resenha cadernos de campo razón y modernidade_alejandro blanco

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    BLANCO, ALEJANDRO. RAZN Y MODERNIDAD:GINO GERMANI Y LA SOCIOLOGA EN LA

    ARGENTINA. 1 ED. BUENOS AIRES: SIGLO XXIEDITORES ARGENTINA, 2006.

    Marcelo FETZ

    Doutorando em Sociologia no Instituto de Filosofia e Cincias

    Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas

    (UNICAMP). Bolsista da Fundao de Amparo Pesquisa

    do Estado de So Paulo. E-mail: mar [email protected].

    Publicado no ano de 2006, o trabalho Razn y modernidad: Gino

    Germani y la sociologa en la Argentina, de autoria de Alejandro Blanco, uma verso pouco modicada e somente com algumas pequenas correes comrelao ao seu importante trabalho de doutorado, orientado pelo socilogo Carlos

    Altamirano, na Faculdade de Filosoa e Letras da Universidade de Buenos Aires,sendo defendida no ano de 2005. O trabalho de pesquisa que, portanto, originoua sua tese de doutorado, confunde-se, de maneira requintada e intelectualmenteerudita, com as disciplinas de pensamento social, histria intelectual e de

    desenvolvimento institucional da sociologia em territrio argentino. Mas, dado

    o seu objeto de pesquisa central, seu percurso intelectual, que norteou o seuhorizonte de anlise, no poderia ser diferente, pois se trata de um estudo sobrea vida e a obra do socilogo Gino Germani em uma reexo sobre os projetossociais de toda uma sociedade.

    De acordo com Blanco, o objetivo central de seu livro foi o estudo da obrae da trajetria intelectual do socilogo Gino Germani. Para enfrentar tamanhaempreitada, dado que o pensamento de Gino Germani ocupa lugar central no

    ambiente intelectual argentino assim como a sua histria de vida confunde-secom a histria da prpria sociologia Argentina, Blanco optou por um caminho

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    metodolgico tradicional e, de certa forma, muito simples, mas que, no entanto,tem se demonstrado extremamente eciente e frutfero quando o objetivo oestudo do pensamento social de importantes guras intelectuais que exerceram

    um papel importante de protagonismo poltico e intelectual. Assim, armaBlanco que optou pela reconstruo histrica do conjunto das preocupaesintelectuais e polticas que estiveram na origem das pesquisas sociolgicas e dodesenvolvimento dos esquemas interpretativos de Gino Germani, com o objetivode estabelecer uma possvel ligao entre pensamento social e ao poltica dointelectual. O panorama de pesquisa completa-se, nalmente, com um outrolado, mais amplo talvez, da pesquisa: a tentativa de cruzar a histria intelectual deGino Germani com a reconstruo histrica do desenvolvimento da disciplina

    sociolgica em territrio argentino. So, na realidade, historiograas diferentes,mas que trazem em si muitos elementos comuns. , portanto, para esse contextoem que vida e obra do intelectual se confundem ou se fundem com a prpriahistria da disciplina acadmica que Blanco canaliza seu olhar: Gino Germanienquanto espelho da sociologia Argentina, bem como a sociologia Argentina ea obra de Gino Germani enquanto reexo da poca histrica pela qual passou a

    Argentina durante a primeira metade do sculo XX. Pensamento social enquantofruto ou resultado dos percalos polticos e sociais de um tempo conturbado.

    Segue Blanco com uma justicativa plausvel e signicativa para a realizaode seu estudo. De acordo com o socilogo, os estudos sobre o surgimento edesenvolvimento das cincias sociais, em especial a sociologia, so ainda escassosna Argentina e, alm disso, no possuem um ncleo temtico fortalecido. Aindanesse universo, pouca ateno parece ter sido dada a importante trajetria deGino Germani, apesar dos inmeros estudos de carter crtico e dos comentrios

    feito a sua obra. De maneira geral, Blanco identica uma preocupante falta desistematicidade sobre a observao da relao entre vida e obra na trajetria deGermani bem como uma carncia no tratamento histrico da ligao entre oseu pensamento e o desenvolvimento da sociologia na Argentina. A literaturasociolgica sobre o tema tem se concentrado sob dois aspectos elementares: em

    primeiro lugar, existem as anlises que concentram o seu foco analtico na temticado peronismo e a inuncia desse momento histrico sobre o movimento dopensamento; em segundo, a relao entre esse mesmo contexto histrico e ainstitucionalizao da sociologia na Argentina. Como observa Blanco, sabe-seainda muito pouco acerca das fontes que fomentaram a imaginao sociolgicado perodo, sendo que a principal representao da sociologia no nal da primeirametade do sculo XX tem-se prendido imagem de uma sociologia dominada

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    pelo estrutural-funcionalismo. Para Blanco, essa imagem, mais do que facilitara compreenso do pensamento sociolgico em sua gnese na Argentina, temprovocado uma simplicao indevida.

    O problema de pesquisa fundamental de Blanco, portanto, est diretamenteassociado imagem da sociologia contida nesse tipo de literatura. Trata-se, em

    primeiro lugar, de questionar e de colocar em questo a literatura sociolgicatradicional, na qual a imagem de Gino Germani encontra-se extremamenteassociada com a sociologia norte americana, especialmente com o pensamentoestrutural-funcionalista. Embora a apreciao que a literatura tradicional tem feitodo pensamento de Germani no seja de maneira geral inexata, Blanco sugereque uma anlise mais cuidadosa e sistemtica da trajetria intelectual de Germani

    obriga a nos distanciar dessa imagem. Em segundo lugar, gura intelectual deGermani, que acarreta na busca das principais fontes de seu pensamento, Blancoadiciona a temtica da reconstruo histrica da disciplina sociolgica no perodoem que Germani desenvolve as suas principais teses, especialmente durante oprocesso de institucionalizao da sociologia em territrio argentino.

    A ruptura com essa imagem de Germani, construda pela literaturatradicional, trabalhada por Blanco atravs de uma atividade complementar

    de Germani: o trabalho editorial desenvolvido por Germani por quase trintaanos, desde a dcada de 40, como diretor das colees Cincia e Sociedade,da Editora Abril, e Biblioteca de Psicologia e Sociologia, da Editora Paids.

    A atividade de editorao exercida por Germani coloca em cena nomes poucoconvencionais literatura sociolgica tradicional, revelando a existncia de umdilogo que Germani mantinha com tradies distintas e crticas do pensamentosociolgico com relao escola do estrutural-funcionalismo, ou mesmo comdilogos fora do prprio domnio sociolgico. O pensamento de Germani para

    Blanco, portanto, parece ser mais complexo do que a imagem passada pelaliteratura sociolgica tradicional. Nesse sentido, Blanco explora nesse trabalhoum objeto pouco usual para o pensamento sociolgico argentino, que o papelde editor exercido por Gino Germani.

    A motivao de Blanco para a redao de tal trabalho vai alm demeras intuies sociolgicas. Sua imaginao possui slidas razes analticas,especialmente quando se trata de um tema controverso devido necessidade dese recontar parte da histria do pensamento argentino. Romper com uma histria

    convencional uma empreitada que exige cuidado e dedicao, alm, claro, dodomnio sobre o objeto pesquisado. Blanco retoma algumas questes importantes

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    para a disciplina de pensamento social, e arma duvidar de que a histria das idiaspossa se desenvolver atravs de um curso unitrio e evolutivo, desde intuiestericas desordenadas at a sua denitiva sistematizao e inscrio em uma

    teoria cientca slida. Lembra Blanco que no esse o caminho que pretendeseguir. Essa colocao expressa com clareza o ponto limite do pensamento deBlanco, quando se faz necessrio a ruptura com o estilo de pensamento tradicionalpara que se possa dar novo olhar sobre a historiograa das idias na disciplinasociolgica desenvolvida na Argentina. a partir dessa a ressalva terico-metodolgica que Blanco estabelece uma via interessante para o seu caminhode pesquisa, possibilitando a criao de uma nova luz sobre o pensamento socialde Gino Germani e a sua relao de proximidade com o desenvolvimento da

    sociologia em territrio argentino. Blanco no est interessado, portanto, nodebate acerca da cienticidade dos conceitos desenvolvidos no pensamentosociolgico do passado, mas, diferentemente, de restabelecer uma nova genealogiade sua histria colocando sobre o horizonte dos textos de Germani as questessuscitadas por sua poca.

    Trata-se de estabelecer, portanto, uma nova leitura da histria dopensamento social na Argentina a partir do entrecruzamento da histria de

    vida de Germani com a histria da disciplina sociolgica na Argentina. Sob

    dois aspectos, em primeiro lugar, observa-se um ambiente poltico modicadopelo peronismo e, em segundo, modicaes e transformao intelectuais,Blanco pretende visualizar esse processo de renovao intelectual a partir detrs elementos fundamentais: i) a editorao; ii) o trabalho intelectual de umapoca e iii) o processo de institucionalizao da disciplina sociolgica emterritrio argentino. Os trs aspectos de forma elementar so cruzados pela vida

    e obra de Germani, cujo protagonismo poltico e intelectual so fundamentaispara a compreenso da sociologia Argentina. Entender a gura do intelectual compreender a sociologia Argentina, assim como compreender a sociologiaargentina elucidar a trajetria de Germani.

    Colocadas as questes que nortearam a imaginao sociolgica deAlejandro Blanco, o trabalho de pesquisa, publicado no presente livro, encontra-se dividido em trs partes, sendo a primeira constituda por dois captulos, Asociologia e sua historia e A sociologia na instituio universitria; a segundoem trs captulos, Gino Germani: projeto editorial e projeto intelectual, A

    crise da razo e o programa de racionalismo ampliado e Sociedade de massase totalitarismo: as tenses do mundo moderno; e, nalmente, a terceira parte

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    encontra-se subdividida em outros trs captulos, a saber, A disputa pelo mtodoe o projeto de uma cincia unicada, A institucionalizao da sociologiacientca e, fechando o livro, A diviso do campo: sistemas de alianas e

    estratgias de legitimao.Atravs de oito captulos, portanto, Blanco busca defender uma imagem

    diferenciada daquela que a literatura sociolgica tradicional construiu sobre aobra de Germani, dissociando-a, em grande parte, de suas amarras causadaspor um essencialismo fomentado por sua ligao com a escola norte americanado estrutural-funcionalismo. Em primeiro lugar, Blanco no pensa o intelectualcomo um indivduo descolado de seu tempo. O intelectual , de maneira geral, o

    portador de um projeto, pois ele seria capaz de exercer um papel de protagonismo

    frente aos desaos de seu tempo. Em segundo, as idias possuem reexos sociais,assim como as idias so condicionadas por seu tempo. No seria possvel, nessesentido, revisitar o pensamento de Germani, sua vida e obra, deixando de ladoo contexto poltico e social pelo qual passou a Argentina. No suciente aanlise imanente da obra, de sua lgica interna: faz-se necessrio que as idiassejam contrastadas com o seu tempo, com o mundo exterior ao pensamentocientco. Sendo assim, torna-se possvel pensar a cincia na Argentina, comoo fez Blanco, enquanto um projeto singular de sociedade, associado com os

    desaos a serem enfrentados pela sociedade como um todo. Por detrs decincia, de seu lxico e de seus conceitos, existiria a tentativa de se criar umnovo horizonte capaz de orientar a compreenso do mundo e de romper coma estrutura social vigente.

    exatamente essa a lgica do pensamento de Blanco, cujo horizonte pensar as idias de um determinado contexto histrico sob a luz de um projetosocial. Para realizar a sua perspectiva terica, nosso socilogo estabelece, na

    verdade, trs historiograas diferentes, mas que guardam em si a marca de umapoca histrica, na qual Gino Germani viveu e dela fez parte. A primeira parteda qual dissertamos sobre a sua estrutura, nesse universo, compe a primeirahistoriograa e a primeira premissa analtica de Blanco: sob o pilar da lgicade pensamento, Blanco retoma a historiograa do pensamento sociolgico eo problema da temporalidade de seu pensamento. O autor retoma, portanto, aporosidade entre histria e atualidade e a diculdade de se voltar ao passado deforma que o presente no se faa como o principal imperativo. Do pensamento,

    de sua funo lgica e de sua ligao com o tempo e com as contingncias locais,Blanco parte para o estudo de um outro plano, o plano da institucionalizao

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    da sociologia na Argentina. Ao observar os indicadores de institucionalizaoapontados por Edward Shils, Blanco constata que a sociologia na Argentinafoi plenamente institucionalizada no ano de 1957. Entrecruza a relao entre

    institucionalizao e pensamento, a m de analisar as possveis associaesentre determinadas correntes de pensamento e a acelerao do processo deinstitucionalizao. Contrasta ambiente poltico, econmico e religioso comas possveis vertentes de pensamento social na Argentina, em um captuloonde o autor demonstra domnio das fontes de pesquisa que o auxiliaram nareconstruo da histria institucional da disciplina sociolgica. Esse captulosurge como uma espcie de ncleo para o restante de sua anlise. A partir deum panorama amplo, no se preocupa, ainda, com as particularidades singulares

    da temtica em territrio Argentino. O aspecto geral caracterizaria essa primeirahistoriograa construda por Blanco. J na segunda, inicia-se um processode maior complexidade, dada a associao de Germani com o pensamento einstitucionalizao da sociologia Argentina.

    A segunda historiograa retoma a vida e obra de Gino Germani, bemcomo os principais debates existentes no pensamento sociolgico de seu tempo.Relata o exerccio editorial realizado por Germani como editor e tradutor;trabalha o crescimento de duas editoras, a Abril e a Paids que, em pouco

    tempo, tornaram-se as principais referencias para a publicao de obras ligadas ascincias do esprito em lngua espanhola. O auge da indstria editorial acontececom Germani a sua frente. Blanco amplia a temtica em foco quando associao trabalho de Germani frente das editoras com a possibilidade/desejo dessesocilogo de criar um projeto social para a regio latino americana. Na gurade editor, Germani detinha um poderio muito importante: a seleo de umdeterminado tipo de pensamento. A circulao das idias que ventilaram porgrande parte do continente americano encontrava-se nas mos de um intelectual,

    de Germani. Essa funo de suma importncia para se elucidar o pensamentode Germani, posto que no basta olharmos para os seus trabalhos de pesquisadiretamente escritos, mas para todo o contingente de pensamento que podecircular atravs das editoras Abril e Paids, sob sua orientao. Para Blanco, essaquesto elementar para pensarmos acerca do papel de Germani frente a umprojeto cientco de sociedade. Assim, o autor repassa pelos debates na pocaque puderam ganhar amplitude nas mos de Germani, especialmente a temticada crise da razo e da sociedade de massas. O projeto poltico argentino, sob asmos de Germani, portanto, passava necessariamente pelo pensamento e pela

    crise da modernidade.

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    Finalmente, na terceira historiograa elaborada por Blanco, que se constituia parte nal de seu livro, so analisados os reexos polticos do pensamento deGermani. Com isso, Blanco completa a sua anlise, tal qual defendido no inicio de

    seu trabalho, rompendo com a viso tradicional e dando nova luz ao projeto socialdesenvolvido durante todo um sculo na Argentina. Trata-se de contar a histria

    da cincia e dos ideais de sociedade existentes na sociedade Argentina atravs deum novo olhar. Esse , talvez, a maior inovao da pesquisa desenvolvida por

    Alejandro Blanco. Os dois primeiros captulos do sustentao s teses contidasna terceira parte de seu trabalho, onde nalmente vida e obra se fundem com ocontexto poltico e social do Estado Argentino. A cultura intelectual, o desenhodas instituies acadmicas, as alianas institucionais, a prossionalizao, enm,

    uma gama de relaes entre a instituio universitria de ensino e o Estado desenhada, servindo como pressuposto analtico para a compreenso do projetopoltico argentino. Torna-se possvel, portanto, responder como se estabeleceramas relaes entre as instituies universitrias e o Estado na Argentina, bem comoiluminar com outros olhos a trajetria de Gino Germani e o seu papel essencial

    na conduo de um projeto social de longo prazo.

    Enm, a pesquisa de Alejandro Blanco no somente traz novo flego aopensamento social argentino, mas, acredito, a todo o pensamento social latino

    americano. A partir de seu estudo, possvel a construo de novas perspectivascomparativas entre os diferentes projetos de Estado vencedores, o que particularmente interessante para o pensamento brasileiro. Digo isso porqueo caminho traado por Blanco durante o desenvolvimento de sua tese poderembasar novos estudos sobre a relao entre ideais cientcos e culturais e asua recepo pelo Estado. Dito de outra forma, podemos nos questionar quaisforam os rumos tomados por nossa sociedade em momentos de crise poltica,sobretudo nas crises que abalaram os regimes democrticos durante o sculoXX, e os seus reexos na conduo de projetos sociais e das aspiraes denossos intelectuais. O regime ditatorial, que h pouco ndou no Brasil, parece terdeixado graves fraturas na ossatura de nossa intelectualidade, deixando-nos comoherana o desao de nos pensarmos como intelectuais e de, como intelectuais,imaginarmos os rumos e os projetos de nossas sociedades.

    REFERNCIA

    BLANCO, Alejandro. Razn y modernidad: Gino Germani y la sociologa en laArgentina. 1 ed. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2006.

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