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Page 1: REPERCUSSÕES DO DEBATE EPISTEMOLÓGICO DA ÁREA …•ES DO DEBATE... · objetivo investigar de que forma o debate epistemológico da Educação Física, ... EdUECE- Livro 2

REPERCUSSÕES DO DEBATE EPISTEMOLÓGICO DA ÁREA EM UM

CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Cláudia Aleixo Alves

(Universidade Federal do Espírito Santo)

Zenólia Christina Campos Figueiredo

(Universidade Federal do Espírito Santo)

Este artigo traz discussões desenvolvidas em uma dissertação de mestrado e tem por

objetivo investigar de que forma o debate epistemológico da Educação Física,

constituído, principalmente, a partir da década de 1980, se materializa em um currículo

prescrito de formação de professores, bem como compreender as interpretações e

reinterpretações que o currículo faz desse debate ao longo do tempo. O currículo

prescrito analisado compreende o Projeto Pedagógico de Licenciatura, Graduação

Plena em Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais, elaborado em

2005 e aprovado em 2006. Como procedimento metodológico foi utilizada a análise

documental do projeto pedagógico em questão e de documentos que auxiliaram a sua

elaboração. Perante as polaridades presentes no debate epistemológico da área, a

elaboração de um documento curricular, que envolve a participação de professores

com diferentes interpretações desse debate, acaba por gerar tensões e conflitos que,

por sua vez, se materializam no currículo. Apesar das divergências presentes no

documento curricular, o currículo analisado expressa um movimento epistemológico

permeado por cinco tentativas: compreensão da Educação Física numa perspectiva

cultural; rompimento com o colonialismo das ciências biológicas; superação de um

modelo esportivo nos moldes da racionalidade científica , superação da distância entre

teoria e prática e articulação entre diferentes campos de pesquisa. Diante do

entendimento do currículo como um documento que expressa um campo de lutas e de

poder, reafirmamos o nosso posicionamento da impossibilidade de um currículo de

formação de professores em Educação Física que expresse uma única identidade

epistemológica, já que as polaridades e divergências da área, não só epistemológicas,

mas também políticas se fazem presentes no momento de elaboração desse documento.

Resta-nos, agora, conhecer como essas divergências se configuram no currículo vivido

e na prática dos futuros professores que irão atuar nas escolas.

Palavras-chave: Educação Física. Currículo. Epistemologia

1- INTRODUÇÃO

A formação de professores de Educação Física tem sido tema frequente nos

debates dos congressos da área e nas instituições de ensino superior, impulsionado pelas

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

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reformas curriculares instauradas nos últimos anos. Diante disse, os interesses se voltam

para os currículos de formação profissional.

Neste estudo, parte de uma dissertação de mestrado, buscamos, por meio da

análise documental do currículo de Licenciatura em Educação Física da Universidade

Federal de Minas Gerais, investigar a materialização do debate epistemológico da

Educação Física em um currículo de formação de professores e ao mesmo tempo

compreender como esse currículo interpreta e reinterpreta esse debate.

2- SÍNTESE DO DEBATE EPISTEMOLÓGICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Com a intenção de mapear o movimento da discussão epistemológica da área,

estabelecemos três momentos marcantes da constituição do campo. A síntese desses

momentos é abordada aqui em uma ordem inversa, chamada por nós de Hoje, Ontem e

Antes de ontem.

O momento Hoje, segundo Almeida e Vaz (2010), pode ser percebido em torno

de dois eixos. São eles: a) a presença dos giros epistemológicos na Educação

Física/ciências do esporte e b) as reações à presença desses giros na área.

O desdobramento das diferentes formas de compreensão dessa relação divide os

autores da Educação Física entre aqueles que se orientam pela concepção que critica a

pretensão de verdade, como representação fiel da realidade, pois para eles a verdade

assume um caráter processual e aqueles que questionam essa posição, pois entendem

que dessa forma está se decretando o fim da objetividade, ou seja, o fim da

possibilidade de captar a verdadeira essência da realidade.

O momento Ontem revela um debate que divide os intelectuais da área entre a

vertente científica que vai tentar conferir cientificidade à Educação Física, ou

transformar ela própria em uma ciência e a vertente pedagógica que concebe a

Educação Física como prática pedagógica, mas que não descarta os conhecimentos

produzidos pela ciência.

O momento Antes de ontem, segundo Lima (2000) promove um debate que

assume um tom mais político-ideológico e menos epistemológico. De um lado, havia

um grupo de autores da área que assumiam uma posição dita de esquerda, progressista e

social, sob influência de teorias marxistas, que defendiam uma nova forma de conceber a

Educação Física além do modelo biomédico e esportivo que vinha sendo desenvolvido na área.

Do outro, um grupo composto por um discurso de direita, reacionário e

biológico, não tinha como propósito estabelecer uma relação entre a Educação Física e o

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

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sistema político-econômico e por isso foi acusado pelos primeiros de colaborar com as

mazelas produzidas pelo capitalismo.

Nessa breve apresentação do debate epistemológico da Educação Física

podemos perceber que este sempre foi marcado por polarizações/divergências entre seus

intelectuais, o que acabou por gerar alguns conflitos na área.

3- ANÁLISE DA REPERCUSSÃO DO DEBATE EPISTEMOLÓGICO NO

CURRÍCULO PRESCRITO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DA

UFMG

Ao analisar o Projeto Pedagógico de Licenciatura (PPL), percebemos que o

debate epistemológico da Educação Física se materializou em diferentes partes desse

documento: nos objetivos propostos; nas articulações estabelecidas com diferentes áreas

como a saúde, o esporte, a escola e a pesquisa; na grade curricular; na carga horária

dedicada às disciplinas; nas ementas, programas e denominações das disciplinas; nas

referências bibliográficas do documento; nas citações presentes ao longo do texto; e nas

críticas da Comissão de Avaliação do MEC assumidas pelo documento.

Em nossa análise, percebemos que a materialização desse debate no PPL

possibilitou que ele incorporasse alguns princípios epistemológicos, que são tratados

aqui como tentativas, já que se trata de um currículo prescrito. São eles: a) a

compreensão da Educação Física numa perspectiva cultural, que extrapola as

concepções defendidas pela corrente progressista ao não restringir a cultura ao

determinismo político-econômico, incluindo outros elementos, como raça, etnia, gênero,

característicos do multiculturalismo; b) o rompimento com o colonialismo das ciências

biológicas diante da influência que esse modelo possui na área, mas sem desprezar os

conhecimentos advindos deste; c) a superação de um modelo esportivo nos moldes da

racionalidade científica por meio do entendimento diferenciado do esporte da escola e

do esporte de rendimento, sem, porém, abrir mão da importância que este apresenta para

a área; d) a aproximação entre teoria e prática com base na relação do meio acadêmico

com o cotidiano da escola e dos alunos em formação com os professores que atuam nas

escolas; e e) a articulação entre diferentes campos de pesquisa, sem deixar, no entanto,

de apontar que é o modelo de pesquisa qualitativa aquele que melhor compreende o

campo da formação de professores.

Esses princípios, identificados como orientadores do PPL, não se configuram

alheios a outros princípios que se colocam em situação contrária, divergente, pois como

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

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afirma Paraskeva (2008, p. 136), o currículo como campo de construção do

conhecimento,

[...] expressa as intenções vertidas numa determinada política curricular que

se elabora na base de conflitos e compromissos, avanços e recuos, expressão

natural de um documento que deve ser entendido como um texto e como um

discurso construído para e a partir de uma prática – regulada – de poder.

Dessa forma, não podemos afirmar que o documento curricular incorporou uma

única identidade epistemológica, já que, se por um lado, no texto da apresentação da

proposta curricular, havia uma concepção epistemológica que se orientava por um

modelo de Educação Física, por outro, a grade curricular e as ementas, em alguns

momentos, se orientavam por outros modelos, por vezes contraditórios entre si, se

levarmos em conta as polaridades produzidas pelo debate epistemológico da área.

Nesse sentido, parece ser inviável uma proposta/desenvolvimento de um

currículo de Educação Física que tenha uma identidade epistemológica singular, ao

menos no contexto que investigamos, como propõe Taffarel (2012, p. 110), em que o

currículo contemplaria uma “[...] orientação epistemológica com base na teoria crítica,

de referência marxista; currículo com delimitação de um objeto preciso de estudo – a

cultura corporal”.

Alegamos ser inviável, no contexto investigado, porque como vimos, existem

diferentes formas de conceber a Educação Física e, além disso, não bastaria criar uma

proposta (no papel) que, aparentemente, seguisse o modelo sugerido por Taffarel, pois,

como a própria autora afirma, “[...] o estatuto epistemológico é materializado no interior

de um curso nas ações de professores e alunos para construir, produzir e apropriar-se do

conhecimento- configurando isso o processo de trabalho pedagógico” (TAFFAREL,

1993, p. 13).

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consequentemente, a materialização do debate epistemológico no currículo

prescrito investigado não se deu no sentido de que ele assumisse uma posição e

descartasse outra, ou seja, se orientar apenas por um lado do debate e permanecer fiel a

ele, se é que isso é possível. Percebemos que o currículo incorporou o debate

epistemológico e suas divergências, o que, a nosso ver, não poderia deixar de ser, já que

essa incorporação foi realizada mediante interpretações que os professores que

elaboraram esse currículo fizeram do debate epistemológico.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

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Após a realização dessa primeira parte do estudo, o nosso próximo passo é

investigar como essas divergências/diferenças no modo de conceber a Educação Física

presente no debate epistemológico da área afetam a formação dos futuros professores e

consequentemente a prática pedagógica destes.

5- REFERÊNCIAS

ALMEIDA, F. Q; VAZ. A. F. Do giro linguístico ao giro ontológico na atividade

epistemológica em Educação Física. Movimento, Porto Alegre, v. 16, n. 03 p. 11-29,

jul./set. de 2010. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/Movimento/ article/view/12485>.

Acesso em: 8 jul. 2012.

LIMA, H. L. A. Pensamento epistemológico da educação física brasileira: das

controvérsias acerca do estatuto científico. Revista Brasileira de Ciências do Esporte,

v. 21, n. 1, p. 95-102, 2000.

PARASKEVA, J. M. Currículo como prática (regulada) de significações. In: _______.

(Org.). Educação e poder: abordagens críticas e pós-estruturais. Porto: Edições

Pedago. 2008. p. 135-168.

TAFFAREL, C. N. Z. A formação do profissional da educação física: o processo de

trabalho pedagógico e o trato com o conhecimento no curso de educação física. Tese

(Doutorado em Educação)- Faculdade de Educação, Universidade Estadual de

Campinas, Campinas, 1993.

TAFFAREL, C. Z. Formação de professores de educação física: diretrizes para a

formação unificada. Kinesis, v.30, n.1, p. 95-133. Jan./Jun. 2012. Disponível em:

<http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/kinesis/article/view/5726>. Acesso

em: 14 dez. 2013.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

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