resenha de o cérebro e o robô

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LIVROS 78 ciência&vida Homem e tecnologia IMAGENS: DIVULGAÇÃO O CÉREBRO E O ROBÔ O cérebro e o robô Autor: João de Fernandes Teixeira. Editora Paulus, São Paulo, 2015, 158 pp. João de Fernandes é um dos expo- entes em Filosofia da mente no Brasil, com PhD na Inglaterra, pós-doutorado nos EUA e professor da UFSC, além de pesquisador do CNPq. O livro traz uma reflexão, em forma de ensaio, sobre a relação do homem com a tecnologia. O filósofo considera questões perti- nentes à Filosofia da mente, à Ética e à Antropologia filosófica em sua análise da singularidade (equiparação da inte- ligência de uma máquina com a do ser humano) e suas implicações éticas e so- ciais, apontando para o fato de que, em breve, vivenciaremos uma revolução tecnológica, mais significativa do que a realizada no século XVIII, na Inglaterra. Suas considerações sobre inteli- gência artificial, biotecnologia e na- notecnologia estão fundamentadas, sobretudo, nos pensadores: René Descartes; Charles Darwin; Alan Tu- ring; Marvin Minsky; John Searle; Ray Kurzweil; Michio Kaku; Robert Nozi- ck; David Pearce e Martin Heidegger. O autor se debruça, também, sobre uma questão fundamental especial- mente para os filósofos, ou seja, a per- da da nossa hegemonia no planeta. A Filosofia perderia seu lugar de grande orientadora, dos temas a ser pensa- dos, para a tecnologia. Será essa área do conhecimento que determinará as questões sobre as quais deveremos nos debruçar e refletir. Novas circuns- tâncias nos levarão a pensar sobre abordagens éticas e morais jamais vis- lumbradas, e não pertencentes à hu- manidade tal como a concebíamos, até a possibilidade, por exemplo, de uma máquina inteligente. A inteligência artificial, bem como os resultados alcançados nos campos da genética e das biociências, “nos for- çam a repensar a posição do homem no universo, pois, paradoxalmente, no mundo que criamos para nós, através da ciência e da tecnologia, não encon- tramos mais o nosso lugar. Como a nau dos marinheiros insensatos (...) a Filoso- fia volta à cena, mas agora numa situ- ação na qual se quer fechar a porteira depois que o cavalo escapou” (pág. 18). O experimento mental do Quarto Chinês, por outro lado, nos demonstra ainda hoje que máquinas são instru- mentos de manipulação de símbolos. O entendimento daquilo que faze- mos depende do significado atribuído ao fato. Portanto, dada a ausência da capacidade de consciência, não pode- ríamos atribuir inteligência a uma má- quina composta de partes inanimadas. Somente a replicação de cérebros bio- lógicos complexos viabilizaria produzir a inteligência artificialmente. Essa nova realidade nos colocaria como “mascotes das máquinas”. Esse fato só poderia ser contornado adotan- do-se a tese transumanista, de nos tor- narmos supercriaturas numa parabiose, na qual chips implantados no cérebro e o uso de exoesqueletos viabilizariam o aperfeiçoamento da nossa espécie. No tocante às máquinas, essa simbiose lhes permitiria receber a nossa consciência. A tese transumanista aponta para um futuro tecnológico brilhante para a hu- manidade, em que seres humanos se- rão mais fortes, inteligentes e resistentes a doenças, mesmo as hereditárias. O conteúdo apresentado no livro é, sem dúvida, indispensável a estu- diosos e pesquisadores dos temas aqui relacionados. Extraí uma passagem para a reflexão, enquanto não o lemos na íntegra: “Sem consciência, não há mundo. Se as máquinas não puderem replicá-la, será preciso que elas se as- sociem a seres conscientes que gerem um mundo no qual elas possam exis- tir” (pág. 25). Recomendadíssimo! Por Catarina Santos é doutora em Filosofia pela UFRJ e graduada em Sociologia pela PUC-RJ. Organizadora da Revista ITACA, dos estudantes de Pós-Graduação em Filosofia do PPGF-UFRJ. Poetisa, membro da ANLPPB, cadeira 23. Correspondente da ALG. Blog: http:// [email protected]; e-mail: [email protected] LIVROS_111.indd 78 9/1/15 2:44 AM

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resenha do livro publicado por João de Fernandes Teixeira, O Cérebro e o Robô, por Catarina Santos, para a revista Filosofia: Ciência e Vida, edição 111.

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Page 1: Resenha de O Cérebro e o Robô

LIVROS

78 • ciência&vida

Homem e tecnologia

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O CÉREBRO E O ROBÔ

O cérebro e o robôAutor: João de Fernandes Teixeira. Editora Paulus, São Paulo, 2015, 158 pp.

João de Fernandes é um dos expo-entes em Filosofia da mente no Brasil, com PhD na Inglaterra, pós-doutorado nos EUA e professor da UFSC, além de pesquisador do CNPq. O livro traz uma reflexão, em forma de ensaio, sobre a relação do homem com a tecnologia. O filósofo considera questões perti-nentes à Filosofia da mente, à Ética e à Antropologia filosófica em sua análise da singularidade (equiparação da inte-ligência de uma máquina com a do ser humano) e suas implicações éticas e so-ciais, apontando para o fato de que, em breve, vivenciaremos uma revolução tecnológica, mais significativa do que a realizada no século XVIII, na Inglaterra.

Suas considerações sobre inteli-gência artificial, biotecnologia e na-notecnologia estão fundamentadas, sobretudo, nos pensadores: René Descartes; Charles Darwin; Alan Tu-ring; Marvin Minsky; John Searle; Ray Kurzweil; Michio Kaku; Robert Nozi-ck; David Pearce e Martin Heidegger. O autor se debruça, também, sobre uma questão fundamental especial-mente para os filósofos, ou seja, a per-da da nossa hegemonia no planeta. A Filosofia perderia seu lugar de grande orientadora, dos temas a ser pensa-dos, para a tecnologia. Será essa área do conhecimento que determinará as questões sobre as quais deveremos nos debruçar e refletir. Novas circuns-

tâncias nos levarão a pensar sobre abordagens éticas e morais jamais vis-lumbradas, e não pertencentes à hu-manidade tal como a concebíamos, até a possibilidade, por exemplo, de uma máquina inteligente.

A inteligência artificial, bem como os resultados alcançados nos campos da genética e das biociências, “nos for-çam a repensar a posição do homem no universo, pois, paradoxalmente, no mundo que criamos para nós, através da ciência e da tecnologia, não encon-tramos mais o nosso lugar. Como a nau dos marinheiros insensatos (...) a Filoso-fia volta à cena, mas agora numa situ-ação na qual se quer fechar a porteira depois que o cavalo escapou” (pág. 18).

O experimento mental do Quarto Chinês, por outro lado, nos demonstra ainda hoje que máquinas são instru-mentos de manipulação de símbolos. O entendimento daquilo que faze-mos depende do significado atribuído ao fato. Portanto, dada a ausência da capacidade de consciência, não pode-ríamos atribuir inteligência a uma má-quina composta de partes inanimadas. Somente a replicação de cérebros bio-lógicos complexos viabilizaria produzir a inteligência artificialmente.

Essa nova realidade nos colocaria como “mascotes das máquinas”. Esse fato só poderia ser contornado adotan-do-se a tese transumanista, de nos tor-narmos supercriaturas numa parabiose, na qual chips implantados no cérebro e o uso de exoesqueletos viabilizariam o

aperfeiçoamento da nossa espécie. No tocante às máquinas, essa simbiose lhes permitiria receber a nossa consciência. A tese transumanista aponta para um futuro tecnológico brilhante para a hu-manidade, em que seres humanos se-rão mais fortes, inteligentes e resistentes a doenças, mesmo as hereditárias.

O conteúdo apresentado no livro é, sem dúvida, indispensável a estu-diosos e pesquisadores dos temas aqui relacionados. Extraí uma passagem para a reflexão, enquanto não o lemos na íntegra: “Sem consciência, não há mundo. Se as máquinas não puderem replicá-la, será preciso que elas se as-sociem a seres conscientes que gerem um mundo no qual elas possam exis-tir” (pág. 25). Recomendadíssimo!

Por Catarina Santosé doutora em Filosofia pela UFRJ e graduada em Sociologia pela PUC-RJ. Organizadora da Revista ITACA, dos estudantes de Pós-Graduação em Filosofia do PPGF-UFRJ. Poetisa, membro da ANLPPB, cadeira 23. Correspondente da ALG. Blog: http://

[email protected]; e-mail: [email protected]

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Page 2: Resenha de O Cérebro e o Robô

www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 79

Sobre a essência da linguagemAutor: Martin HeideggerEditora: Vozes, 192 págs.

Sobre a essência da linguagem oferece ao leitor importantes com-plementos sobre o pensamento múltiplo de Heidegger a respeito da essência e vigência da linguagem. No trabalho, Heidegger se confrontou com o texto premiado de Herder, Sobre a origem da linguagem. As anotações con-duzem diretamente à oficina do pensador, ou seja, permitem que o autor participe das inúme-ras questões com as quais Martin Heidegger faz acompanhar a exposição dos pensamentos de Herder. Essas questões vivem da contraposição da consideração metafísica e histórico-ontológica da linguagem, do rodear os limites da metafísica e do esforço por encontrar o “outro começo” e, a partir dali, pensar de maneira nova as velhas questões. A verdadeira luta se dá buscando a transição da metafísica da linguagem, de acordo com a tradição ocidental.

Derrida e a LiteraturaAutor: Evando NascimentoEditora: É Realizações, 424 págs.

O livro Derrida e a Literatura é uma análise das relações entre a Filo-sofia e a Literatura pelo viés da Filoso-fia desconstrutora de Jacques Derrida. Entre os temas abordados na obra estão teatro e metafísica, escrita e gramatologia, literatura e pensamento. O discurso literário fornece um contraexemplo para se avaliar as instituições em geral e seus mecanismos de poder. É o conjunto das ciências humanas e saberes corre-latos que se vê problematizado pela desconstrução. A obra aborda questões relativas à tradição ocidental do pensar e ao pertencimento, ou não, a uma cul-tura. Escrito originalmente como tese de doutorado, durante passagem do autor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, onde foi aluno inscrito nos seminários de Derrida, e pela Sorbonne, onde foi aluno de Sarah Kofman, o livro é uma referência nos estudos sobre Derrida.

Confronto com Herder

Filosofia desconstrutora

Para a metacrítica da teoria do conhecimentoAutor: � eodor W. AdornoEditora: Unesp, 375 págs.

Na obra Para a metacrítica da teo-ria do conhecimento, escrita nos anos 1930, Theodor W. Adorno antecipa muitos dos temas que se tornariam fundamentais na Filosofia contempo-rânea, como a crítica ao fundamentalismo e às ilu-sões do idealismo, o fim da epistemologia, além de anunciar as ideias centrais que desenvolveria em seus trabalhos mais importantes. O livro, assim, carrega a característica de traçar uma ponte entre o período de juventude e o de maturidade do filósofo. Embo-ra a obra tenha sido publicada somente em 1956, quando a produção de Adorno já se tornara madura, a maior parte do livro, conhecido como Manuscrito de Oxford, foi escrita entre 1934 e 1937, e focaliza temas que ocuparam o primeiro momento de sua re-flexão filosófica, no início dos anos 1920. Bem mais tarde, em 1968, Adorno ainda considerava esse livro um de seus escritos mais importantes.

Entre a juventude e a maturidade

Métodos e conceitosA Epistemologia de AristótelesAutor: Jorge FerigoloEditora: Unisinos, 232 págs.

A Epistemologia de Aristóteles trata dos métodos e conceitos cria-dos por aquele filósofo, propostos em suas obras e por ele utilizados nas mais diferentes áreas, da bio-logia à metafísica. Entre eles estão, principalmente, a indução e a de-monstração. Entretanto, Aristóteles criou, também, o que se chama, hoje, método dialético, o qual, com poucas diferenças, é o que é modernamente conhecido como método científico. Quando dize-mos que a cultura ocidental é derivada da Grécia Antiga, na realidade estamos nos referindo, prin-cipalmente, a Aristóteles. O livro destina-se a alu-nos de graduação e pós-graduação em Filosofia e Ciências em geral, bem como aos interessados em Filosofia antiga. O autor, Jorge Ferigolo, é médico, doutor em Geociências e doutor em Filosofia.

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