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Ha-Joon afirma que (p. 25), “[...]Tanto quanto me é dado saber, este livro é o único que oferece infor- mações em um espectro tão amplo de instituições, passando por um grande número de países”. No último capítulo, intitulado “Lições para o presen- te”, o autor tenta responder os seus questionamen- tos iniciais, dando algumas sugestões para os paí- ses em desenvolvimento. Após a análise do desenvolvimento econô- mico sob um prisma histórico, Ha-Joon conclui que se os países desenvolvidos tivessem mesmo adotado as políticas que recomendam aos países em desenvolvimento, não seriam o que são hoje. Muitos deles, ao longo de sua trajetória de desen- volvimento, recorreram a políticas comerciais e industriais protecionistas, atualmente considera- das políticas “ruins”. Além disso, no século XIX e início do século XX, antes de se tornarem países desenvolvidos, possuíam poucas das instituições que agora recomendam aos países em desenvolvi- mento. Em outras palavras, os países desenvolvi- dos, pregando políticas ortodoxas, estariam hoje “chutando a escada” para que os países em de- senvolvimento não consigam seguir os mesmos ca- minhos trilhados por eles para se desenvolver. O ponto alto do livro são os dados históri- cos que questionam determinados mitos em rela- ção aos países desenvolvidos. Por exemplo, na ta- bela 2.1 (pág. 36), fica claro que, de 1820 até 1931, os EUA e alguns outros países hoje desen- volvidos adotaram políticas altamente protecio- nistas para defender a sua indústria nascente, mas eles alegam que fizeram o contrário: que liberali- zaram seus mercados. Em um trecho do livro (pág. 66), que analisa as políticas de ICT adotadas pe- la Alemanha, menciona-se a utilização de espio- nagem industrial patrocinada pelo Estado e a cooptação de trabalhadores da Inglaterra, práti- cas que seriam consideradas “ruins” nos dias de hoje. Em uma outra parte do livro (págs. 127- 36), Ha-Joon demonstra que, nos países desen- volvidos, a democracia, durante muito tempo, não foi muito democrática, porque excluía pes- soas por renda, sexo, cor... Existia também com- pra de votos, fraude eleitoral e corrupção. Segun- do o autor, os países em desenvolvimento, nas fases iniciais da democracia, não tiveram tantos problemas como os países desenvolvidos. O livro é de leitura fácil, com abundância de dados históricos não só de países tradicional- mente analisados como EUA, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Japão, mas também de países me- nores, como a Bélgica, Suíça, Holanda, etc. Apre- senta, assim como em outros livros do mesmo au- tor, uma visão crítica em relação ao papel do Estado no desenvolvimento econômico e em rela- ção às políticas recomendadas aos países em desen- volvimento pelos órgãos de fomento internacio- nal como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. É um trabalho original, recomendado para leitura a economistas e pessoas com diversas áreas de formação, inclusive a formuladores de políticas públicas. Contém inúmeras referências bibliográ- ficas e estimula a repensar as estratégias de desen- volvimento econômico que vêm sendo adotadas pelos países pobres e em desenvolvimento. Carmen Augusta Varela Professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

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Revista de Economia Política, v.26, n.4(104), p.628-631, Out.-Dez.2006.

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Page 1: Resenha do livro ‘Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta’, de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner

Em um tempo em que estudantes e profis-sionais queixam-se do elevado grau técnico dasdiscussões acadêmicas em Economia, surge umlivro que busca, de maneira simples e irreveren-te, revelar as diversas possibilidades de aplicaçãoda teoria econômica. É principalmente por estarazão que o lançamento do livro Freakonomics:o lado oculto e inesperado de tudo que nos afe-

ta, de autoria de Steven D. Levitt e Stephen J.Dubner deve ser saudado.

Recentemente, ocorreram esforços seme-lhantes ao dos autores. Por exemplo, o livro Se-xo, drogas e Economia, de Diane Coyle (São Pau-lo: Futura, 2003), equivale a uma tentativa deapresentar uma introdução didática a temas pou-co convencionais vistos sob o prisma da Ciência

Ha-Joon afirma que (p. 25), “[...]Tanto quanto meé dado saber, este livro é o único que oferece infor-mações em um espectro tão amplo de instituições,passando por um grande número de países”. Noúltimo capítulo, intitulado “Lições para o presen-te”, o autor tenta responder os seus questionamen-tos iniciais, dando algumas sugestões para os paí-ses em desenvolvimento.

Após a análise do desenvolvimento econô-mico sob um prisma histórico, Ha-Joon concluique se os países desenvolvidos tivessem mesmoadotado as políticas que recomendam aos paísesem desenvolvimento, não seriam o que são hoje.Muitos deles, ao longo de sua trajetória de desen-volvimento, recorreram a políticas comerciais eindustriais protecionistas, atualmente considera-das políticas “ruins”. Além disso, no século XIXe início do século XX, antes de se tornarem paísesdesenvolvidos, possuíam poucas das instituiçõesque agora recomendam aos países em desenvolvi-mento. Em outras palavras, os países desenvolvi-dos, pregando políticas ortodoxas, estariam hoje“chutando a escada” para que os países em de-senvolvimento não consigam seguir os mesmos ca-minhos trilhados por eles para se desenvolver.

O ponto alto do livro são os dados históri-cos que questionam determinados mitos em rela-ção aos países desenvolvidos. Por exemplo, na ta-bela 2.1 (pág. 36), fica claro que, de 1820 até1931, os EUA e alguns outros países hoje desen-volvidos adotaram políticas altamente protecio-nistas para defender a sua indústria nascente, maseles alegam que fizeram o contrário: que liberali-zaram seus mercados. Em um trecho do livro (pág.66), que analisa as políticas de ICT adotadas pe-la Alemanha, menciona-se a utilização de espio-

nagem industrial patrocinada pelo Estado e acooptação de trabalhadores da Inglaterra, práti-cas que seriam consideradas “ruins” nos dias dehoje. Em uma outra parte do livro (págs. 127-36), Ha-Joon demonstra que, nos países desen-volvidos, a democracia, durante muito tempo,não foi muito democrática, porque excluía pes-soas por renda, sexo, cor... Existia também com-pra de votos, fraude eleitoral e corrupção. Segun-do o autor, os países em desenvolvimento, nasfases iniciais da democracia, não tiveram tantosproblemas como os países desenvolvidos.

O livro é de leitura fácil, com abundânciade dados históricos não só de países tradicional-mente analisados como EUA, Alemanha, França,Grã-Bretanha e Japão, mas também de países me-nores, como a Bélgica, Suíça, Holanda, etc. Apre-senta, assim como em outros livros do mesmo au-tor, uma visão crítica em relação ao papel doEstado no desenvolvimento econômico e em rela-ção às políticas recomendadas aos países em desen-volvimento pelos órgãos de fomento internacio-nal como o Banco Mundial e o Fundo MonetárioInternacional.

É um trabalho original, recomendado paraleitura a economistas e pessoas com diversas áreasde formação, inclusive a formuladores de políticaspúblicas. Contém inúmeras referências bibliográ-ficas e estimula a repensar as estratégias de desen-volvimento econômico que vêm sendo adotadaspelos países pobres e em desenvolvimento.

Carmen Augusta VarelaProfessora da Escola de Administração

de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

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Econômica. Apesar desse texto possuir um certoapelo em certos trechos, pelas sugestões de apli-cações criativas que fornece, não equivale a umaobra com o mesmo grau de articulação que Frea-konomics.

À primeira vista, pode parecer que as situa-ções abordadas por Levitt e Dubner beirem o tri-vial e tenham pouca importância em termos prá-ticos. Entretanto, esta visão revela-se comoenganosa a partir da leitura das primeiras páginasdo livro. Além de seguirem uma linha agora tra-dicional em Economia — a de aplicar princípioseconômicos às mais variadas situações da vida co-tidiana, tradição esta iniciada por economistas co-mo Gary Becker — os autores preocupam-se emconfrontar explicações baseadas na chamada “sa-bedoria convencional”. Este último termo é usa-do ao longo do texto para denotar idéias simples,convenientes e confortadoras, geralmente aceitaspela maior parte da sociedade, mas que não sãonecessariamente verdadeiras. Na verdade, essa de-finição do termo já fora empregada décadas an-tes por John Kenneth Galbraith, no seu conheci-do livro A sociedade afluente (São Paulo: Pioneira,1987 [edição original de 1958]. De certa forma,o fato dos autores basearem-se nos ensinamentosde autores com visões de mundo tão distintas co-mo Becker e Galbraith apenas demonstra seu for-te ecletismo intelectual.

Mas também se engana quem achar que avariedade inerente aos autores fica limitada a suasfontes. Tanto os tópicos abordados ao longo dolivro quanto as formas de abordagem emprega-das variam enormemente. Freakonomics é, por sisó, uma exposição didática de algumas das maisinteressantes contribuições em termos de Econo-mia aplicada feitas nos últimos anos. O foco prin-cipal do livro são as contribuições do próprio Le-vitt, recipiente da Medalha Clark em 2003, umprestigioso prêmio acadêmico dado a economis-tas norte-americanos abaixo dos quarenta anosde idade. Assim como outros economistas laurea-dos com essa premiação, Levitt tem como uma desuas principais características a criatividade, en-xergando aplicações surpreendentemente simplesde princípios econômicos aos mais variados fenô-menos cotidianos (Dubner, Stephen J. The econo-mist of odd questions: inside the astoningshinglycurious mind of Steven D. Levitt. Documento dis-ponível na Interntet: http://www.stephenjdub-ner.com/journalism/economist.html. e Magalhães,Matheus A. de. Criatividade em Economia: umguia idiossincrático, mimeo, fev. 2004). Ao longo

da exposição relacionando algumas de suas con-tribuições, o leitor vai tendo contato gradual comcontribuições adicionais de outros autores, quevão desde a análise econômica da criminalidadeaté explicações relacionadas ao baixo rendimentode crianças negras na escola, por exemplo.

Os autores iniciam o primeiro capítulo dolivro tratando de um tema bastante atual: as ori-gens da corrupção. Para tanto, exploram o papelfundamental dos incentivos e como esses podem,muitas vezes, acabar induzindo à trapaça nas maisdiversas ocasiões. Os autores expõem distintas si-tuações onde a corrupção pode estar presente. Porexemplo, devido a políticas educacionais mais exi-gentes, um professor do ensino fundamental po-de decidir modificar as notas de seus alunos emtestes padronizados, de modo a ter um bom de-sempenho perante seus superiores. Em um traba-lho em co-autoria, Levitt criou um programa decomputador capaz de detectar professores “tra-paceiros”. No caso, a partir das notas de turmascom desempenhos variados, os autores conseguemdetectar os trapaceiros a partir de notas significa-tivamente mais altas do que aquelas reportadaspara turmas onde os alunos apresentavam um de-sempenho escolar abaixo da média. Na prática, oresultado desse empreendimento foi a demissãode alguns professores identificados como trapa-ceiros. Do mesmo modo, também foi possível iden-tificar os melhores professores a partir do desem-penho de seus alunos em testes padronizados. Emoutra ocasião, os autores demonstram a existên-cia de corrupção no sumô japonês a partir da aná-lise de lutas “em impasse” (em que a derrota deum dos lutadores levaria a sua desclassificação notorneio). Os resultados obtidos demonstram quelutadores nessa situação tendem a sair vitoriososem um número significativamente superior de lu-tas àquele que seria previsível em média, o que po-de representar um sinal de conluio entre lutado-res. Embora ainda recente, esse tipo de abordagemrepresenta um esforço pioneiro de fornecer algu-ma evidência empírica referente ao fenômeno dacorrupção, uma vez que a maior parte da litera-tura econômica relacionada ao tema nos últimosanos possui um caráter eminentemente teórico.

Problemas decorrentes de assimetria de in-formação são o tema do segundo capítulo. Nele,os autores demonstram a importância da infor-mação, tanto na economia como na sociedade co-mo um todo. O capítulo inicia com um relato bre-ve e parcial da história da Klu Klux Klan, umaantiga instituição racista norte-americana. O re-

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lato é baseado na visão de Stetson Kennedy, ini-migo declarado da Klan, com os autores ressal-tando como a divulgação de informações relacio-nadas a essa instituição acabou sendo o fatorresponsável, em certo grau, por sua derrocada.Em seguida, é ressaltado o papel fundamental daInternet para diminuir a assimetria de informaçãoexistente em diversos mercados, como o merca-do de seguros de vida e o de caixões, por exemplo.As explicações mais interessantes relacionadas aesses fenômenos estão no final do capítulo, noentanto. Nesse trecho, os autores atentam para apossibilidade de diversos especialistas aproveita-rem-se do conhecimento privilegiado que pos-suem sobre os mercados onde atuam. Um exem-plo nesse sentido seriam os corretores de imóveis.Sendo um grupo de profissionais que detêm in-formações privilegiadas em relação aos bens queofertam, os corretores podem recomendar a seusclientes que vendam suas casas na primeira opor-tunidade que têm, muitas vezes deixando de re-ceber valores superiores caso esperassem mais umtempo no mercado antes de tomar a decisão devender os respectivos imóveis. Adicionalmente,os autores reportam resultados de um estudo on-de corretores tendem a manter as próprias casasno mercado por um prazo superior ao de seusclientes, uma evidência adicional de abuso de in-formação privilegiada, bem como de corrupção.

No terceiro capítulo do livro, os autorespartem da seguinte questão: por que a maioriados traficantes de drogas, apesar de estarem en-volvidos com uma atividade altamente rentável,ainda apresentam um baixo padrão de vida? Aresposta a essa questão está relacionada com aprópria organização econômica dessa atividade.Segundo os autores, o tráfico pode ser visto co-mo um empreendimento que, como uma grandeempresa, busca maximizar seus lucros. À seme-lhança de uma grande empresa, o tráfico apre-senta uma hierarquia em forma de pirâmide, on-de existe uma grande quantidade de traficantespequenos (“soldados”) que atua nas ruas sob aorientação de gerentes (“líderes”). Apenas os tra-ficantes que possuem cargos próximos ao topodessa pirâmide ganham bons salários. A maioriados “soldados” ganha valores irrisórios ou, emmuitos casos, nem sequer recebem salários, tra-balhando de graça e esperando uma oportunida-de de serem efetivados pelas gangues em queatuam. Uma das razões apontadas pelos autorespara o alto número de jovens envolvidos nessaatividade é o seu status: apesar de ser extrema-

mente difícil subir nessa hierarquia, aqueles queconseguem fazê-lo acabam obtendo altas recom-pensas. O problema é que, ao longo do tempo,poucos conseguirão chegar lá (o mesmo é válidopara carreiras artísticas e esportivas, por exem-plo). O final do capítulo explora a ascensão docrack nos Estados Unidos e suas conseqüênciasem termos de criminalidade. Inexplicavelmente,pouco tempo depois do boom do crack nesse país,as taxas de criminalidade começaram a cair, a des-peito das previsões contrárias feitas por diversosespecialistas na época.

O quarto capítulo do livro talvez seja o maiscontroverso. Nele, os autores buscam fornecerpossíveis explicações para a queda acentuada dosíndices de criminalidade nos Estados Unidos nadécada de 90. Ao longo do capítulo, são analisa-das algumas das principais explicações citadas namídia para a queda da criminalidade, como a exis-tência de uma economia mais forte, o aumento donúmero de policiais, a implementação de estraté-gias policiais inovadoras e mudanças no mercadode drogas, por exemplo. Essas explicações, basea-das fortemente na sabedoria convencional, sãoexaminadas individualmente pelos autores. Suaconclusão demonstra que a maior parte dessas ex-plicações não poderiam ter efetivamente contri-buído para a queda observada da criminalidade.Adicionalmente, atentam para a contribuição deuma causa oculta, nunca antes citada. A contro-vérsia do capítulo relaciona-se ao fato dos auto-res ressaltarem a importância da legalização doaborto cerca de vinte anos antes, bem como seuimpacto sobre as taxas de criminalidade. O racio-cínio por trás desse argumento é o seguinte: filhosindesejados teriam maior probabilidade de se tor-narem criminosos devido às condições precáriasde vida a que estariam sujeitos durante sua cria-ção. Em relação a esse tema, a substância da ques-tão, apesar de extremamente controversa, não étão fundamental quanto pode parecer à primeiravista. O aspecto interessante, no caso, é como osautores trazem um fator totalmente novo à dis-cussão pré-existente, rompendo com a sabedoriaconvencional. Na verdade, esta já é uma tradiçãomais antiga no meio acadêmico norte-americano,especialmente na Universidade de Chicago, ondeLevitt leciona desde 1997. Se o aspecto levantadopelos autores é relevante ou não, somente a pes-quisa futura poderá dizer. Mas esse trecho do li-vro é extremamente interessante por demonstrara necessidade de desafio constante das convenções

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estabelecidas, uma atitude acadêmica extrema-mente saudável.

O quinto e o sexto capítulos do livro apre-sentam um tema unificado: a importância dos paisna criação dos filhos. O quinto capítulo trata ba-sicamente de questões relacionadas ao desempe-nho escolar infantil, com uma ênfase no caso norte-americano, onde ocorrem diferenças significativasentre brancos e negros em termos de notas. Umapossível explicação para essas diferenças equiva-leria ao fato de ocorrerem pressões internas a gru-pos de negros que desestimulassem certos com-portamentos “socialmente desejáveis”, como obom desempenho escolar, por exemplo. Jovens ne-gros que fossem contra essas pressões, poderiamser identificados como “agindo feito brancos”,podendo sofrer punições físicas e morais por isso.No sexto capítulo, são expostos os resultados deuma pesquisa recente de Levitt, relacionada à im-portância dos nomes sobre as carreiras profissio-nais dos indivíduos. No caso norte-americano, se-rá que nomes nitidamente negros influenciam aempregabilidade dos indivíduos detentores dessesnomes? Citando estudos atuariais, os autores con-cluem que sim. Pessoas com nomes nitidamentenegros sofrem uma punição econômica por isso,deixando de receber o mesmo número de ofertasde emprego que pessoas com nomes nitidamentebrancos recebem. Um outro resultado interessan-te é o seguinte: existe uma forte relação entre a es-colha de certos nomes de bebês e o status socioe-conômico dos pais. No final desse capítulo, osautores chegam a arriscar a elaboração de umalista de nomes mais populares de meninos e me-ninas para o ano de 2015.

Ao longo do livro, os autores desenvolvemuma abordagem didática e acessível, chegandoinclusive a explicar termos técnicos de Economiae Econometria sem sequer mencionar suas deno-minações comuns (conforme é o caso do proble-ma de endogeneidade e das técnicas econométri-cas de variáveis instrumentais e efeitos fixos, porexemplo). Entretanto, não se limitam a enaltecerapenas técnicas quantitativas ao longo do livro(embora façam isso em certos trechos). Procu-ram, em algumas partes, demonstrar a importân-cia de fatos históricos relacionados aos fenôme-nos em estudo. Esse é o caso, por exemplo, quandotratam do aumento do tráfico de crack nos Esta-dos Unidos, assim como das conseqüências da

proibição do aborto na Romênia ao longo da dé-cada de 60. O texto é fluido e instigante, o quetalvez se deva ao fato de um dos autores (Dub-ner) ser jornalista.

O capítulo relacionado à forma de organi-zação da Klu Klux Klan, por sua vez, apresentatrechos confusos e pouco articulados, em compa-ração ao restante do livro. Essa parte vale maiscomo curiosidade em termos de cultura geral doque em termos de evidência propriamente dita.Talvez isso ocorra devido ao fato de que o temaainda estivesse sendo explorado por Levitt e umco-autor quando da preparação do livro.

Ao concluírem o livro, com o epílogo sobre“dois caminhos para Harvard”, os autores citamtrechos das trajetórias pessoais de Roland FryerJr., um jovem economista negro de Harvard e TedKaczynski, conhecido mundialmente como o“Unabomber”, responsável por diversos atenta-dos a bomba ao longo de duas décadas. À primei-ra vista, esse trecho apresenta uma conotaçãoquase caricatural, uma vez que os indivíduos ci-tados possuem características específicas que aca-baram destacando-os em termos das trajetóriasseguidas. O fato de um jovem negro, criado emcondições precárias (conforme foi o caso deFryer), ter chegado a uma prestigiosa instituiçãode ensino diz tão pouco sobre as possibilidadesdos negros norte-americanos quanto o fato de umjovem branco e bem-nascido (Kaczynski) ter setornado um ermitão anti-social diz sobre a for-mação de terroristas. Talvez fosse exatamente es-sa a intenção dos autores ao finalizar o livro como trecho citado: demonstrar que toda regra temsua exceção e que as características individuais,bem como o ambiente social, desempenham umpapel importante ao longo da vida, não devendoser subestimadas quando do estudo de temas so-ciais. Entretanto, essa conjectura não chega a serexplicitada ao longo do texto. De modo geral, po-de-se concluir, a partir de uma primeira leitura deFreakonomics, que Levitt e Dubner prestam umenorme serviço à comunidade acadêmica ao es-creverem um texto capaz de estimular alunos eprofessores com as (inúmeras) possibilidades daEconomia moderna.

Matheus Albergaria de MagalhãesMestre em Teoria Econômica pelo IPE-USP