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República, democracia, abolição e moralidade do trabalho: o
discurso socialista brasileiro em fins do Segundo Reinado Adalberto Coutinho de Araújo Neto1
Os socialistas brasileiros em fins do Segundo Reinado na historiografia
A bibliografia até aqui consultada é unânime em afirmar a origem dos primeiros
líderes socialistas brasileiros nos movimentos abolicionista e republicano da última
década do Império. Alguns autores, contudo, apontam certas peculiaridades.
Entre as primeiras organizações socialistas do país, Francisco Foot Hardman e
Victor Leonardi citam o Círculo Socialista de Santos, fundado pelos médicos Silvério
Fontes e Sóter de Araújo e pelo professor Carlos Escobar, em dezembro de 1889.
Silvério Fontes, em 1881 e “militou” em um grupo positivista que editava o jornal
Evolução. Antes disso, intelectuais da Faculdade de Direito de São Paulo já haviam
entrado em contato com o pensamento marxista em 1875 e, em 1882 e Tobias Barreto o
fizera na Faculdade de Direito de Recife (HARDMAN e LEONARDI, 1991, p. 185).
Muitos dos integrantes do primeiro partido socialista surgido no Brasil, em fevereiro de
1890, como França e Silva, vinham da luta abolicionista, sendo que ele próprio militara
no Centro Abolicionista Gutenberg, que congregava trabalhadores gráficos. A Liga
Operária de Pelotas, Rio Grande do Sul, originou-se de um congresso local de 1887, ou
seja, ainda no “tempo da escravidão”. Outros pequenos grupos que se
autodenominavam “socialistas”, ou “operários”, surgiam nas capitais, mas todos de
existência efêmera. Esses casos mencionados por Hardman e Leonardi referem-se mais
aos primeiros anos da República. Nós encontramos fontes que indicam a discussão
pública de ideias socialistas mesmo antes da República, ou seja, durante a última década
do Império.
Cláudio Batalha (2007) considera que a maior parte dos dirigentes socialistas
brasileiros veio dos movimentos abolicionista e republicano, mais propriamente do que
poderiam ser suas alas esquerdas. Como republicanos identificavam-se com as posições
radicais de Silva Jardim. Logo, porém, se desiludiram com os caminhos que a
1 Doutor em História Econômica pela FFLCH-USP, professor titular EBTT de História do IFSP, Campus
de Piracicaba.
República tomava. Alguns artigos e matérias na imprensa socialista deixam essa
questão mais clara e são citadas pelo autor. Isso, para Batalha, explica a dificuldade de
elaboração teórica desses homens que se viram alçados à liderança dessa tendência, sem
terem sido antes mais experimentados, ou terem ocupado posições de destaque no
republicanismo ou no abolicionismo.
Benito B. Schimidt (2007) comenta obras que retratam influências socialistas
utópicas nos acontecimentos de Recife durante a Revolução Praieira, entre 1848-50 e
após 1871, quando o nome de Marx começou a ficar conhecido e quando surgia o
movimento republicano dos anos 1870. Na década seguinte, alguns jornais tratavam do
socialismo em Salvador, Rio de Janeiro e Pelotas. Um dos primeiros envolvimentos dos
socialistas, no caso de próceres que editavam jornais, foi com o abolicionismo, inclusive
de “artistas”, ou seja, artesãos e operários qualificados. A concepção dominante era que
o fim da escravidão traria dignidade ao trabalho; um dos primeiros passos para a
organização operária.
Marcos Vinícius Pansardi (1993) comenta a proximidade dos socialistas da
década de 1890 com a República, documentando-a com trechos de artigos publicados na
imprensa socialista e operária do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o autor considera tanto
operários como elementos de classe média na mesma representação: França e Silva e o
tenente Vinhaes, etc. Ele considera a proximidade entre operários e socialistas, ou quem
falasse pelos trabalhadores na imprensa com alguma legitimidade, como no caso da
Revista Typográphica, desde 1888. Falavam a favor do abolicionismo, assim como da
República. Pansardi cita alguns jornais da década de 1880 da Bahia e de Pernambuco,
através de outros autores. Essa proximidade seria desejada tanto por algumas alas ditas
radicais do republicanismo, como pelos próprios socialistas que ambicionavam
representar a classe operária em uma futura e desejada República Democrática e, quiçá,
social2, à francesa, com elementos que remetiam a 1848.
Esse autor discorda da posição de Boris Fausto, mas também de Leôncio Martins
Rodrigues, que considera o socialismo brasileiro economicista entre 1889 e 1903; como,
também, não era uma “planta exótica”, nem uma introdução pequeno-burguesa sem
apoio proletário. A classe operária demonstrava uma consciência, “talvez embrionária”,
2 O adjetivo social conferido à República designaria um regime com maiores preocupações em relação às
classes trabalhadoras e pobres em geral, embora ainda não fosse propriamente socialista.
mas clara. Para ela tratava-se de “nobilitar” o trabalho, combatendo primeiro a
escravidão e depois pela República contra o privilégio aristocrático. Nesse sentido, 1888
e 1889 não foram momentos vãos ou golpes; foram o início de um novo patamar, logo
superado com a clarificação de que a República de 1889 não seria social, nem
democrática, a partir dos governos de Prudente de Moraes e Campos Salles e a Política
dos Governadores. O abolicionismo e o republicanismo foram suas identidades iniciais.
Ângela Gomes (1994) discute, além da tese principal de sua obra, as concepções
de identidade e representação política dos republicanos e abolicionistas que atuaram até
poucos anos, ou mesmo meses, antes da Proclamação da República. Entre eles estava
Gustavo de Lacerda, uma das lideranças socialistas que surgem na aurora do novo
regime, para quem a concepção de povo era heterogênea, sendo ele formado por muitas
classes sociais. O operariado era uma delas: a última, desprezada e não considerada em
sua importância social e econômica para o país.
O discurso da imprensa socialista em fins do Império.
As primeiras referências documentais deixadas pelos próprios socialistas estão
na imprensa e na coletânea documental de Evaristo de Moraes Filho (1981), O
socialismo brasileiro. Existem jornais e referências ao proletariado, já em 1877 e outras
ainda anteriores dando voz aos “artistas”, isto é, artesãos e, ou, operários especializados.
Dos jornais encontrados no acervo da Biblioteca Nacional Digital, vemos três
títulos com a palavra “socialista”, sendo um do Rio de Janeiro, outro de Salvador e o
último de Cidade Paraíso, em Minas Gerais. E um com um título inusitado: O Satanaz;
periódico crítico e socialista, também carioca. São periódicos que cobrem, com grandes
lapsos de tempo, o período que vai de 1878 a 1888, com maior concentração em 1882 –
três títulos, incluindo O Satanaz. O último título, de 1888, pertence ao jornal mineiro.
Dois jornais de 1878 e 1882 – este último baiano – sustentam abaixo de seu título sua
filiação, ou pertencimento. O primeiro O Socialista, do Rio, de 1878, intitulava-se
propriedade do Club Socialista. Outro Socialista, soteropolitano, de 1882, também se
intitulava “Propriedade de uma Associação”, conquanto ela não seja mencionada
notamos ser republicana. Os outros são redigidos por iniciativa individual.
O primeiro destaque fornecido por esses documentos é a suposição da
existência de organizações socialistas, ou socialistas-republicanas, antes de 1889.
Embora não tenhamos localizado outros documentos próprios delas, constatamos suas
manifestações, principalmente no caso do Club Socialista sediado no Rio de Janeiro, em
1878 e o discurso da segunda, no caso dos soteropolitanos. Para melhor avaliarmos o
que as fontes demonstram, vamos analisar cada uma delas.
Em julho de 1878, o Club Socialista, sediado no Rio de Janeiro, então Corte,
lança um jornal que deve ser seu porta-voz: O Socialista. Em sua apresentação, a
redação declara que o periódico pertence a “um pugilo de homens convictos e fortes” a
lutar a “favor dos párias sociais, os operários, uma classe lembrada pelos grupos
políticos de nossa pátria somente nos momentos em que precisam da vitória [eleitoral]”.
Sua posição é pelo soerguimento moral e cultural do proletariado e de denúncia da
decadência social, moral e política da monarquia, considerada “morta pela ideia
republicana que já domina os ânimos”. O editorial denuncia, inclusive, a imprensa
coeva que deveria exercer o papel de crítica à sociedade caso ela realmente “tivesse
noção do que se chama moral social”. De qualquer forma, declara ser órgão do Club
Socialista que, “por ora” se compunha “de poucos”, mas “amanhã, a seguir a torrente
dos acontecimentos”, “compor-se-á de muitos. Ou então, ai da nacionalidade brasileira!
Estará morta até a corrupção”3.
Um forte discurso presente no jornal é o do moralismo; da moral do trabalho e
pelo trabalho. Sua característica utópica, saint-simoniana, aparece já no primeiro
número quando, ainda tratando da moralidade do trabalho, faz a apologia da liberdade e
autonomia contra a conquista; a hereditariedade e arbitrariedade, claramente associadas
à características do Antigo Regime, conquanto o autor não o explicite. Clama-se pela
instrução, educação, pelo trabalho contra o jogo e o vício. Usa-se um exemplo de
“hereditariedade”, comparando-se pai e filho em uma situação hipotética de decadência
familiar/social e se faz o transporte metafórico para a relação entre metrópole e ex-
colônia. Esta última, coletivamente, só sobreviveria, ou tornaria à vida, através da
valorização do trabalho, o que não fora ensinado por seu pai, isto é, a metrópole
lusitana. Essa era a única forma de se evitar, ou reverter, o “desmoronamento” que
vitimava a sociedade da ex-colônia.
Em seu primeiro editorial, considera a oposição entre monarquia e socialismo,
ao comentar um caso internacional, um atentado perpetrado pelo “Dr. Nobiling”, contra
3 O Socialista, Rio de Janeiro, ano I, sábado, 20/07/1878, p. 1. Acervo digital da Biblioteca Nacional.
o Kaiser, na Alemanha. O articulista, “Hordel”, defende o socialismo contra a
monarquia hereditária e contra os direitos de herança e conquista, citando exemplos
relativos à Antiguidade e à Idade Média: todos significam morte, roubo e destruição.
Termina declarando:
É preciso dizer aos que herdam:
Individais a nossa pátria; perdulais a fortuna que não adquiristes porque não
trabalhastes; sois indignos de possuí-la; entregai-a ao Estado… dai-la à sociedade por
mão do tesouro público da comuna.
Sede socialistas.
Hordel4
A condenação da herança e dos direitos hereditários e de conquista será uma
pregação constante do jornal em uma seção especial, sobre “doctrina”. Evidentemente, a
monarquia sempre será associada a esse conjunto. Note-se que o apelo que se faz aos
que seriam os privilegiados pela herança para voluntariamente aceitarem o que seria a
“verdade” e o “bem” é uma característica tipicamente utópica.
Aliás, as críticas recorrentes ao direito de herança são renovadas com recurso a
Rousseau e Saint-Simon e colocadas como origem das desigualdades sociais. Como em
passagens anteriores, o autor opõe capitalistas, banqueiros e abastados em geral, aos
pobres, proletários, mas não coloca a questão da exploração do trabalho; nem discute
clara e abertamente a criação da riqueza pelo trabalho social. A condenação da
desigualdade social se baseia em uma questão de racionalidade produtiva e não à justa
distribuição da produção da riqueza, ou ao modo com o qual ela é produzida, senão
combatendo o direito à herança. O articulista cita uma suposta frase de Saint-Simon
sem, contudo, dar referências: “A cada um segundo sua capacidade; à cada capacidade
segundo suas obras”5. Termina convidando o leitor a tornar-se socialista para opor-se a
tal situação de injustiça.
O próprio direito de propriedade é criticado no jornal, no texto “Princípios e
Consequências”. Argumenta-se contra o direito de propriedade por fundar-se
historicamente na brutalidade, violência e conquista desde o passado mais remoto, da
luta do homem com as “feras”, passando pela luta entre “irmãos” – surgem citações de
4 Idem, pp.1-2. 5 Idem, nº 7, sábado, 31/08/1878, p. 1.
personagens bíblicos e históricos greco-romanos e medievais – os “bárbaros” – até a
conquista da América6.
As características utópicas saint-simoninas também aparecem claramente no
texto “Prevenções”, quando o autor afirma que “a doutrina socialista quer a realização
[…] dos bons princípios da Economia Política: a divisão do trabalho; utilização do
trabalho”7. A realização do “bem particular” seria o reflexo do “bem geral”. Como
Hordel assinalou no trecho acima citado sobre o socialismo, novamente a comuna
aparece em destaque, sendo que seu tesouro público deveria ser a maior riqueza
municipal.
E o próprio louvor moralista ao trabalho associa-se tanto à crítica ao direito de
herança, como ao conceito de propriedade e mesmo à forma histórica da organização da
sociedade. Em “Questão de Doctrina” ataca-se o direito de herança que faz perpetuar no
Brasil a desigualdade social e provoca a “negação do trabalho que impossibilita a sua
utilização e danifica sua utilidade”. Esse direito de herança se combina aos malefícios
de uma “colonização condenada” que trouxe o “estrangeiro degenerado e depauperado
moralmente”; que trouxe também o “africano que é um selvagem” por causa da
escravidão, regime que em si, “é mais do que uma brutalidade, porque é um crime” e,
finalmente, reduziu o indígena, “filho libérrimo das florestas” a “instrumento vil do
trabalho escravizado”. O resultado é o aviltamento do país e de seu povo8.
Ernesto Castro considera o socialismo como verdade filosófica; como um novo
evangelho, mas que dispensa sacerdotes. Ele aponta-o como a luz que resgata os
princípios da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” de “89”. Mas, sua principal arma, a
arma de sua “Revolução”, era o desprezo a tudo o que representava a sociedade e o
regime contemporâneo; o Império. Não propõe, consequentemente, uma Revolução
6 Idem, nº 4, sábado, 10/08/1878, p. 2. 7 Idem, nº 3, sábado, 03/08/1878, p. 1. 8 Idem, nº 5, 17/08/1878, p. 1. A referência aos africanos é pesada e soa racista e eurocêntrica nos dias
atuais e imprópria, senão estranha quando vinda de socialistas. Entretanto, devemos lembrar que o
racismo era comum e considerado científico à época e, mesmo nos maiores centros socialistas europeus,
pouco se tinha a dizer em favor dos africanos e afrodescendentes que libertá-los da escravidão e civiliza-
los… Somente depois das guerras mundiais é que as percepções se ampliariam; mais propriamente depois
dos horrores do nazi-fascismo. Note-se, contudo, que o autor do texto que discutimos acima, considera a
barbárie como resultado de um malefício extremo infringido ao africano: a escravidão. Poder-se-ia
conjecturar que, para o autor, o africano livre desse mal, ele não teria a característica bárbara…
violenta com a tomada do poder9; a proposta é muito mais uma reforma pessoal e social
ampla e pacífica.
Interessa-nos também, analisarmos o posicionamento político do grupo redator
de O Socialista. Um dos principais pontos era a crítica aos liberais que, naquele
momento, formavam o governo10.
Os socialistas criticaram severamente os liberais por suas posições. Inicialmente,
no texto “O que convém ao Brasil”11, criticam-se os liberais e a sociedade em geral que
busca o peculato e a corrupção como forma de se adquirirem riquezas, ao invés do
incentivo “febril” à atividade “industrial e mercantil”. Critica-se, ainda, a falta de
liberdade e a subserviência dos homens públicos, dos liberais entre eles, e clama-se pela
liberdade que poderá ser exigida pelo povo que tem a intuição da mesma e que poderia
gritar a pleno pulmão “fora! Fora com eles!” – os políticos corruptos e subservientes.
Aliás, a sociedade imperial era vista como irremediavelmente corrompida, sendo
que a mudança de regime e de costumes seria a única forma de regenerá-la, ou antes, de
fazê-la desenvolver-se de maneira sadia e honrosa.
Novas críticas aos liberais surgem nas páginas do jornal, no que toca à formação
dos governos provinciais e, principalmente, na condução das eleições gerais para a
Câmara daquele ano, já que fora dissolvida pelo Imperador para a formação de outra de
acordo com os desígnios dos liberais. Mas, esses desígnios quedariam submissos e
servis ao trono e ao uso da força arbitrária nas eleições parlamentares. E para isso,
apelava-se ao arbítrio, força e violência na coação de eleitores e na manipulação das
9 Idem, nº 7, 31/08/1878, pp. 2-3. 10 Àquele momento, D. Pedro II resolvera encaminhar a reforma eleitoral que planejava e a doença e
demissão de Caxias da Presidência do Gabinete, no ano anterior, possibilitava o retorno dos liberais ao
ministério depois de dez anos de afastamento. Zacarias de Góis, liderança liberal intransigente e que se
colocara na oposição desde 1868, falecera ao final do ano, em 28 de dezembro de 1877, abrindo espaço à
negociação entre esse grupo e o próprio monarca. Nos primeiros dias do ano seguinte, o Imperador
chamou Cansanção Sinimbu à sua presença. Este era um novo líder liberal, ambicioso e passível de
acordo político. Ele fora convidado a 3 de janeiro a compor um Gabinete e a 5 já apresentava a lista,
incluindo um radical (cisão liberal) e até um liberal paulista com “assomos” republicanos. Estava formado
o Gabinete de 5 de Janeiro. Seu principal projeto era a Reforma Eleitoral que deveria passar por Reforma
Constitucional, uma vez que alteraria um artigo da Carta Magna: pretendia-se introduzir o voto direto,
mas censitário e restrito, agora, somente aos alfabetizados, como queria Sua Majestade e concordavam
liberais. Sinimbu solicitou ao Imperador a dissolução da Câmara formada esmagadoramente por
conservadores, desfavorável ao projeto. Não teve a menor cerimônia ou pejo em valer-se de todos os
meios para eleger uma Câmara unanimemente liberal; os fins justificavam os meios. Afinal, o voto direto
corrigiria dali para frente todos os males eleitorais… (HOLLANDA 1997). 11 O Socialista, nº3, sábado, 03/08/1878, p. 1.
mesas apuradoras. Tanto os vitoriosos, quanto os derrotados eram, na realidade, servis
ao monarca e ao sistema corrupto.
São liberais os homens do poder!
Escárnio! Mil vezes escárnio! São liberais e coagem a liberdade de muitos!
São liberais e levam a tropelia, o terror, a morte pelo assassinato aos templos, às ruas, às
praças… ao país inteiro!
E tudo isso a favor da monarquia.
Pois bem, cidadãos!
Demoli a monarquia!
Arrancai de uma vez do solo americano essa árvore daninha e atirai-a longe, muito
longe!
Votai pela República!
Votai pela democracia prática, franca, única!
Completai esse passo e depois o sol da República iluminará a grande lei filosófica
moderna – o Socialismo!
Ass.: Dr. Nobiling… Rio 04/08/1878
Não somente se criticava acerbamente os liberais, mas já se colocava claramente
a questão da ascensão da República, pelo voto, como uma grande transformação. De
uma República democrática que seria um passo, o momento que anticedia ao próprio
socialismo!
E, novamente, em outros textos, tanto dentro de questões doutrinárias contra o
direito de herança, como em outros, o socialismo e a República são relacionados
intimamente: “E para não mentirmos à nossa razão; para não tentarmos calar a nossa
consciência, o que é um atentado, que defendemos e propagamos a grande doutrina
socialista que, como vereis mais tarde, é a plenitude da verdade republicana”. Ou ainda,
em “A República e o Socialismo”, “nós dizemos: a verdadeira república, isto é, a
verdadeira e única forma de governo consentânea à paz, ao progresso, ao bem geral e ao
bem individual, tem sua consagração no socialismo”. Termina afirmando que “a
monarquia é um crime”12.
Evidentemente, esse posicionamento veemente, embora hesitasse em definir-se
revolucionário, sofreria consequências…
Primeiro, foi necessário um anúncio declarando que o jornal não era redigido
pelos senhores Trovão; Vicente Souza; José do Patrocínio; Júlio Gama; Bento Gama e
J. Filgueira; ou seja, republicanos notórios e radicais; alguns dos quais, declarar-se-iam
revolucionários. Na sequência, apareceram denúncias contra o chefe de polícia, Dr. Tito
12 O Socialista, nº 6, 24/08/1878, pp. 1 e 2.
de Mattos, que prejudicava o jornal “apressando a captura de crianças livres” que
faziam sua venda e distribuição; “nada menos de 176 menores têm sido presos depois
da publicação do 1º número do Socialista”13. Como se não bastasse, o grupo político
redator lança uma provocação que, certamente, soava agressiva:
O Club Socialista, reunido, deliberou não aprovar qualquer cometimento que ofenda a
pessoa do rei ou de seus satélites.
Não nos responsabilizamos pela loucura de algum infeliz que procura um lenitivo para
qualquer manomania suicida.
Sirva isto de clareza para o futuro14.
Após esse número, o arquivo de O Socialista encerra-se…
Para o ano seguinte, 1879, Evaristo de Moraes Filho (1981) tem publicada uma
conferência do Dr. Vicente de Souza, o mesmo citado em anúncio d’O Socialista e que
será o redator do jornal Democracia, em 1890, no Rio de Janeiro. Seu discurso intitula-
se “O Império e a escravidão”.
Vicente de Souza abre seu discurso conclamando a audiência por “Cidadãos!
Cidadãs!”, então, pronome de tratamento revolucionário, que remetia à Revolução
Francesa, ou melhor, às revoluções francesas e, mais propriamente, ao republicanismo
jacobino. Mais interessante é a conclamação ao gênero feminino, o que era por demais
avançado naqueles anos, especialmente no Brasil, fortemente patriarcal15.
Na totalidade do discurso o tom é ousado e justifica-o:
Cidadãos, uma das grandes dificuldades da tribuna popular é a segurança do caráter e a
independência da linguagem; e é a essa independência da frase que muitos chamam de
veemência e insulto; mas esta tribuna é o altar em que sacrificamos à pátria todos os
nossos grandes sentimentos, e este altar seria indigno, ficaria conspurcado, se diante
dele não usássemos da palavra independente e condenatória dos vícios e baixezas
(Apoiados) [MORAES FILHO, 1981, p. 74, sic].
13 O Socialista, idem. 14 O Socialista, nº 7, 31/08/1878, p. 3. 15 Geoff Eley (2005) comenta a inexistência de uma agenda consistente de luta pelos direitos femininos
em igualdade com os masculinos pelos socialistas desde 1860 até próximo da I Guerra Mundial; mesmo
havendo mobilizações femininas pelo voto, em relação à liberação de sua sexualidade e reprodução. A
tradição socialista era ainda masculina. Aceitava por princípio a igualdade entre homens e mulheres, mas
considerava que isso só seria resolvido após a queda do capitalismo, se omitindo em diversos pontos
polêmicos entre o final do XIX e começos do XX. O ideal ainda era o homem trabalhador, provedor do
lar e a esposa com a família, em casa, conquanto a realidade demonstrasse o quanto as esposas operárias
eram criativas em suster o complemento da renda com trabalhos domésticos, pequenos comércios, hortas
etc. Somente na década de 1960, com o feminismo, essa questão será de fato equalizada para além do
economicismo, como até então trataram os socialistas homens.
E ali estava ele, o orador, cumprindo uma determinação de quem havia de
melhor na sociedade: os jovens – “moços” – de almas puras e que representavam o
futuro radiante; as mulheres, viúvas, que sofriam juntamente com suas crianças à espera
da caridade pública e que não se corromperam diante da miséria geral que representava
o regime e que este impunha à sociedade. E esses moços “ordenaram” a ele que fosse
diante do “povo” – o público de associados da organização dos tipógrafos16, “os grandes
operários de enorme templo consagrado à deusa incruenta, a imprensa” – “esmolar”
“tudo quanto possa minorar as desgraças e as provações da viúva e do órfão”. Mas, não
agradeceria ao público por isso, afinal ouviam a “voz da caridade” “porque diante das
doutrinas imperecíveis do socialismo cumpristes o dever de cidadãos e associados”
(MORAES FILHO, 1981, p. 74).
Não foi a primeira vez que mencionou a palavra socialismo, já o mencionara
logo no quarto parágrafo de seu discurso, associando-o à democracia, que seria o
destino, o porvir da sociedade:
A vitória é nossa, porque somos a razão que é a verdade, que é o futuro; somos o futuro
que é a luz; luz que é a redenção predita por essa mártir de tantos séculos e de tantos
tiranos e que, em uma palavra, chama-se democracia prática que, amanhã, vestida com
os troféus refulgentes da vitória contra o mal, chamar-se-á o socialismo (aplausos)
(IDEM, p. 73).
Em seu discurso, o autor usa um estilo binário ao opor os “vícios” e
“iniquidades” do Império às virtudes da República – “isto é, a verdade sublime que a
razão e a livre consciência transformam em luz que esparge os raios vivificantes sobre
os crânios e sobre as almas!”. Basicamente, o Império e a Monarquia em geral, são
frutos da violência, “isto é, a mentira repugnante que a conquista e a brutalidade
cuspiram sobre a face das sociedades humanas” – notemos que os redatores de O
Socialista já denunciavam a conquista como a violência geradora das monarquias. A
Monarquia mantém-se não só pela violência, mas pela corrupção geral do caráter
público, uma vez que fomenta o servilismo e a desfaçatez. No caso do Brasil, ainda
seria pior, pois, desde suas origens ela:
Começou pela traição, cidadãos, porque o primeiro imperante escreveu com seu próprio
sangue o juramento, em nome da consciência, em nome do seu Deus, de que jamais
trairia a seu pai; aceitando o que os loucos brasileiros pretendiam dar-lhe, isto é, o
governo da colônia de então!
16 Nesse caso, a única referência clara ao operariado nesse documento e, objetivamente, à uma categoria
específica de trabalhadores.
Subsiste pela fraude e pela violência, porque é o engano, o dolo, que vitoriam […] nas
urnas, na tribuna parlamentar e nos gabinetes; ou a violência impudica e brutal que
esmaga, sob as patas dos cavalos, e sob as pesadas armas do soldado, o crânio do povo
que, liberto e não livre, tem escrita na Carta mentirosa e mentida; ludibrio de um rei
que, à pretensão de gigante, abateu-se pigmeu da política! (apoiados) (IDEM, pp. 74-
75).
Cita em tom de crítica, conquanto não aprofunde, a identificação do Estado com
a religião, o “poste infamante de uma religião imposta; de um Deus oficial, de um culto
inatacável! (repetidos aplausos)”. Semelhante situação era uma prisão à consciência que
deveria ser livre. Há que se notar a reincidência de conceitos próprios do liberalismo no
discurso desse socialista.
Pior, contudo, é a identidade do Império:
A escravidão!
Nasceu da violência e da conquista, alimenta-se na estagnação moral da sociedade, que
não tem coragem de amputar de si essa parte gangrenada; vai a desaparecer no abismo
para onde rápido decai o império.
E, nascendo ambos da mesma origem e subsistindo ambos nos mesmos meios; e
tendendo ambos ao mesmo fim, império e escravidão identificam-se; império e
escravidão consubstanciam-se (IDEM, p. 75).
Combater o Império em prol da República era ato gêmeo de condenar a
escravidão; a identidade entre ambos era clara, como era clara a situação do padroado e
a ausência da liberdade de consciência, aliás, até para os políticos do regime, como
deixa claro Sérgio Buarque de Hollanda (1997).
Assevera que os desmandos de maus governos trariam à boca do povo a palavra
“república”, que também era o sentimento de toda a América.
Afinal, assumia sua condição:
Hei de lutar, arca por arca, e sei a responsabilidade que aí vai.
Sou revolucionário, bem o sei.
Sou republicano, glorio-me.
Estou fora da lei, permito-me.
O que é preciso fazer?
Castigar-me? Punir-me? Violentar-me?
Façam o que lhes ditarem as consciências baças; mas evidenciem-se de que descerei da
tribuna popular quando o povo ordenar-me; porque foi o povo quem trouxe-me até aqui
(IDEM, pp. 76-77).
Outro jornal era o Socialista17, do qual temos apenas um exemplar, que foi
editado em Salvador, Bahia, em julho de 1882. Semelhante ao periódico carioca de
1878 era o fato de intitular-se “propriedade de uma associação” e ser republicano e
17 Socialista, Bahia, nº 1, 21/07/1882. Acervo digital da Biblioteca Nacional.
democrata. Mas, há diferença básica na concepção de se alcançar a República. Devemos
notar que não seria o primeiro periódico baiano dedicado ao socialismo; a redação de O
Socialista, carioca, que analisamos anteriormente, noticiou ter recebido exemplares de
outros jornais brasileiros pelo correio, dentre os quais A República e o número 9 de
Internacional Socialista, da Bahia18.
No texto de apresentação, “Quem Somos”, os redatores declaram-se
revolucionários republicanos e democráticos, além de socialistas. Seus espaços tanto
eram as tribunas, como as barricadas!
E combateremos sempre.
Quer na imprensa, quer nas barricadas e de arma em punho, sempre nos encontrarão a
combater pela democracia.
A vitória de nossas ideias […] nós só a queremos pela revolução. Sim, pela revolução,
porque só por ela é que a humanidade tem conquistado os seus direitos, porque ela traz
após si a aurora da redenção dos povos. A árvore da liberdade só deve ser regada com
sangue, disse-o D. Pedro I; pelo menos nisso ele foi sensato19.
Esses socialistas consideram-se formados, “educados nas teorias da grande
revolução de 89”, isto é, a Revolução Francesa de 1789. Seria a transformação social e
política da República e da democracia o grande destino do século XIX. Já havia caído a
escravidão na “América” (possivelmente refere-se aos EUA); a libertação dos servos na
Rússia também já havia ocorrido; baniu-se “Napoleão, Le petit, da França”;
Maximiliano do México fora expulso (não se referem à sua execução) e a unificação
italiana proclamada (também não dizem nada ao fato de ter-se formado o Reino da
Itália); portanto, “a República também havia de ser proclamada no Brasil”. Apontavam
como heróis, “apóstolos”, “soldados” republicanos Victor Hugo e “Castellar” 20 .
Consideraram como seus mártires Sócrates e Espártaco21. Finalmente, consideram a
democracia como a causa de Cristo: “Nós somos revolucionários – somos socialistas –
18 O Socialista, Rio de Janeiro, nº 2, sábado, 27/07/1878, p. 2. 19 Socialista, nº 1, 21/07/1882, p. 1. 20 Trata-se de Emílio Castelar y Ripoll: “político espanhol (Cádiz, 1832 – San Pedro del Pinatar, 1899).
Foi chefe do Poder Executivo durante a I República espanhola (1873-1874). Publicou numerosos artigos
no La Democracia, jornal por ele fundado em 1863”. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo:
Nova Cultural, 1998, vol. 5, p. 1232. 21 Os autores não dão maiores referências ou explicações para suas preferências, não permitindo a
compreensão da relação da citação dessas personagens históricas antigas com seus ideais e objetivos
políticos, filosóficos e sociais. Poderíamos especular sobre isso, mas seria algo arriscado… Quanto à
referência a Cristo para o socialismo, entende-se pelo ensinamento do “dividir o pão”, muito em voga
entre os primeiros socialistas e ainda nos dias de hoje, em algumas correntes mais próximas de certas
tendências cristãs sociais.
somos revolucionários pelas mesmas ideias que o mártir do Gólgota o foi; nós queremos
a revolução – porta por onde entra a República”22.
Há ainda, outro apelo, no discurso “Ao Povo – Carta Primeira”, de autoria de
Pedro Ivo, para que o “povo” fizesse a Revolução que deveria varrer a monarquia em
nome da República, derrubando o “cesarismo” e estabelecendo a democracia de fato,
como era destino dos brasileiros como americanos e como filhos do século XIX23. Até
porque, o autor considerava a dita “monarquia democrática” ou “constitucional
representativa” brasileira uma farsa justamente pela existência e exercício do Poder
Moderador, o que já era denunciado pelos liberais e republicanos.
Pedro Ivo se declara um revolucionário, mas abre a carta afirmando: “Não é
nenhum petroleiro, incendiário, ou comunista que vos dirige a palavra do alto do posto a
que subiu, porque se fosse algum demagogo, não vos doutrinaria na imprensa;
conspirava em algum antro”24. Sua opção pela Revolução – que chega a chamar de
“reação” – é “para combater o despotismo e não imolá-lo; opta pela revolução porque
ela é providencial”.
A associação à qual pertencia o jornal, conquanto não declare seu nome, guia-se
pelo republicanismo radical e revolucionário. Não podemos saber, contudo, a extensão
de sua influência na Bahia apenas pela leitura dessa fonte; somente uma pesquisa de
fôlego nos arquivos históricos poderá nos revelar interessante assunto.
Nesse mesmo ano de 1882, em dezembro, mais propriamente, no Rio de Janeiro,
outro “periódico crítico e socialista” aparece. Mas não se declara parte de qualquer
organização política ou social. Seu título é fantástico: O Satanaz25.
A redação apela à Revolução e se declara socialista, mas sua crítica à sociedade
se dá através do moralismo: critica a decadência dos costumes e, nesse caso, realça o
comportamento das mulheres e da alta sociedade em geral. Aliás, note-se que a redação
espicaça personagens sociais, homens e mulheres, muitas vezes em tom jocoso e
mexeriqueiro. Seu moralismo parece aburguesado já que aparenta criticar a sociedade
fluminense de dentro e não a partir de um ponto de vista do artífice especializado –
22 Socialista, 21/07/1882, p. 1. 23 Por “cesarismo”, Pedro Ivo compreende a existência do poder pessoal do Imperador, a partir do
exercício do Poder Moderador, não tendo, portanto, conexão com a definição política do cesarismo como
poder ditatorial com base no Exército. Note-se, novamente, a relação entre o desenvolvimento do século e
posição geopolítica do país com o desenvolvimento das ideias republicanas e democráticas. 24 Socialista, 27/07/1882, p. 1. 25 O Satanaz,n.º 1, domingo, 10/12/1882, acervo digital da Biblioteca Nacional.
como outros periódicos o fizeram antes e depois dele – que cultiva o orgulho do ofício e
busca a moralização social através da valorização do trabalho. Do ponto de vista
político também não apresenta o distanciamento do intelectual em relação ao objeto que
observa e analisa. A questão parece mais ser a da moralidade X imoralidade da época:
Prostitui-se a donzela; vende-se a mulher honesta a marido alheio; mercadeja-se a
honra; afemina-se a mocidade; despreza-se a religião; trai-se a amizade: avilta-se o
amor da pátria e da família…
[…]
Olhai o jogo da política: como se calcam aos pés os sentimentos próprios em honra
do… partido.
[…]
Clero, nobreza e povo, não me temais. Eu venho entre vós apenas fazer depor a máscara
aos vilões e aos hipócritas. Sou a revolução.
Somos socialistas: perdemos o tempo se alimentarmos o fogo sagrado.
[…]
Sois vós, pois, os demolidores; nós apontaremos, apenas, à consideração pública suas
diversas pústulas sociais.
Daí o texto resvala para questões sociais e políticas, que não desenvolve,
entretanto.
Foram essas pústulas sociais que criaram o meio miserável em que vais sendo lançada,
oh sociedade ignorante e indolente.
A revolução que vai alastrando-se alcançando o colo em S. Paulo com a questão da
escravidão, em Pernambuco e Bahia com a questão dos direitos e há de arrastar e
impelir as duas mais próximas províncias em via de bancarrota à vista do preço relativo
aos seus produtos, sem providência no passado e completo desânimo atual, essa
revolução trará consigo uma força nova, à crise moral, política e social.
O Satanaz será, pois, a imagem dos sentimentos coletivos de uma sociedade inteira
quando ela, a sós, depõe a máscara26.
Seis anos depois, em 1888, temos outro jornal O Socialista, uma “folha
popular”, de propriedade de seu editor, Antônio F. Grillo, em Cidade Paraíso, Minas
Geais. O exemplar único consultado é de junho de 1888. Os destaques dessa edição são
os festejos e comemorações que os abolicionistas e populares fizeram ao receberem a
notícia da Lei Áurea, com bailes, desfiles e festas populares até altas horas da
madrugada. Homenageiam-se os grandes nomes do abolicionismo nacional. Pretendia-
se mesmo, fazer uma subscrição para a compra de uma casa a José do Patrocínio27.
Chama-nos a atenção uma atitude que parece ser ambígua em relação ao
republicanismo, conquanto sejam matérias assinadas não pelo redator-proprietário.
26 O Satanaz, n.º1, 10/12/1882, p. 1. 27 O Socialista, nº 30, Cidade Paraíso (MG), 03/06/1888, p. 2.
Contava-se que em Caldas, havia se formado um “Club Republicano” com “moços”
oriundos do Partido Conservador e que, então, passavam declararem-se republicanos:
Se lhe disser que alguns dos iniciadores da ideia eram, ainda ontem, bons
conservadores, não admirará, pois, ainda que há poucos dias lhe dei a nova de que o
partido da ordem estava, neste município, muito intrigado e sob ameaça de sensíveis
modificações28.
Também, na mesma carta, notícia dos festejos populares em ruas e praças, com
foguetório e banda de música à chegada do correio com a notícia da Abolição. O
Diretório Abolicionista da localidade ofereceu baile que se iniciou às 21 horas e
encerrou-se na maior animação e ordem às três da manhã seguinte.
Contudo, mais interessante é a notícia:
S. M. o Imperador: Felizmente são mais satisfatórias as últimas notícias que nos
trouxe o correio, relativas à moléstia do Sr. D. Pedro II.
(…) mais tranquilos fazemos votos para que por muitos anos ainda, goze o Brasil das
luzes e das virtudes de seu estimado soberano29.
Ao que parece, nem todos os socialistas brasileiros de fins do Segundo Reinado
eram republicanos; conquanto fossem abolicionistas. Ao menos, parece ser este o caso
do redator e de alguns colaboradores de O Socialista do interior mineiro. Poderíamos
supor que essa estima fosse resultado, principalmente, da Abolição que acabava de se
processar. Poderíamos supor isso com base em José Murilo de Carvalho (2012), quando
afirma que o período que vai da Abolição à Proclamação da República foi o de maior
popularidade do regime e do Imperador, contudo, não entre a elite política e econômica
do país. Republicanos históricos e abolicionistas como José do Patrocínio, chegaram
mesmo a se colocar como defensores da monarquia contra os republicanos
escravocratas e de “14 de maio”.
Fechando as primeiras impressões
Do que vimos até aqui, podemos supor alguma atividade associativa e
organizativa dos primeiros socialistas. Procuramos aproximações e semelhanças entre
socialistas, republicanos e abolicionistas seguindo as obras de referência historiográfica
28 Idem, p. 2, “Cidade de Caldas, 22 de maio de 1888”. 29 Idem, p. 4.
no tema. Notemos que Sérgio Buarque de Holanda já comenta a respeito dos
republicanos cariocas, especialmente suas alas radicais, que se aproximavam do
socialismo:
Enquanto isso, um Lopes Trovão já falava, mais atento, segundo parece, ao prestígio
revolucionário da palavra, do que à doutrina que por ela se exprimia, na ideia socialista, como
consequência ainda remota da agitação contra o Império. Lúcio de Mendonça, publicando em
1888 uma revista a que chamou O Escândalo, define-se, logo de início, com seu colaborador
Valentim Magalhães, um “socialista republicano” em política. É certo que no parágrafo anterior
se dissera positivista, em moral e em religião (HOLLADA, 1997, p. 291).
Evidentemente, também nos remetemos à produção historiográfica e acadêmica
que aponta a proximidade entre socialistas e republicanos antes de 15 de novembro de
1889. Há considerações de que os socialistas se organizaram apenas e logo após a
Proclamação da República e que seriam oriundos de um republicanismo radical, de
esquerda, se quisermos usar o termo. Parece-nos, porém, que os documentos não
corroboram essa hipótese de maneira completa e definitiva. Nos dois primeiros jornais
socialistas que citamos e analisamos, vemos a presença de clube político e associação.
Não buscamos por seus documentos mais diretos e primários, mas, no mínimo supomos
que essas organizações existiram, conforme “testemunham” essas fontes.
O republicanismo professado por esses primeiros socialistas era radical e
moralizante, no que se misturava às suas próprias concepções que valorizavam o
trabalho. Eram concepções tanto reformistas em relação à sociedade e com certas
influências utópicas à Saint-Simon, como eram revolucionárias, ou quase, no que toca à
concepção política republicana, na necessidade e mesmo na forma de como implantá-la
no Brasil. Eram democráticos e todos assim o declararam – embora não propriamente o
Socialista mineiro – e a República a ser implantada deveria assim ser. A democracia
“prática” era a da participação direta dos cidadãos, conquanto não tenham elaborado ou
desenvolvido melhor sua concepção ao apresentá-la ao público. Evidentemente, eram
abolicionistas; tanto pela injustiça e monstruosidade que a escravidão representava
então, como pela necessidade de se valorizar e engrandecer o trabalho, liberto desse
triste estigma. A escravidão era o maior mal e identificava-se com o próprio Império
que, como monarquia, tinha origem na conquista e na violência. Ambos provocavam e
apoiavam outros vícios graves da sociedade da época, como declaravam os socialistas,
abolicionistas e republicanos que acabamos de estudar.
Republicanos, democratas, abolicionistas, com concepções moralistas, utópicas e
jacobinas de sociedade e política – esse era o perfil dos socialistas brasileiros de fins do
Segundo Reinado. Não eram, contudo, jacobinos, pura e simplesmente, que se tornaram
socialistas após a Proclamação, decepcionados com os rumos oligárquicos do novo
regime; eram socialistas primeiramente lutavam pelo duplo objetivo da República
democrática e da Abolição que, realizado, abriria as portas para um futuro socialismo,
entendido como resultado do avanço da democracia e da valorização moral e social do
trabalho e, evidentemente, de sua classe.
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