representações sociais do enfermeiro sobre ciência · a ciência parece ter o poder de atribuir...
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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ
ALISON FELIPE ALENCAR CHAVES
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO SOBRE CIÊNCIA: UMA
ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DA ENFERMAGEM
MACAPÁ-AP
2011
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ALISON FELIPE ALENCAR CHAVES
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO SOBRE CIÊNCIA: UMA
ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DA ENFERMAGEM
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em enfermagem da Fundação Universidade Federal do Amapá como requisito para obtenção do grau de Licenciado e Bacharel em Enfermagem.
Orientador: Arley José Silveira da Costa
Macapá-AP
2011
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal do Amapá
Chaves, Alison Felipe Alencar Representações sociais do enfermeiro sobre ciência: uma análise epistemológica da enfermagem / Alison Felipe Alencar Chaves; orientador Arley José Silveira da Costa. Macapá, 2011.
91 f.
Trabalho de conclusão de curso (graduação) – Fundação Universidade Federal do Amapá, Pró-Reitoria de Ensino de Graduação, Curso de Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem.
1. Enfermagem – Ciência. 2. Enfermagem – Método científico. I. Costa, Arley José Silveira da, orient. II. Fundação Universidade Federal do Amapá. III. Título.
CDD. 22.ed. 610.73
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ALISON FELIPE ALENCAR CHAVES
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENFERMEIRO SOBRE CIÊNCIA: UMA
ANÁLISE EPISTEMOLÓGICA DA ENFERMAGEM
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em enfermagem da Fundação Universidade Federal do Amapá como requisito para obtenção do grau de Licenciado e Bacharel em Enfermagem.
Data de aprovação: ___/___/2011
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. Arley José Silveira da Costa
Orientador
____________________________________
Prof. Dr. Rosemary Ferreira de Andrade
Avaliadora
____________________________________
Prof. MSc. Rosana Oliveira do Nascimento
Avaliadora
____________________________________
Macapá-AP
2011
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Em muitos aspectos, o desenvolvimento da ciência assemelha-se a uma colônia de coral. Quanto mais rapidamente ela prospera e cresce, os vestígios e contribuições de seus fundadores tornam-se sobrepostos e obscurecidos por sua própria prole. No entanto, existe um obstáculo para a estratégia alcançada pela árvore de coral. Os pólipos do final de seus ramos têm chances bem maiores de um desenvolvimento subseqüente do que aqueles situados próximos de sua origem. Os últimos crescem ininterruptamente sem considerar a necessidade de um fortalecimento proporcional da base que carrega o peso daquela estrutura. A colônia de coral, ao contrário de um carvalho, nada faz para solidificar seu suporte. Consequentemente, vários lotes de seus fragmentos destacam-se de seus pontos de partida, morrendo ou, se parcialmente vivos, crescendo em direções indeterminadas sem alcançar parte alguma.
Konrad Lorenz (1903-1989)
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RESUMO
A enfermagem reivindica-se a ciência e a arte do cuidar e, portanto, se caracteriza como uma atividade que aproxima aspectos objetivos e subjetivos do ser humano. No meio científico, em especial as ciências naturais, a ciência sempre foi considerada uma atividade que exige o isolamento das variáveis, a redução do organismo e a submissão aos mais rigorosos testes. Ocorre que as áreas menos objetivas como as pertencentes ao domínio das humanidades, de modo geral, são subjugadas exatamente pela carência de mais objetividade. O que fica claro é o problema da demarcação que visa estabelecer os limites entre uma atividade verdadeiramente científica e as de outra natureza. O presente estudo, ao analisar as representações sociais do enfermeiro sobre a ciência, revela categorias de pensamento que podem ser responsáveis pelo atual estado em que se encontra a enfermagem no que diz respeito ao domínio científico. Foram identificados 12 domínios gerais que dizem respeito à compreensão de conceitos fundamentais e 36 categorias que expressam de maneira clara as representações sobre a relação enfermagem/ciência. Foi proposto o “princípio do cuidado eficiente” como eixo do fazer e do pensar do enfermeiro e apresentados elementos em favor do seu desenvolvimento, como a necessidade de mudanças curriculares que tornem o enfermeiro instrumentalizado para agir e investido de fundamentos da boa ciência para investigar na mesma medida. Sugere-se a replicação do estudo aqui desenvolvido mudando o foco para o estudante de graduação como sujeito de pesquisa para avançarmos no auto-conhecimento da enfermagem. Palavras-chave: Filosofia, Epistemologia, Método Científico, Demarcação.
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ABSTRACT
Nursing claims to science and art of caring and, hence, is characterized as an activity that brings objective and subjective aspects of human being. In scientific circles, particularly the natural sciences, science has always been considered an activity that requires the isolation of variables, reducing the body and submission to the most rigorous testing. It happens that the less objective areas as belonging to the realm of the humanities in general, are just overwhelmed by the lack of more objectivity. What is clear is the problem of demarcation, which aims to establish the boundaries between an activity truly scientific and otherwise. The present study was to analyze the social representations of nurses about the science, reveals categories of thought that may be responsible for the current state it is in nursing with regard to the scientific. We identified 12 general areas relating to the understanding of fundamental concepts and 36 categories, which express clearly the relationship between the representations of nursing/science. It was proposed the "principle of efficient care" as the axis of doing and thinking the nurse and submitted in support of its development, the need for curriculum changes that make nurses equipped to act and vested with the fundamentals of good science to investigate the same extent. It is suggested replication of the study developed here shifting focus to the grad student as a research subject and to advance in self-knowledge of nursing. Key words: Philosophy, Epistemology, Scientific Method, Demarcation.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................. 12
2.1 Caminhos epistemológicos da enfermagem ........................................................ 12
2.2 O cuidado/cuidar como objeto de ciência ............................................................ 13
2.3 Classificações e compreensões sobre ciência .................................................... 14
2.4 Ciência e tecnologia (epistéme e téchne)............................................................ 19
2.5 O problema da demarcação ................................................................................ 20
2.6 O método científico ............................................................................................. 22
2.6.1 Aristóteles (384-322 a. C.) ................................................................................ 23
2.6.2 Euclides (300 a.C.) e Arquimedes (287-212 a. C.) ........................................... 24
2.6.3 René Descartes (1596-1650) ........................................................................... 24
2.6.4 Karl Popper (1902 - 1994) ................................................................................ 25
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 27
3.1 Tipo de estudo ..................................................................................................... 27
3.2 Local do estudo ................................................................................................... 27
3.3 População e amostragem .................................................................................... 28
3.4 Coleta de dados .................................................................................................. 28
3.5 Análise dos dados ............................................................................................... 29
3.6 Aspectos éticos da pesquisa ............................................................................... 30
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 31
4.1 Perfil da amostra ................................................................................................. 31
4. 2 Análise das categorias ....................................................................................... 31
4.2.1 Categorias conceituais de ciência .................................................................... 33
4.2.2 Categorias conceituais de método científico .................................................... 36
4.2.3 Categorias distintivas de descrição e explicação ............................................. 39
4.2.4 Categorias relacionais entre enfermagem e ciência ......................................... 44
4.2.5 Categorias identificadoras do método científico na enfermagem ..................... 51
4.2.6 Categorias de justificação ................................................................................ 57
4.2.7 Categorias de valor científico ........................................................................... 61
4.2.8 Categorias de valor da enfermagem ................................................................ 66
4.2.9 Categorias unificadoras da ciência e da enfermagem ...................................... 70
4.2.10 Categorias conceituais de cuidar ................................................................... 72
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4.2.11. Categorias de localização do cuidar no espaço científico ............................. 75
4.2.12 Categorias de abordagem científica do cuidar ............................................... 77
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 80
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 83
APÊNDICE A ............................................................................................................ 87
APÊNDICE B ............................................................................................................ 88
APÊNDICE C ............................................................................................................ 89
APÊNDICE D ............................................................................................................ 90
ANEXO A .................................................................................................................. 91
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1 INTRODUÇÃO Durante o curso de graduação em enfermagem diversas questões referentes
à certeza, ou algo próximo dela, de se aplicar os cuidados adequados a um
determinado paciente respeitando sua individualidade e humanidade são postas
para os estudantes que buscam construir seu corpo teórico de conhecimento sobre
enfermagem. Entre as mais comuns estão: a) o plano de cuidados preenche as
necessidades individuais do paciente?; b) uma assistência sistematizada e
padronizada garante otimização e funcionalidade do atendimento?; e c) a
enfermagem pode ser considerada uma ciência? Esta ultima parece não representar
grande motivação para investigação entre estudantes da área ao passo que as duas
primeiras são alvo de frequentes publicações em periódicos especializados e
dispõem de respostas bem esclarecidas.
Pode-se supor que a temática não é vista como central para os enfermeiros
que podem efetivar sua prática sem a necessidade de delimitar seu campo de
atuação. Outro meio de fazer esta análise é inferir que o questionamento sobre a
enfermagem se firmar ou não como ciência possui resposta bem clara para aqueles
que encontram plena satisfação ao reproduzir em seus discursos “a enfermagem é a
ciência e a arte do cuidar”.
De certo que parafrasear esta afirmativa ou assumir a posição de que esta
compreensão é desvinculada da atuação pragmática não satisfazem a inquietação
de quem anseia por uma boa fundamentação teórica, uma vez que as definições de
ciência e arte parecem não se cruzar. E é partindo desta inquietação que o presente
estudo dá corpo à discussão epistemológica da enfermagem no meio acadêmico
que ainda acontece de forma tímida. Um diálogo radicado na filosofia que busca dar
a devida importância ao tema sem negligenciar as questões referentes à prática
clínica, que serão aqui discutidas somente como artifício para fundamentar a
discussão principal.
Pode-se conjeturar que a forma tímida como a discussão sobre ciência ocorre
entre os profissionais da enfermagem amapaense seja um reflexo do próprio
desenvolvimento dos cursos de graduação existentes no Estado, cujo mais antigo é
da Fundação Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e data de 1991. É
importante salientar que por definição as Universidades Federais têm de se
sustentar sob o tripé ensino/pesquisa/extensão. As demais Instituições que ofertam
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a graduação em enfermagem, o fazem há não mais que dez anos. Sendo as
Instituições recentes, estas se encontram em vias de construção da própria
identidade do curso e de sua cientificidade. Além do caráter recente da graduação
em enfermagem no Estado do Amapá, há o contexto, também recente, da discussão
sobre a cientificidade da enfermagem, que pode ser observado pelas econômicas
quantidades de referencial teórico sobre o assunto.
A ciência parece ter o poder de atribuir certezas que somente se comparam à
própria fé no que diz respeito aos fenômenos que estuda. Por esta razão, a corrida
pela obtenção de um “diploma” de ciência é cada vez maior por parte das disciplinas
contemporâneas. As discussões sobre o tema, frequentemente, geram
discordâncias diversas, como algumas das perguntas que compõem o roteiro de
entrevistas do presente estudo. Debates sobre a cientificidade da enfermagem não
devem ser balizadores a indicar os caminhos que esta deve percorrer para alcançar
o status de ciência. Talvez o mais importante, e é isso que se busca no presente
estudo, seja efetivar uma busca da compreensão presente entre os profissionais da
área como um passo inicial para os muitos degraus na escalada para o auto-
conhecimento da enfermagem. Assim, para conceber a enfermagem como ciência,
não-ciência ou ciência em vias de se fazer, é fundamental entender como o
profissional de enfermagem compreende a ciência.
Desta forma, o presente estudo busca investigar a compreensão do(a)
enfermeiro(a) sobre a ciência e sobre o paralelo que este estabelece entre esta e a
enfermagem. Caracteriza-se como estudo qualitativo por analisar respostas,
compará-las entre si e com a discussão presente na literatura, gerando um diálogo
entre concepções. Estes diálogos buscam mostrar os problemas que envolvem as
disciplinas modernas no tocante a sua cientificidade e, em particular, a enfermagem.
Perez (2007, p. 99) salienta que “se na Idade Média a vida era orientada pela
religião, hoje é orientada pelos resultados estatísticos das pesquisas”. É notório o
status de confiabilidade atribuído pela ciência aos argumentos e práticas de
qualquer natureza, não constituindo novidade que muitas práticas busquem o manto
do cientificismo para legitimar-se enquanto ação mais qualificada. As diferentes
formas de categorizar o saber permitem desde uma separação evidente entre
ciência e outras formas de conhecimento até uma dificuldade de demarcação. O
problema da demarcação e a inserção da enfermagem neste contexto, a partir da
compreensão do enfermeiro, é justamente o centro desta pesquisa.
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O subtítulo “uma análise epistemológica da enfermagem” traduz o anseio por
gerar subsídios que permitam avanços no que diz respeito à discussão sobre a
cientificidade da enfermagem, ao passo que o título “representações sociais do
enfermeiro sobre ciência” indica o ponto de partida para o enriquecimento da
discussão epistemológica na enfermagem tendo como referência o enfermeiro
gerador do conhecimento próprio da enfermagem. Segundo Japiassú (1996, p.84-
85) a epistemologia:
É uma disciplina que toma as ciências como objeto de investigação. [...] podemos defini-la como a disciplina que toma por objeto não mais a ciência feita, uma ciência verdadeira de que deveríamos estabelecer as condições de possibilidade ou os títulos de legitimidade, mas as ciências em via de se fazerem, em seu processo de gênese, de formação e de estruturação progressiva.
Se analisar a enfermagem sob este prisma demanda, por um lado, obter a
compreensão de sua singularidade enquanto prática, por outro, demanda também
compreender que esta não pode se isentar da verificação de seus métodos. É
entender seu processo de construção e, ao fazê-lo, evidenciar suas idiossincrasias,
suas contradições internas. A singularidade aqui referida diz respeito à aproximação
da enfermagem com as ciências humanas, apesar de uma recente iniciativa de que
fala LoBiondo-Wood (2001) ao apontar que em 1993 foi liberado o relatório de um
mecanismo de fundos plurianual proposto pelo National Center for Nursing Research
para melhorar a integração das ciências biológicas e de enfermagem. É importante
salientar que esta não é a única forma de aproximação, mas representa uma das
mais evidentes.
O outro aspecto que torna a enfermagem singular é o fato de atuar em
ambientes diversos - da unidade básica de saúde ao hospital como instituição.
Nestes ambientes, a enfermagem enquanto prática executa ações técnicas de
monitoramento, supervisão, educação em saúde e execução de cuidados. O termo
cuidado merece algumas considerações tendo em vista que, por vezes na literatura,
a enfermagem se reivindica a ciência do cuidar. Desta forma o presente estudo inicia
por apresentar a discussão sobre a cientificidade da enfermagem e delinear uma
revisão do cuidar, como objeto de ciência, e sua relação com a enfermagem.
Outro aspecto fundamental a ser discutido é o valor do conhecimento
científico uma vez que por vezes se coloca, de forma equívoca, a ciência como a
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geradora de todo conhecimento. Esquece-se que o conhecimento tem usos
diversos, não sendo assim a ciência detentora da verdade absoluta. Granger (1994),
afirma que “em nossas sociedades, um conhecimento, uma vez estabelecido,
encontrará necessariamente, para o mal ou para o bem, quem o aplique”. Surgem
então as implicações éticas envolvidas a partir da aplicação de qualquer
conhecimento, assim como na prática científica.
Uma revisão sucinta e objetiva da história da ciência é apresentada,
apontando as classificações e compreensões de ciência em sentido lato. O texto
traça um paralelo entre ciência e tecnologia, a fim de diferenciar as duas práticas.
Apresenta o problema de decidir entre o que é e o que não é ciência, conhecido
como “problema da demarcação”, bem como os métodos científicos propostos por
Aristóteles, Euclides, Arquimedes, Descartes e Popper. As sessões que seguem
apresentam os caminhos epistemológicos que a enfermagem tem percorrido a fim
de se estabelecer como ciência e delinear seu objeto na ação de cuidar.
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2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Caminhos epistemológicos da enfermagem Ao lançar mão de uma análise conceitual da ciência, Horta (1979) conclui que
a enfermagem não se enquadra plenamente em qualquer dos conceitos propostos.
A autora sustenta que apesar de possuir um corpo de conhecimentos, estes não se
encontram sistematizados ou organizados, por outro lado conta com teorias
relacionadas entre si e referentes ao universo natural. Apesar desta caracterização,
a autora assume que a ciência da enfermagem descreve e explica as necessidades
básicas do ser humano, relaciona-as entre si e prediz sobre estas necessidades.
Contudo, Carvalho (2003a, p. 421, grifo do autor) percebe a enfermagem como:
[...] carente de conhecimentos capazes de superar obstáculos epistemológicos, os que retardam de muitas formas, o ato de conhecer e até pela preferência às respostas ao invés de às perguntas. Uma profissão necessitando romper com experiências casuais, para submeter seus achados à verificabilidade e à falseabilidade.
Para Bison (2003), o foco da enfermagem como ciência ainda não está
claramente definido, mas é emergente na centralização dos conceitos de cuidar e de
saúde. Estando o conceito de saúde ligado às ações e intervenções, a autora aponta
sua interligação com o cuidar. Caliri (2002) salienta que o contexto de
desenvolvimento da enfermagem como profissão, em diversos países, trouxe a
expectativa de uma prática baseada em conhecimento científico próprio que faria
diferença nos serviços de saúde implicando em maior qualidade.
Perez (2007) assinala o surgimento, na década de 1980, da prática baseada
em evidências, empregada primeiramente na medicina e, posteriormente, como
sugere Caliri (2002), na enfermagem. Este modelo de assistência busca aproximar a
atividade profissional da prática científica por meio da consulta a resultados de
pesquisas científicas que sustentem a tomada de decisão.
Caliri (2002) ressalta que a utilização de um referencial para embasar a
prática exige a disponibilidade de resultados de pesquisa com fortes evidências
indicando que as intervenções realizadas produziram resultados positivos na área
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prática, o que ainda não é frequente na área de enfermagem, em diversos países. A
autora infere que os fenômenos relacionados à assistência de enfermagem, nem
sempre podem ser estudados pelos métodos quantitativos valorizados no
referencial.
Conforme explicam McEwen e Wills (2009), a pesquisa experimental com
valor preditivo exige dados quantificáveis e passíveis de submissão a análises
estatísticas. Os dados qualitativos podem ser coletados, mas em geral, devem sofrer
codificação para serem testados estatisticamente. Por outro lado, no entendimento
de LoBiondo-Wood (2001) a enfermagem é tanto uma ciência como uma arte e a
pesquisa qualitativa combina as naturezas científica e artística da enfermagem para
aumentar a compreensão da experiência de saúde humana.
Carvalho (2003a) alerta que na enfermagem, a maior dificuldade dos
pesquisadores talvez seja decidir, objetivamente, quais os métodos aplicáveis e as
teorias que merecem maior peso. Assim, Bison (2003) afirma a necessidade de pôr
em discussão os paradigmas da concepção profissional na enfermagem, para que
se possa aprimorar o conhecimento próprio da atividade. Finalmente, Carvalho
(2003a) salienta que é preciso coragem para decidir entre limitações e impeditivos
da investigação, se é que apostamos nas possibilidades da enfermagem-ciência.
2.2 O cuidado/cuidar como objeto de ciência Para Horta (1979, p. 7), o ser humano é inobjetivável, assim, “o objeto da
enfermagem é assistir o ser humano no atendimento de suas necessidades
básicas”. Segundo Bueno (2007), o termo cuidado, entre outros sentidos, pode
significar desvelo. Para Abbagnano (2007, p. 224), o cuidado (lat.: cura; al.: sorge) é
“a totalidade das estruturas ontológicas do ser-aí enquanto ser-no-mundo: em outros
termos, compreende todas as possibilidades da existência que estejam vinculadas
às coisas e aos outros homens e dominadas pela situação”.
Uma compilação de diversos estudos sobre conforto, realizada por Mussi
(1996), encontrou três estruturas de cuidado. A saber, cuidado como alívio do
estresse, proporcionar conforto e prestar apoio. Este mesmo estudo relacionou o
conforto com um estado ou sentimento de alívio ou bem-estar, apontou que a
multidimensionalidade do termo envolve aspectos de natureza física, social,
psicológica, espiritual e ambiental. Definiu como sentidos técnicos de conforto a
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calma, o alívio e a transcendência. Por fim, indica a subjetividade do termo conforto,
relegando a estrutura de cuidado, no sentido de proporcionar conforto, à fragilidade
enquanto objeto de ciência.
Um estudo realizado por Bison (2003, p.7) revela o cuidar na experiência de
saúde humana como o objeto de estudos da enfermagem. Aponta o cuidado como
um fenômeno antológico, existencial, básico. Uma condição necessária para a
manutenção da natureza humana uma vez que sem ele o ser humano se
desestrutura. Não está claro se a intenção da enfermeira Bison (2003) era, de fato,
empregar o termo fenômeno antológico ou fenômeno ontológico. No entanto, é
possível que a segunda opção seja a correta.
Entre as tentativas de delinear o cuidado na revisão realizada por Bison
(2003), a que mais chama a atenção é a que o aponta como um modo de agir em
que o indivíduo desvincula-se de si próprio e centra-se no outro, com desvelo e
solicitude. Ademais, pode-se encontrar o cuidado significando a ternura vital,
amorosidade com o mundo real, entre outras abstrações. Para a autora, a
enfermagem pouco tem se voltado para os conceitos filosóficos do cerne da
profissão e, assim, permanece uma lacuna entre as muitas definições e o efetivo
cuidado ao cliente.
Bison (2003) adota cinco classificações ontológicas a fim de definir o cuidar. A
saber: a) o cuidar como uma característica humana; b) cuidar como um imperativo
moral e ideal; c) cuidar como afeto; d) cuidar como relação interpessoal; e, por fim e)
cuidar como ação terapêutica de enfermagem. Assim, o cuidado de enfermagem
consiste em ações em defesa de um funcionamento corporal adequado, que previna
a doença ou, em caso de algum desequilíbrio, ofereça uma assistência que conduza
à homeostase.
2.3 Classificações e compreensões sobre ciência Em geral, há comum acordo de que os primeiros delineamentos do termo
ciência, do grego ἐπιστήµη (epistéme), são radicados na Grécia antiga, com Platão e
Aristóteles. Segundo consta em Lalande (1996) Platão acreditava haver níveis de
conhecimento, constituindo a ἐπιστήµη o mais elevado entre eles. Aristóteles
acreditava haver uma diversidade de ciências marcada pela hierarquização dos
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saberes próprios de áreas específicas. Assim, a física como filosofia segunda
(φιλοσοφία δευτέϱα), por exemplo, estaria subordinada à teologia como filosofia
primeira ou anterior (φιλοσοφία πϱώτη ou πϱοτέϱα). Segundo definição de Abbagnano
(2007, p. 136) ciência é:
Conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, uma garantia da própria validade. A limitação expressa pelas palavras "em qualquer forma ou medida" é aqui incluída para tornar a definição aplicável à C. moderna, que não tem pretensões de absoluto. Mas, segundo o conceito tradicional, a C. inclui garantia absoluta de validade, sendo, portanto, como conhecimento, o grau máximo da certeza.
Enquanto para Bueno (2007, p.166), ciência é o conjunto de conhecimentos
coordenados relativamente a determinado objeto, um estudo sistematizado. Para
Andery et al (2003), a ciência caracteriza-se por ser a tentativa do homem entender
e explicar racionalmente a natureza, buscando formular leis que, em última instância
permitam a atuação humana. Demo (1987, p.30) acredita que o conceito de ciência
depende da nossa concepção de realidade e afirma:
Não é ciência o que chamamos de senso comum, a forma comum de conhecermos a realidade, sobretudo através da experiência imediata. [...] A dona de casa também percebe o problema da inflação, porque nota que os preços sobem contínua e aparentemente sem razão. Ao tentar explicar as razões do aumento de preços, pode aventar coisas inteligentes, ao lado de outras imediatistas.
Para Angerami (1993, p.14), fazer ciência é “explicar o por quê dos fatos, e
esta explicação advém de uma sólida base teórica. Cada ciência explica seus
fenômenos com base nos pressupostos teóricos que a orientam”. De acordo com
Granger (1994), “as matemáticas foram, ao longo da história, os primeiros
conhecimentos a atingir o status de ciência, no sentido em que o entendemos”.
Gewandsznajder (1989) apresenta a matemática e a lógica como ciências formais
por analisarem a forma das argumentações e não seu conteúdo. Enquanto a física e
a biologia são apresentadas como ciências factuais. Popper (1959) via na física a
mais cabal concretização da ciência empírica.
Abbagnano (2007) aponta que, no século XVII, Bacon apresentou uma
enciclopédia fundada na tripartição entre ciências da memória, ciências da fantasia e
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ciências da razão. A mais famosa classificação das ciências foi proposta por
Ampère, que usou os termos ciências do espírito ou noológicas e ciências da
natureza ou cosmológicas, sendo as demais classificações originadas a partir desta.
Na enciclopédia de Sarkar e Pfeifer (2006) consideram-se ciências especiais as
ciências físicas, biologia, psicologia e as ciências sociais.
Gewandsznajder (1989) defende que, ao conjunto de ciências que estudam
os aspectos culturais e sociais do homem, denominamos ciências culturais, sociais
ou humanas, enquanto às ciências que estudam a natureza e o próprio homem, sem
se preocupar com tais aspectos, denominamos ciências naturais. De outro lado,
Demo (1987) defende que as ciências sociais fazem parte das ciências humanas e
têm seu objeto socialmente condicionado representando o grupo mais delineado
dentro das ciências humanas.
O autor assinala que nas ciências sociais, algumas se dizem aplicadas por
buscar o pragmatismo das teorias sociais. Como exemplo cita-se o direito, a
administração, contabilidade e o serviço social. Enquanto outras se consideram
ciências sociais mais clássicas por apresentarem maior densidade teórica, como a
sociologia, economia, psicologia, educação, antropologia, etnologia e a história.
Demo (1987) cita ainda como um grupo menos delineado das ciências humanas, o
da comunicação e expressão, incluindo neste, as letras que, segundo o autor, teve
notáveis avanços com o desdobramento da linguística moderna.
Por outro lado, Popper (1952, p.125, tradução nossa) sustenta que:
“[...] o tema, o gênero ou classes de coisas, não constitui uma base para a distinção de disciplinas. As disciplinas são distinguíveis parcialmente por razões históricas e razões de conveniência administrativa, parcialmente porque as teorias que nós construímos para resolver nossos problemas têm uma tendência para crescer dentro de um sistema especial”.
Assim, outra forma de classificar as ciências é como ciência básica e ciência
aplicada. Segundo explica Gewandsznajder (1989), a ciência básica se preocupa em
aumentar nossos conhecimentos sobre as leis da natureza, mesmo que esse
conhecimento seja, aparentemente, desprovido de uma utilidade prática imediata. Já
a ciência aplicada procura compreender fenômenos mais específicos, que possam
ter uma utilidade prática imediata ou um maior interesse social. Como exemplo de
ciência aplicada, o autor cita a patologia médica.
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Para Granger (1994), é bastante claro que os saberes sociológicos ou
psicológicos, econômicos ou linguísticos não podem pretender, em seu estado
presente e passado, ter a solidez e a fecundidade dos saberes físico-químicos, ou
até biológicos. Este autor ainda infere que o obstáculo fundamental para a atribuição
do nome de ciências a estas áreas está, evidentemente, na natureza dos fenômenos
de comportamento humano, que carregam uma carga de significações que se
opõem a sua transformação simples em objetos, ou seja, em esquemas abstratos
lógica e matematicamente manipuláveis. Assim, ressalta, o problema não reside em
reduzi-los, e sim em representá-los, ainda que parcialmente, em sistemas de
conceitos.
Segundo a análise de Popper (2004, p.16),
O método das ciências sociais, como aquele das ciências naturais, consiste em experimentar possíveis soluções para certos problemas. [...] Se a solução tentada está aberta a críticas pertinentes, então tentamos refutá-la; pois toda crítica consiste em tentativas de refutação. Se uma solução tentada é refutada através do nosso criticismo, fazemos outra tentativa. Se ela resiste à crítica, aceitamo-la temporariamente; e a aceitamos, acima de tudo, como digna de ser discutida e criticada mais além.
Por outro lado, Granger (1994) sustenta que há uma multiplicidade de tipos de
gênero de explicação que se pode aplicar às ciências humanas. Esta multiplicidade
gera esquemas explicativos que podem combinar-se e interferir numa mesma
representação. No moderno pensamento dos fatos humanos, o esquema
hermenêutico, consiste em supor que os fatos signifiquem e que a ciência deve
explicitar tais significações. No esquema causal, supõe-se uma dependência entre
dois fenômenos, de modo que suas variações são concomitantes e que não se pode
ter um sem o outro. No esquema funcional a análise diz respeito às relações entre o
todo e as partes de forma que o adjetivo funcional remete à idéia do funcionamento
de um organismo ou máquina. No esquema actancial, o fenômeno a ser explicado é
pensado como resultado do comportamento de atores individuais ou coletivos,
considerados como tendo intenções e se submetendo a regras. Por fim, o esquema
dialético, que proporia como explicação a resolução efetiva de contradições
internas descobertas na realidade humana individual ou coletiva.
Granger (1994), afirma ser necessária a adoção deste tipo de
esquematização nas ciências humanas em razão da própria natureza dos fatos
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humanos. Porém, alerta ser essa pluralidade dos tipos de explicação sugestiva de
uma falta de segurança e de certa arbitrariedade. Aponta ainda que a realidade
individual dos acontecimentos e dos seres é o obstáculo único, mas radical, das
ciências humanas. O conhecimento científico exerce-se plenamente quando pode
neutralizar essa individuação, sem alterar gravemente seu objeto, como acontece
em geral nas ciências da natureza.
Demo (1987) entende ciência como um processo de desmitologização e
dessacralização do mundo, em favor da racionalidade natural, supondo-se certa
ordem das coisas dada e mantida. Gewandsznajder (1989) insiste que para que um
conhecimento seja considerado científico, ele deve ser considerado conjetural,
procurando-se criticar suas idéias através de argumentos lógicos e procurando
refutar suas hipóteses através de testes severos.
Segundo Granger (1994), a ciência é uma representação abstrata, mas se
apresenta como representação do real. Assinala ainda três traços característicos da
visão científica que poderiam funcionar como critério de demarcação, mas não sem
antes alertar que tais características não constituem um método propriamente dito.
O primeiro traço assinalado pelo autor é que a ciência é visão de uma realidade.
Esta visão defende que a ciência quer eliminar toda atitude que não comporte a
busca constante e laboriosa de uma demarcação dos produtos do devaneio e da
imaginação.
O segundo traço apresentado pelo autor é que a ciência visa a objetos para
descrever e explicar, não diretamente para agir. Sendo o resultado desta visão a
satisfação de compreender, e de modo algum agir. Este traço é especialmente
importante para nossa discussão visto que a enfermagem visa seu objeto
fundamentalmente para agir. O último traço é a preocupação constante com critérios
de validação.
Um saber acerca da experiência só é científico se contiver indicações sobre a maneira como foi obtido, suficientes para que as suas condições possam ser reproduzidas [...]. Assim, o conhecimento científico é necessariamente público, ou seja, exposto ao controle – competente – de quem quer que seja (GRANGER, 1994, p.47).
Popper (1959) afirma que o trabalho do cientista é elaborar teorias e pô-las à
prova. Losee (1979) elucida que o termo “teoria”, no sentido newtoniano, diz respeito
19
às relações em que há evidência indutiva muito forte, sendo relações invariantes,
entre termos designados qualidades manifestas. Já Granger (1994), concebe teoria
como um conjunto de enunciados verificáveis e fechados para certos procedimentos
dedutivos que lhe são próprios. Contudo, o autor alerta que tais enunciados não são
imutáveis uma vez que ao longo da história têm sido modificados ou substituídos.
Granger (1994, p.107, grifo do autor) salienta que:
“[...] a história das ciências mostra-nos, com efeito, conflitos entre teorias concomitantes, como, por exemplo, a ocorrência, nascida no século XVIII e ainda viva no século XIX, entre uma teoria corpuscular e uma teoria ondulatória da luz”. Neste caso, ambas explicam essencialmente os mesmos fenômenos, mas cada uma relega à outra explicar certos fatos que representa mal.
De acordo com Gewandsznajder (1989), as teorias se valem de modelos e
procuram refletir, de forma parcial, simplificada e hipotética, aquilo que ocorre na
natureza.
2.4 Ciência e tecnologia (epistéme e téchne)
De acordo com Abbagnano (2007, p. 939-942) O sentido geral do termo
técnica coincide com o sentido geral de arte. Nesse sentido, técnica não se distingue
de arte, de ciência, nem de qualquer processo ou operação capazes de produzir um
efeito qualquer: seu campo estende-se tanto quanto o de todas as atividades
humanas. Por outro lado, tecnologia pode ser compreendida como sinônimo de
técnica ou como estudo dos processos técnicos de determinado ramo da produção
industrial ou de vários ramos.
Por outro lado, Pareyson (1989) afirma que há três definições tradicionais
para arte. A saber, arte como um fazer, como um conhecer e como um exprimir,
tendo prevalecido a primeira definição na antiguidade e, portanto, acentuando-se o
aspecto executivo, manual, fabril, arte como τέχνη (téchne). Esta acepção de arte
como τέχνη foi mantida por Platão e Aristóteles. Contudo, Lalande (1996) ressalta
que nas obras de Platão a palavra τέχνη é usada para designar a instrução prática ou
teórica enquanto ἐπιστήµη (epistéme) tende a significar a ciência teórica. Já
Aristóteles, quando emprega ἐπιστήµη sem qualificar é oposto à νοῦς (espírito ou inteligência) e se aplica à ἀπόδειξις (aquilo que é passível de demonstração). Assim
20
não se observa um sentido determinado nem constante de τέχνη e de ἐπιστήµη em
Platão ou Aristóteles.
Pareyson (1989) ressalta que constitui grave equívoco absolutizar qualquer
das três definições tradicionais de arte, sendo mais seguro relacioná-las entre si e
ao considerar a acepção platônica ou aristotélica do termo arte, sugere que o
pensamento antigo pouco se preocupou com teorizar a distinção entre a arte
propriamente dita e o ofício ou a técnica do artesão.
De acordo com Granger (1994) a ciência se distinguirá da arte em primeiro
lugar porque, mais exatamente e mais completamente do que a arte, ela deve poder
exprimir-se numa linguagem (sistema simbólico formal) e ser comunicável pelo
ensino, mas ela se distinguirá da arte, sobretudo, pela natureza dos objetos a que se
aplica. Para o autor, “o que é objeto de ciência necessariamente é”.
De acordo com Gewandsznajder (1989), a técnica ou tecnologia pode utilizar
tanto o conhecimento comum quanto os conhecimentos obtidos na pesquisa ou na
ciência aplicada, para criar novos artefatos ou produtos, melhorar a produção,
modificar o ambiente ou organizar as atividades humanas. Por fim, Cyrino (2006)
aponta que teoricamente, a técnica parece ser a aplicação de um saber dado pela
ciência. Para o autor o engenheiro com a física e a matemática, constrói uma casa;
o médico, com a química e a biologia, escreve uma prescrição; o legislador, por
meio da sociologia, escreve uma lei.
2.5 O problema da demarcação De acordo com Demo (1995) a escola inglesa consagrou a indução empírica
como critério de demarcação. De fato o Novum Organum de Francis Bacon (1561-
1626), conforme apontam Sarkar e Pfeifer (2006), foi um dos primeiros tratados
sobre ciência a considerar a lógica indutiva como critério de demarcação. A crítica
de Hume (1999) sugere que o contrário de um fato qualquer seja sempre possível,
pois, além de jamais implicar uma contradição, o espírito o concebe com a mesma
facilidade e distinção como se ele estivesse em completo acordo com a realidade.
Que o sol não nascerá amanhã não é uma proposição menos inteligível nem implica mais contradição que a afirmação de que ele nascerá; e seria vão, portanto, tentar demonstrar sua falsidade. Se ela fosse demonstrativamente falsa, implicaria uma contradição e
21
jamais poderia ser distintamente concebida pela mente (HUME, 1999, p.44, grifo do autor).
Popper (1959) denomina “problema da demarcação” o problema de
estabelecer um critério que nos habilite a distinguir entre as ciências empíricas, de
um lado, e a matemática e a lógica, bem como os sistemas metafísicos, de outro. O
autor afirma ainda que a lógica indutiva não proporciona adequado critério de
demarcação, ao passo que a falseabilidade revela-se o critério adequado para tal
intento.
O mesmo autor sustenta que a forma lógica de um sistema deve proporcionar
que este seja submetido a testes e que se possa comprovar ou falsear o sistema por
meio dos testes aplicados. De forma sintética, o autor afirma ser a falseabilidade o
critério de demarcação e não a verificabilidade. Portanto, um sistema que não
admita refutação não será considerado um sistema científico empírico.
Abbagnano (2007, p. 140) delineia o conceito de “teoria da ciência” para
designar que “qualquer ciência possível tem um princípio fundamental que nela não
pode ser demonstrado, mas que já deve ter sido verificado antes dela”.
Para Demo (1995, p. 18, grifo do autor) “é sempre mais fácil dizer o que não
seria ciência. Simplificadamente, não são ciência a ideologia e o senso comum”.
O autor afirma que o critério de distinção do senso comum é o conhecimento
acrítico, imediatísta, crédulo. Porém, aponta que o bom-senso constitui o lado
positivo do senso comum, ainda que não se equipare ao conhecimento científico.
Entre as áreas que, de acordo com Armentina [200-?], expressam
perturbações epistemológicas causadas pelo problema da demarcação repousa a
psicanálise, uma teoria da mente que impede a realização de experimentos sujeitos
ao falseamento. Sobre isto Iannini (2007) responde que a pergunta propriamente
lacaniana não é “que condições a psicanálise deve satisfazer para se transformar
numa ciência?”, mas, ao contrário, “o que é uma ciência que inclua a psicanálise?”.
Gewandsznajder (1989) assinala que a homeopatia integra o grupo das áreas
à margem da ciência. Pois não apresenta comprovações que satisfaçam o critério de
demarcação da falseabilidade. De outro lado, alguns experimentos com
medicamentos homeopáticos poderiam satisfazer a lógica indutiva, já criticada por
Popper (1959), como critério de demarcação.
22
Parte da medicina, por vezes chamada de medicina pública ou social, leva em conta seriamente as questões sociais de seu acesso, bem como os condicionamentos psicológicos dos doentes. A geografia tende a adjetivar-se como econômica ou social, porque geralmente reluta em ser somente uma descritiva espacial (DEMO, 1987, p.14).
É evidente nas críticas do modelo científico vigente o interesse por estar
incluso nele. Assim, as práticas que não dispõem de um reconhecimento científico
optam por lançar acusações de “ismos” de forma a constranger o cientista, que, de
maneira geral, acaba por declinar de suas posições e fazer concessões. Nesse tipo
de argumentação as acusações como determinista, positivista, behaviorista, etc. são
tidos como ofensivas uma vez que parecem denotar uma defesa acrítica de uma
leitura de mundo qualquer e retiram o foco de discussões verdadeiramente
relevantes.
2.6 O método científico No tratado Novum Organum1, Bacon (1620) aponta um método que consiste
em estabelecer os graus de certeza, determinar o alcance exato dos sentidos e
rejeitar, na maior parte dos casos, o labor da mente. De acordo com Cozby (2003), a
essência do método científico consiste na insistência de que todas as proposições
sejam testadas pelos métodos científicos da observação e da experimentação.
Desta forma, uma abordagem verdadeiramente científica deve rejeitar a noção de
que se pode aceitar, por meio da fé, as declarações de qualquer autoridade, sendo
então provas necessárias para que se tire uma conclusão científica.
Perez (2007) acredita que o método científico é caracterizado por propor
ações que garantam a reprodutibilidade do experimento e utilizar a matemática para
a análise dos dados obtidos. Gewandsznajder (1989) ressalta que em ciência, tem-
se de admitir, sempre, que se pode estar errado ao lançar palpites. Por isso, é
fundamental que as hipóteses científicas sejam testadas experimentalmente. Andery
(2003) assume que o método científico é historicamente determinado e apenas
dessa forma pode ser compreendido.
1 É relevante o aforismo de Bacon “o verdadeiro saber é o saber pelas causas”, pois sugere que é necessário conhecer a matéria, a forma, a causa eficiente e a causa final. Este pensamento já fora defendido antes por Aristóteles.
23
2.6.1 Aristóteles (384-322 a. C.) Conforme aponta Abbagnano (2007, p. 136-137), a doutrina de ciência de
Aristóteles sustenta que:
[...] o objeto da ciência é necessário; por isso a ciência se distingue da opinião e não coincide com ela; se coincidisse, “estaríamos convencidos de que um mesmo objeto pode comportar-se diferentemente de como se comporta e estaríamos, ao mesmo tempo, convencidos de que não pode comportar-se diferentemente [...]”. Por isso, Aristóteles exclui que possa haver ciência do não necessário, ou seja da sensação e do acidental [...].
Segundo descreve Granger (1994), o primeiro nível do conhecer, fundamental
para Aristóteles, é a sensação, contato imediato com o mundo. Unida à memória,
rastro de sensações repetidas, ela constitui a experiência, que já associa num juízo
percepções individuais a uma imagem genérica. Assim, o contato imediato com o
mundo é fonte tanto da ciência como da arte. Idéia, segundo Losee (1979), mais
tarde, sustentada pelo filósofo inglês David Hume. Carvalho (2003, p. 424, grifo do
autor) defende que “o realismo gnoseológico de Aristóteles opõe-se à gnoseologia
idealista de Platão, faz avançar a reflexão e transforma a busca de respostas em
metodologia lógica designada dedução”.
Aristóteles encarava a investigação científica como uma progressão das
observações até os princípios gerais e daí de volta às observações. Insistiu que os
princípios primeiros das ciências fossem verdades evidentes (axiomas). Ele afirmava
que o cientista deveria induzir princípios exploratórios dos próprios fenômenos a
serem explicados, e em seguida deduzir afirmações sobre os fenômenos a partir de
premissas que incluem estes princípios. Lógica conhecida como silogismo (LOSEE,
1979, p. 15).
De acordo com Losee (1979), Aristóteles entendia a explicação científica
como uma transição do conhecimento de um fato ao conhecimento das razões para
o fato, creditando propositalidade nos fenômenos. Acreditava que toda explicação
científica de uma correlação ou processo deveria incluir um relato da sua causa final,
ou telos. Assumindo desta forma que a relação causa/efeito compõe a base da
explicação científica.
24
2.6.2 Euclides (300 a.C.) e Arquimedes (287-212 a. C.) Abbagnano (2007) infere que a obra “Elementos” de Euclides quis realizar a
matemática como ciência perfeitamente dedutiva, sem nenhum recurso à
experiência ou à indução. Como demonstra Losee (1979), é provável que o ideal da
sistematização dedutiva tenha sido alcançado na geometria de Euclides e na
estática de Arquimedes. Ambos formularam sistemas de declaração ricos em
axiomas, definições e teoremas. Atribui-se a Euclides a definição dos termos
“ângulo” e “triângulo”. Para demonstrar seus teoremas a partir dos axiomas, Euclides
e Arquimedes usaram o método da exaustão, que consiste em mostrar que todo
contrário possível de um teorema tem consequências inconsistentes com os
axiomas do sistema, e a técnica reductio ad absurdum, que prova um teorema T
supondo que “não T” é verdadeiro, e em seguida deduzindo de “não T” e dos
axiomas do sistema, a um tempo, uma afirmativa e a negação desta. Se duas
afirmativas contraditórias podem ser assim obtidas, e se os axiomas do sistema são
verdadeiros, então T deve ser verdadeira.
2.6.3 René Descartes (1596-1650) Abbagnano (2007) sustenta que Descartes queria organizar todo o saber
humano pelo modelo da aritmética e da geometria. De acordo com Losee (1979),
Descartes compartilhava do ideal arquimediano de uma hierarquia dedutiva de
proposições. Assim propôs o método conhecido como cartesianismo, o qual
dispunha de quatro pilares.
O primeiro era nunca admitir alguma coisa como verdadeira sem que a conhecesse evidentemente como tal. O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudesse e fosse preciso para melhor resolvê-las. O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me pouco a pouco, como que por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, supondo até certa ordem entre aqueles que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo de nada omitir (DESCARTES, 2006, p.31-32).
25
Para Granger (1994) as regras cartesianas pertencem, pelo menos no que diz
respeito às ciências da empiria, ao contexto de justificação, que está mais
relacionado com a validação dos enunciados científicos do que com sua descoberta.
Segundo consta em Losee (1979), a clara distinção entre o contexto de descoberta e
o contexto de justificação de que fala Granger (1994) ao referir-se ao método
cartesiano, é atribuída à John Herschel. Losee (1979) aponta como alvo de críticas à
Descartes a tentativa de deduzir as leis físicas básicas a partir de princípios
metafísicos2.
2.6.4 Karl Popper (1902 - 1994) Popper (2004) sugere que o conhecimento surge da tensão entre o
conhecimento e a ignorância.
Se é possível dizer que a ciência, ou o conhecimento, "começa" por algo, poder-se-ia dizer o seguinte: o conhecimento não começa de percepções ou observações ou de coleção de fatos ou números, porém, começa, mais propriamente, de problemas (POPPER, 2004, p. 14).
Segundo Popper (1959), um cientista formula enunciados ou sistemas de
enunciados e os testa um a um. O autor contesta a concepção de que as ciências
empíricas se caracterizam por empregarem métodos indutivos e ressalta que
qualquer conclusão obtida por meio da indução pode revelar-se falsa e conduzir à
incoerência lógica.
Popper (1959) defendeu o que chamou de “método dedutivo de prova” para
conduzir a investigação científica. A partir de uma idéia nova, podem-se tirar
conclusões por meio de dedução lógica. Segundo o referido método as teorias são
postas à prova e selecionadas conforme os resultados obtidos. O autor sugere que
para pôr uma teoria à prova, primeiramente, há de se testar a coerência interna do
sistema comparando, de forma lógica, as conclusões umas às outras. Em segundo
lugar, o autor defende que se deve determinar se a teoria apresenta o caráter de
uma teoria empírica ou científica, ou se é tautológica. Para tanto é preciso investigar
a forma lógica da teoria. A terceira forma de pôr a prova uma teoria é compará-la a
2 O famoso “Cogito ergo sum” de Descartes sugere a necessidade de se partir da presença do pensamento, não do mundo.
26
outras com o intuito de determinar se a teoria representa um avanço científico. Por
fim, Popper (1959) fala da comprovação de uma teoria por meio de aplicações
empíricas das conclusões que dela se possam deduzir.
Popper (1962, p. 285, tradução nossa) acredita que o marxismo pode ser
considerado um método e como tal, submetido à prova a fim de ser corroborado ou
refutado. Entretanto, aponta que Marx, ao considerar sua missão elevar o socialismo
utópico a científico, baseou-se no método científico de analisar causa e efeito, e na
predição científica. Como admitiu que a predição no campo social é idêntica à
profecia histórica, o socialismo científico deveria basear-se em um estudo das
causas e dos efeitos históricos, e na profecia de seu próprio advento.
Popper (1962, p. 287, tradução nossa) assegura:
Não há razão porque devamos acreditar que, de todas as ciências, as ciências sociais seja capaz de realizar o antigo sonho de revelação do que o futuro tem guardado para nós. Essa crença na adivinhação científica não se fundamenta somente do determinismo. Sua outra fundamentação é a confusão entre predição científica, como as que conhecemos da física e da astronomia, e profecia histórica de longo prazo, que prenuncia em amplas linhas as principais tendências do desenvolvimento futuro da sociedade. Essas duas formas de predição são muito diferentes [...], e o caráter científico da primeira não é argumento em favor do caráter científico da segunda.
Popper (1962) chama a atenção para os equívocos gerados quando se lança
mão do intercâmbio de conceitos como “predição científica” e “profecia histórica de
longo prazo”.
27
3 METODOLOGIA
3.1 Tipo de estudo O presente estudo faz uso da abordagem qualitativa por tratar de concepções
individuais de seres humanos. Assim, as informações obtidas são não quantificáveis.
De acordo com Figueiredo (2008), esse tipo de estudo produz grandes quantidades
de dados narrativos, dispensando grandes amostras. Além de qualitativo é
classificado como estudo exploratório, que, ainda de acordo com Figueiredo (2008),
gera maior familiaridade com o problema, ou seja, tem o intuito de torná-lo mais
explícito. Seu principal objetivo é o aprimoramento de idéias ou a descoberta de
intuições. Para Silva (2001, p. 20), na pesquisa qualitativa “o ambiente natural é a
fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave”.
3.2 Local do estudo Foram escolhidas inicialmente três instituições de Ensino Superior (IES)
situadas no município de Macapá-AP. A escolha por estas IES, em particular, se deu
pelo fato de possuírem o curso de graduação em enfermagem. As IES escolhidas
foram: a Fundação Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), cujo curso de
enfermagem foi fundado em março de 1991, tendo seu reconhecimento em agosto
de 1996; a Faculdade SEAMA, cuja graduação em enfermagem foi autorizada por
meio da portaria nº. 890 de 16 de novembro de 2006; e por fim, a Faculdade de
Macapá (FAMA), cujo reconhecimento do curso de graduação em enfermagem se
deu pela portaria nº. 1.190, de dezembro de 2006. Foram enviados ofícios para as
três instituições a fim de obter autorização para realizar o estudo em suas
dependências. Somente responderam ao pedido a UNIFAP e a FAMA. Sendo difícil
a permanência dos professores da FAMA na instituição fora do horário de aulas a
amostra foi restrita aos professores da UNIFAP.
28
3.3 População e amostragem
A população, cuja amostra é representativa, é de enfermeiros(as) graduados
e ligados à atividade de docência em IES. Por entender que o enfermeiro docente da
graduação é responsável pela formação da visão de enfermagem e de ciência dos
futuros enfermeiros adotou-se como critérios de inclusão na amostra: ter graduação
em enfermagem e estar vinculado ao ensino de graduação. Optou-se por não
delimitar o tamanho da amostra antes do começo do estudo em razão da
possibilidade de diversidade de representações, que seria melhor expresso pelo
critério de saturação. Assim, a coleta de dados encerrou quando as informações
obtidas se tornaram repetitivas, tendo assim alcançado a saturação, conforme
metodologia já empregada num estudo similar por Domingues e Chaves (2005). A
amostra foi composta por 11 profissionais vinculados à Fundação Universidade
Federal do Amapá – UNIFAP.
A Lei 7.498 de 1986 que regulamenta o exercício da enfermagem profissional
no Brasil afirma que exercem a enfermagem no país: o enfermeiro, a obstetriz, o
auxiliar de enfermagem, a parteira, e os técnicos de enfermagem. Assim, os
indivíduos em concordância com a Lei supra-citada são todos profissionais de
enfermagem. O presente estudo diz respeito estritamente ao profissional de
enfermagem que a exerce na qualidade de enfermeiro nos termos da Lei. A escolha
restritiva pressupõe que o enfermeiro é o profissional componente da equipe
possuidor de formação acadêmica e que, portanto, está mais familiarizado com a
discussão.
3.4 Coleta de dados Os dados foram coletados por meio de entrevista gravada com a devida
autorização dos participantes obedecendo a um roteiro de entrevista previamente
montado (Apêndice C). O instrumento foi submetido a teste tendo sido aplicado
primeiramente a estudantes do último ano que aceitaram participar da entrevista-
teste. Este teste visava estabelecer o grau de objetividade das perguntas de modo a
perceber se estavam formuladas de forma clara. Após a realização das entrevistas-
teste, foram avaliados os resultados com o intuito de verificar se as respostas
satisfariam o propósito das perguntas. Subsequente à correção de possíveis falhas
29
do instrumento de coleta de dados bem como o recebimento do parecer do Comitê
de Ética em Pesquisa, as entrevistas foram iniciadas com os sujeitos da pesquisa.
Foi encaminhado um ofício (Apêndice D) à coordenação de curso de cada
IES solicitando uma sala ou local reservado onde o entrevistado pudesse responder
às perguntas sem outras pessoas presentes que não o pesquisador e o próprio
respondente e sem ser interrompido. Os sujeitos foram contatados por telefone ou
pessoalmente na UNIFAP. Foram informados sobre o intuito da pesquisa e
convidados a participar.
A entrevista foi baseada em um roteiro de entrevistas que é um instrumento
norteador, porém flexível, podendo assim, ter a ordem das perguntas alterada de
acordo com o direcionamento das informações oriundas dos respondentes, bem
como outras perguntas inseridas de acordo com as necessidades de se enriquecer o
conteúdo. Precedendo a entrevista, foi aplicado aos participantes um questionário
semi-estruturado (Apêndice B) a fim de delinear o perfil da amostra bem como obter
dados do respondente que pudessem interferir nas respostas, como: titulação,
envolvimento com atividades de pesquisa, entre outros.
3.5 Análise dos dados As respostas obtidas foram decodificadas de áudio para texto digital,
comparadas entre si e, posteriormente, analisadas em paralelo com os achados da
literatura. O volume de dados brutos satisfez aproximadamente 4,7 horas de
gravação. As entrevistas tiveram duração média de 22,9 minutos. Para garantir o
anonimato dos participantes, cada respondente recebeu o cognome de (S), seguido
de um número que impossibilitasse a ambiguidade entre respostas durante a
análise. Assim, os participantes apareceram com as designações S01, S02, S03,
S04, etc.
Optou-se pela técnica de análise de conteúdo que segundo Franco (2005,
p.19) consiste em identificar, objetiva e sistematicamente, características específicas
da mensagem para fazer inferências. Para a autora, fazer inferências “pressupõe a
comparação dos dados, obtidos mediante discursos e símbolos, com os
pressupostos teóricos de diferentes concepções de mundo, de indivíduo e de
sociedade” (FRANCO, 2005, p.27-28). Assim, as respostas dos participantes foram
analisadas individualmente buscando a coerência interna entre as idéias geradas até
30
o fim da entrevista. Por exemplo, cruzando a resposta à pergunta “o que é o método
científico?” com a resposta à “a enfermagem faz uso dos métodos científicos? Em
que momentos? Como?”. Após a análise individual, as respostas foram agrupadas
por convergência de idéias. Assim, aquelas que apresentaram mesmo conteúdo ou
argumentação tautológica compuseram uma mesma categoria de respostas. Foram
então gerados domínios de informação e organizados sob forma de heredograma.
3.6 Aspectos éticos da pesquisa O presente estudo obedeceu à resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde que trata de pesquisas com seres humanos, uma vez que envolveu o manejo
de informações obtidas diretamente de fontes humanas. O projeto foi encaminhado
ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Fundação Universidade Federal do
Amapá, para apreciação. As entrevistas tiveram início, somente, após a emissão do
parecer (Anexo A) favorável do CEP. Cada entrevista foi precedida da leitura e
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A), na forma
de consentimento pós-informado, por parte do participante. Foi garantido ao
participante o anonimato bem como a decisão de abandonar a entrevista sem
qualquer ônus.
31
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Perfil da amostra
Foram entrevistados 11 enfermeiros(as), docentes da UNIFAP, com tempo de
formação variando entre 1984 a 2006. A distribuição do tempo de docência
considerado no ensino superior foi de 36,36% com menos de 10 anos de atuação e
de 63,63% entre 10 e 20 anos de atuação. Com relação à maior titulação 9,09%
possuía residência, a mesma quantia possuía outras modalidades de
especialização, 54,54% possuía mestrado, 18,18% possuía doutorado e 9,09%
possuía pós-doutorado. 27,27% dos entrevistados, além da docência, atuavam na
assistência hospitalar ou unidade básica de saúde, 36,36% atuavam em outros
serviços e os demais (36,36%) tinham como única atividade a docência. Somente
45,45% dos entrevistados possuíam alunos de iniciação científica, o que é explicado
pelas exigências de titulação mínima para o exercício de tal atividade. Embora
apenas 54,54% dos entrevistados estivessem vinculados a grupos de pesquisa
72,72% tinham alguma pesquisa em andamento.
Ao identificarem-se os objetivos das pesquisas em andamento realizadas
pelos entrevistados foi possível constatar que 37,50% das pesquisas tinham como
foco o atendimento ao diabético, apenas 12,50% tinham como foco a qualidade de
vida relacionada à reabilitação, a mesma quantidade tinha como foco questões
referentes à docência, prevenção, gerontologia e inovação. Assim, no que diz
respeito à pesquisa na enfermagem observa-se a ênfase na área assistencial.
4. 2 Análise das categorias
Foi possível gerar 12 domínios de representação sobre a relação
enfermagem/ciência e um total de 36 categorias dentro destes domínios. Um
heredograma com os domínios analíticos e suas respectivas categorias é
representado na figura 1.
Categorias
conceituais
de ciência
Ciência como corpo estruturado
de conhecimentos
Ciência como conhecimento
radicado no método
Ciência como conhecimento comprovado
Categorias
conceituais
de método
científico
Método científico
como instrumento de validação
do conhecimento
Método científico
como protocolo de
pesquisa
Categorias
distintivas de
descrição e
explicação
Distinção pela profundidade
Distinção por grau de
objetividade
Distinção causal ou
teleológica
Categorias
relacionais
entre
enfermagem
e ciência
Ciência em construção
Ciência categórica
Categorias
identificadoras
do método
científico na
enfermagem
Figura 1 Heredograma de Domínios e suas respectivas
Categoriasanalíticas
Categorias
identificadoras
do método
científico na
enfermagem
SAE como método
científico
Procedimento como método
científico
Lançamento de hipóteses
como método científico
Metodologia do ensino
como método científico
Categorias de
justificação
Justificação pelo método
Justificação pela inserção
acadêmica
Justificação pela busca ou produção do
conhedimento
Justificação pela
teorização
Justificação para a ciência em vias de se
fazer
Categorias de
valor
científico
Ciência como geradora de autonomia profissional
Ciência como promotora de auto-estima
Ciência como pré-requisito ao cuidado
eficiente
Ciência como norteadora do
progresso
Ciência com função social
Categorias de
valor da
enfermagem
Valor da contribuição
científica
Valor dos cuidados prestados
Valor do tempo de
permanência
Categorias
unificadoras
da ciência e
da
enfermagem
Inovação como
qualidade unificadora
Uso do produto da
ciência como qualidade
unificadora
Categorias
conceituais
Domínios e suas respectivas categorias analíticas
32
Categorias
conceituais
de cuidar
Cuidar como proporcionar
independência
Cuidar como prestar
assistência
Cuidar como vínculo afetivo
Categorias de
localização do
cuidar no
espaço
científico
Proximidade com as ciências
humanas
Centralidade do conceito
Categorias de
abordagem
científica do
cuidar
Abordagem através de
conhecimentos gerais
Abordagem através da
aplicação do método
33
4.2.1 Categorias conceituais de ciência
Conceituar ciência parece ser tarefa de tal maneira complicada que há quem
tenha dedicado toda uma obra a tal objetivo e chegara a concluir pela inexistência
de um conceito universal ou atemporal de ciência ou de método científico
(CHALMERS, 1982). Contudo, é preciso que haja, no mínimo, um delineamento
conceitual básico por parte de quem se propõe a fazê-la. Okasha (2002, p.1-2)
aponta as possibilidades de resposta à pergunta “o que é a ciência?” variando desde
a mera apresentação de atividades trivialmente chamadas ciência – como a física ou
a biologia, por exemplo – até a enumeração de características comuns que todas
estas atividades compartilham e que fazem delas ciência. Das entrevistas realizadas
surgiram três categorias conceituais de ciência que agrupam as falas, a saber:
ciência como um corpo estruturado de conhecimentos, ciência como conhecimento
comprovado e ciência como conhecimento radicado no método.
4.2.1.1 Ciência como corpo estruturado de conhecimentos
Esta categoria é composta pelas acepções de ciência que envolvem a busca
contínua por respostas, mas que não se relacionam diretamente com o contexto da
justificação. As representações expressas variam desde as formas mais simples,
como “[...] É conhecimento, desenvolvimento de conhecimento.”(S02) até formas
mais elaboradas como as seguintes:
“A ciência é a busca do conhecimento. Você sempre procurar investigar algo a mais pra que você fortaleça e enriqueça seus conhecimentos procurando sempre, dentro da essência da ciência, direcionar o seu objetivo.” (S10). “Um corpo de conhecimento que tem os seus postulados teóricos e suas bases filosóficas e que nos possibilita a compreensão de determinados acontecimentos, de determinados fenômenos. Uma explicação desses fenômenos.” (S06).
A relação entre a busca do conhecimento e a compreensão dos fenômenos
expressa em ambas às falas é um indicativo de alguma forma de finalidade da
ciência – buscar conhecer para explicar fenômenos. No entanto, ao enunciar que o
conhecimento da ciência é possuidor de postulados teóricos e bases filosóficas,
34
surge uma característica que nos permite reformular a finalidade expressa
anteriormente para – buscar conhecer para melhor explicar fenômenos. Ainda no
âmbito do buscar conhecer surgem formas que revelam a curiosidade inerente ao
ser humano como um elemento que o move em direção ao conhecimento elaborado
dos fenômenos.
“É o conhecimento. Você estar sempre em busca de respostas para aquelas perguntas que você faz. [...] Não é um conhecimento absoluto que a gente busca, mas pelo menos na tentativa de responder aquelas perguntas que você faz rotineiramente.” (S07).
É notória a preocupação em não demonstrar acordos com formas cabais de
conhecimento e assim assume-se uma postura de que o conhecimento científico é
uma verdade contingente. No entanto ocorre o entendimento de que quaisquer
perguntas rotineiramente feitas são de interesse da ciência, o que dá margem para a
compreensão de que perguntas de todas as naturezas são problemas genuinamente
científicos. Aqui é preciso distinguir entre questões científicas e questões que dizem
respeito estritamente ao senso-comum. Ao primeiro tipo de questão cabe descrever
e explicar fenômenos fazendo uso de critérios especificados e submetidos à
validação. Sua origem é a razão e, exatamente por isso, o conhecimento científico
não é uma tábua inquestionável, mas proposições sujeitas à revisão. Ao senso-
comum cabe usar a intuição para entender as coisas como aparentam e não
objetivamente como são.
4.2.1.2 Ciência como conhecimento radicado no método
É possível observar indícios da forma de conhecer os fenômenos em algumas
das definições nesta categoria. A ciência passa a ser definida com base na forma de
acessar o objeto, conforme segue:
“Corpo de conhecimentos que é formado por um conjunto de pesquisas que são feitas pra conhecer alguma coisa.” (S11). “É quando se pega algum conhecimento e procura se aprofundar. Cercando desde a sua origem e procurando realizar pesquisa em todo decorrer da evolução de determinado assunto [...] conhecimento profundo de algo, de alguma coisa.” (S04).
35
“Todo estudo que tem metodologia, que exige método, ou seja, uma metodologia científica com critérios.” (S08).
Fica claro que a forma de apreender o objeto ou conhecer o fenômeno de que
nos falam os entrevistados é a pesquisa científica e que o conhecimento deve ser o
mais completo possível a fim de gerar uma informação científica. McEwen e Wills
(2009, p.43) consideram que a enfermagem, em muitos aspectos, está indecisa
sobre que abordagem metodológica melhor demonstra sua essência e
exclusividade.
4.2.1.3 Ciência como conhecimento comprovado
Aqui se agrupam as falas que abordam mais diretamente a preocupação com
a confiabilidade e veracidade do conhecimento. Novamente, ocorrem definições
variando das formas mais simples e que não envolvem critérios definidos de
justificação como “É um corpo de conhecimento comprovado cientificamente.” (S05)
até formas mais instrumentais como:
“Um conjunto de técnicas e procedimentos que nós devemos estar aplicando em algum momento que a gente precise fazer a busca de comprovação de algum produto ou dado, característica de alguma determinada população ou determinada situação que envolva esse questionamento de comprobabilidade do que é aquilo que se quer alcançar.” (S09).
As representações sociais de ciência, por parte do enfermeiro(a), distinguem
o conhecimento científico do senso comum, conforme as falas a seguir.
“É o conhecimento convalidado [...] que seja cientificamente comprovado. Não podemos levar em consideração os achismos e sim aquilo que a gente consegue comprovar através de pesquisa principalmente.” (S03). “[...] um conhecimento que a gente vai construindo. E não é aquele conhecimento do dia-a-dia, aquele conhecimento rotineiro. [...] é um conhecimento que, na maioria das vezes, se chama de sistematizado. [...] que ele é experimentado, que ele é confirmado e que ele acaba gerando algo de... verdadeiro” (S01).
36
A acepção de ciência aqui é expressa como conhecimento sistematizado. Ao
que se observa é um conceito muito empregado na enfermagem. A ciência é vista
como um conhecimento oriundo da experimentação, portanto empírico, e que
precisa ser verificado devendo, ao final do processo, gerar aquilo que se conhece
como a realidade. A fala reticente sobre gerar algo verdadeiro é demonstrativa da
preocupação em estabelecer acordos com verdades cabais e irrevogáveis. Aqui
surge a separação entre o conhecimento científico e o senso comum.
“[...] Eles observavam o chão, cheiravam a terra, olhavam o galho das árvores, quebravam, viam como é que estavam. [...] e mostravam pros filhos. [...] Em relação a esse tipo de informação, eles já previam se o tempo ia ter chuva abundante ou se ia ter um tempo seco, sem chuva.” (S01).
Ao relatar as diferenças entre o conhecimento sistematizado, próprio da
ciência, e o senso comum introduz-se o conceito de previsão. A previsão, por vezes
confundida com predição científica, é uma característica do senso comum e é
gerada pela associação entre elementos observáveis da natureza. Conforme
salienta Chalmers (1982, p.34), uma visão indutivista probabilística assume que o
conhecimento científico não é conhecimento comprovado, mas provavelmente
verdadeiro. A crítica de Popper (1949, p.275-6) sugere a substituição de termos
como verificação ou comprovação por corroboração. Assim, quanto mais uma
hipótese resiste a testes severos mais ela demonstra sua qualidade.
4.2.2 Categorias conceituais de método científico
Definir o método científico parece ser outra tarefa árdua (CHALMERS, 1982),
mas possível. Possivelmente trata-se de uma empreitada menos laboriosa que a
definição da própria ciência. Geralmente há consenso a respeito dos passos
metodológicos para se desenvolver uma pesquisa científica de forma que o método
é frequentemente melhor compreendido do ponto de vista prático do que conceitual.
Isto pode levar à confusão entre metodologia da pesquisa e método científico. As
categorias geradas foram: método científico como instrumento de validação do
conhecimento e método científico como protocolo de pesquisa.
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4.2.2.1 Método científico como instrumento de validação do conhecimento
Conforme é apresentado na fala de S01 “A forma como eu vou chegar a
comprovar que algo é verdadeiro, que algo existe.”, por método científico,
compreendem-se os caminhos percorridos pela ciência a fim de demonstrar a
veracidade de um fato. Não obstante, o conhecimento gerado pela ciência é
concebido como a representação da realidade, daquilo que existe. Assim, o método
deve estar interessado no processo de validação de enunciados ou pressupostos.
“São critérios pra que sejam comprovados ou não. Métodos que podem ser experimentados, em que há rigor, que possam ser comprovados ou não.” (S08). “É quando você consegue apurar, em termos de precisão, algo não só empírico e principalmente quando você consegue uma comprovação de algo ” (S04).
O surgimento dos termos “apurar”, “precisão”, “rigor” e “comprovação” está
intimamente relacionado com a forma de apreender o método científico que deve,
segundo as definições postas, zelar por critérios de validação.
“É como se fossem as regras que a gente deve seguir para que aquilo que a gente ta pesquisando ou aquilo que a gente tá buscando de conhecimento seja realmente científico. Se a gente não seguir esse método não tem como ser validado, não tem como ter valor científico.” (S03).
Nesta definição o método é entendido como a regra que demarca o campo da
ciência. De forma que o valor científico do conhecimento encontra-se diretamente
relacionado ao rigoroso uso do método. Não está claro se as definições
apresentadas de valor científico têm relação com o valor, numa acepção mais geral,
do conhecimento de forma hierárquica.
4.2.2.2 Método científico como protocolo de pesquisa
Nesta categoria figuram as representações que definem método como
percurso investigativo ou envolvem definições instrumentais como “São as
ferramentas utilizadas pra atingir um objetivo.” (S05).
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“É como você vai direcionar, vai transcorrer essa sua pesquisa científica, seu trabalho científico, é esse percurso.” (S10). “É aquele que me direciona. O método é como se fosse o passo-a-passo de um caminho que eu trilho até chegar ao meu objetivo final de constatação, de comprovação ou de refutação daquilo que eu tenho em busca, do estudo ou de uma pesquisa que eu esteja trabalhando. Pra mim o método é o passo-a-passo que eu faço delimitado, direcionado que me ajuda a sistematizar, a organizar a idéia na busca do alcance de um objetivo.” (S09).
Os termos passo-a-passo, etapas, caminho definem o método como um
conjunto de etapas sucessivas que orientam o desenvolvimento da atividade
científica. Em S09 rememora-se a busca da constatação como critério de validação
e introduz-se o critério de refutação como adversativo. Assim, a decisão de
comprovar ou refutar uma hipótese se apresenta como uma questão de mera
escolha e não de uma velha contenda epistemológica.
“É o método que se utiliza para desenvolver uma pesquisa científica. geralmente a gente faz pesquisa, por exemplo, pesquisa no supermercado, pesquisa em diversas áreas pra saber, pra ter um conhecimento sobre alguma coisa. Geralmente é utilizado o senso comum pra isso e a gente vai pra uma informação “x” ou “y” que a gente pergunta pra conhecer. É uma ferramenta que ajuda na organização e planejamento de uma pesquisa.” (S11). “São etapas, os passos que você dá para desenvolver propriamente uma investigação, para desenvolver uma pesquisa, para você poder divulgar, para você poder recriar [...]. São etapas organizadas, sistematizadas.”(S02). “É aquele método que te proporciona chegar a um resultado. [...] É aquele método que você trabalha de forma sistematizada tentando alcançar um objetivo, um resultado.” (S06). “Os passos de organização desses conhecimentos para você ir em busca dessas respostas [...] O método científico obedece uma sequência de passos metodológicos.” (S07).
O conceito de etapas organizadas e sistematização oferecem uma tentativa
de aproximação do fazer prático do enfermeiro com as etapas do desenvolvimento
de uma pesquisa. De maneira mais geral, esta representação admite como
conceitos intercambiáveis as fases da administração, da pesquisa científica e do
processo de enfermagem.
39
Conforme o expresso, o método é uma forma de orientação para o percurso
investigativo. Importante salientar a introdução do termo “recriar”, pois uma
característica do método é justamente sua reprodutibilidade.
4.2.3 Categorias distintivas de descrição e explicação
A atividade desempenhada pelo cientista visa compreender a natureza. Ao
utilizar-se de estratégias específicas para fazê-lo pode-se indagar se o cientista, de
fato, explica ou descreve os fenômenos (WEINBERG, 2001). Embora com muitas
dificuldades para esclarecer as razões, houve, entre os entrevistados, consenso
sobre os conceitos de descrição e explicação serem essencialmente distintos e,
assim, foram geradas três categorias distintivas, a saber: distinção pela
profundidade, distinção por grau de objetividade e distinção causal ou teleológica.
4.2.3.1 Distinção pela profundidade
“Descrever é mais pontual, é uma coisa mais sucinta e explicação é você explicar em detalhes.” (S05). “São [...] diferentes. Descrever: Eu posso olhar pra esta caneta aqui e, simplesmente, descrever – a caneta, ela é fina, ela é preta, [...] estou descrevendo as características dela. Agora, explicar: Eu vou muito mais profundo nessas características.” (S01).
A distinção entre descrever e explicar parece ter limites tênues, se é que há
tal limite. Conforme a representação conceitual expressa nas falas acima, a
distinção se faz por meio do aprofundamento descritivo. Descrever processos
significa então apresentar as características do que se observa, enquanto explicar
parece ser mais uma descrição de níveis mais finos do objeto, ou seja, maiores
detalhes são exigidos. Em síntese ambos são considerados processos descritivos,
portanto implica uma contradição interna nesta categoria.
Observa-se que, embora as representações aqui expostas expressem a
explicação e a descrição como conceitos diferentes, de forma que a descrição se
aplica no nível macro ao passo que explicação se aplica ao nível micro, a definição
acaba por ser a mesma. Portanto, não há distinção real dos conceitos, mas antes
equívocos lógicos que de muitas formas oferecem prejuízo à compreensão.
40
4.2.3.2 Distinção por grau de objetividade
“A explicação você tá [...] explicando alguma coisa detalhadamente, com o seu conhecimento. Aquilo que você entende sobre determinada coisa que você vai explicar. Eu penso que a descrição [...] você tá descrevendo alguma coisa que pode não ser o seu entendimento daquilo [...] fazendo uma descrição que não seja seu pensamento a rigor.” (S08).
Parte-se do pré-suposto de que há uma realidade objetiva e independente da
interpretação pessoal e esta pode ser descrita, enquanto a realidade das
representações é objeto de interpretação e, assim, pode ser explicada. Na
representação acima o uso do conhecimento é necessário àquilo que se pretende
explicar ipso facto a possibilidade de conhecer não é contingente, mas necessária.
“[...] descrever é detalhar um aspecto tal qual você olha ele. Explicar é [...] uma minúcia ao querer falar e interpretar a respeito daquilo que você descreve” (S02). “Eu acho que eles são bem parecidos. Acaba que quando você descreve algo, você acaba caracterizando, de uma maneira geral, aquilo que você tá pretendendo descrever. Quando você tá explicando, na explicação você precisa descrever, muitas vezes. Talvez a explicação seja diferente porque você pode tá utilizando diversas maneiras, ou você pode tá utilizando recursos pra você explicar que você às vezes não consegue fazer na descrição.” (S03). “Acho que a descrição pode ser algo mais técnico e quando se explica você pode explicar de diferentes formas. Depende do teu interlocutor você pode usar algumas técnicas pra fazer o entendimento de algo e a descrição é algo mais sucinto, mais minucioso, com mais detalhes.” (S04).
Ocorre a apresentação do detalhamento no processo descritivo e, novamente,
da interpretação como característica da explicação. Sugere-se que durante o
processo explicativo seja possível lançar mão de variadas ferramentas ou métodos
para possibilitar o entendimento de um fenômeno. Nesta categoria, diferente da
anterior, ocorre uma distinção conceitual verdadeira entre descrição e explicação. Ao
apontar como meio de distinção a possibilidade de interpretar a realidade pode-se
supor a existência de graus de objetividade, de forma que quanto mais objetivo é um
fenômeno menor é a possibilidade de interpretá-lo e ele será, por conseguinte,
menos subjetivo. Por fim, quanto menos subjetivo é o fenômeno menor será a
possibilidade de explicá-lo, sendo então possível apenas descrevê-lo.
41
“Descrever algo é quando [...] tenta desvendar algum detalhamento, alguma coisa que aparentemente esteja oculta, [...] buscar detalhes, levantar situação. A explicação nem sempre pode com essa riqueza da descrição.” (S06). “Você descreve aquilo que você vê, então tá no teu campo visual. Já na explicação, não tá no seu campo visual, mas você vai tentar dar sua interpretação pra você explicar algum tema, algum assunto.” (S07).
Um elemento singular que surge da fala de S06 é a descrição como uma
forma de esclarecimento de algo que estaria oculto. Este aspecto é apontado em
S07 de maneira diferente quando declara a possibilidade de descrever apenas
aquilo que se apresenta no campo visual enquanto à explicação é dado interpretar
aquilo que não está no campo visual, portanto o oculto.
Pode-se representar um fenômeno que se deseje explicar ou descrever como
sendo um conjunto contendo elementos com determinadas propriedades. Do ponto
de vista lógico-conceitual a descrição é diferente da simples enumeração, de forma
que é possível enumerar os elementos de um conjunto se ele é pequeno o suficiente
para listar seus componentes ou se apresenta certos laços de regularidade entre os
elementos. Para apresentar uma descrição é preciso que haja propriedades comuns
aos elementos do conjunto. Assim, uma propriedade determina um conjunto
(MORTARI, 2001, p.43-44) e, portanto, um fenômeno. Como consequência da
extensão dos elementos ocorre que:
Por exemplo, seja A o conjunto dos triângulos equiláteros e B o conjunto dos triângulos equiângulos: A e B são o mesmo conjunto, uma vez que um triângulo é equilátero se e somente se for equiângulo (MORTARI, 2001, p.46).
Ocorre que A e B são representações diferentes da mesma realidade ou um
único fenômeno descrito de maneiras distintas. É importante notar que, embora a
extensão demonstre se tratar do mesmo conjunto, a intenção dos termos é diferente.
O que se pretende é demonstrar que a realidade pode sim ser representada de
formas diversas, mas tal possibilidade não muda o fato de que ela é objetiva. Esta
análise é congruente com a tese de Popper (1978) sobre os três mundos, na qual
demonstra a primazia da epistemologia sem um sujeito conhecedor ante a
epistemologia com um sujeito conhecedor (DA SILVA, 2007).
42
4.2.3.3 Distinção causal ou teleológica
A acepção de que, no universo, tudo o que ocorre é precedido por uma causa
encontra abrigo a luz de duas argumentações importantes. A primeira é do
indutivista John Stuart Mill (1806-1873), que segundo explicam Sarkar e Pfeifer
(2006) sugere que para todo fenômeno existe algum conjunto de circunstâncias
antecedentes às quais este fenômeno é invariável e incondicionalmente
consequente. A segunda é de origem cosmológica e amplamente conhecida como
Kalam. Esta proposição sugere que se (1) tudo o que começa a existir tem uma
causa e (2) o universo começou a existir então (3) o universo tem uma causa. Esta é
uma das mais fortes argumentações em favor da sustentação das relações causais
no mundo natural.
A estrutura de silogismo presente no argumento Kalam revela em si mesma
uma poderosa arma em sua defesa. A origem grega do συλλογισµός (silogismos) é
traduzida por “razão”. A razão, por sua vez, é convenientemente exercida através da
lógica, que conforme Haack (2002, p.304) é presumivelmente necessária e,
portanto, o falibilismo não se aplica a ela.
“Eu acho que explicar vai além do descrever [...] eu posso descrever uma determinada situação, determinado resultado. Agora a minha explicação favorece o entendimento da minha descrição. Porque às vezes a gente descreve e mesmo que entenda, mas às vezes as pessoas buscam “mas por que foi isso, como foi isso aqui que aconteceu?” então uma descrição bem feita favorece o método explicativo, mas eu vejo que a explicação complementa a descrição.” (S09). “[...] Na explicação eu já posso mostrar um pouco mais o porquê disso ocorrer diante desse fator desencadeante ou fator precipitante.” (S10).
A representação revela a discussão epistemológica sobre a lei de causa e
efeito na qual os fenômenos guardam, entre si, relações de sucessão no
tempo/espaço e, portanto, relações causais. Assim, sugere que o cientista deva
estar em busca de causas, e não de correlações, para os fenômenos que investiga.
“Eu acho que é diferente, eu acho que descrever, você descreve aquilo que você observa, [...] você descreve um fenômeno determinado, como é que ele tá acontecendo. Agora a explicação desse fenômeno é o porquê ele acontece. Quando você descreve
43
você não necessariamente coloca porque aquilo tá acontecendo. Então eu vejo a descrição como o relato daquilo que está acontecendo e a explicação é buscar justificativas de porque aquilo tá acontecendo.” (S11).
Em S11 a representação sugere que a descrição é possível para fenômenos
observáveis enquanto à explicação cabe a tarefa de justificá-los. O termo justificação
pode não estar tão diretamente ligado à causa, mas a um propósito3. A pergunta em
S09 “mas por que foi isso, como foi isso aqui que aconteceu?” pode não estar em
busca de uma causa, mas antes de um propósito que justifique o ocorrido ou causa
final. Assim pode-se reformular sem prejuízo ao entendimento a pergunta “por que
isso ocorreu?” para “qual o objetivo do ocorrido?”. O problema com esta forma de
representação é que, verdadeiramente, não há propósito definido nos fenômenos
naturais como pode haver nas relações sociais. Portanto, toda tentativa de oferecer
explicações teleológicas aos fenômenos do mundo natural deve revelar-se falsa.
Neste universo – fechado para causas externas – os fenômenos devem
guardar relações entre si. A natureza causal dessas relações é tida como certa por
grande parte dos filósofos e cientistas. No entanto, a despeito do argumento ex
nihilo nihil4, há que se considerar a possibilidade real de eventos sem causa
determinada, tendo estes últimos uma relação associativa com os demais eventos e
não verdadeiramente causal. Por correlação entende-se:
[...] a ligação de dois fenômenos tais que um varia em função do outro, porque existe um elo de causalidade real entre alguns dos seus elementos, ou porque eles dependem de causas comuns (LALANDE, 1996, p.214).
Esta inferência sustenta-se nas bases da mecânica quântica que demonstra
a completa ausência de causa para uma mudança de órbita de um elétron de um
nível mais energético para um de menor energia5.
3 Aqui é preciso distinguir entre o significado dos termos causa eficiente, que diz respeito ao evento antecedente e responsável pelo efeito ou consequência, e causa final, que está relacionada à finalidade ou propósito declarado ou não do evento em questão. 4 A expressão em latim “do nada, nada” sugere a impossibilidade da ocorrência de um evento sem seu precedente. 5 Embora as decisões da Convenção de Copenhagen estejam inconclusas deve-se supor que, por hora, são as
melhores entre as evidências disponíveis. Cf. PERES, A. Karl Popper and the Copenhagen interpretation.
arXiv:quant-ph/9910078 v1, 18 Oct 1999. São apontados pontos de conflito da mecânica quântica com base no
experimento de Popper.
44
4.2.4 Categorias relacionais entre enfermagem e ciência
Foram identificadas duas categorias relacionais. A primeira – ciência em
construção – expressa avanços da enfermagem, bem como os problemas
enfrentados a fim de consolidar-se como ciência enquanto a segunda categoria –
ciência categórica – expressa a representação de que a enfermagem já se
consolidou como ciência e a discussão encontra-se estacionada no campo do
convencimento, mais do que no campo epistemológico.
4.2.4.1 Ciência em construção
Nesta categoria as representações apontam questões que tem imposto fortes
barreiras ao desenvolvimento da enfermagem. Conforme é apontado na
representação de S10, a enfermagem tem trilhado um caminho seguro em busca do
conhecimento, sendo o único fator responsável pelo retardamento a ausência de
publicações de trabalhos científicos.
“Nessa busca de conhecimento você vê a enfermagem evoluindo [...] hoje a gente vê muito nos congressos brasileiros muitos trabalhos científicos buscando essa melhora, habilidades científicas em profissionais, você ter melhor condição de cuidar. [...] o que falta mais é a publicação de trabalhos.” (S10).
Conforme aponta Silva et al. (2009), o atual sistema de publicação favorece
as produções positivistas e atua em flagrante desfavor das ciências humanas ou de
quem se aproxime delas. O fortalecimento da enfermagem no que diz respeito às
pesquisas, conforme sugerido por S10, é evidenciado no editorial de Egry (2011)
para a Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn) na qual descreve o sucesso do
16º Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem e declara que a enfermagem
tanto sofre a influência quanto influencia outras ciências e disciplinas.
“Eu acho que o maior problema é que dentro da área de enfermagem não existe uma cultura de fazer pesquisa, de gerar um corpo de conhecimentos novos pra dar sustento à profissão [...] Eu vejo que o currículo ele tá muito voltado pra parte tecnicista, de procedimento, do cuidado, mais pra essa parte técnica mesmo.” (S11).
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Esta visão é aprofundada em S11 ao perceber a enfermagem carente de
dedicação para a realização de pesquisas em razão da formação curricular voltada
para a cultura técnica e instrumental do enfermeiro. Conforme relatório de avaliação
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no
triênio 2004-2006 fora publicado um total de 3563 artigos em 373 periódicos e no
triênio 2007-2009 foram publicados 5194 artigos e um total de 6318 autorias em um
total de 595 periódicos. O que sugere um número crescente de publicações
especializadas. No entanto, logo aparece a limitação referente às pesquisas clínicas
conforme é apontado por S04 ao inferir que a pesquisa é restrita ao ambiente
acadêmico.
“Dentro das escolas, dentro da academia se faz pesquisa e se tenta estimular o aluno a fazer pesquisa [...].” (S04).
“A enfermagem é um caso que vem sendo discutido durante muitos anos porque, devido à história da criação da enfermagem, ela ainda não é considerada uma profissão em muitos lugares, em alguns lugares do mundo ela ainda é considerada uma disciplina. Por quê? Porque ainda não existe um corpo de conhecimento sólido que justifique ou que dê sustento a essa profissão. [...] Então ela usa a teoria, por exemplo, da Orem que ela é baseada em outras teorias das ciências sociais, das ciências filosóficas. Então isso que ainda não tá muito claro um corpo de conhecimento definido.” (S11).
Surge na declaração acima uma questão que evolve múltiplas facetas. Esta é
a discussão da enfermagem como disciplina, profissão ou trabalho. Conforme
aponta Pires (2009) a enfermagem se caracteriza como profissão da área da saúde,
disciplina do campo da ciência que estuda o cuidado humano e que se materializa
como trabalho exercido em sociedades históricas. Kuchi e Simmons (1994, p.19)
compreendem a filosofia da enfermagem como um conjunto de reivindicações
éticas, epistemológicas e ontológicas que identifica as unidades básicas da
disciplina. Duas dessas unidades são a natureza do ser humano e o foco da prática
de enfermagem.
Sugere-se que a enfermagem, por razões históricas, não atingiu um padrão
homogêneo de compreensão ou mesmo de ação. De alguma forma as razões
históricas mencionadas interferiram e ainda interferem no desenvolvimento do
conhecimento fundamental da enfermagem. Este é um fato que se apresenta muito
além da mera opinião, o que pode ser constatado nas iniciativas de instituições
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tradicionais de ensino superior como a Universidade de São Paulo (USP) em
estabelecer o programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental a fim de
superar problemas históricos. Conforme sugere Carvalho (2003b), a enfermagem
fundamental seria a área mais apropriada para estudos teóricos e práticos que
visem à produção de dissertações e teses.
Outro aspecto que se mostra importante para o desenvolvimento é a
valorização dos teóricos da enfermagem. Na declaração de S09 “a relação da
enfermagem com a ciência é muito clara, ela ainda não se firmou enquanto ciência
porque precisa que a enfermagem valorize seus teóricos.” sugere-se que o
profissional ao não fazer uso das teorias não percebe as nuances entre ciência e
seu fazer prático. Tal fato é confirmado na declaração de S03.
“Às vezes a gente estuda, você vê isso na graduação, mas você não vê isso aplicado na sua prática. Portanto fica dissociado o conhecimento científico do que você faz. ” (S03). “A nossa ciência ainda é muito importada, os nossos melhores livros [...] não são brasileiros são todos norte-americanos, a maioria deles. A gente ainda tem muito a idéia de que o que eles fazem a gente deve reproduzir na íntegra aqui.” (S03).
Além da dissociação entre teoria e fazer prático, S03 sugere que o fato de a
enfermagem brasileira não ter teóricos próprios configura-se como um impeditivo
para avanços, considerando o desenvolvimento dependente de especificidades
regionais. A implicação lógica desta afirmação leva a crer que seria necessária a
existência de teóricos de uma determinada área do conhecimento em cada país
para que a área em questão fosse reconhecida como ciência.
“Eu ainda não consigo ver todos os enfermeiros nem todos os futuros enfermeiros com essa visão de que o que o enfermeiro faz realmente é ciência. Porque ainda há esse pensamento de subordinação muito forte em alguns profissionais, nessa questão da limitação de que “eu não posso fazer isso” ou “eu tenho que ir até aqui”. Eu acho que pela fragilidade do próprio ensino [...]. Eu vejo nos meus alunos, não em todos, mas na maioria, a busca pela enfermagem não como profissão, não como algo que eles quiseram, mas como uma porta de emprego que por enquanto ainda ta fácil de ser aberta. Então não tem tanta dedicação nesse sentido de você conseguir avançar na ciência.” (S03).
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Outros dois aspectos limitantes mencionados foram a fragilidade da formação
levando a problemas referentes à autonomia profissional e a ausência de
comprometimento com o desenvolvimento da enfermagem por parte dos estudantes
uma vez que muitos vêem a profissão como segunda opção ou como um caminho
curto para o mercado de trabalho.
“A própria história da enfermagem, ela não é construída dentro da questão científica, dentro da necessidade científica da enfermagem. [...] A história da enfermagem na universidade, ela se constrói, também, numa base científica ainda, assim, muito pobre. [...] A gente fica sempre nessa interrogação: a enfermagem, ela está como uma profissão de investigação, se aproximando da cientificidade, ou não? [...] Pela história da enfermagem nós custamos a perceber a necessidade da investigação científica.” (S01).
Em última análise, a enfermagem deve muito de seu atraso histórico às
questões políticas e sociais, por ter reproduzido em seu interior o modelo de divisão
do trabalho vigente acabou por levar à burocratização do profissional de nível
superior e ao mecanicismo do profissional de nível médio. Conforme expressa S07,
a sobrecarga de trabalho impossibilita o enfermeiro de sistematizar o seu fazer.
“[...] o enfermeiro faz de tudo um pouco. Às vezes o enfermeiro tem que resolver questões administrativas, burocráticas além de prestar assistência ao paciente. [...] no cotidiano, a gente percebe que o enfermeiro assume muitas atividades e não se preocupa, muitas vezes, com a questão mais científica. E se justifica pela questão da demanda de atividades. Mas eu vejo que se a gente for fazer o cuidado que tem que ser feito, baseado em teorias, num passo a passo, num planejamento desse cuidado [...] então eu vejo que isso é embasado na ciência.” (S07).
As questões políticas e sociais ainda configuram um sério impeditivo para o
desenvolvimento desejado da enfermagem. São, portanto, elementos muito maiores
que a disposição do enfermeiro para a mudança.
4.2.4.2 Ciência categórica
“Na história da enfermagem a gente já avançou nessa questão de uma atividade ser executada por profissionais leigos que não tinham nenhuma formação. Hoje a gente já tem essa sistematização bem detalhada no nosso fazer. Muitas vezes o profissional ele não se percebe que tá fazendo a atividade baseado em teoria.” (S07).
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Percebido de outra maneira, o fazer prático do enfermeiro, conforme S07, não
está dissociado de fundamentos teóricos, de forma que o profissional, ainda que de
maneira inconsciente, desenvolveria “atividade baseada em teoria”. O que não está
claro é se tal atividade se configuraria como ciência na declaração apresentada. É
importante destacar que ainda que o profissional execute, de maneira inconsciente,
sua atividade baseada em evidências ou teorias conforme lhe é ensinado na
graduação tais atividades rapidamente tornam-se obsoletas em razão das
constantes investigações realizadas e caso o profissional não acompanhe os
resultados de pesquisas recentes esta não mais terá sua prática baseada em
evidências ou nas melhores evidências disponíveis.
“A relação enquanto ciência existe, porque senão ela já teria sucumbido há muito tempo, não teria se firmado enquanto disciplina e não estaria num patamar de nível superior.” (S09).
Em S09 ocorre a defesa de que a enfermagem está relacionada com a
ciência uma vez que se sustenta como disciplina e figura nas bancadas da educação
superior.
“Eu vejo que a enfermagem ainda tem uma resistência no entendimento pra que as pessoas consigam enquadrar como ciência. Ainda fica aquele questionamento se, realmente, a profissão enfermagem é ciência, ainda não existe um convencimento.” (S08). “Não tem diferença entre a enfermagem e a ciência em geral, porque enfermagem é uma ciência. Uma ciência fundamentada em conhecimentos e práticas que abrange diversos aspectos.” (S05).
Em S08 a enfermagem é concebida como uma ciência e a discussão deve
figurar no campo do convencimento, pois por alguma razão o profissional mantém
resistência em aceitar o enquadramento científico da enfermagem. Em S05 ocorre a
mesma visão, embora sem apresentar as devidas justificações para a categorização.
“Ainda hoje a gente questiona se, de fato, a enfermagem é uma ciência, e eu particularmente acredito que no grau de evolução que o corpo de conhecimento chegou eu também sou favorável de que a enfermagem é uma ciência. A exemplo das outras, portanto suas bases filosóficas, seus postulados, a questão dos resultados e tudo o mais.” (S06).
49
Ocorre a avaliação dos avanços obtidos na enfermagem e a defesa de que
esta sustenta bases filosóficas, postulados e obtém resultados sendo, portanto, uma
ciência.
“Eu não consigo separar uma coisa da outra. [...] A ciência da enfermagem é o cuidar, mas o cuidar ele não tá restrito só à enfermagem. O cuidar [...] está dentro de todos os serviços, todas as profissões” (S01).
Em S01 sugere-se que todos os profissionais executam o cuidar. Assim o
objeto de estudos da enfermagem parece ser algo coletivo. Na caracterização da
presença do cuidar enquanto prática em todas as profissões S01, provavelmente,
refere-se aos serviços de saúde.
“Se eu entendo que a ciência é a busca do conhecimento, eu vejo que a enfermagem tem o conhecimento próprio, tem o seu objeto de atuação que, na verdade, é o cuidar. Quando eu digo que todo mundo cuida, mas ninguém cuida como o enfermeiro. Porque o enfermeiro tem que ter esse conhecimento científico embasado em teorias, em fatos, em generalizações que podem mudar posteriormente ou não. Mas o seu modo de fazer é diferenciado.” (S07). “Embora [...] eu escute alguns colegas de outras profissões dizer que a enfermagem se usa de muitos modelos de outras ciências, eu penso que as ciências hoje humana, exata, cada uma tem seu objeto de estudo. Quando se coloca o objeto de estudo da enfermagem, do cuidar, as pessoas dizem – cuidar todo mundo cuida – , mas não cuida igual ao enfermeiro, com princípios científicos.” (S09).
É sugerido que a enfermagem possui um corpo próprio de conhecimento e
que se dedica à abordagem de um objeto, qual seja o cuidar. Este cuidar se
diferencia do cuidar de outros sujeitos que não o enfermeiro, sendo, portanto, um
cuidado de enfermagem. Por sua vez, o cuidado de enfermagem é baseado em
teorias, fatos, generalizações ou princípios científicos. A preocupação de S09 com o
argumento de outros profissionais sobre o uso de modelos externos à enfermagem
para explicar seus fenômenos também parece ser uma contenda interna da
enfermagem quando consideradas declarações como as de S11 na categoria
ciência em construção.
Uma análise do objeto das atividades que se destacam como ciência
estruturada revela que o objeto é frequentemente o substantivo. O substantivo, que
50
sozinho designa a substância, é o nome que nos remete a uma imagem mental
imediata. Em alguns casos o substantivo é abstrato e não gera imagens tão
facilmente, mas conduz às associações. Assim, o que é objeto de ciência é a
natureza, a mente, a vida, etc. enquanto a enfermagem reivindica o verbo como
objeto de ciência. O verbo é a ação, o fazer prático, e aponta para o movimento, o
“agir sobre” algo. Esta é outra dificuldade encontrada no delineamento de um objeto
satisfatório.
“Eu não saberia te dizer até que ponto a ciência-enfermagem teria um grau de importância nas demais ciências, mas eu te diria que as demais são extremamente importantes no fortalecimento da ciência-enfermagem. [...] Apesar de ter seus princípios doutrinários e todos os seus postulados, tudo já definido e tudo mais, mas ela não caminha só. A todo momento ela tem que tá buscando, pegando um pouquinho ali e acolá das outras ciências pra tá fortalecendo e até explicando os fenômenos que acontecem dentro da sua rotina diária.” (S06).
Outro aspecto importante, revelado em S06, é a relação entre a enfermagem
e os demais campos do conhecimento. Reconhece-se que o conhecimento
produzido pelas diversas áreas é fundamental para a enfermagem. Esta é uma
forma de representação que revela a impossibilidade do desenvolvimento de
qualquer ciência de maneira isolada. Assim, embora seja necessário pedir licença
para adentrar nos domínios da física ou da biologia a fim de obter algo de seus
conhecimentos para nos fortalecer é preciso ter cuidado com os exageros e
extrapolações. A declaração de S06 revela a ausência de dados que demonstrem a
relevância do conhecimento produzido pela enfermagem para as demais áreas do
conhecimento.
Em suma, observa-se a ausência de elementos que permitam distinguir
enfermagem de ciência, o que é congruente com a representação de ciência
expressa enquanto conhecimento sistematizado. Conforme este entendimento
qualquer área ou disciplina que satisfaça tal condição de sistematização seria
indistinguível da ciência.
“A abrangência da enfermagem vai muito além do cuidar [...]. A relação interpessoal é uma relação científica, a enfermagem vai neste caminho. [...] é uma coisa complicada porque [...] as ciências sociais, na sua grande maioria das vezes não são consideradas
51
como ciências, [...] mas eu ainda acho muito difícil você conseguir separar relação social de ciência.” (S01).
O problema apresentado por S01 não é recente. Segundo Cole (1994, p.133-
134), no que diz respeito ao conhecimento dos limites de pesquisa, não há
diferenças significantes na maneira em que as ciências naturais e as ciências sociais
procedem. O problema com campos como a sociologia é que eles têm virtualmente
nenhum conhecimento de núcleo. Conforme sugere, há um número relativamente
pequeno de textos introdutórios na física, por exemplo, e uma infinidade de textos
introdutórios na sociologia, sendo as referências desta última recentes quando
comparadas as da física. Ainda abordando o problema sugere que, os temas da
física tem grande abrangência enquanto os da sociologia são pouco abrangentes e
tendo os textos da física usado as mesmas matérias que há 20 anos, em detrimento
da sociologia que segue com mudanças substanciais nos últimos 20 anos, sugere
que a física assim o é por que seus conhecimentos se referem ao núcleo enquanto
os da sociologia se referem aos limites de pesquisa.
De outro lado, conforme Collins (1989, p.124), estamos localizados no mundo
do discurso; a própria sociedade é um tipo de texto que pode ser lido de diferentes
maneiras em diferentes tempos. A atividade nuclear que dá ao campo da sociologia
sua justificação intelectual é a formulação de princípios explicativos generalizados,
organizados no interior de modelos de processos subjacentes que geram o mundo
social.
4.2.5 Categorias identificadoras do método científico na enfermagem
A relação entre o método científico e o momento de seu uso na prática do
enfermeiro foi extraída da indagação sobre em quais momentos a enfermagem faz
uso do método científico e como isso ocorre. Assim, foram geradas as seguintes
categorias que representam o momento do método científico na enfermagem:
Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) como método científico,
procedimento como método científico, lançamento de hipóteses como método
científico e metodologia do ensino como método científico. Com o propósito de
introduzir as categorias seguintes, S11 apresenta o problema conforme segue:
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“O problema é que quando a gente fala de método científico, pelo enfermeiro não ter sido formado nessa concepção ele acha que é o “bicho papão”. Primeiro porque ele não conhece e segundo porque ele não visualiza como é que isso é implementado no seu dia-a-dia.” (S11).
4.2.5.1 SAE como Método Científico
Esta categoria compreende a representação de que, ao desenvolver a SAE, o
enfermeiro está fazendo uso do método científico.
“A própria Sistematização de Enfermagem, porque existe todo um processo, uma técnica de coleta de dados pra se chegar num diagnóstico, um cuidado que é baseado em problema. ” (S08).
“Todas as vezes que nós aplicamos a sistematização nós trabalhamos com o método científico, nós trabalhamos com etapas; quando eu preconizo a implementação de um cuidado a partir de uma informação e eu tenho um resultado a alcançar lá na frente, eu to aplicando o método científico; quando eu vejo se aquilo deu certo ou se deu errado eu to aplicando um método.” (S06).
Embora a SAE seja considerada a melhor aproximação do fazer prático da
enfermagem com os passos do método científico (DE BARROS; LOPES, 2010, p.63)
ela parece representar mais um protocolo para atendimentos que um método da
ciência propriamente dita. Conforme expressa S06 é por meio dela que se planeja,
executa e avalia resultados do processo de cuidar. Contudo, como já fora
mencionado, a prática não está dissociada da teoria e assim S02 sugere que a não
implementação da SAE torna a discussão improlífica, uma vez que somente se
sistematiza na academia.
“Se tenta que sim na graduação com os alunos, [...]. Aplicar propriamente o método científico é a meta que nós queremos atingir com a pós-graduação [...]. Lamentavelmente não existe um método científico propriamente [...] a sistematização da assistência de enfermagem não é implantada na área assistencial.” (S02). “Na docência a gente faz isso. E a gente consegue fazer muitas vezes isso bem feito. [...] na prática a gente não consegue fazer isso. [...] Quando a gente tentava fazer algo mais científico, mais pautados nos conhecimentos realmente, tentar sistematizar ou tentar integrar o conhecimento científico com a prática, a gente tinha muita resistência. Então o pouco que a gente conseguia acabava que não era visto. Então aquilo que não é visto não se consegue ter
53
resultados. Por mais que a gente consiga fazer, os resultados não são copiados, portanto não são implementados.” (S03).
A SAE como estratégia de aproximação da enfermagem com o modelo
científico vigente está fadada ao fracasso caso o modelo assistencial permaneça
não condizente com o discurso acadêmico. Os apontamentos tanto de S02 como de
S03 sugerem que o método científico é possível na graduação ou na pós-graduação,
no entanto há problemas de aceitação por parte da equipe de enfermagem conforme
enfatiza S03 “a gente tinha muita resistência” quando se exige aplicação deste
método no ambiente de trabalho. Assim, cria-se um pernicioso feedback positivo, de
forma que tenta-se mudar o modelo de assistência prestado, mas a equipe não
incorpora a inovação e, por conseguinte, não compreende como a sistematização
funciona. Não entendendo como se sistematiza não se pode verdadeiramente mudar
o modelo assistencial.
“Talvez pra nós, enquanto professor, estar numa prática com aluno seja mais fácil usar o método porque a gente está em constante discussão e debate aqui dentro.” (S09).
Reconhece-se a dificuldade de se fazer a discussão sobre a SAE fora da
academia, devendo esta ser a matriz de onde as discussões devam surgir. A
enfermagem não é constituída por um único tipo de profissional, mas por uma
equipe heterogênea que inclui integrantes de nível médio, cuja natureza da
formação não tem primado pela prática baseada em evidências, e nível superior,
cuja formação frequentemente o lança em direção ao conflito quando tenta promover
mudanças ou inovações.
É possível que este modelo de representação seja mais regionalizado, pois,
num estudo realizado com 70 auxiliares de enfermagem e sete técnicos conforme
aponta Ramos (2007, p.108) embora não haja, durante a formação do profissional
de nível médio, informações sobre a metodologia da assistência organizada por
meio da SAE existe uma valorização deste método pela equipe por perceber a
melhora da qualidade da assistência.
54
4.2.5.2 Procedimento como método científico
Esta categoria reconhece fundamentalmente a representação de que o
enfermeiro, ao executar procedimentos, está lançando mão do método científico. Tal
concepção se fundamenta no fato de que os procedimentos efetuados pelo
profissional lhes são ensinado na academia e tais conhecimentos são permeados de
questões teóricas que, frequentemente, já são protocolos adotados com base em
resultados de pesquisas prévias.
“Na essência ela utiliza assim, desde uma orientação, quando ela vai orientar o paciente a prevenir doenças é porque já foi estabelecido, já foi pesquisado por alguém a melhor forma de prevenir doenças, assim como na própria assistência [...].” (S04). “Quando você examina o paciente ou se presta um cuidado ao paciente, você está imbuído de orientações, de conhecimentos comprovados pra você fazer ou não aquele cuidado.” (S05).
O problema com tal representação é que o fato de se fazer uma opção por
usar preferencialmente um cuidado baseado em evidências somente garante a
segurança do procedimento e a qualidade da assistência. O que, sem dúvidas, é
demasiado importante, mas não garante que se esteja fazendo uso de um legítimo
método científico. Nesta representação o método é apresentado como algo
exageradamente instrumental e segue-se com a apresentação mais pontual de um
procedimento no qual o enfermeiro estaria fazendo o uso do método cientifico.
“Eu acho que numa técnica como o banho no leito a gente tem condições de aprender, de entender, [...] todos os princípios científicos daquilo que tá sendo feito.” (S01). “O ato de eu [...] iniciar um banho no leito num paciente [...] para iniciar o banho eu tenho que saber se posso iniciar o banho ou não posso iniciar o banho do lado mais contaminado para o menos contaminado. Eu tenho uma coerência, uma ciência, um grupo de conhecimento que me orienta como iniciar um banho no leito.” (S05).
Conforme é sugerido, o banho no leito está fundamentado em princípios
norteadores de uma prática correta, que por sua vez deve garantir a segurança e a
qualidade do procedimento. O método científico, aqui, é compreendido não mais
como instrumento de validação, mas como o produto desta validação, a saber, a
55
prática eficiente. O enfermeiro, portanto, ao realizar a prática eficiente estaria a se
beneficiar do método científico, o que, de fato, difere de aplicar o método.
“A gente faz aquela avaliação clínica. Eu posso não estar pensando “vou fazer metodicamente ou no método científico”, mas o dia-a-dia já te leva, né? que você avalia o paciente já com aquela inspeção. Desde a admissão, quando você vai fazer os questionamentos, fazer a anamnése do paciente, você já tá descrevendo essas informações. Quando eu faço a minha rotina, visita diária para investigar como aquele paciente, no caso, no ambiente hospitalar, como é que ele passou a noite ou não, e se aquele problema que eu identifiquei como se fosse um diagnóstico de enfermagem, e eu prescrevi algum procedimento de enfermagem e se tá tendo algum resultado, eu vejo a ciência também aí.” (S07).
“Na questão dos procedimentos de enfermagem, ações de enfermagem... métodos científicos dentro do próprio procedimento a gente vê princípios que são trabalhados [...] que se deve ser trabalhado esses princípios científicos com relação à postura, a começo de um curativo, por exemplo, são questões que você tem que trabalhar nesse método.” (S10).
Em S07 o enfermeiro faz uso do método científico ao desempenhar a
avaliação clínica com o acompanhamento diário do paciente, avaliando os
resultados e reavaliando sua conduta. Em S10 ressurge, de maneira mais genérica,
a concepção apresentada durante a justificação do procedimento de banho no leito.
Numa descrição sobre a filosofia da enfermagem Kuchi e Simmons (1994, p.18-19)
declaram que a filosofia da enfermagem não é a teoria de enfermagem, mas um
guia para a ação.
4.2.5.3 Lançamento de hipóteses como método científico
“Dentro da prática assistencial eu trabalho com o método hipotético dedutivo. A hipótese que levanto do paciente poder vir a ter uma complicação devido a tal procedimento que eu faça é um método que eu uso. As iatrogenias que nós causamos às vezes dentro do campo prático, se nós trabalharmos com método dedutivo hipotético a gente evita muito isso acontecer.” (S09).
A representação em S09 se distingue das demais por não apontar o
procedimento fundamentado em algum modelo teórico como método científico. Ao
contrário da categoria que expressa o procedimento eficiente como o método
científico, esta categoria sugere um procedimento de construção de hipóteses e
56
embora não introduza os meios de testar tais hipóteses supõem-se o teste no campo
assistencial. Por meio deste procedimento é possível aumentar a segurança do
paciente e, por conseguinte, a qualidade do cuidado prestado, visando assim a
maior eficiência.
4.2.5.3 Metodologia do ensino como método científico
“Dentro da docência a gente vive trabalhando com esses métodos, porque quando a gente se prepara pra dar uma aula a gente tem que usar uma metodologia ou método que a gente possa passar, que eu possa fazer com que eles entendam o que eu quero dizer com os meus objetivos de aula.” (S09).
Ocorre uma ligeira confusão entre o que seja o método científico e a definição
de metodologia de ensino. É sugerido que o enfermeiro, na docência, ao planejar,
executar e avaliar uma aula estaria fazendo uso do método científico. De maneira a
resumir, a professora Egry (2009, p.1143) alerta “pesquisar e ensinar a pesquisar
são processos distintos”. De maneira análoga aos processos de trabalho para
produção de bens e serviços, o sujeito alienado do processo de pesquisar torna-se
sem liberdade de criar, expressar e inovar.
É importante destacar que as etapas citadas na metodologia do ensino
geralmente são tratadas como conceitos intercambiáveis entre SAE, administração e
a metodologia do ensino. De fato, todo processo que se reivindique organizado deve
dispor de um conjunto de etapas similares aos dispostos no quadro que propomos
no quadro 2.
Quadro 2 Comparativo de conceitos intercambiáveis
Processo de enfermagem6 Administração7 Metodologia do ensino
Histórico de enfermagem Planejamento
Planejamento de aula Diagnóstico de enfermagem
Planejamento de enfermagem Organização
Implementação Execução Aula
Avaliação de enfermagem Controle Avaliação
6 As etapas do processo de enfermagem apresentadas no quadro comparativo são as expressas na Resolução Cofen nº358/2009. 7 Representação genérica das cinco fases da administração definidas por Jules Henri Fayol (1841-1925), a saber, Prévoir, Organiser, Commander, Coordonner e Contrôler.
57
É necessário, no entanto, ter prudência quando da extrapolação desses
conceitos. Dentro de campos de execução prática é perfeitamente possível fazer o
intercâmbio, mas quando se trata do método científico há mais que se deva
considerar do que a simples compartimentalização em etapas.
4.2.6 Categorias de justificação
A análise conceitual nesta sessão é dedicada à velha contenda sobre ser ou
não ser ciência. Uma ampla parcela de entrevistados acredita que a enfermagem é
uma ciência, o que diverge entre eles é a justificação. É possível obter por meio das
categorias de justificação os diversos critérios de demarcação utilizados pelo
enfermeiro. Ocorre ainda a representação de que a enfermagem é uma ciência em
construção e não está pronta. As categorias geradas foram: justificação pelo
método, justificação pela inserção acadêmica, justificação pela busca ou produção
de conhecimento, justificação pela teorização e justificação para a ciência em vias
de se fazer.
4.2.6.1 Justificação pelo método
A justificação encontrada nesta categoria diz respeito ao uso do método
científico. Assim, o critério de demarcação entre ciência e não-ciência passa a ser
considerado o rigor aplicado ao método científico conforme as declarações que
seguem.
“A enfermagem é ciência porque ela segue o método científico, através de suas técnicas, seus estudos, ela tem aquele rigor científico, critérios, tem uma metodologia pra fazer suas atividades.” (S08). “Quando você obedece uma sequência de passos metodológicos, de avaliação daquilo que você faz. Então a enfermagem ela é ciência também, ela é científica. Quando eu vejo que eu obedeço essa sequência, essa preocupação, você tá buscando resolutividade praquilo que você traçou como meta, como objetivo.” (S07).
A busca por resolução de problemas aponta para a definição já mencionada
de procedimento eficiente. O enfermeiro, nesta representação, não visa o objeto
58
para conhecer, mas efetivamente para aumentar a eficiência do seu fazer prático.
Assim, trata-se de uma questão de maior utilitarismo científico.
“A gente tem elementos científicos que caracterizam a profissão como ciência, tais como: a gente ter definido pra profissão que ela é a ciência do cuidado. Então toda essa questão de práticas, de métodos pra se cuidar não são realizados, não são falados e não são explicados de uma maneira empírica. [...] são todos conhecimentos que são respaldados cientificamente através de pesquisas, de comprovações que se tornaram fatos que agente pode confiar.” (S03).
A justificação assume ainda que o fato de ter-se definido um objeto de
estudos é importante para a demarcação. Daí decorre que os estudos que
abrangem o objeto da enfermagem oferecem uma ferramenta de execução de
cuidados baseados em evidência e que separam o cuidado da enfermagem do
cuidado de outros sujeitos executores de cuidados empíricos. Além da prática
eficiente, é destacado o fator confiabilidade, que, por sua vez, está relacionado com
critérios de validação.
4.2.6.2 Justificação pela inserção acadêmica
Esta categoria reconhece como justificação para a cientificidade da
enfermagem a inserção da profissão nas instituições de ensino superior. Conforme
expressa S01, a enfermagem é ciência por dois motivos, a saber: “pela construção
histórica da enfermagem, pela epistemologia da enfermagem”. Não tendo justificado
por completo prossegue:
“[...] na educação se faz muito essa pergunta também e eles tem uma corrente muito forte. [...] Muitos acreditam que não e hoje eu até vejo que uma minoria acredita que sim, que a educação seja uma ciência. [...] Eu acho que o fator decisivo é quando a enfermagem entra na universidade.” (S01). “Qualquer profissão que tenha graus de evolução e de especificidade, ela pode ser considerada também como ciência.” (S04).
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Ter assento garantido nas cadeiras da graduação e possuir graus de
especialização representam critérios suficientes para a demarcação. A
consequência desta inferência é dramática: todo estudante de graduação é um
cientista, por definição.
4.2.6.3 Justificação pela busca ou produção de conhecimento
A representação contida nesta categoria expressa novamente a idéia de
procedimento, prática ou cuidado eficiente. E aponta como critério de demarcação a
busca constante pelo conhecimento a fim de aumentar a eficiência do cuidado.
“Eu considero ciência [...], porque ela tem uma essência, tem uma especificidade e essa busca desse conhecimento pra melhorar o cuidado ao ser humano. Então há a procura de melhoras.” (S10). “É ciência porque desenvolvemos conhecimento, inovamos, [...] sempre estamos criando novas coisas para atender à assistência do paciente.” (S02).
Além da busca permanente é importante a produção de conhecimento, sendo,
portanto, a inovação um elemento necessário ao critério de demarcação. Há
destaque para a qualidade criativa da enfermagem que acaba por gerar novas
tecnologias de cuidado.
4.2.6.4 Justificação pela teorização
A justificação aqui contida diz respeito ao uso de teorias que fundamentem o
fazer prático em detrimento das crendices e de qualquer misticismo. Em suma,
apontam para a importância do abandono do senso comum como fonte de
conhecimento.
“A enfermagem antigamente trabalhava mais com as crendices, o misticismo, [...] hoje não, a enfermagem se fundamenta num corpo de conhecimento científico e práticas que tu assume detalhado pra todo tipo de procedimentos.” (S05). “A gente tem as teorias de enfermagem, por exemplo, também que mostram que a enfermagem é ciência. A gente tem teorias que explicam de que maneira você deve sistematizar sua assistência, de que maneira você deve organizar o seu cuidado.” (S03).
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“É uma ciência porque ela se fundamenta em um corpo de conhecimentos práticos abrangendo tanto atitudes profissionais, pessoais, científica, [...] e como toda ciência está em evolução [...] em nenhum momento a ciência é estagnada.” (S05).
Sustenta-se que a enfermagem é tanto ciência quanto arte e este modelo se
encontra teorizado. O critério de demarcação nesta forma de representação é a
presença de teóricos de base.
“Sim, eu considero as primeiras teorias que usam a enfermagem como ciência-arte do cuidar [...] se não fosse científica não chegaríamos aonde chegamos [...] toda disciplina que se fundamenta como ciência tem seus teóricos de base e aí eu sinto muita falta dessa discussão, principalmente na região norte. A região sul já se firma com isso, tanto é que são eles que lideram as bancadas de discussões científicas, de mesas, de formação de recursos humanos nessa linha.” (S09).
Novamente tem lugar a representação da situação regional que aponta como
uma das limitações para o desenvolvimento da enfermagem a ausência de
discussões epistemológicas na região.
4.2.6.5 Justificação para a ciência em vias de se fazer
Esta categoria reconhece a representação de que a enfermagem é uma
ciência em construção. Parte da inferência de que o enfermeiro por não dedicar-se
mais a pesquisa científica não desenvolve a profissão enquanto ciência.
“Acho que é uma ciência que está em construção porque, ainda, o enfermeiro não tem incorporado a pesquisa científica como parte do cotidiano dele, das tarefas que ele deveria implementar e deveria fazer. Se o enfermeiro não vê a pesquisa científica como parte daquilo que ele faz então é impossível que ele possa fazer pesquisa.” (S11).
O critério de demarcação nesta categoria parece ser a realização de pesquisa
científica.
61
4.2.7 Categorias de valor científico
As categorias nesta sessão foram obtidas através da indagação: “é
importante para a enfermagem ser considerada uma ciência?”. Assim, foram
geradas as seguintes categorias analíticas: ciência como geradora de autonomia
profissional, ciência como promotora de auto-estima, ciência como pré-requisito ao
cuidado eficiente, ciência como norteadora do progresso e ciência com função
social.
4.2.7.1 Ciência como geradora de autonomia profissional
A autonomia do profissional é entendida como dependente do cânone
científico. A visão da sociedade sobre a enfermagem é colocada de forma que esta
última por não possuir um corpo sólido de conhecimentos causa pouco
convencimento sobre a segurança de seu fazer prático.
“Eu não sei se tem uma relação direta com a valorização da profissão, mas a partir de que seja considerada uma ciência e a gente desenvolva pesquisa e a gente consiga criar nosso corpo de conhecimentos [...] e a partir de aí também a atuação independente e autônoma do enfermeiro e muitas áreas da saúde que você vê: tem um médico que tem um consultório, mas não tem um enfermeiro que tem um consultório [...] As pessoas não vêem o enfermeiro como um profissional que tem autonomia pra oferecer um serviço que é aquele cuidado da enfermagem. E eu penso que é por isso, penso que é porque a enfermagem não é vista como uma ciência, ela não é vista como uma profissão que tem um corpo de conhecimento próprio que sustenta teoricamente essa parte prática que ela tem.” (S11).
Entende-se que a realização de pesquisas desenvolve a profissão e esta, por
sua vez, obtém maior êxito para exercer suas atividades com mais autonomia.
4.2.7.2 Ciência como promotora de auto-estima
Reconhecer a enfermagem como ciência parece ser algo necessário para a
auto-estima do profissional e conforme destaca S08 “é o reconhecimento da
profissão”.
62
“É importantíssimo porque isso nos leva a mais valorização da categoria de enfermeiros, da profissão, do curso de enfermagem como um todo [...] se você não tiver essa idéia de ciência, a enfermagem vai ficar na questão do tarefeiro.” (S10).
Nesta acepção se a enfermagem não é considerada ciência seu profissional
acaba por exercer mecanicamente seu trabalho sem refletir sobre os aspectos que o
envolvem.
“Que a gente seja reconhecido como conhecimento científico que utilizou um método científico e que, por isso, ele pode ser acreditado, [...] sem questionamentos na sua base, na sua eficácia [...].” (S03).
“Acho que pra toda profissão é importante. Não só pra questão de reconhecimento enquanto função mesmo, enquanto algo confiável, [...] mas porque isso serve pra qualquer profissão. Se a sua profissão não é reconhecida como ciência, não tem porque ter curso de graduação nem porque você se especializar.” (S03). “A partir do momento que você faz uso de tudo isso (ciência) você a pratica, você realmente ganha visibilidade e a profissão precisa fazer uso pra que realmente possa haver essa visibilidade.” (S06).
“A evolução da enfermagem nesse processo de cuidar leva a muitos ganhos da evolução, de melhor de uma pessoa, desse ser humano doente. A população mesmo tem um reconhecimento desse cuidar da enfermagem. Às vezes até omite um pouco pela cultura do outro profissional, o profissional médico, ter essa relação muito forte com a população do medicar, do tratar.” (S10).
Em muitos aspectos, as declarações de S10 e S03 demonstram a
interferência da ciência no que diz respeito ao reconhecimento das atividades
desenvolvidas pela enfermagem. Outro ponto mencionado é a confiança creditada
pela sociedade no profissional que seria diretamente dependente da visibilidade
concedida pela ciência. Segundo declara S07 “você mostra o diferencial do
profissional que é”. É recorrente o entendimento de que a graduação e/ou
especialização é uma prerrogativa da ciência.
4.2.7.3 Ciência como pré-requisito ao cuidado eficiente
Compreende-se o ser ciência como uma condição necessária ao
desenvolvimento do cuidado eficiente. Conforme é declarado, não seria possível
prestar um atendimento de alta complexidade, a exemplo de atividades
desenvolvidas num centro cirúrgico ou centro de terapia intensiva, sem os alicerces
63
científicos. Nas palavras de S09 “se a gente não tiver o embasamento científico,
como é que nós vamos dar conta de atender clientes em alta complexidade?”.
“É importante, até por uma questão, não digo de status, porque a ciência no país não traz esse status pra ninguém. A própria ciência ainda está muito desvalorizada. [...] Eu vejo que seja por uma questão de confirmar realmente que a enfermagem precisa continuar buscando melhorar o tão falado cuidado que a enfermagem diz que tem com as pessoas.” (S01). “A enfermagem não criou o computador, mas a enfermagem tem criado programas que facilitam a vida de outros profissionais da enfermagem pra trabalhar com as pessoas.” (S01). “No campo da enfermagem ela te proporciona inovações dentro do teu procedimento, das tuas ações de enfermagem.” (S10).
Como consequência das declarações ocorre que o enfermeiro deve estar
constantemente em busca do melhoramento de sua prática. Na enfermagem, a
abordagem de seu objeto visa o agir prático.
“Principalmente as descobertas. [...] não adianta você só pesquisar e guardar conhecimento [...] o conhecimento é difícil a gente concluir porque sempre tem algo novo que serve de alavanca pro homem continuar cada vez mais pesquisando ou procurando bases científicas pra aplicar alguma coisa na vida dele de útil e com eficácia, com eficiência.” (S04).
De maneira geral a representação nesta categoria favorece o entendimento
do que denominamos “princípio do cuidado eficiente”. O pesquisador de
enfermagem, ao realizar uma investigação, não busca o conhecimento na sua forma
pura e simples, mas antes um conhecimento que possa, de alguma maneira,
aumentar a eficiência dos cuidados prestados pelo profissional. Portanto, o princípio
do cuidado eficiente tem grande interferência no delineamento de uma pesquisa a
ser realizada pelo enfermeiro, pois este parece ser a meta da heurística
desenvolvida.
4.2.7.4 Ciência como norteadora do progresso
64
Esta categoria agrupa a representação comum de que a ciência é a
responsável pelo progresso nos mais variados aspectos da sociedade dando
especial destaque para as temáticas da saúde humana.
“Tudo tem sido feito em cima do que se tem mostrado como conhecimento, como busca de algo que vem contribuir justamente pra que a gente melhore a nossa qualidade de vida. [...] e isso tem-se conseguido com estudo, tem-se conseguido com o conhecimento sistematizado, com ciência, com estudo comprovado.” (S01). “Ela explica os fenômenos que acontecem, porque que eles acontecem, como evitar em casos de fenômenos negativos [...] podem ser criados novos métodos diagnósticos, novos tratamentos, diferentes métodos que ajudem a pessoa ou a população a viver melhor, com maior qualidade de vida.” (S11).
O aumento da qualidade de vida é um elemento tido como dependente do
avanço da ciência nas mais variadas áreas de conhecimento e não seria possível a
partir do senso comum uma vez que este não faz uso da sistematização ou
comprovação. Além disso, à ciência é atribuída a capacidade de prever o
acontecimento de catástrofes naturais de forma a minimizar danos à população.
“Através dela a gente tem mais confiança naquilo que foi proposto e que o crescimento da sociedade, individual ou o crescimento de uma determinada profissão [...] ele só é evidente quando a gente tem a ciência acompanhando.” (S03).
Além de proporcionar a confiabilidade dos dados, a ciência é tida como
responsável por colocar em evidência quem faça uso dela.
“Sem a ciência nós não teríamos avançado em muitas coisas [...] a nossa expectativa de vida na idade média era de 25 anos, no século XIX nós passamos a 60, hoje nós temos uma expectativa de vida que abraça 95 anos. Mas pra ti manter esse organismo atuando até 95 anos foi por conta de que? Por toda uma evolução de estudos. Então a ciência é muito importante pra sociedade nas novas descobertas, não de só manter uma vida, mas de facilitar a vida do ser humano.” (S09).
“[...] uma mulher que perdeu a perna e colocou uma prótese. Hoje ela tá correndo maratona e disputando campeonatos com pessoas que [...] tem os dois membros. Então a pesquisa tem esse fundamento de ir em busca e solucionar problemas de doenças [...] a cura do câncer, de doenças transmissíveis como a AIDS, de pandemias, que se não fosse a ciência, como nós estaríamos? Há tempos atrás a gente
65
pode citar a tuberculose já matou muita gente e hoje nós temos, por conta da ciência, a solução. Hoje não se morre tanto de tuberculose, se você faz aquele tratamento que os cientistas já pesquisaram anteriormente.” (S07).
Evidencia-se o entendimento de que os avanços no que tange tanto a
expectativa quanto a qualidade de vida da humanidade são fruto do progresso
científico. Contudo, nota-se ainda pouca ou nenhuma distinção entre progresso
científico e progresso tecnológico. Entre as transcrições, figura o relato de como
aumentou a qualidade da assistência a portadores de HIV após o recebimento de
treinamento e atualização. Sendo o tratamento, há época, uma novidade os
primeiros casos estavam sujeitos às limitações tecnológicas da assistência. Este
avanço da tecnologia assistencial é atribuído às pesquisas científicas.
4.2.7.5 Ciência com função social
“O desenvolvimento do conhecimento, [...] o que torna importante verdadeiramente a ciência é o retorno que você dá pra sociedade” (S02).
Durante as entrevistas surgiu o exemplo de produtos que surgem para trazer
alguma comodidade ou satisfação para o ser humano, mas que visam o mercado e
o lucro. A representação expressa nesse exemplo é a rejeição do utilitarismo e o uso
das pesquisas para melhorar o cuidado humano. Conforme consta em S01 “O que
há de ciência mesmo nisso? [...] quando a gente fala em ciência é que, é algo que
seja compartilhado pro bem comum”. Esta concepção é compartilhada pelo cientista
Ilya Prigogine, prêmio Nobel de química8. Este acredita que a ciência nos permite
admitir um mundo em que a desigualdade não seja um problema social.
“Eu creio que são os avanços que a gente tá tendo na medicina [...] hoje se fala em diagnóstico de enfermagem [...] porque eu tô realizando aquela prescrição? Porque muitos autores, muitos cientistas da enfermagem já chegou aquele resultado [...] então eu vejo a ciência em busca do bem maior que é o bem do universo.” (S07). “Às vezes a gente fala de um avanço tecnológico amplo, mas se eu conseguir resolver o problema daquele individuo que tá dependendo diretamente das minhas atividades, então eu vejo que eu avancei, eu
8 Cf. prefácio de “MAYOR, F.; FORTI, A. Ciência e poder. Campinas, SP: Papirus; Brasília: UNESCO, 1998”.
66
to contribuindo para aqueles resultados. Se eu penso que a ciência é pro bem da humanidade e se o bem da humanidade, no caso da enfermagem, é eu dar resolutividade para aquilo que eu tô me propondo desde o início então eu tô contribuindo.” (S07).
À ciência é atribuído um valor moral, sendo ela, em última análise, a
responsável pelo bem maior. A representação de que a ciência deve
deliberadamente buscar o bem não é acordada pelos entrevistados, conforme a
declaração de S09.
“Só vejo que ela tá na contramão da sociedade porque tudo que é descoberto cientificamente quando cai no mercado, às vezes, nem todo mundo pode ter aquela descoberta científica. Às vezes ela se torna alta demais.” (S09).
Assume-se que a ciência deve ter uma função social e que em realidade esta
função, por vezes, não permite o acesso aos produtos gerados pela descoberta
científica de maneira igual para toda a sociedade. Nas palavras de Arcary (2006,
p.287), onde não há igualdade, o direito unilateral de alguns é a usurpação do direito
dos outros, portanto, a tirania. Não sendo universais, não são direitos, são
privilégios.
4.2.8 Categorias de valor da enfermagem
As representações aqui contidas expressam a importância da enfermagem
percebida pelo enfermeiro. Foram identificadas três categorias, a saber: valor da
contribuição científica, valor dos cuidados prestados e valor do tempo de
permanência.
4.2.8.1 Valor da contribuição científica
Esta categoria agrupa as declarações de que a enfermagem é importante
pela contribuição científica prestada. Tal representação é congruente com a análise
precedente de que a ciência deve ter função social e que, portanto, se a
enfermagem é considerada ciência, ela deve oferecer retorno para a sociedade.
67
“A enfermagem contribui muito no campo científico. Um dos exemplos são as pesquisas feitas com feridas. A maior parte das pesquisas feitas com feridas, principalmente as crônicas, são feitas pelas enfermeiras. São elas que estão no campo liderando os estudos e mostrando novos procedimentos a serem feitos e contribuindo na elaboração de novas coberturas. [...] estudos de prevalência quem mais faz não são os epidemiologistas, médicos, dentistas, e tal... são os enfermeiros que estão fazendo nos grandes centros.” (S09).
As contribuições evidenciadas são os resultados de pesquisa nas áreas de
epidemiologia e cuidados com úlceras. A guisa de constatação, uma rápida consulta
à base de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO)9, em 22 de novembro
de 2011, usando o unitermo “feridas” encontrou 198 referências. Ao refinar-se a
busca com o unitermo “enfermagem” em todos os índices obteve-se um total de 21
referências, tendo a enfermagem prestado uma contribuído para o tema de 10,60%
do total de produção indexada nesta base de dados. Ainda nesta base de dados, ao
utilizar o unitermo “úlceras” obteve-se o total de 13 referências das quais três eram
de enfermagem. A contribuição prestada foi de 23,07%.
Na tentativa de obter um dado de maior apreciação para a discussão buscou-
se a base Wiley Knowledge for Generations10 que apresentou três jornais
especializados, a saber, Wound Repair and Regeneration, Clinical Implant Dentistry
and Related Research e International Wound Journal. Optou-se pela busca neste
ultimo jornal, por ser mais especializado. Ao utilizar o unitermo “wound” para gerar o
total de produção relevante para o tema obteve-se um total de 741 resultados. Ao
utilizar o unitermo “nurse” como filtro obteve-se um total de 271 resultados. Assim, a
contribuição prestada pela enfermagem mundial ao tema é de 36,57% do total de
trabalhos publicados no International Wound Journal.
“A área da saúde que mais pesquisa a questão subjetiva é a enfermagem, tem um amplo leque de informações.” (S07).
Além das pesquisas desenvolvidas nas áreas citadas, a pesquisa em
enfermagem, quando comparada à desenvolvida por outros pesquisadores em
saúde, seria a responsável por reunir um amplo acervo de informações no que diz
respeito à subjetividade humana. Faz-se importante ressaltar a relevância deste
9 A maior parte dos trabalhos publicados no www.scielo.com sobre o tema “feridas” é de origem nacional. 10 A base de dados www.wiley.com indexa publicações de 2004-atual.
68
dado para a discussão das práticas baseadas em evidências, que, conforme já fora
mencionado, mantém preferência por dados quantitativos gerados a partir de
pesquisas objetivas.
“A enfermagem é importante porque é uma ciência. Nós criamos conhecimento e o que queremos fazer agora nessa questão é inovar [...]. A tecnologia leve, que seria a questão nossa propriamente como enfermeiros, a questão humana das relações sociais, de interesse [...].” (S02).
A enfermagem é geradora de conhecimentos e ocorre a busca pela inovação
no que tange os cuidados prestados ao ser humano. A tecnologia leve parece ser o
ponto focal desta inovação para o enfermeiro. Com referência às relações sociais e,
especialmente, as que envolvem o interesse S02 aponta uma discussão realizada
por Almeida e Germano (2009) sobre a teoria da dádiva de Marcel Maus. Conforme
apontam as autoras, a interação pessoa/pessoa é o principal constituinte da
estrutura na qual se apóiam as ações desenvolvidas por profissionais de saúde, em
especial o enfermeiro.
4.2.8.2 Valor dos cuidados prestados
Esta categoria compreende a representação de que o enfermeiro é importante
pelo serviço prestado, não mais à sociedade como contribuição científica, mas
diretamente ao paciente como fazer prático. De maneira objetiva, S11 apresenta a
questão conforme segue:
“Existe, dentro da sociedade, pessoas que ficam doentes e o enfermeiro, um dos papeis fundamentais dele é oferecer cuidados a essa pessoa. Cuidar da pessoa doente e ajudar as pessoas a não ficar doente.” (S11). “Para a coletividade, ela é importante porque consegue dar respostas, ela melhora a qualidade de vida das pessoas. Não apenas na ação curativa, mas na ação da prevenção, na ação promocional [...]. A enfermagem consegue fazer frente a esses quatro campos da saúde: promoção, prevenção, área curativa e a reabilitação.” (S06).
69
De maneira geral, o cuidado aqui compreendido, envolve desde o aspecto
curativo até o profilático. Em S03 ocorre o aprofundamento da questão com
referência a outros profissionais.
“A efetividade dos planos de cura ou de reabilitação ou de prevenção, eles são executados pela enfermagem. Por mais que o médico seja o responsável por diagnosticar, quem vai fazer a maior parte do planejamento dos cuidados e de que maneira executar isso é a enfermagem. Quem é o ator principal na questão da prevenção, também é a enfermagem, tanto na parte da educação como na parte que você tá orientando, que você tá realmente fazendo as implementações voltadas pra prática preventiva, é a enfermagem” (S03).
Por ser o ator a protagonizar os cuidados diretos ao paciente a enfermagem é
considerada peça fundamental nas instituições de saúde, de forma que os serviços
tornar-se-iam rapidamente inviáveis caso a equipe de enfermagem não estivesse
presente. De fato, é difícil imaginar uma realidade em que estabelecimentos de
saúde pudessem funcionar sem os serviços de enfermagem.
“Existe uma caricatura que não se coloca o enfermeiro como um profissional científico. Então existe profissionais que ainda pensam assim, que é só você passar a mão na cabeça, dar um sorrisinho ou pensar que a enfermagem é só ser condescendente com outros profissionais, mas não é isso.” (S07).
Apesar de o discurso religioso ser comum no caminhar histórico da profissão
e da importância de se levar em consideração aspectos culturais e religiosos para o
tratamento clínico conforme ressalta S08 “Ela tá atuando com a vida [...] não só
física, mas a questão espiritual também.”, os cuidados de enfermagem são
pensados respeitando o princípio do cuidado eficiente. O cuidado prestado pelo
enfermeiro não deve ser concebido como mero proporcionar conforto ou alívio, mas
antes como ferramenta de resolução de problemas levantados mediante diagnóstico.
A síntese, como admite S07, é “Eu penso a enfermagem enquanto ciência, enquanto
resolutividade para aqueles problemas que eu identifiquei”.
4.2.8.3 Valor do tempo de permanência com o paciente
“Não existe a cura sem o cuidado. [...] a enfermagem que fica 24 horas com o paciente para administrar, analisar, examinar.” (S05).
70
O tempo de permanência com o paciente é tido como um dos elementos que
mais atribui valor ao profissional de enfermagem. Conforme aponta S07 “Quando eu
digo que o profissional da área de saúde que permanece 24 horas por dia em
constante observação com aquela pessoa que está aos seus cuidados, é a
enfermagem”.
“A interdisciplinaridade [...] fazendo parte de uma equipe de profissões que servem pra trabalhar desde a prevenção de doenças até o caso mais evoluído [...] inclusive porque ela passa muito mais tempo com o paciente.” (S04).
Durante a assistência clínica, a equipe de enfermagem fornece apoio ao
enfermo desde sua admissão até sua alta. Assim a equipe de enfermagem, como
um todo organizado, tem um papel ativo na recuperação do indivíduo.
4.2.9 Categorias unificadoras da ciência e da enfermagem
São apresentados os atributos que unificam a importância das atividades da
enfermagem e da ciência, em sentido lato, tal qual é percebida pelo enfermeiro.
Duas categorias foram reunidas: inovação como qualidade unificadora e uso do
produto da ciência como qualidade unificadora.
4.2.9.1 Inovação como qualidade unificadora
Conforme aponta S10, “O conhecimento técnico-científico e essa inovação de
tecnologias” indicam o ponto de convergência entre enfermagem e ciência.
“Ontem se tinha um entendimento, algo era o novo, era o correto, era o melhor pra todos e pra tudo, mas amanhã talvez não seja mais isso. Na enfermagem, a mesma coisa. Eu não posso viver, pensar, trabalhar na enfermagem do mesmo jeito que eu trabalhava ontem. [...] eu preciso estar sempre me perguntando se como eu faço, como eu percebo é o novo, é o correto.” (S01).
Nesta representação a necessidade de permanente atualização, revisão e
inovação são atributos que unificam a enfermagem e a ciência. Assim, acredita-se
que o julgamento do correto deveria passar por um critério de novidade. Reinventar-
se é necessário à enfermagem e conforme aponta Faustino et al. (2003) há um
71
cenário político e de saúde favorável às mudanças em todos os níveis de formação
profissional.
4.2.9.2 Uso do produto da ciência como qualidade unificadora
O uso de tecnologias geradas por meio das pesquisas científicas é entendido
como um elo entre a atividade prática da enfermagem e a atividade própria da
ciência.
“Eu tenho um material específico de fazer uma punção do tipo gelco ou uma PICC, [...] pesquisadores já viram isso. Em que eu sei que vou puncionar aquela criança ele vai passar mais tempo com aquele acesso e eu não vou ter que tá traumatizando aquela criança eu tô fazendo a ciência aí. Então alguém já pesquisou que tipo de acesso, que tipo de gelco é mais adequado para aquela criança, determinada idade [...]. Eu tô aliando o meu cuidado com aqueles procedimentos científicos” (S07).
Decorre deste tipo de interpretação que qualquer atividade disposta a reunir
elementos tecnológicos em sua prática tem uma aproximação com a ciência e é tão
importante quanto ela.
“A ciência gera conhecimento pra melhorar o cuidado e o enfermeiro executa esse cuidado de forma melhor na hora que essa ciência dá pra ele a ferramenta de conhecimento pra se aplicar esse cuidado.” (S11).
Os pesquisadores geram subsídios para o desempenhar do cuidado eficiente
do enfermeiro.
“Os erros da enfermagem não aconteceria se eu tivesse com o pensamento científico sempre de estar realizando determinados procedimentos e atividades de acordo com o que já existe de protocolos de atendimento.” (S07).
A pesquisa científica é responsável por gerar resultados seguros que servem
de base para a formulação dos protocolos de atendimento na área da saúde.
Contudo, Domingues e Chaves (2005) alertam para a necessidade de reflexão sobre
estes protocolos ou rotinas, pois nenhum deles traz certeza absoluta, mas sim a
probabilidade de serem verdadeiros. O fazer prático do enfermeiro deve primar pela
72
segurança do paciente seguindo o princípio “primum non nocere11” e assim, basear
seus cuidados nas melhores evidências disponíveis.
4.2.10 Categorias conceituais de cuidar
“É o nosso objeto de pesquisa. É através dele que a gente pauta toda nossa assistência. Então o cuidar, além de ser um verbo, uma ação, ele acaba sendo pra gente um ponto de partida, de onde a gente deve iniciar o nosso planejamento pra que a gente consiga fazer essa ação.” (S03).
Aqui são apresentadas as representações sociais dos enfermeiros sobre o
cuidar. O cuidar interpretado como objeto da enfermagem é congruente com a
interpretação da literatura especializada e destacamos a sua citação como ponto de
partida para a ação, visto que esta definição sustenta nossa proposição do princípio
do cuidado eficiente como eixo norteador das atividades de enfermagem. Foram
identificadas três categorias: cuidar como proporcionar independência, cuidar como
prestar assistência e cuidar como vinculo afetivo.
4.2.10.1 Cuidar como proporcionar independência
Esta categoria compreende a representação de cuidado identificado como
uma ferramenta usada pelo enfermeiro visando facilitar o percurso da independência
do indivíduo cuidado.
“É deixar que as pessoas façam por elas o que elas conseguem fazer por elas, mas, principalmente, facilitar o caminho pra que ela faça algo por ela. [...] porque eu acho que nunca a gente deve cuidar tornando alguém dependente da gente.” (S01). “Você tem que cuidar dessa pessoa ensinando ou mostrando que ela também pode se auto-cuidar.” (S10).
Esta representação é fortemente influenciada pelo modelo da enfermeira
Dorothea Elizabeth Orem (1914-2007) conhecida como “teoria do déficit de
autocuidados”. Neste modelo o indivíduo é o ator principal no próprio processo
terapêutico, cabendo ao enfermeiro ser um adjuvante no processo de cura.
11 Princípio da não-maleficência do latim “primeiro não causar dano”.
73
Conforme McEwen e Wills (2009, p.171) expressam, o modelo de Orem é complexo
e sofreu diversas revisões que o tornaram ainda mais complexo. Este é um fator que
pesa em seu desfavor se considerado o “princípio da parcimônia12” proposto por
William de Ockham (1288-1347). Nos dizeres de Ockham, “quando uma proposição
é verificada das coisas, mais é supérfluo se pouco é suficiente” ou “o que pode
acontecer através de pouco acontece em vão através de muito” (SPADE, 2006,
p.101-102, tradução nossa).
Ao analisar o conceito de simplicidade Popper (1959, p.150) assume que este
deve proporcionar medida do grau em que os acontecimentos apresentam
regularidade ou caráter legalóide. Provavelmente fazendo referência à navalha de
Ockham, Popper (1959) sugere que não se faz necessário admitir um princípio de
economia de pensamento e que os enunciados simples são preferíveis aos menos
simples, “porque eles nos dizem mais, porque encerram um conteúdo empírico
maior e porque são suscetíveis de testes mais rigorosos” (POPPER, 1959, p.155).
4.2.10.2 Cuidar como prestar assistência
Esta estrutura de cuidado de que fala S08 “É prestar assistência” é comum e
figura nos achados de Bison (2003) como ação terapêutica de enfermagem.
“É você restabelecer, melhorar, fazer com que a pessoa saia daquele estado de adoecimento para um estado sadio. Ajudar o outro a fazer o que ele poderia fazer se ele estivesse sadio.” (S05).
“O cuidado pra mim não é dar um banho no leito, não é oferecer uma medição. É um conjunto de ações que a gente realiza pra que esse indivíduo, se está doente, se recupere e volte a sociedade e, se não está doente, evitar que ele fique doente.” (S11).
Ocorre a representação do cuidado como instrumento em favor da
reabilitação do indivíduo, de forma que se deve auxiliar no processo terapêutico. Na
declaração de S11 percebe-se a assistência curativa e profilática como objetivo do
cuidar.
“É fazer algo que possa trazer um resultado favorável. E ele vai desde uma ação puramente manual até, quem sabe, uma ação
12 Este princípio ficou conhecido como “navalha de Ockham”.
74
intelectual, uma ação promocional que de repente você não usa tua habilidade, mas usa a competência. Uma orientação que você dá que tenha resultado positivo também é cuidar.” (S06).
Em S06 o cuidar é aquilo que favorece o retorno ao estado pretérito à doença.
Ele pode incluir ações diretas como intervenções curativas ou orientações que de
alguma forma levem a evitar o adoecimento.
“Ele vai além da questão de apego, de afago, de carinho. Eu vejo cuidar enquanto resolutividade. É um cuidar científico baseado em teorias. [...] Se eu for realizar um cuidado apenas empiricamente qualquer pessoa pode cuidar, mas o cuidado baseado em questões científicas, em teorias, em métodos, então eu vou estar diferenciando esse cuidado e o nosso objeto é o cuidar. ” (S07).
O cuidar não se limita a vínculos afetivos estabelecidos entre profissional e
paciente. O cuidado de enfermagem deve, por definição, se diferenciar dos demais
tipos de cuidado e encerrar um processo alicerçado em teorias e métodos próprios
da profissão.
4.2.10.3 Cuidar como vínculo afetivo
“Você cuida aquilo que você quer. Você não cuida aquilo que você não tem interesse, uma afinidade, alguma sensibilidade que envolva você” (S02). “É prestar uma atenção, seja de uma forma integral ou não [...] o cuidar vem de você primeiro escutar, você observar as necessidades do paciente, saber interpretar, ter sensibilidade.” (S04).
Alinhada com a teoria da dádiva de que falam Almeida e Germano (2009,
p.339), a declaração de S02 revela a importância dos interesses nas relações
estabelecidas entre enfermeiro e enfermo. Assim, a interatividade, a capacidade de
escuta, cortesia e sensibilidade são fatores decisivos na qualidade da assistência
prestada.
“É importante a parte da vocação, do interesse da pessoa por ser realmente enfermeiro [...]. Nós unimos o conhecimento e nossa parte também de sentimento, do amor pelas coisas que nós fazemos [...].” (S02).
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Não fora de contexto surge a defesa de que as preferências pessoais podem
ser também determinantes da qualidade da assistência. Assim, a afinidade é
considerada característica relevante para o desempenho do papel social do
enfermeiro. Questão muito discutida dentro dos cursos de graduação, a vocação tem
cumprido papel de divisor de opiniões. Há, verdadeiramente, uma característica
inata que nos oriente para a escolha de uma profissão? Se assim é, não convém
que jamais devêssemos cometer erros durante as escolhas? Se o organismo é inábil
em promover a escolha certa, há realmente algo de vocação nisso? Pode a
ocorrência de “talentos” naturais determinar a inclinação para uma profissão
específica? São todas questões que merecem um fórum maior de discussão e que,
portanto, figuram além dos propósitos aqui definidos. De todo modo, convém
apresentá-las, uma vez que o termo “vocação” emerge do discurso dos
entrevistados.
“Prestar uma boa assistência, tendo realmente amor pela sua profissão e amor ao próximo. Porque você cuida de pessoas desconhecidas. Até você fazer uma relação, que essa relação tem que ser amistosa. Você não pode confundir uma relação de trabalho com outro tipo de relação [...] Procurando cuidar com uma visão bem humana e não tratando o paciente como mais um número.” (S04).
Embora seja evidenciada a importância do estabelecimento de vínculo afetivo
observa-se a preocupação em manter distinção nas relações de trabalho entre
enfermeiro e enfermo de forma a primar por princípios éticos.
4.2.11. Categorias de localização do cuidar no espaço científico
São apresentadas duas categorias que localizam o conceito de cuidar em
relação à proximidade com as ciências humanas ou biológicas. As categorias são:
proximidade com as ciências humanas e centralidade do conceito.
4.2.11.1 Proximidade com as ciências humanas
“Nós estamos com uma equipe multiprofissional sempre atrelada a questão social, educativa, que nós fazemos esse acompanhamento na comunidade como um todo, na família. Não só do indivíduo, mas o individuo holístico. Vou pensar nele, no holístico, não ele em partes, que às vezes a gente pensa a ciência biológica mais, ou da
76
medicina que vê o individuo enquanto doente e dividido em partes. A enfermagem não, já vê o individuo como um todo [...] então esse cuidado vem mais pra questão humana.” (S07).
Ocorre o entendimento de que a ruptura com o modelo biomédico, que
considera o sujeito como mera prospecção de sua doença, se dá a partir da
aproximação com as ciências humanas e, possivelmente, com as ciências sociais. A
enfermagem holística, conforme definida por Dossey, Keegan e Guzzetta (2005, p.8,
tradução nossa), é aquela que reconhece e integra os elementos biológicos,
psicológicos, sociológicos e espirituais na vida diária bem como na prática clínica.
SILVA et al. (2009) sugerem que as teorias de enfermagem buscam construir
suas ações de forma a deslocar o eixo de ciências empíricas em direção às ciências
humanas. Por outro lado Domingues e Chaves (2005) apontam como objeto de
aspiração de enfermeiras os conhecimentos advindos das ciências biológicas.
4.2.11.2 Centralidade do conceito
A observação feita conforme S04 “eu acho que é um intercâmbio das duas” é
que a definição caminha de mãos dadas com as ciências biológicas e humanas. A
representação contida nesta categoria é a de que não há limites definidos entre o
fazer das ciências humanas e das ciências biológicas no âmbito da enfermagem.
“Cuidamos em relação às necessidades do paciente, aquilo que está afetado frente às necessidades do corpo. As necessidades humanas na doença são biológicas [...] ninguém funciona separado. Acho que se você está fisicamente pode estar infectado, com alguma determinada doença, mas o psicológico também se afeta ou se você, de repente, psicologicamente está afetado por algum problema [...] o físico também se afeta.” (S02). “Eu acho que ela não tá mais próxima nem de uma nem de outra. Acho que [...] elas caminham juntas. [...] Quando você permite que o indivíduo se movimente, ele tá dentro do campo biológico. [...] Quando você permite que ele faça por ele, isso, emocionalmente, psicologicamente, mexe com o emocional dele, mexe com ele como ser social.” (S01).
Sugere-se que as necessidades humanas biológicas e psicológicas não são
passíveis de dissociação, sendo uma vez mais observada a filosofia holística
permeando o discurso.
77
“A enfermagem faz parte de um contexto de ciências humanas, embora nós temos dentro de vários modelos as partes biológicas [...] a enfermagem é uma ciência que mescla a humana com a biológica e é nesse ponto que surge as nossas teorias.” (S09).
Embora se inicie por assumir a proximidade com as ciências humanas, ocorre
a centralização do conceito de cuidar. Atribui-se à ausência de limites entre ciências
biológicas e ciências humanas no fazer da enfermagem a responsabilidade por
possibilitar o surgimento das teorias próprias de enfermagem. Neste entendimento,
para que tenham solo fértil, as teorias deveriam transitar entre ambos os domínios
da ciência sem demonstrar inconsistência.
“Ele junta o humano com o científico. O cuidar na enfermagem se apropria de modelos conceituais, modelos de procedimentos que tenham cunho científico e que ajude a refletir a dispensação de procedimentos. Vai desde um planejamento até uma avaliação. A necessidade desse procedimento, qual é o benefício desse procedimento, qual é o malefício que esse procedimento pode trazer pro paciente, risco-benefício para o paciente.” (S09).
4.2.12 Categorias de abordagem científica do cuidar
São apresentadas duas categorias, a saber: abordagem através da aplicação
de conhecimentos gerais e abordagem através da aplicação do método. A pergunta
central é “como abordar algo cientificamente?”.
4.2.12.1 Abordagem através da aplicação de conhecimentos gerais
“A partir do momento que eu faço um cuidado refletido em princípios científicos com as leis que regem a física, a biologia e tudo, tá regido pela cientificidade.” (S09).
Compreendem-se como princípios científicos aqueles possuidores do status
nômico13 empregados nas ciências naturais. Assim, o cuidado parece ter
possibilidade de uma abordagem científica através da aproximação com as ciências
naturais mais do que com as ciências humanas.
13 Ernest Nagel (1901-1985) propôs a verificação probabilística como critério de demarcação e defendeu que para receber o status de lei ou “status nômico” é preciso distinguir entre universais nomológicos e universais acidentais. Cf. “NAGEL, E. The estructure of science. New York: Harcourt, Brace & World, 1961”.
78
“Desenvolver seus cuidados, suas práticas fundamentados no princípio científico, seja de química, de biologia, de higiene, de microbiologia [...] porque não pegar o termômetro, ao verificar uma temperatura, nesse sentido (não tocando o bulbo do instrumento) porque a minha mão, o calor vai dilatar ou não a coluna de mercúrio e o paciente pode ter um resultado errado.” (S05).
A possibilidade de abordagem científica do cuidado apontada nesta categoria
parece conflitar com a representação da centralidade do conceito de cuidar. Uma
vez que ao mencionar o uso de conhecimentos detentores de status científico não
se fala nas ciências humanas.
4.2.12.2 Abordagem através da aplicação do método
“Ele pode ser abordado cientificamente, uma vez que a gente utiliza teorias ou métodos pra explicá-los [...] mostrar realmente que eles são acreditáveis, que eles têm efeito, que eles foram pautados em conhecimento científico.” (S03). “Quando se trabalha com critérios, quando se faz um levantamento de dados se busca os critérios pra que se possa aplicar o cuidado.” (S08).
A abordagem científica do cuidado se dá a partir do uso de teorias que o
expliquem e métodos que o orientem. Percebe-se a apreciação pelas práticas
baseadas em evidência. Revela-se a preocupação com o método também na fala de
S08.
A representação que aqui consta é a de que o cuidar pode ser alvo de ciência
por meio da divulgação, conforme sustenta S07 “A gente já tem esse conhecimento
científico [...] a gente ainda não conseguiu o caminho das pedras, que é a
divulgação, porque o trabalho a gente faz”. A ciência deve submeter seus achados à
avaliação competente de seus pares e uma das formas de fazê-lo é por meio da
divulgação.
“Eu posso tornar a enfermagem científica realizando as pesquisas, fazendo a divulgação, socializando com outros profissionais, participando de encontros, participando de discussão, trazendo os resultados de outras pesquisas pra cá a título de informação, até mesmo de troca.” (S07).
79
Além da já mencionada preocupação em dar visibilidade aos conhecimentos
produzidos pela enfermagem ocorre o reconhecimento da importância atribuída a
um achado quando este é compartilhado. Assim, uma vez mais as influências
externas à enfermagem exercidas sobre ela são pontuadas como elemento em favor
de seu desenvolvimento.
“Fazer um cadastro realmente da necessidade de cada um e correlacionar com a patologia.” (S04).
Nesta representação a análise puramente causal é abandonada para
estabelecer correlações entre patologia e necessidade humana afetada pelo
processo de adoecer.
“A partir do momento em que a gente possa tá fazendo uma avaliação criteriosa deste cuidar [...] tornar isso um corpo um pouquinho mais científico é você poder avaliar esses resultados; você poder validar esses resultados e quem sabe até dar publicidade a esses resultados.” (S06).
Destaca-se uma característica distintiva da ciência, a saber, a preocupação
constante com critérios de validação. Este constitui um elemento em favor do
desenvolvimento da enfermagem.
“Através da busca constante pela melhora dos procedimentos de enfermagem através dos quais se realiza cuidado. Ou seja, a pesquisa de enfermagem ela tem que ser direcionada a como é que eu posso oferecer esse cuidado ao indivíduo pra restabelecer ele na sociedade o mais rápido possível e com a melhor qualidade possível.” (S11).
Por fim, é evidenciada a influência do princípio do cuidado eficiente sobre o
fazer prático/intelectual do enfermeiro. A busca por critérios de validação
apresentada não parece fazer referência à validação de inferências ou métodos de
investigação, mas sim à validação das ações, de forma a torná-las mais eficientes.
Não se percebe distinção entre ciência e prática baseada em evidência.
80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como produto da presente análise, propôs-se elementos importantes para o
desenvolvimento do pensamento crítico da enfermagem. Assim, problemas
fundamentais, que dizem respeito à compreensão de conceitos básicos, foram
expostos. A enfermagem, por ter forte apelo interdisciplinar, em muitas ocasiões se
apropria de conceitos ou construtos externos. Em especial, destacam-se os
conceitos de etapas administrativas propostas por Fayol, que de fato, muito se
assemelham às etapas do processo de enfermagem conforme demonstrado. Sendo
processos semelhantes, é natural o intercâmbio entre conceitos de uma área e
outra. Ciampone, Leite e Gaidzinski (1996) relatam a inserção da administração na
enfermagem datando do final do século XIX e desde 1996 já apontaram a
necessidade de mudança do paradigma até então vigente para o currículo de
enfermagem.
Os excessos, porém, se revelam na extrapolação deste intercâmbio quando
empregado com o intuito de descrever o método científico. Supõe-se que a ciência
seja como um processo produtivo ou gerencial e então se revelam as primeiras
incompreensões conceituais, que provavelmente findam por gerar confusão na
cabeça das fileiras da graduação. Tal crítica levou a propor o quadro de conceitos
intercambiáveis como instrumento didático que facilite o uso de conceitos entre
áreas afins, bem como, a fim de não cometer extrapolações descabidas, alertamos
para a necessidade de ponderação quando de sua aplicação.
Um aspecto de nosso especial interesse observado foi a forma de conceber a
ciência com um propósito definido de gerar conhecimentos que, de alguma forma,
aumentem a eficiência dos cuidados prestados pela equipe de enfermagem, o que
levou a definir o “princípio do cuidado eficiente” como eixo principal tanto do fazer
prático quanto da atividade intelectual do enfermeiro. Segundo este princípio, a
maior eficiência e eficácia são qualidades permanentemente perseguidas pelo
enfermeiro. Assim, percebe-se que a enfermagem visa seu objeto, o cuidar,
fundamentalmente para agir. Convém destacar o interesse de Grittem, Meier e
Zagonel (2008, p.768) pela pesquisa-ação que busca o pragmatismo e se distingue
da pesquisa científica tradicional por ter dimensões dialéticas
81
Conforme já discutido, uma característica distintiva da ciência é seu interesse
no objeto para descrever e/ou explicar, sendo então seu objetivo primeiro o
conhecer. Ao assumir o princípio do cuidado eficiente como qualidade manifesta da
enfermagem nota-se o interesse pela ação, não sendo este um problema a ser
considerado pelo enfermeiro. Contudo, ao analisar as dificuldades encontradas para
realizar uma distinção real entre os processos de descrever e explicar, revelam-se
os insólitos problemas conceituais que residem na mente do enfermeiro docente.
Parece haver um acordo sobre avanços, sem que, no entanto, sejam reveladas as
causas no que diz respeito ao desenvolvimento científico. Observa-se pouco ou
nenhuma distinção entre ciência, arte e tecnologia. O que de mais grave ocorre é a
carência de distinção entre metodologia da pesquisa e o método científico.
Não há dúvidas de que a enfermagem, em muitos aspectos, tem se
desenvolvido e se reinventado a fim de melhor prestar seus serviços, seja na
contribuição para a produção científica, como se demonstrou, seja no atendimento
ao indivíduo. O desenvolvimento trás consigo a inspiração que, por sua vez, mobiliza
em direção às transformações e ao próprio desenvolvimento. O único empecilho
sério ao percurso do desenvolvimento parece ser a resistência à mudança.
Conforme já demonstrado estamos em momento propício à mudança. As
fragilidades de teorias fundamentais e conhecimentos de base da enfermagem
podem estar correlacionados com os problemas de fundamentos conceituais
encontrados aqui. Conforme se constatou através do surgimento do princípio do
cuidado eficiente e das representações sociais, falta no currículo de graduação um
enfoque epistemológico.
Ainda percebe-se o currículo voltado para a instrumentalização do fazer
prático do enfermeiro. Por hora, é possível apenas conjeturar a possibilidade de uma
interferência direta deste modelo de currículo na formação do cientista da
enfermagem. Portanto, urge que se realize investigação semelhante a aqui proposta
tendo como sujeito os estudantes da graduação e assim disponibilizando dados
mais completos para fazer inferências.
Ao discutir as possibilidades da ciência da enfermagem tem-se proposto
adequar conceitos fundamentais a fim de satisfazer condições pontuais da
enfermagem. Assim, ao inverter a pergunta “como a enfermagem pode satisfazer os
critérios de uma ciência?” para o “o que é uma ciência que satisfaça a
82
enfermagem?” o enfermeiro assume uma postura lacaniana na direção de criar uma
“realidade paralela” e, portanto, dissociada do mundo objetivo.
Esta atitude, em muitos aspectos, tem atrasado o desenvolvimento da
enfermagem. Em primeiro lugar porque gera uma antinomia, no sentido de que há
consenso quanto à necessidade de desenvolver a enfermagem, mas não há acordos
sobre que caminhos trilhar. Os caminhos errados, quando levam à solução,
frequentemente o fazem de modo penoso e demorado. Em segundo lugar porque
sustenta que cabe à enfermagem sozinha decidir quais critérios usar e quais rejeitar
para se constituir como ciência, quando sabe-se que nenhuma ciência surge de tal
atitude.
83
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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁPRO
CURSO DE LICENCIATURA PLENA E BACHARELADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E AUTORIZAÇÃO PARA
PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS DO
RESOLUÇÃO 196/96 – CNS
Após a leitura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e à apresentação do
pesquisador sobre os objetivos e benefícios de sua pesquisa para os profi
enfermagem, eu _______________________________________
RG __________________,
_______________________________________________________
CEP______________________,
declaro que consinto em participar como voluntário d
enfermeiro sobre ciência: uma análise epistemológica da enfermagem,
pesquisador Alison Felipe Alencar Chaves. Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido que:
estudo será realizado a partir de entrevista gravada e do preenchimento de um questionário;
não haverá riscos para minha saúde;
época, pessoalmente ou por telefone, para esclarecimento de qualquer dúvida;
para, a qualquer momento, deixar de participar da pesquisa
justificativas para isso; e) que todas as informações por mim fornecidas e os resultados obtidos serão
mantidos em sigilo e que, estes últimos só serão utilizados para divulgação em reuniões e revistas
científicas sem minha identificação;
fato de mudar meu consentimento em participar da pesquisa;
ou direitos financeiros sobre os eventuais resultados decorrentes da pesquisa;
importante para o estudo, melhor entendimento
consinto em participar da pesquisa em questão
_____________________________________
Assinatura do Participante (Entrevistado)
APÊNDICE A
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁPRO-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO
CURSO DE LICENCIATURA PLENA E BACHARELADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E AUTORIZAÇÃO PARA
PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS DO INFORMANTE DE PESQUISA DE ACORDO COM A
CNS
CONSENTIMENTO PÓS-INFORMADO
Após a leitura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e à apresentação do
pesquisador sobre os objetivos e benefícios de sua pesquisa para os profi
__________________________________________________
RG __________________, nascido em ____/____/________, domiciliado (a) à Rua/A
__________________________________________
CEP______________________, Cidade ___________, Estado _____, Telefone
eclaro que consinto em participar como voluntário da pesquisa, Representações sociais
enfermeiro sobre ciência: uma análise epistemológica da enfermagem, sob responsabilidade do
Alison Felipe Alencar Chaves. Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido que:
estudo será realizado a partir de entrevista gravada e do preenchimento de um questionário;
não haverá riscos para minha saúde; c) que posso consultar o pesquisador responsável em qualquer
época, pessoalmente ou por telefone, para esclarecimento de qualquer dúvida;
para, a qualquer momento, deixar de participar da pesquisa e que não preciso apresentar
que todas as informações por mim fornecidas e os resultados obtidos serão
mantidos em sigilo e que, estes últimos só serão utilizados para divulgação em reuniões e revistas
entificação; f) que serei informado de todos os resultados, independente do
consentimento em participar da pesquisa; g) que não terei
ou direitos financeiros sobre os eventuais resultados decorrentes da pesquisa;
importante para o estudo, melhor entendimento e auto-conhecimento da enfermagem. Assim
consinto em participar da pesquisa em questão.
Macapá, AP_______de______________de 20
_____________________________
Participante (Entrevistado)
____________________________________
Contato do pesquisador: (96) 8124-9541 ou ainda, [email protected]
87
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO
CURSO DE LICENCIATURA PLENA E BACHARELADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO E AUTORIZAÇÃO PARA
INFORMANTE DE PESQUISA DE ACORDO COM A
Após a leitura do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e à apresentação do
pesquisador sobre os objetivos e benefícios de sua pesquisa para os profissionais da área de
___________________________,
domiciliado (a) à Rua/Av.
n.º ______________,
Telefone _______________,
Representações sociais do
sob responsabilidade do
Alison Felipe Alencar Chaves. Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido que: a) o
estudo será realizado a partir de entrevista gravada e do preenchimento de um questionário; b) que
que posso consultar o pesquisador responsável em qualquer
época, pessoalmente ou por telefone, para esclarecimento de qualquer dúvida; d) que estou livre
e que não preciso apresentar
que todas as informações por mim fornecidas e os resultados obtidos serão
mantidos em sigilo e que, estes últimos só serão utilizados para divulgação em reuniões e revistas
que serei informado de todos os resultados, independente do
que não terei quaisquer benefícios
ou direitos financeiros sobre os eventuais resultados decorrentes da pesquisa; h) que esta pesquisa é
conhecimento da enfermagem. Assim,
Macapá, AP_______de______________de 2011.
____________________________________
Assinatura do pesquisador
ou ainda, [email protected]
88
APÊNDICE B
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
QUESTIONÁRIO SEMI-ESTRUTURADO Instituição de formação: [______________________________________________]
Ano de conclusão da graduação: [_______________]
Instituição em que atual: [_____________________________________________]
Tempo de docência: [____________________]
Pós-graduação:
[ ] Especialização [ ] Residência [ ] Mestrado [ ] Doutorado [ ] Pós-Doutorado
Área de atuação:
[ ] Hospital [ ] Unidade Básica de Saúde [ ] Burocracia (secretaria de saúde, etc.)
[ ] Docência [ ] Outros
Possui orientando de iniciação científica:
[ ] Sim [ ] Não
Está vinculado a grupo de pesquisa:
[ ] Sim, nome: [_____________________________________________________]
[ ] Não
Desenvolve alguma pesquisa:
[ ] Sim, Qual o objetivo da pesquisa em andamento:
[_________________________________________________________________]
[ ] Não
89
APÊNDICE C
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
1. Qual a definição de ciência?
2. O que é o método científico?
3. Há distinção entre descrição e explicação? Caso afirmativo, qual?
4. Qual a relação entre enfermagem e ciência?
5. A enfermagem faz uso dos métodos científicos? Em que momentos? Como?
6. A enfermagem pode ser considerada uma ciência? Por quê?
7. É importante para a enfermagem ser uma ciência? Por quê?
8. O que torna a ciência importante?
9. O que torna a enfermagem importante?
10. Em que pontos a importância da ciência e da enfermagem convergem?
11. O que é o cuidar? Esta definição está mais próxima das ciências humanas ou
biológicas?
12. Qual o objetivo do cuidar? Como o cuidar pode ser abordado cientificamente?
90
APÊNDICE D
Prezado(a) Sr(a).
Venho, por intermédio deste, solicitar a permissão de Vossa Senhoria para
aplicarmos junto aos professores do curso de enfermagem dessa conceituada
Instituição de Ensino Superior, questionários que irão instrumentalizar o projeto de
pesquisa “Representações sociais do enfermeiro sobre ciência: uma análise
epistemológica da enfermagem”. O que se busca no presente estudo, é efetivar uma
busca da compreensão presente entre os profissionais da área como um passo
inicial para os muitos degraus na escalada para o auto-conhecimento da
enfermagem. Assim, para conceber a enfermagem como ciência, não-ciência ou
ciência em vias de se fazer, é fundamental entender como o profissional de
enfermagem compreende a ciência.
Asseguro que haverá total sigílo e privacidade sobre a origem das respostas,
bem como da identificação dos respondentes, que serão sequenciados por código.
As informações obtidas serão analisadas e utilizadas em reuniões e revistas
científicas, com o intuito de contribuir para o auto-conhecimento da enfermagem
bem como melhorar a qualidade do ensino e da prática do cuidado em enfermagem.
No aguardo de vossa resposta, reafirmo minha consideração e elevado
apreço.
Atenciosamente,
Alison Felipe Alencar Chaves
Acadêmico de enfermagem da Universidade Federal do Amapá
Contato do pesquisador: (96) 8124-9541 ou ainda, [email protected]
91
ANEXO A