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8 A LENDA DE JURUTAÍ Muito tempo atrás, no fundo da floresta amazônica, havia um pássaro chamado Jurutaí. Uma noite, Jurutaí olhou para cima, através do ar quente, e viu a lua. Ela estava completamente redonda. A luz prateada brilhou sobre a face de Jurutaí como se a lua estivesse se esticando para tocá-lo. E Jurutaí se apaixonou. Jurutaí se apaixonou pela lua e quis ir até onde ela estava. Assim, voou até o topo da árvore mais alta que podia ver. Mas a lua ainda estava longe. Ele voou até o cume de uma montanha. Mas a lua ainda estava longe. Então ele voou até o céu. Jurutaí bateu as asas, subindo, subindo, até o ar ficar rarefeito. Mas a lua estava muito longe. O pássaro continuou voando para cima até as asas doerem, os olhos arderem e parecer que cada respiração só enchia seus pulmões de vazio. Queria prosseguir, mas era muito difícil. A força de suas asas chegou ao fim e de repente ele começou a cair. Rodopiava, através do ar negro, e batia as asas céu abaixo. Ele caiu de volta nas folhas úmidas e perfumadas das árvores. E se empoleirou ali, piscando ofegante para a lua. Ela estava distante demais para que ele a alcançasse. Assim, tudo o que Jurutaí podia fazer era cantar para ela. Ele cantou a mais bela canção que pôde. Uma canção cheia de tristeza e amor, que se espalhou pela floresta. A lua olhou para baixo, mas não respondeu. E lágrimas encheram os olhos de Jurutaí. Suas lágrimas rolaram pelo chão da floresta. Encheram vales e escorreram em direção ao mar. E dizem que foi assim que o rio Amazonas surgiu. Ainda existe um pássaro chamado jurutaí que vive na floresta amazônica hoje em dia. Às vezes, na lua cheia, ele olha para o céu e

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A LENDA DE JURUTAÍ

Muito tempo atrás, no fundo da floresta amazônica, havia um

pássaro chamado Jurutaí. Uma noite, Jurutaí olhou para cima, através

do ar quente, e viu a lua. Ela estava completamente redonda. A luz

prateada brilhou sobre a face de Jurutaí como se a lua estivesse se

esticando para tocá-lo. E Jurutaí se apaixonou.

Jurutaí se apaixonou pela lua e quis ir até onde ela estava. Assim,

voou até o topo da árvore mais alta que podia ver. Mas a lua ainda estava

longe. Ele voou até o cume de uma montanha. Mas a lua ainda estava longe.

Então ele voou até o céu. Jurutaí bateu as asas, subindo, subindo, até o

ar ficar rarefeito. Mas a lua estava muito longe.

O pássaro continuou voando para cima até as asas doerem, os olhos

arderem e parecer que cada respiração só enchia seus pulmões de vazio.

Queria prosseguir, mas era muito difícil. A força de suas asas chegou ao

fim e de repente ele começou a cair. Rodopiava, através do ar negro, e

batia as asas céu abaixo. Ele caiu de volta nas folhas úmidas e perfumadas

das árvores. E se empoleirou ali, piscando ofegante para a lua. Ela estava

distante demais para que ele a alcançasse. Assim, tudo o que Jurutaí

podia fazer era cantar para ela. Ele cantou a mais bela canção que pôde.

Uma canção cheia de tristeza e amor, que se espalhou pela floresta.

A lua olhou para baixo, mas não respondeu. E lágrimas encheram os

olhos de Jurutaí. Suas lágrimas rolaram pelo chão da floresta. Encheram

vales e escorreram em direção ao mar. E dizem que foi assim que o rio

Amazonas surgiu.

Ainda existe um pássaro chamado jurutaí que vive na floresta

amazônica hoje em dia. Às vezes, na lua cheia, ele olha para o céu e

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canta. E ouvi falar de povos indígenas que acendem fogueiras quando a

lua cheia brilha e cantam e dançam para fazer o jurutaí cantar. Eles

sabem que cantar a mais bela canção que se conhece é a melhor maneira

de se livrar da tristeza. E acreditam que deveríamos acender fogueiras no

coração quando o jurutaí dentro de nós se cala.

e estou olhando a água, que se estende até bem longe, ao redor do

Rio Afuá. O rio é um grande espelho marrom. Posso ver nele o azul do céu, o branco das

nuvens e, à distância, o verde da floresta. Pelo menos um quarto das espécies do

mundo vive aqui na Amazônia. Há aranhas tão grandes como um boné, macacos que

pesam pouco mais que um ovo de galinha, sapos que mugem como bois, peixes que pulam

dois metros fora da água para apanhar besouros nos galhos, borboletas de cores tão vivas

que podem ser vistas a um quilômetro de distância.

Às vezes, acho que as pessoas daqui contam tantas histórias extraordinárias

porque estão cercadas de criaturas extraordinárias. Às vezes, acho que é porque há

tanto mistério na água e na floresta. Os cientistas sabem mais sobre algumas partes

da Lua do que sobre certos lugares da Amazônia. Às vezes, acho que isso tem a ver com

a mistura única dos povos que vivem aqui – nativos que moram na floresta há mais de

10 mil anos, colonizadores europeus que começaram a chegar da Espanha e de Portugal

500 anos atrás e africanos trazidos de navio para a América do Sul como escravos. Suas

histórias se mesclaram, como tintas, produzindo novas cores. A próxima lenda é um

exemplo dessa mistura. Os personagens são típicos das narrativas dos povos

indígenas no Brasil, mas a própria história também é contada ao longo do continente

africano.

É de manhã agora

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