representações sociais do enfermeiro sobre ciência · a ciência parece ter o poder de atribuir...

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0 FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ ALISON FELIPE ALENCAR CHAVES REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO SOBRE CIÊNCIA: UMA ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DA ENFERMAGEM MACAPÁ-AP 2011

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ

ALISON FELIPE ALENCAR CHAVES

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO SOBRE CIÊNCIA: UMA

ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DA ENFERMAGEM

MACAPÁ-AP

2011

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ALISON FELIPE ALENCAR CHAVES

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO SOBRE CIÊNCIA: UMA

ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DA ENFERMAGEM

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em enfermagem da Fundação Universidade Federal do Amapá como requisito para obtenção do grau de Licenciado e Bacharel em Enfermagem.

Orientador: Arley José Silveira da Costa

Macapá-AP

2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Biblioteca Central da Universidade Federal do Amapá

Chaves, Alison Felipe Alencar Representações sociais do enfermeiro sobre ciência: uma análise epistemológica da enfermagem / Alison Felipe Alencar Chaves; orientador Arley José Silveira da Costa. Macapá, 2011.

91 f.

Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Fundação Universidade Federal do Amapá, Pró-Reitoria de Ensino de Graduação, Curso de Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem.

1. Enfermagem – Ciência. 2. Enfermagem – Método científico. I. Costa, Arley José Silveira da, orient. II. Fundação Universidade Federal do Amapá. III. Título.

CDD. 22.ed. 610.73

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ALISON FELIPE ALENCAR CHAVES

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO SOBRE CIÊNCIA: UMA

ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DA ENFERMAGEM

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em enfermagem da Fundação Universidade Federal do Amapá como requisito para obtenção do grau de Licenciado e Bacharel em Enfermagem.

Data de aprovação: ___/___/2011

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Arley José Silveira da Costa

Orientador

____________________________________

Prof. Dr. Rosemary Ferreira de Andrade

Avaliadora

____________________________________

Prof. MSc. Rosana Oliveira do Nascimento

Avaliadora

____________________________________

Macapá-AP

2011

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Em muitos aspectos, o desenvolvimento da ciência assemelha-se a uma colônia de coral. Quanto mais rapidamente ela prospera e cresce, os vestígios e contribuições de seus fundadores tornam-se sobrepostos e obscurecidos por sua própria prole. No entanto, existe um obstáculo para a estratégia alcançada pela árvore de coral. Os pólipos do final de seus ramos têm chances bem maiores de um desenvolvimento subseqüente do que aqueles situados próximos de sua origem. Os últimos crescem ininterruptamente sem considerar a necessidade de um fortalecimento proporcional da base que carrega o peso daquela estrutura. A colônia de coral, ao contrário de um carvalho, nada faz para solidificar seu suporte. Consequentemente, vários lotes de seus fragmentos destacam-se de seus pontos de partida, morrendo ou, se parcialmente vivos, crescendo em direções indeterminadas sem alcançar parte alguma.

Konrad Lorenz (1903-1989)

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RESUMO

A enfermagem reivindica-se a ciência e a arte do cuidar e, portanto, se caracteriza como uma atividade que aproxima aspectos objetivos e subjetivos do ser humano. No meio científico, em especial as ciências naturais, a ciência sempre foi considerada uma atividade que exige o isolamento das variáveis, a redução do organismo e a submissão aos mais rigorosos testes. Ocorre que as áreas menos objetivas como as pertencentes ao domínio das humanidades, de modo geral, são subjugadas exatamente pela carência de mais objetividade. O que fica claro é o problema da demarcação que visa estabelecer os limites entre uma atividade verdadeiramente científica e as de outra natureza. O presente estudo, ao analisar as representações sociais do enfermeiro sobre a ciência, revela categorias de pensamento que podem ser responsáveis pelo atual estado em que se encontra a enfermagem no que diz respeito ao domínio científico. Foram identificados 12 domínios gerais que dizem respeito à compreensão de conceitos fundamentais e 36 categorias que expressam de maneira clara as representações sobre a relação enfermagem/ciência. Foi proposto o “princípio do cuidado eficiente” como eixo do fazer e do pensar do enfermeiro e apresentados elementos em favor do seu desenvolvimento, como a necessidade de mudanças curriculares que tornem o enfermeiro instrumentalizado para agir e investido de fundamentos da boa ciência para investigar na mesma medida. Sugere-se a replicação do estudo aqui desenvolvido mudando o foco para o estudante de graduação como sujeito de pesquisa para avançarmos no auto-conhecimento da enfermagem. Palavras-chave: Filosofia, Epistemologia, Método Científico, Demarcação.

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ABSTRACT

Nursing claims to science and art of caring and, hence, is characterized as an activity that brings objective and subjective aspects of human being. In scientific circles, particularly the natural sciences, science has always been considered an activity that requires the isolation of variables, reducing the body and submission to the most rigorous testing. It happens that the less objective areas as belonging to the realm of the humanities in general, are just overwhelmed by the lack of more objectivity. What is clear is the problem of demarcation, which aims to establish the boundaries between an activity truly scientific and otherwise. The present study was to analyze the social representations of nurses about the science, reveals categories of thought that may be responsible for the current state it is in nursing with regard to the scientific. We identified 12 general areas relating to the understanding of fundamental concepts and 36 categories, which express clearly the relationship between the representations of nursing/science. It was proposed the "principle of efficient care" as the axis of doing and thinking the nurse and submitted in support of its development, the need for curriculum changes that make nurses equipped to act and vested with the fundamentals of good science to investigate the same extent. It is suggested replication of the study developed here shifting focus to the grad student as a research subject and to advance in self-knowledge of nursing. Key words: Philosophy, Epistemology, Scientific Method, Demarcation.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8

2 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................. 12

2.1 Caminhos epistemológicos da enfermagem ........................................................ 12

2.2 O cuidado/cuidar como objeto de ciência ............................................................ 13

2.3 Classificações e compreensões sobre ciência .................................................... 14

2.4 Ciência e tecnologia (epistéme e téchne)............................................................ 19

2.5 O problema da demarcação ................................................................................ 20

2.6 O método científico ............................................................................................. 22

2.6.1 Aristóteles (384-322 a. C.) ................................................................................ 23

2.6.2 Euclides (300 a.C.) e Arquimedes (287-212 a. C.) ........................................... 24

2.6.3 René Descartes (1596-1650) ........................................................................... 24

2.6.4 Karl Popper (1902 - 1994) ................................................................................ 25

3 METODOLOGIA .................................................................................................... 27

3.1 Tipo de estudo ..................................................................................................... 27

3.2 Local do estudo ................................................................................................... 27

3.3 População e amostragem .................................................................................... 28

3.4 Coleta de dados .................................................................................................. 28

3.5 Análise dos dados ............................................................................................... 29

3.6 Aspectos éticos da pesquisa ............................................................................... 30

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 31

4.1 Perfil da amostra ................................................................................................. 31

4. 2 Análise das categorias ....................................................................................... 31

4.2.1 Categorias conceituais de ciência .................................................................... 33

4.2.2 Categorias conceituais de método científico .................................................... 36

4.2.3 Categorias distintivas de descrição e explicação ............................................. 39

4.2.4 Categorias relacionais entre enfermagem e ciência ......................................... 44

4.2.5 Categorias identificadoras do método científico na enfermagem ..................... 51

4.2.6 Categorias de justificação ................................................................................ 57

4.2.7 Categorias de valor científico ........................................................................... 61

4.2.8 Categorias de valor da enfermagem ................................................................ 66

4.2.9 Categorias unificadoras da ciência e da enfermagem ...................................... 70

4.2.10 Categorias conceituais de cuidar ................................................................... 72

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4.2.11. Categorias de localização do cuidar no espaço científico ............................. 75

4.2.12 Categorias de abordagem científica do cuidar ............................................... 77

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 80

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 83

APÊNDICE A ............................................................................................................ 87

APÊNDICE B ............................................................................................................ 88

APÊNDICE C ............................................................................................................ 89

APÊNDICE D ............................................................................................................ 90

ANEXO A .................................................................................................................. 91

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1 INTRODUÇÃO Durante o curso de graduação em enfermagem diversas questões referentes

à certeza, ou algo próximo dela, de se aplicar os cuidados adequados a um

determinado paciente respeitando sua individualidade e humanidade são postas

para os estudantes que buscam construir seu corpo teórico de conhecimento sobre

enfermagem. Entre as mais comuns estão: a) o plano de cuidados preenche as

necessidades individuais do paciente?; b) uma assistência sistematizada e

padronizada garante otimização e funcionalidade do atendimento?; e c) a

enfermagem pode ser considerada uma ciência? Esta ultima parece não representar

grande motivação para investigação entre estudantes da área ao passo que as duas

primeiras são alvo de frequentes publicações em periódicos especializados e

dispõem de respostas bem esclarecidas.

Pode-se supor que a temática não é vista como central para os enfermeiros

que podem efetivar sua prática sem a necessidade de delimitar seu campo de

atuação. Outro meio de fazer esta análise é inferir que o questionamento sobre a

enfermagem se firmar ou não como ciência possui resposta bem clara para aqueles

que encontram plena satisfação ao reproduzir em seus discursos “a enfermagem é a

ciência e a arte do cuidar”.

De certo que parafrasear esta afirmativa ou assumir a posição de que esta

compreensão é desvinculada da atuação pragmática não satisfazem a inquietação

de quem anseia por uma boa fundamentação teórica, uma vez que as definições de

ciência e arte parecem não se cruzar. E é partindo desta inquietação que o presente

estudo dá corpo à discussão epistemológica da enfermagem no meio acadêmico

que ainda acontece de forma tímida. Um diálogo radicado na filosofia que busca dar

a devida importância ao tema sem negligenciar as questões referentes à prática

clínica, que serão aqui discutidas somente como artifício para fundamentar a

discussão principal.

Pode-se conjeturar que a forma tímida como a discussão sobre ciência ocorre

entre os profissionais da enfermagem amapaense seja um reflexo do próprio

desenvolvimento dos cursos de graduação existentes no Estado, cujo mais antigo é

da Fundação Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e data de 1991. É

importante salientar que por definição as Universidades Federais têm de se

sustentar sob o tripé ensino/pesquisa/extensão. As demais Instituições que ofertam

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a graduação em enfermagem, o fazem há não mais que dez anos. Sendo as

Instituições recentes, estas se encontram em vias de construção da própria

identidade do curso e de sua cientificidade. Além do caráter recente da graduação

em enfermagem no Estado do Amapá, há o contexto, também recente, da discussão

sobre a cientificidade da enfermagem, que pode ser observado pelas econômicas

quantidades de referencial teórico sobre o assunto.

A ciência parece ter o poder de atribuir certezas que somente se comparam à

própria fé no que diz respeito aos fenômenos que estuda. Por esta razão, a corrida

pela obtenção de um “diploma” de ciência é cada vez maior por parte das disciplinas

contemporâneas. As discussões sobre o tema, frequentemente, geram

discordâncias diversas, como algumas das perguntas que compõem o roteiro de

entrevistas do presente estudo. Debates sobre a cientificidade da enfermagem não

devem ser balizadores a indicar os caminhos que esta deve percorrer para alcançar

o status de ciência. Talvez o mais importante, e é isso que se busca no presente

estudo, seja efetivar uma busca da compreensão presente entre os profissionais da

área como um passo inicial para os muitos degraus na escalada para o auto-

conhecimento da enfermagem. Assim, para conceber a enfermagem como ciência,

não-ciência ou ciência em vias de se fazer, é fundamental entender como o

profissional de enfermagem compreende a ciência.

Desta forma, o presente estudo busca investigar a compreensão do(a)

enfermeiro(a) sobre a ciência e sobre o paralelo que este estabelece entre esta e a

enfermagem. Caracteriza-se como estudo qualitativo por analisar respostas,

compará-las entre si e com a discussão presente na literatura, gerando um diálogo

entre concepções. Estes diálogos buscam mostrar os problemas que envolvem as

disciplinas modernas no tocante a sua cientificidade e, em particular, a enfermagem.

Perez (2007, p. 99) salienta que “se na Idade Média a vida era orientada pela

religião, hoje é orientada pelos resultados estatísticos das pesquisas”. É notório o

status de confiabilidade atribuído pela ciência aos argumentos e práticas de

qualquer natureza, não constituindo novidade que muitas práticas busquem o manto

do cientificismo para legitimar-se enquanto ação mais qualificada. As diferentes

formas de categorizar o saber permitem desde uma separação evidente entre

ciência e outras formas de conhecimento até uma dificuldade de demarcação. O

problema da demarcação e a inserção da enfermagem neste contexto, a partir da

compreensão do enfermeiro, é justamente o centro desta pesquisa.

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O subtítulo “uma análise epistemológica da enfermagem” traduz o anseio por

gerar subsídios que permitam avanços no que diz respeito à discussão sobre a

cientificidade da enfermagem, ao passo que o título “representações sociais do

enfermeiro sobre ciência” indica o ponto de partida para o enriquecimento da

discussão epistemológica na enfermagem tendo como referência o enfermeiro

gerador do conhecimento próprio da enfermagem. Segundo Japiassú (1996, p.84-

85) a epistemologia:

É uma disciplina que toma as ciências como objeto de investigação. [...] podemos defini-la como a disciplina que toma por objeto não mais a ciência feita, uma ciência verdadeira de que deveríamos estabelecer as condições de possibilidade ou os títulos de legitimidade, mas as ciências em via de se fazerem, em seu processo de gênese, de formação e de estruturação progressiva.

Se analisar a enfermagem sob este prisma demanda, por um lado, obter a

compreensão de sua singularidade enquanto prática, por outro, demanda também

compreender que esta não pode se isentar da verificação de seus métodos. É

entender seu processo de construção e, ao fazê-lo, evidenciar suas idiossincrasias,

suas contradições internas. A singularidade aqui referida diz respeito à aproximação

da enfermagem com as ciências humanas, apesar de uma recente iniciativa de que

fala LoBiondo-Wood (2001) ao apontar que em 1993 foi liberado o relatório de um

mecanismo de fundos plurianual proposto pelo National Center for Nursing Research

para melhorar a integração das ciências biológicas e de enfermagem. É importante

salientar que esta não é a única forma de aproximação, mas representa uma das

mais evidentes.

O outro aspecto que torna a enfermagem singular é o fato de atuar em

ambientes diversos - da unidade básica de saúde ao hospital como instituição.

Nestes ambientes, a enfermagem enquanto prática executa ações técnicas de

monitoramento, supervisão, educação em saúde e execução de cuidados. O termo

cuidado merece algumas considerações tendo em vista que, por vezes na literatura,

a enfermagem se reivindica a ciência do cuidar. Desta forma o presente estudo inicia

por apresentar a discussão sobre a cientificidade da enfermagem e delinear uma

revisão do cuidar, como objeto de ciência, e sua relação com a enfermagem.

Outro aspecto fundamental a ser discutido é o valor do conhecimento

científico uma vez que por vezes se coloca, de forma equívoca, a ciência como a

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geradora de todo conhecimento. Esquece-se que o conhecimento tem usos

diversos, não sendo assim a ciência detentora da verdade absoluta. Granger (1994),

afirma que “em nossas sociedades, um conhecimento, uma vez estabelecido,

encontrará necessariamente, para o mal ou para o bem, quem o aplique”. Surgem

então as implicações éticas envolvidas a partir da aplicação de qualquer

conhecimento, assim como na prática científica.

Uma revisão sucinta e objetiva da história da ciência é apresentada,

apontando as classificações e compreensões de ciência em sentido lato. O texto

traça um paralelo entre ciência e tecnologia, a fim de diferenciar as duas práticas.

Apresenta o problema de decidir entre o que é e o que não é ciência, conhecido

como “problema da demarcação”, bem como os métodos científicos propostos por

Aristóteles, Euclides, Arquimedes, Descartes e Popper. As sessões que seguem

apresentam os caminhos epistemológicos que a enfermagem tem percorrido a fim

de se estabelecer como ciência e delinear seu objeto na ação de cuidar.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Caminhos epistemológicos da enfermagem Ao lançar mão de uma análise conceitual da ciência, Horta (1979) conclui que

a enfermagem não se enquadra plenamente em qualquer dos conceitos propostos.

A autora sustenta que apesar de possuir um corpo de conhecimentos, estes não se

encontram sistematizados ou organizados, por outro lado conta com teorias

relacionadas entre si e referentes ao universo natural. Apesar desta caracterização,

a autora assume que a ciência da enfermagem descreve e explica as necessidades

básicas do ser humano, relaciona-as entre si e prediz sobre estas necessidades.

Contudo, Carvalho (2003a, p. 421, grifo do autor) percebe a enfermagem como:

[...] carente de conhecimentos capazes de superar obstáculos epistemológicos, os que retardam de muitas formas, o ato de conhecer e até pela preferência às respostas ao invés de às perguntas. Uma profissão necessitando romper com experiências casuais, para submeter seus achados à verificabilidade e à falseabilidade.

Para Bison (2003), o foco da enfermagem como ciência ainda não está

claramente definido, mas é emergente na centralização dos conceitos de cuidar e de

saúde. Estando o conceito de saúde ligado às ações e intervenções, a autora aponta

sua interligação com o cuidar. Caliri (2002) salienta que o contexto de

desenvolvimento da enfermagem como profissão, em diversos países, trouxe a

expectativa de uma prática baseada em conhecimento científico próprio que faria

diferença nos serviços de saúde implicando em maior qualidade.

Perez (2007) assinala o surgimento, na década de 1980, da prática baseada

em evidências, empregada primeiramente na medicina e, posteriormente, como

sugere Caliri (2002), na enfermagem. Este modelo de assistência busca aproximar a

atividade profissional da prática científica por meio da consulta a resultados de

pesquisas científicas que sustentem a tomada de decisão.

Caliri (2002) ressalta que a utilização de um referencial para embasar a

prática exige a disponibilidade de resultados de pesquisa com fortes evidências

indicando que as intervenções realizadas produziram resultados positivos na área

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prática, o que ainda não é frequente na área de enfermagem, em diversos países. A

autora infere que os fenômenos relacionados à assistência de enfermagem, nem

sempre podem ser estudados pelos métodos quantitativos valorizados no

referencial.

Conforme explicam McEwen e Wills (2009), a pesquisa experimental com

valor preditivo exige dados quantificáveis e passíveis de submissão a análises

estatísticas. Os dados qualitativos podem ser coletados, mas em geral, devem sofrer

codificação para serem testados estatisticamente. Por outro lado, no entendimento

de LoBiondo-Wood (2001) a enfermagem é tanto uma ciência como uma arte e a

pesquisa qualitativa combina as naturezas científica e artística da enfermagem para

aumentar a compreensão da experiência de saúde humana.

Carvalho (2003a) alerta que na enfermagem, a maior dificuldade dos

pesquisadores talvez seja decidir, objetivamente, quais os métodos aplicáveis e as

teorias que merecem maior peso. Assim, Bison (2003) afirma a necessidade de pôr

em discussão os paradigmas da concepção profissional na enfermagem, para que

se possa aprimorar o conhecimento próprio da atividade. Finalmente, Carvalho

(2003a) salienta que é preciso coragem para decidir entre limitações e impeditivos

da investigação, se é que apostamos nas possibilidades da enfermagem-ciência.

2.2 O cuidado/cuidar como objeto de ciência Para Horta (1979, p. 7), o ser humano é inobjetivável, assim, “o objeto da

enfermagem é assistir o ser humano no atendimento de suas necessidades

básicas”. Segundo Bueno (2007), o termo cuidado, entre outros sentidos, pode

significar desvelo. Para Abbagnano (2007, p. 224), o cuidado (lat.: cura; al.: sorge) é

“a totalidade das estruturas ontológicas do ser-aí enquanto ser-no-mundo: em outros

termos, compreende todas as possibilidades da existência que estejam vinculadas

às coisas e aos outros homens e dominadas pela situação”.

Uma compilação de diversos estudos sobre conforto, realizada por Mussi

(1996), encontrou três estruturas de cuidado. A saber, cuidado como alívio do

estresse, proporcionar conforto e prestar apoio. Este mesmo estudo relacionou o

conforto com um estado ou sentimento de alívio ou bem-estar, apontou que a

multidimensionalidade do termo envolve aspectos de natureza física, social,

psicológica, espiritual e ambiental. Definiu como sentidos técnicos de conforto a

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calma, o alívio e a transcendência. Por fim, indica a subjetividade do termo conforto,

relegando a estrutura de cuidado, no sentido de proporcionar conforto, à fragilidade

enquanto objeto de ciência.

Um estudo realizado por Bison (2003, p.7) revela o cuidar na experiência de

saúde humana como o objeto de estudos da enfermagem. Aponta o cuidado como

um fenômeno antológico, existencial, básico. Uma condição necessária para a

manutenção da natureza humana uma vez que sem ele o ser humano se

desestrutura. Não está claro se a intenção da enfermeira Bison (2003) era, de fato,

empregar o termo fenômeno antológico ou fenômeno ontológico. No entanto, é

possível que a segunda opção seja a correta.

Entre as tentativas de delinear o cuidado na revisão realizada por Bison

(2003), a que mais chama a atenção é a que o aponta como um modo de agir em

que o indivíduo desvincula-se de si próprio e centra-se no outro, com desvelo e

solicitude. Ademais, pode-se encontrar o cuidado significando a ternura vital,

amorosidade com o mundo real, entre outras abstrações. Para a autora, a

enfermagem pouco tem se voltado para os conceitos filosóficos do cerne da

profissão e, assim, permanece uma lacuna entre as muitas definições e o efetivo

cuidado ao cliente.

Bison (2003) adota cinco classificações ontológicas a fim de definir o cuidar. A

saber: a) o cuidar como uma característica humana; b) cuidar como um imperativo

moral e ideal; c) cuidar como afeto; d) cuidar como relação interpessoal; e, por fim e)

cuidar como ação terapêutica de enfermagem. Assim, o cuidado de enfermagem

consiste em ações em defesa de um funcionamento corporal adequado, que previna

a doença ou, em caso de algum desequilíbrio, ofereça uma assistência que conduza

à homeostase.

2.3 Classificações e compreensões sobre ciência Em geral, há comum acordo de que os primeiros delineamentos do termo

ciência, do grego ἐπιστήµη (epistéme), são radicados na Grécia antiga, com Platão e

Aristóteles. Segundo consta em Lalande (1996) Platão acreditava haver níveis de

conhecimento, constituindo a ἐπιστήµη o mais elevado entre eles. Aristóteles

acreditava haver uma diversidade de ciências marcada pela hierarquização dos

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saberes próprios de áreas específicas. Assim, a física como filosofia segunda

(φιλοσοφία δευτέϱα), por exemplo, estaria subordinada à teologia como filosofia

primeira ou anterior (φιλοσοφία πϱώτη ou πϱοτέϱα). Segundo definição de Abbagnano

(2007, p. 136) ciência é:

Conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, uma garantia da própria validade. A limitação expressa pelas palavras "em qualquer forma ou medida" é aqui incluída para tornar a definição aplicável à C. moderna, que não tem pretensões de absoluto. Mas, segundo o conceito tradicional, a C. inclui garantia absoluta de validade, sendo, portanto, como conhecimento, o grau máximo da certeza.

Enquanto para Bueno (2007, p.166), ciência é o conjunto de conhecimentos

coordenados relativamente a determinado objeto, um estudo sistematizado. Para

Andery et al (2003), a ciência caracteriza-se por ser a tentativa do homem entender

e explicar racionalmente a natureza, buscando formular leis que, em última instância

permitam a atuação humana. Demo (1987, p.30) acredita que o conceito de ciência

depende da nossa concepção de realidade e afirma:

Não é ciência o que chamamos de senso comum, a forma comum de conhecermos a realidade, sobretudo através da experiência imediata. [...] A dona de casa também percebe o problema da inflação, porque nota que os preços sobem contínua e aparentemente sem razão. Ao tentar explicar as razões do aumento de preços, pode aventar coisas inteligentes, ao lado de outras imediatistas.

Para Angerami (1993, p.14), fazer ciência é “explicar o por quê dos fatos, e

esta explicação advém de uma sólida base teórica. Cada ciência explica seus

fenômenos com base nos pressupostos teóricos que a orientam”. De acordo com

Granger (1994), “as matemáticas foram, ao longo da história, os primeiros

conhecimentos a atingir o status de ciência, no sentido em que o entendemos”.

Gewandsznajder (1989) apresenta a matemática e a lógica como ciências formais

por analisarem a forma das argumentações e não seu conteúdo. Enquanto a física e

a biologia são apresentadas como ciências factuais. Popper (1959) via na física a

mais cabal concretização da ciência empírica.

Abbagnano (2007) aponta que, no século XVII, Bacon apresentou uma

enciclopédia fundada na tripartição entre ciências da memória, ciências da fantasia e

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ciências da razão. A mais famosa classificação das ciências foi proposta por

Ampère, que usou os termos ciências do espírito ou noológicas e ciências da

natureza ou cosmológicas, sendo as demais classificações originadas a partir desta.

Na enciclopédia de Sarkar e Pfeifer (2006) consideram-se ciências especiais as

ciências físicas, biologia, psicologia e as ciências sociais.

Gewandsznajder (1989) defende que, ao conjunto de ciências que estudam

os aspectos culturais e sociais do homem, denominamos ciências culturais, sociais

ou humanas, enquanto às ciências que estudam a natureza e o próprio homem, sem

se preocupar com tais aspectos, denominamos ciências naturais. De outro lado,

Demo (1987) defende que as ciências sociais fazem parte das ciências humanas e

têm seu objeto socialmente condicionado representando o grupo mais delineado

dentro das ciências humanas.

O autor assinala que nas ciências sociais, algumas se dizem aplicadas por

buscar o pragmatismo das teorias sociais. Como exemplo cita-se o direito, a

administração, contabilidade e o serviço social. Enquanto outras se consideram

ciências sociais mais clássicas por apresentarem maior densidade teórica, como a

sociologia, economia, psicologia, educação, antropologia, etnologia e a história.

Demo (1987) cita ainda como um grupo menos delineado das ciências humanas, o

da comunicação e expressão, incluindo neste, as letras que, segundo o autor, teve

notáveis avanços com o desdobramento da linguística moderna.

Por outro lado, Popper (1952, p.125, tradução nossa) sustenta que:

“[...] o tema, o gênero ou classes de coisas, não constitui uma base para a distinção de disciplinas. As disciplinas são distinguíveis parcialmente por razões históricas e razões de conveniência administrativa, parcialmente porque as teorias que nós construímos para resolver nossos problemas têm uma tendência para crescer dentro de um sistema especial”.

Assim, outra forma de classificar as ciências é como ciência básica e ciência

aplicada. Segundo explica Gewandsznajder (1989), a ciência básica se preocupa em

aumentar nossos conhecimentos sobre as leis da natureza, mesmo que esse

conhecimento seja, aparentemente, desprovido de uma utilidade prática imediata. Já

a ciência aplicada procura compreender fenômenos mais específicos, que possam

ter uma utilidade prática imediata ou um maior interesse social. Como exemplo de

ciência aplicada, o autor cita a patologia médica.

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17

Para Granger (1994), é bastante claro que os saberes sociológicos ou

psicológicos, econômicos ou linguísticos não podem pretender, em seu estado

presente e passado, ter a solidez e a fecundidade dos saberes físico-químicos, ou

até biológicos. Este autor ainda infere que o obstáculo fundamental para a atribuição

do nome de ciências a estas áreas está, evidentemente, na natureza dos fenômenos

de comportamento humano, que carregam uma carga de significações que se

opõem a sua transformação simples em objetos, ou seja, em esquemas abstratos

lógica e matematicamente manipuláveis. Assim, ressalta, o problema não reside em

reduzi-los, e sim em representá-los, ainda que parcialmente, em sistemas de

conceitos.

Segundo a análise de Popper (2004, p.16),

O método das ciências sociais, como aquele das ciências naturais, consiste em experimentar possíveis soluções para certos problemas. [...] Se a solução tentada está aberta a críticas pertinentes, então tentamos refutá-la; pois toda crítica consiste em tentativas de refutação. Se uma solução tentada é refutada através do nosso criticismo, fazemos outra tentativa. Se ela resiste à crítica, aceitamo-la temporariamente; e a aceitamos, acima de tudo, como digna de ser discutida e criticada mais além.

Por outro lado, Granger (1994) sustenta que há uma multiplicidade de tipos de

gênero de explicação que se pode aplicar às ciências humanas. Esta multiplicidade

gera esquemas explicativos que podem combinar-se e interferir numa mesma

representação. No moderno pensamento dos fatos humanos, o esquema

hermenêutico, consiste em supor que os fatos signifiquem e que a ciência deve

explicitar tais significações. No esquema causal, supõe-se uma dependência entre

dois fenômenos, de modo que suas variações são concomitantes e que não se pode

ter um sem o outro. No esquema funcional a análise diz respeito às relações entre o

todo e as partes de forma que o adjetivo funcional remete à idéia do funcionamento

de um organismo ou máquina. No esquema actancial, o fenômeno a ser explicado é

pensado como resultado do comportamento de atores individuais ou coletivos,

considerados como tendo intenções e se submetendo a regras. Por fim, o esquema

dialético, que proporia como explicação a resolução efetiva de contradições

internas descobertas na realidade humana individual ou coletiva.

Granger (1994), afirma ser necessária a adoção deste tipo de

esquematização nas ciências humanas em razão da própria natureza dos fatos

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humanos. Porém, alerta ser essa pluralidade dos tipos de explicação sugestiva de

uma falta de segurança e de certa arbitrariedade. Aponta ainda que a realidade

individual dos acontecimentos e dos seres é o obstáculo único, mas radical, das

ciências humanas. O conhecimento científico exerce-se plenamente quando pode

neutralizar essa individuação, sem alterar gravemente seu objeto, como acontece

em geral nas ciências da natureza.

Demo (1987) entende ciência como um processo de desmitologização e

dessacralização do mundo, em favor da racionalidade natural, supondo-se certa

ordem das coisas dada e mantida. Gewandsznajder (1989) insiste que para que um

conhecimento seja considerado científico, ele deve ser considerado conjetural,

procurando-se criticar suas idéias através de argumentos lógicos e procurando

refutar suas hipóteses através de testes severos.

Segundo Granger (1994), a ciência é uma representação abstrata, mas se

apresenta como representação do real. Assinala ainda três traços característicos da

visão científica que poderiam funcionar como critério de demarcação, mas não sem

antes alertar que tais características não constituem um método propriamente dito.

O primeiro traço assinalado pelo autor é que a ciência é visão de uma realidade.

Esta visão defende que a ciência quer eliminar toda atitude que não comporte a

busca constante e laboriosa de uma demarcação dos produtos do devaneio e da

imaginação.

O segundo traço apresentado pelo autor é que a ciência visa a objetos para

descrever e explicar, não diretamente para agir. Sendo o resultado desta visão a

satisfação de compreender, e de modo algum agir. Este traço é especialmente

importante para nossa discussão visto que a enfermagem visa seu objeto

fundamentalmente para agir. O último traço é a preocupação constante com critérios

de validação.

Um saber acerca da experiência só é científico se contiver indicações sobre a maneira como foi obtido, suficientes para que as suas condições possam ser reproduzidas [...]. Assim, o conhecimento científico é necessariamente público, ou seja, exposto ao controle – competente – de quem quer que seja (GRANGER, 1994, p.47).

Popper (1959) afirma que o trabalho do cientista é elaborar teorias e pô-las à

prova. Losee (1979) elucida que o termo “teoria”, no sentido newtoniano, diz respeito

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às relações em que há evidência indutiva muito forte, sendo relações invariantes,

entre termos designados qualidades manifestas. Já Granger (1994), concebe teoria

como um conjunto de enunciados verificáveis e fechados para certos procedimentos

dedutivos que lhe são próprios. Contudo, o autor alerta que tais enunciados não são

imutáveis uma vez que ao longo da história têm sido modificados ou substituídos.

Granger (1994, p.107, grifo do autor) salienta que:

“[...] a história das ciências mostra-nos, com efeito, conflitos entre teorias concomitantes, como, por exemplo, a ocorrência, nascida no século XVIII e ainda viva no século XIX, entre uma teoria corpuscular e uma teoria ondulatória da luz”. Neste caso, ambas explicam essencialmente os mesmos fenômenos, mas cada uma relega à outra explicar certos fatos que representa mal.

De acordo com Gewandsznajder (1989), as teorias se valem de modelos e

procuram refletir, de forma parcial, simplificada e hipotética, aquilo que ocorre na

natureza.

2.4 Ciência e tecnologia (epistéme e téchne)

De acordo com Abbagnano (2007, p. 939-942) O sentido geral do termo

técnica coincide com o sentido geral de arte. Nesse sentido, técnica não se distingue

de arte, de ciência, nem de qualquer processo ou operação capazes de produzir um

efeito qualquer: seu campo estende-se tanto quanto o de todas as atividades

humanas. Por outro lado, tecnologia pode ser compreendida como sinônimo de

técnica ou como estudo dos processos técnicos de determinado ramo da produção

industrial ou de vários ramos.

Por outro lado, Pareyson (1989) afirma que há três definições tradicionais

para arte. A saber, arte como um fazer, como um conhecer e como um exprimir,

tendo prevalecido a primeira definição na antiguidade e, portanto, acentuando-se o

aspecto executivo, manual, fabril, arte como τέχνη (téchne). Esta acepção de arte

como τέχνη foi mantida por Platão e Aristóteles. Contudo, Lalande (1996) ressalta

que nas obras de Platão a palavra τέχνη é usada para designar a instrução prática ou

teórica enquanto ἐπιστήµη (epistéme) tende a significar a ciência teórica. Já

Aristóteles, quando emprega ἐπιστήµη sem qualificar é oposto à νοῦς (espírito ou inteligência) e se aplica à ἀπόδειξις (aquilo que é passível de demonstração). Assim

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não se observa um sentido determinado nem constante de τέχνη e de ἐπιστήµη em

Platão ou Aristóteles.

Pareyson (1989) ressalta que constitui grave equívoco absolutizar qualquer

das três definições tradicionais de arte, sendo mais seguro relacioná-las entre si e

ao considerar a acepção platônica ou aristotélica do termo arte, sugere que o

pensamento antigo pouco se preocupou com teorizar a distinção entre a arte

propriamente dita e o ofício ou a técnica do artesão.

De acordo com Granger (1994) a ciência se distinguirá da arte em primeiro

lugar porque, mais exatamente e mais completamente do que a arte, ela deve poder

exprimir-se numa linguagem (sistema simbólico formal) e ser comunicável pelo

ensino, mas ela se distinguirá da arte, sobretudo, pela natureza dos objetos a que se

aplica. Para o autor, “o que é objeto de ciência necessariamente é”.

De acordo com Gewandsznajder (1989), a técnica ou tecnologia pode utilizar

tanto o conhecimento comum quanto os conhecimentos obtidos na pesquisa ou na

ciência aplicada, para criar novos artefatos ou produtos, melhorar a produção,

modificar o ambiente ou organizar as atividades humanas. Por fim, Cyrino (2006)

aponta que teoricamente, a técnica parece ser a aplicação de um saber dado pela

ciência. Para o autor o engenheiro com a física e a matemática, constrói uma casa;

o médico, com a química e a biologia, escreve uma prescrição; o legislador, por

meio da sociologia, escreve uma lei.

2.5 O problema da demarcação De acordo com Demo (1995) a escola inglesa consagrou a indução empírica

como critério de demarcação. De fato o Novum Organum de Francis Bacon (1561-

1626), conforme apontam Sarkar e Pfeifer (2006), foi um dos primeiros tratados

sobre ciência a considerar a lógica indutiva como critério de demarcação. A crítica

de Hume (1999) sugere que o contrário de um fato qualquer seja sempre possível,

pois, além de jamais implicar uma contradição, o espírito o concebe com a mesma

facilidade e distinção como se ele estivesse em completo acordo com a realidade.

Que o sol não nascerá amanhã não é uma proposição menos inteligível nem implica mais contradição que a afirmação de que ele nascerá; e seria vão, portanto, tentar demonstrar sua falsidade. Se ela fosse demonstrativamente falsa, implicaria uma contradição e

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jamais poderia ser distintamente concebida pela mente (HUME, 1999, p.44, grifo do autor).

Popper (1959) denomina “problema da demarcação” o problema de

estabelecer um critério que nos habilite a distinguir entre as ciências empíricas, de

um lado, e a matemática e a lógica, bem como os sistemas metafísicos, de outro. O

autor afirma ainda que a lógica indutiva não proporciona adequado critério de

demarcação, ao passo que a falseabilidade revela-se o critério adequado para tal

intento.

O mesmo autor sustenta que a forma lógica de um sistema deve proporcionar

que este seja submetido a testes e que se possa comprovar ou falsear o sistema por

meio dos testes aplicados. De forma sintética, o autor afirma ser a falseabilidade o

critério de demarcação e não a verificabilidade. Portanto, um sistema que não

admita refutação não será considerado um sistema científico empírico.

Abbagnano (2007, p. 140) delineia o conceito de “teoria da ciência” para

designar que “qualquer ciência possível tem um princípio fundamental que nela não

pode ser demonstrado, mas que já deve ter sido verificado antes dela”.

Para Demo (1995, p. 18, grifo do autor) “é sempre mais fácil dizer o que não

seria ciência. Simplificadamente, não são ciência a ideologia e o senso comum”.

O autor afirma que o critério de distinção do senso comum é o conhecimento

acrítico, imediatísta, crédulo. Porém, aponta que o bom-senso constitui o lado

positivo do senso comum, ainda que não se equipare ao conhecimento científico.

Entre as áreas que, de acordo com Armentina [200-?], expressam

perturbações epistemológicas causadas pelo problema da demarcação repousa a

psicanálise, uma teoria da mente que impede a realização de experimentos sujeitos

ao falseamento. Sobre isto Iannini (2007) responde que a pergunta propriamente

lacaniana não é “que condições a psicanálise deve satisfazer para se transformar

numa ciência?”, mas, ao contrário, “o que é uma ciência que inclua a psicanálise?”.

Gewandsznajder (1989) assinala que a homeopatia integra o grupo das áreas

à margem da ciência. Pois não apresenta comprovações que satisfaçam o critério de

demarcação da falseabilidade. De outro lado, alguns experimentos com

medicamentos homeopáticos poderiam satisfazer a lógica indutiva, já criticada por

Popper (1959), como critério de demarcação.

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Parte da medicina, por vezes chamada de medicina pública ou social, leva em conta seriamente as questões sociais de seu acesso, bem como os condicionamentos psicológicos dos doentes. A geografia tende a adjetivar-se como econômica ou social, porque geralmente reluta em ser somente uma descritiva espacial (DEMO, 1987, p.14).

É evidente nas críticas do modelo científico vigente o interesse por estar

incluso nele. Assim, as práticas que não dispõem de um reconhecimento científico

optam por lançar acusações de “ismos” de forma a constranger o cientista, que, de

maneira geral, acaba por declinar de suas posições e fazer concessões. Nesse tipo

de argumentação as acusações como determinista, positivista, behaviorista, etc. são

tidos como ofensivas uma vez que parecem denotar uma defesa acrítica de uma

leitura de mundo qualquer e retiram o foco de discussões verdadeiramente

relevantes.

2.6 O método científico No tratado Novum Organum1, Bacon (1620) aponta um método que consiste

em estabelecer os graus de certeza, determinar o alcance exato dos sentidos e

rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente. De acordo com Cozby (2003), a

essência do método científico consiste na insistência de que todas as proposições

sejam testadas pelos métodos científicos da observação e da experimentação.

Desta forma, uma abordagem verdadeiramente científica deve rejeitar a noção de

que se pode aceitar, por meio da fé, as declarações de qualquer autoridade, sendo

então provas necessárias para que se tire uma conclusão científica.

Perez (2007) acredita que o método científico é caracterizado por propor

ações que garantam a reprodutibilidade do experimento e utilizar a matemática para

a análise dos dados obtidos. Gewandsznajder (1989) ressalta que em ciência, tem-

se de admitir, sempre, que se pode estar errado ao lançar palpites. Por isso, é

fundamental que as hipóteses científicas sejam testadas experimentalmente. Andery

(2003) assume que o método científico é historicamente determinado e apenas

dessa forma pode ser compreendido.

1 É relevante o aforismo de Bacon “o verdadeiro saber é o saber pelas causas”, pois sugere que é necessário conhecer a matéria, a forma, a causa eficiente e a causa final. Este pensamento já fora defendido antes por Aristóteles.

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2.6.1 Aristóteles (384-322 a. C.) Conforme aponta Abbagnano (2007, p. 136-137), a doutrina de ciência de

Aristóteles sustenta que:

[...] o objeto da ciência é necessário; por isso a ciência se distingue da opinião e não coincide com ela; se coincidisse, “estaríamos convencidos de que um mesmo objeto pode comportar-se diferentemente de como se comporta e estaríamos, ao mesmo tempo, convencidos de que não pode comportar-se diferentemente [...]”. Por isso, Aristóteles exclui que possa haver ciência do não necessário, ou seja da sensação e do acidental [...].

Segundo descreve Granger (1994), o primeiro nível do conhecer, fundamental

para Aristóteles, é a sensação, contato imediato com o mundo. Unida à memória,

rastro de sensações repetidas, ela constitui a experiência, que já associa num juízo

percepções individuais a uma imagem genérica. Assim, o contato imediato com o

mundo é fonte tanto da ciência como da arte. Idéia, segundo Losee (1979), mais

tarde, sustentada pelo filósofo inglês David Hume. Carvalho (2003, p. 424, grifo do

autor) defende que “o realismo gnoseológico de Aristóteles opõe-se à gnoseologia

idealista de Platão, faz avançar a reflexão e transforma a busca de respostas em

metodologia lógica designada dedução”.

Aristóteles encarava a investigação científica como uma progressão das

observações até os princípios gerais e daí de volta às observações. Insistiu que os

princípios primeiros das ciências fossem verdades evidentes (axiomas). Ele afirmava

que o cientista deveria induzir princípios exploratórios dos próprios fenômenos a

serem explicados, e em seguida deduzir afirmações sobre os fenômenos a partir de

premissas que incluem estes princípios. Lógica conhecida como silogismo (LOSEE,

1979, p. 15).

De acordo com Losee (1979), Aristóteles entendia a explicação científica

como uma transição do conhecimento de um fato ao conhecimento das razões para

o fato, creditando propositalidade nos fenômenos. Acreditava que toda explicação

científica de uma correlação ou processo deveria incluir um relato da sua causa final,

ou telos. Assumindo desta forma que a relação causa/efeito compõe a base da

explicação científica.

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2.6.2 Euclides (300 a.C.) e Arquimedes (287-212 a. C.) Abbagnano (2007) infere que a obra “Elementos” de Euclides quis realizar a

matemática como ciência perfeitamente dedutiva, sem nenhum recurso à

experiência ou à indução. Como demonstra Losee (1979), é provável que o ideal da

sistematização dedutiva tenha sido alcançado na geometria de Euclides e na

estática de Arquimedes. Ambos formularam sistemas de declaração ricos em

axiomas, definições e teoremas. Atribui-se a Euclides a definição dos termos

“ângulo” e “triângulo”. Para demonstrar seus teoremas a partir dos axiomas, Euclides

e Arquimedes usaram o método da exaustão, que consiste em mostrar que todo

contrário possível de um teorema tem consequências inconsistentes com os

axiomas do sistema, e a técnica reductio ad absurdum, que prova um teorema T

supondo que “não T” é verdadeiro, e em seguida deduzindo de “não T” e dos

axiomas do sistema, a um tempo, uma afirmativa e a negação desta. Se duas

afirmativas contraditórias podem ser assim obtidas, e se os axiomas do sistema são

verdadeiros, então T deve ser verdadeira.

2.6.3 René Descartes (1596-1650) Abbagnano (2007) sustenta que Descartes queria organizar todo o saber

humano pelo modelo da aritmética e da geometria. De acordo com Losee (1979),

Descartes compartilhava do ideal arquimediano de uma hierarquia dedutiva de

proposições. Assim propôs o método conhecido como cartesianismo, o qual

dispunha de quatro pilares.

O primeiro era nunca admitir alguma coisa como verdadeira sem que a conhecesse evidentemente como tal. O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudesse e fosse preciso para melhor resolvê-las. O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me pouco a pouco, como que por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, supondo até certa ordem entre aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir (DESCARTES, 2006, p.31-32).

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Para Granger (1994) as regras cartesianas pertencem, pelo menos no que diz

respeito às ciências da empiria, ao contexto de justificação, que está mais

relacionado com a validação dos enunciados científicos do que com sua descoberta.

Segundo consta em Losee (1979), a clara distinção entre o contexto de descoberta e

o contexto de justificação de que fala Granger (1994) ao referir-se ao método

cartesiano, é atribuída à John Herschel. Losee (1979) aponta como alvo de críticas à

Descartes a tentativa de deduzir as leis físicas básicas a partir de princípios

metafísicos2.

2.6.4 Karl Popper (1902 - 1994) Popper (2004) sugere que o conhecimento surge da tensão entre o

conhecimento e a ignorância.

Se é possível dizer que a ciência, ou o conhecimento, "começa" por algo, poder-se-ia dizer o seguinte: o conhecimento não começa de percepções ou observações ou de coleção de fatos ou números, porém, começa, mais propriamente, de problemas (POPPER, 2004, p. 14).

Segundo Popper (1959), um cientista formula enunciados ou sistemas de

enunciados e os testa um a um. O autor contesta a concepção de que as ciências

empíricas se caracterizam por empregarem métodos indutivos e ressalta que

qualquer conclusão obtida por meio da indução pode revelar-se falsa e conduzir à

incoerência lógica.

Popper (1959) defendeu o que chamou de “método dedutivo de prova” para

conduzir a investigação científica. A partir de uma idéia nova, podem-se tirar

conclusões por meio de dedução lógica. Segundo o referido método as teorias são

postas à prova e selecionadas conforme os resultados obtidos. O autor sugere que

para pôr uma teoria à prova, primeiramente, há de se testar a coerência interna do

sistema comparando, de forma lógica, as conclusões umas às outras. Em segundo

lugar, o autor defende que se deve determinar se a teoria apresenta o caráter de

uma teoria empírica ou científica, ou se é tautológica. Para tanto é preciso investigar

a forma lógica da teoria. A terceira forma de pôr a prova uma teoria é compará-la a

2 O famoso “Cogito ergo sum” de Descartes sugere a necessidade de se partir da presença do pensamento, não do mundo.

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outras com o intuito de determinar se a teoria representa um avanço científico. Por

fim, Popper (1959) fala da comprovação de uma teoria por meio de aplicações

empíricas das conclusões que dela se possam deduzir.

Popper (1962, p. 285, tradução nossa) acredita que o marxismo pode ser

considerado um método e como tal, submetido à prova a fim de ser corroborado ou

refutado. Entretanto, aponta que Marx, ao considerar sua missão elevar o socialismo

utópico a científico, baseou-se no método científico de analisar causa e efeito, e na

predição científica. Como admitiu que a predição no campo social é idêntica à

profecia histórica, o socialismo científico deveria basear-se em um estudo das

causas e dos efeitos históricos, e na profecia de seu próprio advento.

Popper (1962, p. 287, tradução nossa) assegura:

Não há razão porque devamos acreditar que, de todas as ciências, as ciências sociais seja capaz de realizar o antigo sonho de revelação do que o futuro tem guardado para nós. Essa crença na adivinhação científica não se fundamenta somente do determinismo. Sua outra fundamentação é a confusão entre predição científica, como as que conhecemos da física e da astronomia, e profecia histórica de longo prazo, que prenuncia em amplas linhas as principais tendências do desenvolvimento futuro da sociedade. Essas duas formas de predição são muito diferentes [...], e o caráter científico da primeira não é argumento em favor do caráter científico da segunda.

Popper (1962) chama a atenção para os equívocos gerados quando se lança

mão do intercâmbio de conceitos como “predição científica” e “profecia histórica de

longo prazo”.

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3 METODOLOGIA

3.1 Tipo de estudo O presente estudo faz uso da abordagem qualitativa por tratar de concepções

individuais de seres humanos. Assim, as informações obtidas são não quantificáveis.

De acordo com Figueiredo (2008), esse tipo de estudo produz grandes quantidades

de dados narrativos, dispensando grandes amostras. Além de qualitativo é

classificado como estudo exploratório, que, ainda de acordo com Figueiredo (2008),

gera maior familiaridade com o problema, ou seja, tem o intuito de torná-lo mais

explícito. Seu principal objetivo é o aprimoramento de idéias ou a descoberta de

intuições. Para Silva (2001, p. 20), na pesquisa qualitativa “o ambiente natural é a

fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave”.

3.2 Local do estudo Foram escolhidas inicialmente três instituições de Ensino Superior (IES)

situadas no município de Macapá-AP. A escolha por estas IES, em particular, se deu

pelo fato de possuírem o curso de graduação em enfermagem. As IES escolhidas

foram: a Fundação Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), cujo curso de

enfermagem foi fundado em março de 1991, tendo seu reconhecimento em agosto

de 1996; a Faculdade SEAMA, cuja graduação em enfermagem foi autorizada por

meio da portaria nº. 890 de 16 de novembro de 2006; e por fim, a Faculdade de

Macapá (FAMA), cujo reconhecimento do curso de graduação em enfermagem se

deu pela portaria nº. 1.190, de dezembro de 2006. Foram enviados ofícios para as

três instituições a fim de obter autorização para realizar o estudo em suas

dependências. Somente responderam ao pedido a UNIFAP e a FAMA. Sendo difícil

a permanência dos professores da FAMA na instituição fora do horário de aulas a

amostra foi restrita aos professores da UNIFAP.

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3.3 População e amostragem

A população, cuja amostra é representativa, é de enfermeiros(as) graduados

e ligados à atividade de docência em IES. Por entender que o enfermeiro docente da

graduação é responsável pela formação da visão de enfermagem e de ciência dos

futuros enfermeiros adotou-se como critérios de inclusão na amostra: ter graduação

em enfermagem e estar vinculado ao ensino de graduação. Optou-se por não

delimitar o tamanho da amostra antes do começo do estudo em razão da

possibilidade de diversidade de representações, que seria melhor expresso pelo

critério de saturação. Assim, a coleta de dados encerrou quando as informações

obtidas se tornaram repetitivas, tendo assim alcançado a saturação, conforme

metodologia já empregada num estudo similar por Domingues e Chaves (2005). A

amostra foi composta por 11 profissionais vinculados à Fundação Universidade

Federal do Amapá – UNIFAP.

A Lei 7.498 de 1986 que regulamenta o exercício da enfermagem profissional

no Brasil afirma que exercem a enfermagem no país: o enfermeiro, a obstetriz, o

auxiliar de enfermagem, a parteira, e os técnicos de enfermagem. Assim, os

indivíduos em concordância com a Lei supra-citada são todos profissionais de

enfermagem. O presente estudo diz respeito estritamente ao profissional de

enfermagem que a exerce na qualidade de enfermeiro nos termos da Lei. A escolha

restritiva pressupõe que o enfermeiro é o profissional componente da equipe

possuidor de formação acadêmica e que, portanto, está mais familiarizado com a

discussão.

3.4 Coleta de dados Os dados foram coletados por meio de entrevista gravada com a devida

autorização dos participantes obedecendo a um roteiro de entrevista previamente

montado (Apêndice C). O instrumento foi submetido a teste tendo sido aplicado

primeiramente a estudantes do último ano que aceitaram participar da entrevista-

teste. Este teste visava estabelecer o grau de objetividade das perguntas de modo a

perceber se estavam formuladas de forma clara. Após a realização das entrevistas-

teste, foram avaliados os resultados com o intuito de verificar se as respostas

satisfariam o propósito das perguntas. Subsequente à correção de possíveis falhas

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do instrumento de coleta de dados bem como o recebimento do parecer do Comitê

de Ética em Pesquisa, as entrevistas foram iniciadas com os sujeitos da pesquisa.

Foi encaminhado um ofício (Apêndice D) à coordenação de curso de cada

IES solicitando uma sala ou local reservado onde o entrevistado pudesse responder

às perguntas sem outras pessoas presentes que não o pesquisador e o próprio

respondente e sem ser interrompido. Os sujeitos foram contatados por telefone ou

pessoalmente na UNIFAP. Foram informados sobre o intuito da pesquisa e

convidados a participar.

A entrevista foi baseada em um roteiro de entrevistas que é um instrumento

norteador, porém flexível, podendo assim, ter a ordem das perguntas alterada de

acordo com o direcionamento das informações oriundas dos respondentes, bem

como outras perguntas inseridas de acordo com as necessidades de se enriquecer o

conteúdo. Precedendo a entrevista, foi aplicado aos participantes um questionário

semi-estruturado (Apêndice B) a fim de delinear o perfil da amostra bem como obter

dados do respondente que pudessem interferir nas respostas, como: titulação,

envolvimento com atividades de pesquisa, entre outros.

3.5 Análise dos dados As respostas obtidas foram decodificadas de áudio para texto digital,

comparadas entre si e, posteriormente, analisadas em paralelo com os achados da

literatura. O volume de dados brutos satisfez aproximadamente 4,7 horas de

gravação. As entrevistas tiveram duração média de 22,9 minutos. Para garantir o

anonimato dos participantes, cada respondente recebeu o cognome de (S), seguido

de um número que impossibilitasse a ambiguidade entre respostas durante a

análise. Assim, os participantes apareceram com as designações S01, S02, S03,

S04, etc.

Optou-se pela técnica de análise de conteúdo que segundo Franco (2005,

p.19) consiste em identificar, objetiva e sistematicamente, características específicas

da mensagem para fazer inferências. Para a autora, fazer inferências “pressupõe a

comparação dos dados, obtidos mediante discursos e símbolos, com os

pressupostos teóricos de diferentes concepções de mundo, de indivíduo e de

sociedade” (FRANCO, 2005, p.27-28). Assim, as respostas dos participantes foram

analisadas individualmente buscando a coerência interna entre as idéias geradas até

Page 32: Representações sociais do enfermeiro sobre ciência · A ciência parece ter o poder de atribuir certezas que somente se comparam à própria fé no que diz respeito aos fenômenos

30

o fim da entrevista. Por exemplo, cruzando a resposta à pergunta “o que é o método

científico?” com a resposta à “a enfermagem faz uso dos métodos científicos? Em

que momentos? Como?”. Após a análise individual, as respostas foram agrupadas

por convergência de idéias. Assim, aquelas que apresentaram mesmo conteúdo ou

argumentação tautológica compuseram uma mesma categoria de respostas. Foram

então gerados domínios de informação e organizados sob forma de heredograma.

3.6 Aspectos éticos da pesquisa O presente estudo obedeceu à resolução 196/96 do Conselho Nacional de

Saúde que trata de pesquisas com seres humanos, uma vez que envolveu o manejo

de informações obtidas diretamente de fontes humanas. O projeto foi encaminhado

ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Fundação Universidade Federal do

Amapá, para apreciação. As entrevistas tiveram início, somente, após a emissão do

parecer (Anexo A) favorável do CEP. Cada entrevista foi precedida da leitura e

assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A), na forma

de consentimento pós-informado, por parte do participante. Foi garantido ao

participante o anonimato bem como a decisão de abandonar a entrevista sem

qualquer ônus.

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31

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Perfil da amostra

Foram entrevistados 11 enfermeiros(as), docentes da UNIFAP, com tempo de

formação variando entre 1984 a 2006. A distribuição do tempo de docência

considerado no ensino superior foi de 36,36% com menos de 10 anos de atuação e

de 63,63% entre 10 e 20 anos de atuação. Com relação à maior titulação 9,09%

possuía residência, a mesma quantia possuía outras modalidades de

especialização, 54,54% possuía mestrado, 18,18% possuía doutorado e 9,09%

possuía pós-doutorado. 27,27% dos entrevistados, além da docência, atuavam na

assistência hospitalar ou unidade básica de saúde, 36,36% atuavam em outros

serviços e os demais (36,36%) tinham como única atividade a docência. Somente

45,45% dos entrevistados possuíam alunos de iniciação científica, o que é explicado

pelas exigências de titulação mínima para o exercício de tal atividade. Embora

apenas 54,54% dos entrevistados estivessem vinculados a grupos de pesquisa

72,72% tinham alguma pesquisa em andamento.

Ao identificarem-se os objetivos das pesquisas em andamento realizadas

pelos entrevistados foi possível constatar que 37,50% das pesquisas tinham como

foco o atendimento ao diabético, apenas 12,50% tinham como foco a qualidade de

vida relacionada à reabilitação, a mesma quantidade tinha como foco questões

referentes à docência, prevenção, gerontologia e inovação. Assim, no que diz

respeito à pesquisa na enfermagem observa-se a ênfase na área assistencial.

4. 2 Análise das categorias

Foi possível gerar 12 domínios de representação sobre a relação

enfermagem/ciência e um total de 36 categorias dentro destes domínios. Um

heredograma com os domínios analíticos e suas respectivas categorias é

representado na figura 1.

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Categorias

conceituais

de ciência

Ciência como corpo estruturado

de conhecimentos

Ciência como conhecimento

radicado no método

Ciência como conhecimento comprovado

Categorias

conceituais

de método

científico

Método científico

como instrumento de validação

do conhecimento

Método científico

como protocolo de

pesquisa

Categorias

distintivas de

descrição e

explicação

Distinção pela profundidade

Distinção por grau de

objetividade

Distinção causal ou

teleológica

Categorias

relacionais

entre

enfermagem

e ciência

Ciência em construção

Ciência categórica

Categorias

identificadoras

do método

científico na

enfermagem

Figura 1 Heredograma de Domínios e suas respectivas

Categoriasanalíticas

Categorias

identificadoras

do método

científico na

enfermagem

SAE como método

científico

Procedimento como método

científico

Lançamento de hipóteses

como método científico

Metodologia do ensino

como método científico

Categorias de

justificação

Justificação pelo método

Justificação pela inserção

acadêmica

Justificação pela busca ou produção do

conhedimento

Justificação pela

teorização

Justificação para a ciência em vias de se

fazer

Categorias de

valor

científico

Ciência como geradora de autonomia profissional

Ciência como promotora de auto-estima

Ciência como pré-requisito ao cuidado

eficiente

Ciência como norteadora do

progresso

Ciência com função social

Categorias de

valor da

enfermagem

Valor da contribuição

científica

Valor dos cuidados prestados

Valor do tempo de

permanência

Categorias

unificadoras

da ciência e

da

enfermagem

Inovação como

qualidade unificadora

Uso do produto da

ciência como qualidade

unificadora

Categorias

conceituais

Domínios e suas respectivas categorias analíticas

32

Categorias

conceituais

de cuidar

Cuidar como proporcionar

independência

Cuidar como prestar

assistência

Cuidar como vínculo afetivo

Categorias de

localização do

cuidar no

espaço

científico

Proximidade com as ciências

humanas

Centralidade do conceito

Categorias de

abordagem

científica do

cuidar

Abordagem através de

conhecimentos gerais

Abordagem através da

aplicação do método

Page 35: Representações sociais do enfermeiro sobre ciência · A ciência parece ter o poder de atribuir certezas que somente se comparam à própria fé no que diz respeito aos fenômenos

33

4.2.1 Categorias conceituais de ciência

Conceituar ciência parece ser tarefa de tal maneira complicada que há quem

tenha dedicado toda uma obra a tal objetivo e chegara a concluir pela inexistência

de um conceito universal ou atemporal de ciência ou de método científico

(CHALMERS, 1982). Contudo, é preciso que haja, no mínimo, um delineamento

conceitual básico por parte de quem se propõe a fazê-la. Okasha (2002, p.1-2)

aponta as possibilidades de resposta à pergunta “o que é a ciência?” variando desde

a mera apresentação de atividades trivialmente chamadas ciência – como a física ou

a biologia, por exemplo – até a enumeração de características comuns que todas

estas atividades compartilham e que fazem delas ciência. Das entrevistas realizadas

surgiram três categorias conceituais de ciência que agrupam as falas, a saber:

ciência como um corpo estruturado de conhecimentos, ciência como conhecimento

comprovado e ciência como conhecimento radicado no método.

4.2.1.1 Ciência como corpo estruturado de conhecimentos

Esta categoria é composta pelas acepções de ciência que envolvem a busca

contínua por respostas, mas que não se relacionam diretamente com o contexto da

justificação. As representações expressas variam desde as formas mais simples,

como “[...] É conhecimento, desenvolvimento de conhecimento.”(S02) até formas

mais elaboradas como as seguintes:

“A ciência é a busca do conhecimento. Você sempre procurar investigar algo a mais pra que você fortaleça e enriqueça seus conhecimentos procurando sempre, dentro da essência da ciência, direcionar o seu objetivo.” (S10). “Um corpo de conhecimento que tem os seus postulados teóricos e suas bases filosóficas e que nos possibilita a compreensão de determinados acontecimentos, de determinados fenômenos. Uma explicação desses fenômenos.” (S06).

A relação entre a busca do conhecimento e a compreensão dos fenômenos

expressa em ambas às falas é um indicativo de alguma forma de finalidade da

ciência – buscar conhecer para explicar fenômenos. No entanto, ao enunciar que o

conhecimento da ciência é possuidor de postulados teóricos e bases filosóficas,

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34

surge uma característica que nos permite reformular a finalidade expressa

anteriormente para – buscar conhecer para melhor explicar fenômenos. Ainda no

âmbito do buscar conhecer surgem formas que revelam a curiosidade inerente ao

ser humano como um elemento que o move em direção ao conhecimento elaborado

dos fenômenos.

“É o conhecimento. Você estar sempre em busca de respostas para aquelas perguntas que você faz. [...] Não é um conhecimento absoluto que a gente busca, mas pelo menos na tentativa de responder aquelas perguntas que você faz rotineiramente.” (S07).

É notória a preocupação em não demonstrar acordos com formas cabais de

conhecimento e assim assume-se uma postura de que o conhecimento científico é

uma verdade contingente. No entanto ocorre o entendimento de que quaisquer

perguntas rotineiramente feitas são de interesse da ciência, o que dá margem para a

compreensão de que perguntas de todas as naturezas são problemas genuinamente

científicos. Aqui é preciso distinguir entre questões científicas e questões que dizem

respeito estritamente ao senso-comum. Ao primeiro tipo de questão cabe descrever

e explicar fenômenos fazendo uso de critérios especificados e submetidos à

validação. Sua origem é a razão e, exatamente por isso, o conhecimento científico

não é uma tábua inquestionável, mas proposições sujeitas à revisão. Ao senso-

comum cabe usar a intuição para entender as coisas como aparentam e não

objetivamente como são.

4.2.1.2 Ciência como conhecimento radicado no método

É possível observar indícios da forma de conhecer os fenômenos em algumas

das definições nesta categoria. A ciência passa a ser definida com base na forma de

acessar o objeto, conforme segue:

“Corpo de conhecimentos que é formado por um conjunto de pesquisas que são feitas pra conhecer alguma coisa.” (S11). “É quando se pega algum conhecimento e procura se aprofundar. Cercando desde a sua origem e procurando realizar pesquisa em todo decorrer da evolução de determinado assunto [...] conhecimento profundo de algo, de alguma coisa.” (S04).

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35

“Todo estudo que tem metodologia, que exige método, ou seja, uma metodologia científica com critérios.” (S08).

Fica claro que a forma de apreender o objeto ou conhecer o fenômeno de que

nos falam os entrevistados é a pesquisa científica e que o conhecimento deve ser o

mais completo possível a fim de gerar uma informação científica. McEwen e Wills

(2009, p.43) consideram que a enfermagem, em muitos aspectos, está indecisa

sobre que abordagem metodológica melhor demonstra sua essência e

exclusividade.

4.2.1.3 Ciência como conhecimento comprovado

Aqui se agrupam as falas que abordam mais diretamente a preocupação com

a confiabilidade e veracidade do conhecimento. Novamente, ocorrem definições

variando das formas mais simples e que não envolvem critérios definidos de

justificação como “É um corpo de conhecimento comprovado cientificamente.” (S05)

até formas mais instrumentais como:

“Um conjunto de técnicas e procedimentos que nós devemos estar aplicando em algum momento que a gente precise fazer a busca de comprovação de algum produto ou dado, característica de alguma determinada população ou determinada situação que envolva esse questionamento de comprobabilidade do que é aquilo que se quer alcançar.” (S09).

As representações sociais de ciência, por parte do enfermeiro(a), distinguem

o conhecimento científico do senso comum, conforme as falas a seguir.

“É o conhecimento convalidado [...] que seja cientificamente comprovado. Não podemos levar em consideração os achismos e sim aquilo que a gente consegue comprovar através de pesquisa principalmente.” (S03). “[...] um conhecimento que a gente vai construindo. E não é aquele conhecimento do dia-a-dia, aquele conhecimento rotineiro. [...] é um conhecimento que, na maioria das vezes, se chama de sistematizado. [...] que ele é experimentado, que ele é confirmado e que ele acaba gerando algo de... verdadeiro” (S01).

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36

A acepção de ciência aqui é expressa como conhecimento sistematizado. Ao

que se observa é um conceito muito empregado na enfermagem. A ciência é vista

como um conhecimento oriundo da experimentação, portanto empírico, e que

precisa ser verificado devendo, ao final do processo, gerar aquilo que se conhece

como a realidade. A fala reticente sobre gerar algo verdadeiro é demonstrativa da

preocupação em estabelecer acordos com verdades cabais e irrevogáveis. Aqui

surge a separação entre o conhecimento científico e o senso comum.

“[...] Eles observavam o chão, cheiravam a terra, olhavam o galho das árvores, quebravam, viam como é que estavam. [...] e mostravam pros filhos. [...] Em relação a esse tipo de informação, eles já previam se o tempo ia ter chuva abundante ou se ia ter um tempo seco, sem chuva.” (S01).

Ao relatar as diferenças entre o conhecimento sistematizado, próprio da

ciência, e o senso comum introduz-se o conceito de previsão. A previsão, por vezes

confundida com predição científica, é uma característica do senso comum e é

gerada pela associação entre elementos observáveis da natureza. Conforme

salienta Chalmers (1982, p.34), uma visão indutivista probabilística assume que o

conhecimento científico não é conhecimento comprovado, mas provavelmente

verdadeiro. A crítica de Popper (1949, p.275-6) sugere a substituição de termos

como verificação ou comprovação por corroboração. Assim, quanto mais uma

hipótese resiste a testes severos mais ela demonstra sua qualidade.

4.2.2 Categorias conceituais de método científico

Definir o método científico parece ser outra tarefa árdua (CHALMERS, 1982),

mas possível. Possivelmente trata-se de uma empreitada menos laboriosa que a

definição da própria ciência. Geralmente há consenso a respeito dos passos

metodológicos para se desenvolver uma pesquisa científica de forma que o método

é frequentemente melhor compreendido do ponto de vista prático do que conceitual.

Isto pode levar à confusão entre metodologia da pesquisa e método científico. As

categorias geradas foram: método científico como instrumento de validação do

conhecimento e método científico como protocolo de pesquisa.

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37

4.2.2.1 Método científico como instrumento de validação do conhecimento

Conforme é apresentado na fala de S01 “A forma como eu vou chegar a

comprovar que algo é verdadeiro, que algo existe.”, por método científico,

compreendem-se os caminhos percorridos pela ciência a fim de demonstrar a

veracidade de um fato. Não obstante, o conhecimento gerado pela ciência é

concebido como a representação da realidade, daquilo que existe. Assim, o método

deve estar interessado no processo de validação de enunciados ou pressupostos.

“São critérios pra que sejam comprovados ou não. Métodos que podem ser experimentados, em que há rigor, que possam ser comprovados ou não.” (S08). “É quando você consegue apurar, em termos de precisão, algo não só empírico e principalmente quando você consegue uma comprovação de algo ” (S04).

O surgimento dos termos “apurar”, “precisão”, “rigor” e “comprovação” está

intimamente relacionado com a forma de apreender o método científico que deve,

segundo as definições postas, zelar por critérios de validação.

“É como se fossem as regras que a gente deve seguir para que aquilo que a gente ta pesquisando ou aquilo que a gente tá buscando de conhecimento seja realmente científico. Se a gente não seguir esse método não tem como ser validado, não tem como ter valor científico.” (S03).

Nesta definição o método é entendido como a regra que demarca o campo da

ciência. De forma que o valor científico do conhecimento encontra-se diretamente

relacionado ao rigoroso uso do método. Não está claro se as definições

apresentadas de valor científico têm relação com o valor, numa acepção mais geral,

do conhecimento de forma hierárquica.

4.2.2.2 Método científico como protocolo de pesquisa

Nesta categoria figuram as representações que definem método como

percurso investigativo ou envolvem definições instrumentais como “São as

ferramentas utilizadas pra atingir um objetivo.” (S05).

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38

“É como você vai direcionar, vai transcorrer essa sua pesquisa científica, seu trabalho científico, é esse percurso.” (S10). “É aquele que me direciona. O método é como se fosse o passo-a-passo de um caminho que eu trilho até chegar ao meu objetivo final de constatação, de comprovação ou de refutação daquilo que eu tenho em busca, do estudo ou de uma pesquisa que eu esteja trabalhando. Pra mim o método é o passo-a-passo que eu faço delimitado, direcionado que me ajuda a sistematizar, a organizar a idéia na busca do alcance de um objetivo.” (S09).

Os termos passo-a-passo, etapas, caminho definem o método como um

conjunto de etapas sucessivas que orientam o desenvolvimento da atividade

científica. Em S09 rememora-se a busca da constatação como critério de validação

e introduz-se o critério de refutação como adversativo. Assim, a decisão de

comprovar ou refutar uma hipótese se apresenta como uma questão de mera

escolha e não de uma velha contenda epistemológica.

“É o método que se utiliza para desenvolver uma pesquisa científica. geralmente a gente faz pesquisa, por exemplo, pesquisa no supermercado, pesquisa em diversas áreas pra saber, pra ter um conhecimento sobre alguma coisa. Geralmente é utilizado o senso comum pra isso e a gente vai pra uma informação “x” ou “y” que a gente pergunta pra conhecer. É uma ferramenta que ajuda na organização e planejamento de uma pesquisa.” (S11). “São etapas, os passos que você dá para desenvolver propriamente uma investigação, para desenvolver uma pesquisa, para você poder divulgar, para você poder recriar [...]. São etapas organizadas, sistematizadas.”(S02). “É aquele método que te proporciona chegar a um resultado. [...] É aquele método que você trabalha de forma sistematizada tentando alcançar um objetivo, um resultado.” (S06). “Os passos de organização desses conhecimentos para você ir em busca dessas respostas [...] O método científico obedece uma sequência de passos metodológicos.” (S07).

O conceito de etapas organizadas e sistematização oferecem uma tentativa

de aproximação do fazer prático do enfermeiro com as etapas do desenvolvimento

de uma pesquisa. De maneira mais geral, esta representação admite como

conceitos intercambiáveis as fases da administração, da pesquisa científica e do

processo de enfermagem.

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39

Conforme o expresso, o método é uma forma de orientação para o percurso

investigativo. Importante salientar a introdução do termo “recriar”, pois uma

característica do método é justamente sua reprodutibilidade.

4.2.3 Categorias distintivas de descrição e explicação

A atividade desempenhada pelo cientista visa compreender a natureza. Ao

utilizar-se de estratégias específicas para fazê-lo pode-se indagar se o cientista, de

fato, explica ou descreve os fenômenos (WEINBERG, 2001). Embora com muitas

dificuldades para esclarecer as razões, houve, entre os entrevistados, consenso

sobre os conceitos de descrição e explicação serem essencialmente distintos e,

assim, foram geradas três categorias distintivas, a saber: distinção pela

profundidade, distinção por grau de objetividade e distinção causal ou teleológica.

4.2.3.1 Distinção pela profundidade

“Descrever é mais pontual, é uma coisa mais sucinta e explicação é você explicar em detalhes.” (S05). “São [...] diferentes. Descrever: Eu posso olhar pra esta caneta aqui e, simplesmente, descrever – a caneta, ela é fina, ela é preta, [...] estou descrevendo as características dela. Agora, explicar: Eu vou muito mais profundo nessas características.” (S01).

A distinção entre descrever e explicar parece ter limites tênues, se é que há

tal limite. Conforme a representação conceitual expressa nas falas acima, a

distinção se faz por meio do aprofundamento descritivo. Descrever processos

significa então apresentar as características do que se observa, enquanto explicar

parece ser mais uma descrição de níveis mais finos do objeto, ou seja, maiores

detalhes são exigidos. Em síntese ambos são considerados processos descritivos,

portanto implica uma contradição interna nesta categoria.

Observa-se que, embora as representações aqui expostas expressem a

explicação e a descrição como conceitos diferentes, de forma que a descrição se

aplica no nível macro ao passo que explicação se aplica ao nível micro, a definição

acaba por ser a mesma. Portanto, não há distinção real dos conceitos, mas antes

equívocos lógicos que de muitas formas oferecem prejuízo à compreensão.

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4.2.3.2 Distinção por grau de objetividade

“A explicação você tá [...] explicando alguma coisa detalhadamente, com o seu conhecimento. Aquilo que você entende sobre determinada coisa que você vai explicar. Eu penso que a descrição [...] você tá descrevendo alguma coisa que pode não ser o seu entendimento daquilo [...] fazendo uma descrição que não seja seu pensamento a rigor.” (S08).

Parte-se do pré-suposto de que há uma realidade objetiva e independente da

interpretação pessoal e esta pode ser descrita, enquanto a realidade das

representações é objeto de interpretação e, assim, pode ser explicada. Na

representação acima o uso do conhecimento é necessário àquilo que se pretende

explicar ipso facto a possibilidade de conhecer não é contingente, mas necessária.

“[...] descrever é detalhar um aspecto tal qual você olha ele. Explicar é [...] uma minúcia ao querer falar e interpretar a respeito daquilo que você descreve” (S02). “Eu acho que eles são bem parecidos. Acaba que quando você descreve algo, você acaba caracterizando, de uma maneira geral, aquilo que você tá pretendendo descrever. Quando você tá explicando, na explicação você precisa descrever, muitas vezes. Talvez a explicação seja diferente porque você pode tá utilizando diversas maneiras, ou você pode tá utilizando recursos pra você explicar que você às vezes não consegue fazer na descrição.” (S03). “Acho que a descrição pode ser algo mais técnico e quando se explica você pode explicar de diferentes formas. Depende do teu interlocutor você pode usar algumas técnicas pra fazer o entendimento de algo e a descrição é algo mais sucinto, mais minucioso, com mais detalhes.” (S04).

Ocorre a apresentação do detalhamento no processo descritivo e, novamente,

da interpretação como característica da explicação. Sugere-se que durante o

processo explicativo seja possível lançar mão de variadas ferramentas ou métodos

para possibilitar o entendimento de um fenômeno. Nesta categoria, diferente da

anterior, ocorre uma distinção conceitual verdadeira entre descrição e explicação. Ao

apontar como meio de distinção a possibilidade de interpretar a realidade pode-se

supor a existência de graus de objetividade, de forma que quanto mais objetivo é um

fenômeno menor é a possibilidade de interpretá-lo e ele será, por conseguinte,

menos subjetivo. Por fim, quanto menos subjetivo é o fenômeno menor será a

possibilidade de explicá-lo, sendo então possível apenas descrevê-lo.

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41

“Descrever algo é quando [...] tenta desvendar algum detalhamento, alguma coisa que aparentemente esteja oculta, [...] buscar detalhes, levantar situação. A explicação nem sempre pode com essa riqueza da descrição.” (S06). “Você descreve aquilo que você vê, então tá no teu campo visual. Já na explicação, não tá no seu campo visual, mas você vai tentar dar sua interpretação pra você explicar algum tema, algum assunto.” (S07).

Um elemento singular que surge da fala de S06 é a descrição como uma

forma de esclarecimento de algo que estaria oculto. Este aspecto é apontado em

S07 de maneira diferente quando declara a possibilidade de descrever apenas

aquilo que se apresenta no campo visual enquanto à explicação é dado interpretar

aquilo que não está no campo visual, portanto o oculto.

Pode-se representar um fenômeno que se deseje explicar ou descrever como

sendo um conjunto contendo elementos com determinadas propriedades. Do ponto

de vista lógico-conceitual a descrição é diferente da simples enumeração, de forma

que é possível enumerar os elementos de um conjunto se ele é pequeno o suficiente

para listar seus componentes ou se apresenta certos laços de regularidade entre os

elementos. Para apresentar uma descrição é preciso que haja propriedades comuns

aos elementos do conjunto. Assim, uma propriedade determina um conjunto

(MORTARI, 2001, p.43-44) e, portanto, um fenômeno. Como consequência da

extensão dos elementos ocorre que:

Por exemplo, seja A o conjunto dos triângulos equiláteros e B o conjunto dos triângulos equiângulos: A e B são o mesmo conjunto, uma vez que um triângulo é equilátero se e somente se for equiângulo (MORTARI, 2001, p.46).

Ocorre que A e B são representações diferentes da mesma realidade ou um

único fenômeno descrito de maneiras distintas. É importante notar que, embora a

extensão demonstre se tratar do mesmo conjunto, a intenção dos termos é diferente.

O que se pretende é demonstrar que a realidade pode sim ser representada de

formas diversas, mas tal possibilidade não muda o fato de que ela é objetiva. Esta

análise é congruente com a tese de Popper (1978) sobre os três mundos, na qual

demonstra a primazia da epistemologia sem um sujeito conhecedor ante a

epistemologia com um sujeito conhecedor (DA SILVA, 2007).

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42

4.2.3.3 Distinção causal ou teleológica

A acepção de que, no universo, tudo o que ocorre é precedido por uma causa

encontra abrigo a luz de duas argumentações importantes. A primeira é do

indutivista John Stuart Mill (1806-1873), que segundo explicam Sarkar e Pfeifer

(2006) sugere que para todo fenômeno existe algum conjunto de circunstâncias

antecedentes às quais este fenômeno é invariável e incondicionalmente

consequente. A segunda é de origem cosmológica e amplamente conhecida como

Kalam. Esta proposição sugere que se (1) tudo o que começa a existir tem uma

causa e (2) o universo começou a existir então (3) o universo tem uma causa. Esta é

uma das mais fortes argumentações em favor da sustentação das relações causais

no mundo natural.

A estrutura de silogismo presente no argumento Kalam revela em si mesma

uma poderosa arma em sua defesa. A origem grega do συλλογισµός (silogismos) é

traduzida por “razão”. A razão, por sua vez, é convenientemente exercida através da

lógica, que conforme Haack (2002, p.304) é presumivelmente necessária e,

portanto, o falibilismo não se aplica a ela.

“Eu acho que explicar vai além do descrever [...] eu posso descrever uma determinada situação, determinado resultado. Agora a minha explicação favorece o entendimento da minha descrição. Porque às vezes a gente descreve e mesmo que entenda, mas às vezes as pessoas buscam “mas por que foi isso, como foi isso aqui que aconteceu?” então uma descrição bem feita favorece o método explicativo, mas eu vejo que a explicação complementa a descrição.” (S09). “[...] Na explicação eu já posso mostrar um pouco mais o porquê disso ocorrer diante desse fator desencadeante ou fator precipitante.” (S10).

A representação revela a discussão epistemológica sobre a lei de causa e

efeito na qual os fenômenos guardam, entre si, relações de sucessão no

tempo/espaço e, portanto, relações causais. Assim, sugere que o cientista deva

estar em busca de causas, e não de correlações, para os fenômenos que investiga.

“Eu acho que é diferente, eu acho que descrever, você descreve aquilo que você observa, [...] você descreve um fenômeno determinado, como é que ele tá acontecendo. Agora a explicação desse fenômeno é o porquê ele acontece. Quando você descreve

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você não necessariamente coloca porque aquilo tá acontecendo. Então eu vejo a descrição como o relato daquilo que está acontecendo e a explicação é buscar justificativas de porque aquilo tá acontecendo.” (S11).

Em S11 a representação sugere que a descrição é possível para fenômenos

observáveis enquanto à explicação cabe a tarefa de justificá-los. O termo justificação

pode não estar tão diretamente ligado à causa, mas a um propósito3. A pergunta em

S09 “mas por que foi isso, como foi isso aqui que aconteceu?” pode não estar em

busca de uma causa, mas antes de um propósito que justifique o ocorrido ou causa

final. Assim pode-se reformular sem prejuízo ao entendimento a pergunta “por que

isso ocorreu?” para “qual o objetivo do ocorrido?”. O problema com esta forma de

representação é que, verdadeiramente, não há propósito definido nos fenômenos

naturais como pode haver nas relações sociais. Portanto, toda tentativa de oferecer

explicações teleológicas aos fenômenos do mundo natural deve revelar-se falsa.

Neste universo – fechado para causas externas – os fenômenos devem

guardar relações entre si. A natureza causal dessas relações é tida como certa por

grande parte dos filósofos e cientistas. No entanto, a despeito do argumento ex

nihilo nihil4, há que se considerar a possibilidade real de eventos sem causa

determinada, tendo estes últimos uma relação associativa com os demais eventos e

não verdadeiramente causal. Por correlação entende-se:

[...] a ligação de dois fenômenos tais que um varia em função do outro, porque existe um elo de causalidade real entre alguns dos seus elementos, ou porque eles dependem de causas comuns (LALANDE, 1996, p.214).

Esta inferência sustenta-se nas bases da mecânica quântica que demonstra

a completa ausência de causa para uma mudança de órbita de um elétron de um

nível mais energético para um de menor energia5.

3 Aqui é preciso distinguir entre o significado dos termos causa eficiente, que diz respeito ao evento antecedente e responsável pelo efeito ou consequência, e causa final, que está relacionada à finalidade ou propósito declarado ou não do evento em questão. 4 A expressão em latim “do nada, nada” sugere a impossibilidade da ocorrência de um evento sem seu precedente. 5 Embora as decisões da Convenção de Copenhagen estejam inconclusas deve-se supor que, por hora, são as

melhores entre as evidências disponíveis. Cf. PERES, A. Karl Popper and the Copenhagen interpretation.

arXiv:quant-ph/9910078 v1, 18 Oct 1999. São apontados pontos de conflito da mecânica quântica com base no

experimento de Popper.

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44

4.2.4 Categorias relacionais entre enfermagem e ciência

Foram identificadas duas categorias relacionais. A primeira – ciência em

construção – expressa avanços da enfermagem, bem como os problemas

enfrentados a fim de consolidar-se como ciência enquanto a segunda categoria –

ciência categórica – expressa a representação de que a enfermagem já se

consolidou como ciência e a discussão encontra-se estacionada no campo do

convencimento, mais do que no campo epistemológico.

4.2.4.1 Ciência em construção

Nesta categoria as representações apontam questões que tem imposto fortes

barreiras ao desenvolvimento da enfermagem. Conforme é apontado na

representação de S10, a enfermagem tem trilhado um caminho seguro em busca do

conhecimento, sendo o único fator responsável pelo retardamento a ausência de

publicações de trabalhos científicos.

“Nessa busca de conhecimento você vê a enfermagem evoluindo [...] hoje a gente vê muito nos congressos brasileiros muitos trabalhos científicos buscando essa melhora, habilidades científicas em profissionais, você ter melhor condição de cuidar. [...] o que falta mais é a publicação de trabalhos.” (S10).

Conforme aponta Silva et al. (2009), o atual sistema de publicação favorece

as produções positivistas e atua em flagrante desfavor das ciências humanas ou de

quem se aproxime delas. O fortalecimento da enfermagem no que diz respeito às

pesquisas, conforme sugerido por S10, é evidenciado no editorial de Egry (2011)

para a Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn) na qual descreve o sucesso do

16º Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem e declara que a enfermagem

tanto sofre a influência quanto influencia outras ciências e disciplinas.

“Eu acho que o maior problema é que dentro da área de enfermagem não existe uma cultura de fazer pesquisa, de gerar um corpo de conhecimentos novos pra dar sustento à profissão [...] Eu vejo que o currículo ele tá muito voltado pra parte tecnicista, de procedimento, do cuidado, mais pra essa parte técnica mesmo.” (S11).

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Esta visão é aprofundada em S11 ao perceber a enfermagem carente de

dedicação para a realização de pesquisas em razão da formação curricular voltada

para a cultura técnica e instrumental do enfermeiro. Conforme relatório de avaliação

da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no

triênio 2004-2006 fora publicado um total de 3563 artigos em 373 periódicos e no

triênio 2007-2009 foram publicados 5194 artigos e um total de 6318 autorias em um

total de 595 periódicos. O que sugere um número crescente de publicações

especializadas. No entanto, logo aparece a limitação referente às pesquisas clínicas

conforme é apontado por S04 ao inferir que a pesquisa é restrita ao ambiente

acadêmico.

“Dentro das escolas, dentro da academia se faz pesquisa e se tenta estimular o aluno a fazer pesquisa [...].” (S04).

“A enfermagem é um caso que vem sendo discutido durante muitos anos porque, devido à história da criação da enfermagem, ela ainda não é considerada uma profissão em muitos lugares, em alguns lugares do mundo ela ainda é considerada uma disciplina. Por quê? Porque ainda não existe um corpo de conhecimento sólido que justifique ou que dê sustento a essa profissão. [...] Então ela usa a teoria, por exemplo, da Orem que ela é baseada em outras teorias das ciências sociais, das ciências filosóficas. Então isso que ainda não tá muito claro um corpo de conhecimento definido.” (S11).

Surge na declaração acima uma questão que evolve múltiplas facetas. Esta é

a discussão da enfermagem como disciplina, profissão ou trabalho. Conforme

aponta Pires (2009) a enfermagem se caracteriza como profissão da área da saúde,

disciplina do campo da ciência que estuda o cuidado humano e que se materializa

como trabalho exercido em sociedades históricas. Kuchi e Simmons (1994, p.19)

compreendem a filosofia da enfermagem como um conjunto de reivindicações

éticas, epistemológicas e ontológicas que identifica as unidades básicas da

disciplina. Duas dessas unidades são a natureza do ser humano e o foco da prática

de enfermagem.

Sugere-se que a enfermagem, por razões históricas, não atingiu um padrão

homogêneo de compreensão ou mesmo de ação. De alguma forma as razões

históricas mencionadas interferiram e ainda interferem no desenvolvimento do

conhecimento fundamental da enfermagem. Este é um fato que se apresenta muito

além da mera opinião, o que pode ser constatado nas iniciativas de instituições

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tradicionais de ensino superior como a Universidade de São Paulo (USP) em

estabelecer o programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental a fim de

superar problemas históricos. Conforme sugere Carvalho (2003b), a enfermagem

fundamental seria a área mais apropriada para estudos teóricos e práticos que

visem à produção de dissertações e teses.

Outro aspecto que se mostra importante para o desenvolvimento é a

valorização dos teóricos da enfermagem. Na declaração de S09 “a relação da

enfermagem com a ciência é muito clara, ela ainda não se firmou enquanto ciência

porque precisa que a enfermagem valorize seus teóricos.” sugere-se que o

profissional ao não fazer uso das teorias não percebe as nuances entre ciência e

seu fazer prático. Tal fato é confirmado na declaração de S03.

“Às vezes a gente estuda, você vê isso na graduação, mas você não vê isso aplicado na sua prática. Portanto fica dissociado o conhecimento científico do que você faz. ” (S03). “A nossa ciência ainda é muito importada, os nossos melhores livros [...] não são brasileiros são todos norte-americanos, a maioria deles. A gente ainda tem muito a idéia de que o que eles fazem a gente deve reproduzir na íntegra aqui.” (S03).

Além da dissociação entre teoria e fazer prático, S03 sugere que o fato de a

enfermagem brasileira não ter teóricos próprios configura-se como um impeditivo

para avanços, considerando o desenvolvimento dependente de especificidades

regionais. A implicação lógica desta afirmação leva a crer que seria necessária a

existência de teóricos de uma determinada área do conhecimento em cada país

para que a área em questão fosse reconhecida como ciência.

“Eu ainda não consigo ver todos os enfermeiros nem todos os futuros enfermeiros com essa visão de que o que o enfermeiro faz realmente é ciência. Porque ainda há esse pensamento de subordinação muito forte em alguns profissionais, nessa questão da limitação de que “eu não posso fazer isso” ou “eu tenho que ir até aqui”. Eu acho que pela fragilidade do próprio ensino [...]. Eu vejo nos meus alunos, não em todos, mas na maioria, a busca pela enfermagem não como profissão, não como algo que eles quiseram, mas como uma porta de emprego que por enquanto ainda ta fácil de ser aberta. Então não tem tanta dedicação nesse sentido de você conseguir avançar na ciência.” (S03).

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Outros dois aspectos limitantes mencionados foram a fragilidade da formação

levando a problemas referentes à autonomia profissional e a ausência de

comprometimento com o desenvolvimento da enfermagem por parte dos estudantes

uma vez que muitos vêem a profissão como segunda opção ou como um caminho

curto para o mercado de trabalho.

“A própria história da enfermagem, ela não é construída dentro da questão científica, dentro da necessidade científica da enfermagem. [...] A história da enfermagem na universidade, ela se constrói, também, numa base científica ainda, assim, muito pobre. [...] A gente fica sempre nessa interrogação: a enfermagem, ela está como uma profissão de investigação, se aproximando da cientificidade, ou não? [...] Pela história da enfermagem nós custamos a perceber a necessidade da investigação científica.” (S01).

Em última análise, a enfermagem deve muito de seu atraso histórico às

questões políticas e sociais, por ter reproduzido em seu interior o modelo de divisão

do trabalho vigente acabou por levar à burocratização do profissional de nível

superior e ao mecanicismo do profissional de nível médio. Conforme expressa S07,

a sobrecarga de trabalho impossibilita o enfermeiro de sistematizar o seu fazer.

“[...] o enfermeiro faz de tudo um pouco. Às vezes o enfermeiro tem que resolver questões administrativas, burocráticas além de prestar assistência ao paciente. [...] no cotidiano, a gente percebe que o enfermeiro assume muitas atividades e não se preocupa, muitas vezes, com a questão mais científica. E se justifica pela questão da demanda de atividades. Mas eu vejo que se a gente for fazer o cuidado que tem que ser feito, baseado em teorias, num passo a passo, num planejamento desse cuidado [...] então eu vejo que isso é embasado na ciência.” (S07).

As questões políticas e sociais ainda configuram um sério impeditivo para o

desenvolvimento desejado da enfermagem. São, portanto, elementos muito maiores

que a disposição do enfermeiro para a mudança.

4.2.4.2 Ciência categórica

“Na história da enfermagem a gente já avançou nessa questão de uma atividade ser executada por profissionais leigos que não tinham nenhuma formação. Hoje a gente já tem essa sistematização bem detalhada no nosso fazer. Muitas vezes o profissional ele não se percebe que tá fazendo a atividade baseado em teoria.” (S07).

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Percebido de outra maneira, o fazer prático do enfermeiro, conforme S07, não

está dissociado de fundamentos teóricos, de forma que o profissional, ainda que de

maneira inconsciente, desenvolveria “atividade baseada em teoria”. O que não está

claro é se tal atividade se configuraria como ciência na declaração apresentada. É

importante destacar que ainda que o profissional execute, de maneira inconsciente,

sua atividade baseada em evidências ou teorias conforme lhe é ensinado na

graduação tais atividades rapidamente tornam-se obsoletas em razão das

constantes investigações realizadas e caso o profissional não acompanhe os

resultados de pesquisas recentes esta não mais terá sua prática baseada em

evidências ou nas melhores evidências disponíveis.

“A relação enquanto ciência existe, porque senão ela já teria sucumbido há muito tempo, não teria se firmado enquanto disciplina e não estaria num patamar de nível superior.” (S09).

Em S09 ocorre a defesa de que a enfermagem está relacionada com a

ciência uma vez que se sustenta como disciplina e figura nas bancadas da educação

superior.

“Eu vejo que a enfermagem ainda tem uma resistência no entendimento pra que as pessoas consigam enquadrar como ciência. Ainda fica aquele questionamento se, realmente, a profissão enfermagem é ciência, ainda não existe um convencimento.” (S08). “Não tem diferença entre a enfermagem e a ciência em geral, porque enfermagem é uma ciência. Uma ciência fundamentada em conhecimentos e práticas que abrange diversos aspectos.” (S05).

Em S08 a enfermagem é concebida como uma ciência e a discussão deve

figurar no campo do convencimento, pois por alguma razão o profissional mantém

resistência em aceitar o enquadramento científico da enfermagem. Em S05 ocorre a

mesma visão, embora sem apresentar as devidas justificações para a categorização.

“Ainda hoje a gente questiona se, de fato, a enfermagem é uma ciência, e eu particularmente acredito que no grau de evolução que o corpo de conhecimento chegou eu também sou favorável de que a enfermagem é uma ciência. A exemplo das outras, portanto suas bases filosóficas, seus postulados, a questão dos resultados e tudo o mais.” (S06).

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Ocorre a avaliação dos avanços obtidos na enfermagem e a defesa de que

esta sustenta bases filosóficas, postulados e obtém resultados sendo, portanto, uma

ciência.

“Eu não consigo separar uma coisa da outra. [...] A ciência da enfermagem é o cuidar, mas o cuidar ele não tá restrito só à enfermagem. O cuidar [...] está dentro de todos os serviços, todas as profissões” (S01).

Em S01 sugere-se que todos os profissionais executam o cuidar. Assim o

objeto de estudos da enfermagem parece ser algo coletivo. Na caracterização da

presença do cuidar enquanto prática em todas as profissões S01, provavelmente,

refere-se aos serviços de saúde.

“Se eu entendo que a ciência é a busca do conhecimento, eu vejo que a enfermagem tem o conhecimento próprio, tem o seu objeto de atuação que, na verdade, é o cuidar. Quando eu digo que todo mundo cuida, mas ninguém cuida como o enfermeiro. Porque o enfermeiro tem que ter esse conhecimento científico embasado em teorias, em fatos, em generalizações que podem mudar posteriormente ou não. Mas o seu modo de fazer é diferenciado.” (S07). “Embora [...] eu escute alguns colegas de outras profissões dizer que a enfermagem se usa de muitos modelos de outras ciências, eu penso que as ciências hoje humana, exata, cada uma tem seu objeto de estudo. Quando se coloca o objeto de estudo da enfermagem, do cuidar, as pessoas dizem – cuidar todo mundo cuida – , mas não cuida igual ao enfermeiro, com princípios científicos.” (S09).

É sugerido que a enfermagem possui um corpo próprio de conhecimento e

que se dedica à abordagem de um objeto, qual seja o cuidar. Este cuidar se

diferencia do cuidar de outros sujeitos que não o enfermeiro, sendo, portanto, um

cuidado de enfermagem. Por sua vez, o cuidado de enfermagem é baseado em

teorias, fatos, generalizações ou princípios científicos. A preocupação de S09 com o

argumento de outros profissionais sobre o uso de modelos externos à enfermagem

para explicar seus fenômenos também parece ser uma contenda interna da

enfermagem quando consideradas declarações como as de S11 na categoria

ciência em construção.

Uma análise do objeto das atividades que se destacam como ciência

estruturada revela que o objeto é frequentemente o substantivo. O substantivo, que

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sozinho designa a substância, é o nome que nos remete a uma imagem mental

imediata. Em alguns casos o substantivo é abstrato e não gera imagens tão

facilmente, mas conduz às associações. Assim, o que é objeto de ciência é a

natureza, a mente, a vida, etc. enquanto a enfermagem reivindica o verbo como

objeto de ciência. O verbo é a ação, o fazer prático, e aponta para o movimento, o

“agir sobre” algo. Esta é outra dificuldade encontrada no delineamento de um objeto

satisfatório.

“Eu não saberia te dizer até que ponto a ciência-enfermagem teria um grau de importância nas demais ciências, mas eu te diria que as demais são extremamente importantes no fortalecimento da ciência-enfermagem. [...] Apesar de ter seus princípios doutrinários e todos os seus postulados, tudo já definido e tudo mais, mas ela não caminha só. A todo momento ela tem que tá buscando, pegando um pouquinho ali e acolá das outras ciências pra tá fortalecendo e até explicando os fenômenos que acontecem dentro da sua rotina diária.” (S06).

Outro aspecto importante, revelado em S06, é a relação entre a enfermagem

e os demais campos do conhecimento. Reconhece-se que o conhecimento

produzido pelas diversas áreas é fundamental para a enfermagem. Esta é uma

forma de representação que revela a impossibilidade do desenvolvimento de

qualquer ciência de maneira isolada. Assim, embora seja necessário pedir licença

para adentrar nos domínios da física ou da biologia a fim de obter algo de seus

conhecimentos para nos fortalecer é preciso ter cuidado com os exageros e

extrapolações. A declaração de S06 revela a ausência de dados que demonstrem a

relevância do conhecimento produzido pela enfermagem para as demais áreas do

conhecimento.

Em suma, observa-se a ausência de elementos que permitam distinguir

enfermagem de ciência, o que é congruente com a representação de ciência

expressa enquanto conhecimento sistematizado. Conforme este entendimento

qualquer área ou disciplina que satisfaça tal condição de sistematização seria

indistinguível da ciência.

“A abrangência da enfermagem vai muito além do cuidar [...]. A relação interpessoal é uma relação científica, a enfermagem vai neste caminho. [...] é uma coisa complicada porque [...] as ciências sociais, na sua grande maioria das vezes não são consideradas

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como ciências, [...] mas eu ainda acho muito difícil você conseguir separar relação social de ciência.” (S01).

O problema apresentado por S01 não é recente. Segundo Cole (1994, p.133-

134), no que diz respeito ao conhecimento dos limites de pesquisa, não há

diferenças significantes na maneira em que as ciências naturais e as ciências sociais

procedem. O problema com campos como a sociologia é que eles têm virtualmente

nenhum conhecimento de núcleo. Conforme sugere, há um número relativamente

pequeno de textos introdutórios na física, por exemplo, e uma infinidade de textos

introdutórios na sociologia, sendo as referências desta última recentes quando

comparadas as da física. Ainda abordando o problema sugere que, os temas da

física tem grande abrangência enquanto os da sociologia são pouco abrangentes e

tendo os textos da física usado as mesmas matérias que há 20 anos, em detrimento

da sociologia que segue com mudanças substanciais nos últimos 20 anos, sugere

que a física assim o é por que seus conhecimentos se referem ao núcleo enquanto

os da sociologia se referem aos limites de pesquisa.

De outro lado, conforme Collins (1989, p.124), estamos localizados no mundo

do discurso; a própria sociedade é um tipo de texto que pode ser lido de diferentes

maneiras em diferentes tempos. A atividade nuclear que dá ao campo da sociologia

sua justificação intelectual é a formulação de princípios explicativos generalizados,

organizados no interior de modelos de processos subjacentes que geram o mundo

social.

4.2.5 Categorias identificadoras do método científico na enfermagem

A relação entre o método científico e o momento de seu uso na prática do

enfermeiro foi extraída da indagação sobre em quais momentos a enfermagem faz

uso do método científico e como isso ocorre. Assim, foram geradas as seguintes

categorias que representam o momento do método científico na enfermagem:

Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) como método científico,

procedimento como método científico, lançamento de hipóteses como método

científico e metodologia do ensino como método científico. Com o propósito de

introduzir as categorias seguintes, S11 apresenta o problema conforme segue:

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“O problema é que quando a gente fala de método científico, pelo enfermeiro não ter sido formado nessa concepção ele acha que é o “bicho papão”. Primeiro porque ele não conhece e segundo porque ele não visualiza como é que isso é implementado no seu dia-a-dia.” (S11).

4.2.5.1 SAE como Método Científico

Esta categoria compreende a representação de que, ao desenvolver a SAE, o

enfermeiro está fazendo uso do método científico.

“A própria Sistematização de Enfermagem, porque existe todo um processo, uma técnica de coleta de dados pra se chegar num diagnóstico, um cuidado que é baseado em problema. ” (S08).

“Todas as vezes que nós aplicamos a sistematização nós trabalhamos com o método científico, nós trabalhamos com etapas; quando eu preconizo a implementação de um cuidado a partir de uma informação e eu tenho um resultado a alcançar lá na frente, eu to aplicando o método científico; quando eu vejo se aquilo deu certo ou se deu errado eu to aplicando um método.” (S06).

Embora a SAE seja considerada a melhor aproximação do fazer prático da

enfermagem com os passos do método científico (DE BARROS; LOPES, 2010, p.63)

ela parece representar mais um protocolo para atendimentos que um método da

ciência propriamente dita. Conforme expressa S06 é por meio dela que se planeja,

executa e avalia resultados do processo de cuidar. Contudo, como já fora

mencionado, a prática não está dissociada da teoria e assim S02 sugere que a não

implementação da SAE torna a discussão improlífica, uma vez que somente se

sistematiza na academia.

“Se tenta que sim na graduação com os alunos, [...]. Aplicar propriamente o método científico é a meta que nós queremos atingir com a pós-graduação [...]. Lamentavelmente não existe um método científico propriamente [...] a sistematização da assistência de enfermagem não é implantada na área assistencial.” (S02). “Na docência a gente faz isso. E a gente consegue fazer muitas vezes isso bem feito. [...] na prática a gente não consegue fazer isso. [...] Quando a gente tentava fazer algo mais científico, mais pautados nos conhecimentos realmente, tentar sistematizar ou tentar integrar o conhecimento científico com a prática, a gente tinha muita resistência. Então o pouco que a gente conseguia acabava que não era visto. Então aquilo que não é visto não se consegue ter

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resultados. Por mais que a gente consiga fazer, os resultados não são copiados, portanto não são implementados.” (S03).

A SAE como estratégia de aproximação da enfermagem com o modelo

científico vigente está fadada ao fracasso caso o modelo assistencial permaneça

não condizente com o discurso acadêmico. Os apontamentos tanto de S02 como de

S03 sugerem que o método científico é possível na graduação ou na pós-graduação,

no entanto há problemas de aceitação por parte da equipe de enfermagem conforme

enfatiza S03 “a gente tinha muita resistência” quando se exige aplicação deste

método no ambiente de trabalho. Assim, cria-se um pernicioso feedback positivo, de

forma que tenta-se mudar o modelo de assistência prestado, mas a equipe não

incorpora a inovação e, por conseguinte, não compreende como a sistematização

funciona. Não entendendo como se sistematiza não se pode verdadeiramente mudar

o modelo assistencial.

“Talvez pra nós, enquanto professor, estar numa prática com aluno seja mais fácil usar o método porque a gente está em constante discussão e debate aqui dentro.” (S09).

Reconhece-se a dificuldade de se fazer a discussão sobre a SAE fora da

academia, devendo esta ser a matriz de onde as discussões devam surgir. A

enfermagem não é constituída por um único tipo de profissional, mas por uma

equipe heterogênea que inclui integrantes de nível médio, cuja natureza da

formação não tem primado pela prática baseada em evidências, e nível superior,

cuja formação frequentemente o lança em direção ao conflito quando tenta promover

mudanças ou inovações.

É possível que este modelo de representação seja mais regionalizado, pois,

num estudo realizado com 70 auxiliares de enfermagem e sete técnicos conforme

aponta Ramos (2007, p.108) embora não haja, durante a formação do profissional

de nível médio, informações sobre a metodologia da assistência organizada por

meio da SAE existe uma valorização deste método pela equipe por perceber a

melhora da qualidade da assistência.

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4.2.5.2 Procedimento como método científico

Esta categoria reconhece fundamentalmente a representação de que o

enfermeiro, ao executar procedimentos, está lançando mão do método científico. Tal

concepção se fundamenta no fato de que os procedimentos efetuados pelo

profissional lhes são ensinado na academia e tais conhecimentos são permeados de

questões teóricas que, frequentemente, já são protocolos adotados com base em

resultados de pesquisas prévias.

“Na essência ela utiliza assim, desde uma orientação, quando ela vai orientar o paciente a prevenir doenças é porque já foi estabelecido, já foi pesquisado por alguém a melhor forma de prevenir doenças, assim como na própria assistência [...].” (S04). “Quando você examina o paciente ou se presta um cuidado ao paciente, você está imbuído de orientações, de conhecimentos comprovados pra você fazer ou não aquele cuidado.” (S05).

O problema com tal representação é que o fato de se fazer uma opção por

usar preferencialmente um cuidado baseado em evidências somente garante a

segurança do procedimento e a qualidade da assistência. O que, sem dúvidas, é

demasiado importante, mas não garante que se esteja fazendo uso de um legítimo

método científico. Nesta representação o método é apresentado como algo

exageradamente instrumental e segue-se com a apresentação mais pontual de um

procedimento no qual o enfermeiro estaria fazendo o uso do método cientifico.

“Eu acho que numa técnica como o banho no leito a gente tem condições de aprender, de entender, [...] todos os princípios científicos daquilo que tá sendo feito.” (S01). “O ato de eu [...] iniciar um banho no leito num paciente [...] para iniciar o banho eu tenho que saber se posso iniciar o banho ou não posso iniciar o banho do lado mais contaminado para o menos contaminado. Eu tenho uma coerência, uma ciência, um grupo de conhecimento que me orienta como iniciar um banho no leito.” (S05).

Conforme é sugerido, o banho no leito está fundamentado em princípios

norteadores de uma prática correta, que por sua vez deve garantir a segurança e a

qualidade do procedimento. O método científico, aqui, é compreendido não mais

como instrumento de validação, mas como o produto desta validação, a saber, a

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prática eficiente. O enfermeiro, portanto, ao realizar a prática eficiente estaria a se

beneficiar do método científico, o que, de fato, difere de aplicar o método.

“A gente faz aquela avaliação clínica. Eu posso não estar pensando “vou fazer metodicamente ou no método científico”, mas o dia-a-dia já te leva, né? que você avalia o paciente já com aquela inspeção. Desde a admissão, quando você vai fazer os questionamentos, fazer a anamnése do paciente, você já tá descrevendo essas informações. Quando eu faço a minha rotina, visita diária para investigar como aquele paciente, no caso, no ambiente hospitalar, como é que ele passou a noite ou não, e se aquele problema que eu identifiquei como se fosse um diagnóstico de enfermagem, e eu prescrevi algum procedimento de enfermagem e se tá tendo algum resultado, eu vejo a ciência também aí.” (S07).

“Na questão dos procedimentos de enfermagem, ações de enfermagem... métodos científicos dentro do próprio procedimento a gente vê princípios que são trabalhados [...] que se deve ser trabalhado esses princípios científicos com relação à postura, a começo de um curativo, por exemplo, são questões que você tem que trabalhar nesse método.” (S10).

Em S07 o enfermeiro faz uso do método científico ao desempenhar a

avaliação clínica com o acompanhamento diário do paciente, avaliando os

resultados e reavaliando sua conduta. Em S10 ressurge, de maneira mais genérica,

a concepção apresentada durante a justificação do procedimento de banho no leito.

Numa descrição sobre a filosofia da enfermagem Kuchi e Simmons (1994, p.18-19)

declaram que a filosofia da enfermagem não é a teoria de enfermagem, mas um

guia para a ação.

4.2.5.3 Lançamento de hipóteses como método científico

“Dentro da prática assistencial eu trabalho com o método hipotético dedutivo. A hipótese que levanto do paciente poder vir a ter uma complicação devido a tal procedimento que eu faça é um método que eu uso. As iatrogenias que nós causamos às vezes dentro do campo prático, se nós trabalharmos com método dedutivo hipotético a gente evita muito isso acontecer.” (S09).

A representação em S09 se distingue das demais por não apontar o

procedimento fundamentado em algum modelo teórico como método científico. Ao

contrário da categoria que expressa o procedimento eficiente como o método

científico, esta categoria sugere um procedimento de construção de hipóteses e

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embora não introduza os meios de testar tais hipóteses supõem-se o teste no campo

assistencial. Por meio deste procedimento é possível aumentar a segurança do

paciente e, por conseguinte, a qualidade do cuidado prestado, visando assim a

maior eficiência.

4.2.5.3 Metodologia do ensino como método científico

“Dentro da docência a gente vive trabalhando com esses métodos, porque quando a gente se prepara pra dar uma aula a gente tem que usar uma metodologia ou método que a gente possa passar, que eu possa fazer com que eles entendam o que eu quero dizer com os meus objetivos de aula.” (S09).

Ocorre uma ligeira confusão entre o que seja o método científico e a definição

de metodologia de ensino. É sugerido que o enfermeiro, na docência, ao planejar,

executar e avaliar uma aula estaria fazendo uso do método científico. De maneira a

resumir, a professora Egry (2009, p.1143) alerta “pesquisar e ensinar a pesquisar

são processos distintos”. De maneira análoga aos processos de trabalho para

produção de bens e serviços, o sujeito alienado do processo de pesquisar torna-se

sem liberdade de criar, expressar e inovar.

É importante destacar que as etapas citadas na metodologia do ensino

geralmente são tratadas como conceitos intercambiáveis entre SAE, administração e

a metodologia do ensino. De fato, todo processo que se reivindique organizado deve

dispor de um conjunto de etapas similares aos dispostos no quadro que propomos

no quadro 2.

Quadro 2 Comparativo de conceitos intercambiáveis

Processo de enfermagem6 Administração7 Metodologia do ensino

Histórico de enfermagem Planejamento

Planejamento de aula Diagnóstico de enfermagem

Planejamento de enfermagem Organização

Implementação Execução Aula

Avaliação de enfermagem Controle Avaliação

6 As etapas do processo de enfermagem apresentadas no quadro comparativo são as expressas na Resolução Cofen nº358/2009. 7 Representação genérica das cinco fases da administração definidas por Jules Henri Fayol (1841-1925), a saber, Prévoir, Organiser, Commander, Coordonner e Contrôler.

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É necessário, no entanto, ter prudência quando da extrapolação desses

conceitos. Dentro de campos de execução prática é perfeitamente possível fazer o

intercâmbio, mas quando se trata do método científico há mais que se deva

considerar do que a simples compartimentalização em etapas.

4.2.6 Categorias de justificação

A análise conceitual nesta sessão é dedicada à velha contenda sobre ser ou

não ser ciência. Uma ampla parcela de entrevistados acredita que a enfermagem é

uma ciência, o que diverge entre eles é a justificação. É possível obter por meio das

categorias de justificação os diversos critérios de demarcação utilizados pelo

enfermeiro. Ocorre ainda a representação de que a enfermagem é uma ciência em

construção e não está pronta. As categorias geradas foram: justificação pelo

método, justificação pela inserção acadêmica, justificação pela busca ou produção

de conhecimento, justificação pela teorização e justificação para a ciência em vias

de se fazer.

4.2.6.1 Justificação pelo método

A justificação encontrada nesta categoria diz respeito ao uso do método

científico. Assim, o critério de demarcação entre ciência e não-ciência passa a ser

considerado o rigor aplicado ao método científico conforme as declarações que

seguem.

“A enfermagem é ciência porque ela segue o método científico, através de suas técnicas, seus estudos, ela tem aquele rigor científico, critérios, tem uma metodologia pra fazer suas atividades.” (S08). “Quando você obedece uma sequência de passos metodológicos, de avaliação daquilo que você faz. Então a enfermagem ela é ciência também, ela é científica. Quando eu vejo que eu obedeço essa sequência, essa preocupação, você tá buscando resolutividade praquilo que você traçou como meta, como objetivo.” (S07).

A busca por resolução de problemas aponta para a definição já mencionada

de procedimento eficiente. O enfermeiro, nesta representação, não visa o objeto

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para conhecer, mas efetivamente para aumentar a eficiência do seu fazer prático.

Assim, trata-se de uma questão de maior utilitarismo científico.

“A gente tem elementos científicos que caracterizam a profissão como ciência, tais como: a gente ter definido pra profissão que ela é a ciência do cuidado. Então toda essa questão de práticas, de métodos pra se cuidar não são realizados, não são falados e não são explicados de uma maneira empírica. [...] são todos conhecimentos que são respaldados cientificamente através de pesquisas, de comprovações que se tornaram fatos que agente pode confiar.” (S03).

A justificação assume ainda que o fato de ter-se definido um objeto de

estudos é importante para a demarcação. Daí decorre que os estudos que

abrangem o objeto da enfermagem oferecem uma ferramenta de execução de

cuidados baseados em evidência e que separam o cuidado da enfermagem do

cuidado de outros sujeitos executores de cuidados empíricos. Além da prática

eficiente, é destacado o fator confiabilidade, que, por sua vez, está relacionado com

critérios de validação.

4.2.6.2 Justificação pela inserção acadêmica

Esta categoria reconhece como justificação para a cientificidade da

enfermagem a inserção da profissão nas instituições de ensino superior. Conforme

expressa S01, a enfermagem é ciência por dois motivos, a saber: “pela construção

histórica da enfermagem, pela epistemologia da enfermagem”. Não tendo justificado

por completo prossegue:

“[...] na educação se faz muito essa pergunta também e eles tem uma corrente muito forte. [...] Muitos acreditam que não e hoje eu até vejo que uma minoria acredita que sim, que a educação seja uma ciência. [...] Eu acho que o fator decisivo é quando a enfermagem entra na universidade.” (S01). “Qualquer profissão que tenha graus de evolução e de especificidade, ela pode ser considerada também como ciência.” (S04).

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Ter assento garantido nas cadeiras da graduação e possuir graus de

especialização representam critérios suficientes para a demarcação. A

consequência desta inferência é dramática: todo estudante de graduação é um

cientista, por definição.

4.2.6.3 Justificação pela busca ou produção de conhecimento

A representação contida nesta categoria expressa novamente a idéia de

procedimento, prática ou cuidado eficiente. E aponta como critério de demarcação a

busca constante pelo conhecimento a fim de aumentar a eficiência do cuidado.

“Eu considero ciência [...], porque ela tem uma essência, tem uma especificidade e essa busca desse conhecimento pra melhorar o cuidado ao ser humano. Então há a procura de melhoras.” (S10). “É ciência porque desenvolvemos conhecimento, inovamos, [...] sempre estamos criando novas coisas para atender à assistência do paciente.” (S02).

Além da busca permanente é importante a produção de conhecimento, sendo,

portanto, a inovação um elemento necessário ao critério de demarcação. Há

destaque para a qualidade criativa da enfermagem que acaba por gerar novas

tecnologias de cuidado.

4.2.6.4 Justificação pela teorização

A justificação aqui contida diz respeito ao uso de teorias que fundamentem o

fazer prático em detrimento das crendices e de qualquer misticismo. Em suma,

apontam para a importância do abandono do senso comum como fonte de

conhecimento.

“A enfermagem antigamente trabalhava mais com as crendices, o misticismo, [...] hoje não, a enfermagem se fundamenta num corpo de conhecimento científico e práticas que tu assume detalhado pra todo tipo de procedimentos.” (S05). “A gente tem as teorias de enfermagem, por exemplo, também que mostram que a enfermagem é ciência. A gente tem teorias que explicam de que maneira você deve sistematizar sua assistência, de que maneira você deve organizar o seu cuidado.” (S03).

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“É uma ciência porque ela se fundamenta em um corpo de conhecimentos práticos abrangendo tanto atitudes profissionais, pessoais, científica, [...] e como toda ciência está em evolução [...] em nenhum momento a ciência é estagnada.” (S05).

Sustenta-se que a enfermagem é tanto ciência quanto arte e este modelo se

encontra teorizado. O critério de demarcação nesta forma de representação é a

presença de teóricos de base.

“Sim, eu considero as primeiras teorias que usam a enfermagem como ciência-arte do cuidar [...] se não fosse científica não chegaríamos aonde chegamos [...] toda disciplina que se fundamenta como ciência tem seus teóricos de base e aí eu sinto muita falta dessa discussão, principalmente na região norte. A região sul já se firma com isso, tanto é que são eles que lideram as bancadas de discussões científicas, de mesas, de formação de recursos humanos nessa linha.” (S09).

Novamente tem lugar a representação da situação regional que aponta como

uma das limitações para o desenvolvimento da enfermagem a ausência de

discussões epistemológicas na região.

4.2.6.5 Justificação para a ciência em vias de se fazer

Esta categoria reconhece a representação de que a enfermagem é uma

ciência em construção. Parte da inferência de que o enfermeiro por não dedicar-se

mais a pesquisa científica não desenvolve a profissão enquanto ciência.

“Acho que é uma ciência que está em construção porque, ainda, o enfermeiro não tem incorporado a pesquisa científica como parte do cotidiano dele, das tarefas que ele deveria implementar e deveria fazer. Se o enfermeiro não vê a pesquisa científica como parte daquilo que ele faz então é impossível que ele possa fazer pesquisa.” (S11).

O critério de demarcação nesta categoria parece ser a realização de pesquisa

científica.

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4.2.7 Categorias de valor científico

As categorias nesta sessão foram obtidas através da indagação: “é

importante para a enfermagem ser considerada uma ciência?”. Assim, foram

geradas as seguintes categorias analíticas: ciência como geradora de autonomia

profissional, ciência como promotora de auto-estima, ciência como pré-requisito ao

cuidado eficiente, ciência como norteadora do progresso e ciência com função

social.

4.2.7.1 Ciência como geradora de autonomia profissional

A autonomia do profissional é entendida como dependente do cânone

científico. A visão da sociedade sobre a enfermagem é colocada de forma que esta

última por não possuir um corpo sólido de conhecimentos causa pouco

convencimento sobre a segurança de seu fazer prático.

“Eu não sei se tem uma relação direta com a valorização da profissão, mas a partir de que seja considerada uma ciência e a gente desenvolva pesquisa e a gente consiga criar nosso corpo de conhecimentos [...] e a partir de aí também a atuação independente e autônoma do enfermeiro e muitas áreas da saúde que você vê: tem um médico que tem um consultório, mas não tem um enfermeiro que tem um consultório [...] As pessoas não vêem o enfermeiro como um profissional que tem autonomia pra oferecer um serviço que é aquele cuidado da enfermagem. E eu penso que é por isso, penso que é porque a enfermagem não é vista como uma ciência, ela não é vista como uma profissão que tem um corpo de conhecimento próprio que sustenta teoricamente essa parte prática que ela tem.” (S11).

Entende-se que a realização de pesquisas desenvolve a profissão e esta, por

sua vez, obtém maior êxito para exercer suas atividades com mais autonomia.

4.2.7.2 Ciência como promotora de auto-estima

Reconhecer a enfermagem como ciência parece ser algo necessário para a

auto-estima do profissional e conforme destaca S08 “é o reconhecimento da

profissão”.

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“É importantíssimo porque isso nos leva a mais valorização da categoria de enfermeiros, da profissão, do curso de enfermagem como um todo [...] se você não tiver essa idéia de ciência, a enfermagem vai ficar na questão do tarefeiro.” (S10).

Nesta acepção se a enfermagem não é considerada ciência seu profissional

acaba por exercer mecanicamente seu trabalho sem refletir sobre os aspectos que o

envolvem.

“Que a gente seja reconhecido como conhecimento científico que utilizou um método científico e que, por isso, ele pode ser acreditado, [...] sem questionamentos na sua base, na sua eficácia [...].” (S03).

“Acho que pra toda profissão é importante. Não só pra questão de reconhecimento enquanto função mesmo, enquanto algo confiável, [...] mas porque isso serve pra qualquer profissão. Se a sua profissão não é reconhecida como ciência, não tem porque ter curso de graduação nem porque você se especializar.” (S03). “A partir do momento que você faz uso de tudo isso (ciência) você a pratica, você realmente ganha visibilidade e a profissão precisa fazer uso pra que realmente possa haver essa visibilidade.” (S06).

“A evolução da enfermagem nesse processo de cuidar leva a muitos ganhos da evolução, de melhor de uma pessoa, desse ser humano doente. A população mesmo tem um reconhecimento desse cuidar da enfermagem. Às vezes até omite um pouco pela cultura do outro profissional, o profissional médico, ter essa relação muito forte com a população do medicar, do tratar.” (S10).

Em muitos aspectos, as declarações de S10 e S03 demonstram a

interferência da ciência no que diz respeito ao reconhecimento das atividades

desenvolvidas pela enfermagem. Outro ponto mencionado é a confiança creditada

pela sociedade no profissional que seria diretamente dependente da visibilidade

concedida pela ciência. Segundo declara S07 “você mostra o diferencial do

profissional que é”. É recorrente o entendimento de que a graduação e/ou

especialização é uma prerrogativa da ciência.

4.2.7.3 Ciência como pré-requisito ao cuidado eficiente

Compreende-se o ser ciência como uma condição necessária ao

desenvolvimento do cuidado eficiente. Conforme é declarado, não seria possível

prestar um atendimento de alta complexidade, a exemplo de atividades

desenvolvidas num centro cirúrgico ou centro de terapia intensiva, sem os alicerces

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científicos. Nas palavras de S09 “se a gente não tiver o embasamento científico,

como é que nós vamos dar conta de atender clientes em alta complexidade?”.

“É importante, até por uma questão, não digo de status, porque a ciência no país não traz esse status pra ninguém. A própria ciência ainda está muito desvalorizada. [...] Eu vejo que seja por uma questão de confirmar realmente que a enfermagem precisa continuar buscando melhorar o tão falado cuidado que a enfermagem diz que tem com as pessoas.” (S01). “A enfermagem não criou o computador, mas a enfermagem tem criado programas que facilitam a vida de outros profissionais da enfermagem pra trabalhar com as pessoas.” (S01). “No campo da enfermagem ela te proporciona inovações dentro do teu procedimento, das tuas ações de enfermagem.” (S10).

Como consequência das declarações ocorre que o enfermeiro deve estar

constantemente em busca do melhoramento de sua prática. Na enfermagem, a

abordagem de seu objeto visa o agir prático.

“Principalmente as descobertas. [...] não adianta você só pesquisar e guardar conhecimento [...] o conhecimento é difícil a gente concluir porque sempre tem algo novo que serve de alavanca pro homem continuar cada vez mais pesquisando ou procurando bases científicas pra aplicar alguma coisa na vida dele de útil e com eficácia, com eficiência.” (S04).

De maneira geral a representação nesta categoria favorece o entendimento

do que denominamos “princípio do cuidado eficiente”. O pesquisador de

enfermagem, ao realizar uma investigação, não busca o conhecimento na sua forma

pura e simples, mas antes um conhecimento que possa, de alguma maneira,

aumentar a eficiência dos cuidados prestados pelo profissional. Portanto, o princípio

do cuidado eficiente tem grande interferência no delineamento de uma pesquisa a

ser realizada pelo enfermeiro, pois este parece ser a meta da heurística

desenvolvida.

4.2.7.4 Ciência como norteadora do progresso

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Esta categoria agrupa a representação comum de que a ciência é a

responsável pelo progresso nos mais variados aspectos da sociedade dando

especial destaque para as temáticas da saúde humana.

“Tudo tem sido feito em cima do que se tem mostrado como conhecimento, como busca de algo que vem contribuir justamente pra que a gente melhore a nossa qualidade de vida. [...] e isso tem-se conseguido com estudo, tem-se conseguido com o conhecimento sistematizado, com ciência, com estudo comprovado.” (S01). “Ela explica os fenômenos que acontecem, porque que eles acontecem, como evitar em casos de fenômenos negativos [...] podem ser criados novos métodos diagnósticos, novos tratamentos, diferentes métodos que ajudem a pessoa ou a população a viver melhor, com maior qualidade de vida.” (S11).

O aumento da qualidade de vida é um elemento tido como dependente do

avanço da ciência nas mais variadas áreas de conhecimento e não seria possível a

partir do senso comum uma vez que este não faz uso da sistematização ou

comprovação. Além disso, à ciência é atribuída a capacidade de prever o

acontecimento de catástrofes naturais de forma a minimizar danos à população.

“Através dela a gente tem mais confiança naquilo que foi proposto e que o crescimento da sociedade, individual ou o crescimento de uma determinada profissão [...] ele só é evidente quando a gente tem a ciência acompanhando.” (S03).

Além de proporcionar a confiabilidade dos dados, a ciência é tida como

responsável por colocar em evidência quem faça uso dela.

“Sem a ciência nós não teríamos avançado em muitas coisas [...] a nossa expectativa de vida na idade média era de 25 anos, no século XIX nós passamos a 60, hoje nós temos uma expectativa de vida que abraça 95 anos. Mas pra ti manter esse organismo atuando até 95 anos foi por conta de que? Por toda uma evolução de estudos. Então a ciência é muito importante pra sociedade nas novas descobertas, não de só manter uma vida, mas de facilitar a vida do ser humano.” (S09).

“[...] uma mulher que perdeu a perna e colocou uma prótese. Hoje ela tá correndo maratona e disputando campeonatos com pessoas que [...] tem os dois membros. Então a pesquisa tem esse fundamento de ir em busca e solucionar problemas de doenças [...] a cura do câncer, de doenças transmissíveis como a AIDS, de pandemias, que se não fosse a ciência, como nós estaríamos? Há tempos atrás a gente

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pode citar a tuberculose já matou muita gente e hoje nós temos, por conta da ciência, a solução. Hoje não se morre tanto de tuberculose, se você faz aquele tratamento que os cientistas já pesquisaram anteriormente.” (S07).

Evidencia-se o entendimento de que os avanços no que tange tanto a

expectativa quanto a qualidade de vida da humanidade são fruto do progresso

científico. Contudo, nota-se ainda pouca ou nenhuma distinção entre progresso

científico e progresso tecnológico. Entre as transcrições, figura o relato de como

aumentou a qualidade da assistência a portadores de HIV após o recebimento de

treinamento e atualização. Sendo o tratamento, há época, uma novidade os

primeiros casos estavam sujeitos às limitações tecnológicas da assistência. Este

avanço da tecnologia assistencial é atribuído às pesquisas científicas.

4.2.7.5 Ciência com função social

“O desenvolvimento do conhecimento, [...] o que torna importante verdadeiramente a ciência é o retorno que você dá pra sociedade” (S02).

Durante as entrevistas surgiu o exemplo de produtos que surgem para trazer

alguma comodidade ou satisfação para o ser humano, mas que visam o mercado e

o lucro. A representação expressa nesse exemplo é a rejeição do utilitarismo e o uso

das pesquisas para melhorar o cuidado humano. Conforme consta em S01 “O que

há de ciência mesmo nisso? [...] quando a gente fala em ciência é que, é algo que

seja compartilhado pro bem comum”. Esta concepção é compartilhada pelo cientista

Ilya Prigogine, prêmio Nobel de química8. Este acredita que a ciência nos permite

admitir um mundo em que a desigualdade não seja um problema social.

“Eu creio que são os avanços que a gente tá tendo na medicina [...] hoje se fala em diagnóstico de enfermagem [...] porque eu tô realizando aquela prescrição? Porque muitos autores, muitos cientistas da enfermagem já chegou aquele resultado [...] então eu vejo a ciência em busca do bem maior que é o bem do universo.” (S07). “Às vezes a gente fala de um avanço tecnológico amplo, mas se eu conseguir resolver o problema daquele individuo que tá dependendo diretamente das minhas atividades, então eu vejo que eu avancei, eu

8 Cf. prefácio de “MAYOR, F.; FORTI, A. Ciência e poder. Campinas, SP: Papirus; Brasília: UNESCO, 1998”.

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to contribuindo para aqueles resultados. Se eu penso que a ciência é pro bem da humanidade e se o bem da humanidade, no caso da enfermagem, é eu dar resolutividade para aquilo que eu tô me propondo desde o início então eu tô contribuindo.” (S07).

À ciência é atribuído um valor moral, sendo ela, em última análise, a

responsável pelo bem maior. A representação de que a ciência deve

deliberadamente buscar o bem não é acordada pelos entrevistados, conforme a

declaração de S09.

“Só vejo que ela tá na contramão da sociedade porque tudo que é descoberto cientificamente quando cai no mercado, às vezes, nem todo mundo pode ter aquela descoberta científica. Às vezes ela se torna alta demais.” (S09).

Assume-se que a ciência deve ter uma função social e que em realidade esta

função, por vezes, não permite o acesso aos produtos gerados pela descoberta

científica de maneira igual para toda a sociedade. Nas palavras de Arcary (2006,

p.287), onde não há igualdade, o direito unilateral de alguns é a usurpação do direito

dos outros, portanto, a tirania. Não sendo universais, não são direitos, são

privilégios.

4.2.8 Categorias de valor da enfermagem

As representações aqui contidas expressam a importância da enfermagem

percebida pelo enfermeiro. Foram identificadas três categorias, a saber: valor da

contribuição científica, valor dos cuidados prestados e valor do tempo de

permanência.

4.2.8.1 Valor da contribuição científica

Esta categoria agrupa as declarações de que a enfermagem é importante

pela contribuição científica prestada. Tal representação é congruente com a análise

precedente de que a ciência deve ter função social e que, portanto, se a

enfermagem é considerada ciência, ela deve oferecer retorno para a sociedade.

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67

“A enfermagem contribui muito no campo científico. Um dos exemplos são as pesquisas feitas com feridas. A maior parte das pesquisas feitas com feridas, principalmente as crônicas, são feitas pelas enfermeiras. São elas que estão no campo liderando os estudos e mostrando novos procedimentos a serem feitos e contribuindo na elaboração de novas coberturas. [...] estudos de prevalência quem mais faz não são os epidemiologistas, médicos, dentistas, e tal... são os enfermeiros que estão fazendo nos grandes centros.” (S09).

As contribuições evidenciadas são os resultados de pesquisa nas áreas de

epidemiologia e cuidados com úlceras. A guisa de constatação, uma rápida consulta

à base de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO)9, em 22 de novembro

de 2011, usando o unitermo “feridas” encontrou 198 referências. Ao refinar-se a

busca com o unitermo “enfermagem” em todos os índices obteve-se um total de 21

referências, tendo a enfermagem prestado uma contribuído para o tema de 10,60%

do total de produção indexada nesta base de dados. Ainda nesta base de dados, ao

utilizar o unitermo “úlceras” obteve-se o total de 13 referências das quais três eram

de enfermagem. A contribuição prestada foi de 23,07%.

Na tentativa de obter um dado de maior apreciação para a discussão buscou-

se a base Wiley Knowledge for Generations10 que apresentou três jornais

especializados, a saber, Wound Repair and Regeneration, Clinical Implant Dentistry

and Related Research e International Wound Journal. Optou-se pela busca neste

ultimo jornal, por ser mais especializado. Ao utilizar o unitermo “wound” para gerar o

total de produção relevante para o tema obteve-se um total de 741 resultados. Ao

utilizar o unitermo “nurse” como filtro obteve-se um total de 271 resultados. Assim, a

contribuição prestada pela enfermagem mundial ao tema é de 36,57% do total de

trabalhos publicados no International Wound Journal.

“A área da saúde que mais pesquisa a questão subjetiva é a enfermagem, tem um amplo leque de informações.” (S07).

Além das pesquisas desenvolvidas nas áreas citadas, a pesquisa em

enfermagem, quando comparada à desenvolvida por outros pesquisadores em

saúde, seria a responsável por reunir um amplo acervo de informações no que diz

respeito à subjetividade humana. Faz-se importante ressaltar a relevância deste

9 A maior parte dos trabalhos publicados no www.scielo.com sobre o tema “feridas” é de origem nacional. 10 A base de dados www.wiley.com indexa publicações de 2004-atual.

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dado para a discussão das práticas baseadas em evidências, que, conforme já fora

mencionado, mantém preferência por dados quantitativos gerados a partir de

pesquisas objetivas.

“A enfermagem é importante porque é uma ciência. Nós criamos conhecimento e o que queremos fazer agora nessa questão é inovar [...]. A tecnologia leve, que seria a questão nossa propriamente como enfermeiros, a questão humana das relações sociais, de interesse [...].” (S02).

A enfermagem é geradora de conhecimentos e ocorre a busca pela inovação

no que tange os cuidados prestados ao ser humano. A tecnologia leve parece ser o

ponto focal desta inovação para o enfermeiro. Com referência às relações sociais e,

especialmente, as que envolvem o interesse S02 aponta uma discussão realizada

por Almeida e Germano (2009) sobre a teoria da dádiva de Marcel Maus. Conforme

apontam as autoras, a interação pessoa/pessoa é o principal constituinte da

estrutura na qual se apóiam as ações desenvolvidas por profissionais de saúde, em

especial o enfermeiro.

4.2.8.2 Valor dos cuidados prestados

Esta categoria compreende a representação de que o enfermeiro é importante

pelo serviço prestado, não mais à sociedade como contribuição científica, mas

diretamente ao paciente como fazer prático. De maneira objetiva, S11 apresenta a

questão conforme segue:

“Existe, dentro da sociedade, pessoas que ficam doentes e o enfermeiro, um dos papeis fundamentais dele é oferecer cuidados a essa pessoa. Cuidar da pessoa doente e ajudar as pessoas a não ficar doente.” (S11). “Para a coletividade, ela é importante porque consegue dar respostas, ela melhora a qualidade de vida das pessoas. Não apenas na ação curativa, mas na ação da prevenção, na ação promocional [...]. A enfermagem consegue fazer frente a esses quatro campos da saúde: promoção, prevenção, área curativa e a reabilitação.” (S06).

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De maneira geral, o cuidado aqui compreendido, envolve desde o aspecto

curativo até o profilático. Em S03 ocorre o aprofundamento da questão com

referência a outros profissionais.

“A efetividade dos planos de cura ou de reabilitação ou de prevenção, eles são executados pela enfermagem. Por mais que o médico seja o responsável por diagnosticar, quem vai fazer a maior parte do planejamento dos cuidados e de que maneira executar isso é a enfermagem. Quem é o ator principal na questão da prevenção, também é a enfermagem, tanto na parte da educação como na parte que você tá orientando, que você tá realmente fazendo as implementações voltadas pra prática preventiva, é a enfermagem” (S03).

Por ser o ator a protagonizar os cuidados diretos ao paciente a enfermagem é

considerada peça fundamental nas instituições de saúde, de forma que os serviços

tornar-se-iam rapidamente inviáveis caso a equipe de enfermagem não estivesse

presente. De fato, é difícil imaginar uma realidade em que estabelecimentos de

saúde pudessem funcionar sem os serviços de enfermagem.

“Existe uma caricatura que não se coloca o enfermeiro como um profissional científico. Então existe profissionais que ainda pensam assim, que é só você passar a mão na cabeça, dar um sorrisinho ou pensar que a enfermagem é só ser condescendente com outros profissionais, mas não é isso.” (S07).

Apesar de o discurso religioso ser comum no caminhar histórico da profissão

e da importância de se levar em consideração aspectos culturais e religiosos para o

tratamento clínico conforme ressalta S08 “Ela tá atuando com a vida [...] não só

física, mas a questão espiritual também.”, os cuidados de enfermagem são

pensados respeitando o princípio do cuidado eficiente. O cuidado prestado pelo

enfermeiro não deve ser concebido como mero proporcionar conforto ou alívio, mas

antes como ferramenta de resolução de problemas levantados mediante diagnóstico.

A síntese, como admite S07, é “Eu penso a enfermagem enquanto ciência, enquanto

resolutividade para aqueles problemas que eu identifiquei”.

4.2.8.3 Valor do tempo de permanência com o paciente

“Não existe a cura sem o cuidado. [...] a enfermagem que fica 24 horas com o paciente para administrar, analisar, examinar.” (S05).

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O tempo de permanência com o paciente é tido como um dos elementos que

mais atribui valor ao profissional de enfermagem. Conforme aponta S07 “Quando eu

digo que o profissional da área de saúde que permanece 24 horas por dia em

constante observação com aquela pessoa que está aos seus cuidados, é a

enfermagem”.

“A interdisciplinaridade [...] fazendo parte de uma equipe de profissões que servem pra trabalhar desde a prevenção de doenças até o caso mais evoluído [...] inclusive porque ela passa muito mais tempo com o paciente.” (S04).

Durante a assistência clínica, a equipe de enfermagem fornece apoio ao

enfermo desde sua admissão até sua alta. Assim a equipe de enfermagem, como

um todo organizado, tem um papel ativo na recuperação do indivíduo.

4.2.9 Categorias unificadoras da ciência e da enfermagem

São apresentados os atributos que unificam a importância das atividades da

enfermagem e da ciência, em sentido lato, tal qual é percebida pelo enfermeiro.

Duas categorias foram reunidas: inovação como qualidade unificadora e uso do

produto da ciência como qualidade unificadora.

4.2.9.1 Inovação como qualidade unificadora

Conforme aponta S10, “O conhecimento técnico-científico e essa inovação de

tecnologias” indicam o ponto de convergência entre enfermagem e ciência.

“Ontem se tinha um entendimento, algo era o novo, era o correto, era o melhor pra todos e pra tudo, mas amanhã talvez não seja mais isso. Na enfermagem, a mesma coisa. Eu não posso viver, pensar, trabalhar na enfermagem do mesmo jeito que eu trabalhava ontem. [...] eu preciso estar sempre me perguntando se como eu faço, como eu percebo é o novo, é o correto.” (S01).

Nesta representação a necessidade de permanente atualização, revisão e

inovação são atributos que unificam a enfermagem e a ciência. Assim, acredita-se

que o julgamento do correto deveria passar por um critério de novidade. Reinventar-

se é necessário à enfermagem e conforme aponta Faustino et al. (2003) há um

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cenário político e de saúde favorável às mudanças em todos os níveis de formação

profissional.

4.2.9.2 Uso do produto da ciência como qualidade unificadora

O uso de tecnologias geradas por meio das pesquisas científicas é entendido

como um elo entre a atividade prática da enfermagem e a atividade própria da

ciência.

“Eu tenho um material específico de fazer uma punção do tipo gelco ou uma PICC, [...] pesquisadores já viram isso. Em que eu sei que vou puncionar aquela criança ele vai passar mais tempo com aquele acesso e eu não vou ter que tá traumatizando aquela criança eu tô fazendo a ciência aí. Então alguém já pesquisou que tipo de acesso, que tipo de gelco é mais adequado para aquela criança, determinada idade [...]. Eu tô aliando o meu cuidado com aqueles procedimentos científicos” (S07).

Decorre deste tipo de interpretação que qualquer atividade disposta a reunir

elementos tecnológicos em sua prática tem uma aproximação com a ciência e é tão

importante quanto ela.

“A ciência gera conhecimento pra melhorar o cuidado e o enfermeiro executa esse cuidado de forma melhor na hora que essa ciência dá pra ele a ferramenta de conhecimento pra se aplicar esse cuidado.” (S11).

Os pesquisadores geram subsídios para o desempenhar do cuidado eficiente

do enfermeiro.

“Os erros da enfermagem não aconteceria se eu tivesse com o pensamento científico sempre de estar realizando determinados procedimentos e atividades de acordo com o que já existe de protocolos de atendimento.” (S07).

A pesquisa científica é responsável por gerar resultados seguros que servem

de base para a formulação dos protocolos de atendimento na área da saúde.

Contudo, Domingues e Chaves (2005) alertam para a necessidade de reflexão sobre

estes protocolos ou rotinas, pois nenhum deles traz certeza absoluta, mas sim a

probabilidade de serem verdadeiros. O fazer prático do enfermeiro deve primar pela

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segurança do paciente seguindo o princípio “primum non nocere11” e assim, basear

seus cuidados nas melhores evidências disponíveis.

4.2.10 Categorias conceituais de cuidar

“É o nosso objeto de pesquisa. É através dele que a gente pauta toda nossa assistência. Então o cuidar, além de ser um verbo, uma ação, ele acaba sendo pra gente um ponto de partida, de onde a gente deve iniciar o nosso planejamento pra que a gente consiga fazer essa ação.” (S03).

Aqui são apresentadas as representações sociais dos enfermeiros sobre o

cuidar. O cuidar interpretado como objeto da enfermagem é congruente com a

interpretação da literatura especializada e destacamos a sua citação como ponto de

partida para a ação, visto que esta definição sustenta nossa proposição do princípio

do cuidado eficiente como eixo norteador das atividades de enfermagem. Foram

identificadas três categorias: cuidar como proporcionar independência, cuidar como

prestar assistência e cuidar como vinculo afetivo.

4.2.10.1 Cuidar como proporcionar independência

Esta categoria compreende a representação de cuidado identificado como

uma ferramenta usada pelo enfermeiro visando facilitar o percurso da independência

do indivíduo cuidado.

“É deixar que as pessoas façam por elas o que elas conseguem fazer por elas, mas, principalmente, facilitar o caminho pra que ela faça algo por ela. [...] porque eu acho que nunca a gente deve cuidar tornando alguém dependente da gente.” (S01). “Você tem que cuidar dessa pessoa ensinando ou mostrando que ela também pode se auto-cuidar.” (S10).

Esta representação é fortemente influenciada pelo modelo da enfermeira

Dorothea Elizabeth Orem (1914-2007) conhecida como “teoria do déficit de

autocuidados”. Neste modelo o indivíduo é o ator principal no próprio processo

terapêutico, cabendo ao enfermeiro ser um adjuvante no processo de cura.

11 Princípio da não-maleficência do latim “primeiro não causar dano”.

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Conforme McEwen e Wills (2009, p.171) expressam, o modelo de Orem é complexo

e sofreu diversas revisões que o tornaram ainda mais complexo. Este é um fator que

pesa em seu desfavor se considerado o “princípio da parcimônia12” proposto por

William de Ockham (1288-1347). Nos dizeres de Ockham, “quando uma proposição

é verificada das coisas, mais é supérfluo se pouco é suficiente” ou “o que pode

acontecer através de pouco acontece em vão através de muito” (SPADE, 2006,

p.101-102, tradução nossa).

Ao analisar o conceito de simplicidade Popper (1959, p.150) assume que este

deve proporcionar medida do grau em que os acontecimentos apresentam

regularidade ou caráter legalóide. Provavelmente fazendo referência à navalha de

Ockham, Popper (1959) sugere que não se faz necessário admitir um princípio de

economia de pensamento e que os enunciados simples são preferíveis aos menos

simples, “porque eles nos dizem mais, porque encerram um conteúdo empírico

maior e porque são suscetíveis de testes mais rigorosos” (POPPER, 1959, p.155).

4.2.10.2 Cuidar como prestar assistência

Esta estrutura de cuidado de que fala S08 “É prestar assistência” é comum e

figura nos achados de Bison (2003) como ação terapêutica de enfermagem.

“É você restabelecer, melhorar, fazer com que a pessoa saia daquele estado de adoecimento para um estado sadio. Ajudar o outro a fazer o que ele poderia fazer se ele estivesse sadio.” (S05).

“O cuidado pra mim não é dar um banho no leito, não é oferecer uma medição. É um conjunto de ações que a gente realiza pra que esse indivíduo, se está doente, se recupere e volte a sociedade e, se não está doente, evitar que ele fique doente.” (S11).

Ocorre a representação do cuidado como instrumento em favor da

reabilitação do indivíduo, de forma que se deve auxiliar no processo terapêutico. Na

declaração de S11 percebe-se a assistência curativa e profilática como objetivo do

cuidar.

“É fazer algo que possa trazer um resultado favorável. E ele vai desde uma ação puramente manual até, quem sabe, uma ação

12 Este princípio ficou conhecido como “navalha de Ockham”.

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intelectual, uma ação promocional que de repente você não usa tua habilidade, mas usa a competência. Uma orientação que você dá que tenha resultado positivo também é cuidar.” (S06).

Em S06 o cuidar é aquilo que favorece o retorno ao estado pretérito à doença.

Ele pode incluir ações diretas como intervenções curativas ou orientações que de

alguma forma levem a evitar o adoecimento.

“Ele vai além da questão de apego, de afago, de carinho. Eu vejo cuidar enquanto resolutividade. É um cuidar científico baseado em teorias. [...] Se eu for realizar um cuidado apenas empiricamente qualquer pessoa pode cuidar, mas o cuidado baseado em questões científicas, em teorias, em métodos, então eu vou estar diferenciando esse cuidado e o nosso objeto é o cuidar. ” (S07).

O cuidar não se limita a vínculos afetivos estabelecidos entre profissional e

paciente. O cuidado de enfermagem deve, por definição, se diferenciar dos demais

tipos de cuidado e encerrar um processo alicerçado em teorias e métodos próprios

da profissão.

4.2.10.3 Cuidar como vínculo afetivo

“Você cuida aquilo que você quer. Você não cuida aquilo que você não tem interesse, uma afinidade, alguma sensibilidade que envolva você” (S02). “É prestar uma atenção, seja de uma forma integral ou não [...] o cuidar vem de você primeiro escutar, você observar as necessidades do paciente, saber interpretar, ter sensibilidade.” (S04).

Alinhada com a teoria da dádiva de que falam Almeida e Germano (2009,

p.339), a declaração de S02 revela a importância dos interesses nas relações

estabelecidas entre enfermeiro e enfermo. Assim, a interatividade, a capacidade de

escuta, cortesia e sensibilidade são fatores decisivos na qualidade da assistência

prestada.

“É importante a parte da vocação, do interesse da pessoa por ser realmente enfermeiro [...]. Nós unimos o conhecimento e nossa parte também de sentimento, do amor pelas coisas que nós fazemos [...].” (S02).

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Não fora de contexto surge a defesa de que as preferências pessoais podem

ser também determinantes da qualidade da assistência. Assim, a afinidade é

considerada característica relevante para o desempenho do papel social do

enfermeiro. Questão muito discutida dentro dos cursos de graduação, a vocação tem

cumprido papel de divisor de opiniões. Há, verdadeiramente, uma característica

inata que nos oriente para a escolha de uma profissão? Se assim é, não convém

que jamais devêssemos cometer erros durante as escolhas? Se o organismo é inábil

em promover a escolha certa, há realmente algo de vocação nisso? Pode a

ocorrência de “talentos” naturais determinar a inclinação para uma profissão

específica? São todas questões que merecem um fórum maior de discussão e que,

portanto, figuram além dos propósitos aqui definidos. De todo modo, convém

apresentá-las, uma vez que o termo “vocação” emerge do discurso dos

entrevistados.

“Prestar uma boa assistência, tendo realmente amor pela sua profissão e amor ao próximo. Porque você cuida de pessoas desconhecidas. Até você fazer uma relação, que essa relação tem que ser amistosa. Você não pode confundir uma relação de trabalho com outro tipo de relação [...] Procurando cuidar com uma visão bem humana e não tratando o paciente como mais um número.” (S04).

Embora seja evidenciada a importância do estabelecimento de vínculo afetivo

observa-se a preocupação em manter distinção nas relações de trabalho entre

enfermeiro e enfermo de forma a primar por princípios éticos.

4.2.11. Categorias de localização do cuidar no espaço científico

São apresentadas duas categorias que localizam o conceito de cuidar em

relação à proximidade com as ciências humanas ou biológicas. As categorias são:

proximidade com as ciências humanas e centralidade do conceito.

4.2.11.1 Proximidade com as ciências humanas

“Nós estamos com uma equipe multiprofissional sempre atrelada a questão social, educativa, que nós fazemos esse acompanhamento na comunidade como um todo, na família. Não só do indivíduo, mas o individuo holístico. Vou pensar nele, no holístico, não ele em partes, que às vezes a gente pensa a ciência biológica mais, ou da

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medicina que vê o individuo enquanto doente e dividido em partes. A enfermagem não, já vê o individuo como um todo [...] então esse cuidado vem mais pra questão humana.” (S07).

Ocorre o entendimento de que a ruptura com o modelo biomédico, que

considera o sujeito como mera prospecção de sua doença, se dá a partir da

aproximação com as ciências humanas e, possivelmente, com as ciências sociais. A

enfermagem holística, conforme definida por Dossey, Keegan e Guzzetta (2005, p.8,

tradução nossa), é aquela que reconhece e integra os elementos biológicos,

psicológicos, sociológicos e espirituais na vida diária bem como na prática clínica.

SILVA et al. (2009) sugerem que as teorias de enfermagem buscam construir

suas ações de forma a deslocar o eixo de ciências empíricas em direção às ciências

humanas. Por outro lado Domingues e Chaves (2005) apontam como objeto de

aspiração de enfermeiras os conhecimentos advindos das ciências biológicas.

4.2.11.2 Centralidade do conceito

A observação feita conforme S04 “eu acho que é um intercâmbio das duas” é

que a definição caminha de mãos dadas com as ciências biológicas e humanas. A

representação contida nesta categoria é a de que não há limites definidos entre o

fazer das ciências humanas e das ciências biológicas no âmbito da enfermagem.

“Cuidamos em relação às necessidades do paciente, aquilo que está afetado frente às necessidades do corpo. As necessidades humanas na doença são biológicas [...] ninguém funciona separado. Acho que se você está fisicamente pode estar infectado, com alguma determinada doença, mas o psicológico também se afeta ou se você, de repente, psicologicamente está afetado por algum problema [...] o físico também se afeta.” (S02). “Eu acho que ela não tá mais próxima nem de uma nem de outra. Acho que [...] elas caminham juntas. [...] Quando você permite que o indivíduo se movimente, ele tá dentro do campo biológico. [...] Quando você permite que ele faça por ele, isso, emocionalmente, psicologicamente, mexe com o emocional dele, mexe com ele como ser social.” (S01).

Sugere-se que as necessidades humanas biológicas e psicológicas não são

passíveis de dissociação, sendo uma vez mais observada a filosofia holística

permeando o discurso.

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“A enfermagem faz parte de um contexto de ciências humanas, embora nós temos dentro de vários modelos as partes biológicas [...] a enfermagem é uma ciência que mescla a humana com a biológica e é nesse ponto que surge as nossas teorias.” (S09).

Embora se inicie por assumir a proximidade com as ciências humanas, ocorre

a centralização do conceito de cuidar. Atribui-se à ausência de limites entre ciências

biológicas e ciências humanas no fazer da enfermagem a responsabilidade por

possibilitar o surgimento das teorias próprias de enfermagem. Neste entendimento,

para que tenham solo fértil, as teorias deveriam transitar entre ambos os domínios

da ciência sem demonstrar inconsistência.

“Ele junta o humano com o científico. O cuidar na enfermagem se apropria de modelos conceituais, modelos de procedimentos que tenham cunho científico e que ajude a refletir a dispensação de procedimentos. Vai desde um planejamento até uma avaliação. A necessidade desse procedimento, qual é o benefício desse procedimento, qual é o malefício que esse procedimento pode trazer pro paciente, risco-benefício para o paciente.” (S09).

4.2.12 Categorias de abordagem científica do cuidar

São apresentadas duas categorias, a saber: abordagem através da aplicação

de conhecimentos gerais e abordagem através da aplicação do método. A pergunta

central é “como abordar algo cientificamente?”.

4.2.12.1 Abordagem através da aplicação de conhecimentos gerais

“A partir do momento que eu faço um cuidado refletido em princípios científicos com as leis que regem a física, a biologia e tudo, tá regido pela cientificidade.” (S09).

Compreendem-se como princípios científicos aqueles possuidores do status

nômico13 empregados nas ciências naturais. Assim, o cuidado parece ter

possibilidade de uma abordagem científica através da aproximação com as ciências

naturais mais do que com as ciências humanas.

13 Ernest Nagel (1901-1985) propôs a verificação probabilística como critério de demarcação e defendeu que para receber o status de lei ou “status nômico” é preciso distinguir entre universais nomológicos e universais acidentais. Cf. “NAGEL, E. The estructure of science. New York: Harcourt, Brace & World, 1961”.

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“Desenvolver seus cuidados, suas práticas fundamentados no princípio científico, seja de química, de biologia, de higiene, de microbiologia [...] porque não pegar o termômetro, ao verificar uma temperatura, nesse sentido (não tocando o bulbo do instrumento) porque a minha mão, o calor vai dilatar ou não a coluna de mercúrio e o paciente pode ter um resultado errado.” (S05).

A possibilidade de abordagem científica do cuidado apontada nesta categoria

parece conflitar com a representação da centralidade do conceito de cuidar. Uma

vez que ao mencionar o uso de conhecimentos detentores de status científico não

se fala nas ciências humanas.

4.2.12.2 Abordagem através da aplicação do método

“Ele pode ser abordado cientificamente, uma vez que a gente utiliza teorias ou métodos pra explicá-los [...] mostrar realmente que eles são acreditáveis, que eles têm efeito, que eles foram pautados em conhecimento científico.” (S03). “Quando se trabalha com critérios, quando se faz um levantamento de dados se busca os critérios pra que se possa aplicar o cuidado.” (S08).

A abordagem científica do cuidado se dá a partir do uso de teorias que o

expliquem e métodos que o orientem. Percebe-se a apreciação pelas práticas

baseadas em evidência. Revela-se a preocupação com o método também na fala de

S08.

A representação que aqui consta é a de que o cuidar pode ser alvo de ciência

por meio da divulgação, conforme sustenta S07 “A gente já tem esse conhecimento

científico [...] a gente ainda não conseguiu o caminho das pedras, que é a

divulgação, porque o trabalho a gente faz”. A ciência deve submeter seus achados à

avaliação competente de seus pares e uma das formas de fazê-lo é por meio da

divulgação.

“Eu posso tornar a enfermagem científica realizando as pesquisas, fazendo a divulgação, socializando com outros profissionais, participando de encontros, participando de discussão, trazendo os resultados de outras pesquisas pra cá a título de informação, até mesmo de troca.” (S07).

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Além da já mencionada preocupação em dar visibilidade aos conhecimentos

produzidos pela enfermagem ocorre o reconhecimento da importância atribuída a

um achado quando este é compartilhado. Assim, uma vez mais as influências

externas à enfermagem exercidas sobre ela são pontuadas como elemento em favor

de seu desenvolvimento.

“Fazer um cadastro realmente da necessidade de cada um e correlacionar com a patologia.” (S04).

Nesta representação a análise puramente causal é abandonada para

estabelecer correlações entre patologia e necessidade humana afetada pelo

processo de adoecer.

“A partir do momento em que a gente possa tá fazendo uma avaliação criteriosa deste cuidar [...] tornar isso um corpo um pouquinho mais científico é você poder avaliar esses resultados; você poder validar esses resultados e quem sabe até dar publicidade a esses resultados.” (S06).

Destaca-se uma característica distintiva da ciência, a saber, a preocupação

constante com critérios de validação. Este constitui um elemento em favor do

desenvolvimento da enfermagem.

“Através da busca constante pela melhora dos procedimentos de enfermagem através dos quais se realiza cuidado. Ou seja, a pesquisa de enfermagem ela tem que ser direcionada a como é que eu posso oferecer esse cuidado ao indivíduo pra restabelecer ele na sociedade o mais rápido possível e com a melhor qualidade possível.” (S11).

Por fim, é evidenciada a influência do princípio do cuidado eficiente sobre o

fazer prático/intelectual do enfermeiro. A busca por critérios de validação

apresentada não parece fazer referência à validação de inferências ou métodos de

investigação, mas sim à validação das ações, de forma a torná-las mais eficientes.

Não se percebe distinção entre ciência e prática baseada em evidência.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como produto da presente análise, propôs-se elementos importantes para o

desenvolvimento do pensamento crítico da enfermagem. Assim, problemas

fundamentais, que dizem respeito à compreensão de conceitos básicos, foram

expostos. A enfermagem, por ter forte apelo interdisciplinar, em muitas ocasiões se

apropria de conceitos ou construtos externos. Em especial, destacam-se os

conceitos de etapas administrativas propostas por Fayol, que de fato, muito se

assemelham às etapas do processo de enfermagem conforme demonstrado. Sendo

processos semelhantes, é natural o intercâmbio entre conceitos de uma área e

outra. Ciampone, Leite e Gaidzinski (1996) relatam a inserção da administração na

enfermagem datando do final do século XIX e desde 1996 já apontaram a

necessidade de mudança do paradigma até então vigente para o currículo de

enfermagem.

Os excessos, porém, se revelam na extrapolação deste intercâmbio quando

empregado com o intuito de descrever o método científico. Supõe-se que a ciência

seja como um processo produtivo ou gerencial e então se revelam as primeiras

incompreensões conceituais, que provavelmente findam por gerar confusão na

cabeça das fileiras da graduação. Tal crítica levou a propor o quadro de conceitos

intercambiáveis como instrumento didático que facilite o uso de conceitos entre

áreas afins, bem como, a fim de não cometer extrapolações descabidas, alertamos

para a necessidade de ponderação quando de sua aplicação.

Um aspecto de nosso especial interesse observado foi a forma de conceber a

ciência com um propósito definido de gerar conhecimentos que, de alguma forma,

aumentem a eficiência dos cuidados prestados pela equipe de enfermagem, o que

levou a definir o “princípio do cuidado eficiente” como eixo principal tanto do fazer

prático quanto da atividade intelectual do enfermeiro. Segundo este princípio, a

maior eficiência e eficácia são qualidades permanentemente perseguidas pelo

enfermeiro. Assim, percebe-se que a enfermagem visa seu objeto, o cuidar,

fundamentalmente para agir. Convém destacar o interesse de Grittem, Meier e

Zagonel (2008, p.768) pela pesquisa-ação que busca o pragmatismo e se distingue

da pesquisa científica tradicional por ter dimensões dialéticas

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Conforme já discutido, uma característica distintiva da ciência é seu interesse

no objeto para descrever e/ou explicar, sendo então seu objetivo primeiro o

conhecer. Ao assumir o princípio do cuidado eficiente como qualidade manifesta da

enfermagem nota-se o interesse pela ação, não sendo este um problema a ser

considerado pelo enfermeiro. Contudo, ao analisar as dificuldades encontradas para

realizar uma distinção real entre os processos de descrever e explicar, revelam-se

os insólitos problemas conceituais que residem na mente do enfermeiro docente.

Parece haver um acordo sobre avanços, sem que, no entanto, sejam reveladas as

causas no que diz respeito ao desenvolvimento científico. Observa-se pouco ou

nenhuma distinção entre ciência, arte e tecnologia. O que de mais grave ocorre é a

carência de distinção entre metodologia da pesquisa e o método científico.

Não há dúvidas de que a enfermagem, em muitos aspectos, tem se

desenvolvido e se reinventado a fim de melhor prestar seus serviços, seja na

contribuição para a produção científica, como se demonstrou, seja no atendimento

ao indivíduo. O desenvolvimento trás consigo a inspiração que, por sua vez, mobiliza

em direção às transformações e ao próprio desenvolvimento. O único empecilho

sério ao percurso do desenvolvimento parece ser a resistência à mudança.

Conforme já demonstrado estamos em momento propício à mudança. As

fragilidades de teorias fundamentais e conhecimentos de base da enfermagem

podem estar correlacionados com os problemas de fundamentos conceituais

encontrados aqui. Conforme se constatou através do surgimento do princípio do

cuidado eficiente e das representações sociais, falta no currículo de graduação um

enfoque epistemológico.

Ainda percebe-se o currículo voltado para a instrumentalização do fazer

prático do enfermeiro. Por hora, é possível apenas conjeturar a possibilidade de uma

interferência direta deste modelo de currículo na formação do cientista da

enfermagem. Portanto, urge que se realize investigação semelhante a aqui proposta

tendo como sujeito os estudantes da graduação e assim disponibilizando dados

mais completos para fazer inferências.

Ao discutir as possibilidades da ciência da enfermagem tem-se proposto

adequar conceitos fundamentais a fim de satisfazer condições pontuais da

enfermagem. Assim, ao inverter a pergunta “como a enfermagem pode satisfazer os

critérios de uma ciência?” para o “o que é uma ciência que satisfaça a

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enfermagem?” o enfermeiro assume uma postura lacaniana na direção de criar uma

“realidade paralela” e, portanto, dissociada do mundo objetivo.

Esta atitude, em muitos aspectos, tem atrasado o desenvolvimento da

enfermagem. Em primeiro lugar porque gera uma antinomia, no sentido de que há

consenso quanto à necessidade de desenvolver a enfermagem, mas não há acordos

sobre que caminhos trilhar. Os caminhos errados, quando levam à solução,

frequentemente o fazem de modo penoso e demorado. Em segundo lugar porque

sustenta que cabe à enfermagem sozinha decidir quais critérios usar e quais rejeitar

para se constituir como ciência, quando sabe-se que nenhuma ciência surge de tal

atitude.

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Page 89: Representações sociais do enfermeiro sobre ciência · A ciência parece ter o poder de atribuir certezas que somente se comparam à própria fé no que diz respeito aos fenômenos

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁPRO

CURSO DE LICENCIATURA PLENA E BACHARELADO EM ENFERMAGEM

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E AUTORIZAÇÃO PARA

PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS DO

RESOLUÇÃO 196/96 – CNS

Após a leitura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e à apresentação do

pesquisador sobre os objetivos e benefícios de sua pesquisa para os profi

enfermagem, eu _______________________________________

RG __________________,

_______________________________________________________

CEP______________________,

declaro que consinto em participar como voluntário d

enfermeiro sobre ciência: uma análise epistemológica da enfermagem,

pesquisador Alison Felipe Alencar Chaves. Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido que:

estudo será realizado a partir de entrevista gravada e do preenchimento de um questionário;

não haverá riscos para minha saúde;

época, pessoalmente ou por telefone, para esclarecimento de qualquer dúvida;

para, a qualquer momento, deixar de participar da pesquisa

justificativas para isso; e) que todas as informações por mim fornecidas e os resultados obtidos serão

mantidos em sigilo e que, estes últimos só serão utilizados para divulgação em reuniões e revistas

científicas sem minha identificação;

fato de mudar meu consentimento em participar da pesquisa;

ou direitos financeiros sobre os eventuais resultados decorrentes da pesquisa;

importante para o estudo, melhor entendimento

consinto em participar da pesquisa em questão

_____________________________________

Assinatura do Participante (Entrevistado)

APÊNDICE A

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁPRO-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO

CURSO DE LICENCIATURA PLENA E BACHARELADO EM ENFERMAGEM

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E AUTORIZAÇÃO PARA

PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS DO INFORMANTE DE PESQUISA DE ACORDO COM A

CNS

CONSENTIMENTO PÓS-INFORMADO

Após a leitura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e à apresentação do

pesquisador sobre os objetivos e benefícios de sua pesquisa para os profi

__________________________________________________

RG __________________, nascido em ____/____/________, domiciliado (a) à Rua/A

__________________________________________

CEP______________________, Cidade ___________, Estado _____, Telefone

eclaro que consinto em participar como voluntário da pesquisa, Representações sociais

enfermeiro sobre ciência: uma análise epistemológica da enfermagem, sob responsabilidade do

Alison Felipe Alencar Chaves. Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido que:

estudo será realizado a partir de entrevista gravada e do preenchimento de um questionário;

não haverá riscos para minha saúde; c) que posso consultar o pesquisador responsável em qualquer

época, pessoalmente ou por telefone, para esclarecimento de qualquer dúvida;

para, a qualquer momento, deixar de participar da pesquisa e que não preciso apresentar

que todas as informações por mim fornecidas e os resultados obtidos serão

mantidos em sigilo e que, estes últimos só serão utilizados para divulgação em reuniões e revistas

entificação; f) que serei informado de todos os resultados, independente do

consentimento em participar da pesquisa; g) que não terei

ou direitos financeiros sobre os eventuais resultados decorrentes da pesquisa;

importante para o estudo, melhor entendimento e auto-conhecimento da enfermagem. Assim

consinto em participar da pesquisa em questão.

Macapá, AP_______de______________de 20

_____________________________

Participante (Entrevistado)

____________________________________

Contato do pesquisador: (96) 8124-9541 ou ainda, [email protected]

87

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO

CURSO DE LICENCIATURA PLENA E BACHARELADO EM ENFERMAGEM

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E AUTORIZAÇÃO PARA

INFORMANTE DE PESQUISA DE ACORDO COM A

Após a leitura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e à apresentação do

pesquisador sobre os objetivos e benefícios de sua pesquisa para os profissionais da área de

___________________________,

domiciliado (a) à Rua/Av.

n.º ______________,

Telefone _______________,

Representações sociais do

sob responsabilidade do

Alison Felipe Alencar Chaves. Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido que: a) o

estudo será realizado a partir de entrevista gravada e do preenchimento de um questionário; b) que

que posso consultar o pesquisador responsável em qualquer

época, pessoalmente ou por telefone, para esclarecimento de qualquer dúvida; d) que estou livre

e que não preciso apresentar

que todas as informações por mim fornecidas e os resultados obtidos serão

mantidos em sigilo e que, estes últimos só serão utilizados para divulgação em reuniões e revistas

que serei informado de todos os resultados, independente do

que não terei quaisquer benefícios

ou direitos financeiros sobre os eventuais resultados decorrentes da pesquisa; h) que esta pesquisa é

conhecimento da enfermagem. Assim,

Macapá, AP_______de______________de 2011.

____________________________________

Assinatura do pesquisador

ou ainda, [email protected]

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88

APÊNDICE B

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

QUESTIONÁRIO SEMI-ESTRUTURADO Instituição de formação: [______________________________________________]

Ano de conclusão da graduação: [_______________]

Instituição em que atual: [_____________________________________________]

Tempo de docência: [____________________]

Pós-graduação:

[ ] Especialização [ ] Residência [ ] Mestrado [ ] Doutorado [ ] Pós-Doutorado

Área de atuação:

[ ] Hospital [ ] Unidade Básica de Saúde [ ] Burocracia (secretaria de saúde, etc.)

[ ] Docência [ ] Outros

Possui orientando de iniciação científica:

[ ] Sim [ ] Não

Está vinculado a grupo de pesquisa:

[ ] Sim, nome: [_____________________________________________________]

[ ] Não

Desenvolve alguma pesquisa:

[ ] Sim, Qual o objetivo da pesquisa em andamento:

[_________________________________________________________________]

[ ] Não

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APÊNDICE C

INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

ROTEIRO DE ENTREVISTAS

1. Qual a definição de ciência?

2. O que é o método científico?

3. Há distinção entre descrição e explicação? Caso afirmativo, qual?

4. Qual a relação entre enfermagem e ciência?

5. A enfermagem faz uso dos métodos científicos? Em que momentos? Como?

6. A enfermagem pode ser considerada uma ciência? Por quê?

7. É importante para a enfermagem ser uma ciência? Por quê?

8. O que torna a ciência importante?

9. O que torna a enfermagem importante?

10. Em que pontos a importância da ciência e da enfermagem convergem?

11. O que é o cuidar? Esta definição está mais próxima das ciências humanas ou

biológicas?

12. Qual o objetivo do cuidar? Como o cuidar pode ser abordado cientificamente?

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APÊNDICE D

Prezado(a) Sr(a).

Venho, por intermédio deste, solicitar a permissão de Vossa Senhoria para

aplicarmos junto aos professores do curso de enfermagem dessa conceituada

Instituição de Ensino Superior, questionários que irão instrumentalizar o projeto de

pesquisa “Representações sociais do enfermeiro sobre ciência: uma análise

epistemológica da enfermagem”. O que se busca no presente estudo, é efetivar uma

busca da compreensão presente entre os profissionais da área como um passo

inicial para os muitos degraus na escalada para o auto-conhecimento da

enfermagem. Assim, para conceber a enfermagem como ciência, não-ciência ou

ciência em vias de se fazer, é fundamental entender como o profissional de

enfermagem compreende a ciência.

Asseguro que haverá total sigílo e privacidade sobre a origem das respostas,

bem como da identificação dos respondentes, que serão sequenciados por código.

As informações obtidas serão analisadas e utilizadas em reuniões e revistas

científicas, com o intuito de contribuir para o auto-conhecimento da enfermagem

bem como melhorar a qualidade do ensino e da prática do cuidado em enfermagem.

No aguardo de vossa resposta, reafirmo minha consideração e elevado

apreço.

Atenciosamente,

Alison Felipe Alencar Chaves

Acadêmico de enfermagem da Universidade Federal do Amapá

Contato do pesquisador: (96) 8124-9541 ou ainda, [email protected]

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ANEXO A