renato silveira.pdf

Upload: fvg50

Post on 03-Mar-2016

55 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Renato Silveira

    Determinao dos crditos na sistemtica no-cumulativa do PIS e da COFINS

    incidentes sobre a receita (anlise crtica e definio do termo insumo)

    MESTRADO EM DIREITO

    SO PAULO

    2013

  • Renato Silveira

    Determinao dos crditos na sistemtica no-cumulativa do PIS e da COFINS

    incidentes sobre a receita (anlise crtica e definio do termo insumo)

    MESTRADO EM DIREITO

    Dissertao apresentada Banca

    Examinadora da Pontifcia Universidade

    Catlica de So Paulo, como exigncia

    parcial para obteno do ttulo de Mestre em

    Direito, na rea de concentrao de Direito

    do Estado, subrea de Direito Tributrio, sob

    a orientao da Professora Doutora Fabiana

    Del Padre Tom.

    SO PAULO

    2013

  • Banca Examinadora:

    _______________________________

    _______________________________

    _______________________________

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus e a Santo Expedito, por toda a fora, proteo e graas alcanadas.

    minha Me, Izilda Silveira, pelo amor e apoio incondicionais.

    Ao meu Pai, Wanderley Silveira, pela lio de vida e por incentivar o trabalho e o

    estudo.

    minha noiva e meu grande amor, Mariana De Vito Melfi, pela compreenso,

    carinho, amor e companheirismo.

    minha orientadora, Professora Doutora Fabiana Del Padre Tom, por acolher o meu

    projeto e aconselhar-me acerca da organizao das ideias e problemas relativos ao tema

    proposto. Obrigado por conferir-me a valiosa oportunidade de desenvolver, na Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo, os estudos necessrios para a compreenso deste

    complexo tema de direito tributrio.

  • RESUMO

    O nosso objetivo analisar os enunciados prescritivos do Direito Positivo relacionados (direta

    ou indiretamente) ao direito do contribuinte de descontar crditos no regime no-cumulativo

    do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita e, pela interpretao sistemtica da

    Constituio Federal, da Legislao Ordinria e da Jurisprudncia (administrativa e judicial),

    estabelecer critrios jurdicos para orientar a concretizao do princpio constitucional da no-

    cumulatividade das referidas contribuies sociais, propondo, ainda, uma definio do termo

    insumo. Atualmente, o tema recorrente e bastante controvertido, especialmente no tocante delimitao semntica do termo insumo no contexto do regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita. De fato, temos nos deparado com entendimentos,

    principalmente da Receita Federal do Brasil e do prprio Poder Judicirio Brasileiro,

    restringindo a determinao dos crditos na sistemtica no-cumulativa do PIS e da COFINS

    incidentes sobre a receita mediante a utilizao de premissas (fticas e jurdicas) que, no

    nosso entendimento, no se coadunam com o prescrito no 12 do artigo 195 da Constituio

    Federal de 1988 e nas Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003. Assim, a partir da aplicao dos

    pressupostos da Teoria do Constructivismo Lgico-Semntico, buscaremos demonstrar que

    no regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita existem normas

    jurdicas prprias e especficas, que o distancia do regime no-cumulativo do IPI e do ICMS,

    e, tambm, do regime jurdico de dedutibilidade de custos e de despesas operacionais para

    efeito de apurao da base de clculo do IRPJ e da CSLL, e, ainda, delimitam o direito de

    crdito do contribuinte e a acepo do termo insumo.

    Palavras-chave: PIS e COFINS, no-cumulatividade, determinao de crditos, definio de

    insumo.

  • ABSTRACT

    This work aims at analyzing the prescriptive statements of the positive law (directly or

    indirectly) related to the taxpayers right to deduct credits in the non-cumulative system of the PIS and COFINS levied on revenues and, on the basis of the systematic interpretation of the

    Federal Constitution, the Ordinary Law, and the (administrative and judicial) Case Law, to

    construct legal criteria to guide the concretion of the constitutional principle of the non-

    cumulative system of such social contributions, further proposing a definition of the term

    input. Currently, the subject is recurrent and very controversial, especially regarding the semantic definition of the term input in the context of the non-cumulative system of the PIS and COFINS levied on revenues. In fact, we have been seeing constructions, mainly of the

    Brazilian Federal Revenue Service and the Judiciary Branch, limiting the determination of

    credits in the non-cumulative system of the PIS and COFINS levied on revenues, based on

    (factual and legal) assumptions that, from our standpoint, do not reflect the provisions of

    paragraph 12, article 195, of the 1988 Federal Constitution, and Laws No. 10637/2002 and

    No. 10833/2003. Thus, based on the assumptions of the Logical-Semantic Constructivism

    Theory we will seek to demonstrate that the non-cumulative system of the PIS and COFINS

    levied on revenues have specific legal rules that distances it from the non-cumulative system

    of the IPI and ICMS, and also from the legal system of costs and operating expenses

    deductibility for the purpose of ascertainment of the IRPJ and CSLL taxable bases, in addition

    to delimiting the taxpayers right to credit and the definition of the term input.

    Key Words: PIS and COFINS, non-cumulativity, determination of credits, definition of

    input.

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................ 10

    Captulo 1 CONCEITOS JURDICOS FUNDAMENTAIS ........................................ 14

    1.1 A linguagem e o conhecimento ................................................................................ 14

    1.1.1 O conhecimento cientfico ................................................................................ 16

    1.1.2 O constructivismo lgico-semntico ................................................................. 18

    1.2 O Direito Positivo .................................................................................................... 19

    1.2.1 O Direito Positivo como fato comunicacional ................................................... 21

    1.2.2 Os atos de fala no Direito Positivo .................................................................... 22

    1.2.3 As fontes do Direito Positivo ............................................................................ 23

    1.2.4 A produo de enunciados prescritivos ............................................................. 25

    1.2.4.1 A validade ............................................................................................ 26

    1.2.4.2 A vigncia ............................................................................................ 26

    1.2.4.3 A eficcia ............................................................................................. 27

    1.2.5 A unidade do sistema do Direito Positivo ......................................................... 27

    1.2.6 A presena dos valores ..................................................................................... 28

    1.3 A Cincia do Direito ................................................................................................ 29

    1.3.1 A importncia da Lgica .................................................................................. 30

    1.3.2 A importncia da Semitica.............................................................................. 31

    1.4 A construo de normas jurdicas............................................................................. 33

    1.4.1 O percurso gerador de sentido .......................................................................... 36

    1.4.2 A positivao do Direito ................................................................................... 38

    1.4.3 O fato jurdico tributrio ................................................................................... 39

    1.4.4 A norma jurdica completa ............................................................................... 39

    Captulo 2 INSTITUIO DA SISTEMTICA NO-CUMULATIVA DE

    APURAO E RECOLHIMENTO DO PIS E DA COFINS NO PLANO DA

    LEGISLAO ORDINRIA ......................................................................................... 42

    2.1 A regra-matriz de incidncia do PIS e da COFINS sobre a receita............................ 45

    2.1.1 Critrio material ............................................................................................... 49

    2.1.2 Critrio espacial ............................................................................................... 52

    2.1.3 Critrio temporal .............................................................................................. 52

  • 2.1.4 Critrio pessoal ................................................................................................ 53

    2.1.5 Critrio quantitativo ......................................................................................... 54

    2.1.6 Sntese da regra-matriz de incidncia do PIS e da COFINS no-cumulativos.. .. 56

    2.2 A regra-matriz do direito aos crditos da no-cumulatividade .................................. 56

    2.2.1 Critrio material ............................................................................................... 59

    2.2.2 Critrio espacial ............................................................................................... 62

    2.2.3 Critrio temporal .............................................................................................. 63

    2.2.4 Critrio pessoal ................................................................................................ 63

    2.2.5 Critrio quantitativo ......................................................................................... 63

    2.2.6 Sntese da regra-matriz do direito aos crditos.. ................................................ 64

    2.2.7 Hipteses de no aplicao da regra-matriz do direito aos crditos ................... 65

    Captulo 3 PRINCPIO CONSTITUCIONAL DA NO-CUMULATIVIDADE

    DO PIS E DA COFINS INCIDENTES SOBRE A RECEITA ....................................... 68

    3.1 A definio de princpio constitucional tributrio ..................................................... 71

    3.2 O princpio constitucional da no-cumulatividade do PIS e da COFINS................... 76

    3.2.1 A imposio de limites para o legislador infraconstitucional ............................. 81

    3.2.2 A imposio de limites para o intrprete do Direito Positivo ............................. 85

    3.2.3 A imposio de limites para o aplicador do Direito Positivo ............................. 87

    3.2.4 A recepo da legislao ordinria preexistente ................................................ 88

    3.3 A concretizao do princpio constitucional da no-cumulatividade do PIS e da

    COFINS incidentes sobre a receita.......................................................................... 90

    3.3.1 O mtodo indireto subtrativo ............................................................................ 93

    3.3.2 A adequao do mtodo para o fim proposto (evitar a cumulatividade da

    incidncia do PIS e da COFINS sobre a receita) ............................................... 98

    3.4 O desconto de crditos no contexto do regime no-cumulativo do PIS e da

    COFINS incidentes sobre a receita no benefcio fiscal ........................................ 100

    3.5 O desconto de crditos no contexto do regime no-cumulativo do PIS e da

    COFINS incidentes sobre a receita no subveno ............................................... 107

    3.6 A no-cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita no

    representa tributao do valor agregado ................................................................... 110

    3.7 O ressarcimento e a compensao como hipteses excepcionais de concretizao

    do princpio constitucional da no-cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes

    sobre a receita ......................................................................................................... 112

  • Captulo 4 DETERMINAO DOS CRDITOS NA SISTEMTICA NO-

    CUMULATIVA DO PIS E DA COFINS INCIDENTES SOBRE A RECEITA ........... 115

    4.1 A importncia da Exposio de Motivos das Medidas Provisrias ns 66/2002 e

    135/2003 no processo de construo de sentido ...................................................... 116

    4.2 A interpretao conforme Constituio Federal ..................................................... 119

    4.3 O creditamento na sistemtica no-cumulativa do PIS e da COFINS incidentes

    sobre a receita .......................................................................................................... 123

    4.3.1 Os gastos indicados exemplificativamente no texto das Leis ns 10.637/2002

    e 10.833/2003 .................................................................................................. 124

    4.3.2 A problemtica do creditamento nas aquisies de bens e de servios

    utilizados como insumo ................................................................................ 129

    4.3.2.1 A inaplicabilidade da definio de insumo do IPI .............................. 135

    4.3.2.2 A inaplicabilidade da definio de custo e de despesa operacional do

    IRPJ e da CSLL ................................................................................... 144

    4.3.3 As normas jurdicas prprias e especficas da no-cumulatividade do PIS e da

    COFINS incidentes sobre a receita ................................................................... 151

    4.3.3.1 A hiptese de incidncia do PIS e da COFINS sobre a receita como

    um parmetro para delimitao do termo insumo .............................. 152

    4.3.3.2 A amplitude semntica do termo insumo no contexto do regime no-

    cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita ................ 155

    4.3.3.3 O termo insumo como conceito relacional e funcional ...................... 158

    4.3.3.4 A pertinncia, inerncia e relevncia do insumo na atividade

    empresarial desempenhada para auferir receita ..................................... 160

    4.3.3.5 Os gastos incorridos pelo contribuinte por imposio de ato do Poder

    Pblico ................................................................................................. 162

    4.3.4 A nossa proposta de definio do termo insumo no contexto do regime no-

    cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita .............................. 165

    4.3.5 O princpio da isonomia e a compatibilizao da definio de insumo para

    as empresas comerciais e prestadoras de servios ............................................. 166

    4.3.6 A importncia da prova para o reconhecimento dos crditos da no-

    cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita........................ 170

  • Captulo 5 ANLISE DE SITUAES CONCRETAS E CONTROVERTIDAS

    (APLICAO DA TEORIA NA PRTICA) ................................................................. 174

    5.1 Direito aos crditos da no-cumulatividade do PIS e de COFINS sobre gastos

    incorridos com frete na revenda de produtos sujeitos tributao concentrada

    (monofsica) ....................................................................................................... 174

    5.1.1 Interpretao do inciso IX do artigo 3 da Lei n 10.833/2003 ......................... 177

    5.1.2 Medidas Provisrias ns 413/2008 e 451/2008 ................................................. 179

    5.1.3 Silncio Consciente do Legislador ................................................................... 181

    5.2 Direito aos crditos da no-cumulatividade do PIS e de COFINS sobre

    gastos incorridos com frete nas aquisies de mercadorias com fim especfico de

    exportao .............................................................................................................. 183

    5.2.1 O fato de a receita de exportao no estar sujeita ao pagamento do PIS e

    da COFINS no impede o creditamento............................................................. 187

    CONCLUSO .................................................................................................................. 191

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 200

  • 10

    INTRODUO

    As Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003, resultantes da converso das Medidas

    Provisrias ns 66/2002 e 135/2003 (editadas antes da Emenda Constitucional n 42/2003),

    introduziram no ordenamento jurdico brasileiro um novo modelo de apurao e recolhimento

    do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita (sistemtica no-cumulativa), pautado,

    basicamente, em 4 (quatro) premissas fundamentais: (1) ampliao do campo de incidncia

    das contribuies sociais, nos termos da alnea b do inciso I do artigo 195 da Constituio

    Federal de 1988, com a redao dada pela Emenda Constitucional n 20/1998; (2) ampliao

    da base de clculo do PIS e da COFINS (consequncia da ampliao do campo de

    incidncia); (3) majorao das alquotas do PIS e da COFINS; e (4) abatimento de crditos

    da no-cumulatividade para efeito de determinao dos valores a pagar a ttulo de PIS e de

    COFINS.

    No corte metodolgico do nosso objeto de investigao, afastamos a anlise da

    constitucionalidade (formal e material) das Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003, e partimos

    das premissas fundamentais de que a ampliao do campo de incidncia, a ampliao da base

    de clculo, a majorao das alquotas e a prpria sistemtica no-cumulativa do PIS e da

    COFINS incidentes sobre a receita esto em consonncia ao disposto no Texto

    Constitucional, e, especialmente no que diz respeito s normas jurdicas que prescrevem o

    direito aos crditos da no-cumulatividade (tema central da dissertao), tambm foram

    recepcionadas pela superveniente edio da Emenda Constitucional n 42/2003, que

    introduziu o 12 ao artigo 195 da Constituio Federal de 1988.

    Assim, na presente dissertao concentramos os nossos esforos na interpretao e

    compreenso dos enunciados prescritivos do Direito Positivo (especialmente os constantes do

    texto das Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003, e do texto da Constituio Federal de 1988),

    relacionados (direta ou indiretamente) ao direito do contribuinte de descontar crditos para

    efeito de determinao dos valores a pagar a ttulo de PIS e COFINS incidentes sobre a

    receita, e, ao final, propomos uma definio possvel do termo insumo (e conforme

    Constituio Federal) a ser utilizada e aplicada no contexto do regime no-cumulativo das

    referidas contribuies sociais por todos os contribuintes, independentemente do ramo de

    atividade (produo, comercializao de bens e prestao de servios) e tambm como forma

    de realizar o princpio da isonomia.

  • 11

    Para alcanarmos o nosso objetivo, dividimos o trabalho em 5 (cinco) captulos.

    No captulo 1, fixamos premissas que julgamos importantes para a delimitao do

    objeto investigado e, principalmente, para a sua compreenso. Com efeito, registramos a

    importncia da linguagem para a criao do objeto, do sujeito e do prprio conhecimento,

    bem como a aplicao dos pressupostos da Teoria do Constructivismo Lgico-Semntico para

    a construo de sentido do objeto analisado. Nesse passo, trabalhamos com a concepo de

    Direito Positivo como um objeto cultural produzido pelo ser humano, que tem a linguagem

    como dado constitutivo, formando um tecido de enunciados prescritivos voltados para a

    regulao de condutas intersubjetivas na realidade social. Aps apresentao de dados

    caractersticos do Direito Positivo, consignamos que a sua interpretao e compreenso

    dependem, necessariamente, da incurso do intrprete nos trs planos da linguagem (sinttico,

    semntico e pragmtico), de modo que o sentido deve ser construdo pelo sujeito cognoscente,

    e no extrado do texto normativo. Por fim, registramos que a norma jurdica a significao

    construda a partir da interpretao e compreenso dos enunciados prescritivos do Direito

    Positivo, permitindo aos seus destinatrios a compreenso da mensagem passada pelo

    legislador.

    Com base nas premissas (filosficas e metodolgicas) fixadas no captulo 1, e a partir

    da interpretao e compreenso dos enunciados prescritivos das Leis ns 10.637/2003 e

    10.833/2003, e da Constituio Federal de 1988, no captulo 2 construmos: (i) a regra-matriz

    de incidncia do PIS e da COFINS sobre a receita, enfatizando que o critrio material

    formado pelo verbo auferir e pelo complemento receita; e (ii) a regra-matriz do direito

    aos crditos da no-cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita,

    relacionada, invariavelmente, a gastos (custos, despesas e encargos) incorridos pelo

    contribuinte nas aquisies de bens e de servios. Alm disso, destacamos que no contexto da

    no-cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita, a regra-matriz de

    incidncia tributria e a regra-matriz do direito aos crditos da no-cumulatividade so

    normas jurdicas gerais e abstratas absolutamente independentes, possuem estruturas lgicas

    (hiptese e consequncia) com contedo de significao distinto e a aplicao de uma no

    pressupe, necessariamente, a aplicao da outra.

    Por sua vez, no captulo 3 demonstramos que, com a supervenincia da Emenda

    Constitucional n 42/2003 e a introduo do 12 ao artigo 195 da Constituio Federal de

    1988, a no-cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita foi elevada

    categoria de princpio constitucional tributrio, promovendo alteraes significativas no

    ordenamento jurdico brasileiro, especialmente para recepcionar (ou no) a legislao

  • 12

    preexistente e prescrever uma srie de limitaes ao legislador, ao intrprete e ao aplicador do

    Direito Positivo. Nesse sentido, enfatizamos que, nos termos do 12 do artigo 195 da

    Constituio Federal de 1988, cabe ao legislador ordinrio apenas eleger os setores da

    economia que estaro sujeitos ao regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes

    sobre a receita, e dispor sobre o mtodo para o desconto de crditos, no podendo ser

    admitida a produo de enunciados prescritivos visando a restringir o alcance e a aplicao do

    princpio constitucional da no-cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a

    receita, prescrito no texto constitucional sem qualquer ressalva ou condio. Prosseguindo,

    abordamos as particularidades do mtodo indireto subtrativo adotado pelo legislador ordinrio

    para concretizar o princpio constitucional da no-cumulatividade do PIS e da COFINS

    incidentes sobre a receita, enfatizando que os crditos do contribuinte so calculados sobre os

    valores dos gastos incorridos nas aquisies de bens e de servios, no guardando qualquer

    relao com os valores das contribuies sociais cobradas ou incidentes nas operaes

    anteriores e posteriores. Por fim, registramos que: (i) o desconto de crditos no contexto do

    regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita no benefcio fiscal

    e, tambm, no representa qualquer espcie de despesa pblica ou subveno pblica; (ii) a

    no-cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita no representa tributao

    do valor agregado; e (iii) o ressarcimento e a compensao representam hipteses

    excepcionais de concretizao do princpio constitucional da no-cumulatividade.

    J no captulo 4, aps tecermos breves comentrios sobre a importncia da Exposio

    de Motivos das Medidas Provisrias ns 66/2002 e 135/2003 na construo de sentido da no-

    cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita, e enfatizarmos a aplicao da

    tcnica da interpretao conforme Constituio Federal, inclusive para a delimitao

    semntica do termo insumo, demonstramos que os gastos indicados (nominalmente) pelo

    legislador ordinrio no artigo 3 das Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003 no so taxativos,

    havendo outras hipteses de creditamento pelos contribuintes nas aquisies de bens e de

    servios. Prosseguindo, demonstramos que a significao possvel do termo insumo no

    contexto do regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita no pode

    ser restritiva como a definio do IPI (ideia de crdito fsico) e, no necessariamente, to

    abrangente como as definies de custo de produo e de despesas operacionais do IRPJ e da

    CSLL. Nesse sentido, registramos a existncia de normas jurdicas prprias e especficas da

    no-cumulatividade do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita, suficientes para delimitar

    o contedo de significao do termo insumo neste contexto. Assim, ao final, propomos uma

    interpretao possvel do termo insumo conforme Constituio Federal, e sustentamos a

  • 13

    sua utilizao e aplicao para todos os contribuintes inseridos no regime no-cumulativo do

    PIS e da COFINS incidentes sobre a receita, independentemente do seu ramo de atividade

    (produo, comercializao de bens e prestao de servios) e inclusive como forma de

    realizar o princpio da isonomia.

    Por fim, no captulo 5, analisamos situaes concretas e controvertidas na

    Jurisprudncia, e aplicamos a teoria na prtica para entender como legtimo: (i) o direito das

    empresas comerciais (atacadistas e varejistas) de apurar crditos da no-cumulatividade do

    PIS e da COFINS sobre gastos incorridos com frete na revenda de produtos sujeitos

    tributao concentrada (monofsica); e (ii) o direito das empresas comerciais exportadoras

    de apurar crditos da no-cumulatividade do PIS e da COFINS sobre gastos incorridos com

    frete nas aquisies de mercadorias com fim especfico de exportao.

  • 14

    1 CONCEITOS JURDICOS FUNDAMENTAIS

    1.1 A linguagem e o conhecimento

    A obra de Ludwig Wittgenstein (Tractatus logico-philosophicus) pode ser considerada

    o marco do movimento denominado giro-lingustico e do advento da filosofia da linguagem,

    que promoveram uma mudana na concepo filosfica do conhecimento.

    Para os adeptos dessa corrente filosfica, a linguagem1 no mais havida como mero

    instrumento de ligao do sujeito ao objeto do conhecimento. Na clssica lio de Dardo

    Scavino a linguagem deixa de ser meio, algo que estaria entre o sujeito e a realidade, e se

    converte em um lxico capaz de criar tanto o sujeito como a realidade2.

    Assim, no campo da filosofia da linguagem, no se sustenta mais que o conhecimento

    verdadeiro resultaria da plena correspondncia entre a proposio (enunciado lingustico) e o

    objeto referido.

    Por sua vez, no paradigma adotado pelo giro-lingustico, a linguagem passa a ser

    concebida como condio imprescindvel para a prpria existncia do conhecimento, como

    anotado por Aurora Tomazini de Carvalho:

    a linguagem deixa de ser apenas instrumento de comunicao de um

    conhecimento j realizado e passa a ser condio de possibilidade para

    constituio do prprio conhecimento enquanto tal. Este no mais visto como uma relao entre sujeito e objeto, mas sim entre linguagens.

    3

    De fato, o conhecimento no mais concebido como uma simples relao entre sujeito

    e objeto, mas sim uma relao entre linguagens, pois, como ponderado por Fabiana Del Padre

    Tom o objeto do conhecimento no so as coisas-em-si, mas as proposies que as

    descrevem.4

    Nesse cenrio, ao adotarmos na presente dissertao as premissas da filosofia da

    linguagem, assumimos que a linguagem cria tanto o objeto (Direito Positivo), quanto o

    1 Nicola Abbagnano define linguagem como o uso de signos intersubjetivos, que so os que possibilitam a comunicao. Por uso entende-se: 1 Possibilidade de escolha (instituio, mutao, correo) dos signos; 2

    Possibilidade de combinao de tais signos de maneiras limitadas e repetveis. Dicionrio de Filosofia. Traduo de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 615. 2 La filosofia actual: pensar sin certezas. Santiago del Estero: Paids Postales, 1999, p. 12. No original: el lenguaje deja de ser um medio, algo que estaria entre el yo y la realidade, y se convertira em um lxico capaz de

    crear tanto el yo como La realidad. 3 Curso de Teoria Geral do Direito. So Paulo: Noeses, 2009, p. 13. 4 A prova no direito tributrio. 3. ed. So Paulo: Noeses, 2011/2012, p. 2.

  • 15

    sujeito (intrprete e aplicador do direito positivo) e, por conseguinte, o prprio conhecimento

    (Cincia do Direito).

    Pois bem, a linguagem pode ser apontada como um instrumento para o ser humano

    comunicar-se por meio do uso de signos. Dessa forma, a linguagem formada por palavras

    (signos) cujas frases devem ser construdas de acordo com as regras gramaticais para que

    sejam dotadas de sentido. A palavra um signo arbitrrio objeto de uma conveno (o homem

    atribui nomes s coisas) e sua significao varia de acordo com um determinado sistema

    lingustico (ou idioma).

    Por isso a realidade ser aquela construda a partir de uma determina lngua (a lngua

    portuguesa uma realidade, a lngua inglesa possui outra, e assim por diante) e o

    conhecimento depender do conhecimento da prpria lngua.

    Com essa breve introduo sobre o paradigma da filosofia da linguagem (a linguagem

    a realidade), adotado nesta dissertao, pode-se afirmar que o conhecimento , basicamente,

    a possibilidade de o ser humano emitir proposies descritivas acerca de um objeto. Nessa

    simples definio, podemos identificar os componentes do conhecimento apontados por

    Lourival Vilanova:

    a) o sujeito cognoscente; b) os atos de percepo e de julgar; c) o objeto do

    conhecimento (coisa, propriedade, situao objetiva); d) a proposio (onde diversas relaes de conceitos formam estruturas).

    5

    O sujeito cognoscente sempre ser o ser humano, pois o nico dotado de conscincia

    e racionalidade. Em um primeiro momento, o sujeito cognoscente apreende, intelectualmente,

    um determinado objeto da experincia.

    Na apreenso intelectual do objeto j existe um mnimo de conhecimento, pois surge

    na mente do sujeito cognoscente (intrprete) uma ideia ou noo do objeto verificado

    (representao intelectual do objeto considerado isoladamente), suficiente para diferenci-lo

    dos demais objetos da experincia.

    No entanto, o conhecimento se consolida na medida em que o intrprete (sujeito)

    emite proposies descritivas acerca do objeto verificado, demonstrando conhec-lo.

    Dessa forma, seguindo as premissas do conhecimento adotadas pelo movimento

    filosfico denominado giro-lingustico, a linguagem instrumento que fixa o conhecimento e,

    tambm, o transmite.

    5 Estruturas Lgicas e o Sistema de Direito Positivo. So Paulo: Noeses, 2005, p. 39.

  • 16

    Como o conhecimento se d pela linguagem e a linguagem representa parcialmente o

    objeto (no temos acesso diretamente coisa-em-si ou ao dado bruto, na acepo de Vilm

    Flusser6), nunca haver a plenitude do conhecimento, ou seja, nunca conheceremos a

    totalidade do objeto, mas apenas uma parte dele (parte representada pela linguagem).

    Por isso o conhecimento sempre ser limitado, e essa limitao decorre, tambm, do

    contexto em que o conhecimento produzido, do meio social, do tempo histrico e,

    principalmente, das vivncias culturais do sujeito cognoscente e da sua ideologia.

    Exemplificando, uma pessoa consegue identificar uma borboleta e distingui-la de

    outro ser, porm, no consegue descrev-la com a mesma profundidade e propriedade de um

    botnico, justamente por faltar-lhe linguagem (conhecimento especfico sobre o objeto

    verificado).

    Alm disso, o sistema de referncia (contexto) adotado pelo sujeito cognoscente para a

    aproximao do objeto tambm representa um limitador do conhecimento, sendo certo que a

    veracidade das proposies descritivas emitidas depender da sua adequao (ou no) s

    premissas adotadas pelo modelo de investigao adotado.

    Assim, a verdade (da proposio descritiva) sempre ser relativa, variando de acordo

    com o sistema de referncia adotado pelo sujeito cognoscente, estando superado o dogma da

    verdade absoluta, que inatingvel dentro do modelo de conhecimento da filosofia da

    linguagem.

    1.1.1 O conhecimento cientfico

    O discurso cientfico dever ser vertido em uma linguagem rigorosa, produzida de

    acordo com as regras sintticas e gramaticais de uma determinada lngua, evitando-se a

    ambiguidade e a vagueza, prprias da linguagem natural (cotidiana).

    Sobre a importncia dada ao rigor lingustico pelos neopositivistas lgicos para a

    construo do discurso cientfico, aponta Paulo de Barros Carvalho que:

    perceberam os neopositivistas lgicos que a linguagem natural, com os defeitos que lhe so imanentes, como por exemplo a ambiguidade, jamais

    traduziria adequadamente os anseios do ser humano, donde a necessidade de

    partir-se para a elaborao de linguagens artificiais, em que os termos imprecisos fossem substitudos por vocbulos novos, criados

    6 Lngua e Realidade. 2. ed. So Paulo: AnnaBlume, 2005, p. 40.

  • 17

    estipulativamente, ou se submetessem quilo que Rudolf Carnap chamou de

    processo de elucidao.7

    A linguagem artificial a que se referem os neopositivistas lgicos a linguagem da

    cincia, construda a partir de um plano sinttico rigoroso e de um plano semntico preciso,

    necessrios para a produo de um conhecimento seguro.

    A produo dos enunciados cientficos deve observar as regras gramaticais de

    construo de frases para que sejam dotados de sentido, evitando-se o emprego de termos de

    acepes imprecisas (significaes plurvocas) e, por conseguinte, problemas de ambiguidade

    e vagueza.

    Alm disso, o discurso cientfico no admite a produo de enunciados contraditrios,

    ou seja, o cientista no dever afirmar um fato e depois neg-lo no mesmo contexto,

    comprometendo a coeso do discurso cientfico, bem como a sua credibilidade.

    Em todo discurso cientfico h, obrigatoriamente, a presena de um mtodo, que o

    meio utilizado pelo sujeito cognoscente para se aproximar do objeto, bem como a delimitao

    especfica do campo a ser investigado, inclusive para garantir a unidade do objeto, como

    muito bem ponderado por Aurora Tomazini de Carvalho:

    A delimitao do objeto indica os limites da experincia, evitando sua propagao ao infinito. E o mtodo determina a forma de aproximao do

    objeto, atribuindo sincretismo s proposies formuladas. Ambos tambm

    exercem a funo de controle dos enunciados construdos, que, para pertencerem a uma teoria, no podem extrapolar os limites de seu objeto

    nem serem produzidos em desacordo com as regras fixadas para sua

    aproximao.

    No h como fazer cincia abrindo mo da uniformidade na apreciao do objeto (o que alcanado com a utilizao de um nico mtodo) e da

    rigorosa demarcao do campo sobre o qual haver de se voltar a ateno

    cognoscitiva.8

    Os objetos da experincia so complexos e infinitos, e conhecer cientificamente

    significa reduzir as complexidades do objeto, o que s possvel mediante o corte

    metodolgico feito pelo cientista, que se prope a estudar o objeto sob uma determinada

    perspectiva, destacando-se, por relevante, a presena de um mtodo que visa justamente a

    garantir a unidade do objeto.

    Assim, a observncia das regras sintticas e gramaticais de construo de frases, a

    utilizao de termos precisos com significao unvoca, a eleio de um mtodo prprio e a

    7 Direito Tributrio: linguagem e mtodo. 5. ed. So Paulo: Noeses, 2013, p. 21/22. 8 Curso de Teoria Geral do Direito. So Paulo: Noeses, 2009, p. 37.

  • 18

    uniformidade do objeto so requisitos indispensveis para o conhecimento cientfico e a

    rigorosa descrio do objeto verificado.

    1.1.2 O constructivismo lgico-semntico

    A base do constructivismo lgico-semntico a construo de sentido (atividade

    intelectiva prpria do ser humano). O intrprete parte do plano lgico (plano sinttico da

    linguagem) e pela interpretao e compreenso (plano semntico da linguagem) constri o

    sentido do enunciado (que no dado pelo texto). Nesse sentido, acentua Paulo de Barros

    Carvalho que:

    A interpretao do direito, em tempos atuais, com os recursos da Semitica e das teorias analticas do discurso, pressupe o contato primeiro e necessrio

    com o plano da expresso ou da literalidade textual. A partir de ento, tem

    incio o muitas vezes penoso processo de gerao de sentido, j que as significaes se situam na instncia do contedo do texto, devendo ser

    construdas pelo sujeito do conhecimento. Nesse caminho gerativo,

    superados os obstculos de natureza sinttica, o agente ingressa nos domnios da semntica e da pragmtica, como intervalos semiticos

    imprescindveis ao trabalho de elaborao, pesquisando as relaes dos

    veculos sgnicos com as realidades, materiais ou imateriais, que eles

    pretendem significar, bem como os vnculos estabelecidos entre os signos e seus usurios (pragmtica).

    Em outras palavras, e colocando entre parnteses as especulaes lgico-

    sintticas, sem as quais no se pode pensar em sentido semntico, o jurista aparece como o intrprete, por excelncia, dos textos prescritivos do direito

    posto, atravessando, com sua anlise construtiva, o sistema das normas

    positivadas, no qual os comportamentos interpessoais se encontram modalizados em obrigatrios (O), proibidos (V) e permitidos (P).

    9

    O direito positivo est vertido em linguagem e, portanto, possui existncia concreta, de

    modo que o ato gnosiolgico prprio para o intrprete se aproximar dele a compreenso. Por

    sua vez, o mtodo hermenutico-analtico orientar o trabalho do intrprete na construo de

    sentido, ou seja, na atribuio de significado ao enunciado, e ser sempre influenciada pelo

    referencial filosfico, pela ideologia e pelo contexto.

    Assim, as premissas do constructivismo lgico-semntico so perfeitamente aplicadas

    na construo de sentido do Direito Positivo, pois o intrprete partir do plano sinttico da

    linguagem para, mediante a compreenso, atingir o plano semntico (plano da significao),

    9 Controle de Constitucionalidade: eficcia do crdito-prmio do IPI em face da Resoluo do Senado n.

    71/2005. In: Derivao e Positivao no Direito Tributrio. Volume I. So Paulo: Noeses, 2011, p. 120.

  • 19

    cujo trabalho ser orientado pelo mtodo hermenutico-analtico e influenciado pelo contexto,

    pela ideologia do intrprete e pelo valor.

    Dessa forma, na presente dissertao, buscaremos aplicar as premissas do

    constructivismo lgico-semntico para erigir uma interpretao possvel do termo insumo

    no contexto do regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre receita e

    conforme Constituio Federal de 1988.

    1.2 O Direito Positivo

    O Direito Positivo um objeto cultural produzido pelo ser humano (destacando-se a

    necessria presena da autoridade competente e do procedimento adequado), que tem a

    linguagem como dado constitutivo, formando um tecido de enunciados prescritivos voltados

    para a regulao de condutas intersubjetivas. Assim, o Direito Positivo apresenta-se como um

    conjunto de signos (palavras), empregados com funo eminentemente prescritiva que se

    projeta sobre o plano da linguagem da realidade social para alterar condutas intersubjetivas.

    Nesse sentido, confira-se a lio de Paulo de Barros Carvalho:

    O direito positivo est vertido numa linguagem, que seu modo de

    expresso. E essa camada de linguagem, como construo do homem, se volta para a disciplina do comportamento humano, no quadro de suas

    relaes de intersubjetividade. As regras do direito existem para organizar a

    conduta das pessoas, umas com relao s outras. Da dizer-se que ao Direito no interessam os problemas intrasubjetivos, isto , da pessoa para com ela

    mesma, a no ser na medida em que esse elemento interior e subjetivo

    corresponda a um comportamento exterior e objetivo.10

    A respeito da funo exercida pela linguagem do Direito Positivo, Clarice von Oertzen

    de Arajo acentua que:

    As leis, portanto, na condio de uma espcie de linguagem tcnica, so signos que prescrevem tipos de conduta, exigem dos cidados uma prestao

    consistente em aes que podem revestir a natureza de dar, agir ou omitir

    uma determinada conduta.11

    Indo direto ao ponto, e para delimitarmos o nosso campo de investigao, garantindo a

    unidade do objeto, trabalharemos com a concepo de Direito Positivo como o conjunto de

    enunciados prescritivos, produzidos pela autoridade competente e em observncia ao

    procedimento previsto (no prprio Direito Positivo) para tanto, existentes em um determinado

    10 Curso de Direito Tributrio. 24. ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 34. 11 Incidncia Jurdica. Teoria e Crtica. So Paulo: Noeses, 2011, p. 31.

  • 20

    tempo e lugar, e a partir dos quais so construdas as normas jurdicas (significaes

    construdas a partir do texto do Direito Positivo), voltadas para a regulao de condutas

    intersubjetivas com o objetivo de realizar valores perseguidos pela sociedade.

    Assim, fizemos o corte metodolgico do nosso objeto de investigao, de modo

    semelhante ao feito por Aurora Tomazini de Carvalho, inspirada na obra de Hans Kelsen e de

    Paulo de Barros Carvalho:

    Inspirados na teoria kelseniana, adotamos uma posio positiva normativista do direito, considerando-o como o complexo de normas jurdicas vlidas num dado pas. Este o primeiro corte metodolgico para demarcao do nosso objeto de estudos: h direito onde houver normas jurdicas. Seguindo, contudo, a concepo filosfica por ns adotada, no podemos

    deixar de considerar as normas jurdicas como uma manifestao lingstica,

    sendo este nosso segundo corte metodolgico: onde houver normas jurdicas haver sempre uma linguagem (no caso do direito brasileiro, uma linguagem

    idiomtica, manifesta na forma escrita).

    Enquanto linguagem, o direito produzido pelo homem para obter

    determinado fim: disciplinar condutas sociais. Isto implica reconhec-lo como produto cultural, e aqui fixamos nosso terceiro corte metodolgico: o

    direito um instrumento, constitudo pelo homem com a finalidade de

    regular condutas intersubjetivas, canalizando-as em direo a certos valores que a sociedade deseja ver realizados.

    12

    E, em funo do tema abordado na presente dissertao, faremos um segundo corte

    metodolgico, para concentrar os nossos esforos na interpretao e compreenso dos

    enunciados prescritivos do Direito Positivo, relacionados (direta ou indiretamente) ao direito

    do contribuinte de apurar crditos no regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes

    sobre a receita, notadamente os constantes do texto das Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003, e

    da Constituio Federal de 1988.

    Dessa forma, o Direito Positivo ser tratado nesta dissertao como uma camada de

    linguagem com funo prescritiva, direcionada para a regulao de condutas intersubjetivas,

    produzida pela autoridade competente e em observncia ao procedimento previsto para tanto,

    existente em um determinado tempo e lugar, e visando a assegurar a observncia de valores

    perseguidos pela sociedade.

    12 Curso de Teoria Geral do Direito. So Paulo: Noeses, 2009, p. 77/78.

  • 21

    1.2.1 O Direito Positivo como fato comunicacional

    Ao afirmarmos que o Direito Positivo constitudo pela linguagem (enunciados

    prescritivos), implica assumirmos que ele representado por um conjunto de palavras, ou

    seja, um conjunto de signos (smbolos) devidamente estruturados na forma de texto, pelo qual

    se viabiliza a comunicao, como acentuado por Gregrio Robles:

    A prova palpvel de que o direito texto est em que todo ordenamento jurdico suscetvel de ser escrito, isto , de ser convertido em palavras. At

    mesmo as normas que no nascem escritas, aquelas que so

    consuetudinrias, tm essa caracterstica. O direito linguagem no sentido de que sua forma de expresso consubstancial a linguagem verbalizada

    suscetvel de ser escrita. Isto aparece especialmente no direito moderno, que

    j nasce escrito. Esta afirmao no implica uma tese ontolgica forte, mas se limita a

    apontar o modo universal de apresentao do direito na comunicao

    humana, que como tal pode servir de ponto de partida para um enfoque

    terico. No incompatvel com teses ontolgicas fortes, como aquela que afirma que o direito o justo, ou a que sustenta que fato social. Em

    qualquer dos casos, o certo que o direito sempre se manifesta em

    linguagem. A linguisticidade sua forma natural de ser. Como texto, o direito suscetvel das anlises tpicas de qualquer outro

    texto. Por essa razo, a teoria do direito pode ser caracterizada como uma

    teoria hermenutico-analtica, ou, para empregar uma palavra mais simples,

    comunicacional. Pragmtica, semntica e sinttica so as trs operaes possveis do texto jurdico.

    13

    As palavras utilizadas na produo dos enunciados prescritivos do Direito Positivo,

    necessariamente, devem pertencer a um cdigo comum existente entre o emissor e o receptor

    da mensagem, para que seja possvel o estabelecimento da comunicao (emisso e recepo

    da mensagem). Por exemplo, em se tratando do Direito Positivo brasileiro, o cdigo comum

    a lngua portuguesa e o canal utilizado pelo legislador para veicular os textos do Direito

    Positivo o dirio oficial.

    Por sua vez, os destinatrios dos comandos normativos devero interpretar os

    enunciados prescritivos para compreender o contedo da mensagem legislada. Vale dizer, os

    destinatrios partem do plano de expresso do Direito Positivo (plano dos enunciados

    prescritivos) para chegarem, mediante a interpretao e compreenso, ao plano de contedo

    (semntico) do Direito Positivo.

    Essa atividade intelectiva do intrprete se faz necessria porque os enunciados

    prescritivos do Direito Positivo no trazem consigo o contedo de significao (no

    13 O Direito como Texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Traduo de Roberto Barbosa

    Alves. Barueri: Manole, 2005, p. 2/3.

  • 22

    delimitam, por si s, o plano semntico), cabendo ao intrprete a construo de sentido das

    mensagens legisladas, levando-se em considerao o contexto em que os enunciados

    prescritivos esto inseridos, bem como as circunstncias de espao, tempo e cultura.

    As mensagens compreendidas a partir da interpretao dos enunciados prescritivos

    esto relacionadas, direta ou indiretamente, a regulao de condutas, como ponderado por

    Clarice von Oertzen de Arajo

    Para que uma norma apresente o estatuto de mensagem necessrio que ela deflagre um significado. O significado das normas est, mediata ou

    imediatamente, relacionado com a ordenao das condutas humanas em

    sociedade. Ou seja, o seu significado a informao que elas transmitem. Ora, normas transmitem comandos que poderiam ser classificados em

    obrigaes, permisses e proibies.14

    O legislador produz o texto do Direito Positivo com o objetivo de proibir, obrigar ou

    simplesmente permitir uma dada conduta intersubjetiva, determinando que o destinatrio da

    mensagem legislada a compreenda e paute a sua conduta de acordo com o que estiver

    prescrito em Lei, sob pena de estar sujeito s sanes decorrentes do seu descumprimento.

    Assim, o Direito Positivo pode ser concebido como um sistema comunicacional, pois

    o legislador se utiliza da linguagem (enunciados prescritivos) para passar uma mensagem aos

    seus destinatrios (na verdade, so ordens coercitivas), com o objetivo de orientar as condutas

    de forma a realizar os valores perseguidos pela sociedade.

    1.2.2 Os atos de fala no Direito

    Como mencionado acima, o Direito Positivo tambm pode ser considerado um sistema

    comunicacional e, portanto, seus componentes so atos lingusticos que a Filosofia da

    Linguagem Ordinria ou Pragmtica da Linguagem denomina de atos de fala.

    De acordo com a Teoria dos Atos de Fala15, desenvolvida por John L. Austin e

    sistematizada por John R. Serle, a linguagem pressupe uma ao humana, voltada a realizar

    algo ( a fora ilocucionria do ato de fala).

    Aplicando a teoria dos atos de fala ao Direito Positivo, temos que os enunciados

    prescritivos so resultados de atos de fala emitidos pela autoridade competente,

    14 Semitica do Direito. So Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 45. 15 OLIVEIRA, Manfredo Arajo de. Reviravolta Lingustico: pragmtica na filosofia contempornea. 3. ed. So

    Paulo: Loyola, 2006, p. 149/195.

  • 23

    caracterizadores de uma tomada de posio ( uma deciso jurdica: regular a conduta A e

    no regular a conduta B).

    Assim, do ponto de vista pragmtico da linguagem do Direito Positivo, os atos de fala

    representam mensagens (ou ordens) voltadas para a regulao de comportamentos sociais,

    como apontado por Cristiano Carvalho:

    A essncia do sistema jurdico a sua imperatividade. O direito tem a funo de calibrador da ordem social e, para tanto, suas mensagens

    so essencialmente ordens. Pelo prisma da Teoria dos Atos de Fala,

    todo elemento do sistema, a saber, toda norma, tem fora e finalidade ilocucionrias diretivas, pois visam regular a conduta humana. que o

    macro-ato de fala que forma o contexto jurdico direito.16

    O uso da linguagem na funo prescritiva, a presena da autoridade competente e a

    imperatividade do Direito Positivo so fatores que atribuem fora ilocucionria (ordens

    destinadas regulao de condutas intersubjetivas) aos atos de fala do Direito Positivo

    diversa atribuda a outros atos de fala (no-jurdicos), como por exemplo, os atos de fala

    produzidos pelo cientista do direito.

    Nesse ponto, e como ser demonstrado na presente dissertao, o legislador

    constitucional derivado, ao introduzir o 12 ao artigo 195 da Constituio Federal de 1988,

    determinou que, para os setores da economia eleitos pelo legislador ordinrio, as

    contribuies sociais incidentes sobre a receita sero no-cumulativas (ou seja, no devem ser

    cumulativas), no impondo qualquer ressalva, condio ou restrio ao creditamento pelo

    contribuinte, sendo este ato de fala relevante para a interpretao e compreenso do inciso II

    do artigo 3 das Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003, especialmente no que diz respeito

    delimitao semntica do termo insumo.

    1.2.3 As fontes do Direito Positivo

    Na perspectiva do Direito Positivo como um sistema comunicacional, o estudo das

    fontes est diretamente relacionado aos atos de fala produtores de enunciados prescritivos.

    Para Paulo de Barros Carvalho,

    Por fontes do direito havemos de compreender os focos ejetores de regras

    jurdicas, isto , os rgos habilitados pelo sistema para produzirem normas, numa organizao escalonada, bem como a prpria atividade desenvolvida

    por esses entes, tendo em vista a criao de normas. Significa dizer, por

    outros torneios, que no basta a existncia do rgo, devidamente

    16 CARVALHO, Cristiano. Fices Jurdicas no Direito Tributrio. So Paulo: Noeses, 2008, p. 165/166.

  • 24

    constitudo, tornando-se necessria sua atividade segundo as regras aqui

    previstas no ordenamento. E rgo credenciado para legislar, entrando em

    movimentao, d ensejo ao acontecimento de um facto. Eis a fonte de que promana o direito.

    17

    Os enunciados prescritivos do Direito Positivo so resultados de atos de fala emitidos

    pela autoridade competente, no exerccio da funo legislativa, e, portanto, integram o sistema

    jurdico. O prprio Direito Positivo qualifica (juridicamente) a autoridade competente para a

    produo de enunciados prescritivos, bem como o procedimento a ser adotado para tanto.

    Os enunciados prescritivos do Direito Positivo representam o produto dos atos de fala

    emitidos pela autoridade competente, e as fontes do Direito Positivo se consubstanciam na

    atividade de enunciao, como explicado por Trek Moyss Moussallem:

    O fato produtor de normas o fato-enunciao, ou seja, a atividade exercida

    pelo agente competente. Falamos em fato-enunciao porque a atividade de

    produo normativa sempre realizada por atos de fala. (...) Na atividade de produo normativa no h ainda norma jurdica, logo no

    h se falar em fato jurdico produtor de normas.

    No nos parece haver fato jurdico produtor de norma, mas to s fato

    procedimental (enunciao) sem o qualificativo jurdico.18

    Dessa forma, a enunciao no Direito Positivo (a enunciao produz Direito

    Positivo). Na realidade, o que se verifica na enunciao uma atividade complexa

    desenvolvida pela autoridade competente, cujo resultado a insero de enunciados

    prescritivos no Direito Positivo, inovando a ordem jurdica.

    Essa atividade de enunciao envolve todos os atos que antecedem a insero dos

    enunciados prescritivos no Direito Positivo, desde a eleio pela autoridade competente de

    qual conduta (verificada na experincia) ser objeto de regulao jurdica at a publicao do

    texto no dirio oficial.

    Com a publicao do texto no dirio oficial, teremos acesso s marcas da enunciao

    deixadas pela autoridade competente no prprio Direito Positivo (enunciao-enunciada),

    como o caso, por exemplo, da Exposio de Motivos. As marcas da enunciao so

    representadas pelos diticos de espao, tempo, pessoa e procedimento, registrados na norma

    geral e concreta.

    A norma geral e concreta a introdutora de enunciados prescritivos no Direito

    Positivo, sendo que no seu antecedente esto registrados os aspectos principais da enunciao,

    como, por exemplo, a pessoa, o local, a data, o procedimento adotado, permitindo ao

    17 Curso de Direito Tributrio. 24. ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 79. 18 Fontes do Direito Tributrio. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 2006, p. 150.

  • 25

    intrprete reconstru-la (ainda que parcialmente) e utiliz-la na compreenso do produto

    legislado.

    Portanto, a atividade de enunciao desenvolvida pela autoridade competente

    (qualificada juridicamente) a fonte do Direito Positivo, pois dela decorrer a insero de

    novos enunciados prescritivos no sistema jurdico.

    1.2.4 A produo de enunciados prescritivos

    O Direito Positivo um sistema que regula e controla a sua prpria produo (sistema

    autopoitico). Isso significa que o prprio Direito Positivo prescreve a autoridade competente

    para inovar o sistema jurdico (no plano geral e abstrato) mediante a produo de enunciados

    prescritivos e o procedimento a ser adotado para tanto, bem como a forma de retirada de

    enunciados prescritivos do sistema jurdico.

    As normas jurdicas (em sentido amplo e em sentido estrito) convergem para um nico

    ponto, no caso, a Constituio Federal de 1988, que garante a unidade e a hierarquia do

    sistema jurdico, bem como d fundamento de validade a todos os enunciados prescritivos

    produzidos e a todas as normas jurdicas construdas, e, tambm, orienta o trabalho de

    interpretao e compreenso do Direito Positivo ( a interpretao sistemtica o mtodo

    hermenutico por excelncia).

    Em nosso Direito Positivo, prevalece o princpio da legalidade, segundo o qual

    qualquer obrigao (direito e correlato dever) sempre dever ser instituda em Lei. De acordo

    com o princpio da legalidade, somente o Poder Legislativo tem competncia para criar

    enunciados prescritivos, inovando o Direito Positivo no plano geral e abstrato (o plano

    individual e concreto est relacionado ao plano de aplicao do direito positivo, tambm

    sujeito a controle face s demais normas jurdicas do sistema).

    Essa atividade do Poder Legislativo de criar enunciados prescritivos, inovando o

    Direito Positivo no plano geral e abstrato, est condicionada observncia do procedimento

    previsto pela Constituio Federal para cada tipo de matria a ser legislada.

    Em se tratando de matria tributria, a Constituio Federal determina que, em

    algumas hipteses, o procedimento a ser adotado o da Lei Complementar e, em outras

    hipteses, o procedimento a ser adotado o da Lei Ordinria.

  • 26

    Criar enunciados prescritivos pela autoridade competente e em observncia ao

    procedimento previsto para tanto representa regular, no plano geral e abstrato do Direito

    Positivo, eventos colhidos na experincia social (eventos sociais).

    O legislador colhe na experincia social os eventos que passaro a ser considerados

    juridicamente relevantes, aos quais so atribudas determinadas consequncias que, se e

    quando vertida em linguagem competente a sua ocorrncia.

    Portanto, a produo de enunciados prescritivos depende de um ato de vontade da

    autoridade competente que, em observncia ao procedimento previsto pelo prprio Direito

    Positivo, introduzir no sistema jurdico um evento que, se e quando vertido em linguagem

    competente, produzir efeitos jurdicos (nascimento de uma relao jurdica).

    1.2.4.1 A validade

    O conceito de validade relacional, ou seja, afirmar que uma norma jurdica vlida

    implica reconhecer a sua relao de pertinncia a um sistema jurdico, inserida pela

    autoridade competente e em observncia ao procedimento previsto para tanto.

    A validade um atributo do enunciado prescritivo, desde que inserido no sistema de

    Direito Positivo em observncia s regras por ele prescritas, que fixam o rgo competente e

    o procedimento.

    No basta o enunciado prescritivo simplesmente pertencer ao sistema de Direito

    Positivo (existir) para ser vlido. imprescindvel que tenha sido produzido pela autoridade

    competente e observado o procedimento legalmente previsto para tanto.

    Portanto, a validade a relao de pertinencialidade de uma norma jurdica (em

    sentido amplo) a um determinado sistema de Direito Positivo, desde que produzida pelo rgo

    competente e em observncia ao procedimento previsto para tanto.

    1.2.4.2 A vigncia

    O enunciado prescritivo do Direito Positivo considerado vigente a partir do momento

    em que est apto a incidir na realidade social para regular condutas intersubjetivas.

    A vigncia do enunciado prescritivo implica a possibilidade de sua aplicao a um

    caso concreto (na verdade, a aplicao da norma jurdica construda a partir da interpretao

    do enunciado prescritivo), tendo em vista j ter decorrido a vacatio legis.

  • 27

    Em matria tributria, o princpio da anterioridade limita a vigncia dos enunciados

    prescritivos que prescrevem a instituio ou a majorao de tributos.

    1.2.4.3 A eficcia

    A eficcia no uma propriedade do enunciado prescritivo, mas sim uma propriedade

    do fato jurdico revestido em linguagem pela competente norma individual e concreta, apto a

    desencadear a produo de efeitos jurdicos (estabelecimento de uma relao jurdica entre

    sujeitos de direito). Assim, a norma jurdica (vlida e vigente) ter eficcia se e quando for

    revestido em linguagem competente o fato jurdico por ela regulado.

    1.2.5 A unidade do sistema do Direito Positivo

    O Direito Positivo um sistema nomoemprico (formado por proposies com

    referncia emprica) prescritivo (voltado para a regulao de condutas) que possui as

    seguintes caractersticas apontadas por Paulo de Barros Carvalho:

    as entidades que o compem esto dispostas numa estrutura hierarquizada,

    regida pela fundamentao ou derivao, que se opera tanto no aspecto material quanto no formal ou processual, o que lhe imprime possibilidade

    dinmica, regulando, ele prprio, sua criao e suas transformaes.

    Examinando o sistema de baixo para cima, cada unidade normativa se encontra fundada, material e formalmente, em normas superiores.

    Invertendo-se o ngulo de observao, verifica-se que das regras superiores

    derivam, tambm material e formalmente, regras de menor hierarquia.

    Todas as normas do sistema convergem para um nico ponto a norma fundamental -, que d fundamento de validade Constituio positiva. Seu

    reconhecimento imprime, decisivamente, carter unitrio ao conjunto, e a

    multiplicidade de normas, como entidades da mesma ndole, lhe confere o timbre de homogeneidade. Isso autoriza dizermos que o sistema

    nomoemprico do direito unitrio e homogneo, afirmao que vale para

    referncia ao direito nacional de um pas ou para aludirmos ao direito

    internacional, formado pela conjuno do pluralismo dos sistemas nacionais.

    19

    O Direito Positivo um conjunto de enunciados prescritivos, voltados para a

    regulao de condutas intersubjetivas. Alm disso, o prprio Direito Positivo dispe sobre a

    sua criao e transformao, prescrevendo a autoridade competente e o procedimento a ser

    adotado.

    19 Direito Tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 55.

  • 28

    Esses enunciados prescritivos esto dispostos no Direito Positivo de forma

    hierarquizada, de modo que a produo de normas jurdicas decorre, invariavelmente, da

    aplicao de normas de hierarquia superior.

    Melhor explicando, a produo de um enunciado prescritivo sempre ser decorrncia

    da aplicao de normas jurdicas de hierarquia superior, como por exemplo, as normas

    jurdicas que prescrevem a autoridade e o procedimento.

    O fato de existirem regras prprias disciplinando a produo de enunciados

    prescritivos e de a Constituio Federal representar o fundamento de validade de todas as

    normas jurdicas produzidas (em sentido amplo e em sentido estrito) garante ao Direito

    Positivo a unidade e a homogeneidade, prprias de um sistema.

    O Direito Positivo um sistema uno e homogneo, pois formado por enunciados

    prescritivos que possuem caractersticas prprias (produzidos pela autoridade competente e

    voltados para a regulao de condutas) e que convergem para um mesmo ponto, no caso, a

    Constituio Federal, que d fundamento de validade a toda a ordem jurdica.

    Por consequncia, a interpretao e compreenso do Direito Positivo dever ser

    sistemtica (mtodo hermenutico por excelncia), ou seja, sempre ter a totalidade dos

    enunciados prescritivos do Direito Positivo como suporte fsico, principalmente os constantes

    do texto da Constituio Federal, tendo em vista ser um sistema uno e homogneo.

    1.2.6 A presena dos valores

    Na produo dos enunciados prescritivos do Direito Positivo e na construo das

    normas jurdicas, invariavelmente, estaro presentes os valores do legislador, do intrprete e

    tambm do aplicador do Direito Positivo.

    De fato, o Direito Positivo um objeto cultural produzido pelo homem que tem a

    linguagem como dado constitutivo e cujo plano de contedo construdo pela interpretao e

    compreenso dos enunciados prescritivos, no sendo possvel dissoci-las dos valores e das

    ideologias do intrprete.

    Alm disso, a produo de enunciado prescritivo decorre de um ato de vontade (e

    tambm de poder) da autoridade competente, sendo certo que a escolha feita pela autoridade

    competente de regular uma conduta e no outra decorre justamente de uma valorao. Ou

    seja, em cada conduta regulada pelo Direito Positivo existe sempre um valor a ser perseguido

    pela sociedade.

  • 29

    Por sua vez, na construo das normas jurdicas pelo intrprete tambm estar presente

    o valor. A construo de sentido a partir da interpretao e compreenso dos enunciados

    prescritivos do Direito Positivo decorre de uma valorao atribuda a eles pelo intrprete,

    influenciado pelo contexto (normativo, histrico, social etc), bem como pela sua formao

    intelectual e cultural.

    Nessas condies, o valor sempre estar presente no Direito Positivo, seja na produo

    dos enunciados prescritivos, seja na construo das normas jurdicas e at mesmo no ato de

    aplicao do Direito Positivo, variando, caso a caso, a depender do contexto (normativo,

    histrico, social etc.) e da ideologia do intrprete.

    1.3 A Cincia do Direito

    A Cincia do Direito tem por objeto o Direito Positivo. A sua finalidade descrever o

    Direito Positivo, construindo o seu contedo de significao (plano de contedo).

    Por ter existncia espao-temporal, susceptvel, portanto, experincia, Maria Helena

    Diniz20

    aponta que o acesso cognoscitivo ao Direito Positivo se d pela compreenso e o

    mtodo prprio para a aproximao desse objeto o emprico-dialtico.

    Compreender o Direito Positivo significa construir o seu plano de contedo, ou seja,

    significa construir o sentido de seus enunciados prescritivos mediante a interpretao das

    palavras que o compem.

    A atividade de construo do sentido pressupe a interpretao do plano de expresso

    do Direito Positivo (plano dos enunciados prescritivos) e da valorao a ele atribuda pelo

    sujeito cognoscente, demonstrando uma postura analtico-hermenutica frente ao Direito

    Positivo.

    Tanto o Direito Positivo, quanto a Cincia do Direito, se apresentam em linguagem,

    mas com funes diferentes.

    O Direito Positivo se apresenta em linguagem prescritiva (reguladora de condutas) e a

    Cincia do Direito se apresenta em linguagem descritiva (informativa). A linguagem da

    Cincia do Direito no se confunde com a linguagem do Direito Positivo, sendo a primeira

    metalinguagem em relao segunda.

    20 Compndio de introduo cincia do direito. So Paulo: Saraiva, 1988, p. 124.

  • 30

    Portanto, a linguagem da Cincia do Direito no interfere na constituio da

    linguagem do Direito Positivo e vice-e-versa (ambas esto em planos de expresso

    diferentes).

    Alm da funo exercida pela linguagem da cincia do direito (descritiva) ser diferente

    da funo exercida pela linguagem do direito positivo (prescritiva), Paulo de Barros Carvalho

    aponta outros traos que separam as duas estruturas de linguagens:

    a cada qual corresponde uma lgica especfica: ao direito positivo, a lgica dentica (lgica do dever-ser, lgica das normas); Cincia do Direito, a

    lgica apofntica (lgica das cincias, lgica altica ou lgica clssica). Em

    funo disso, as valncias compatveis com a linguagem das normas jurdicas so diversas das aplicveis s proposies cientficas. Das

    primeiras, dizemos que so vlidas ou no-vlidas; quanto aos enunciados da

    cincia, usamos os valores verdade e falsidade. As proposies que o jurista formula sobre o direito positivo podem ser verdadeiras ou falsas.

    Paralelamente, h diferena importante no campo semntico e tambm no

    pragmtico, bastando lembrar que as proposies normativas se dirigem para

    a regio material da conduta, ao passo que as cientficas simplesmente descrevem ser objeto, sem nele interferir.

    21

    Assim, a funo da Cincia do Direito descrever o Direito Positivo, construindo o

    sentido de seus enunciados prescritivos mediante anlise dos trs planos da linguagem do

    direito positivo (sinttico, semntico e pragmtico), sendo certo que essa investigao ser

    limitada pelo conceito de Direito Positivo adotado pelo sujeito cognoscente, o que garantir a

    unidade do objeto.

    1.3.1 A importncia da Lgica para a Cincia do Direito

    O Direito Positivo constitudo pela linguagem, de modo que possvel a aplicao

    da Lgica para a investigao do seu plano sinttico (plano dos enunciados prescritivos ou

    plano da expresso).

    A Lgica apenas um ponto de vista do conhecimento e permite analisar a estrutura, a

    forma e as relaes que se estabelecem entre os enunciados prescritivos do Direito Positivo,

    sendo um preciso instrumento para o conhecimento de seu plano formal (plano lgico), no

    contemplando, porm, o Direito na sua totalidade (planos sinttico, semntico e pragmtico).

    Vale dizer, a Lgica no permite a construo de sentido dos enunciados prescritivos,

    pois no investiga o plano semntico da linguagem, possibilitando, apenas, um estudo formal

    (plano sinttico).

    21 Curso de Direito Tributrio. 24. ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 35/36.

  • 31

    De qualquer modo, merece ser destacada a sua importncia para o Direito Positivo e

    tambm para a Cincia do Direito.

    Como se ver adiante, a norma jurdica uma estrutura hipottica-condicional, sendo

    certo que o vnculo que une o antecedente ao consequente decorre de uma operao lgica

    (dado o fato F, deve-ser a conduta X).

    Decorre tambm de uma operao lgica o vnculo que une a norma primria norma

    secundria, formando a norma jurdica completa (dado o fato de no ter sido cumprida

    voluntariamente a conduta prescrita pela norma primria, garantido o acesso ao Poder

    Judicirio).

    E, no caso da Cincia do Direito, os princpios da identidade, do terceiro excludo e da

    no contradio (leis lgicas) norteiam todo o trabalho do cientista do Direito, de modo a

    permitir a construo de um discurso cientfico coerente e coeso.

    Dessa forma, a Lgica contribui para um estudo formal do Direito Positivo (plano

    sinttico) e, tambm, para a construo de um discurso cientfico sem contradies.

    1.3.2 A importncia da Semitica para a Cincia do Direito

    A linguagem do Direito Positivo composta por palavras e palavras so signos

    (smbolos) que representam algo.

    A Semitica (Teoria Geral dos Signos) permite uma anlise sinttica, semntica e

    pragmtica da linguagem do Direito Positivo, ou seja, uma anlise completa do Direito

    Positivo, como ponderado por Paulo de Barros Carvalho:

    Neste contexto, penso que nos dias atuais seja temerrio tratar do jurdico

    sem atinar a seu meio exclusivo de manifestao: a linguagem. No toda e

    qualquer linguagem, mas a verbal-escrita, em que se estabilizam as condutas

    intersubjetivas, ganhando objetividade no universo do discurso. E o pressuposto do cerco inapelvel da linguagem nos conduzir, certamente, a uma concepo semitica dos textos jurdicos, em que as dimenses

    sintticas ou lgicas, semnticas e pragmticas, funcionam como instrumentos preciosos do aprofundamento cognoscitivo.

    22

    Com efeito, no plano sinttico so estudados os vnculos que se estabelecem entre os

    signos lingusticos. Por sua vez, no plano semntico so examinadas as relaes do signo

    (palavra) com o objeto (significado) que ele representa. E, no plano pragmtico, a ateno se

    22 Direito Tributrio: linguagem e mtodo. 5. ed. So Paulo: Noeses, 2013, p. 162.

  • 32

    volta ao modo como os emissores e os destinatrios lidam com o signo no contexto

    comunicacional.

    Na presente dissertao, e considerando-se o objeto de investigao (delimitao

    semntica do termo insumo no contexto do regime no-cumulativo do PIS e da COFINS

    incidentes sobre a receita), no aprofundaremos a anlise das premissas metodolgicas

    aplicadas para alcanar as nossas concluses. De toda forma, necessrio registrar a

    importncia da pragmtica (contexto) para a delimitao semntica do termo insumo, pois

    entendemos que a no-cumulatividade tem um alcance prprio e especfico no contexto do

    PIS e da COFINS incidentes sobre a receita, que a diferencia da no-cumulatividade do IPI e

    do ICMS, e do regime de dedutibilidade de custos e despesas operacionais do IRPJ e da

    CSLL.

    Evidentemente, pois, partiremos do plano sinttico da linguagem do Direito Positivo

    (enunciados prescritivos) para, mediante a interpretao e a compreenso (plano semntico da

    linguagem) do termo insumo no contexto (Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003) em que foi

    empregado pelo legislador ordinrio (plano pragmtico da linguagem), construir o sentido e o

    alcance do princpio constitucional da no-cumulatividade no especfico contexto do PIS e da

    COFINS incidentes sobre a receita.

    Assim, a nfase ao plano pragmtico da linguagem na presente dissertao revela-se

    pela possibilidade de construo de um sentido da no-cumulatividade especfico para o PIS e

    a COFINS incidentes sobre a receita, considerando-se o contexto normativo (Leis ns

    10.637/2002 e 10.833/2003, e Constituio Federal de 1988), as finalidades buscadas pelo

    legislador (evidenciadas na Exposio de Motivos das Medidas Provisrias ns 66/2002 e

    135/2003) e o alcance que tem sido atribudo a tal norma jurdica pelos intrpretes (autnticos

    ou no) e aplicadores do Direito Positivo.

    Por todo o exposto, conclumos que a construo do sentido e do alcance da no-

    cumulatividade no contexto do regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre

    a receita, bem como a delimitao semntica do termo insumo (objetivo da presente

    dissertao), prescrito no inciso II do artigo 3 das Leis ns 10.637/2002 e 10.833/2003,

    dependem, necessariamente, da incurso do intrprete nos trs planos da linguagem do Direito

    Positivo (sinttico, semntico e pragmtico).

  • 33

    1.4 A construo de normas jurdicas

    O Direito Positivo se manifesta atravs da linguagem prescritiva de condutas, assim

    entendida como comandos dirigidos ao comportamento das pessoas. O enunciado prescritivo

    positivado permite ao intrprete, receptor da mensagem legislada, obter uma significao,

    reveladora de valores, tendncias e objetivos da sociedade. As normas no se confundem com

    o texto escrito, pois se situam no plano imaterial das significaes. Em outras palavras, temos

    que o texto escrito, objetivamente identificado pelo destinatrio do enunciado atravs da

    leitura, a base emprica das normas jurdicas, construdas de forma subjetiva pelo intrprete.

    Conclui-se que o legislador enuncia o texto a partir do qual o intrprete produz a norma

    jurdica.

    Nesse sentido, a norma jurdica a significao construda a partir da interpretao e

    compreenso dos enunciados prescritivos do Direito Positivo, permitindo aos seus

    destinatrios a compreenso da mensagem passada pelo legislador, na linha do entendimento

    de Paulo de Barros Carvalho:

    A norma jurdica a significao que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como

    resultado da percepo do mundo exterior, captado pelos sentidos. Vejo os

    smbolos lingusticos marcados no papel, bem como ouo a mensagem

    sonora que me dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreenso sensorial propicia outro, no qual associo ideias ou noes para formar um

    juzo, que se apresenta, finalmente, como proposio.23

    A construo dessas unidades de significao a partir dos textos positivados ocorre

    mediante a associao de duas ou mais proposies prescritivas que constituem uma estrutura

    formal, de modo a transmitir a mensagem do Direito. A unio destas duas proposies por um

    ato de vontade do legislador, expresso por um dever-ser, corresponde expresso

    irredutvel de manifestao do dentico24

    . Em sntese, a norma jurdica compe-se de uma

    proposio-antecedente, descritiva de possvel evento do mundo social, que implica a

    proposio-tese, prescritiva de uma relao jurdica modalizada deonticamente (essa a

    norma jurdica em sentido estrito. A norma jurdica em sentido amplo a interpretao

    isolada do enunciado prescritivo, sem a construo da estrutura dual, ou seja, hiptese-

    consequente).

    23 Curso de Direito Tributrio. 24. ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 40. 24

    Direito Tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 21.

  • 34

    A propsito, registramos que no captulo 2 da presente dissertao construiremos a

    regra-matriz de incidncia do PIS e da COFINS sobre a receita e a regra-matriz do direito aos

    crditos da no-cumulatividade do PIS e da COFINS, demonstrando que so normas jurdicas

    (em sentido estrito) autnomas e distintas, de modo que a aplicao da regra-matriz do direito

    aos crditos no depende, necessariamente, da aplicao da regra-matriz de incidncia do PIS

    e da COFINS.

    Prosseguindo, a primeira proposio formadora da norma jurdica consiste na

    descrio de possvel evento do mundo social, selecionado pelo legislador segundo critrio

    eminentemente axiolgico. Entendemos que esta seleo pode ser comparada s decises

    jurdicas, mencionadas por Gregorio Robles25 como atos de fala capazes de gerar texto novo,

    sem as quais no h norma. As decises criam o texto jurdico, caracterizando-se como o

    elemento dinmico do Direito.

    Essa dinmica reflexo da constante mudana social e econmica a demandar

    regulamentao de novos comportamentos pelo Estado. A inovao tecnolgica, a

    globalizao, a maior interveno do Estado nos domnios econmico e social so apenas

    alguns fatores que implicam a criao de novos costumes e valores, refletidos em normas

    jurdicas. Estes eventos novos figuram no antecedente destas normas.

    Devemos observar que a possibilidade de ocorrncia desse evento descrito

    hipoteticamente na proposio-antecedente da norma condio de sua eficcia, sob pena de

    obstar a implicao necessria ao nascimento da relao jurdica expressa no consequente

    normativo. Ademais, devemos considerar que o atendimento das exigncias sinttica e

    semntica para que se confira hiptese normativa um sentido dentico suficiente para

    reconhecer-lhe a validade, ainda que os fatos descritos na proposio-antecedente nunca

    venham a ocorrer.

    Consideramos que as normas positivadas existem a partir da interpretao humana,

    independentemente de sua eficcia sobre os fatos sociais empiricamente constatados. De fato,

    a linguagem prescritiva do Direito incide sobre a linguagem social, mas trata-se da aplicao

    do Direito em sua funo de regulao das condutas inter-humanas, o que no significa que a

    no incidncia torna as normas invlidas. Vale dizer, necessrio um acontecimento real,

    25 O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Traduo de Roberto Barbosa Alves.

    Barueri: Manole, 2005, p. 3. De acordo com o autor, os atos de fala capazes de gerar texto novo so as decises jurdicas. O direito se produz pela fora da deciso. Sem deciso no h norma nem instituio, no h vida

    jurdica. Portanto, a deciso, frequentemente menosprezada pela teoria do direito, deve ocupar o lugar que lhe

    cabe: nada menos que o de criar o texto jurdico. A deciso o elmeneto dinmico do direito.

  • 35

    declarado pelo intrprete verdadeiramente provado para que a norma seja aplicada, havendo a

    concretizao do Direito; porm, ainda que este processo no ocorra, as normas jurdicas

    permanecem vlidas no sistema.

    O Direito prescreve possveis ocorrncias na realidade social, que se alojam em

    hipteses, vinculando (prescritivamente) determinados efeitos. A esses efeitos corresponde a

    segunda parte constitutiva da norma jurdica. Trata-se da proposio prescritora de condutas

    intersubjetivas, decorrente da operao formal de implicao; uma vez ocorrido o fato

    concreto includo na classe dos eventos previstos no antecedente normativo, surge uma

    relao jurdica entre dois ou mais sujeitos em torno de uma conduta regulada como proibida,

    permitida ou obrigatria, prescrita na proposio-tese da norma.

    As consequncias do fato subsumido norma correspondem necessariamente a

    relaes jurdicas, dentro das quais os sujeitos detm direitos e deveres. Essa relao

    necessariamente interpessoal, estando os sujeitos-de-direito ligados a outros, uns assumindo a

    posio de sujeito ativo e outros, a de sujeito passivo.

    Reiteramos que, sem a ocorrncia do fato, em sua concreo no tempo e espao, fato

    esse que tem sua contrapartida normativa no pressuposto (ou hiptese fctica) da norma

    incidente, a relao jurdica no se concretiza; antes, h to somente a proposio-tese,

    abstratamente prevista na linguagem do Direito Positivo. Sem a subsuno do evento ao

    conjunto dos fatos descritos hipoteticamente no antecedente da norma geral e abstrata, no h

    implicao formal do efeito normativo, representado pelo nascimento de uma relao jurdica,

    nos moldes prescritos no consequente da norma.

    A norma jurdica construda a partir dos enunciados prescritivos do Direito Positivo

    geral e abstrata. geral, porque se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados.

    abstrata, porque representa a tipificao de um conjunto de eventos de possvel ocorrncia na

    realidade social.

    Nesse ponto, a norma jurdica geral e abstrata est condicionando a conduta humana

    no sentido de que, se praticado o evento previsto no antecedente normativo, deve-ser a

    prtica ou absteno de uma conduta em favor de outrem. Contudo, a mera construo da

    norma geral e abstrata ainda no suficiente para o Direito Positivo intervir na realidade

    social e regular condutas intersubjetivas.

    Assim, necessrio se faz a produo de uma norma individual e concreta que reveste

    em linguagem competente a incidncia da norma geral e abstrata, constituindo, desse modo, a

  • 36

    relao jurdica com os termos devidamente individualizados e a respectiva obrigao

    delimitada.

    1.4.1 O percurso gerador de sentido

    A norma jurdica (em sentido estrito) a significao construda a partir da

    interpretao dos enunciados prescritivos do Direito Positivo e que, para fins didtico e

    analtico, pode ser dividida em um juzo hipottico-condicional (estrutura dual) segundo o

    qual dado o fato prescrito no antecedente dever-ser a conduta prescrita no consequente.

    Se a norma jurdica a significao construda a partir dos enunciados prescritivos do

    Direito Positivo, isso implica afirmar que ela no dada pelo legislador. Melhor dizendo, a

    norma jurdica no encontrada no plano de expresso do Direito Positivo, mas sim

    construda pelo intrprete, como acentuado por Paulo de Barros Carvalho:

    O direito manifesta-se em linguagem. Dessa maneira, aquele que pretende

    conhec-lo, dever compreender a linguagem prescritiva prpria de seus textos, seguindo determinado procedimento. Tomando (i) contato com a

    literalidade textual (plano de expresso), ali onde esto as estruturas

    morfolgicas e gramaticais; (ii) o intrprete elabora em sua mente os contedos significativos, e (iii) colocando-os no modo estrutural das regras

    jurdicas, organiza essas entidades para formar (iv) um domnio, cujos

    vnculos de coordenao e de subordinao aparecem no momento mesmo da organizao dessas regras de direito como sistema. Se retivermos a ideia

    de que o direito possui constantemente esses planos: (i) o das formulaes

    literais, (ii) o de suas significaes enquanto enunciados prescritivos e (iii) o

    das normas jurdicas, como unidades de sentido obtidas mediante o grupamento de significaes que obedecem a determinado esquema formal

    (implicao), dentro de uma estrutura hierarquizada e coordenada segundo a

    lgica sistmica do direito posto; e se pensarmos que todo nosso empenho se dirige para construir essas normas a partir de um estrato de linguagem, no

    ser difcil verificar a gama imensa de obstculos que se levantam no

    percurso gerativo de sentido ou, em termos mais simples, na trajetria da

    interpretao.26

    No percurso gerador do sentido proposto por Paulo de Barros Carvalho27

    (o qual, alis,

    procuraremos adotar na presente dissertao para a construo de sentido do termo insumo

    no contexto do regime no-cumulativo do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita), os

    enunciados prescritivos do direito positivo formam o plano de expresso (literalidade textual),

    representando o suporte fsico das significaes jurdicas. um conjunto de frases ordenadas

    de acordo com as regras gramaticais e sintticas portadoras de sentido. A leitura dos

    26 O prembulo e a prescritividade constitutiva dos textos jurdicos. In: Derivao e Positivao no Direito

    Tributrio. Volume I. So Paulo: Noeses, 2011, p. 10/11. 27 Curso de Direito Tributrio. 24. ed. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 141/166.

  • 37

    enunciados prescritivos do Direito Positivo o ponto de partida da interpretao e, por

    conseguinte, da construo das normas jurdicas.

    Assim, o primeiro contato do intrprete com o plano de expresso do Direito

    Positivo, formado pelo conjunto de enunciados prescritivos (normas jurdicas em sentido

    amplo) introduzidos no sistema jurdico pela autoridade competente e em observncia ao

    procedimento previsto para tanto. Esse plano da literalidade textual denominado por Paulo

    de Barros Carvalho de plano S1, a partir do qual se inicia a atividade de construo de

    sentido das normas jurdicas.

    Aps o intrprete isolar o texto (plano da literalidade) que pretende compreender,

    passa a atribuir sentido a cada enunciado prescritivo (considerado isoladamente) do Direito

    Positivo, compondo diversos segmentos portadores de sentido. Com essa atividade de

    construo de sentido dos enunciados prescritivos (considerados isoladamente), o intrprete

    ingressa no plano S2 apontado por Paulo de Barros Carvalho, que o conjunto dos

    contedos de significao dos enunciados prescritivos (ou normas jurdicas em sentido