resex no maranhão-1

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  • 8/8/2019 Resex no Maranho-1

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    www.forumcarajas.org.br

    FRUM CARAJS SMDH CCNPROGRAMA DE INTERVENO EM DEFESA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DO BAIXO PARNAIBA MARANHENSE

    Subsdios para criao deReserva Extrativista no

    Cerrado Nordeste Mara-

    nhenseO Bacuri como instrumento para a conservao

    e a manuteno das populaes tradicionais

    Amanda Lorien Freire Ruiz (Colaboradora do Frum Carajs)

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    Introduo...............................................................................................................pag3

    Primeiro Capitulo.................................................................................................pag5

    Elementos sobre o extrativismo

    O que a prtica extrativista

    Extrativismo no Maranho: o babau

    A evoluo conceitual do extrativismo

    A conceituao oficial das Reservas Extrativistas

    Segundo Capitulo.................................................................................................pag9

    Quadro ambiental da biodiversidade do Cerrado

    Grau de importncia biolgica

    reas prioritrias de conservao estabelecidas pelo MMA

    Aptido agrcola dos solos e impactos sobre os recursos hdricos e edficos

    O bacuri

    Dados biolgicos, a histria da sua utilizao, o manejo e a relao com o homem da cha-

    pada

    Porque criar Reserva Extrativista na regio do Baixo Parnaba

    A reserva extrativista Chapada Limpa: um exemplo a ser seguido Caracterizao socioeconmica das comunidades rurais do Baixo Parnaba

    Terceiro Capitulo.................................................................................................pag20

    Quadro econmico e poltico da regio

    A Expanso da fronteira agrcola: a soja chega ao Maranho

    As consequncias negativas do monocultivo da soja

    Reflexes crticas sobre o modelo exportador do agronegcio

    Concluses................................................................................................................pag25

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    Introduo

    O Frum Carajs uma organizao no governamental,estruturada em parceria com uma teia de

    entidades, cujas finalidades so acompanhar as polticas pblicas de desenvolvimento e elaborar

    propostas de padres alternativos de produo e consumo em bases sustentveis. Visando a

    cumprir com essas metas o Frum Carajs um dos executores1 do Programa Baixo Parnaba

    Territrio Livre. Este se configura como um abrangente programa de interveno na regio do

    Baixo Parnaba Maranhense cujo objetivo principal conter o avano do agronegcio baseado em

    monoculturas sobre grandes extenses de terras. Essa dinmica, que tem o prprio motor no

    interesse da explorao econmica por parte de latifundirios e/os especuladores, vem causando

    severos estragos ambientais e violaes dos direitos humanos, econmicos, sociais e culturais de

    um grande nmero de comunidades rurais.

    Um dos eixos de interveno do Frum Carajs dentro do Programa Territorio Livre o fomento

    criao de Unidades de Conservao (UC), juntamente atividades de tutela das reas prioritrias

    para a biodiversidade. Por isso foi realizado uma primeira etapa de um processo que no longo

    termo visa a costituio de outra Reserva Extrativista na regio do Municpio de Chapadinha. Essa

    primeira fase de atuao, cujo resultado consta nesse documento, consistiu em um levantamento

    junto as comunidades dos dados necessrios a caracterizar a rea como adequada criao de

    uma reserva baseada nos critrios do extrativismo efetuado por comunidades tradicionais. Tal

    levantamento foi conduzido por, Amanda Freire2 e Mayron Brito Borges3.

    O contedo desse documento portanto se configura como:

    1. Documentao, relaborao e sintetizao dos dados coletados, cuja finalidade

    demonstrar a importncia da preservao de reas de Cerrado caracterizadas por alta

    densidade de bacurizeiros considerando o forte vnculo de dependncia que existe entre a

    sobrevivncia e reproduo das comunidades e o meio ambiente.

    2. Descrio dos elementos chaves da rea proposta para Reserva Extrativista, com a

    finalidade de demostrar a viabilidade da proposta e a necessariedade de uma UC .

    3.

    Demonstrao e relato sobre os estragos causados pela devastaao j avanada de grandeparcelas do Cerrado Maranhense.

    4. Instrumento para a divulgao e a presso poltica, a ser usado em prol das comunidades

    na luta contra os interesses econmicos dos latifundirios e dos lobbies especulativos.

    O levantamento socioeconmico dos povoados na regio do Baixo Parnaba, caraterizado pela

    capilaridade da investigao, possvel graas experiencia e s atividades plurais conduzidas pelos

    integrantes e colaboradores do Frum Carajs na regio, se estruturou da seguinte forma:

    1 Juntamente Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) e ao Centro de Cultura Negra (CCN).2 Cientista poltica, especializada em projetos de desenvolvimento sustentvel.3 Jornalista do Frum Carajs.

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    1. Mapeamento direto com os moradores para identificar as reas com maior concentrao

    de bacuris e de conseqncia prioritrias para preservao:

    Enumerao e descrio dos recursos naturais existentes.

    Descrio do ecossistemas: reas de chapada, brejos, capoeiras, cerrado, (savana

    florestada), Cerrado restrito (savana), mata ciliar. Reconhecimento do sistema hdrico: localizao de nascentes, rios, afluentes,

    brejos.

    2. Avaliao do estado de conservao ambiental:

    Identificao das espcies arboreas.

    Identificao das espcies animais, sendo que a presena de espcies ameaadas

    testemunha o grau de preservao do ecossistema.

    3. Avaliao dos atributos sociais e ambientais que justifiquem a criao de uma rea de

    conservao:

    Avaliao das intenes e das necessidades dos moradore(a)s .

    Vistoria junto a moradore(a)s de reas especificas para levantar as potencialidades

    e as restries relativas disponibilidade de recursos, com foco no papel do bacuri

    para a economia comunitaria.

    Avaliao da dinmica socioeconmica em torno do Bacuri.

    Avaliao do nivel de conflitos fundiarios, que representam a principal ameaa

    preservao ambiental.

    4. Informaro e mobilizao da populao e das associaes de moradores em volta da

    proposta de criao de Reserva Extrativista.

    Foto 01: Bacuri na Vila Pandoca

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    Primeiro Capitulo

    O que a prtica extrativista?

    O termo extrativismo, em geral utilizado para designar toda atividade de coleta de produtos na-turais, seja de origem mineral (explorao de minerais), animal (peles, carne, leos), ou vegetal(madeiras, folhas, frutos). O extrativista tradicional da Amaznia mora no corao da floresta, viveda coleta das riquezas naturais, como borracha e castanha, e complementa sua renda com a caa,a pesca, a coleta de frutos como aa, a bacaba e pato.

    Devido s distncias impostas pela disperso das espcies produtivas (trs seringueiras ou casta-nheiras por hectare), ele vive isolado. Sua caracterstica principal a dependncia total de patrese comerciantes que lhe fornecem os bens de subsistncia em troca de sua produo.

    Quanto ao trabalho, ele no tem vnculo empregatcio com o patro, nem contrato de arrenda-mento; no dono da terra, mas tem direito a praticar o extrativismo, contanto que troque a pro-duo pelas mercadorias que o patro lhe traz; na verdade, troca sua fora de trabalho pelo abas-tecimento de bens no existentes na floresta.

    O extrativista complementa sua renda com a venda de produtos agrcolas ou de criaes, mas ela drasticamente reduzida, em valores reais, devido aos preos elevadssimos que obrigado a pa-gar pelos gneros adquiridos ao comerciante. H casos em que o isolamento tal que impossibili-ta a comercializao dos bens produzidos pela famlia, impedindo que a renda monetria familiarseja superior renda do extrativismo.

    Durante 20 anos, de 1965 a 1985, o Brasil praticou uma poltica de ocupao da Amaznia, e deexpanso da sua fronteira agrcola. Para tanto abriu estradas, distribuiu terras, organizou colniase deu inmeros incentivos, especialmente de crdito subsidiado, para instalar fazendas agropecu-rias e empreendimentos madeireiros na regio. Esta poltica de destruio da floresta aniquilou o

    extrativismo em vrias regies, como por exemplo, no estado do Par, onde foram derrubados oscastanhais mais ricos do pas, ou no estado de Rondnia, onde na rea de influncia da estrada BR364, desapareceram seringais e castanhais. Desapareceram tambm diversas reas extrativistasno Maranho, Mato Grosso e Acre.

    Este avano da fronteira agrcola sobre a Amaznia desestruturou o extrativismo em diversas regi-es, transformou reas extrativistas em pasto para gado e extrativistas em pees ou pequenos a-gricultores.

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    Extrativismo no Maranho: o babau

    O babau, palmeira dos gneros Arbignya e Ahalea, explorado especialmente no Estado do Ma-ranho, embora exista em outros Estados. O babau uma planta de imensa utilidade cujo uso era

    j amplamente explorado pelos indgenas. A explorao da castanha, leo e farinha para fins ali-mentcios, ainda hoje feitos manualmente, uma das atividades4 que ainda gera renda para ascomunidades do sul e centro-leste maranhense. Com as folhas tranadas e parcialmente sobre-postas so feitas as casas de grande parte dos moradores rurais; da nervura central da folha, o ra-que, fazem-se ripas, e do tronco, moires de cercas e madeiramento de cobertura de casas.

    O desenvolvimento da prtica extrativista do babau um claro exemplo de conflito com o geren-ciamento poltico insustentvel e de uma viso de breve prazo: nas reas de maior ocorrncia,

    houve nos ltimos 30 anos a implantao de fazendas de gado, gerando problemas para as400.000 famlias que auferem a maior parte da sua renda do extrativismo do babau.

    Antes da implantao das fazendas, a coleta do babau era uma atividade livre e espontnea; atu-almente os fazendeiros alm de derrubarem a maioria dos babauais, nos restantes probem a co-leta. Surge, portanto, a necessidade urgente de criar unidades de conservao que defendam tan-to as espcies como, principalmente, permita a sobrevivncia das famlias.

    4 Especialmente quando considera-se que o aporte dessa atividade renda das famlias continuo durante o ano to-do, enquanto a safra do bacuri tem uma durao de trs meses como veremos mais a frente

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    Evoluo conceitual do extrativismo

    At incio do sculo XIX, com relao ao extrativismo, o mundo era dominado pelas idias dosnaturalistas, embalados pelo sucesso da Botnica, da Zoologia, das descobertas cientficas e dasgrandes expedies frica, sia e Amrica Latina. Falava-se ento muito da "me natureza" e dasimensurveis riquezas nela contidas.

    Com o advento da Revoluo Industrial e especialmente atravs da influncia do materialismohistrico de Marx, que fazia tudo depender da ordem econmica, motor de todos osacontecimentos, as riquezas naturais passaram a chamar-se de "matrias primas", indispensveispara saciar a fome louca de transform-las em novos produtos e assim satisfazer as ambies deconsumo e exportao. Naquela poca as matrias primas eram tidas como inesgotveis e seuconsumo como controlvel pela ao do homem.

    Um sculo depois, com o avano da tecnologia, o crescimento populacional e a utilizaoexcessiva das "matrias primas", o homem comeou a mudar seus conceitos sobre o extrativismo.A primeira constatao foi que os recursos naturais no so inesgotveis, que preciso reproduzi-los para que permaneam e mesmo cheguem a outras geraes. Assim surgiu a ideia desustentabilidade e de que se deve praticar um desenvolvimento sustentvel. O extrativismo foienquadrado neste novo conceito.

    No caso concreto do Brasil, onde a defesa dos recursos naturais extrativos surgiu da luta dosextrativistas pela terra5, o objetivo a conquistar no foi apenas um desenvolvimento sustentvel,mas, "socialmente justo". A Reserva Extrativista deve conservar esta caracterstica de

    concretizao da justia, mediante a atribuio da terra a aqueles que secularmente ali habitam ea defendem.

    A evoluo conceitual do extrativismo no Brasil, mediante a participao direta dos extrativistas,chegou a este avano importante, consolidando a Reserva Extrativista no apenas como umaconquista ecolgica, mas especialmente como uma conquista social.Podemos considerar as Reservas Extrativistas como uma das metas alcanadas, dentro daevoluo histrica do extrativismo, uma vez que elas sintetizam vrios ideais perseguidos pelasociedade contempornea:

    Equilbrio entre desenvolvimento, conservao do meio ambiente e justia social; Participao da sociedade como agente e no como objeto do processo. As reservas so

    auto-geridas pelos moradores; Resgate e aperfeioamento do saber popular, pois o plano de utilizao das Reservas tem

    como base a experincia e sabedoria dos moradores que durante muitos anos ali convivemharmonicamente com a natureza;

    Diminuio dos custos de proteo da biodiversidade, uma vez que os moradores seconstituem em defensores da floresta em p em nome dos servios ambientais por elafornecidos.

    5 Fundamental nesse sentido a luta pioneira de Chico Mendes em defesa dos direitos dos seringueiros do Acre nos a-nos 70 e 80

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    Dentro deste quadro de evoluo do extrativismo, a criao das Reservas Extrativistas apenasuma etapa. preciso continuar evoluindo, implementando as reservas para que os resultadossejam efetivamente positivos para as populaes rurais beneficiarias. Entre as medidasnecessarias para prosseguir nessa direo podem ser citadas:

    Fortalecimento das organizaes locais, especialmente atravs da capacitao dos recursos

    humanos; Fornecimento de condies materiais e ferramentas para a implementao do

    gerenciamento cooperativo dos recursos e da atividade extrativa; Distribuio do poder sobre os recursos naturais (Concesso de Uso e Planos de Utilizao); Libertao dos laos de dependncia dos intermedirios (abastecimento de bens, insumos

    e comercializao da produo); Acrscimo de valor aos produtos extrados (beneficiamento ou pr-industrializao); Diversificao das atividades econmicas.

    Conceituao oficial das Reservas Extrativistas

    importante salientar que em 1985, ano da conceituao oficial das reservas extrativistas6, noBrasil estava sendo lanado o Plano Nacional de Reforma Agrria e todas as atenes da sociedadeestavam voltadas para este tema. A proposta de criao das Reservas Extrativistas apareceu entocomo a "Reforma Agrria para os extrativistas, na medida em que a sua criao deveria ser umaforma de legitimar a posse, e de reconhecer os direitos terra daqueles que nela trabalhavam eviviam h muitos anos. Pode-se, portanto, afirmar que as Reservas Extrativistas, historicamenteforam uma proposta que fazia parte do esprito da Reforma Agrria, isto , novamente, para que aterra cumpra a sua funo social.

    fcil deduzir que segundo o Decreto, as Reservas Extrativistas no podem ser modelo de desen-volvimento para todo o Brasil. Elas so vlidas, apenas, para algumas regies onde houver as con-dies:

    1. Existncia de recursos naturais renovveis e de populaes extrativistas.

    2. Espaos territoriais considerados de interesse ecolgico e social.

    3. Garantia de auto-sustentabilidade mediante a aprovao, pelo ICMBIO, de um plano de utiliza-

    o.

    A realidade das Reservas at agora criadas, o debate com os moradore(a)s das mesmas, a anlisedas atividades econmicas por eles praticadas, junto com as propostas e anseios por eles manifes-tados, tem alimentado a evoluo dos conceitos, consolidando os seguintes princpios de enten-dimento sobre as reservas:

    O extrativismo no a nica atividade econmica da Reserva, embora atualmente seja suabase de sustentao;

    A melhoria das condies de vida dos moradores deve ser buscada atravs do incrementoe melhoria das atividades extrativistas e agro-pastoris praticadas e atravs da introduode novas atividades que no causem impacto ambiental;

    6 Decreto N. 98.897

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    Entre as aes a incrementar, citam-se:

    -aumentar a produo e a produtividade dos produtos florestais existentes;

    -melhorar o sistema de comercializao;

    -agregar valor aos produtos, incentivando o processamento local;

    -incrementar atividades agro-pastorais, aproveitando os roados j existentes;

    -a base da mudana a realizar deve ser o associativismo, capaz de fazer a gesto da Reservade forma co-participativa;

    -o associativismo deve encontrar as frmulas para conquistar a independncia no abaste-cimento e na comercializao.

    Foto 02: Comunidade Mangueira

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    Segundo Capitulo

    Quadro Ambiental da biodiversidade do Cerrado

    A microrregio do Alto Munin Maranhense se encontra dentro do limite da rea denominada doBaixo Parnaba e pertencente mesorregio Leste Maranhense. Sua populao foi estimada em2006 pelo IBGE em 129.381 habitantes e est dividida em sete municpios7. Possui uma rea totalde 6.872,865 km.

    A vegetao aquela tipica do bioma Cerrado. O Cerrado, considerada a savana brasileira,abrange 11 estados brasileiros e contribui com um quarto na rea total do Brasil (2.1 milhoes dekm). Com isso se coloca como o segundo maior ecossistema brasileiro depois da Amaznia,sendo porem muito menos conhecido. Enfim o Cerrado a savana mais rica em espcies nomundo, onde mais do que 60.000 espcies j foram registradas (Dias 1996), entre elas 4.400 deespcies endmicas (Bickel 2003).

    Os tipos de vegetao variam entre florestas, estepe com rvores, arbustos e gramados. Asflorestas perto dos rios e riachos, que se chamam mata ciliar, fazem 5% do Cerrado e tem um valornatural elevado. A mata ciliar o ambiente de 80% dos mamferos e de 24% das espciesameaadas de extino (WWF 2003). At hoje protegida s 1.5% do Cerrado.8O Cerrado se divide em areas fitogeogrficas altas, as chapadas com clima seco, e reas baixas emidas. Conhecidas como baixes na linguagem popular, onde a vegetao apresentapredominancia de palmeirais densos de babau, (zona dos cocais9) e de carnauba. Tambm soencontradas outras palmeiras como burit, tucum, macaba e buritirana.

    Os brejos apresentam predominantemente vegetao com influncia de nascentes e olhos-dgua,geralmente, os Buritizais e os Juarais. Esta formao ocorre em reas onde as caractersticas doterreno permitem um menor escoamento e um maior represamento das guas.

    Na regio de chapada comum encontrar rvores frondosas: ingazeira, pau pombo, aroeira, jatob, bacuri, catinga de porco, maaranduba, jatob, piqu, cedro,sapucaia, tamarindo, timb, gameleira, mulundu, ara, sucupira.

    Outras espcies arbreas presentes eidentificadas juntamente aos moradores10 :

    Pau terra, pau carne e fava danta11, sambaiba, murici da chapada, sucupira da

    chapada12, candeia, catuaba.

    As frutiferas: bacaba, buriti, mangaba, caju, caju, piqui, bacuri, piqu, goiaba.

    7 Chapadinha, Brejo, Urbano Santos, Anapurus, Mata Roma, So Benedito do Rio Preto8 A expanso da Fronteira Agrcola e a Agricultura Familiar no Cerrado Maranhense, tese de Mestrado de MartinStudte9 A vegetao brasileira , de Mario G. Ferri10 Junto ao senhor Chico da Comunidade de Vila Pandoca.11 Por meio da manipulao das razes dessa especie extrai-se um remdio para clicas muito usado pelosmoradores.12 rvores dotadas de varias propriedades medicinais; no caso do pau carne, a estrutura profunda das razes faz comque seja uma espcie fundamental para proteger o solo dos efeitos das chuvas.

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    A regio rea de transio de vrios ectonos: Amaznia, Cerrado, Caatinga e Mata de Cocais.Os solos variam muito em topografia, em qualidades fsicas e em composio quimica, prevalendoporem os terrenos planos e em geral solos cidos e deficientes em numerosos componentesquimicos13. Um dado relevante que mesmo na estao seca (que pode perdurar 4-5 meses,ocorrendo chuvas nos meses restante num total que oscila em torno dos 1400-1500 mm) esses

    solos contm bastante gua armazenada em profundidade. Isso significa que nunca falta guapara a vegetao natural.

    Os animais mais encontrados so paca, tatu, mambira, cobra, cascavel, jacar, camaleo, ti,quat, ona, tamandu, caitetu, anta, queixada, capivara, jabut, guaxinim, macaco, cotia, raposa,veado, preguia, raposa e guar. Os pssaros nativos da regio so sabi, bentivi, pica pau, juriti,rolinha, xexu, bico de agulha, nambu, ema, avoante, gavio, seriema, tucano, gara, arara,canrio, jandia, currupio, curica, perdiz, jaan, marreco, nambu, cabur, anum, paturi, ja,chico preto, bigode, mutum, bico de brasa, vimvim, pipira, ferreiro, fogo pag, sangue de boi, joode barro, galinha dgua, frango dgua, soc, martim pescador e andorinhas.

    Fundamental o papel de aves polinizadoras como a pipira, maracan e o papagaio PionitesLeucogaster (a marianinha), responsveis pela propagao do plen de rvores como o bacurique uma especie ornitofila, assim como existem os mamferos dispersores de sementes comoveados e pacas que se alimentam dos frutos que encontram nas chapadas.As espcies de peixes mais comuns na Bacia do Munin so piaba, piau (espcie ameaada segundoa lista do MMA de 2003), pac, curimat, mandi, au, bicudo, mandi liso, cachorro, pescadinha,piau de coco, tubi, calabanje, bagre, viola, boi acari, sarap cascudo, serra, grangiola, cachimbo ecamaro, traira, lampr. O tipo mais comum de peixe o mandi, que cozido no leite de cocobabau um prato comum da regio.

    Grau de importncia biolgica

    De acordo com a anlise do projeto Aes Prioritrias para a Conservao da Biodiversidade doCerrado e Pantanal (APCBCP), a regio possui informaes insuficientes para caracterizao dograu de importncia biolgica (MMA, 1999). Esse projeto realizou um workshop que definiu reasprioritrias para a conservao, junto a outras recomendaes gerais quanto a utilizao dadiversidade biolgica da regio. Nesse sentido foram recomendadas aes de manejo e criao deUnidades de Conservao na regio.

    Como resulta do quadro ambiental at agora descrito, o Cerrado do nordeste maranhense bastante peculiar por apresentar ocorrncia de espcies da Amaznia e da Caatinga dentro deuma fisionomia de Cerrado. Como rea de transio entre os trs biomas, a regio fundamentalpara o fluxo gnico de diversas espcies, favorecendo a viabilidade das populaes naturais. Aconverso de reas como essas monoculturas resulta, portanto em uma grave ameaa biodiversidade.

    O padro de ocupao seguido pela expanso do agronegcio resulta na modificao dos 80% dosecossistemas originrios segundo Mantovani (1998) com a preservao at hoje de um mero20%.14

    13 Dado contrabalanceado pela radiao solar e as chuvas abundantes14 A expanso da Fronteira Agrcola e a Agricultura Familiar no Cerrado Maranhense

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    Aptido agricola e impactos sobre os solos

    De acordo com o Mapa de Aptido Agrcola dos Solos, elaborado pelo Projeto Radam15, o

    municpio de Chapadinha e as reas limtrofes apresentam restries para culturas de ciclo curto,mesmo para sistemas de manejo de alta tecnologia, em funo de sua alta susceptibilidade eroso e a perda rpida de fertilidade. Por isso a consolidao do plantio da soja vai levar vriosefeitos indesejados como:

    Eroso e perda de fertilidade;

    Comprometimento dos recursos hdricos e edficos;

    Desmatamento e destruio de habitats naturais;

    Risco de desertificao, alterao dos regimes das chuvas.

    Isso significa que a derrubada das rvores tem como conseqncia a degradao do solo, que ficasujeito ao intemperismo, principalmente ao impacto da chuva em sua superfcie, que carreia osolo desagregado para o leito dos tributrios e consequentemente para o principal, provocandoassim seu assoreamento, ou seja a reduo da profundidade de sua calha.Este por sua vez se constitui em um gravssimo problema de impacto ambiental uma vez que, emrazo disso, se compromete a disponibilidade de recursos alimentares essenciais para a teiaalimentar de toda a fauna, alm de ocasionar o desbarrancamento das margens, levando aoassoreamento de seu leito (Barradas 1996).

    Alm disso, como lembra a agrnoma Ana Maria Primavesi, pioneira da agroecologia no Brasil,para um manejo bem sucedido do meio ambiente fundamental comear pela base, ou seja pelaproteo dos solos que devem permanecer vivos e agregados (ou seja bem estruturados para

    15 Projeto Radar na Amaznia: primeiro processo em ampla escala de documentao e levantamento do relevobrasileiro usando imagens de satlite, efetuado em 1973

    Derrubada

    rvoresPlantio

    monoculturas

    Degradao

    solos

    Exposio sol

    e vento

    Carreiamento dosolo

    Impactos sobre o sis-tema fluvial

    Estresse hidrico

    Impacto na teia

    alimentar

    Exposio

    chuva

    Utilizo irracional

    das guas

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    facilitar a entrada da gua e o crescimento das razes). Isso garante a proteo contraaquecimento excessivo, contra o impacto da chuva e o vento permanente.16Em face deste cenrio comum a todo o Cerrado brasileiro fundamental que sejam tomadasmedidas para impedir o avano da fronteira agrcola sobre o restante 20% de cerrado preservadoque ainda resta no Brasil.

    O bacuri

    Carateristicas fisicas

    O bacurizeiro uma planta perene de porte mdio a alto, podendo atingir nos indivduos mais de-senvolvidos uma altura de 30m e dimetro na altura do peito (DAP) de 2m. Quando componenteda vegetao primria ocorre em baixa densidade, geralmente com nmero inferior a um indiv-duo por hectare. uma rvore social, formando agrupamentos de seis a oito indivduos, distancia-

    dos entre si em cerca de 30 a 40m. Entretanto, em ecossistemas de floresta secundria de terrafirme a densidade bem maior, em virtude de a espcie apresentar estratgias de reproduo se-xuada e assexuada.

    Nesse tipo de vegetao a espcie pode ocorrer formando macios quase homogneos, em densi-dade que comumente supera a marca de 200 indivduos por hectare, indicativo de que em tem-pos passados algum tipo de manejo foi efetuado para favorecer o estabelecimento e o crescimen-to dos bacurizeiros.

    No existe consenso com relao ao agente polinizador das flores do bacurizeiro entre os agricul-tores. Uma pesquisa conduzida por Maus e Venturieri (1996) desvendou a atuao da famlia dosPsitaacidae (marianinha-de-cabea-amarela, periquito-da-asa-dourada e aratinga-de-bando), Coe-rebidae (sa-roxa), Icteridae (japiim-xexu) e Thraupidae (pipira vermelha, sanhao-azul, sanhao-do-coqueiro) na polinizao dos bacurizeiros.

    Por ser uma planta que apresenta polinizao cruzada efetuada por pssaros, o sucesso dos pro-gramas de manejo e dos plantios racionais vai depender da conservao dos recursos faunsticos eda flora.

    O extrativismo de frutos do bacurizeiro constitui-se em atividade econmica com destaque paraos estados do Par, Maranho, Piau e Tocantins, no obstante verificar-se a ocorrncia da espcieem todos os estados da Amaznia Legal (CAVALCANTE, 1991). A no explorao do bacuri nos es-tados do Acre, Amap, Amazonas, Mato Grosso, Rondnia e Roraima, est associada ao fato deque nesses locais a espcie ocorre em reas de vegetao primria, com reduzido nmero de indi-vduos por hectare e distante dos centros consumidores, o que inviabiliza o extrativismo. Nessa si-tuao, o bacuri representa apenas recurso de sobrevivncia na floresta.

    A histria

    16 Lembre-se tambm que folhas e frutos formam ao decompor-se a matria orgnica que nutre o solo, motivo a maispara tentar manter a cobertura arbrea original

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    O bacurizeiro, ao longo dos ltimos dois sculos e meio, teve uma grande mudana no conceito doseu aproveitamento. Passou de uma fruta sem importncia para uma rvore de interesse madei-reiro e da valorizao do seu fruto. A importncia do bacurizeiro como rvore de construo, fezcom que, ao longo dos sculos, frondosos bacurizeiros fossem derrubados para extrao de ma-

    deira, utilizada na construo civil e, principalmente, na construo naval artesanal da Amaznia.

    Registra-se, porm uma evoluo histrica, no qual esta fruta segue o caminho do cupuau e doaa, ganhando dimenso nacional e internacional e tornando-se a polpa mais cara existente nomercado. Espera-se que dentro dos prximos anos, a colheita de frutos de bacuri seja parte inte-grante da safra de plantios racionais e de manejos conduzidos nos locais de ocorrncia onde aindadepende do extrativismo com oferta limitada e de novos locais.

    A coleta de bacuri, logo aps o contato com o colonizador, destinava-se somente para o consumodos coletores e de seus familiares, sem preocupaes com a sua comercializao. Com o avano

    da colonizao e a expanso da fronteira agrcola, extensas reas da floresta foram derrubadas pa-ra dar lugar s roas para a produo de alimentos.

    Na atual fase da histria econmica da regio, em que se buscam alternativas de gerao de rendae emprego para as comunidades do Cerrado, nada mais salutar do que dar outro destino para es-sas reas degradadas, depois de dezenas de anos de prtica de agricultura migratria de derruba-e-queima, promovendo o manejo das densas brotaes de bacurizeiros.

    Opes e oportunidades de manejo

    O bacurizeiro possui uma caracterstica mpar de rebrotar a partir de suas razes, chegando a infes-tar antigas reas de ocorrncia dessa espcie. O manejo desses rebrotamentos constitui a opode curto prazo mais apropriada para aumentar a produo de frutos, totalmente restrita pela ofer-ta extrativa17. Outra alternativa seria a de efetuar plantios racionais e a sua incorporao em sis-temas agroflorestais, promovendo a recuperao de reas desmatadas e daquelas que no deve-riam ter sido desmatadas.

    O manejo do bacurizeiro pode ser efetuado a partir das brotaes de razes que nascem nos roa-dos abandonados aproveitando o espao remanescente com o plantio de cultivos anuais (mandio-ca e caupi) por duas safras para a reduo do custo, manter a rea limpa e integrao com cultivos

    perenes formando sistemas agroflorestais. O comeo da produo de frutos ocorre entre cinco esete anos aps o incio do manejo. necessrio, no entanto, cuidados para evitar incndios decor-rentes de queimadas efetuadas em reas prximas. O risco da entrada do fogo est presente emtodos os bacurizais, sejam aqueles em floresta primria, em vegetao secundria e em reas ma-nejadas. As observaes mostram que os bacurizeiros no apresentam resistncia ao fogo, a noser a resposta quanto ao rebrotamento por intermdio das razes. Com a entrada do fogo, o calorno tronco provoca o descolamento da casca e a sua combusto facilitada pela resina, provocan-do a sua morte.O prejuzo maior provocado pela coleta fortuita causada pela derrubada de frutos mediante asubida nos bacurizeiros e sacudindo os galhos, mesmo noite. Com isto, provocam a queda da-

    17 Fonte Manejando a planta e o homem: os bacurizeiros do nordeste Paraense e da Ilha de Maraj, artigo de Hom-ma, de Carvalho, de Matos, de Menezes

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    queles maduros e semimaduros, que so abafados para posterior comercializao dos frutos, ain-da, em fase de crescimento, estes abandonados no cho, causando prejuzos estimados em tornode 5% a 10% da safra. Este procedimento ocorre no incio da safra, quando os preos esto eleva-dos.

    H necessidade de conscientizar as comunidades locais contra essa prtica, que alm de reduzir asafra de bacuri, restringe a gerao de renda para ascomunidades e prejudicam os bacurizeirospara a safra seguinte. Por isso evitar a retirada de frutos verdes, a derrubada de bacurizeirosparaobteno de madeira e proteger as reas deocorrncia e a substituio por atividades agrcolasconstituem medidas que precisam ser implementadas.

    Urge tambm o desenvolvimento de mquinas apropriadas para a retirada da polpa e o aprovei-tamento da casca e do caroo, que representam mais de 80% do peso do fruto.A polpa do bacuri retirada mediante a bateo do fruto com um cacete, evitando-se o corte coma faca. Com isto o fruto se parte e a polpa se desprega com mais facilidade da casca, separando o

    filhote ou lngua (polpa sem caroo) e as mes (caroos envoltos com a polpa), os quais so re-tirados com uma tesourinha.

    Existem comunidades que efetuam a quebra do bacuri na parte da tarde e durante noite, e a en-trega se d na manh seguinte, pelo fato de no terem geladeira ou freezer ou por falta de energiaeltrica. Outros adquirem gelo para conservar a polpa, enquanto se procede extrao ou pagampara conservar no freezer daqueles que o possuem. Muitos dos coletores das comunidades visita-das para a realizao desse documento preferem vender o fruto in natura pela falta de energia e-ltrica. Dessa forma o valor monetrio que podem obter pelo prprio trabalho de coleta forte-mente reduzido.

    Constituindo-se de uma fruta, em que o rendimento de polpa muito limitado (10% a 12%) do pe-so do fruto, no foi desenvolvida, at o momento, uma mquina adequada para despolpar o bacu-ri como ocorre com o cupuau e o aa. Dessa forma, toda a sua extrao efetuada, manualmen-te, nas comunidades locais, cuja produo revendida para atravessadores que revendem o frutopara as agroindstrias de polpas e de sucos, sorveterias, etc.

    A retirada da polpa do bacuri assume caractersticas sui generis18, comuns para outras atividadescomo a quebra do coco babau, castanha-do-par, castanha-de-caju, cupuau, aa, muruci, entreoutros. A falta de uma mquina para efetuar a retirada da polpa constitui um desafio tecnolgico

    que, provavelmente, se houver interesse, ser rapidamente resolvido.

    Para o uso das cascas e os caroos de bacuri que representam, respectivamente, 65% e 25% dopeso do fruto, h necessidade de que se descubram possibilidades para o aproveitamento integraldo fruto. Algumas pessoas utilizam a casca para a confeco de doces e a Beraca/Brasmazon19 ini-ciou a aquisio de caroo de bacuri para a extrao de leo palmtico, presente em grande quan-tidade sob a forma de tripalmitina, para a indstria de perfumaria, mas ainda em quantidade re-duzida, mostrando o potencial que este setor apresenta.

    18 Artigo de Alfredo Homma19 Empresa brasileira de cosmticos, produtos farmacuticos e alimentcios

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    Nas comunidades os extrativistas jogam as cascas e os caroos em buracos ou locais distantes dotrajeto, pois segundo eles afirmam, causam muita frieira.

    Em algumas comunidades, utiliza-se a queima do caroo para fazer fumaa para espantar carapa-ns(mosquitos) e como combustvel para cozinhar decorrente da resina que contm. O aprovei-

    tamento do caroo para a extrao de leo mediante cozimento prtica adotada em algumas

    comunidades utilizada para tratamento de artrite.

    Porque criar Reservas Extrativista no Baixo Parnaba?

    Com primeiro elemento vale a pena ressaltar que, em lnea terica, as Unidades de Conservaoso consideradas um dos principais instrumentos para a conservao da biodiversidade e, deacordo com dados do WWF (2002), o Cerrado o Bioma que mais carece de UCs.Em consonncia com este dado, o nordeste do Maranho a regio com a maior lacuna em reasProtegidas do Estado.

    Ainda mais, as reas de ocorrncia de bacurizeiros adultos foram derrubadas para a extrao demadeira e sua transformao em roados, desde o sculo XVII, quando o mercado do fruto no ti-nha nenhuma importncia, a no ser para consumo local e na poca da safra.

    Mesmo na atualidade, as reas de ocorrncia de bacurizeiros continuam sendo devastadas, pelabaixa densidade das plantas, o que no garante a sustentabilidade econmica frente a outras al-ternativas econmicas de curto prazo, como roados e carvoarias. Juntamente a isso a expansode soja no estado do Maranho tem-se constitudo na verso mais recente dessa destruio, pelaocupao das muitas reas de ocorrncia de bacurizeiros.

    Tendo em mente essas dinmicas devastadoras, a criao de uma Reserva Extrativista levaria an-tes de tudo a estabelecer um limite legal expanso da fronteira agrcola na regio do Baixo Par-naba20, cujos efeitos nocivos, de tipo social ambiental e econmico, sero discutidos no terceirocaptulo.

    Secundariamente, a criao de uma Reserva Extrativista tem como passo subseqente a definiode um plano de manejo, junto s comunidades, que levaria a adotar sistemas de manejo apropria-dos, a transformar roados abandonados de rebrotamento de bacurizeiros em pomares com espa-amento definido, mediante linhas de crdito especficas, integrando cultivos anuais e perenes.

    Por ser um produto extrativo, cuja oferta fixa e determinada pela natureza, com tendncia de-clinante, ante a depredao, pode-se concluir que se nada for feito pela sua preservao, no m-ximo se obter essa mesma produo.

    Com o manejo espera-se que se possa aumentar o nmero de bacurizeiros, que varia de 0,5 a 1,5planta/hectare para 100 plantas/hectare, com espaamento 10m x 10m e com isso aumentar ocarrying capacity e a produtividade da terra e da mo-de-obra, permitindo colher maior quanti-dade de frutos em menor tempo, aumentando a renda das unidades familiares. Dessa forma, aprodutividade seria aumentada, teoricamente, 66 vezes.

    20 Objetivo em consonncia dessa forma com um dos eixos prioritrios do Programa Territrio Livro apresentado naIntroduo desse documento

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    Considerando uma rea mnima de 10.000 hectares manejados seria possvel aumentar a produ-o para 400 milhes de frutos gerando uma receita de R$106,6 milhes, para os prximos 10 a 15anos21, sem falar das possibilidades de agregao de valor pela industrializao.

    Para isso, alm de manejar os bacurizeiros h necessidade de manejar o homem, protegendo as

    rvores e a preservao das aves responsveis pela polinizao. A existncia de bacurizais impro-dutivos pode decorrer da destruio dessas aves polinizadoras, o que tambm coloca em dvida, osucesso do plantio em larga escala e dos programas de manejo, com o contnuo processo de des-matamento na Amaznia.

    Com a adoo das tcnicas de manejo do rebrotamento de bacurizeiros seria possvel aumentar adensidade, transformando roados improdutivos espera da recuperao da capoeira, para novaderrubada, em bacurizais econmicos, e com isso aumentando a renda e desestimulando a prticada derrubada e queimada. Por ser planta perene de grande porte, promoveria a recuperao dasreas alteradas e at como fonte produtora de madeira, seqestro de carbono atmosfrico, entre

    outros. O manejo de bacurizeiros, aumentando a densidade para 100 plantas/hectare, permitiria aproduo de 19t de frutos e 2t de polpa, e resduos correspondentes a 12t de casca e 5t de caro-os que poderiam seraproveitados antes de serem revertidos ao solo, efetuando a sua fertiliza-o22.

    O aumentando a produo, reduziria o risco de perdas por furtos de frutos e compensaria o con-sumo local, sobrando excedente para a comercializao. O retorno seria em termos do aumentoda oferta de frutos de bacurizeiros, com o mercado em expanso e demanda reprimida decorren-te dos estoques existentes que esto sendo destrudos pela expanso da fronteira agrcola, docrescimento populacional e da substituio por outras alternativas econmicas.

    Seria por isso importante chamar a ateno para os pesquisadores no desenvolvimento de tecno-logias visando o aproveitamento de cascas e caroos de bacuri, a integrao dos bacurizeiros emsistemas agroflorestais, a necessidade de desenvolvimento de mquinas despolpadeiras e a im-portncia do bacuri na estratgia de sobrevivncia da agricultura familiar.

    A Reserva Extrativista Chapada Limpa: um exemplo a ser seguido

    Considerando a inteno do Frum Carajs, dentro do Programa Territrio Livre, de estimular e justificar a proposta de criao de Reserva Extrativista no Baixo Parnaba deve ser mencionada

    nesse documento uma experincia de relevo, e de sucesso, que se realizou numa rea bem prxi-ma quela em estudo. Trata-se da criao da Reserva Extrativista de Chapada Limpa, cuja rea seencontra no Municpio de Chapadinha.

    Depois de um conflito de terra, ocorrido em 2005, envolvendo um dos povoados dessa rea e umsuposto proprietrio de terras, a discusso e a mobilizao da comunidade em torno da criao daRESEX reascendeu. Em 26 setembro de 2007 se registrou um fato de grande importancia enovidade para o meio ambiente e a sociedade brasileira: por decreto do Presidente da Republicafoi criada a Reserva Extrativista Chapada Limpa, Unidade de Conservao de Uso Sustentvel

    21 Artigo de Alfredo Homma22Ibidem

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    localizada no municpio de Chapadinha, com uma rea aproximada de 11.971,24 hectares. Essa foia quinta Resex criada no Maranho, sendo a primeira do bioma Cerrado.

    Os povoados da Chapada Limpa iniciaram seu processo de resistncia pacifica aos estragos dasmonoculturas, contrapondo a lgica da sustentabilidade lgica desenvolvimentista, em janeiro

    de 2006, quando o Ibama recebeu um abaixo-assinado da Associao Comunitria do Povoado doJuaral, que dava incio solicitao de criao desta unidade de conservao. O Centro Nacionalde Populaes Tradicionais e Desenvolvimento Sustentvel (CNPT) realizou vrias visitas tcnicasna regio, para elaborar os estudos necessrios que caracterizassem o potencial da rea em setornar uma Unidade de Conservao. Estes estudos apontaram a adequao scio-ambiental darea para se tornar uma Reserva Extrativista. O bacuri representou portanto para essasComunidades a bandeira de uma investida que visou equacionar incluso social, gerao de renda,conservao ambiental e valorizao da cultura tradicional.

    Graas a Resex os moradores de Chapada Limpa viveram a expectativa de ver a resoluo de seus

    conflitos e lutaram para impedir que supostos proprietrios de terra da regio aprovassempropostas de implementao de projetos de desmatamentos, carvoarias e plantio de soja dentrodos limites da unidade proposta, colocando em risco toda a integridade natural local, inclusive arvore -smbolo da luta das comunidades, um Bacurizeiro de sessenta galhos, que foi derrubada.

    Como demonstra o caso de Chapada Limpa, o motor que deu comeo a esse processo dereivindicao de direitos humanos e ambientais, foi mais uma vez um conflito por terras. Nacriao de uma Reserva Extrativista esses problemas interferem de forma direta, influindo nasdecises dos atores envolvidos. Os interesses so to fortes quo costrastantes entre visesopostas do uso da terra de latifundiarios, gachos23, e comunitrios-, terra que tanta mas

    nunca parece ser suficiente.

    Fundamental tambm para entender a complexidade e o impacto efetivo da questo compreender como interagem interesses econmicos de grande escala, como aquelesrepresentados pelo modelo de crescimento brasileiro qual pas exportador de commodities modelo abraado pelo atual governo e cujo beneficio real limitado ao potente setor doagronegcio-, e as dinmicas polticas dentro do processo decisional sobre temas de polticaambiental (como zoneamento ambiental, agrrio e urbano, criao de UCs, conservao dabiodiversidade).

    Se trata em outras palavras de considerar a dimenso politica do tema, diretamente relacionada resoluo dos conflitos fundirios em reas de alto valor ambiental e cobiadas por interessesespeculativos como no caso do Cerrado maranhense.

    Sobre essa dimeno voltaremos no prximo captulo no qual veremos come seria importante acriao de uma nova rea que seja protegida dos interesses particulares de sojistas ou dasindstrias da celulosa e siderrgicas, em favor das comunidades rurais e do Maranho como umtodo.

    Caracterizao Socioeconmica das Comunidades Rurais do Baixo Parnaba

    23 Com esse termo so designados em geral todos os grandes plantadores e compradores de terra que j viram esgo-tadas os recursos naturais a baixo preo nas regies sul e sudeste e que buscam expandir a fronteira agrcola nos eixoscentro-norte e nordeste

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    A dinmica produtiva dos povoados da regio do Baixo Parnaba tradicionalmente baseada noagroextrativismo. As comunidades estabelecidas na parte alta da chapada ou vizinhas a ela tm nobacuri o principalproduto do extrativismo. J as comunidades residentes nas pores baixas daregio praticam o extrativismo de babau, como atividade geradora de renda, e o extrativismo das

    palmeiras tpicas de ambientes alagveis (juara, buriti e bacaba) para consumo da famlia. Osmoradores da regio dependem tambm da agricultura de subsistncia para suprimento dealimentos bsicos, tais como arroz, feijo e milho.

    Em detrimento da importncia ecolgica desta regio do Baixo Parnaba, a converso de reasnaturais em monocultura de soja, eucalipto ou em pastagens so ameaas reais biodiversidade evm ganhando cada vez mais volume, seguindo o mesmo padro de outras reas de Cerrado noBrasil. Este padro de ocupao das reas de Cerrado pela expanso do agronegcio ouurbanizao desordenada j responsvel pela modificao de 80% da rea original deste bioma,apenas 20% dele encontra-se preservado como j afirmado nesse documento, sendo esse um

    dado to alarmante que merece ser remarcado.

    A populao utiliza a flora e a fauna local para alimentao, medicao, construo de casas, e

    para obteno de renda. A utilizao dos frutos de bacuri representam a fonte de renda primria.

    As reas de ocorrncia de bacuri so dividas entre os povoados respeitando a diviso original dos

    territrios. De forma geral o bacurizal de cada povoado uma rea de uso comum entre os

    moradore(a)s. A coleta do bacuri realizada no solo, junto as rvores reprodutivas, pois de acordo

    com o conhecimento tradicional estes frutos que esto realmente maduros.

    Alguns atravessadores recolhem a massa, outros o fruto intero; alguns chegam de Teresina outrosde Belem, outros de Sao Luis; o restante vendido nas cidades proximas como Chapadinha. Os

    frutos so classificados em dois tipos pelo tamanho, sendo os grandes mais valorizados.

    A renda media de 250/400 reais por ms, de acordo com a capacidade de coleta, podendo ser

    coletados 1000 bacuris/pessoa/semana24.

    Essas comunidades desenvolvem outras atividades geradoras de renda: extrativismo do babau,lavoura, produo e venda de carvo vegetal25. Apesar do bacuri ser um produto bem maisvalorizado que o babau, seu pico de produo se restringe a trs meses no ano. Desta forma o

    bacuri promove um aporte extra de renda nos primeiros trs meses do ano enquanto o babaugarante uma renda menor mas ao longo do ano todo. Segundo dados do IBGE (2005) o Maranhoresponde por 92,64% da produo de amndoa de babau. Os vinte maiores municpios produto-res de babau so maranhenses e entre eles est o municpio de Chapadinha. Porm, alm da evi-dente vocao para o extrativismo do babau e do bacuri, o cerrado do nordeste maranhense pos-sui inmeras potencialidades como sintetizado na tabela que segue.

    24 Lembre-se que os dados sobre a capacidade de colheita so sujeitos a amplas variaes sendo relacionada idade,posio social, sexo, condies fsicas25 Atividade que os moradores afirmam ser marginal e efetuada respeitando algumas condies como o uso de madei-ra reciclada dos roados

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    Tabela 1: Calendrio dos principais produtos extrativistas26

    Jan. Fev. Maro Abril Maio Junho Julho Agosto Set. Out. Nov. Dez.

    Babau X X X X X XBacuri X X X X

    Fava danta XBurit X X X X XJuara X X X X XBacaba X X X XFonte: pesquisa de campo

    Esses elementos mais uma vez nos demonstram a grande riqueza do Cerrado, que se preservadose configura com patrimnio subexplorado em sua potencialidade para atividades geradoras derenda e que garantem segurana alimentar de forma sustentvel.

    Segue abaixo tabelas que renem e sintetizam os dados coletados em cada comunidade. Esses so

    os nmeros que podem nos dar uma representao mais sinttica e visvel do papel fundamen-

    tal que o bacuri tem no equilbrio socioeconmico das comunidades.

    Tabela 02: Dados sobre o bacuri em Comunidades tradicionais

    Comunidade/Assentamento

    Extensoterritorial

    Nmerofamlias

    Nmerofamlias

    colhedoras

    Estimativade bacuris

    na rea

    Quantidadepolpa

    vendida(em 1 ms)

    Preoobtido

    VILA PANDOCA 320 ha 40 40 5.000 (em150 ha)

    Media de500-600 kg

    por famlia

    5 - 6$/kgpolpa

    VILA BORGES 2960 ha 52 18 50.000 (em2.000 ha)

    600 kg porfamlia

    5,50$/kgpolpa

    MANGUEIRA 50 50 5$/kgpolpa

    MACAJUBA 2580 ha(1500 ha

    dechapada)

    1 3000 frutos60 kg de

    polpa

    6$/kgpolpa

    VILA DOS CABOCLOS 400 harea de

    chapada

    50.000(derrubados)

    De 300kg a600kg de

    polpa porfamlia

    VILA CHAPEU 600 ha 36 36 15.000 600-900frutos

    100frutos/13$

    VILA JANUARIA 200 ha 23 5.000

    GAMELEIRA 200 frutos Consumointerno

    Fonte: pesquisa de campo

    26 De Laudo socioeconmico e biolgico para a criao da Reserva de Chapada Limpa, MMA-IBAMA, pagina 67

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    Tabela 03: Dados sobre o bacuri em Comunidades tradicionais

    Fonte: pesquisa de campo

    Foram visitadas tambm as comunidades de: Gameleira, Macaco do Vito, Vrzea do Meio

    27 Dos quais s 60% se encontram preservado28 Por um intermedirio

    Comunidade/

    Assentamento

    Extenso

    territorial

    Nmero

    famlias

    Nmero

    famliascolhedoras

    Estimativa

    de bacurisna rea

    Quantidade

    polpavendida

    Preo

    obtido

    VILA DAS ALMAS 11.103 ha(2.000 ha

    dechapada)27

    448 200 15.000(10-15 /ha)

    1.800 kgcoletados e

    vendidos28 naultima safra

    4 - 6$/kgpolpa

    AGUA BRANCA 182 ha 40 10 5.400(30-40 /ha)

    500 kg porfamlia por

    safra

    5 - 7$/kgpolpa

    Foto 03: Moradores da gua Branca sendo entrevistados

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    Terceiro Capitulo

    A expanso da fronteira agrcola: a soja chega ao Maranho

    A partir da dcada de 70 expanso da fronteira agrcola, uma vez que se iniciou a estagnao dastaxas de produo da terra na regio sulina, levou a progressivo aumento no ritmo de destruionos ecossistemas do Cerrado e da Floresta Amaznica, nas regies Centro-Oeste, Norte e Nordes-te. A soja em particular vem ocupando nos ltimos anos a posio de primeiro produto de expor-tao do agronegcio no Brasil, cultivo que atualmente ocupa no Pas a maior rea plantada.

    Sua produo em maior escala teve incio no Brasil nos anos 1950, no estado do Rio Grande do Sule foi subindo para os estados do Paran e So Paulo. Da dcada de 1970 a soja expandiu-se paraoutras regies do Brasil graas a adoo de tcnicas promovidas pela Revoluo Verde, baseadano uso intensivo de agroqumicos e mquinas agrcolas com o objetivo de aumentar a produtivi-

    dade, cujos altos custos scio-ambientais seguem nesse captulo.

    Buscava-se naqueles anos uma cultura complementar do trigo -a qual se da no inverno- e foi es-colhida a soja, cuja expanso se deu as custa de reas plantadas com feijo, mandioca e milho.Dessa forma a Revoluo Verde e o avano da soja vieram a ser pilares da modernizao agrcolade tipo conservadora defendida pelos regimes militares que seguiram ao poder no Pas. Define-seessa modernizao de conservadora porque basicamente no foi tocado o latifndio e porque agricultura rural e familiar foi preferida agricultura de grande escala, baseada em monocultivoscomo soja e cana, e com destino primrio exportao. Comeava ento a definio do Brasil co-mo celeiro do mundo e as escolhas de investimento em produo passaram a ser influenciadas di-

    retamente pela demanda e preos internacionais.

    Em 1974 o governo decidiu investir no avano da soja nas regies centrais e para isso foi criado oprograma de cooperao Nipo-Brasileira para o desenvolvimento do Cerrado, o Prodecer, ativoat hoje com o nome de Prodecer III. Outro evento decisivo na conquista do Cerrado foi acriao do Centro de Pesquisa Agropecuria dos Cerrados - CPAC, vinculado Empresa Brasileirade Pesquisa Agropecuria - Embrapa, com o objetivo de realizar pesquisas. No incio da dcada de80 se viabilizou o plantio de soja na regio sul do Maranho, eleita pela mdia nacional como a no-va fronteira de produo da soja do Brasil. Em 1985 comeou a fase do programa centrada sobrefinanciamentos para a expanso agrcola mecanizada no Cerrado promovendo o assentamento de

    agricultores experientes do Sudeste e do Sul para suprir aos acordos de fornecimento de soja aogoverno japons. Em 10 anos a fora do ritmo de expanso do cultivo levou a soja a figurar entreos principais produtos exportados pelo Estado do Maranho, ficando atrs apensa de trs com-modities minerais (ferro gusa, minrio de ferro e alumnio).

    Ademais a expanso da produo sojicola apresenta duas caractersticas: forte presena do Estado

    em sua viabilizao com o Prodecer- e concentrao em grandes propriedades, resultado das de-

    cises e escolhas feitas para cumprir com as condies de aplicao do programa, como no caso

    das condies das linhas de crditos para atividades agrcolas oferecidas pelos bancos. Neste sis-

    tema de financiamento o objetivo aquele de atender a agricultura eficiente, isto aquelas cul-

    turas que tem algum tipo de integrao com uma cadeia agroindustrial ou esto inseridas nos cor-

    redores de exportao.

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    O estado brasileiro, alm de apoiar o avano da soja no Cerrado com crditos subsidiados, se fez

    presente tambm com investimentos em infra-estrutura e pesquisa e estimulou a implantao de

    indstrias de esmagamento buscando agregar maior valor produo atravs do export do farelo

    e para o consumo interno do leo. Estas empresas em sua maioria seriam absorvidas pelas gran-des transnacionais do setor que chegariam ao mercado alguns anos mais tarde. Constituir-se-ia

    dessa forma uma potente rede privada e transnacional- de indstrias esmagadoras de soja e em-

    presas de insumos qumicos, ocupando o espao deixado pelo governo federal em relao ao fi-

    nanciamento da agricultura durante a crise econmica dos anos 90. Estradas, portos e indstrias

    de esmagamento so financiados por bancos, governos e empresas da cadeia produtiva da soja.

    Nessa cadeia o papel central, portanto de empresas comerciais multinacionais como a ADM,

    Bunge, Cargill e Dreyfuss que controlam grande parte da cadeia de produo e processamento,

    tanto nos pases exportadores quanto nos importadores. Essas empresas fornecem adiantamentosaos produtores na forma de crdito, sementes, adubos qumicos e agrotxicos. Isso faz com que

    essas empresas, com faturamentos milionrios, exeram um grande controle em toda a cadeia

    produtiva. Com isso um pequeno nmero de empresas determina o que ser semeado, quem far

    a produo, onde e como ser produzido. Oferta e demanda no so mais independentes e com

    isso a influncia da poltica e dos consumidores sobre o funcionamento da cadeia reduzida.

    A expanso da sojicultura enquanto cultivo de larga escala no Maranho um processo de pero-do recente e foi nos ltimos anos do sculo XX que a produo se consolida no sul do Maranho

    (com Balsas como sede de um projeto-piloto do Prodecer) e avana para outras regies do estado,principalmente para o centro e o leste maranhense.

    Tabela 04: produo de soja no Maranho

    Ano29 Maranho Sul Leste30 Centro

    1996 173.283 137.283 - -

    1997 221.535 221.289 246 -

    1998 290.438 290.189 249 -

    1999 409.012 405.248 2.324 1.440

    2000 454.781 448.359 4.958 1.464

    2001 491.083 482.274 6.889 1.920

    2002 561.718 552.344 9.350 24

    2003 660.078 637.289 19.183 3.606

    2004 903.998 863.793 30.632 9.222

    2005 996.909 943.904 46.799 6.206

    2006 931.142 824.759 92.386 13.997

    29 Fonte: Produo Agrcola Municipal (IBGE) no livro A agricultura familiar da soja na regio sul e o monocultivo noMaranho30 Em 2006 a mesorregio do leste maranhense foi responsvel por 10% do total da soja plantada no Maranho

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    Segundo a Secretaria do Comercio Exterior (SECEX) de 1999 a 2007 o valor das exportaes de so-ja do Maranho quase quadruplicou: de US$ 65 milhes a US$ 235 milhes. No que concerne quantidade exportada a evoluo menor, passando de 358.728 toneladas (em 1999) para

    841.943 (em 2007). Como era fcil de imaginar os principais exportadores de soja presentes noMaranho, por volume e valor exportado em 2007, so a Cargill Agrcola S/A e Bunge AlimentosS/A controlando o 61% do valor total exportado.

    As conseqncias negativas do monocultivo da soja

    Como resultado da ao das forcas polticas e interesses econmicos acima descritos, foram con-

    vertidos 2,4 milhes de hectares de savana para a agricultura.

    Esse grande processo de modificao do uso da terra provocou impactos negativos diretos nas se-

    guintes esferas:

    Preservao da biodiversidade nica do Cerrado, como resulta no segundo capitulo desse

    documento;

    Garantia da qualidade de vida das comunidades e da sobrevivncia das mesmas;

    Emisses nocivas de gs carbnico na atmosfera devido remoo da cobertura arbrea;

    Juntamente a essas consequncias se evidencia uma tendncia poltica clara: nos ltimos 20 anos

    ocorre processo de concentrao fundiria, causado pela combinao indevida dos interesses de

    latifundirios e dos grandes grupos de sojicultores junto aos polticos e ao poder.

    Representantes do poder pblico liberaram a venda e o uso da terra para empresas da cadeia da

    soja, ou da celulose, em segundo plano os critrios socioambientais, em uma complexa rede de

    troca de favores cuja finalidade o fortalecimento da posio prpria e dos aliados. O motivo des-

    se comportamento relacionado ao peso decisivo dos grupos do agronegcio na economia local,

    til para a garantia de verbas e votos aos polticos locais e estaduais. Trata-se de mais um caso de

    trocas de favores, comum entre as oligarquias no poder no Brasil. Em um sistema como esse o efe-

    tivo interesse coletivo da populao, junto s perspectivas de longo prazo, so desconsiderados por

    quem se encontra em uma posio de poder.

    Junto a isso, o prprio desempenho do INCRA (Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agr-

    ria), rgo que deveria supervisionar a um processo de reforma agrria e regularizao do orde-

    namento fundirio para favorecer um processo paralelo de desconcentrao fundiria, e do I-

    TERMA(Instituto de Colonizao e Terras do Maranho), pode ser definido extremamente tmido

    no Maranho. O nmero de projetos de assentamento criados diminuto, o total de famlias as-

    sentadas representa menos de 1,2 % do conjunto estadual e a rea desapropriada, menos de 0,9%

    para fins de reforma agrria no Maranho.

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    Mas devemos nos lembrar que existem ainda duas outras modalidades de interveno governa-

    mental na estrutura fundiria:

    -A poltica de Criao de Unidades de Conservao (UCs),

    -A poltica de Reconhecimento do direito terra por comunidade quilombolas.

    Com um quadro poltico desse tipo fcil de entender porque os conflitos fundirios pelos quaispassam as Comunidades Rurais do Maranho so numerosos. Os estudos e os conhecimentos co-letado ao longo dos anos pelas organizaes que representam a sociedade civil (como o prprioFrum Carajs, a SMDH e o CCN) e que monitoram o estado de direitos humanos e os impactosreais desse modelo de desenvolvimento, documentam h anos que ao longo do caminho daexpanso da soja se d a expulso muitas vezes violenta das populaes. Durante as entrevistasrealizadas nas Comunidades do Cerrado para realizar esse documento, foram relatadosameaas vida por parte de capangas e latifundirios, desmatamento irregular e efetuado durante a noite de

    glebas inteiras de chapada, o fechamento de caminhos dentro de reas comunitrias, presso paraa venda das terras.

    Os conflitos so de fato muitos:os moradores dos povoados da regio tm historicamente enfren-tado conflitos de interesses envolvendo o direito ao uso da terra. Um outro tipo de agresso rela-tada por diversos povoados so as queimadas criminosas que seriam provocadas por vaqueiros daregio, com a inteno de liberar novas reas para pasto, atingindo inclusive reas de bacurizal.Essas queimadas so feitas de forma irresponsvel e descontrolada e muitas vezes colocam emrisco a vida dos moradores, pois alcanam suas casas. Para evitar maiores desastres e prejuzos, asfamlias vitimadas se envolvem no controle do fogo.

    Reflexescriticas sobre o modelo exportador do agronegcio

    Se de um lado reflexes sobre a rentabilidade da terra e das tcnicas agrcolas so legtimas quan-do se analisam as escolhas polticas sobre modelos de desenvolvimento para o campo, tambm sedeve refletir sobre o que significa para o Brasil investir de forma to macia na produo de com-modities para a exportao. Em um livro de economia poltica escrito pelo economista alemo Ge-org List, que na inteno do autor era uma resposta e uma critica teoria clssica sobre o comr-cio contida no mais famoso A riqueza das naes de Adam Smith, vem citada uma reflexo mui-to interessante e que permanece atual:

    evidente que nada contribui tanto para o bem-estar publico quanto a exportao de produ-tos manufaturados e a importao de matria prima do estrangeiro

    Essa frase foi pronunciada em 1721 pelo rei da Inglaterra Jorge I no discurso de abertura do Par-lamento e resume perfeitamente a poltica comercial inglesa que fez desse pas insular a maior po-tencia econmica do sistema internacional durante um longo perodo histrico. E como era evi-dente Jorge I que vender bens de alto valor contra produtos agrcolas trs vantagens para o pri-meiro e muito menos para o segundo, assim na teoria econmica mais atual foi individualizaodo fenmeno definido de desigualdade dos termos de troca.

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    Essa teoria, desenvolvida a partir do estudo de economias em desenvolvimento (especialmentenos pases africanos e da Amrica do Sul) que mesmo abraando os sbios conselhos dos filhos deAdam Smith e acreditando na utilidade da especializao e da competitividade promovidos pelocomercio, viram suas condies econmicas no melhorar o esperado. Isso porque a troca comer-cial feita entre produtos com muita diferena de valor econmico com o tempo leva a um desequi-

    lbrio. Isto : a taxa de crescimento de uma economia ao longo prazo limitada pela sua capaci-dade de pagar sua importao31.

    No mundo real a quantidade de bens e servios que se importa para produzir o PIB deve ser pagapela quantidade de bens e servios exportados, valorizados por seus respectivos preos, fixadosno mercado mundial e muito pouco influenciados pela oferta e demanda de cada pas.Acreditar que as exportaes do agronegcio, resultado de nossas vantagens comparativas natu-rais, so capazes de sustentar nosso crescimento como provou a virada de 2003-2006 significaesquecer que entre 1995 e 2002, com a mesma produtividade do setor mas sem a expanso mun-dial, o Brasil acumulou US$ 200 bilhes de dficit em conta corrente, foi duas vezes ao FMI (Fundo

    Monetrio Internacional) e cresceu apenas 2,3% ao ano. No o caso do comeo desse ano, quej registrou um dficit de US$ 518 milhes na balana comercial, dficit que interrompeu uma se-rie de 93 meses seguidos de supervit porque o contexto econmico mundial tudo menos quede expanso.

    Depender da exportao de commodities, considerando o desequilbrio dos termos de troca e asciclicidades da economia, uma escolha no mnimo arriscada e o que se impe um papel ativo einteligente do Estado na construo do setor exportador.

    Se os defeitos desse modelo no tivessem j sidos comprovados historicamente, visto que o Brasil

    desde sempre dependeu da exportao de bens como cana, caf e agora a soja, no se explicariaas profundas dificuldades econmicas do pas desde a descoberta at hoje.O Brasil j vendeu muito de suas terras, guas, e suor humano, incorporados em cada saco de caf,acar e farelo de soja, conseguindo obter em troco muito pouco para a maior parte da populaoe destruindo boa parte de seus ecossistemas.

    O Maranho se encontra em um estado de ainda maior desorganizao econmica e continua de-sempenhando um papel passivo em sua relao com grupos transnacionais - como a CompanhiaVale do Rio Doce, Margusa, Marflora, Cargill e Bunge-, ao quais vende seus produtos por preosque no incluem nenhuma forma de contabilidade dos custos ambientais e sociais causados pela

    produo agrcola em larga escala. Nenhum tipo de passivo ambiental causado por essas ativida-des econmicas ser reconhecido e incorporado em preos fixados em Chicago (sede da Bolsa quefixa os preos internacionais das commodities). Dessa forma os grupos que controlam os fluxoscomerciais desses bens prosperam, enquanto as populaes rurais afrontam dificuldades crescen-tes. O Brasil como um todoest exposto s bruscas quedas de demanda e preo, ou seja, exposto volatilidade de uma economia globalizada e fluida. A atual crise e as prospectivas de uma pro-gressiva volta ao protecionismo confirmam as crticas feitas at aqui a esse modelo.

    31 Artigo de Antonio Delfim Neto, Importao, Editorial da Folha de So Paulo de 21/01/2009

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    Em um artigo aparecido na revista inglesa The Economist dessa semana, so citados alguns dos in-dicadores sociais do Maranho, que exemplificam de uma forma sinttica a falta de desenvolvi-mento real que o agronegcio trouxe a essa terra32.

    Essas consideraes de carter econmico, junto s consideraes de cunho ambiental contidas

    no segundo captulo, como a eroso dos solos e estresse hdrico decorrente da expanso da fron-teira agrcola, nos levam a afirma sem duvida que o modelo exportador no sustentvel ao longoprazo enquanto leva desconforto para as populaes no curto termo. Dentro de um padro mone-trio de valorao, entendemos que a riqueza para poucos hoje, no vale a destruio das rique-zas de muitos de amanh.

    Concluses

    A questo do direito terra so conexos temas igualmente delicados como a reforma agrria,nunca cumprida no Brasil, e os modelos de produo agrcola sustentveis no longo prazo e com-patveis com a preservao do patrimnio da biodiversidade natural.

    Como lembrado no primeiro captulo desse documento a Reserva Extrativista tem funes sociaisa cumprir definidas por lei. Entre essas lembramos mais uma vez que a Reserva Extrativista deveconservar a caracterstica de concretizao da justia, mediante a atribuio da terra a aquelesque secularmente ali habitam e a defendem, sendo esse o principio que espelha o significado pro-

    fundo da relao entre a natureza e o homem. Ou seja, em uma sociedade que se preocupa real-mente com o bem-estar e o desenvolvimento humano de toda a sua populao, no pode se es-quecer que a terra, com toda sua riqueza ecolgica e de tradies, no um simples fator produ-tivo a equacionar diretamente com consideraes meramente monetrias.

    Por todos esses motivos a criao de Reserva extrativista pode ser justamente considerada umaalternativa fundamental de luta e resistncia poltica -direitos civis reconhecidos pela Costituiobrasileira a cada cidado- contro dinmicas econmicas que acabam levando destruio deculturas e especies viventes.

    O Cerrado do Nordeste do estado do Maranho, que compe um bioma singular marcado por umectono, entre os biomas do Cerrado, Caatinga e Amaznia, abriga uma rica biodiversidade.Neste cenrio, populaes rurais vm, a mais de um sculo, lutando para manter suas condiesde sobrevivncia intimamente relacionadas conservao do Cerrado. Desde o sculo XIX, esta uma luta pela Independncia e autodeterminao das populaes frente aos interesses das oligar-quias dominantes.

    32http://www.economist.com/world/americas/displaystory.cfm?story_id=13062220. Nesse artigo so citados osbaixos nveis escolares do Estado, assim como a taxa de mortalidade infantil maior que a mdia nacional

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    No sculo XXI, a lgica desenvolvimentista preconizada pela classe dominante - desta vez com aroupagem da expanso da fronteira agrcola para o avano do agronegcio - coloca novamente spopulaes campesinas o desafio de lutar pelo seu modo de vida e, mais do que nunca, lutar peloCerrado.

    Considerando a grande relevncia ecolgica da regio a criao de Reservas Extrativistas na regiode Chapadinha considerada estratgica. A consolidao de uma nova Unidade de Conservaodever garantir a permanncia de uma poro expressiva do Cerrado do Nordeste do estado doMaranho e contribuir para o uso sustentvel dos recursos naturais pelas populaes tradicionaislocais.