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Repercussões e especulações: o Império brasileiro sob a ótica da anexação da província de Chiquitos. Maria do Socorro castro Soares 1 Essa comunicação procura acompanhar o pensamento disseminado no ambiente revolucionário das ex-colônias espanholas, de que o Brasil se apresentava como inimigo das nascentes repúblicas emancipadas pelos Exércitos Libertadores de Simon Bolívar e Antonio José de Sucre. Busca junto ao corpo documental e bibliográfico pesquisado, contrapor a tese de que o Império brasileiro teria participado da tentativa de anexação da Província Alto peruana de Chiquitos ao Brasil, através da Província de Mato Grosso. Para essa disseminação de ideias muito contribuiu a imprensa platina, através do Jornal El Argos, que escudado no incidente chiquitano, buscou sensibilizar a opinião pública platina e, principalmente, a de Simon Bolívar, conclamando à “la guerra de la muerte” contra o Império brasileiro. Propõe um confronto historiográfico entre a literatura brasileira e a boliviana que tratam do assunto, apoiando-se, entre outros, principalmente, na interlocução do autor brasileiro Arnaldo Vieira de Mello e do autor boliviano Alejandro Ovando Sanz. Palavras-Chave: Império brasileiro; Política; Literatura; Mato Grosso; Emancipação As primeiras décadas do século XIX testemunharam na América do Sul os ventos que favoreceram os anseios libertadores das antigas amarras metropolitanas do “Velho Mundo”. As colônias hispânicas, insatisfeitas com as determinações administrativas externas, sentiam seus interesses internos prejudicados quando a metrópole privilegiava os chapetones 2 em detrimento dos criollos 3 . Assim, os motivos que deram origem às ações independentistas se sobrepuseram às questões ideológicas e se fundamentaram muito mais em elementos de ordem econômica e política (JUSTINIANO, 2004, p.128). Embora não se possa falar de homogeneidade ideológica no que tange às aspirações emancipadoras, há que se considerar que após a vitória de Ayacucho as tropas do Exército Libertador bolivariano tinham como último reduto realista a ser conquistado apenas a região alto peruana, ainda ocupada pelas forças realistas, comandadas pelo General Pedro Antonio de Olañeda. Entretanto, essa última resistência realista se encontrava circunscrita apenas à cidade de Potosi, sendo o seu General assassinado por seus próprios comandados. 1 Doutora em História (UFMT); Professora da Rede Estadual de Educação do Estado de Mato Grosso (SEDUC-MT). E-mail: [email protected] 2 Colonos nascidos na Espanha 3 Descendentes espanhóis nascidos na América.

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Page 1: Repercussões e especulações: o Império brasileiro sob a ... · Armas da Província e Secretário do Governo Provisório de Mato Grosso. A proposta de Sebastião Ramos baseava-se

Repercussões e especulações: o Império brasileiro sob a ótica da anexação da

província de Chiquitos.

Maria do Socorro castro Soares1

Essa comunicação procura acompanhar o pensamento disseminado no ambiente revolucionário

das ex-colônias espanholas, de que o Brasil se apresentava como inimigo das nascentes

repúblicas emancipadas pelos Exércitos Libertadores de Simon Bolívar e Antonio José de

Sucre. Busca junto ao corpo documental e bibliográfico pesquisado, contrapor a tese de que o

Império brasileiro teria participado da tentativa de anexação da Província Alto peruana de

Chiquitos ao Brasil, através da Província de Mato Grosso. Para essa disseminação de ideias

muito contribuiu a imprensa platina, através do Jornal El Argos, que escudado no incidente

chiquitano, buscou sensibilizar a opinião pública platina e, principalmente, a de Simon Bolívar,

conclamando à “la guerra de la muerte” contra o Império brasileiro. Propõe um confronto

historiográfico entre a literatura brasileira e a boliviana que tratam do assunto, apoiando-se,

entre outros, principalmente, na interlocução do autor brasileiro Arnaldo Vieira de Mello e do

autor boliviano Alejandro Ovando Sanz.

Palavras-Chave: Império brasileiro; Política; Literatura; Mato Grosso; Emancipação

As primeiras décadas do século XIX testemunharam na América do Sul os ventos

que favoreceram os anseios libertadores das antigas amarras metropolitanas do “Velho

Mundo”. As colônias hispânicas, insatisfeitas com as determinações administrativas

externas, sentiam seus interesses internos prejudicados quando a metrópole privilegiava

os chapetones2 em detrimento dos criollos3. Assim, os motivos que deram origem às

ações independentistas se sobrepuseram às questões ideológicas e se fundamentaram muito

mais em elementos de ordem econômica e política (JUSTINIANO, 2004, p.128).

Embora não se possa falar de homogeneidade ideológica no que tange às aspirações

emancipadoras, há que se considerar que após a vitória de Ayacucho as tropas do Exército

Libertador bolivariano tinham como último reduto realista a ser conquistado apenas a região

alto peruana, ainda ocupada pelas forças realistas, comandadas pelo General Pedro Antonio de

Olañeda. Entretanto, essa última resistência realista já se encontrava circunscrita

apenas à cidade de Potosi, sendo o seu General assassinado por seus próprios comandados.

1 Doutora em História (UFMT); Professora da Rede Estadual de Educação do Estado de Mato Grosso

(SEDUC-MT). E-mail: [email protected] 2 Colonos nascidos na Espanha 3 Descendentes espanhóis nascidos na América.

Page 2: Repercussões e especulações: o Império brasileiro sob a ... · Armas da Província e Secretário do Governo Provisório de Mato Grosso. A proposta de Sebastião Ramos baseava-se

Em que pese interesses ideológicos distintos, entre criar uma única confederação

republicana das ex-colônias (pensamento de Bolívar) e repúblicas autônomas, o fato é que em

1825, as ex-colônias hispânicas na América já se encontravam livres do jugo espanhol.

A notícia da capitulação de Ayacucho chegou à província alto peruana de Chiquitos em

março de 1825, quando a referida Província era governada pelo absolutista, Coronel de

Cavalaria, Dom Sebastião Ramos, que segundo Vazquez-Machicado:

[...] se vio indeciso ante la situación que se presentaba; absolutista como era,

se debatía impotente ante el naufrágio de sus princípios, pero por outra parte

no se resignaba a abandonar el mando que tenia. Em consecuencia, y mientras

se definían los horizontes y el mismo resolvia lo conveniente, creyó que lo

mejor era plegarse em princípio a los nuevos triunfadores [...] (VAZQUEZ-

MACHICADO, 1938, p. 371).

Entretanto, embora tendo comunicado sua adesão à causa independentista, Sebastião

Ramos recorreu à proteção do Império brasileiro, através da vizinha Província de Mato Grosso,

sob o agenciamento de Manuel Velozo Vasconcelos que, oportunamente era Comandante das

Armas da Província e Secretário do Governo Provisório de Mato Grosso. A proposta de

Sebastião Ramos baseava-se em se colocar sob proteção do Império brasileiro e permanecer

com a prerrogativa de governador até a retomada da América espanhola por Fernando VII. Em

contrapartida, o Império brasileiro seria usufrutuário dos rendimentos auferidos pela Província

chiquitana.

Foi nesse cenário de lutas e disputas territoriais que o episódio de Chiquitos serviu de

estopim para o desencadeamento da construção de uma imagem negativa do Império brasileiro

junto às novas repúblicas que se formavam. A essas novas Repúblicas se sobrepunha a ótica de

que a sede expansionista brasileira visa à extensão de suas fronteiras em detrimento do “Direito

das Gentes”.

Segundo as novas Repúblicas, o Império brasileiro já havia “usurpado” a Banda oriental,

pertencente às províncias Unidas do Rio da Prata e, não satisfeito, invadiu também a Província

de Chiquitos no Alto Peru. Assim o incidente passa a ser utilizado como justificativa para um

possível acordo militar contra o Império brasileiro.

A esse respeito Santos esclarece que:

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Para os vizinhos do Império[...], o incidente de Chiquitos ganhou foros de

agressão premeditada contra as repúblicas, especialmente, no momento em

que a posse brasileira sobre a província Cisplatina voltava a ser contestada.

Nesse quadro, a atitude intempestiva das autoridades de Mato grosso quase

que acabou por catalisar a formação de uma poderosa aliança antibrasileira.

(SANTOS, 2002, p. 26)

O pensamento de que o Governo brasileiro pudesse se constituir em “reserva” da Santa

Aliança na América para a recolonização das jovens Repúblicas e obstaculizar o processo

emancipatório, foi ganhando espaço no imaginário republicano das ex-colônias hispânicas e se

fazendo presente em parte da sua literatura historiográfica.

Dentre os autores pesquisados, o boliviano Jorge Alejandro Ovando Sanz, apresenta

argumentações bem severas em relação ao Império brasileiro, quando afirma categoricamente:

[...] el ataque brasileño de 1825 se produjo como expresión de una nueva

política expansionista, más agressiva, puesta en ejecución por la Corte de los

Braganza, a partir de 1822, cuando Pedro I formó el império del Brasil. Detrás

de las aparentemente caprichosas maniobras pro española de Carlota Joaquina,

estaba la no menos absurda ambición de la família real portuguesa de

coronarse con el cetro de un Imperio Andino, en la supocisón de que la

cordillera de los Andes pertenecia al Brasil. (SANZ, 1986, p. 29)

O fato de o Alto Peru ter pertencido ao Vice reinado do Peru e posteriormente ao Vice

Reinado do Rio da prata, serviu como condicionante para colocar essa região como alvo de

disputa entre os antigos Vice reinados, desconsiderando a própria autonomia Alto peruana. Em

relação a isso Simón Bolívar se posicionou, em carta a Francisco de Paula Santander, datada de

18 de fevereiro de 1825, afirmando a complexidade da região, circunstância em que asseverou:

[...] el alto Perú pertenece de derecho al Rio de la Plata, de hecho a espana, de

voluntad a la independência de sus hijos que quieren un Estado aparte, y

pretención pertenece al Perú que lo há poseído antes y lo quiere ahora.

(MELLO, 1963, p. 67)

Desse pensamento também comunga Gabriel Rene Moreno quando afirma:

Tenemos aqui en mismo campo três soberanias; primera, la del Alto Perú

llamado a decidir sobre su suerte; segunda y terceira soberanias, las del

Congreso Peruano y Congreso Argentino [...] Con solo enunciar la

coexistência se advierte que, por propia naturaliza o si quiere por causa de

incompatibilidade radical, la soberania alto peruana era excluyente de las otras

dos. (MORENO, 2014, p. 511-512)

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Entretanto, Ovando Sanz contrapõe afirmando que a disputa pelo Alto Peru passava pelo

crivo de cinco soberanias, ou seja, a essas três juntavam-se também a ex-metrópole hispânica e

o império brasileiro. O autor sustenta ainda que a ação brasileira em Chiquitos buscava

incorporar ao Império brasileiro “[...] una vastíssima región fabulosamente rica en recursos de

toda índole [...]”. (SANZ, 1986, p. 29)

Percebe-se que Sanz enfatiza a condição de riqueza” para enaltecer a região

chiquitana, apontando como uma possível justificativa para a ocupação da província por tropas

brasileiras. No afã de apontar o Império brasileiro como responsável pela investida, o autor

entra em choque com a descrição apontada por Oscar Tonelli Justiniano, quando se referindo à

mesma região e ao mesmo período cronológico a descreve da seguinte forma:

Las consecuencias económicas y sociales que trajo aparejada la Guerra

de la independencia en Alto Perú, fueron diversas y muy significativas.

En el caso especifico de Chiquitos, se puede decir que sumieron a una

provincia que ya se encontraba en decadencia, en uma situación de relativo

desorden y desolación. […] todo lo anterior, pero especialmente las

contribuciones forzosas, determinaron que en Chiquitos se campeara la

miseria y que por ende la población pasara necesidades e inclusive llegara a

sufrir hambre. (SANZ, 1986, p. 29)

Se durante o período das guerras de independência a província de Chiquitos havia

contribuído, forçosamente ou não, com o fornecimento de braços para a disputa armada, grãos,

carne vacum, muares, equinos, armas e outros bens e produtos, ao término das pelejas

independentistas, a mesma província se encontrava exaurida. A agricultura, em função

da diminuição de braços para o trabalho reduziu sensivelmente os rendimentos.

A diminuição da força de trabalho nessa área deveu-se, principalmente, às constantes

migrações de jovens nativos, que diante das circunstâncias buscavam em outros lugares

alimentar melhores expectativas de vida, como esclarece Justiniano Tonelli:

[...] después de 15 años de revolución, debieron quedar

pocos hogares chiquitanos sin bajas, heridos o lisiados o

miedo da hambre y miseria determinaron o éxodo de

muchas familias […] (JUSTINIANO, 2004, p. 144)

Diante dessa situação de desgaste e penúria, a teoria de que a invasão de Chiquitos foi

obra da sede imperialista do Imperador Pedro I vai se diluindo, à medida que se considera

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que a própria província mato-grossense (lócus da tentativa de anexação), se encontrava

também em situação de instabilidade político-econômica interna.

Em que pese a determinação imperial para a constituição de um Governo Provisório uno

em Mato Grosso, a província continuava com os cofres públicos extenuados, situação que

parecia aprofundar ainda mais a acirrada disputa pelo poder administrativo entre seus

principais núcleos urbanos: Vila Bela da Santíssima Trindade e Cuiabá.

Esses elementos se constituem como contrassenso a um possível projeto de “usurpação

territorial”, que traria ao Império brasileiro, além do ônus econômico de uma província em

decadência, um desgaste diplomático desnecessário com as incipientes repúblicas vizinhas.

O contexto dos acontecimentos durante o processo e período imediatamente pós-

independente das colônias hispânicas e as relações destas com o Império brasileiro, foi

formando opiniões e sedimentando a construção historiográfica da imagem do Brasil. Tomando

como parâmetro o episódio da tentativa de anexação da província de Chiquitos ao Império

brasileiro, Juan Bautista Alberdi assegura:

Con la disolución del virreinato de Buenos Aires debido a la victoria de

Ayacucho, en el que Bolívar se emancipa de la energía española estas

provincias argentinas, el Brasil juzgaron el momento propicio para colocar

en el suelo la provincia de Chiquitos, pero Sucre, llevando a la empuñadura

de la mano de la espada, pidió explicaciones, que no tomó el emperador

d. Pedro dando por asignar esta responsabilidad a un error del Presidente de

Mato Grosso. (ALBERDI, 1946, p. 279)

A esse respeito, também comenta o agente americano em Buenos Aires, John

Murray Forbes, em correspondência com seu governo, em 27 de junho de 1825:

[...] não podia ser outro, senão o ressentimento de um exército patriótico,

numeroso e triunfante, sob as ordens de Bolívar e Sucre, contra essa

torpe tentativa do Imperador do Brasil de estender um domínio que só em

meio a tremores pode manter em seu próprio país. (Apud MELLO, 1963, p.65)

Ainda segundo Forbes, já havia desembarcado no Rio de Janeiro reforços vindos da

Áustria para auxiliar o Império brasileiro na disputa que se descortinava, evidenciando o

apoio da Santa Aliança ao interesse expansionista do Imperador brasileiro. Em que pese

o tom nacionalista, essa assertiva suscitou críticas do historiador integralista Gustavo

Barroso, quando rebate essas afirmações como “[...] torpe invencionice [...] quando na

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realidade tudo em Chiquitos não passara de uma leviandade provinciana”.

(BARROZO, 1965, p.71)

Barroso contesta de forma entusiasmada a não participação imperial no assunto

e critica de forma severa a atitude do agente americano esclarecendo que:

É incrível que um agente diplomático tenha servido de veículo a tão ridícula

atordoada. O Imperador da Áustria nunca mandou um soldado ao Brasil e as

relações entre ele e D. Pedro I foram sempre frias [...]. O Brasil recém-

emancipado não podia se vincular à Santa Aliança, que o ameaçava tanto

quanto às outras novas nações americanas. (BARROZO, 1965, p.71)

O pensamento de que o Brasil se apresentava como inimigo das nascentes repúblicas e

que receberia reforços da Europa, parece ter feito morada no imaginário efervescente do

ambiente revolucionário daqueles anos, pois, também Bolívar, em carta a Antonio José de

Sucre, em 20 de janeiro de 1825, deixa patentes seus receios em relação ao trono brasileiro:

[…] por las noticias que vienen de Europa y del Brasil sabemos que la

Santa Alianza trata de favorecer al Emperador del Brasil con tropas

para subyugar la América española, por consagrar el principio de

la legitimidad y destruir la revolución. También he sabido que los españoles

del Perú habían entrado en relaciones con el emperador del Brasil con la mira

de entrar en el gran proyecto de subyugación general, adhiriendo entre sí a los

principios monárquicos. (LIMA, 2003, p. 71)

E a imagem do Brasil em relação às Repúblicas que se iam formando foi sendo

pintada com as cores que lhe queriam dar. Como ocorreu em assembleia parlamentar

em Buenos Aires, com data de 8 de julho de 1825, quando o deputado argentino Julian

Segundo Agüero, justificando a necessidade de reforços e de maior atenção na questão da

Banda Oriental, por parte do seu governo declarou:

Yo sostuve entonces, que no había que engañarnos, y que estaba ya marcada

la época en que el Gobierno del Brasil debía desplegar sus planes para la

ocupación completa de la Banda Oriental, en los cuales va envuelta la

ocupación de los puntos ulteriores, sin los cuales la Banda Oriental no tendría

una perfecta seguridad. Han sobrevenido señores, sucesos que nos

han manifestado, que se extiende à mucho mas la ambición de aquella

corte. Quien habría pensado u la provincia de Chiquitos hubiera sido invadida,

como en efecto lo ha sido, y del modo que se la hecho, con el mismo objeto y

los mismos planes de engrandecimiento de aquel Estado sobre la ruina de uma

Republica imediata. (RAVIGNANI, 1937, p. 72)

Já o agente americano no Brasil, Condy Raguet, escrevendo também ao seu governo, em

27 de agosto de 1825, trata da questão de Chiquitos dando conta da desaprovação do

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governo brasileiro, porém, deixando transparecer uma ótica tendenciosa, colocando em

dúvida a não participação brasileira na tentativa de anexação:

[...] não obstante a aparente desaprovação, não faltam os que suspeitam

suficientemente para crer que o governo de Mato Grosso não se teria

aventurado nunca a empresa tão arriscada como a invasão do Peru sem

ordens da autoridade Superior, expedidas antes do mês de fevereiro, época

em que as últimas informações daquele país apresentavam como

bamboleante a causa republicana e o exército Real numa situação de obter

benefícios com a cooperação do Imperial [...]. Confesso que me sinto um tanto

cético quanto à autenticidade do documento. Se resultasse autêntico não

revelaria senão uma torpe demonstração da habilidade dos seus autores

para saírem do dilema, pois dificilmente provável que o tratado de União tenha

podido ser ratificado sem a assinatura do Presidente ou do Ministro aqui, se à

primeira vista não tivessem descoberto que os procedimentos foram obra de

uma minoria. (MELLO, 1963, p. 67)

A questão de Chiquitos também não passou impune pela pena da imprensa rio-platense,

que não economizou tinta para levar à opinião pública uma imagem depreciativa do

governo brasileiro, conforme publicação do El Argos, jornal argentino ligado ao governo,

com data de 25 de junho de 1825:

[...] recebemos, não sem assombro, a notícia de que uma divisão de brasileiros

de Mato Grosso introduziu-se no Alto Peru e ocupou a província de

Chiquitos, sem observar nenhuma das formas que prescreve o Direito das

Gentes às nações que se dizem civilizadas [...]. Jamais acreditamos que

chegasse a tal ponto a imprudência e o desejo desenfreado de conquista o

levasse a investir contra as considerações mesmas a que deve sua

existência. E não contente de atrair sobre si a inimizade de todas as Repúblicas

do continente, ostentando a sua política arbitrária e perigosa com a retenção

da Banda Oriental; quis mais, chocando-se abertamente com elas e

provocando-as a uma guerra imediata [...]. (Apud MELLO, 1963, p.69)

O empenho jornalístico do El Argos continuou fomentando a discórdia, na tentativa de

demonstrar que um conflito entre o Exército Libertador e o Império brasileiro, além de

necessário era inevitável. Sendo o Jornal El Argos ligado ao governo rio-platense, o

interesse em angariar a simpatia pública e, principalmente do Libertador, contra o Império

brasileiro, justifica-se quando é analisada a posição de Bolívar em relação à participação de um

conflito armado entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata.

A depreciação do Império brasileiro e a possível participação de Bolívar no conflito

atenderiam frontalmente aos interesses de Buenos Aires em relação à margem Oriental. Nessa

perspectiva, sabendo da ocupação de Chiquitos por tropas de Mato Grosso:

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[...] muy celebró el gobierno de Buenos Aires, el sucesso de Chiquitos, porque

creyó que el Libertador, entraria de seguro en sus miras, si quería vengar la

inmerecida ofensa. Sin embargo, la participación Bolivariana no se observo

(PAZ, 1999, p. 696)

Ovando Sanz, em suas análises sobre a questão de Chiquitos, aponta este episódio como

base para a justificativa de um enfrentamento bélico contra o Império brasileiro, e mais,

a ocupação da tropa mato-grossense na região chiquitana, por si só, já justificaria a

realização do Congresso do Panamá:

[...] La olvidada guerra de Chiquitos, es la clave no sólo de la lucha por la

independencia de la Banda Oriental del Uruguay, sino también de la

convocación al Congreso de Panamá, con vistas a formar una Gran

Federación Americana. (SANZ, 1986, p. 100)

Pelo contexto dos acontecimentos, é possível se compreender que uma condicionante

responsável pela não participação de Bolívar no conflito pode ser atribuída à oposição da

Inglaterra quanto ao envolvimento do Exército Libertador na questão cisplatina. Essa oposição

fez com que Bolívar determinasse a Sucre grande cautela em relação à questão de

Chiquitos, afirmando que agisse “[...] com muita prudência e delicadeza, a fim de não

faltarmos ao nosso governo nem desgostarmos a nossa amiga” (SANTOS, 2000, p.29)

No Brasil, um dos precursores dos estudos da hispano-américa e dos poucos autores

que trataram da questão de Chiquitos foi o pernambucano Sílvio Júlio de

Albuquerque Lima4. Porém, sua aproximação profissional com as repúblicas andinas parece

ter feito com que este autor preferisse tratar do assunto de forma reduzida e colocar sob suspeita

a não participação do Imperador brasileiro na questão. Segundo Sílvio Júlio, Mato Grosso

aceitou a incorporação por que:

[...] adivinhou, pressentiu a direção da política de Pedro I e quis alcançar-lhe

as simpatias [...]. A maioria ousou cometer a falta, na quiçá esperançosa

aprovação de Pedro I. [...] insignificantes figurinhas de uma obscurantíssima

junta governativa lá da fronteira jamais dariam um passo de tanta

periculosidade, caso não supusessem que atendiam, assim, aos desejos

do poder central e supremo [...]. As autoridades de Vila Bela, nunca

4 Historiador, professor, ensaísta, jornalista, filólogo, poeta e contista brasileiro; nasceu em Pernambuco em 1895.

Lecionou na Universidade do Brasil (UFRJ), ocupando a cátedra de História da América. Lecionou na Universidad

Mayor de San Marcos, no período de 1960 a 1973. Foi um dos primeiros acadêmicos brasileiros a se dedicar,

sistematicamente, a estudos sobre a América hispânica; orientou, entre outras, a primeira tese de doutorado em

história, defendida por uma mulher, no Brasil, a historiadora Eulália Lobo, especialista em História hispano-

americana. Disponível: www.revistas.usp.br/revhistoria/article/viewFile. Acesso em: 24/11/2014

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procederiam como procederam se o ambiente nacional não estivesse

impregnado da mentalidade bucaneira de Pedro I. (LIMA, 1961, p. 199)

Sílvio Júlio, imbuído de admiração pela causa republicana das ex-colônias e aos feitos

bolivarianos, refere-se ao governo provisório de Mato Grosso de forma pejorativa e externa sua

repulsa à monarquia, na pessoa de D. Pedro I. Fazendo alusão ao sistema monárquico, ensaia

uma apologia às recentes repúblicas platinas inferindo que “[...] Antes da independência

tudo era escuridão, servidão, submissão à monarquia absoluta; com a independência

surgem a luz, a soberania nacional, a liberdade republicana”. (LIMA, 1957, p. 8)

Insinua atribuições ao Imperador brasileiro, colocando-o sob suspeita de ter autorizado o

governo provisório de Mato Grosso a aceitar a incorporação da província chiquitana e à invasão

da tropa na província alto-peruana.

Em relação à desaprovação enérgica da anexação por D. Pedro I, Sílvio Júlio informa:

É compreensível [...] a raiva, a ferocidade com que repeliu, ao senti-

lo impossível de efetivá-lo [...]. Quando se inteirou do fato, não teve

nenhum dos arrancos epileptoides que o invadiam constantemente. Só ao

se informar das reações que aquela parvoíce estava suscitando a criar-

lhe em torno muralhas de desconfiança é que ordenou a publicação de 6 de

agosto de 1825. (LIMA, 1961, p.199)

Sílvio Júlio chega a sustentar que a “Corte do Rio de Janeiro soubera do caso de 13 de

abril de 1825 antes de 6 de agosto de 1825 [...]”(LIMA, 1957, p. 8) e sugere que a distância

entre a capital do Império e Mato Grosso poderia ser percorrida em tempo bem inferior a quatro

meses de viagem. A afirmação de que o Império brasileiro já tinha conhecimento da anexação

em datas anteriores à da Portaria Imperial de 6 de agosto, induz a concluir que Sílvio Júlio

sugere, entrelinhas, que se o Império brasileiro soube, antes da comunicação oficial, e não

tomou providências em desfazer a anexação é porque não tinha interesse que fosse desfeita, ou

então, o mesmo Império, poderia ter, inclusive, autorizado tal medida. Entretanto, o autor não

apresenta nas obras consultadas nenhuma fonte que confirme suas insinuações.

Em relação à distância apontada por Sílvio Júlio, Arnaldo Vieira de Mello (1963),

esclarece:

[...] prova o autor que não leu a correspondência da época entre o Rio de

Janeiro e Mato Grosso. Porque a precariedade e lentidão das

comunicações se faziam sentir até nos casos mais urgentes, como se verifica

pelo aviso da declaração de guerra do Brasil às Províncias Unidas que,

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remetido a Mato Grosso em 23 de dezembro de 1825, só teve o seu

recebimento acusado em Cuiabá no dia 15 de abril de 1826. (MELLO, 1963,

p. 25)

Na historiografia brasileira consultada que trata da tentativa de anexação de Chiquitos,

com exceção de Sílvio Júlio de Albuquerque Lima, todos atribuem o ônus da negligência à

inabilidade política dos membros do Governo Provisório de Mato Grosso e não ao Imperador

brasileiro. Esse é o caso de Hélio Vianna que, embora não comente de forma mais ampla a

respeito da questão de Chiquitos, tem a preocupação de esclarecer que a tentativa foi feita por

alguns membros do Governo Provisório de Mato Grosso, porém, alguns membros deste

mesmo governo “[...] mais esclarecidos, voltaram atrás de sua resolução [...]

anulando as providências tomadas antes”. (VIANNA, 1961, p; 64)

Antonio Pereira Pinto é um dos poucos autores brasileiros que tratam da questão de

Chiquitos, embora que superficialmente. Este autor afirma que o assunto não foi bem difundido

pela historiografia brasileira. Assevera que a política de conquista jamais foi meta nos planos

do governo brasileiro. Justifica que o vazio historiográfico em relação ao assunto deveu-se

principalmente ao “[...] cuidado que os estadistas do primeiro Império sempre manifestaram

de respeitar a integridade das Repúblicas circunvizinhas”. (PINTO, 1871, p. 21)

Contudo, essa justificativa se debilita quando se analisa que a posição dos “estadistas”

brasileiros deveria ser justamente o contrário, uma vez que a imagem do Império se encontrava

fragilizada frente às repúblicas vizinhas. Ou seja, divulgar e dar transparência aos fatos

seria, naquele momento, a maior prova de “respeito” à “integridade” das repúblicas que se

estavam erigindo.

Apesar de Pereira Pinto fazer alusão ao assunto, deixa lacunas em relação aos elementos

que deram causa e as consequentes repercussões da tentativa de anexação da província alto-

peruana de Chiquitos ao Império brasileiro. Na breve exposição do episódio, o autor, referindo-

se ao teor do documento Imperial que desaprovou a conduta do Governo provisório de Mato

Grosso, sai em defesa do Império brasileiro concluindo que:

[...] tão recta linguagem, tão elevados sentimentos como os que exprimem a

resolução imperial [...] redarguem victoriozamente às allusões, tantas

vezes reproduzidas contra a política de absorpção atribuída ao governo

brasileiro. (PINTO, 1871, p. 21)

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Outro autor brasileiro que dá conta da lacuna historiográfica de Chiquitos na literatura

brasileira é o diplomata e historiador Argeu Guimarães. O mesmo faz uma crítica à

inércia historiográfica brasileira em relação ao tema afirmando que:

[...] o fato, longe de constituir para nós mácula ou desdouro,

representa, ao invés, padrão de glória, pela lealdade e honradez com

que desautorizou o gesto desasado de Araújo e Silva e, espontânea

e decorosamente, restituímos o território anexado. (GUIMARÃES, 1938.

p.133)

Guimarães em sua fala deixa transparecer, quase, uma justificativa para que

o tema seja explorado na seara da historiografia brasileira, quando afirma que, ao

contrário da omissão, o fato deve se constituir em marco de “lealdade e honradez”, pela

forma “decorosa” com que a anexação foi desfeita por “nós” brasileiros. Nessa mesma linha, o

acompanha Basílio de Magalhães, quando também enaltece a desanexação informando que

“[...] revestiu-se de íntegra nobreza o procedimento do Brasil em relação a esse deplorável

incidente [...]”. (MAGALHÃES, 1940, p. 293)

Porém, estes autores não tiveram, em suas obras, a anexação de Chiquitos como objeto

de estudo. Não apresentam um aprofundamento que concatene causas e consequências. Isso

fica claro quando Guimarães se refere a Araújo e Silva como se o mesmo fosse responsável

direto pela invasão, deixando de considerar que Araújo e Silva era um militar e para que

empreendesse uma missão dessa natureza teria que, necessariamente, ser autorizado por seus

superiores, responsáveis pelos destinos político-administrativos da província. Portanto,

entende-se que “o gesto desasado” de Araújo e Silva obedeceu à determinações superiores de

ordem provincial, até por que se fossem imperiais, o contingente que acompanhou o

Comandante militar provavelmente contaria com uma tropa muito maior.

Na perspectiva de que a anexação de Chiquitos foi obra do Governo Provisório de Mato

Grosso e não de ambições expansionistas territoriais do império brasileiro, corrobora

a informação notificada no Diário Fluminense em 20 de agosto de 1825, que

embora longa, é interessante por se tratar de uma manifestação que expressa o

posicionamento do Império brasileiro em relação ao assunto:

[...] é tão repreensível o comportamento do Governo Provisório

, que escusaria nossas reflexões, se nós quiséssemos deixar este

objeto às variadas interpretações de alguns gênios prevenidos. –

Page 12: Repercussões e especulações: o Império brasileiro sob a ... · Armas da Província e Secretário do Governo Provisório de Mato Grosso. A proposta de Sebastião Ramos baseava-se

Que ideias tinha o Governo Provisório daquela Província quando

aceitou a precipitada federação? Tinha ele por ventura os olhos

sobre a imensidade do Brasil? Que novos grãos de força, ou de

riqueza lhe pretendia dar por uma aquisição impolítica, odiosa,

e reclamadora do direito das gentes? Quando? Em que tempo mostrou

o Governo de S. M. I. que tinha intenções agressoras contra os

Estados seus conterrâneos? [...] era, portanto, de se esperar que S. M.

o Imperador estranhasse com a mais pronunciada indignação a

conduta do Governo provisório de Mato Grosso, pela incompetência

de sua conduta [...]. As províncias limítrofes do Império já

deveriam conhecer este sentimento da nossa política; mas parece que o

gênio da intriga se esforça em algumas para romper o vínculo da boa

inteligência, que o Governo deseja ver inofenso. Não é, contudo, de

supor, que as suas ideias, tão solenemente enunciadas, caiam

do conceito, em que deveriam ser consideradas, pela conduta

irregular de uma Província, que se autorizou por si mesma a cometer

a violência em questão. (DIÀRIO FLUMINENSE, agosto de 1825)

A nota procura esclarecer que coube à província de Mato Grosso a participação

autônoma na contenda anexionista. A preocupação com a margem do governo brasileiro

se evidencia na redação jornalística quando é atribuída ao “gênio da intriga” a

responsabilidade pela disseminação pejorativa incidida ao Império brasileiro. Parte

dessa “intriga” pode ser entendida quando se lê no El Argos, de 2 de julho de 1825, a

seguinte publicação:

[…] Había visto la conducta de este trono inicuo y

despreciable. Atravesar desiertos inmensos de sus territorios a

robar uno de su vecino y robarla como escandalosa e

indignante: seduciendo a su jefe tan entregada, y presentarte con

todo el aparato de guerra, sin observar las formas en que la cultura

requiere [...]. La guerra de la muerte es el único medio de conciliación.

(Apud MACHICADO,1988, p. 80)

Tem-se, pois, a questão colocada sob a ótica de dois veículos de imprensa oficial

responsáveis por expressarem e divulgarem os interesses de seus respectivos governos.

O Diário Fluminense ligado ao governo brasileiro e El Argos a Buenos Aires. Sendo

as matérias veiculadas por ambos ideologicamente direcionadas, percebe-se o empenho

da redação no sentido de sensibilizar e justificar atos e fatos.

No caso do Diário Fluminense, a preocupação em eximir Sua Majestade de

qualquer responsabilidade na questão de Chiquitos chega a ser redundante; a província

de Mato Grosso recebe o ônus de sua imperícia política e desobediência ao Direito das

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Gentes. A preocupação com uma imagem positiva do Império brasileiro foi sendo

tecida pelas tintas tipográficas do Diário Fluminense.

Em contrapartida o El Argos, escudando-se no episódio de Chiquitos,

busca sensibilizar a opinião pública platina e, principalmente, a de Simon Bolívar,

conclamando à “la guerra de la muerte”. O apoio bolivariano atenderia aos

anseios de Buenos Aires de trazer para si o jugo da

Banda Oriental, intento, segundo o pensamento platino, passivo de ser

alcançado caso o Exército Libertador fizesse frente no combate bélico contra

o Brasil.

A respeito das Portarias Imperiais de 6 e 13 de agosto de 1825, publicadas no Diário

Fluminense, as quais tornam sem efeito a anexação da província de Chiquitos, o autor

boliviano Ovando Sanz contrapõe afirmando ser essa determinação uma “versão

brasileira” da ocupação, manifestando a tese defendida por ele de que:

Naturalmente tal versión se vería en la imposibilidad de probar que

ella era la mejor forma de precautelar la defensa de la capital

de Mato Grosso pero si estaría em condiciones de demonstrar no solo

que las autoridades de esa provincia actuaron para hacer un

servicio a Su Majestad Imperial y al Imperio, sino que respondía a

los objetivos expansionistas de la Corona, y que fue iniciativa

de ella. Lógicamente, los términos de la orden no son en absoluto

convincentes, en especial si se toma en consideración la tardanza con

que fueron redactados, alegando falta de conocimiento oportuno del

assunto. (SANZ,1986, p. 126)

Ou seja, segundo este autor, os documentos dão conta da necessidade

de negar uma intenção expansionista por parte do Império brasileiro, como

também objetivava “maquiar” a imagem imperial para viabilizar o seu

reconhecimento pelas nações europeias.

Em relação à “tardanza” no posicionamento do governo brasileiro sobre

o assunto, convém saber que mediante as dificuldades de comunicação da época, a Corte

brasileira só tomou conhecimento do fato em agosto de 1825, quando D. Pedro I ordenou

Portaria, firmada pelo então Ministro do Império, Estevão Ribeiro de Resende, em 15 do

mesmo mês, tornando sem efeito a tentativa de anexação.

O recebimento desse documento foi acusado já na gestão do Presidente da

Província de Mato Grosso, José Saturnino, em 25 de dezembro de 1825. Ou

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seja, O Governo Provisório já tinha inclusive deixado de existir. Isso prova a

precariedade das comunicações entre o Rio de Janeiro e a província mato-grossense,

condição óbvia da falta de celeridade nas informações.

O que o nobre historiador boliviano deixou de esclarecer em sua obra é que seria

pouco provável que ao Império brasileiro interessasse um conflito dessa natureza,

considerando o respeito que este mesmo Império tinha pela causa republicana das

repúblicas vizinhas. Isso poderia ter sido explorado pelo autor se o mesmo tivesse

considerado o que diz o Diário Fluminense em 3 de março de 1825:

[...] Vimos cartas comerciais de Lima, datadas de 31 de agosto de

1824, relatando o descorsoamento das autoridades espanholas

em relação aos avanços do Exército Libertador. [...] os

espanhóis [...] sentiram grande consternação sabendo sua

impossibilidade de contenderem com a cavalaria colombiana [...]. O

Exército de Bolívar estava muito entusiasmado e na melhor

ordem. (DIÁRIO FLUMINENSE, março de 1825)

Ainda no Diário Fluminense do dia 4 de março de 1825, é publicada a seguinte

nota:

Finalizou enfim a renhida contenda dos independentes espanhóis da

América com os realistas, e triunfou a causa da justiça e da razão;

sim, Bolívar, este imortal propugnador da independência da

América espanhola, conseguiu expulsar por uma vez para fora do

território americano ao Vice-rei do Peru D. José de La Serna. [...] não

temos por hora obtido os detalhes da ação, que decidiu a

independência da América espanhola, ansiosamente os procuramos,

e logo que os tenhamos nos apressaremos em os apresentar a nossos

leitores. (DIÁRIO FLUMINENSE, março de 1825)

Promessa cumprida. Em 18 de março de 1825, o Diário Fluminense deu

conta da capitulação do Exército espanhol no Peru, tornando público os Artigos

da Capitulação propostos por D. José Cauterac, Tenente Coronel dos Reais Exércitos de

Sua Majestade Católica. (DIÁRIO FLUMINENSE, março de 1825)

Vê-se, portanto, que o Império brasileiro não estava alheio ao processo das lutas

independentistas das repúblicas vizinhas e, nem tampouco, parece demonstrar

interesse em uma vitória espanhola. Pelo contrário, percebe-se expectativas

positivas em relação ao Exército Libertador de Simon Bolívar, quando enaltece a

figura do Libertador por ter conseguido “ expulsar por uma vez para fora do território

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americano ao Vice-rei do Peru D. José de La Serna”. (DIÁRIO FLUMINENSE, março

de 1825)

Essas publicações se constituem em grande relevância por terem sido publicadas

em datas anteriores aos acontecimentos de Chiquitos. Entende-se que essas

manifestações públicas, através de um meio de comunicação que representava o

pensamento do governo vigente no país, e, portanto, formador de opinião, não arriscaria

cair no descrédito público, autorizando a ocupação de uma província que não lhe

pertencia.

Isso levar a crer que esse meio de comunicação provavelmente não desconsideraria

o que, a pouco mais de trinta dias da tentativa de anexação da província de

Chiquitos, havia referido com tanta ênfase à pessoa do “imortal Libertador”, citado

na nota do dia 4 de março de 1825. Portanto, anterior à comunicação feita pelo Governo

Provisório de Mato Grosso, informando ao Império a anexação, datada de 15 de abril de

1825.

Como dar crédito a uma ação premeditada do Império brasileiro, quando esse

mesmo Império reconhecia que a participação de Bolívar no processo emancipador da

América representava o triunfo da “justiça” e da “razão”? Que adjetivava a pessoa de

Bolívar como o “propugnador da independência da América”?

Duvidoso também conceber a ideia de que o Governo brasileiro tinha intenções em

fortalecer ao Vice-Rei do Peru, La Serna, contra os patriotas. Basta considerar que após

a vitória de Ayacucho o Vice-Rei, em seu retorno à Espanha, demorou alguns dias no Rio

de Janeiro acompanhado de alguns oficiais superiores, subalternos e alguns civis,

recebendo do Governo brasileiro todo o favorecimento burocrático para que os mesmos

seguissem viagem.

Caso o Brasil estivesse alicerçado pelos interesses da Santa Aliança como

desconfiavam os independentistas, não seria esse um momento propício para a

possibilidade de colocar em prática um plano de ação? Entretanto, o Ministro Carvalho e

Melo assina uma Ordem em 24 de março, publicada pelo Dário Fluminense em 2 de abril

de 1825 com a seguinte determinação:

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Manda S. M. o Imperador, pela Secretaria de Estado dos Negócios

Estrangeiros, que o Brigadeiro-Governador da Fortaleza de

Villegagnon, passe as convenientes ordens aos oficiais incumbidos do

Registro do Porto, para que deixem seguir viagem sem impedimento

algum ao Vice-rei do Peru, D. José de La Serna, Conde dos Andes, e

demais espanhóis constantes da relação, assinada pelo oficial maior

desta Secretaria de estado [...] os quais tendo arribado ao Porto

desta capital, no navio francês Ernestina, em que vieram do Peru, no

mesmo continuam viagem para Bordeaux. (DIÁRIO FLUMINENSE,

abril de 1825)

Em que pese a nação brasileira ser regida por um sistema monárquico,

a simpatia do Governo Imperial, ao menos de público e oficialmente, era pelos

revolucionários, que, embora republicanos, lutavam contra as mesmas forças reacionárias

que teimavam em não reconhecer a independência brasileira.

Nessa perspectiva, embora com regimes políticos divergentes, o “inimigo” era

comum e o respeito à soberania necessariamente deveria ser condição primordial. Nesse

caso a união contra um mesmo adversário passa a ser considerada. A esse respeito José

Carlos Brandi Aleixo informa que em 1822, o último Ministro de Negócios Estrangeiros

nomeado por D. João, Silvestre Pinheiro Ferreira, propôs um projeto de "Tratado de

Confederação e Mútua Garantia de Independência" às repúblicas que se estavam erigindo

no Continente americano. Esse projeto tinha como objetivo:

Assegurar a obra de regeneração da grande família hispano-

lusitana, composta de diferentes Estados que, apesar de

independentes entre si, estavam natural e necessariamente unidos

em uma confederação de independência em relação a qualquer

potência agressora deste direito, o mais sagrado e inalienável de todas

as nações. (MELLO, 1963, p.77)

Esse pensamento pode ser observado também em carta de José Bonifácio de

Andrada e Silva, ainda em junho de 1822, dirigida a Bernardino Rivadávia,

ministro de governo em Buenos Aires nos seguintes termos:

[...] o mesmo senhor (Príncipe D. Pedro), como Regente do Brasil, não

deseja nem pode adotar outro sistema que não seja o Americano, e

está convencido de que os interesses de todos os Governos da

América sejam quais forem se devem considerar homogêneos, e

derivados todos do mesmo princípio; ou seja: uma justa e firme repulsa

contra as pretensões da Europa. (Apud ALEIXO, 2014, p. 86)

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Considerando-se a condição de única nação monárquica no continente, a

busca pelo seu próprio reconhecimento político frente às nações estrangeiras,

somadas às próprias condições econômicas, políticas e sociais internas do Brasil, é

possível compreender que um confronto armado com as vizinhas repúblicas não se

constituiria em medida que favorecesse ao país.

Consultando a literatura histórica brasileira, com exceção de Sílvio Julio de

Albuquerque Lima, foi possível perceber que os poucos autores que fizeram referência

à anexação de Chiquitos o fizeram reprovando o episódio e atribuindo o ato

precipitado ao localismo provincial e não ao governo Imperial, como afirma o

jurista cearense Clovis Beviláquia, referindo-se ao parágrafo 26 do Capítulo dos

Deveres, em seu Compêndio do Direito Público Internacional:

Considerando-se a condição de única nação monárquica no continente, a

busca pelo seu próprio reconhecimento político frente às nações estrangeiras,

somadas às próprias condições econômicas, políticas e sociais internas do Brasil, é

possível compreender que um confronto armado com as vizinhas repúblicas não se

constituiria em medida que favorecesse ao país.

Consultando a literatura histórica brasileira, com exceção de Sílvio Julio de

Albuquerque Lima, foi possível perceber que os poucos autores que fizeram referência

à anexação de Chiquitos o fizeram reprovando o episódio e atribuindo o ato

precipitado ao localismo provincial e não ao governo Imperial, como afirma o

jurista cearense Clovis Beviláquia, referindo-se ao parágrafo 26 do Capítulo dos

Deveres, em seu Compêndio do Direito Público Internacional:

§ 26. — Não devem aceitar que se incorpore, ao seu organismo político,

uma parte de outra nação, que tente desagregar-se delia, por

movimento insurrecional. E, igualmente, ilícita a incorporação de

uma parte de outro Estado, sem a livre aquiescência deste.

(BEVILÁQUIA, 1910.p 175)

Ainda é Beviláquia que, chamando atenção para o que estabelece este

parágrafo, toma o caso de Chiquitos como parâmetro e a desaprovação do Império

brasileiro como exemplo do cumprimento dos deveres do Estado:

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[...] seria de uma lealdade duvidosa o procedimento de uma nação, que

aproveitasse a exaltação dos ânimos, o impulso irrefletido dos ódios

políticos, para, à sombra de sentimentos de interesseira benevolência,

ensanchar as suas fronteiras. (BEVILÁQUIA, 1910.p 175)

Estabelecendo relação com essa mesma linha de pensamento, Pandiá Calógeras

assevera que aceitar o alvitre da anexação de Chiquitos:

[...] desencadearia a guerra em toda a fronteira, e armaria contra o

Brasil e a dinastia todas as forças republicanas da América do Sul,

certos os brasileiros de antemão de que a elas se ligariam os

elementos antimonárquicos existentes no território nacional.

(CALÓGERAS, 1998, p. 420)

As afirmações contrárias ao não envolvimento ou desconhecimento do

governo brasileiro na tentativa de anexação da província chiquitana ao Império

brasileiro não se sustentam por não apresentarem provas que fundamentem a

participação ou o aval do governo brasileiro na negociação. As fontes pesquisadas pelos

autores que tratam dessa “suspeita” não apresentam provas cabais, apontam apenas

suposições, apoiadas em um contexto histórico específico das lutas independentistas, que

enxergavam o Brasil monárquico como um possível inimigo da causa libertadora, apoiado

pelos interesses da Santa Aliança.

Entretanto, o corpus documental e bibliográfico analisados na elaboração desta

tese, dá conta de provas que afirmam o incidente de Chiquitos como interesses

isolados de alguns membros pertencentes ao Governo Provisório de Mato Grosso.

Portanto, entende-se que só esses membros não representavam os interesses do Governo

Provisório enquanto representante político-administrativo da Província e, muito

menos, do Império brasileiro como um todo.

Esses interesses se evidenciam quando a documentação aponta que o Império

brasileiro só tomou conhecimento do ocorrido meses depois, quando o próprio

Governo de Mato Grosso, alguns meses antes, em assembleia com a presença de

todos os representantes do Governo, já havia deliberado a anulação do acordo.

É possível afirmar que a tentativa de anexação foi um ato de interesse individual

de Sebastião Ramos, Governador de Chiquitos e a inabilidade política de Manoel

Veloso Rabelo de Vasconcelos, Comandante provincial das Armas e Deputado, que

respondia, naquele momento, pela Presidência do Governo Provisório de Mato Grosso e

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que, possivelmente, tenha acreditado ser possível obter a simpatia do Imperador

colocando sob proteção imperial brasileira um realista.

Até onde a pesquisa alcançou não se encontrou nenhum indício que leve a crer

que o Império brasileiro, em algum momento, tenha fomentado, mesmo que

indiretamente, qualquer iniciativa no sentido da anexação, pensamento inclusive

defendido por Humberto Vazquez Machicado, historiador boliviano, quando assegura:

“No cuentan en Mato Grosso, incluso con un [..] consentimiento tácito del emperador, y

todos habían sido forjada dentro de los limites [..] el localismo provincial” (VAZQUEZ-

MACHICADO, 1938, p. 379)

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Nacional, Rio de Janeiro.

Diário Fluminense, 20 de agosto de 1825. Nº 42, Vol. 6. Hemeroteca da Biblioteca

Nacional, Rio de Janeiro.

Diário Fluminense. 4 de março de 1825. Nº 44, Vol. 5. Hemeroteca da Biblioteca

Nacional, Rio de Janeiro.

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