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REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA DO HOMEM DO CAMPO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE CHICO BENTO MOÇO: O CAIPIRA NA CIDADE? ILLA PIRES DE AZEVEDO (PPGLinC/ UFBA) ([email protected] ) Apoio: FAPESB Agosto/2014

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Page 1: REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA DO HOMEM DO CAMPO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE CHICO BENTO MOÇO: O CAIPIRA NA CIDADE? ILLA PIRES DE AZEVEDO (PPGLinC/ UFBA)

REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA DO HOMEM DO CAMPO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE CHICO BENTO

MOÇO: O CAIPIRA NA CIDADE?

ILLA PIRES DE AZEVEDO (PPGLinC/ UFBA)

([email protected])

Apoio: FAPESB

Agosto/2014

Page 2: REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA DO HOMEM DO CAMPO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE CHICO BENTO MOÇO: O CAIPIRA NA CIDADE? ILLA PIRES DE AZEVEDO (PPGLinC/ UFBA)

• Tem sua origem na França em 1960. • Ciências que contribuíram para sua

emergência: Linguística (Saussure), Materialismo Histórico (Marx) e a Psicanálise (Lacan).

• Principal representante: Michel Pêcheux• Objeto de estudo: Discurso

Pressupostos teóricos da Análise de Discurso de Linha Francesa Pecheutiana

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SUJEITO:

“O sujeito é clivado, ou seja não é uno; o sujeito é assujeitado,

isto é, não é livre e não está na origem do discurso -, sobre as quais há uma extensa literatura...”

(POSSENTI In: MUSSALIM, 2004 p.386)

DISCURSO:

“Não é língua, nem texto, nem fala, mas necessita de elementos linguísticos para ter uma existência material. [...]encontra-se no social [...]. Referimos-nos a aspectos sociais e ideologicamente impregnados nas palavras quando estas são pronunciadas.”

(FERNANDES, 2008 p.13)

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INTERDISCURSO:

“O interdiscurso é a base de toda e qualquer enunciação e é categoria fundamental para a Análise de Discurso de Linha Francesa. Nenhum discurso surge aleatoriamente de modo completamente isolado, mas sempre surge a partir de um já dito, de uma rede de pré-construídos.

(HEINE, 2010 p.49)

FORMAÇÃO DISCURSIVA (FD):

“[...] aquilo que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc.) a partir de uma posição dada na conjuntura social.”

(PÊCHEUX e FUCHS, 1997,p.188)

FORMAÇÃO IDEOLÓGICA (FI):

“[...] cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras.”

(Ibidem, p. 166)

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A história em quadrinhos (HQ)

• As HQ, assim como outros textos, são construídas a partir de certa leitura de mundo num determinado momento da sociedade. É sabido também que vários são os motivos que inspiram os autores a criá-las, desde motivos particulares, a motivos mais gerais e, como sujeitos, os seus discursos são constituídos com base em uma formação discursiva representando a ideia que se tem sobre algo, e não outra para ter um sentido e não outro; logo, os sentidos são determinados ideologicamente, conforme explica Orlandi (2012).

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• De acordo com Mendonça (2010), visualmente, as histórias em quadrinho (HQ) são facilmente identificáveis, por conta das particularidades dos quadros, dos desenhos, dos balões. No entanto, “as HQS, revelam-se um gênero tão complexo quanto os outros no que tange a seu funcionamento discursivo” (p. 210).

• Consoante Quella-Guyot (1994, p. 73) “o que as histórias em quadrinhos revelam são visões de mundo particulares de uma época e que se tornam, enquanto tais, testemunhos insubstituíveis”. Quella-Guyot, citando Michel Pierre, pontua ainda que “[...] a história em quadrinhos não é ideologicamente ‘neutra’. Ela é uma imagem das ideologias e, por vezes, achando-se investida de uma função de propaganda, é uma ideologia em imagens” (QUELLA-GUYOT, 1994, p. 72).

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Chico Bento Moço 2 – Confusões na cidade grande:Breve análise do corpus

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(SOUZA, Maurício de. Chico Bento Moço, nº 2, Ed. Panini, p. 8)

O texto ao lado mostra Chico Bento, já na cidade, em uma república de estudantes, policiando sua fala e sentindo-se aliviado pelo fato de não haver ninguém acordado para ouvir seu ‘caipirês’. Percebe-se, aí, o funcionamento da ideologia, que torna natural o sentido de que as pessoas da cidade falam “certo”, enquanto o morador do campo fala “caipirês”, errado; e, portanto, estando em um ambiente urbano, o modo de falar deve adequar-se ao lugar.

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(SOUZA, Maurício de. Chico Bento Moço, nº 2, Ed. Panini, p. 14-15)

Partindo do princípio de que os sentidos são construídos de acordo com a posição ocupada pelo sujeito que enuncia, conforme explica Pêcheux, Chico Bento reafirma a posição ideológica de que o campo e a cidade são lugares totalmente antagônicos e, por isso, as pessoas da cidade tornam-se estranhas para o morador do campo e vice-versa.

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(SOUZA, Maurício de. Chico Bento Moço, nº 2, Ed. Panini, p. 22-23)

A representação do homem do campo é construída a partir de já-ditos, oriundos do interdiscurso, conforme percebemos no texto supracitado. A figura do chapéu de palha, utilizado por Chico Bento para que o primo o identifique, a displicência com a bagagem no momento em que faz a ligação e, por conseguinte, o furto da mesma, seguida da reação de Chico, podem ser recuperadas no discurso e estão ligadas a FD de que o morador do campo é inocente, chegando até mesmo a bestificá-los.

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(SOUZA, Maurício de. Chico Bento Moço, nº 2, Ed. Panini, p. 32-33)

Expressões como “caipira da gema” e “um legítimo espécime de matutis caipirandus” corroboram com a ideia de que há uma discrepância entre o morador do campo e o da cidade, tomando-o como seres de “espécies diferentes”, conforme se verifica no enunciado em itálico. A primeira expressão, assim como outras já cristalizadas, ratificam a construção discursiva estereotipada sobre esse segmento social brasileiro.

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Considerações Finais

• De um modo geral, pode-se dizer que se inserirmos a relação do caipira com a cidade em um formação discursiva, temos um sentido; se a colocarmos em outra, observaremos outro sentido ali produzido. E essa prática simbólica toca as práticas sociais de tal modo que o fato de ser morador do campo afeta a possibilidade, por exemplo, de ser ignorante, isto é, desconhecer a cultura urbana ou se identificar com ela. Temos, então, a representação do homem do campo, um segmento social brasileiro, de maneira bem marcada.

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REFERÊNCIAS• FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do discurso: reflexões introdutórias. 2ª ed. São Carlos:

Editora Claraluz, 2008.

• HEINE, Palmira. Reflexões sobre o interdiscurso. In: Intersecções. Ano 3, n.1- abril 2010 (pdf).

• MENDONÇA, Márcia Rodrigues de Souza. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; e BEZERRA, Maria Auxiliadora (org.). Gêneros textuais e Ensino. São Paulo: Parábola, 2010.

• MUSSALIN, Fernanda. Análise do Discurso. In: MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução a Linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2004. v.2. p. 101-142.

• ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2012.

• PÊCHEUX, Michel; FUCHS, C. A propósito de uma análise automática do discurso: atualização e perspectivas. In: GADET, F; HAK, T: Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradução de Péricles Cunha, 3. ed. Campinas: Unicamp, 1997.

• QUELLA- GUYOT, Didier. (1994). A história em quadrinhos. Tradução de Maria Stela Gonçalves; Adail Ubirajara Sobral. Edições Loyola.São Paulo: Unimarco.

• SOUZA, Maurício de. Chico Bento Moço, nº 2, Panini: 2013.