios legais relativos aum contrato típico mais próximo (...).16

É contrato bilateral dois aspectos: em sua formaçãoquando firmado entre duas partes; e na produção de seusefeitos, gerando obrigações e direitos para ambas as partes.

Oneroso em virtude da obtenção de vantagens paraambas as partes. E comutativo tendo em vista adeterminação prévia das prestações ou obrigações daspartes com equivalência de valores.

Por fim, característica de grande importância,principalmente quando da aplicação do Código de Defesado Consumidor e da responsabilização dos fornecedores,analisada posteriormente, é o fato de ser esse um contratode prestação de serviço.

16 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 12. ed., Rio deJaneiro: Forense, 2005, vol. 3.

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Nos dizeres de MARQUES:

É um contrato de prestação de serviço,mas os serviços nem sempre sãoprestados por prepostos da agência esim por uma verdadeira rede defornecedores, ficando a dependerdestes a qualidade da prestação final.17

2.1 - Extraterritorialidade

Com relação a localidade na aplicação das normasnos contratos de turismo, não existem quaisquer dúvidas.A Lei de Introdução ao Código Civil é bastante clara emseu artigo 9º dispõe: “Para qualificar e reger as obrigações,aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”

Tal ponto de vista é apoiado por TEPEDINO, in verbis:

A aplicação da legislação vigente nolocal onde as obrigações sãoconstituídas é norma geral do art. 9ºda Lei de Introdução, atraindo,conseguintemente, a legislaçãobrasileira para a regulamentação doscontratos de turismo celebrados emterritório nacional.18

Seguindo a mesma doutrina SPODE afirma:

Nas questões de consumo decorrentesde contratos que devem ser cumpridose/ou se desenvolvem em diversospaíses, prevalece o entendimento de

17 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no código de defesa do consumidor. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.18 TEPEDINO, Gustavo, A responsabilidade civil nos contratos de turismo.

AJURIS – Revista da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – EdiçãoEspecial, Vol. II, Março de 1998.

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que se aplica a lei do lugar onde foiconcluído o contrato.19

2.2. O ônus da prova

Questão bastante interessante é com referência apossibilidade de inversão do ônus da prova em benefíciodo consumidor.

O artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor ébastante explicativo nessa questão:

São direitos básicos do consumidor: VIII –a facilitação da defesa de seus direitos,inclusive com a inversão do ônus da prova,a seu favor, no processo civil, quando, acritério do juiz, for verossímil a alegação,ou quando for ele hipossuficiente, segundoas regras ordinárias de experiências.

Assim, conforme afirmado acima, sendo aplicado oCódigo de Defesa do Consumidor aos contratos de turismo,não há com negar o direito à inversão do ônus da prova. É umadecorrência lógica e inafastável dentro das relações de turismo.

Eliminando qualquer dúvida, SPODE é bastanteclaro quanto à aplicação da inversão do ônus da provadentro dos contratos de turismo.

Assim como ocorre em todas asdemandas que versam direito doconsumidor, também, quanto àprestação de serviços de turismo oude correlato a estes, vige o princípiocontido no inc. VIII do art. 6º do CDC.20

19 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.20 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.

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2.3. Serviço ineficiente ou defeituoso

O Código de Defesa do Consumidor foi um marcono ordenamento jurídico pátrio não só pela regulamentaçãodas relações de consumo, mas também por irradiar e influirem vários princípios e paradigmas do direito.

Nas palavras de MARQUES:

A partir da entrada em vigor do CDC,também no Brasil, uma novaimportância foi reservada à qualidade(leia-se, expectativas legítimas erazoáveis) e à informação na fase pré-contratual e durante a execução doscontratos de viagens.21

A prestação de serviços com qualidade tornou-se fatorde importância dentro da relação do consumidor e do turismo.

Artigo 20, parágrafo 2º do Código de Defesa doConsumidor delimita o que seja o serviço ineficiente:

São impróprios os serviços que semostrem inadequados para os finsque razoavelmente deles se esperam,bem como aqueles que não atendamas normas regulamentares deprestabilidade.

ATHENIENSE corrobora com esse dispositivoafirmando: “A teor do artigo 20 do CDC, o serviço prestado

é considerado ineficiente quando há disparidade entre a

sua prestação e as indicações encontradas na oferta ou

mensagem publicitária.”22

21 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no código de defesa do consumidor. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.22 ATHENIENSE, Luciana Rodrigues, Responsabilidade solidária nas agencias deviagens e operadoras de turismo segundo o código de defesa do consumidor(Lei 8.078/90). RDC – Revista de Direito do Consumidor. Vol. 37, Jan/Mar de 2001.

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O Código de Defesa do Consumidor conceitua oserviço defeituoso em seu artigo 14, § 1º in verbis: “Oserviço é defeituoso quando não fornece a segurança queo consumidor dele pode esperar, levando-se emconsideração as circunstâncias relevantes (...).”

Observa-se que os conceitos de ineficiência e defeito sãoconceitos abrangentes. O turista espera o recebimento de umserviço de forma adequada e que supra suas expectativas.

O artigo 23 do CDC é direto: “A ignorância dofornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequaçãodos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.”

ATHENIENSE com brilhantismo salienta ainterpretação do artigo supracitado:

A agência vendedora, mesmo nãosuficientemente informada da qualidadedo serviço negociado, ainda que a suaprestação esteja a cargo de operadoraque atua em local distante de onde elaestá, a sua responsabilidade subsistirá.23

As palavras de MARQUES são fundamentais parao bom entendimento da questão:

A nova idéia de vício do serviço (...)concentra-se na funcionalidade, naadequação do serviço prestado e nãona subjetiva existência da diligêncianormal ou de uma eventual negligênciado prestador de serviços e de seusprepostos. A prestação de um serviçoadequado passa a ser a regra, nãobastando que o fornecedor tenhaprestado o serviço com diligência.24

23 ATHENIENSE, Luciana Rodrigues, Quando o turismo não traz diversão. DelRey Revista Jurídica, Ano 5, nº. 10, Jan/Mar de 2003.24 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no código de defesa do consumidor. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

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O Superior Tribunal de Justiça já acolheu tal doutrinaconforme demonstrado no acórdão, in verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AGÊNCIADE TURISMO. PACOTE TURÍSTICO.SERVIÇO PRESTADO COMDEFICIÊNCIA. DANO MORAL.CABIMENTO. PROVA. QUANTUM.RAZOABILIDADE. RECURSOPROVIDO. (...)Todavia, não menos certoigualmente é que não se pode deixar deatribuir à empresa-ré o mau serviçoprestado, o descaso e a negligência comque se houve, em desrespeito ao direitodos que com ela contrataram.25

3. A responsabilidade civil nos contratos de turismo

O contrato de turismo possui em seu nascedourouma complexidade imanente. No momento em que umcliente procura uma agência de viagens ou uma operadorade turismo ele deseja livrar-se de toda a preocupaçãosobre a organização da viagem.

A operadora ou agência encarrega-se dessaorganização contratando as passagens, hospedagem,passeios e ingressos que o cliente desejar.Responsabiliza-se pelo bom planejamento e transcorrerda viagem, ainda que não seja ela mesma a prestadoraimediata do serviço.

Nesses termos afirma SPODE, in verbis:

No contrato de turismo há a presençade uma série de núcleos contratuais(transporte, hospedagem,

25 Superior Tribunal de Justiça, T4 – quarta turma, REsp 304738 / SP, Rel. Min.SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 13.08.2001 p. 167.

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alimentação, seguros, bilhetes paraespetáculos, visitas a museus eexposições, e outras atraçõesturísticas) que podem sugerirdificuldades na identificação daresponsabilidade do agente de viagemem relação à segurança e ao sucessoda viagem. Prestadores de serviçoenvolvidos: agência, operadora,transportadora aérea ou terrestre,hotéis etc.26

A responsabilidade civil tem seus elementoscaracterísticos delimitados pelo Código Civil em seu artigo927 que dispõe, in verbis: “Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Para que se possa analisar a responsabilidade civilnos contratos de turismo, deve-se utilizar do dispositivoacima citado combinado com a sistematização dosprincípios de proteção do Código de Defesa doConsumidor.

A extensão da responsabilidade civil a todos aquelesfornecedores que de alguma forma contribuíram para oplanejamento e execução da viagem é ponto pacificado dentroda sistematização do Código de Defesa do Consumidor.

Dessa forma, o cliente pode e deve buscar resguardarseus direitos perante quaisquer dos fornecedores.

A questão é sedimentada pelas palavras deMARQUES:

O resultado prático da inversão de papéis(...) e da imposição legal de novosdeveres aos fornecedores, também no

26 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.

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ramo do turismo, foi o reconhecimentopela jurisprudência de uma novaresponsabilidade (própria e solidária) paraas agências de viagens, as quaiscomercializam os chamados ‘pacotesturísticos’ e passam a ser responsáveispela atuação de uma cadeia defornecedores por eles escolhidos epreviamente contratados.27

A seguir passa-se a análise das principaiscaracterísticas da responsabilidade civil nos contratos deturismo conforme interpretação do Código de Defesa doConsumidor.

3.1. Contrato com obrigação de resultado

No que tange aos contratos de turismo, nota-se queo cliente ou turista pretende efetuar a viagens nos padrõese datas estabelecidas. Caso contrário, a viagemfatalmente tornar-se-á sem função ou sem qualquer valor,saindo frustrado o contrato.

A título de exemplo, de que adiantaria a um estudantechegar ao local da palestra depois da mesma ter ocorrido?Ou como um trabalhador poderá viajar se o seu períodode férias já foi ultrapassado? E por fim, qual será o valorde uma viagem para o Egito se o viajante não pode realizaro seu sonho de conhecer as pirâmides?

A obrigação de resultado consiste naquela onde aexecução somente se completa quando o resultado finalé atingido, quando o devedor cumpre de forma fiel o fimpretendido pelas partes. A simples conduta, ainda quediligente, não satisfaz a obrigação assumida.

Acompanhando a doutrina de SPODE, in verbis:

27 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no código de defesa do consumidor. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

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(...) deve-se ter presente que oconsumidor procura a agência de suaconfiança, transferindo a ela toda aresponsabilidade para a organizaçãodos eventos que compõe o programade viagem pretendido (e não rarasvezes sugerido pela própria agência).28

E prossegue o mesmo autor fixando o conceito deobrigação de resultado, in verbis:

O cliente, ao contratar, não sabe, e nemquer saber, que por trás do negóciorealizado existe uma operadora deturismo, uma empresa aérea, umatransportadora terrestre, um ou várioshotéis. Essa transferência deresponsabilidade é que gera aobrigação de resultado essencial (oconsumidor quer exonerar-se daspreocupações organizacionais daviagem, até porque ele, em geral, sente-se mais seguro para viajar com aprogramação já contratada).29

Encerrando a questão, busca-se nos bonsensinamentos de TEPEDINO, in verbis:

Em outras palavras a finalidadeturística serve aqui de premissa – jáque a despreocupação é estado deespírito típico da viagem de turismo -,modo de caracterizar a obrigação deresultado essencial ao contrato, para

28 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.29 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.

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cuja consecução depende o viajante deuma exoneração de preocupaçõesorganizacionais, transferindo-as, porisso mesmo, ao agente, operador deturismo ou agência de viagens.30

3.2. Responsabilidade Solidária

O conceito de solidariedade é fornecido pelo CódigoCivil de 2002 em seu artigo 264 e 265, in verbis:

Art. 264 - Há solidariedade, quando namesma obrigação concorre mais deum credor, ou mais de um devedor, cadaum com direito, ou obrigado, à dívidatoda. Art. 265 – a solidariedade não sepresume; resulta da lei ou da vontadedas partes.

Prosseguindo no mesmo raciocínio, o Código deDefesa do Consumidor determina a solidariedade legal emseu artigo 7º, parágrafo único, in verbis: “Tendo mais deum autor a ofensa, todos responderão solidariamente pelareparação dos danos previstos nas normas de consumo.”

Tal posição é adotada por ATHENIENSE, in verbis:

Tendo em vista o princípio geral dodireito civil positivo brasileiro, segundoo qual a solidariedade não se presume,decorrendo da lei ou da vontade daspartes (art. 896, CC) [CC/1916], oCódigo de Defesa do Consumidor criouo princípio da solidariedade legal entreos causadores de dano ao consumidor,

30 TEPEDINO, Gustavo, A responsabilidade civil nos contratos de turismo.AJURIS – Revista da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – EdiçãoEspecial, Vol. II, Março de 1998.

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de sorte que, havendo mais de um autordesses danos, todos responderãosolidariamente pela reparação. 31

Artigo 34 do Código de Defesa do Consumidordisciplina inclusive sobre a responsabilidade solidária dofornecedor de serviços, sintonizando-se perfeitamente comos contratos de turismo, in verbis: “O fornecedor do

produto ou serviço é solidariamente responsável pelos

atos de seus prepostos ou representantes autônomos.”Recorre-se novamente aos ensinamentos de

ATHENIENSE, in verbis:

A meu ver, não procede a doutrina querestringe a responsabilidade dasagências de viagens ao argumento deque elas são apenas intermediárias,exonerando-as da responsabilidade deterceiros, que compõe a sua cadeia defornecedores. A interpretação do artigo7º do Código de Defesa do Consumidor(...) reclama uma reflexão preliminar doque seja solidariedade.32

MARQUES corrobora o entendimento da solidariedadedas agências e operadoras de turismo, ainda que os serviçosnão sejam prestados diretamente pelas mesmas.

Para tanto se utiliza de argumento que equipara osdemais fornecedores a prepostos da agência e assim estaultima assumindo a responsabilidade sobre osfornecedores, in verbis:

31 ATHENIENSE, Luciana Rodrigues, Responsabilidade solidária nas agencias

de viagens e operadoras de turismo segundo o código de defesa do

consumidor (Lei 8.078/90). RDC – Revista de Direito do Consumidor. Vol. 37,Jan/Mar de 2001.32 ATHENIENSE, Luciana Rodrigues, Quando o turismo não traz diversão. DelRey Revista Jurídica, Ano 5, nº. 10, Jan/Mar de 2003.

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No caso, a relação contratual doconsumidor é com a agência deviagem, podendo exigir desta aqualidade e adequação da prestaçãode todos os serviços, que adquiriu nopacote turístico contratado, como seos outros fornecedores seus prepostosfossem.33

Por fim, as palavras de TEPEDINO põem acima dequalquer dúvida a responsabilidade solidária dosfornecedores do serviço de turismo, inclusive das agênciase operadoras, in verbis:

A responsabilidade do operador ou daagência independe das cláusulasestipuladas em cada um dos contratosque integram o pacote turístico,cabendo ao consumidor acionarqualquer um dos fornecedores dosserviços, solidariamente responsáveispela sua segurança e pelo atendimentodo programa de turismo que lhe foivendido. O operador responsabiliza-sepelo bom êxito do pacote, para issocontratado, sem prejuízo daresponsabilidade contratual fixada emcada um dos serviços que o compõe edo direito de regresso queeventualmente poderá exercer contraoutros agentes, co-responsáveis pelosserviços desenvolvidos no curso darelação contratual.34

33 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no código de defesa do consumidor. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.34 TEPEDINO, Gustavo, A responsabilidade civil nos contratos de turismo.

AJURIS – Revista da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul – EdiçãoEspecial, Vol. II, Março de 1998.

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ATHENIENSE aponta para a direção doentendimento jurisprudencial sobre a questão: “Asolidariedade legal assentada nos art. 7º, parágrafo único,34 c/c 14, caput, 20, caput, 23, 25 §1º do CDC, vemrecebendo da jurisprudência merecida atenção, consoanteos princípios que inspiraram a elaboração daqueleEstatuto.”35

Posicionamento já pacificado nos Tribunaissuperiores demonstrado pela Decisão do Superior Tribunalde Justiça, in verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL. Agênciade viagens. Código de Defesa doConsumidor. Incêndio em embarcação.A operadora de viagens que organizapacote turístico responde pelo danodecorrente do incêndio que consumiua embarcação por ela contratada.Passageiros que foram obrigados a selançar ao mar, sem proteção de coletessalva-vidas, inexistentes no barco.Precedente (REsp 287.849/SP). Danomoral fixado em valor equivalente a 400salários mínimos. Recurso nãoconhecido.36

3.3. Responsabilidade Objetiva

A responsabilidade objetiva está disposta no artigo14 do Código de Defesa do Consumidor:

O fornecedor de serviços responde,independentemente da existência de

35 ATHENIENSE, Luciana Rodrigues, Quando o turismo não traz diversão. DelRey Revista Jurídica, Ano 5, nº. 10, Jan/Mar de 2003.36 Superior Tribunal de Justiça, T4 – quarta turma, REsp 291384 / RJ, Rel. Min.RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 17.09.2001 p. 169.

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culpa, pela reparação dos danoscausados aos consumidores pordefeitos relativos à prestação dosserviços, bem como por informaçõesinsuficientes ou inadequadas sobre suafruição e riscos.”

SPODE reforça o entendimento literal da leiafirmando: “A responsabilidade do prestador de serviços

em reparar os danos causados aos consumidores existe,

independentemente da existência de culpa (...).”37

Nesse diapasão deve ser lembrado que toda a interpretaçãodeve ser feita tomando como base a mesma sistemática eprincípios adotados no Código de Defesa do Consumidor.

Importante menção sobre a vulnerabilidade doconsumidor faz SILVA, in verbis:

A teoria da responsabilidade civilobjetiva adotada pelo Estatuto doConsumidor, conforme seus princípiosestatuídos nos artigos 1º ao 7º, tornaviável a proteção incondicionadadaquele que é, segundo a lei, e emrealidade, sempre vulnerável.38

E prossegue SILVA afirmando sobre a necessidadede comprovação apenas do dano e do nexo causal paraque a responsabilidade se caracterize: “O consumidor temapenas que provar o dano e o nexo causal. A discussão daculpa é inteiramente estranha às relações de consumo.” 39

37 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.38 SILVA, Luciana Padilha Leite Leão da, A responsabilidade civil nos contratosde turismo em face ao código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro:Renovar, 2005.39 SILVA, Luciana Padilha Leite Leão da, A responsabilidade civil nos contratosde turismo em face ao código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro:Renovar, 2005.

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SPODE afirma sobre a extensão e o alcance dessaresponsabilidade objetiva dentro dos tribunais:

De acordo com o sistema do Códigode Defesa do Consumidor, e assimtêm interpretado os tribunais, a agênciade turismo responde por acidentes deconsumo, como nos casos em que aempresa aérea não embarcou opassageiro em virtude da prática deoverbooking ou extraviou as malas, oucancelou o vôo, ou nas hipóteses emque o hotel indicado não honrou asreservas, ou quando espetáculosprevistos na programação não puderamser assistidos por ausência deconfirmação das reservas.40

Novamente é apresentada sobre o tema umadecisão do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“INDENIZAÇÃO. EMPRESA DETURISMO. RESPONSABILIDADEOBJETIVA. NEGLIGÊNCIA. VALORDA INDENIZAÇÃO. CORREÇÃO.RESPONSABILIDADE CIVIL.SUMÁRIA. ACIDENTE COMCOLETIVO EM EXCURSÃO. Agênciade turismo que, contratada para levarum grupo de turistas de Belford Roxoà Natividade, fornece um únicomotorista para o percurso de ida evolta, viagem que por convençãocoletiva de trabalho, deveria serrealizada por dois profissionais em

40 SPODE, Guinther, Turismo e o consumidor. RDC – Revista de Direito doConsumidor. Vol. 35, Jul/Set de 2000.

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sistema de revezamento (...).REJEITA-SE O AGRAVO RETIDO,NEGANDO-SE PROVIMENTO ÀAPELAÇÃO PRINCIPAL E AORECURSO ADESIVO. “41

4. Conclusão

A parir do trabalho apresentado, pode-se concluir quea regulamentação do turismo e de suas relações conexasé inacreditavelmente escassa.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor,o setor de turismo começou a ter uma regulamentaçãosatisfatória, sendo aplicada esta norma com primazia sobreos tratados internacionais.

São aplicados aos contratos de turismo os princípiosdo Código do Consumidor, principalmente quanto àdignidade do consumidor, o direito à informação, avulnerabilidade do consumidor, a inversão do ônus daprova e dos conceitos de serviço ineficiente e defeituoso.

A responsabilidade civil nos contratos de turismo éobjetiva e solidária, incluindo todos os fornecedores,principalmente quanto às agências e operadoras deturismo.

Referências:

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41 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, - QUINTA CÂMARA CIVEL,APELAÇÃO nº 2004.001.28493 - DES. LEILA ALBUQUERQUE - Julgamento:31/01/2005

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