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Materiais de Construção - Reologia UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Setor de Tecnologia Departamento de Construção Civil DISCIPLINA MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO REOLOGIA José Marques Filho José de Almendra Freitas Jr. Marienne M. M. da Costa 2007 1

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Materiais de Construção - Reologia

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁSetor de Tecnologia

Departamento de Construção Civil

DISCIPLINAMATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

REOLOGIA

José Marques FilhoJosé de Almendra Freitas Jr.

Marienne M. M. da Costa2007

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Materiais de Construção - Reologia

Sumário

Reologia

1.0 Introdução1.1 A Mecânica dos sólidos deformáveis1.2 Definições1.3 Modelos reológicos1.4 Análise das tensões

2.0 Reologia2.1 Introdução2.2 Elasticidade2.3 Plasticidade2.4 Viscosidade2.5 Modelos conjugados2.6 Exemplos de simulações com modelos

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Materiais de Construção - Reologia

1.0 INTRODUÇÃO

Não existe nenhuma atividade na Engenharia Civil que não seja materializada pela execução de uma seqüência de atividades chamadas genericamente de obra. Este ente é tornado real pela aplicação de forma racional dos materiais da natureza ou por derivados industriais destes. Cabe ao engenheiro civil conhecer os comportamentos destes materiais de modo a poder discernir sobre sua aplicabilidade, durabilidade, resistência e segurança envolvida e a sua utilização.

Neste capítulo do curso de Materiais de Construção Civil, procurar-se-á estudar o comportamento mecânico dos materiais, sondando o aspecto macroscópico dos corpos da natureza.

1.1 A Mecânica dos Sólidos Deformáveis

A Mecânica dos Sólidos Rígidos estuda o movimento dos corpos supondo-os indeformáveis, ou seja, admitindo que a distância entre dois pontos genéricos dos mesmos permaneça constante, quaisquer que sejam as condições em que eles se encontrem.

A experiência mostra que essa hipótese não se verifica. No entanto, para a solução de um grande número de problemas de Engenharia, a Mecânica dos Sólidos Rígidos tem fornecido e continua a fornecer soluções inteiramente satisfatórias, já que existem problemas, como os de Mecânica Celeste, em que a consideração da deformabilidade dos sólidos não é essencial. A análise do movimento de uma espaçonave enquadra-se neste caso.

Por outro lado, quando o problema a ser enfrentado é o da definição das características geométricas e mecânicas de um sólido que deva resistir a determinados esforços, a consideração da deformação do sólido e dos esforços que aparecem em seu interior passa a ser fundamental, pois ela definirá o comportamento do mesmo e a sua capacidade ou incapacidade de suportar os esforços, em condições satisfatórias.

Para análise de tais problemas, a introdução da Mecânica dos Sólidos Deformáveis é essencial.

Por exemplo, a definição da forma, das dimensões e dos materiais que deverão ser utilizados na construção da espaçonave deve necessariamente ser feita através da Mecânica dos Sólidos Deformáveis, muito embora, posteriormente, o seu movimento no espaço possa ser perfeitamente analisado através da Mecânica dos Sólidos Rígidos.

Chama-se estrutura o conjunto das partes resistentes de uma construção.

Relativamente aos materiais que as podem construir, as estruturas podem ser metálicas, como uma espaçonave ou uma ponte pênsil, de concreto simples, armado ou protendido, como certos edifícios, certas pontes e certas barragens, de alvenaria, como certos edifícios, de plástico, como a carroceria de certos automóveis, e de solo ou de rocha, como certas barragens e como as

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fundações de barragens, de pontes e de edifícios, para citar apenas os principais materiais estruturais.

A Mecânica dos Sólidos Deformáveis faz o estudo de uma situação genérica de solicitação de um sólido, partindo dos seguintes estudos básicos :

1.1.1 Análise das Ações: ou seja, de todas as influências que o corpo estudado sofre, oriundas de outros corpos, em geral, ou eventualmente, do fato de que ele será estudado em um referencial não inercial (como as forças de Coriolis, por exemplo);

1.1.2 Análise das Tensões: que define os esforços que aparecem no interior do sólido assim como certas relações gerais a que os mesmos devem satisfazer.

1.1.3 Análise das Deformações: estudo puramente geométrico das variações das distâncias entre os diversos pontos do sólido;

1.1.4 Reologia: que analisa, para cada material, as relações entre os esforços internos e as correspondentes deformações, bem como quais são os esforços internos que um dado material é ou não é capaz de suportar.

As análises 1.1.1, 1.1.2 e 1.1.3 são gerais, valendo para qualquer material. A análise 1.1.4 é específica de cada material, embora existam alguns tipos básicos de comportamento mecânico (elasticidade, plasticidade e viscosidade) que permitem, através de sua conjugação, analisar o comportamento reológico de um número muito grande de materiais.

Através dessas análises chega-se, em cada caso, a um sistema de equações que permite a determinação de diversas grandezas que interessam ao problema geral da Mecânica dos Sólidos Deformáveis, que será aqui denominada Análise Estrutural.

A Mecânica das Estruturas é constituída pela Análise estrutural, acima caracterizada, e pela Análise da Segurança, que permite introduzir a segurança num projeto estrutural.

A finalidade deste volume é o estudo geral da Análise Estrutural. A Análise da Segurança será considerada posteriormente, constituindo um capítulo separado da Mecânica das Estruturas.

1.2 Definições

A Reologia é a parte da ciência dos materiais que procura estudar o comportamento físico dos corpos, entendendo por isto o comportamento estrutural intrínseco da matéria. Este estudo é caracterizado pelo estudo do material, sem necessidade do conhecimento da forma dos corpos envolvidos.

Em cada sólido estudado pela Engenharia Civil podem ser definidos três campos : o campo dos deslocamentos, o campo das tensões e o das deformações. Os conceitos neles envolvidos são familiares e definem completamente o comportamento sob o ponto de vista mecânico dos corpos.

A Reologia baseia-se principalmente no estudo das deformações, cuja observação empírica é simples.

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As deformações podem ser classificadas como :

* imediatas : recuperáveisnão-recuperáveis

*não-imediatas

Entende-se por deformações recuperáveis aquelas em que o corpo volta à forma original após a retirada dos esforços que geraram a deformação.

1.3 Modelos Reológicos

Os comportamentos anteriormente descritos levam a proposição de três modelos estruturais básicos :

MODELO CARACTERÍSTICA SIMBOLOGIA TIPO DE DEFORMAÇÃO COMENTÁRIO

Elástico σ = E ε σ σ E

Imediata reversível Recupera energia de deformação

Plástico σ ≤ R ⇒ ε = 0σ = R ⇒ ε = livre

σ σ R

Imediata irreversível

Perde energia de deformação

Viscoso σ = ηεvelocidade de deformação

σ σ η

Não-imediata Deformação se dá ao longo do tempo

Com os modelos básicos, que são puramente hipotéticos, podemos através de sua composição obter modelos conjugados como :

1.3.1 Elasto-plástico :

E R

σ

σ

Figura 1

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1.3.2 Elasto-viscoso :

E

σ σ

η

Figura 2

Procura-se explicar o comportamento dos materiais usuais através de modelos conjugados. Por exemplo, uma simplificação do aço poderia ser fornecida pelo modelo do item 1.3.1 imediatamente anterior.

1.4 Análise das Tensões

O conceito de Tensão :

Considere-se um sólido v, sujeito à esforços externos, em equilíbrio, conforme indica a figura 3 abaixo.

P S∆

Figura 3-a Figura 3-b

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V

α

I

II

P

S’

I

n

F

∆S’

Materiais de Construção - Reologia

Sendo P um ponto genérico no interior de V, e α um plano qualquer contendo P, sejam I e II as duas partes em que V é dividido por S’, interseção de α com V.

Estando V em equilíbrio, as partes I e II também devem estar em equilíbrio. Como, no caso geral, os esforços externos que agem em I não estão equilibrados, evidencia-se a existência de esforços transmitidos de II para I, através de S’, que estabeleçam o equilíbrio de I, juntamente com os esforços externos agentes em I. Tais esforços, pelo fato de aparecerem no interior do sólido, recebem a denominação de esforços internos.

Admite-se aqui a hipótese de que os esforços internos sejam forças distribuídas através de S’.

Esta hipótese, extremamente geral, tanto na Mecânica dos Sólidos deformáveis quanto na Mecânica dos Fluidos, tem se mostrado inteiramente satisfatória, através de seus resultados. Em alguns poucos casos, que não apresentam interesse para a Mecânica das Estruturas, ela deve ser abandonada, sendo substituída pela hipótese de que os esforços internos sejam forças e momentos (binários) distribuídos através de S’, dando origem à Mecânica dos “Contínuos de Cosserrat”, que não serão considerados neste trabalho.

Sendo ∆s uma superfície em α e contendo P, conforme mostra a figura 3-b, e sendo F

∆a força transmitida de II para I através de ∆s, define-se a grandeza mρ através de :

SF

m ∆∆=

ρ (1)

Esta grandeza, para o mesmo sólido e para os mesmos esforços externos, varia com P, α e ∆s. Recebe a denominação de tensão média em P, no plano α e na área ∆s.

Fazendo-se ∆s tender a zero, define-se a grandeza ρ através de :

SF

SmS ∆∆== →∆→∆

00 limlim ρρ (2)

Esta grandeza, para o mesmo sólido e para os mesmos esforços externos, varia com P e com α :

( )αρρ ,P= (3)

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Recebe a denominação de tensão em P no plano α, e caracteriza em P o esforço transmitido através do plano α.

dz

σy

τxy σy P τyx

τzy τxz τzx dy

dx τyz

σz

Figura 4-a : tensões em um ponto P (tensões nas faces anteriores)

→ k

→ j

→ i

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σz + δσz dz δz

τyz + δτyz dzτxz + δτxz dz δz δz

τzy + δτzy dy τzx + δτzx dx δy

δx τxy + δτxy dy σy + δσy dy

τyx + δτyx dx δy δy σx + δσx dx δx

δx

Figura 4-b : Tensões em um ponto P (tensões nas faces posteriores)

Para os desenvolvimentos analíticos é mais cômodo caracterizar o plano α pelo versor n normal a α e externo ao sólido que recebe o esforço (no caso, I), como está indicado na figura 3-b. Com esta convenção passa-se a escrever :

( )nP ,ρρ = (5)

sendo ρ a tensão em P associada a n .

De um modo geral, ρ não possui a direção de n assim, é conveniente que seja feita sua decomposição, unívoca, em dois vetores, σ com a direção de n , e τ pertencente a α, conforme mostra a figura 5.

σ

n

P P ρ ρ

τ

Figura 5

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É imediata a relação :

τσρ += (6)

2.0 REOLOGIA

2.1. Introdução

Ao ser feita a Análise das Tensões, verificou-se que o estado de tensões em um sólido V fica caracterizado pelo conhecimento das seis componentes de T em cada ponto, em cada instante, ou seja, das seis componentes de T dadas, cada uma delas, como função de x, y, z e t. Ao mesmo tempo, foram estabelecidas três equações gerais de equilíbrio dinâmico, e apenas três.

.. .. ..Mesmo no caso de equilíbrio, situação em que desaparecem as incógnitas u , v e w

dessas equações gerais, elas são insuficientes para a determinação do estado de tensões de V. Isto mostra que, no caso geral, é essencial o estudo das deformações para resolver o problema. Apenas em teorias simplificadas (como a Resistência dos Materiais, por exemplo), e ainda assim em determinadas situações é possível eliminar através de hipóteses simplificadoras (como a de Navier, por exemplo) um número suficiente de incógnitas de modo a ser possível a solução de problemas exclusivamente através das condições de equilíbrio (como nas estruturas isostáticas da Resistência dos Materiais, por exemplo).

Ao ser feita a Análise das Deformações, verificou-se que o estado de deformações em V fica caracterizado pelo conhecimento das seis componentes de D em cada ponto, em cada instante, ou seja, das seis componentes de D dadas, cada uma delas, como funções de x, y, z e t. Verificou-se também que os deslocamentos de V ficam caracterizados pelo conhecimento das três funções deslocamentos de u, v, e w, cada uma delas como função de x, y, z e t. Ligando as deformações e os deslocamentos, foram obtidas as seis relações deformações-deslocamentos, e apenas seis.

Desta forma foram consideradas quinze funções incógnitas, cada uma delas função de x, y, z e t (seis tensões, seis deformações e três deslocamentos), ligadas por apenas nove equações diferenciais de derivadas parciais (as três equações gerais de equilíbrio dinâmico e as seis relações deformações-deslocamentos), com validade geral, para qualquer sólido. Existe, no caso geral, uma indeterminação.

Essa indeterminação efetivamente não poderia deixar de existir, já que a experiência mostra que os campos de tensões, deformações e deslocamentos no interior de V dependem do material de que o sólido é constituído.

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Materiais de Construção - Reologia

Um mesmo sólido sujeito a um mesmo sistema externo estático de ações apresenta respostas diferentes conforme seja de aço ou de concreto. Os deslocamentos no caso do aço deverão ser claramente menores que no caso do concreto e, embora nos dois casos em geral se verifique uma variação dos deslocamentos com o tempo, esta é bem menos acentuada no aço que no concreto.

O problema geral somente fica completo com o estabelecimento das Equações Constitutivas dos materiais, que são equações relacionando as tensões, deformações e o tempo.

Chama-se Reologia ao ramo da Física que estuda as relações entre as tensões, as deformações e o tempo.

Chama-se Macro-reologia à parte da Reologia que procura estabelecer as equações constitutivas de cada material, sem se preocupar com as origens físico-químicas das mesmas no interior da matéria. Chama-se Micro-reologia à parte da Reologia que busca as origens físico-químicas das equações constitutivas.

O estudo que será desenvolvido neste curso enquadra-se exclusivamente na Macro-reologia.

A Macro-reologia parte do reconhecimento de três tipos básicos de comportamento reológico, o elástico, o plástico e o viscoso, correspondendo cada um deles a um modelo de comportamento do material, o modelo elástico, o modelo plástico, e o modelo viscoso.

A seguir, esses diversos tipos básicos de comportamento são combinados de diversas formas, dando origem aos modelos conjugados, que, juntamente com os básicos, permitem descrever com maior ou menor precisão o comportamento reológico dos materiais reais.

Como em geral o comportamento reológico dos materiais reais é bastante complexo, é comum procurar associar aos mesmos vários modelos reológicos, de modo que cada um deles descreva satisfatoriamente o comportamento do material real em determinadas circunstâncias. Embora seja possível procurar definir um único modelo para todas as situações possíveis, a simplificação que se obtém com a decomposição é quase sempre compensadora.

2.2 Elasticidade

Elasticidade é o fenômeno do aparecimento de deformações imediatas e reversíveis.

Entendem-se por deformações imediatas aquelas que aparecem simultaneamente com as tensões correspondentes e que permanecem constantes ao longo do tempo se as tensões correspondentes permanecerem também constantes.

Entendem-se por deformações reversíveis aquelas que se anulam ao se anularem as tensões correspondentes, ou seja, aquelas que desaparecem integralmente no descarregamento.

Considere-se inicialmente um ensaio se tração simples e o respectivo diagrama ( σ , ε ).

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σ σ

A A

0 ε 0 ε

Figura 6-a Figura 6-b

Se o diagrama ( σ , ε ) indicar deformações imediatas, se as deformações não variarem com o tempo quando σ permanecer constante e se o descarregamento se der exatamente pela curva de carregamento, fica caracterizada a elasticidade do material. Quaisquer dos dois diagramas indicados na figura 6 são possíveis.

No diagrama da figura 6-a, tem-se proporcionalidade entre σ e ε, podendo-se escrever :

σ = E ε , (7)

com E sendo uma constante característica do material, o módulo de elasticidade. Diz-se que se tem elasticidade linear.

No diagrama da figura 6-b, a relação entre σ e ε não é linear, mas existe uma função que define univocamente σ a partir de ε , de modo que quando ε = 0 obrigatoriamente se tenha σ = 0 :

σ = σ ( ε ) (8)

Deste modo diz-se que se tem elasticidade não-linear.

A expressão (8) é mais geral do que (7), sendo (7) o caso particular de (8) em que a função é considerada linear.

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É importante observar que o fenômeno da elasticidade liga-se ao aparecimento de deformações imediatas e reversíveis, e não à linearidade nas relações entre tensões e deformações. Embora isso aconteça quase sempre para os materiais estruturais, a linearidade não é sinônimo de elasticidade, existindo materiais elásticos não-lineares.

Abaixo observamos as equações constitutivas para a elasticidade tridimensional :

εx = 1 [ σx - ν (σy + σz ) ] E

εy = 1 [ σy - ν (σx + σz ) ] E

εz = 1 [ σz - ν (σy + σx ) ] E

γ xy = 2 ( 1 + ν ) τxy (9) E

γ xz = 2 ( 1 + ν ) τxz

E

γ yz = 2 ( 1 + ν ) τyz

E

Ou, com a notação :

G = )1(2 ν+E

(10)

Para o estudo dos modelos conjugados, é conveniente o estabelecimento de um modelo reológico que represente a elasticidade, de modo que se possa indicar facilmente como a elasticidade entra na composição do modelo conjugado.

O modelo reológico de elasticidade é uma mola, devendo o mesmo ser entendido como um modelo físico que colocado dentro de um invólucro, ao ser analisado em um ensaio de tração simples, conduzisse às equações constitutivas da elasticidade, neste ensaio.

Conforme será visto, partindo do equacionamento da relação (σ , ε ) nesse ensaio será possível escrever as equações constitutivas gerais para qualquer modelo conjugado.

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Figura 7 – Modelo reológico da elasticidade

σ σ

(ε)

Figura 8 – Interpretação física do modelo reológico

2.3 Plasticidade

Plasticidade é o fenômeno do aparecimento de deformações imediatas não reversíveis, ou seja, de deformações imediatas que não desaparecem no descarregamento.

Considere-se inicialmente um ensaio de tração simples e o respectivo diagrama ( σ , ε ).

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σ σ

A A σe

σe

0 ε 0 ε

Figura 9 - a – Perfeitamente plástico Figura 9 -b – Plástico com encruamento

Em geral, existe uma tensão σe , dita tensão de escoamento, tal que enquanto σ < σe

não aparecem deformações plásticas. Ao ser atingida σe , começam a aparecer as deformações plásticas ε.

No caso da figura 9-a, a tensão σ permanece constante, igual a σe , enquanto a deformação plástica cresce. Diz-se que o material apresenta plasticidade perfeita. A descarga faz-se conforme indica a própria figura 9-a, sem reversibilidade da deformação.

No caso da figura 9-b, a tensão σ não permanece constante, crescendo com ε . Diz-se que o material apresenta plasticidade com encruamento, tudo se passando como se σe crescesse ao longo do processo de deformação, por exemplo como função de ε. A descarga se faz conforme indica a própria figura 9-b, sem reversibilidade da deformação.

O material considerado na figura 9 é um material que apresenta apenas deformações plásticas, por isso mesmo chamado muitas vezes de material rígido-plástico, porque ele permanece indeformado (rígido) até σ atingir σe , e a partir daí sofre exclusivamente deformações plásticas. Os materiais reais apresentam em geral deformações elásticas e plásticas, mas esse tipo de comportamento corresponde a um modelo conjugado, o que será visto adiante.

A extensão do equacionamento da plasticidade para caso geral é delicada, sendo feita apenas parcialmente aqui, ficando para ser completada mais tarde.

O modelo reológico de plasticidade é um sólido pesado que escorrega sobre uma superfície sob a ação de uma força, conforme indica a figura 10.

σ

Figura 10-a

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Materiais de Construção - Reologia

Figura 10-b

σ

σ

Figura 10-c

Enquanto o esforço produzido por σ for menor que a força de atrito (G • tgϕ) não há deslocamento; quando F superar a força de atrito, há deslocamento livre.

Um tal modelo físico, representado esquematicamente na figura 10-b, em um ensaio de tração simples, como o indicado na figura 10-c, teria um comportamento semelhante àquele indicado na figura 10-a, e por isso ele é utilizado para representar a plasticidade nos modelos conjugados.

Ao serem feitas as generalizações, devem ser levados em conta detalhadamente os efeito já discutidos, decorrentes de (8), e os efeitos do encruamento.

2.4 Viscosidade

A viscosidade é um fenômeno característico dos líquidos.

Um líquido perfeito é um material incapaz de transmitir tensões tangenciais, quer em repouso, quer em movimento. Por esse motivo, o estado de tensões no interior de um líquido perfeito é sempre hidrostático.

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Materiais de Construção - Reologia

Estudos iniciados por Newton mostraram que os líquidos reais em repouso também não são capazes de transmitir tensões tangenciais, mas que em movimento eles o são. Ainda mais, Newton concluiu serem as tensões tangenciais proporcionais à velocidade de deformação correspondente.

•= γητ

(11)

Isto explica o fato de se ter τ = 0 quando o líquido está em repouso, pois nestas condições γ = constante e 0=

•γ . Partindo deste conceito, desenvolveu-se a mecânica dos fluidos

viscosos.

Para os sólidos, a viscosidade será entendida como o fenômeno do aparecimento de deformações não-imediatas, ou seja, de deformações que não aparecem simultaneamente com as tensões correspondentes, não permanecendo constantes ao longo do tempo mesmo que as tensões correspondentes o façam.

Considere-se inicialmente um ensaio de tração simples. Generalizando a expressão (11), admite-se que no instante em que é aplicada a tensão σ, apareça uma velocidade de deformação dada por •

ε :

•= εησ (12)

Sendo nula a deformação ε no instante de aplicação de σ, ela continuará nula. No entanto, em face do aparecimento de uma velocidade de deformação •

ε é dada por (12), com o transcurso do tempo aparecerão deformações ε.

Se, por exemplo, σ permanecer constante e igual a σo , a velocidade de deformação será constante, dada por :

ησ

ε 0=•

(13)

De modo que partindo do instante t = 0, onde ε (0) = 0, ter-se-á, integrando a equação diferencial (13) com essa condição inicial :

( ) ttη

σε 0= (14)

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Isto mostra que efetivamente, devido à criação de velocidade de deformação por σ, o transcurso do tempo criará deformação.

Os resultados obtidos estão resumidos na figura (11) abaixo.

σ ε

σ 0

t t 0 0

Figura 11-a Figura 11-b

σ σ

Figura 11-c

Figura 11-d

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2.5 Modelos conjugados

Ao materiais estruturais apresentam, em geral, em maior ou menor grau, e combinadas de uma ou outra forma, deformações elásticas, deformações plásticas e deformações viscosas.

σ

B Cσe

A Dε

εp εe

Figura 12

O aço deve, em um ensaio de tração simples, apresentar deformações imediatas conforme a figura 12, com boa aproximação. Enquanto carregado apenas no trecho retilíneo AB, apresenta apenas deformações elásticas, podendo nestas condições ser bem representado por um modelo linear.

Se, no entanto, for carregado até um ponto como C, seu descarregamento dar-se-á por CD, aparecendo uma combinação de deformações elásticas εe com deformações plásticas εp. Aqui, a sua descrição já exige a conjugação de um modelo elástico com um modelo plástico perfeito.

Se a tensão aplicada no aço se mantiver constante por algum tempo, poderão ser observadas deformações não-imediatas (fluência dos aços), de origem viscosa, portanto.

Assim sendo, um modelo reológico que represente o aço doce deve ser formado através da conjugação de modelos elásticos, plásticos e viscosos.

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Materiais de Construção - Reologia

Da mesma forma, um ensaio de compressão simples em uma peça de concreto apresenta deformações imediatas de acordo com a figura 13, com boa aproximação.

σ C

B

0 D

εp εe

Figura 13

Enquanto carregado no pequeno trecho retilíneo OB, apresenta apenas deformações elásticas, podendo, nestas condições, ser bem representado por um modelo elástico linear.

Se, no entanto, for carregado até um ponto C, seu descarregamento dar-se-á por CD, aparecendo uma combinação de deformações elásticas εe com deformações plásticas εp.

Aqui, a sua descrição já exige a conjugação de um modelo elástico linear, com um modelo plástico com encruamento, ou, com um modelo plástico perfeito como simplificação, por não ser acurva BC muito acentuada, como seria no caso de aços encruados.

Se a tensão aplicada no concreto mantiver-se constante por algum tempo, poderão ser observadas deformações não-imediatas (deformação lenta do concreto), de origem viscosa, portanto.

Assim sendo , também um modelo reológico que represente o concreto deve ser formado através da conjugação de modelos elásticos, plásticos e viscosos.

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Materiais de Construção - Reologia

A obtenção de modelos conjugados é feita pela combinação, em série ou em paralelo, dos modelos fundamentais já vistos, ou de outros modelos conjugados.

Raciocinando sempre em um modelo físico que será submetido a um ensaio de tração simples, pode-se combinar em série um modelo elástico com um modelo plástico, como está indicado na figura 14.

( E ) ( σe )

σ σ

Figura 14

Cada elemento suportará toda a tensão σ, sendo a deformação total ε obtida pela soma das deformações de cada elemento.

No esquema da figura 14, enquanto σ < σe o elemento plástico permanecerá indeformado, sendo portanto a deformação total dada apenas pela deformação da mola. Quando σ = σe o elemento plástico deformar-se-á livremente, sob tensão constante. Obtém-se o diagrama (σ , ε) da figura 12. Se houver descarregamento enquanto σ < σe toda a deformação é recuperada; se houver quando σ = σe , apenas a deformação da mola é recuperada (εe), permanecendo a deformação plástica εp. Trata-se exatamente do esquema indicado na figura 12. O material com modelo reológico indicado na figura 14 denomina-se elasto-plástico perfeito.

Raciocinando sempre em um modelo físico que será submetido a um ensaio de tração simples, pode-se combinar em paralelo um modelo elástico com um modelo viscoso, como está indicado na figura 14.

( η )

σ σ

( E )

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Materiais de Construção - Reologia

Figura 15

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Materiais de Construção - Reologia

Cada elemento suportará uma parcela de σ, sendo a deformação total a mesma para os dois elementos, em cada instante. A parcela de σ que cada elemento suporta é definida pela igualdade das deformações dos elementos em paralelo, e não pela distribuição de σ em função dos braços de alavanca desenhados no modelo.

No instante inicial t = 0, ε = 0. Em um instante genérico t, sendo ε (t) a deformação total, sendo σ1 a tensão no pistão e σ2 a tensão na mola, deve-se ter :

21 σσσ += (15)

( )tE εσ =2 (16)

( )t•

= εησ 1(17)

E, portanto :

εεησ E+=• (18)

Que é a equação constitutiva do material, para tração simples. Por exemplo, se σ = σ 0

constante, pode-se escrever :

ησ

εη

ε 0=+• E

(19)

Cuja solução geral é :

( )E

eAttE

0σε η +=

−(20)

Impondo ε (0) = 0, obtém-se :

EA 0σ

−= (21)

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Materiais de Construção - Reologia

E, portanto :

( )

−=

− tE

eE

t ησε 10 (22)

A tensão na mola, no instante t, é dada por :

( )

−=

− tE

et ησσ 102 (23)

E a tensão no pistão :

( ) ( )tE

ett ησσσσ−

=−= 0201(24)

Podem ser obtidos os diagramas que fornecem as deformações e as tensões em função do tempo, conforme mostra a figura 16.

σ ε

σ0 σ0

E

t t

Figura 16-a – Tensão total Figura 16-b – Deformação total

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Materiais de Construção - Reologia

σ1 σ2

σ 0

σ 0

t t

Figura 19-c – Tensão no pistão Figura 19-d – Tensão na mola

No instante inicial, como ε (0) = 0 . toda tensão σ0 é transmitida pelo pistão. Como este adquire velocidade de deformação pelo efeito de σ, com o tempo a deformação cresce, com o que cresce a tensão na mola e decresce a tensão no pistão, e portanto sua velocidade de deformação. Para t → ∝ , toda tensão σ0 tende a ser transmitida pela mola, tendendo a zero no pistão.

O modelo reológico da figura 15, cujo comportamento na tração simples ficou totalmente caracterizado pela equação constitutiva (16). Este é o modelo de Terzaghi para solos saturados, utilizado por ele na teoria do adensamento.

O modelo reológico da figura 17 pode ser equacionado de forma semelhante à dos modelos anteriores.

(η)

σ σ

(E’)

(E”)

Figura 17

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Materiais de Construção - Reologia

Mesmo sem equacionar, é fácil perceber que no instante da aplicação de σ = σ0, constante, há uma deformação instantânea dada exclusivamente pela mola (E'), suportando o pistão inicialmente toda tensão σ0 transmitida pelo outro elemento (η , E''). Com o tempo, o segundo elemento vai deformando-se e deformação total vai crescendo. Para t → ∞ a deformação total tende a ser a soma das deformações em (E') e (E") produzidas por σ0. Trata-se evidentemente de um modelo reológico em que há deformação imediata seguida de deformação lenta, podendo representar em uma primeira aproximação o concreto.

O modelo reológico da figura 18 representa bem um material com deformação lenta e tensão de escoamento R.

(η)

σ

(E’) (R)

(E”)

Figura 18

O modelo reológico da figura 19 representa bem um material com deformação lenta, e tensão de escoamento R a solicitações rápidas. No entanto, se ele for solicitado por σ0 entre 0,85 R e R durante um intervalo de tempo suficientemente longo, ele escoará sob essa tensão algum tempo depois de sua aplicação, sem escoamento imediato. Se for solicitado por σ0 inferior a 0,85 R, então não haverá escoamento em nenhum instante. Trata-se, portanto, de um comportamento bastante semelhante ao do concreto, incluindo o efeito Rüsch.

26

σ

Materiais de Construção - Reologia

(η)

(E’) (R)

(0,85 R)

Figura 19

Conforme se pode observar, existe uma grande variedade de modelos conjugados possíveis de serem obtidos, descrevendo os mais diversos comportamentos reológicos e podendo, portanto, adaptar-se convenientemente ao comportamento reológico dos materiais reais, nas diversas situações em que estes podem se encontrar.

A generalização para estados de tensões e deformações quaisquer, para materiais isotrópicos, geralmente se faz adotando para as componentes antiesféricas de T e D as mesmas relações obtidas entre σ e ε no ensaio de tração simples, como se poderia ter feito na Elasticidade.

Por exemplo, para o material cujo modelo reológico está indicado na figura 15, a equação 18 se generaliza em :

asasas DDT βα +=•

(25)

Com α e β constantes, que podem ser obtidas analisando de forma completa o ensaio de tração simples, ou outro mais conveniente.

A generalização ainda não ficou completa, faltando relacionar as componentes esféricas de T e D. Embora possam ser introduzidas quaisquer relações, em geral adota-se a relação :

eses DKT = (26)

Esta relação corresponde a admitir um comportamento elástico ligando as deformações volumétricas com a componente hidrostática de T. Para isso existe ampla evidência experimental, válida para um grande número de materiais, inclusive os materiais estruturais.

27

σ

σ

Materiais de Construção - Reologia

As equações obtidas desta forma, como por exemplo (25) e (26), são as equações constitutivas dos materiais, em sua forma mais geral.

Em certos casos, a generalização não pode ser feita assim tão facilmente, sendo sempre necessário verificar se o comportamento verificado na tração simples decorre das equações tensoriais adotadas.

Conforme os elementos fundamentais que compõem o modelo reológico, este recebe a denominação de elasto-plástico, visco-elástico, visco-plástico ou visco-elasto-plástico, existindo uma infinidade de modelos possíveis em cada uma destas categorias.

São particularmente importantes neste curso o modelo elástico como modelo básico, o modelo visco-elástico para a descrição das condições de utilização das estruturas, e o modelo elasto-plástico para a descrição das condições de colapso das estruturas.

28

Materiais de Construção - Reologia

Exemplos de modelos e simulações:

a)Modelo com deformações elásticas imediatas e lentas:

a) Iniciamos aplicando em t0 uma tensão σ1 e mantendo esta tensão até t2:

Inicialmente, em t0 a tensão é toda absorvida pelo braço do ponto B.

Deformação imediata elástica: є1 = σ1/ E1

Lentamente o pistão e a mola E2 vão se deformando e a tensão no intervalo e tempo t0 - t1 vai se transferindo para o braço do ponto C.

Deformação lenta elástica, ocorre entre t0 e t1 : є2 = σ1/ E2

Entre t1 e t2 não ocorrem deformações.

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Materiais de Construção - Reologia

b) Aumentamos em t2 a tensão para σ2, mantendo esta tensão até t4:

Inicialmente, em t2 o acréscimo da tensão é toda absorvida pelo braço do ponto B.

Deformação imediata elástica em t2: є3 = (σ2-σ1)/ E1

Lentamente o pistão e a mola E2 novamente vão se deformando e a tensão no intervalo e tempo t2 - t3 vai se transferindo para o braço do ponto C.

Deformação lenta elástica, ocorre entre t2 e t3 : є4 = σ2/ E2

Entre t3 e t4 não ocorrem deformações.

c) Em t4 retiramos toda a tensão e mantemos assim até t5:

Ocorre o desaparecimento de toda a deformação imediata elástica є1+ є3.

Inicialmente, em t4 o braço C, como não há tempo para o pistão do braço A deformar, continua suportando a tensão σB=σ2.

Como a soma das tensões no braços A e B devem totalizar zero (ou a tensão total aplicada), a tensão no braço A será -σ2, σA= - σ2.

Lentamente o pistão e a mola E2 novamente vão perdendo as deformações acumuladas (є2+ є4) e a tensão no intervalo e tempo t4 - t5 vai reduzindo a zero, simultaneamente nos braços A e B.

Em t5 zeram todas as tensões e deformações.

30

Materiais de Construção - Agregados

b) Modelo reológico de Bolzmann para representação do concreto:

Simulação da ruptura pelo acúmulo das deformações lentas:

d) Iniciamos aplicando em t0 uma tensão σ1< R2 e mantendo esta tensão até t2:

Inicialmente, em t0 a tensão é toda absorvida pelo braço do ponto B.

Deformação imediata elástica: є1 = σ1/ E1

Lentamente o pistão e a mola E2 vão se deformando e a tensão no intervalo e tempo t0 - t1 vai se transferindo para o braço do ponto C.

Deformação lenta elástica, ocorre entre t0 e t1 : є2 = σ1/ E2

Entre t1 e t2 não ocorrem deformações.

e) Aumentamos em t2 a tensão para σ2> R2 e σ2< R1 mantendo esta tensão até t4:

Inicialmente, em t2 o acréscimo da tensão é toda absorvida pelo braço do ponto B.

Deformação imediata elástica em t2: є3 = (σ2-σ1)/ E1

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Materiais de Construção - Agregados

Lentamente o pistão e a mola E2 novamente vão se deformando e a tensão no intervalo e tempo t2 - t3 vai se transferindo para o braço do ponto C, mas esta não pode ultrapassar o valor de R2.

Deformação elástica lenta, ocorre entre t2 e t3 : є4 = (R2-σ1)/ E2

Então no instante t3, quanto a tensão em C atinge o valor de R2 o corpo R2 começa a escorregar.

No instante t3 com o escorregamento da mola as deformação є5, plástica tende ao infinito, atingindo então a quantidade de deformação necessária para a ruptura.

є5 → ∞

A ruptura ocorre pelo acúmulo das deformações imediatas e lentas.

є de ruptura = є1 + є2 + є3 + є4 + є5

Simulação da ruptura pelas deformações imediatas:

f) Iniciamos aplicando em t5uma tensão σ3 = R1:

Inicialmente, em t5 a tensão é toda absorvida pelo braço do ponto B.

Deformação imediata elástica: є6 = σ3/ E1

Logo que a tensão σ3 atinge o corpo R1, este começa a escorregar, criando uma deformação plástica є7 que tende para o infinito.

є7 → ∞

Ainda no instante t5 atingimos a quantidade de deformação necessária para levar o material à ruptura.

A ruptura ocorre pelo acúmulo das deformações imediatas, elásticas e plásticas.є de ruptura = є6 + є7

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