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RENATA LANZA CONJUNÇÕES ENTRE ESCOLA E CINEMA: pesquisa-intervenção em duas escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas CAMPINAS 2015

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RENATA LANZA

CONJUNÇÕES ENTRE ESCOLA E CINEMA:

pesquisa-intervenção em duas escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas

CAMPINAS 2015

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RESUMO

Esta pesquisa implica intervenções com a arte cinematográfica em escolas da Rede

Municipal de Ensino de Campinas, envolvendo alunos dos anos finais do ensino

fundamental (6°, 7° e 8° anos) com o propósito de estabelecer um encontro entre a

Educação e o Cinema como Arte na Escola, bem como as possíveis ressonâncias

desse encontro para os seres envolvidos. Para tanto, objetivou-se articular a prática

escolar com as práticas socioculturais do ver, do criar e inventar filmes. Articulações

que chamamos de Práticas Exploratórias. Assim, o leque de ações dessa intervenção

baseou-se numa constante alteração entre o ver, o explorar, o experimentar, o criar, o

inventar e o aprender com a criação cinematográfica. Para pensar as dimensões

possíveis do Cinema como Arte no campo da Educação, enquanto potencializador de

gestos de criação, saberes e aprendizagens para si e para os outros, recorreu-se a

diversos autores, dentre eles, Alain Bergala, Adriana Fresquet e Milton de Almeida. O

método de pesquisa-intervenção foi a inspiração metodológica para entender a atuação

da pesquisadora enquanto professora de Matemática em um plano de experimentação

de cinema na escola. Crê-se que trabalhar com cinema nessa perspectiva é operar na

transversalidade de um plano de experimentação, "trans"formando professores e

alunos pela / para arte, criação e invenção de saberes e conhecimentos.

Palavras-chave: educação; cinema; criação; pesquisa; intervenção.

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ABSTRACT

This research implied on interventions through cinematic art in Campinas Municipal

public schools, and involved elementary schools’ students (6th, 7th grades and 8th). It

had the purpose of promoting an encounter between education and cinema as an art at

school and the possible consequences of this encounter for the participants. In order to

do so, this research aimed to articulate the school practices with the socio-cultural

practices of seeing, creating and inventing movies. These articulations are denominated

Exploratory Practices. Therefore, the different actions of this intervention were based on

a constant variation of seeing, exploring, experimenting, creating, inventing and learning

through cinematic creation. In order to reflect about the possible dimensions of cinema

as an art in Education field, gestures of creation, as knowledge and learning enhancer

to the students themselves and to other people, we based our research in many

authors, such as Alain Bergala, Adriana Fresquet and Milton de Almeida. Research-

intervention method was the methodological inspiration to comprehend our practice as a

Math teacher in a cinema experiment at school. We believe that using cinema in this

perspective means to operate transversally in an experimental stage, “trans”forming

teachers and students for/through art, creation and invention of knowledge.

Key-words: education; cinema; creation; research; intervention.

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Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós

perdemos completamente o mundo, nos desapossaram

dele. Acreditar no mundo significa principalmente

suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que

escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-

tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.

Gilles Deleuze

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... .1

1. PENSAMENTO SOBRE CINEMA E EDUCAÇÃO ................................................. 9

2. ENCONTRO ENTRE ESCOLA E CINEMA ......................................................... 23

2.1 Hipótese de alteridade centrada na criação ................................................... 25

2.2 Cinema como arte ......................................................................................... .27

3. PESQUISA-INTERVENÇÃO.. .............................................................................. 35

4. A EDUCAÇÃO VISUAL E FILMES-ENSAIO ........................................................ 43

5. AÇÕES DA INTERVENÇÃO............... ................................................................. 47

6. A POTÊNCIA DO GESTO DE CRIAÇÃO ............................................................ 59

7. AS PRÁTICAS EXPLORATÓRIAS E SUAS TRANSVERSALIDADES ............... 67

7.1. Práticas exploratórias do ver filmes ............................................................... 73

7.2. Práticas exploratórias de enquadramento ..................................................... 77

7.3. Práticas exploratórias de filmagens ............................................................... 79

7.4. Práticas exploratórias de ver com olhos fechados ........................................ 83

7.5. Práticas exploratórias de roteiro .................................................................... 85

7.6. Práticas exploratórias de edição ................................................................... 86

7.7. Outras práticas ............................................................................................. 87

7.8. Para além das práticas exploratórias ............................................................ 89

8. POR UM SABER-FAZER CINEMA NA ESCOLA ................................................. 93

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 99

ANEXO I - Autorização para uso da imagem e som da voz ................................... 104

ANEXO II - Lista de filmes ...................................................................................... 105

ANEXO III - Cronograma das atividades... ............................................................. 106

ANEXO IV - Decoupage dos filmes-ensaio ............................................................ 109

ANEXO V - Desenhos dos pássaros ...................................................................... 111

ANEXO VI - Derivas com Mapas ........................................................................... 112

ANEXO VII - Roteiro "Um dia de escola" ............................................................... 113

ANEXO VIII - Algumas ideias de filmagens ............................................................ 114

ANEXO IX - Caderno de campo ............................................................................. 115

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, quero expressar minha gratidão aos meus alunos que contribuíram

para o desenvolvimento dessa pesquisa.

Quero expressar também meus sinceros agradecimentos aos colegas de trabalho e às

equipes gestoras das escolas Vicente Ráo e Carmelina de Castro Rinco onde pude

encontrar, nas horas de maior conflito, afeto, respeito e atenção.

À equipe do Museu da Imagem e do Som - MIS, que disponibilizou o local para as

ações com os alunos.

Ao Professor Doutor Carlos Eduardo Albuquerque Miranda pela atenção,

recomendações e orientação durante a pesquisa.

Ao Professor Doutor Wencesláo Machado de Oliveira Jr que propiciou o contato muito

enriquecedor com as imagens e com a bibliografia.

Às Professoras Doutoras Adriana Fresquet, Alik Wunder e Inês Teixeira e ao Professor

Doutor Antônio Carlos Amorim, integrantes da banca de defesa da tese.

Aos membros do grupo de pesquisa OLHO, pela amizade, atenção e apoio para a

realização deste trabalho.

Amplio meus agradecimentos à Professora Ms. Sheyla Pinto da Silva, com quem

aprendi a ampliar a potência de existir e de agir e à Professora Ms. Maria Aparecida

Lopes, por seus ensinamentos.

Agradeço também à minha família pelo suporte e incentivo, sempre manifestados.

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Introdução

Imagine que você está num escritório... Uma bela estenógrafa que você já viu antes entra na sala adentro... Você a observa... Ela tira as luvas, abre a bolsa e despeja o conteúdo sobre a mesa... Duas moedas de dez centavos e uma de um – além de uma caixa de fósforos de papelão. Ela deixa a moeda de um centavo sobre a mesa, guarda as de dez de volta na bolsa e leva as luvas até o aquecedor... Bem, nesse instante, seu telefone toca. Ela atende, diz alô, escuta e diz claramente: ‘Eu nunca na vida tive um par de luvas pretas’ e desliga o telefone... Você de repente dá uma olhada à sua volta e percebe que há outro homem no escritório, observando cada movimento de tal moça... "Continua", diz Boxley, sorrindo. “O que acontece depois? Não sei, Stahr responde. Só estava criando umas imagens (FIELD, 2009, p. 27).

Para Moletta (2009), quando somos tocados por algo do mundo com o

qual interagimos, surge em nossa mente uma imagem de tal forma que necessitamos

dizer algo sobre ela, investigá-la, conhecê-la. Esta imagem, que pode estar em

qualquer tempo ou qualquer espaço, é a fagulha, o estopim que pode desencadear um

incêndio de grandes proporções. Poderá ser chamada de inspiração e nos fará refletir

sobre o meio em que vivemos. Inicia-se, pois, o processo de criação. Algumas imagens

geram outras imagens, direta ou indiretamente relacionadas às primeiras. São Imagens

Agentes.

Para Almeida, imagens agentes são:

Imagens de catástrofes, imagens fantásticas, imagens violentas e ensanguentadas, imagens de ambientes aristocráticos, nobres, burgueses, plenos de decoração maravilhosa, imagens de extraterrestres, afrescos em movimento do cinema. Não somente essas, mas todas as imagens que vemos no cinema, devido ao tamanho enormecido e os planos de aproximação, o close, por exemplo, em que aparecem na tela são também formas fantásticas. [...] Ritualizam, em imagens agentes, visuais e sonoras, as imagens e locais que o espectador-fiel deve recordar ao cogitar o passado, o presente e o futuro da sua vida (ALMEIDA, 1999, p.56).

Em lembranças de infância, recordo que o meu amor pelo cinema

começou muito cedo, quando meus pais me apresentaram uma câmera e um projetor.

Meu pai era o “cineasta” do cotidiano. Filmava as festas da família como os

aniversários, as festas de fim de ano, os banhos de mangueira no quintal e as viagens.

Filmava tudo de forma experimental, brincando e improvisando com a câmera, criando

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livremente as imagens. Aquelas imagens em movimento, com pessoas e lugares do

meu pequeno mundo, eram momentos de muito riso e magia. Lembro-me também de

estar no papel de uma cineasta, registrando cenas dos aniversários e datas festivas

com aquele olhar de fascínio e amor pelas imagens, fixadas em um filme como se a

câmera fosse uma parte de meu corpo ligada aos olhos. Por essa lente, eu via o

mundo.

Desde muito cedo, as imagens em movimento me encantavam. Gostava

de assistir à Sessão da Tarde e a filmes junto com os meus pais. A cada dia, ficava

mais encantada pela fábrica de sonhos, de aventuras, de conhecimentos e de

emoções que descobria com as imagens em movimento. Elas davam asas à minha

imaginação.

Lembro-me de quando vi pela primeira vez o filme "Alice no País das

Maravilhas", em que a personagem vive em um mundo emocionante onde todos os

seus sonhos são possíveis. Não mais como espectadora, mas, na perspectiva de uma

possível cineasta, ficava intrigada: quais e como foram os processos de criação

capazes de construir aquele mundo mágico, para o qual nos transportava? É essa

máquina de sonhos que carregamos dentro de nós e que é a forma mais pura e

deslumbrante de energia em forma de lembranças, em que se conecta essa pesquisa.

Meu interesse pelas imagens sempre foi grande e aumentou ainda mais a

partir das experiências vivenciadas no período de agosto de 2006 a julho de 2009 no

Projeto de Pesquisa “Trabalho integrado na escola pública: participação política-

pedagógica”, financiado pela FAPESP, desenvolvido pela UNICAMP na Escola

Municipal de Ensino Fundamental “Prof. Vicente Ráo”. Este projeto teve como objetivo

geral construir novas formas de conceber a prática política-pedagógica da organização

escolar, transformando as relações de trabalho no âmbito interno da escola pública,

bem como entre a unidade escolar e os órgãos centrais da educação. Na

concretização dessa pesquisa, foram organizados sete subprojetos: "Subprojeto

Planejamento Participativo: caminho da gestão democrática”; “Subprojeto Ação

Integrada da Supervisão Educacional e da Coordenação Pedagógica com a Equipe de

Gestão da Unidade Educacional”; “Subprojeto Jogos da Amizade”; “Subprojeto

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Laboratório Interativo de Ciências”; “Subprojeto A Inclusão e o Trabalho Integrado na

Escola Pública”; “Subprojeto A Construção de Ciclos de Desenvolvimento Humano: um

novo olhar, novos desafios” e o “Subprojeto Registros em Vídeo no Cotidiano Escolar",

do qual participei desde o início dos trabalhos, pois acreditava que isso poderia suprir

minha insatisfação com a rotina das tarefas regradas a serem cumpridas no magistério,

que limitavam a criação e a invenção, assim como o trabalho do professor.

Durante a pesquisa, observamos que as experiências vivenciadas no

cotidiano escolar por alguns não eram socializadas pelo conjunto dos professores.

Ensinamentos significativos, tanto pelos acertos como pelos erros, acabavam sendo

apreendidos apenas por aqueles que vivenciavam as experiências, quando acontecia.

Pois, na escola (atual), há poucos espaços que abrem possibilidades para pensar

composições outras. Assim como não há muitas oportunidades para trocas de

experiências didático-pedagógicas positivas, intrigantes e que coloquem em movimento

o pensar as relações de construção de saberes, nos vários espaços e tempos em que

estas relações ocorrem. O cotidiano grila dos educadores territórios de criação e

debates sobre a sua prática e, em especial, sobre o significado desta no percurso da

escola.

Ao percebermos que o educador é privado de criar sua ação pedagógica,

propomos que o "Subprojeto Registros em Vídeos no Cotidiano Escolar" realizasse

registros das experiências no âmbito da unidade escolar para estimular o debate entre

os educadores sobre suas experiências intra e extra sala de aula. Ao término do

projeto, percebemos que o vídeo tornou-se, na dinâmica da escola e principalmente

das pessoas que estavam envolvidas, um instrumento importante para o debate sobre

as práticas e sobre o fazer pedagógico.

No início do projeto, a equipe do "Subprojeto Registros em Vídeo" foi

responsável pelas filmagens das ações dos educadores na escola a partir da

solicitação destes. Mas, para que o registro em vídeo pudesse ser melhor integrado à

vida escolar, incentivamos os próprios educadores da unidade a se tornarem

responsáveis pelas gravações e edições de suas ações para que pudessem

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compreender sua prática1. Ao término desse projeto de pesquisa, percebi os limites da

função do registro em vídeo na escola e fiquei cada vez mais convencida da potência

de se criar e inventar com as imagens. Assim, ao término deste projeto, comecei à

busca, pela compreensão de como o trabalho com a imagem poderia ser desenvolvido

de modo a atender as minhas expectativas de criar e inventar na escola.

Por conseguinte, iniciei meus estudos sobre a imagem no Laboratório de

Estudos Audiovisuais do Grupo OLHO da Faculdade de Educação da UNICAMP,

ingressando no GEIE – Grupo de Estudos Imagem e Educação2. Os estudos

desenvolvidos levaram-me a pensar sobre as possibilidades de fazer cinema na

escola. Por meio desse grupo, conheci a Rede Kino3 no início de sua formação em

2009. A Rede Kino congrega pessoas e instituições visando compartilhar experiências

de cinema e educação escolar. Com o intuito de pesquisar novos pensamentos

espaciais a partir das e com as imagens, desde agosto de 2011, ingressei no Projeto

de Pesquisa Imagens, Geografias e Educação, coordenado pelo Professor Doutor

Wencesláo Machado de Oliveira Júnior4, da faculdade de Educação da Unicamp e

também integrante do Grupo OLHO.

Outro incentivo para estudar o cinema foram as discussões sobre o

Projeto de Lei nº 185/08, de autoria do Senador Cristóvão Buarque, sobre a exibição

1 A sistematização do trabalho do ‘Subprojeto’ e do projeto como um todo foi publicada em forma de livro

(GANZELI, 2011). O subprojeto Registro em Vídeo no Cotidiano Escolar figura no capítulo 6 do livro. 2 O Grupo de Estudos de Imagem e Educação (GEIE), coordenado pelo Professor Doutor Carlos

Miranda, nasceu em 2008 com alunos e ex-alunos de graduação e pós-graduação da Unicamp. Junto com esses alunos e ex-alunos, o grupo agrega professores de escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio da região metropolitana de Campinas. Esse grupo agrega também realizadores do mundo do cinema e produtores de vídeo. 3 A ideia da Rede Kino nasceu com o objetivo de congregar pessoas e instituições para compartilhar

experiências e somar esforços no intuito de viabilizar ações conjuntas de projetos que aproximem o cinema e educação. A Rede Kino, Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual, materializou-se em 8 de agosto de 2009, quando um grupo de professores, pesquisadores, produtores, estudantes e representantes de organizações do âmbito do cinema e do audiovisual se reuniram na Faculdade de Educação da UFMG, em Belo Horizonte. 4 Integrante do projeto “Imagens, Geografias e Educação” (CNPq 477376/2011-8), que envolve

pesquisadores de dez universidades brasileiras. Em resumo, esse projeto propõe o estudo e a criação visual e audiovisual de obras que venham a potencializar novas maneiras de imaginar o espaço (MASSEY, 2008), bem como novos percursos educativos onde as imagens ganhem outros sentidos e forças.

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do cinema nacional nas escolas, protocolado em 12 de maio de 2008, aprovado no

Congresso Nacional, sancionado pela Presidenta da República Dilma Rousseff em 26

de junho de 2014 como Lei n° 13.006 e publicada no Diário da união em 27 de junho

de 2014, inserindo o parágrafo 8º ao artigo 26 da Lei 9.394 de Diretrizes e Bases da

Educação que determinando a obrigatoriedade da exibição de filmes de produção

nacional na escola.

O longo tempo de tramitação da lei abriu espaços para discussões acerca

da inserção do cinema nacional nas escolas. Essas discussões giravam em torno da

produção nacional de filmes e da possibilidade de formar plateia, embora houvesse

desafios como a falta de tempo curricular, de preparação dos professores e de

infraestrutura. Essas discussões possibilitaram-me pensar não somente a abordagem

do cinema na escola para o cumprimento de uma lei, mas com a perspectiva de propor

uma experiência estética e política abordada no capítulo das práticas exploratórias e

suas transversalidades.

A vivência e os estudos sobre o cinema na educação possibilitaram

pensar e sonhar em como fazer cinema na escola pública. Minha utopia era dar

oportunidade aos alunos, à escola e a mim mesma, experiências que estimulassem a

diversidade das singularidades por meio da criação com as imagens em movimento e

possibilitassem traçar uma outra aprendizagem possível.

Tal perspectiva levou-me ao estudo de autores e de referenciais teóricos

que propiciaram pensar sobre diversas dimensões do campo da educação: a

necessidade de uma educação dos olhos, do olhar, dos ouvidos, da escuta de nossas

paixões e sensibilidades perceptivas, dimensões essas que possibilitassem ao ser um

mergulho na capacidade de admiração, de espanto e de alumbramento, assim como

na capacidade imaginativa, que gesta e descobre muitos mundos dentro do mundo.

Imagens nos fazem pensar e sentir, possibilitando-nos sensações que permitem novas

interfaces na movimentação dos pensamentos e dos sentidos.

Com a evolução da tecnologia, a cada ano, as imagens estão mais

presentes em inúmeros espaços, inclusive na escola como recursos didáticos. Todavia,

a escola, cujo objetivo principal é transmitir o conhecimento acumulado pela

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humanidade, o faz ainda por meio de informações e de ilustrações, de conteúdos

prontos e acabados, despotencializando assim o uso da imagem para o processo de

criação e invenção.

Em meus sonhos, imaginei práticas pedagógicas com imagens e sons em

movimento que estimulassem sensações, sentimentos, emoções e paixões; e que

estas pudessem fazer parte do processo de aprendizagem para alargar os limites da

imaginação e do pensamento dos nossos alunos. Não defendo, porém, uma prática

que vise à ruptura entre o pensamento e a sensibilidade. Pelo contrário, defendo a

conexão, a união entre um sentimento que pensa e, por sua vez, um pensamento que

sente para criar e inventar.

Para que a criação e a invenção de imagens acontecessem na escola,

seria necessário promover encontros entre educação e cinema. Encontros que

provocassem possíveis conexões de aprendizagem. Este foi um dos principais desafios

do trabalho em questão, desafio para contaminar a escola em que atuava. Minha

proposta inicial baseava-se na conjunção entre educação e cinema, com as possíveis

conexões de sentimentos que permitissem a “educação das paixões”, que dessem

oportunidade a uma aprendizagem que não terminasse na aquisição de um saber, mas

que se constituísse em um processo de aprendizagem que fosse continuamente

construído e reconstruído, colocando para todos a necessidade de pensar práticas

educativas que não fazem parte das práticas habituais da escola. Dessa forma, pensei

em uma intervenção pedagógica que propiciasse novos percursos, mais potentes,

através do processo de criação com imagens na escola.

Sendo assim, esta pesquisa visa abordar as possibilidades de uma

intervenção pedagógica a partir da criação da arte cinematográfica em Escolas da

Rede Municipal de Ensino Fundamental da cidade de Campinas, com o objetivo de

explorar potencialidades da arte cinematográfica para que ocorram aprendizagens. A

preocupação maior foi articular uma prática de criação, recriação e invenção do ato de

ver e fazer cinema no ambiente escolar. Idealizou-se realizar as ações dessa

intervenção em um ateliê, que daria mais liberdade para se expressar. O objetivo, por

meio desta intervenção, foi defender a potência do gesto de criação, centrada na

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hipótese da alteridade, incentivando os alunos a olharem o mundo através da câmera

para que os olhares se multipliquem e se realizem. A hipótese de alteridade constitui-

se em compreender a experiência de ser o outro. Nessa perspectiva, pode-se pensar

na escola como o lugar de encontro de diferentes experiências estéticas com a

potência criadora, que abarca as dúvidas e questões a respeito do mundo.

Para desenvolver esta pesquisa, estruturei o texto da seguinte forma. Na

Introdução, me posicionei na primeira pessoa do singular, por se tratar de um trajeto

pessoal em relação às lembranças das imagens que fazem parte de minha vida. O

primeiro capítulo compreende o pensamento sobre cinema e educação, abordando

aspectos relativos ao estudo sobre este tema. O segundo capítulo aborda o encontro

entre a escola e o cinema, a hipótese da alteridade centrada na criação e o cinema

como arte. O terceiro capítulo trata da pesquisa intervenção, apresenta o cenário e a

caracterização dos participantes da pesquisa. O quarto capítulo aborda a educação

visual e os filmes-ensaio. O quinto capítulo apresenta as ações da intervenção. O

capítulo sexto aborda a potência do gesto de criação. No sétimo capítulo são

apresentadas as práticas exploratórias e suas transversalidades. No oitavo capítulo

compartilho reflexões e expectativas por um saber-fazer na escola com o cinema. E,

nos anexos apresento a autorização de uso de imagem e som de voz, lista de filmes

vistos, cronograma das ações, decoupage dos filmes-ensaios, desenhos, roteiros e

caderno de campo.

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1- Pensamento sobre cinema e educação

É simples, o ser humano produz obras; pois bem, a gente faz com elas o que tem que ser feito: a gente se serve delas.

Serge Daney

A produção de imagens em práticas educativas em geral e para as

práticas escolares é documentada pela disciplina Iconologia Didática (FERNÈ, 2004).

Pode-se dizer, a partir dessa perspectiva, que educação e produção de imagens são

práticas sociais em intersecção. Fernè enumera alguns pontos de referência histórica

dessa intersecção: a progressiva legitimação e afirmação do uso da imagem por parte

da Igreja, desde o final da Idade Média, como instrumento de catequese voltada,

sobretudo, para a população iletrada; o desenvolvimento das técnicas de impressão,

em madeira e depois em metal, que coloca em circulação, a partir do início do século

XVI, diversas formas de ilustração científica e didática para divulgação do

conhecimento; o surgimento no Século XVII do primeiro livro ilustrado para infância, o

livro de Orbis Sensualium Pictus de Jean Amós Comenius.

Para Miranda (2011), “Orbis Pictus”, concebido em Sárospatak, na

Hungria, em 1657 e publicado em 1658, em Nuremberg, é o primeiro livro didático

ilustrado e a primeira cartilha do mundo cristão ocidental. Foi utilizado na Europa

reformista durante mais de dois séculos após sua publicação. Esta obra e sua história

desmistificam a ideia de que o uso da imagem na educação escolar e na produção de

conteúdos (seja algo pensado - tenha sido algo pensado) apenas na moderna

sociedade industrial e aponta para a necessidade de pensar a imagem, a

aprendizagem e o conhecimento como uma articulação histórica, que tem uma

dimensão histórica material.

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Ainda, segundo Miranda (2011), a necessidade do uso de imagens nas

práticas educativas foi apontada por Comenius em Didática Magna, obra pela qual este

autor tornou-se e permaneceu conhecido. Afirma o teólogo-pedagogo morávio:

Para aprender tudo com mais facilidade deve-se utilizar o maior número de sentidos. [...] Devem estar juntos sempre o ouvido com a vista e a língua com a mão. Não somente se deve recitar aquilo que se deve saber para que os ouvidos o recolham, mas desenhando-o também para que se imprima na imaginação pelos olhos. Tudo que aprendam, saibam expressá-lo com a língua e representá-lo com a mão, de modo que não deixe nada sem que tenha impressionado suficientemente os ouvidos, olhos, entendimento e memória. Para este fim, será bom que tudo o que se costuma tratar na sala esteja nas paredes, quer sejam teoremas e regras, quer imagens ou emblemas das disciplinas que se estuda (COMENIUS, 2002, p.46 apud Miranda, 2011; grifo meu).

A história de Orbis Pictus revela que:

Comenius é uma grande inspiração para a escola e para a didática da sociedade burguesa em seus valores de universalização da educação, de utilitarismo do conhecimento e de disciplinadora das diversas classes e grupos sociais. Sem dúvida, as grandes metáforas que inspiraram Comenius são a concepção mecânica de natureza e a organização da oficina dos artesãos. Porém, mais que isso, Comenius talvez tenha sido o primeiro educador a colocar em livro uma iconologia didática em prol da educação escolar. Procedimento que até então fora apenas utilizado para a educação dos fiéis católicos em afrescos pintados em igrejas e em livros de intelectuais que tinham como mecenas nobres e reis. A idealização de uma educação pela imagem para diversos grupos e classes sociais é, de fato, um empreendimento da sociedade burguesa. Em sua origem encontramos Comenius e "Orbis Pictus" (MIRANDA, 2011, p.2 ).

Embora o vetor da prática social de criar imagens na educação seja “criar

para a educação” e não criar “na educação”, Comenius ainda dimensiona a criação por

parte do professor. Ele próprio foi o autor de seus livros de ensino e participou da

criação das imagens de Orbis Pictus. Feitas em xilogravuras, por diversos artesões em

países diferentes, as imagens de Orbis Pictus foram encomendadas pelo próprio autor.

Fernè (2004), a partir desta iconologia científica e didática de Comenius,

traça um longo percurso da imagem na educação e da educação pelas imagens.

Aborda o surgimento da educação, da leitura e da escrita a partir de imagens na Itália,

o aparecimento do livro didático padronizado na sociedade industrial; o uso de

quadrinhos na educação em livros paradidáticos e encerra a sua obra abordando o

documentário, a animação e a televisão educativa. Neste percurso, Fernè consegue

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comprovar a presença da imagem na educação desde o século XVII. No entanto,

escapa ao autor que a produção de imagens deixou de ser uma tarefa do

educador/professor e que a produção de imagens para a educação se transforma em

um nicho de mercado afastando a escola da dinâmica cultural da produção de

imagens. O cinema entra nessa história quando o mercado de imagens para a

educação já está consolidado. Em grande parte, o cinema acompanha e recria a

separação entre imagem educativa e imagem não educativa.

Franco (2011) afirma que também no Brasil a proposta de desenvolver

uma cultura cinematográfica no ambiente escolar não é recente. Desde os anos 1920,

há o reconhecimento de que a influência do cinema é forte e decisiva. Segundo a

autora, foi nesta década que educadores, pais e instituições religiosas começaram a se

preocupar com a moral e os costumes que difundiam-se através dos filmes e do

cinema. Para ela, duas publicações do início da década de 1930 serviram de base para

os projetos de integração do cinema à educação brasileira. Foram elas: “Cinema e

Educação” e “Cinema contra cinema”. Os dois livros comentam a necessidade de se

integrar o cinema a qualquer projeto de educação para o desenvolvimento e o

progresso do país e oferecem detalhados passos para a construção de serviços de

cinematografia educativa.

Em 1937, foi criado o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE)

dentro do Ministério de Educação e Saúde. Edgard Roquette Pinto foi nomeado como

diretor e Humberto Mauro como diretor técnico. Em cerca de trinta anos de efetiva

atividade (de 1937 a 1966), o INCE deixou uma produção de mais 500 filmes sobre as

mais variadas temáticas e nos mais variados formatos.

A produção de cinema para educação acompanha a própria história do

cinema. No Brasil não foi diferente, embora as fragilidades das propostas de cinema na

educação acompanhem as próprias fragilidades do sistema educacional brasileiro,

tanto em relação ao acesso, quanto em relação à permanência das crianças e dos

jovens na escola. Pode-se acrescentar a estas fragilidades a desigualdade nas

condições de trabalho, na oferta e acesso a todos os tipos de recursos educativos e na

formação de professores.

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Apesar do manifesto interesse do cinema na educação e da educação

pelo cinema, até bem pouco tempo o cinema estava restrito a um pequeno círculo

intelectual que pensava sobre educação e a programas governamentais de forma

pontual e transitória.

A partir da década de 1980, segundo Almeida (1999), surgiram várias

propostas sistematizadas para orientar o professor a trabalhar com o cinema na escola.

Tais propostas procuraram trabalhar o cinema não apenas em relação ao ‘conteúdo’ da

história, mas também em relação aos elementos de performance (a construção do

personagem e diálogos), linguagem (a montagem e os planos) e composição cênica

(figurino, cenário, trilha sonora e fotografia).

Bruzzo (1995), em sua pesquisa de doutorado sobre Série

Apontamentos5, apresenta três dados importantes sobre a relação entre cinema e

educação. Primeiro, há um grande investimento em subsidiar os professores no uso do

cinema em sala de aula, pois foram publicados mais de 350 cadernos da Série

Apontamentos, cada um dedicado a um filme. Segundo, o reconhecimento de que a

presença do filme na escola aponta para a necessidade de introduzir as linguagens

audiovisuais na reflexão e na prática pedagógica. E, terceiro, a percepção de que os

filmes agenciam uma forma de aprendizagem própria, ou seja, de que o próprio cinema

educa seu espectador. Este último aspecto, que é amplamente reconhecido pela

historiografia do cinema, era, até então, e em grande parte ainda é, desconsiderado na

educação.

Recentemente, trabalhos importantes sobre cinema e educação foram

publicados no Brasil: na Revista Educação & Realidade, o Dossiê Cinema e Educação,

publicado em 2008; a Série Salto para o Futuro: Cinema e Educação, um espaço em

aberto, publicada em 2009; a publicação em dois volumes do livro Dossiê Cinema e

Educação - uma relação sob a hipótese de alteridade, de Alain Bergala, em 2008;

5 Publicação da FDE - Fundação para o Desenvolvimento da Educação - órgão da Secretaria de

Educação do Estado de Estado Paulo - SEE-SP, cujo objetivo era subsidiar o trabalho dos professores com o cinema em sala de aula.

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Cinema e Educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de

educação básica, dentro e "fora" da escola, em 2013.

O que se pode observar nestas recentes publicações é, por um lado, a

ênfase na formação e proposição de produção de audiovisuais, de imagens, de vídeo e

de cinema na educação escolar e, por outro, uma diversidade de abordagens teórico-

metodológicas e de desdobramentos temáticos em torno dos trabalhos sobre cinema e

educação.

No “Dossiê Cinema e Educação” da Revista Realidade & Educação,

Fabiana Marcello (2008), organizadora do Dossiê, enaltece a sutileza e o alcance dos

trabalhos publicados que, segundo ela, reúnem "contribuições das mais diversas,

elementos de estética, aportes metodológicos, análises de filmes, experiências

pedagógicas em cinema e educação, retomada de conceitos e aspectos históricos,

discussões sobre o ato de ver, sobre o ‘real’, sobre a infância, a juventude, sobre anjos

e demônios” (p.10). Sobre os efeitos do Dossiê, a partir da diversidade de olhares,

Fabiana Marcelo (2008) enfaticamente afirma: "Quando se fala em ‘entender’, em

conexão com o cinema, não se pode esquecer que estamos lidando com imagens na

qualidade de fruto e de gesto criacional. De fato, isso implica em conceber ‘entender’

não mais como busca de respostas, mas como movimento contínuo de formulações de

perguntas - sempre contingentes e conjunturais. Tal como no cinema. A cada olhar,

uma imagem diferente” (p.10).

“Salto para o Futuro: Cinema e Educação, um espaço em aberto”

apresenta procedimentos da linguagem audiovisual, discute a ideologia na própria

construção da linguagem audiovisual e finaliza com a proposição de que a apropriação

da linguagem audiovisual pode ser feita por meio da realização de oficinas. Na

apresentação da Série, Laura Coutinho (2009) afirma: "o cinema propõe outras formas

de percepção e, portanto, de construção de subjetividades. Cada um constrói a sua

própria percepção e pode expressá-la em ambientes que favoreçam a troca de pontos

de vista. Ao conhecer o ponto de vista do outro, o meu será, com certeza, enriquecido”.

Os livros “Dossiê Cinema e Educação - uma relação sob a hipótese de

alteridade de Alain Bergala”, organizados por Adriana Fresquet, têm como eixo central

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o livro L' hipothèse cinema - Petit traité de transmission du cinema à l’ecole at ailleurs

(BERGALA, Alain, 2008). A hipótese-cinema, apresentada por Bergala, possui

resumidamente dois aspectos: o cinema como arte, como alteridade e em constante

tensão com a instituição escolar, e a passagem ao ato, à realização em cinema, à

criação (em contraposição à crítica cinematográfica na escola). Para Bergala, a escola

tem o papel de possibilitar o momento de encontro da criança e dos adolescentes com

o cinema (e não obrigá-la a aprender fazer cinema). Este papel envolve quatro

resoluções: 1. Organizar a possibilidade do encontro da criança e do adolescente com

filmes que eles terão cada vez menos chances de encontrar em espaços fora da

escola; 2. Tornar-se o professor “passador”6, aquele que promove, pela convicção e

paixão que tem pela arte, a iniciação do aluno à arte cinematográfica; 3. Aprender a

frequentar filmes, ver e rever, ver em fragmentos, perceber os procedimentos fílmicos

como gestos poéticos; e 4. Tecer laços entre os filmes e abordá-los como pertencendo

a uma corrente de obras, como uma obra em um fluxo cultural de uma cinematografia e

do próprio cinema. Bergala ainda aborda a dimensão do prazer em assistir filmes,

afirmando a existência de diferentes prazeres, posicionando-se, porém, em relação ao

prazer da arte.

O livro Cinema e Educação: reflexões e experiências com professores e

estudantes de educação básica, dentro e "fora" da escola (2013), apresenta reflexões

sobre experiências de cinema e educação, pontes e caminhos "entre" a realidade e a

imaginação, o porquê de se criar cinema na escola pública, a potência pedagógica do

cinema como gesto de criação e de alteridade, bem como iniciativas de introdução à

experiência do cinema com professores e estudantes de educação básica dentro e fora

da escola. Enfim, experiências para “aprender e desaprender”, construir e desconstruir

as certezas do mundo reinventando a si e ao outro.

Estas obras, em primeiro lugar, apresentam uma trajetória apontada por

Almeida que o trabalho com o cinema no campo da educação não precisa mais ser

6 BERGALA 2008, cita uma expressao de Serge Daney que o professor deve virar um "passador" (passeur).

.

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abordado como filme educativo e / ou como ilustração didática de conteúdos escolares.

O cinema vem ganhando estatuto próprio dentro da educação na medida em que

possibilita uma forma de aprendizagem própria, ou seja, o cinema educa seu

espectador.

Em segundo lugar, chama a atenção a singularidade que o objeto de

estudo cinema e educação proporciona, sob a perspectiva da especificidade do

cinema. Laura Coutinho, na apresentação de “Salto para o Futuro Cinema e

Educação”, remete-nos à construção de subjetividades, proporcionadas pelo cinema, a

partir da percepção que cada espectador tem de um filme e frente à possibilidade de

troca destes pontos de vista. O “Dossiê Cinema e Educação” e o "Cinema e

Educação: reflexões e experiências com professores e estudantes de educação básica,

dentro e 'fora' da escola", organizados por Adriana Fresquet, permitem ver a escola

como possibilidade de ser um lugar de troca em que cada olhar pode se manifestar e

se enriquecer. Em síntese, entender o trabalho com cinema na educação é, também,

fazer parte de um movimento de deslocamentos e desvios, movimento este que se faz

em direção à formulação de novas perguntas, em novas contingências e conjunturas.

Porém, trabalhar com a imagem na educação escolar tem um desafio

maior, pois, segundo Almeida (1994):

Parece que a escola está em constante desatualização, que é sublinhada pela separação entre a cultura e a educação. A cultura localizada em um saber-fazer e a escola num saber-usar, e neste saber usar restrito desqualifica-se o educador, que vai ser sempre um instrumentista desatualizado (ALMEIDA, 1994, p.8; grifo meu).

E, mais adiante:

Os filmes (como também outras obras artísticas) são produções da cultura: obedecem a condições de produção, contingências de mercado, mas não a objetivos pedagógicos, didáticos ou a seriações artificiais. Sua utilização na educação é importante porque trazem para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e fundamental: Participante ativa e criativa dos movimentos da cultura, e não repetidora e divulgadora de conhecimentos massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados e inadequados para educação de uma pessoa que já está imersa e vive na cultura aparentemente caótica da sociedade moderna. A escola e não menos a de primeiro e segundo graus é parte da cultura, porém, a parte mais conservadora e desatualizada dessa cultura, o que lhe confere baixo poder político e alta exposição manipulatória. O estudo das imagens e sons da sociedade moderna pode ser um momento para a educação fazer-se cultura e, talvez, poder (ALMEIDA, 1999, p.49-50).

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Os trabalhos recentes anteriormente citados sinalizam para diversas

possibilidades de, na educação, se fazer cultura, de participar da cultura em seu saber-

fazer. A opção da pesquisa presente foi arriscar produzir e criar imagens e sons em

movimento na escola; olhar para o cinema como arte, entendendo a arte como

exceção à cultura como regra, mesmo esta do saber-fazer.

Ao perceber que a produção de imagens para a educação é uma parte de

um programa de educação visual do qual o cinema hoje também faz parte, considerou-

se, a partir da experiência, que a imagem provoca estranhamentos. Não era a imagem

didática ou a imagem pedagógica. Não era o estudo da imagem para crianças e

adolescentes ensinando-os a olharem o que os encantava. Era a possibilidade de criar

junto com eles, apesar da necessidade de se fazer algumas negociações com a

escola.

Neste sentido, percebe-se que outros trabalhos, no momento de escrita

do roteiro da pesquisa, tornaram-se parceiros de percurso. Realizou-se então um

levantamento das dissertações e teses publicadas no banco de teses da Capes desde

2010 até dezembro de 2014. Neste levantamento foram utilizados descritores "cinema

e educação" e encontrados 43 registros na área da Educação.

Identificou-se duas perspectivas distintas para que fossem realizadas

essas pesquisas: uma, do fazer cinema para a educação e, outra, do fazer cinema na

educação. Na primeira perspectiva, enfoca-se o cinema como um agente de

comunicação ou de transmissão de conteúdos; e, na segunda, enfatiza-se o cinema

como forma de expressão e criação cinematográfica. Das 43 pesquisas, 28 de

mestrado acadêmico, duas de mestrado profissional e nove de doutorado abordam "o

fazer cinema para a Educação". Apenas quatro de mestrado acadêmico abordam "o

fazer cinema na educação", conforme a tabela:

Pesquisa de mestrado sobre o Cinema para a Educação

Autor e título da pesquisa Universidade

ALBUQUERQUE, Ana Paula Trindade de. Gravando! Universidade Federal da Bahia

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O cinema documentário no cenário educativo: perspectivas para uma educação audiovisual.

ALMEIDA, Marcelo Ribeiro de. Educação, escola e modernidade avançada através das lentes do cinema.

Universidade Estadual de Campinas

ALMEIDA, Ricardo Normanha Ribeiro de. Modo de produzir - modo de trabalhar: relações de produção e trabalho no cinema da boca do lixo.

Universidade Estadual de Campinas

AZEVEDO, Evelyn Fernandes. O cinema na escolarização de jovens e adultos: um estudo sobre os modos de apropriação do cinema pelas educadoras da EJA.

Universidade Federal da Paraíba e João Pessoa

BIEGING, Patrícia. Da busca de popularidade às práticas de bullying: crianças e produção de sentidos a partir de artefatos midiáticos.

Universidade Federal de Santa Catarina

BITTENCOURT, Rosania Maria Silvano. Meninos e meninas: uma análise do menino maluquinho, o filme, sob o olhar do gênero.

Universidade do Extremo Sul Catarinense

BONNEAU, Ana Paula Buzetto. Em cena: professores diante da violência na escola pelas lentes do cinema.

Universidade Federal da Paraíba e João Pessoa

CARRERA, Vanessa Mendes. Contribuições do uso do cinema para o ensino de ciências: tendências entre 1997 e 2009.

Universidade de São Paulo

CHRISTOFOLETTI, Rafael. Dissertação fílmica: cinema, loucura e resistência.

Universidade Est. Paulista Júlio de Mesquita Filho de Rio Claro

CONDORELLI, Antonino. Dersu Uzala: hibridação homem-natureza.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

DORNELLES, Luciano do Amaral. Pedagogia da dor: sobre o esporte, a vitória e a derrota na arena.

Universidade Luterana do Brasil

FARINA, Barbara Cristina. Processos de estigmatização e contornos da deficiência: olhar para o cinema, olhar para as (im)possibilidades de ser.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

FRANCO, Renata Rosa. O cinema como (im)possibilidade formativa: uma discussão a partir da perspectiva de Adorno.

Universidade Federal de Goiás

GARCIA, Rafael Wionoscky. Tempos modernos: relações entre as narrativas de alunos de EJA e a cultura do tempo escolar.

Universidade Federal de Santa Catarina

GOMES, Iara de Oliveira. Narrativas fílmicas na educação para a velhice.

Universidade Estadual de Maringá

IRES, Isabelle de Araujo. Poesia visual e ensino: Vivência em suportes distintos.

Universidade Federal de Campina Grande

LENK, Erika. Carlitos: história de vida e obra de Charles Chaplin.

Universidade Estadual de Campinas

PILGER, Jeanete Maria. Condições contemporâneas de trabalho: representações de empregabilidade no cinema.

Universidade Luterana do Brasil

PINTO, Beatriz Sampaio. O quarto de Petra - estabilidade instável do/no cenário fílmico.

Universidade Estadual de Campinas

PORTO, Rodrigo Robert. Sobre formas de se aprender com o cinema: um estudo a partir da agenda - diário de Leandro Konder.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

REBECA, Elaine Simões Romual. Cinema na sala de aula: proposições para uma exploração estética de filmes por professores.

Universidade do Vale do Itajaí

RIGHI, Daniel. O cine educativo de João Penteado: Universidade de São Paulo

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iniciativa pedagógica de um anarquista durante a era Vargas.

SEIBERT, Lisli. Juventude e cinema: travessias, viagens e transformação na construção do sujeito ético.

Universidade Luterana do Brasil

SILVA, Fernanda Lira da. Experiência audiovisual e infância: em busca do que escapa ao primeiro olhar.

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho de Rio Claro

SILVA, Josineide Alves da. O uso escolar do filme no currículo do estado de São Paulo.

Universidade do Oeste Paulista

SILVA, Michele Juliana de Carli Anselmo da. A revista brasileira de educação: apropriações do discurso acerca dos temas da infância e da história da infância (1995 a 2010).

Universidade Estadual de Maringá

SOUZA, Sávio José di Giorgi Ferreira de. O educere ad educare da educação integral em cena, contracena e crítica.

Universidade Tuiuti do Paraná

VIEGAS, Magda Luciana da Rosa. Mosaicos da infância no cinema.

Universidade Luterana do Brasil

Pesquisa de mestrado profissional de Cinema para a Educação

Autor e título da pesquisa

Universidade

FARIA, Ana Constancia Macedo. O cinema e a concepção de ciências por estudantes do ensino médio.

Universidade de Brasília

SANTOS, Eliane Gonçalves dos. A história da ciência no cinema: contribuições para a problematização da concepção de natureza da ciência.

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões

Pesquisa de doutorado o Cinema para a Educação

BALESTRIN, Patrícia Abel. O corpo rifado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul

COSTA, Alan Victor Pimenta de Almeida Pales. A cor da romã .

Universidade Estadual de Campinas

FIGUEIREDO, Haroldo Moraes de. Vigilanti cura: uma educação cinematográfica nos colégios católicos de Pernambuco na década de 1950.

Universidade Federal de Pernambuco

JESUS, Rosane Meire Vieira de. Comunicação da experiência fílmica e experiência pedagógica da comunicação.

Universidade Federal da Bahia

JUNIOR, Donald Hugh de Barros Kerr. Cartografias da (trans)formação docente: uma experiência estética com o cinema.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

MEDEIROS, Sérgio Augusto Leal de. Imagens educativas do cinema/ possibilidades cinematográficas da educação.

Universidade Federal de Juiz de Fora

SANTOS, Luciane Mulazani dos. A representação na história em modo de endereçamento para a educação matemática.

Universidade Federal do Paraná

SILVA, Josirley Maria Menezes da. Jardim do silêncio Universidade Estadual de

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- poéticas. Campinas

SILVA, Marcus Flávio Alexandre da. Estética e audiovisual no Ceará: uma aproximação crítica à luz da ontologia marxiana.

Universidade Federal do Ceará

Pesquisa de Mestrado sobre o Cinema na Educação

Autor e título da pesquisa

Universidade

FARIA, Nelson Vieira da Fonseca. A linguagem cinematográfica na escola: o processo de produção de filmes na sala de aula como pratica pedagógica.

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Presidente Prudente

LEITE, Gisela Pascale de Camargo. Linguagem cinematográfica no currículo.

Universidade Federal do Rio de Janeiro

SILVA, Alessandra Collaco da. Arte, mídia e cinema na escola: um ensinar que (me) ensina!

Universidade Federal de Santa Catarina

SILVA, Maira Norton. Relações entre técnica e criatividade no ensino do cinema e do audiovisual.

Universidade Federal Fluminense

Na perspectiva do Cinema para a Educação, observa-se que o cinema é

usado na sala de aula como ilustração de conteúdos das disciplinas e também com o

objetivo de provocar uma reflexão, uma análise a partir do filme. Assim, ora o cinema é

utilizado para se fazer uma análise sociocultural de algum aspecto focalizado no filme

ou para analisar o comportamento de um personagem, como, por exemplo, promover

uma reflexão sobre a questão de gênero, estimulando o olhar dos alunos sobre as

relações de gênero e sexualidade no intuito de se perceber a visão de mundo e suas

relações socioculturais. Ora, o cinema é utilizado em sua função educativa e formativa;

ou simplesmente como recurso didático, com o intuito de verificar sua eficiência dentro

do processo de ensino-aprendizagem e importância da inserção de tecnologia

audiovisual no âmbito escolar. É utilizado ainda como suporte importante na motivação

da apreensão de um conteúdo de forma lúdica, visando despertar no aluno o interesse

pela busca de novos saberes.

Por sua vez, na perspectiva do fazer cinema na educação, o cinema é

utilizado na escola de maneira a permitir ao aluno experiências relacionadas com a

criação cinematográfica e não apenas na perspectiva do "ver" como explicitado acima.

Assim, neste caso, ele é utilizado para desenvolver a criatividade, a sensibilidade do

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aluno, destacando a importância da técnica e da imaginação para o caráter

transformador da arte tendo como objetivo possibilitar relacionar-se com o mundo de

outra forma. Ora, oficinas de cinema são realizadas na escola como possibilidades de

inserção curricular para trabalhar o cinema e sua articulação com a arte e a mídia na

sala de aula; ora o cinema é utilizado, por exemplo, para viabilizar uma aprendizagem

em arte a partir do emprego da linguagem cinematográfica nas várias fases da

produção de filmes, desde a sua concepção até a exibição do produto final; ora propõe-

se utilizar o cinema como forma de criação sob a hipótese de alteridade artística, como

é a pesquisa de mestrado "Linguagem cinematográfica no currículo da educação

básica: uma experiência de introdução ao cinema na escola", de autoria de Gisela

Pascale de Camargo Leite, 2012, na UFRJ.

No estudo de Leite (2012), a autora faz um recorte que visa repensar a

antiga relação escolar de cinema em interface com uma visão de currículo como

política cultural em sociedade a partir da experiência de introdução de práticas de

criação cinematográfica na escola. Esse estudo parte do pressuposto de que uma

iniciação à arte cinematográfica na educação básica pode operar a linguagem em

constituição na escola de forma estrangeira às condições hegemônicas de ensino

numa relação de atribuição e produção de sentidos como uma questão de

conhecimento, poder e cultura inerentes à construção de um currículo contemporâneo.

Pode-se dizer então, que as pesquisas na perspectiva do cinema para a

educação são fundamentadas na "pedagogia do ver". De outro modo, esta pesquisa

sobre o cinema na escola está fundamentada na "pedagogia do fazer". Este trabalho

de pesquisa, então, insere-se nesta última perspectiva, na medida em que se concebe

o cinema como arte indagando a potência gesto de criação centrada na hipótese de

alteridade possibilitando pensar questões sobre o mundo e sobre os possíveis elos

entre os sujeitos.

Na análise das pesquisas sobre cinema e educação, embora se possa

perceber que os trabalhos problematizem a importância da dimensão artística do

cinema e o seu potencial para uma prática educativa humanista e dialógica, não se

trabalha o cinema em uma dimensão dos afetos e dos efeitos produzidos nos alunos

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durante a produção de um filme ou mesmo quando assistem a películas visando uma

prática educativa que atravesse e produza efeitos intensivos capazes de promover

modos de viver em suas singularidades e multiplicidades. Dessa forma, a proposta da

potência do gesto de criação centrada na hipótese de alteridade aponta que a

experiência com o cinema na escola pode construir um outro caminho para a

Educação. Acredita-se ainda que o cinema no território escolar possibilita uma

formação, podendo conversar em diversas frequências de saberes, aproximar a prática

educacional do que está ausente ou mesmo proibido do fazer pedagógico e submeter

às coisas do mundo aos alunos.

A criação do cinema na escola possibilita experimentar um trabalho

escolar diferente daquele da rotina que tomou conta das relações de ensino, uma vez

que, nas escolas, ações próprias e criação de caminhos múltiplos, com objetivos mais

amplos de aprendizagem, que tornem os alunos autores, estão muito distantes das

práticas escolares, que se caracterizam por uma rotina construída pela definição e

cumprimento de metas, mensuradas, pelos sistemas de avaliação de larga escala que,

cerceiam em grande parte a suposta autonomia do aluno e do professor. Mas, é

possível resistir e existir. Criar, inventar e fabular caminhos diferentes daqueles da

rotina escolar, construindo encontros que incutem confiança em cada um dos alunos,

que não se feche entre os muros da escola, mas que se abra para o mundo.

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2- Encontro escola e cinema

Talvez tenhamos que aprender a nos apresentar na sala de aula com uma cara humana, isto é, palpitante e expressiva, que não se endureça na autoridade. Talvez tenhamos que pronunciar na sala de aula uma palavra humana, isto é, insegura e balbuciante, que não se solidifique na verdade. Talvez tenhamos que redescobrir o segredo de uma relação pedagógica humana, isto é, frágil e atenta, que não passe pela propriedade (LARROSA, 2010. p.165).

Ainda que a cada ano, com o desenvolvimento das tecnologias digitais,

as imagens estejam cada vez mais presentes em inúmeros espaços e nas mais

diferentes situações sociais do nosso cotidiano, isso não ocorre na mesma proporção e

intensidade nas práticas educativas e materiais escolares. Sendo assim, a escola,

historicamente constituída, tem como objetivo principal transmitir o conhecimento

acumulado pela humanidade, ainda por meio de informações, comunicação e

ilustrações de conteúdos, quer seja oralmente ou através da escrita, ou das imagens,

uma vez que trabalha com a representação de conteúdos. Dessa forma, a

representação se contrapõe com o criar e o recriar saberes.

Para que a imagem possa estar na escola como forma de alteridade, esta

precisaria se desapegar da premissa da condição informativa, comunicativa e

ilustrativa centrada em conteúdos e conhecimentos formais, que gera clausuras no que

tange às potencialidades do ato de pensar e de aprender.

Em função de variáveis possíveis das imagens e do cinema na escola,

perguntas e questionamentos povoavam os pensamentos e passaram a nortear o

traçado dessa pesquisa. Seria possível estabelecer encontros entre a Educação e o

Cinema como arte? Seria possível aprender com o cinema e, se sim, como isto se

daria? Quais seriam os dispositivos necessários para desenvolver essa experiência?

Como se processaria a participação do aluno e quais seriam os reflexos desta

intervenção no processo de aprendizagem? A criação cinematográfica no âmbito

escolar teria força suficiente para transformar algumas formas habituais de pensar e de

agir dos alunos? Se sim, como se expressaria? Como se constituiria o gesto criativo

centrado na hipótese de alteridade proporcionada pela experiência cinematográfica?

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Estas e outras tantas indagações compunham a possibilidade de construção de um

argumento para este trabalho.

Minha hipótese era que o desapego da reprodução do conhecimento

possibilitaria um território aberto para a elaboração sobre questões de estar no mundo.

Propiciar diferentes experimentações que possibilitassem colocar as próprias variáveis

do movimento de intervenção na escola em estado de variação contínua para criar

espaços que se constituiriam em deslocamentos de criação, recriação e invenção que

favoreceriam múltiplas dimensões do aprender. A utopia de fazer cinema como arte na

escola colocava a necessidade de se pensar práticas educativas que formulassem

novas questões em relação ao mundo.

Dessa forma, fez-se necessário então, a construção e desconstrução de

aprendizagens e das formas com as quais a escola se apropria dos conhecimentos e

saberes das ciências e das artes. Para tal, seria preciso uma definição de

conhecimento ocupada com os múltiplos saberes indispensáveis para a participação

social, política e cultural das pessoas envolvidas no processo educativo.

Pode-se pensar que o conhecimento se forma a partir de conjunções.

Aquele que cria começa de um encontro com o outro, ou seja, em parte apropria-se de

outro pensamento, pois ninguém cria a partir do nada. Exatamente no momento em

que se trabalham outras ideias, evidencia-se o ato criador.

Para Bachelard (2001), todo conhecimento é provisório. Pode-se pensar

então que o conhecimento não seria mais fundamentado sobre o absoluto, mas sobre

as mudanças. Pode-se com isso imaginar o conhecimento como um movimento

incessante e constante de aprender, desaprender e reaprender, que possibilite formular

questões, sendo permanentemente construídas, desconstruídas e reconstruídas. A

educação e o conhecimento são processos, visto que o homem é um ser inacabado,

em contínua ação de aprendizagem e de construção do conhecimento. Uma postura de

construção do mundo (ou de mundos) é, fundamentalmente, uma interface aberta à

interação, à revisão de posições e a mudanças na própria visão do que seja realidade.

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Como uma sociedade em constante mudança mantém ainda uma escola

com práticas educativas baseadas na transmissão das certezas do conhecimento

acumulado? O desafio, portanto, era transformar certezas em hipóteses.

Ressalta-se que a educação escolar não é apenas uma ação individual

ou coletiva. Ela se faz como prática social. Na escola, lugar desta prática, conforme se

pode compreender durante a pesquisa, quase não há oportunidades para questionar

pensamentos universais arraigados e produzir conhecimentos capazes de desfazer as

relações estabelecidas entre os sujeitos; conceber novas ideias, novas possibilidades,

calar as respostas e fazer emergir novos questionamentos. A experiência e a criação

são aplainadas no cotidiano escolar.

Sendo assim, as práticas sociais juntamente com a hipótese de alteridade

e o potencial do gesto de criação emergiriam do encontro entre a Educação e o

Cinema e seriam os principais desafios deste trabalho, desafios que contaminaram a

escola.

2.1 Hipótese da alteridade centrada na criação

O estudo de Alain Bergala sobre alteridade, encontrado no livro, "A

hipótese cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola"

(2008) trata de uma prática do cinema centrada na criação, de modo que a arte

cinematográfica adquira um potencial educativo que possibilita gestos de criação e não

somente ver e analisar filmes. Sendo assim, para que esta prática possa se realizar, é

fundamental estabelecer um território propício para pensar, desvendar sensações,

experimentar e criar. Embora o território das unidades escolares seja árido para pensar

e valorizar sensações e experiências, Bergala (2008, p. 29) defende que as

experimentações são possíveis dentro dessa perspectiva da criação quando o cinema

é pensado como obra de arte capaz de provocar o ato criativo:

A arte, para seguir sendo arte, deve continuar sendo uma ferramenta de anarquia, de escândalo, de desordem. A arte, por definição, semeia desconcerto na instituição. [...] A arte não deve ser nem a propriedade nem o limite vedado de um professor especializado. Ela deve ser uma experiência de

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outra natureza na escola, que daquele do curso institucionalizado, tanto para os alunos quanto para os professores. (BERGALA, 2008, p. 33-34).

O cinema como arte na escola entra como exceção, face à regra da

cultura. Bergala, conhecendo este conflito, propõe que o cinema seja, na instituição

escolar, uma hipótese de alteridade, ou seja, um encontro com elementos de desordem

e desconforto em relação aos hábitos cotidianos. Sendo assim, os filmes-arte na escola

possibilitam ao aluno um confronto com uma forma de pensar o novo. Bergala

sugestiona:

[...] Tinha a convicção de que, nos anos vindouros, seria preciso dar prioridade à abordagem do cinema como arte (criação do novo), e não àquela, canônica, do cinema como vetor de sentido e de ideologia (reiteração do já dito e do já conhecido). [...] (BERGALA, 2008 p. 34).

O objetivo desta pesquisa era tomar o cinema como arte na escola dentro

da proposta de alteridade. A alteridade do cinema está em relação com o uso que se

faz desta prática social nas instituições escolares. Os planos de ensino que incluem

cinema transformam um filme em recurso didático para apresentação e reforço de um

conteúdo. Assim, como abordado anteriormente, filmes são vistos e empregados como

ilustrações e informações de conteúdos e temas escolares e não pela forma como a

obra aborda o tema. Neste sentido, o cinema não possibilitaria aprendizagem ou

experiências pedagógicas como campo de possibilidades. Além disso, filmes que

fogem aos conteúdos programáticos são proibidos ou considerados inadequados.

Sendo assim, uma intervenção do cinema como arte na escola é desviante, posto que,

atravessa de diversas maneiras, a tradição escolar.

Para Bergala (2008), deve-se cuidar do pragmatismo pedagógico:

Na pedagogia das artes existem os grandes princípios gerais e generosos: reduzir as desigualdades, revelar nas crianças outras qualidades de intuição e de sensibilidade, desenvolver o espírito crítico, etc. [...]. Na base, no que diz respeito à experiência pedagógica concreta, há o discurso dos que estão ligados à prática e se chocam cada dia com a realidade, encurralados entre as resistências da hierarquia e as dificuldades encontradas na sala de aula, que cada qual tenta resolver pragmaticamente, com mais ou menos gratificações pessoais e profissionais. O que mais faz falta, na área da pedagogia da arte, é um pensamento entre estas duas posições, um pensamento tático que esteja convencido dos grandes princípios [...] e que esteja atento para as dificuldades [...] (BERGALA, 2008, pp.26-27; grifo meu).

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O conceito de intervir, na perspectiva da pesquisa-intervenção, gera

agenciamentos que fogem às certezas das determinações e, assim, pode ser desviada

do pragmatismo, indicando uma experiência que provoque pensamento e ação

desacomodando certezas.

2.2 O cinema como arte

Cinema como arte é aquele que pode demonstrar e indicar uma

experiência viva que explora a sensibilidade, para produzir novas formas e cores e

provocar pensamento e ação. Afirma Tarkovski:

O espectador está em busca de uma experiência viva, pois o cinema, como nenhuma outra arte, amplia, enriquece e concentra a experiência de uma pessoa e não apenas a enriquece, mas a torna mais longa, significativamente mais longa. É esse o poder do cinema: ‘estrelas’, roteiros e diversão não têm nada a ver com ele (TARKOVSKI, 1998, p.72).

Desejava-se a presença de um elemento provocador da imaginação e do

pensamento, que proporcionasse experiências e contribuísse para que ocorresse o

estranhamento nas vivências, seja do ponto de vista do aluno, seja do ponto de vista

da educadora. Um elemento que proporcionasse a percepção da alteridade, com a

construção de outros olhares sobre as relações.

A atração pelo cinema como arte na educação está em fazer emergir

novos olhares. Fresquet afirma:

Apostar na possibilidade do cinema se constituir em agente de uma nova educação, que permita aos professores e alunos uma aprendizagem estética, sensibilizar o intelecto, desvendar sensações e afetos para olhar para si e para o mundo (FRESQUET, 2007, p 26).

Por sua vez, Bergala (2008) afirma:

[...] A arte não se ensina, ela se encontra, se experimenta, ela se transmite por outras vias além do discurso do próprio saber, às vezes mesmo sem discurso algum (BERGALA, 2008, p. 33-34).

O conceito de cinema como arte, desenvolvido por Alain Bergala,

descreve a arte como um encontro com a alteridade e traça um paralelo entre cultura e

arte. Para ele, o cinema na escola não se ensina, se encontra, se experimenta. Nessa

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perspectiva, a introdução do cinema na escola atravessa sentimentos e, assim sendo,

substitui práticas escolares habituais.

Ainda se pode falar do encontro com a alteridade, visto que o cinema é

utilizado na escola, mas não foi produzido para esse fim. Dessa forma, os professores,

ao incluírem o cinema nos planos de ensino, precisam considerar os filmes como

recursos didáticos que possibilitem a criação de algo novo e não o reforço de um

conteúdo. Neste sentido, os filmes em sala de aula proporcionam caminhar além dos

conteúdos escolares, porque o cinema tem a sua própria especificidade, e esta não se

constitui exatamente como um rol de conteúdos a serem ensinados.

Para Almeida:

Os filmes (como também outras obras artísticas) são produções da cultura: obedecem a condições de produção, contingências de mercado, mas não a objetivos pedagógicos, didáticos ou a seriações artificiais. Sua utilização na educação é importante porque trazem para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vívido e fundamental: Participante ativa e criativa dos movimentos da cultura, e não repetidora e divulgadora de conhecimentos, massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados (ALMEIDA, 1999, p.48).

Aposta-se na ideia do cinema na escola como desencadeador de uma

aprendizagem que supere os limites da cultura massificadora, além de propiciar ir além

dos conteúdos da matriz curricular e aproximar a escola do que está ausente ou

distante do fazer pedagógico.

Para Bruzzo:

O cinema, em todos os graus de ensino bem como nas diversas disciplinas, vem atender ao objetivo precípuo da educação de hoje, de tornar cada vez menor a refração entre o que a escola ensina e o que a vida mostra (BRUZZO, 1995, p.91).

Nesta perspectiva, o cinema funciona como uma forma de questionar e

movimentar saberes. A questão não é somente educativa. Reconhece-se que o cinema

como arte na escola propõe variações, distorções, com a intenção de afetar a rotina do

olhar, bem como de repensar a escola e o mundo. Ou seja, ao capturar o espectador, o

cinema o convida a abordar questões sobre o mundo. Sendo assim, arrisca-se em

compreender o mundo, em modos de dizer sobre o mundo, em imaginar e pensar

outros mundos. É preciso deslocar-se do lugar comum, porque a arte cinematográfica

tem a intenção de afetar o sensível.

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Para Bergala (2008):

A arte, para permanecer arte, deve permanecer um fermento de anarquia, de escândalo, de desordem. A arte é por definição um elemento perturbador dentro da instituição. Ela não pode ser concebida pelo aluno sem a experiência do “fazer” e sem o contato com o artista, o profissional, entendido como corpo “estranho” à escola, como elemento felizmente perturbador de seu sistema de valores, de comportamento e de suas normas relacionais. A arte não deve ser nem a propriedade, nem a reserva de mercado de um professor especialista (BERGALA, 2008, p.30).

Sendo assim, a experiência de fazer cinema não precisa estar vinculada a

uma matéria, ou a um professor, mas é importante que envolva a escola e as pessoas

da comunidade que trabalham com o cinema, o que permite, dessa forma, sair do viés

dominante da regra.

Ainda, para Bergala (2008),

Jean Luc Godard, no autorretrato cinematográfico intitulado J-L G/J-L G, sussurra: “Porque se existe a regra, existe a exceção. Existe a cultura, que é de regra, e existe a exceção, que é a arte. Todos falam da regra, computadores, t-shirts, televisão, ninguém fala da exceção, isso não se diz. Isso se escreve Flaubert, Dostoievski, isso se compõe Gershwin, Mozart, isso se pinta Cézanne, Vermeer, isso se filma Antonioni, Vigo (BERGALA, 2008, p. 34).

Godard, no início da década de 1960, inventa um novo estilo

cinematográfico: com imagens e sons deslocados. Na obra desse cineasta, as cenas

não possuem associações entre si para ter sentido. Para Almeida (1999), os intervalos

entre as cenas são significativos, isto é, “a interpretação deve partir do caos aparente

da imagem, e encarar o mistério dos intervalos significantes”.

Dessa forma, os filmes de Godard com imagens e sons deslocados

ampliam o campo de visão do que se vê. Para Miranda (2010), os intervalos

significativos abrem possibilidades de criar, imaginar e construir significados próprios.

Dessa forma, a obra de Godard que mantém cenas deslocadas possibilita

pensar e produzir pensamentos e consequentemente aprendizagens. Assim, amplia o

campo de visão sobre o mundo, o que permite produzir cenas que ainda não existem.

E, consequentemente, possibilita pensar e aprender. Mas também pode apresentar o

novo. Durante a intervenção não foram apresentados os filmes de Godard, mas sim

filmes que mantém as cenas deslocadas à maneira de Godard para que evidenciassem

a proposta do cinema como arte.

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Para Almeida, o diálogo entre educação e cultura assim se explicita:

Como sujeitos separados, a educação e a cultura falam de si e entre si coisas distintas. A educação, para dentro de suas paredes, organizadas por série, etapas, fases, especialidades, traz a cultura – ciência, artes – oficial ou oficiosa embalada pela pergunta: é adequada para que nível? Tradicionalmente os conteúdos da escola já vêm pré-selecionados – aprende-se tal coisa em tal série, em tal curso, para alunos de tal idade, de tal formação; os programas curriculares, os livros didáticos e a própria formação do educador resolvem este assunto com um mínimo de conflito e um máximo de naturalidade, naturalidade esta referenciada pelos cursos universitários pelos quais passaram; portanto gerada na inércia intelectual, na tradição escolar, na cultura universitária. A cultura das artes e das ciências [...] leva em conta a tradição e o aprendizado técnicos, mas não os níveis, os programas rígidos, a divisão etária, a tradição escolar dos pré-requisitos. A cultura produz e também se reproduz, faz nascer, renascer o conhecimento, as sabedorias, mostra novamente o antigo, demostra o novo, o saber-fazer dos homens. É sempre contemporânea do presente, até mesmo quando expõe o velho, a cultura que já foi. Ela se expõe, ao mesmo tempo, para a produção e consumo, independente da faixa etária, formação, pré-requisitos. Deixa-se ver, ouvir, falar, comer, mexer, usar por consumidores de diferentes idades culturais e gosto (ALMEIDA, 1994, p.13-14).

Os filmes na escola, não deveriam ser vistos e operados como

conhecimento objetivo, teórico, mas, sim, como criação e invenção. Para tal, dentro da

escola, poderia haver, além do tempo da lição, um tempo do cinema, território da

criação e invenção. Porém, fazer cinema na escola não é apenas reunir cenas para um

filme, mas pensar cada cena com uma estética, que possibilite deixar fluir a imaginação

e mexer com as sensações.

Vale destacar que, para Bergala, a partir de sua experiência como

assessor nas escolas francesas, as práticas escolares envolvendo a criação

cinematográfica são operativamente muito simples, tendo em vista que a tecnologia

digital possibilita colocar à disposição de alunos filmes e fragmentos de filmes,

convidando-os a fazerem, conceitual e tecnicamente, associações e analogias, assim

como estabelecer semelhanças e diferenças entre as imagens. Nessas condições,

professores e alunos podem observar, pensar, realizar, criar, recriar e inventar filmes.

Dessa forma, a ideia de fazer cinema na escola não é mais uma voz ou

um texto ao qual se atribuam saberes, e muito menos é exclusiva do professor, mas

está na observação, no encontro e na circulação de fragmentos, que são

imprescindíveis para a criação.

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Na escola, como já foi dito, os filmes ainda são vistos como ilustração dos

conteúdos. Não como fontes de aprendizagem ou experiências escolares em si

mesmas. Ressaltando que, filmes que fogem do conteúdo programático são proibidos

(as vezes são fonte para lazer e preenchimento de buracos nas faltas dos professores).

As instituições escolares têm a tendência de evitar ou amortecer novas práticas

pedagógicas para legitimar as práticas escolares habituais. Assim, o cinema como arte

na escola entra enquanto elemento proibido, mas, assim que ganha visibilidade, é

aprisionado para assegurar que suas práticas pedagógicas habituais sejam mantidas.

Todavia, Bergala (2008) defende que a arte, se quiser ser arte, constitui um elemento

de anarquia e de desordem. Levar o cinema à escola faz sentido na medida em que

possibilita que o diferente apareça no contexto escolar.

Para Fresquet (2013):

O cinema provoca o devir da escola, prevê uma "outra escola", renovando-se pelo exercício que só a alteridade permite. Eu diria que o cinema inclina a escola para frente, mas também para trás, para os lados, ele a deixa de pernas para o ar mais uma vez; basicamente, ele a desestabiliza (FRESQUET,2013, p.17).

Uma intervenção pedagógica, que enfocasse o cinema como arte, em

uma relação de estranhamento, de alteridade, agenciando outras possibilidades de

conjunção e encontros entre Cinema e Educação, foi a proposta escolhida para que a

cultura cinematográfica possibilitasse ao aluno criar e que essa criação fosse potente

para abrir novos meios de ver o mundo. Bergala salienta que fazer filmes é, nas suas

palavras, “um gesto de criação”.

Segundo a proposta de Bergala, para a realização do cinema como arte

na escola, é preciso ver, analisar, realizar e criar filmes. Analisar filmes e analisar a

criação: tais análises têm um caráter transitivo, não sendo um fim em si mesmo, mas

uma passagem para o ato de criação. Realizar curtas-metragens no contexto escolar,

para o autor, não deve confundir-se com o objetivo de se criar um filme objeto, como

um produto, mas como uma experiência de uma ação, como processo.

Bergala menciona que existe uma distinção entre uma análise fílmica

clássica e uma análise de criação. Na análise clássica, decodifica-se o filme, realizando

uma leitura interpretativa do mesmo. Na análise da criação, que tem um caráter

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transitivo, constitui-se como a primeira experiência da passagem ao ato, ou seja, a

tentativa de retorno ao momento no qual quem filma ainda não fez escolhas definitivas.

A respeito de criar filmes, Bergala afirma que a criação cinematográfica

compreende três operações: a eleição (escolher), a disposição (posicionar) e o ataque

(decidir), que devem ser pensadas antes das operações técnicas. Estas três operações

não podem ser pensadas cronologicamente, pois elas se fazem em conexões durante

as filmagens.

A experiência de realização de filmes na escola traz uma dúvida para

Bergala: a criação na escola se confronta efetivamente com o cinema. A experiência da

passagem do ver para o ato de criação é, em sua teoria, insubstituível, por suscitar um

saber não acessível apenas pela análise dos filmes, mas por vivenciar também as

emoções do criador de um filme.

Nos filmes, uma história é contada não apenas por meio de palavras, mas

também por imagens, sons e outros recursos que, às vezes, não são percebidos por

quem vê o filme, mas que contribuem para despertar emoções. Ver e analisar os

elementos que compõem uma obra fílmica e o papel que esses elementos

desempenham permite perceber que a relação entre som e imagem acontece sob

linhas de atravessamento, subvertendo os limites do já estabelecido, fazendo emergir

outras interpretações que, por sua vez, implicam pensar as imagens de um lugar

heterogêneo, transpassado por muitas coisas mutáveis que permitem escapar das

ideias preestabelecidas.

Assim, assistindo a um filme, vê-se que uma história é contada por meio

de imagens, por palavras, sons e outros recursos que nem sempre o espectador vê. O

exercício de ver pode conter variações, porque existem diferentes tipos de filmes.

Alguns podem driblar preconceitos sensoriais propondo formas inovadoras de

apresentar as imagens. Outros seguem trilhas já traçadas e, portanto, mais óbvias da

realidade. Isso não significa, porém, que não ofereçam uma experiência interessante.

Pode-se dizer que, quanto mais o espectador é envolvido com um filme, mais as

sensações e sentidos são despertados.

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Logo, para apropriar-se da arte cinematográfica e desvendar seus

mecanismos, é imprescindível formar repertório, colocando em pauta as emoções do

criador do filme. Para tal, torna-se importante a constituição de um acervo fílmico na

escola e o incentivo à ida ao cinema para que professores e alunos estabeleçam

vínculos com essa arte. Entretanto, somente o acesso a filmes não basta. A escola

precisa apresentar filmes que estejam fora do circuito comercial, pois, se não

apresentam filmes diferentes aos alunos, estes não os assistirão em lugar nenhum.

Com esse referencial teórico, faz-se a transposição dessa proposta para a

prática escolar, sendo postas as seguintes questões: Pode o cinema na escola

apresentar-se como processo criativo? Que tipo de aprendizagem emerge desse

processo? Qual a abrangência do gesto de criação?

Acredita-se que é possível identificar nessa pesquisa-intervenção de fazer

cinema na escola, expressões múltiplas e singulares de aprender e agenciar o fazer,

por meio dos gestos de criação ou, pelo menos, dos germes destes gestos.

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3- Pesquisa-intervenção

A proposta metodológica que possibilitou o desenvolvimento desta

pesquisa não se deu a priori, mas depois de estudos com pesquisadores do grupo

OLHO que integram o projeto "Imagens, Geografias e Educação", especialmente com

a leitura e estudo do livro "Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e

produção de subjetividade" organizada por Passos, Kastrup e Escóssia (2009). Essa

obra, apresenta oito pistas para o método cartográfico a partir do conceito de

cartografia apresentado por Gilles Deleuze e Félix Guattari na Introdução de Mil Platôs.

Embora as pistas tenham sido escritas de modo independente, elas estão interligadas,

mas de modo que possam ser lidas na sequência que aprouver ao leitor. As oito pistas

não formam uma totalidade, mas um conjunto de linhas em conexão e de referências

sem predeterminar regras, protocolos ou procedimentos.

Com esse estudo, encontram-se nas pistas os caminhos que

possibilitaram traçar a criação cinematográfica na escola, permitindo uma configuração

dizível da trajetória, neste processo de intervenção.

Para Passos e Barros (2009), a pesquisa-intervenção é um método que,

ao contrário de propor aplicar regras, sugere pistas que funcionam como referências

para uma atitude de abertura ao que vai sendo produzido e de calibragem do caminhar

no próprio percurso da pesquisa – o hódos-metá, caminhar que traça no percurso as

metas da pesquisa.

Um projeto de pesquisa que adota a pesquisa-intervenção como método

investigativo tem como cenário o plano da experiência. Para Passos e Barros:

[...] plano da experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o pesquisador e a produção do conhecimento) do próprio percurso da investigação. Considerando que objeto, sujeito e conhecimento são efeitos coemergentes do processo de pesquisar, não se pode orientar a pesquisa pelo que se suporia saber de antemão acerca da realidade: o know what da pesquisa. Mergulhados na experiência do pesquisar, não havendo nenhuma garantia ou ponto de referência exterior a esse plano, apoiamos a investigação no seu modo de fazer: o know how da pesquisa. O ponto de apoio é a experiência entendida como um saber-fazer [...] (PASSOS e BARROS, 2009, p. 18).

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Uma das pistas dessa metodologia pressupõe intervir em campo

produzindo e não apenas coletando dados, visto que somente a coleta de dados não

possibilitaria determinar a totalidade dos procedimentos metodológicos. Elege-se essa

abordagem para a pesquisa devido à possibilidade de imersão na experiência que

agencia sujeito e objeto, teoria e prática. Experiência entendida como um saber-fazer,

isto é, um saber que emerge do fazer. Tal experiência acontece em um momento em

que o saber-fazer e fazer-saber são concomitantes, ou seja, compreenderia tanto o

saber na experiência quanto a experiência do saber.

Nessa perspectiva, a pesquisa não se processa como uma investigação

realizada somente por um único pesquisador, mas pertence a todos os envolvidos no

processo de intervenção. Nesse método de pesquisa, são importantes a interação e a

abstenção de níveis hierárquicos entre os colaboradores.

O plano da experiência ressalta a importância da vivência. Como

interventores desse plano, acompanha-se a criação favorecendo processos múltiplos e

singulares. Para realizar essa intervenção, a abordagem teórica e metodológica da

pesquisa é a qualitativa. Para o referencial teórico de nossa experiência, ou seja, do

saber que emerge do fazer, delineia-se um caminho de pesquisa com a proposta da

Hipótese de Alteridade desenvolvida por Alain Bergala.

De acordo com o estudo de Passos et al., (2009) foi definida a

apresentação e a organização desta pesquisa. Para a organização da estrutura do

texto, foi trabalhada a ideia de clareiras que alojaram as potências das imagens. Estas

conduzem a um cenário denominado ateliê, território da criação e da invenção, com o

intuito de que aprendizagens fluíssem em outros tempos, para além do horário e

espaço da sala de aula nas escolas.

Com esse objetivo, a pesquisa foi realizada em duas escolas da rede

municipal de ensino de Campinas, tendo sido planejados 30 encontros anuais, no

contra turno dos alunos, horário oposto às aulas, durante o período de fevereiro de

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2010 a dezembro de 2011 na escola “Prof. Vicente Ráo” e de fevereiro de 2012 a

dezembro de 2014 na escola "Carmelina de Castro Rinco".7

A escola “Prof. Vicente Ráo” está localizada na região sul da cidade de

Campinas, em um bairro próximo à região central, com boa infraestrutura, habitado por

pessoas da classe trabalhadora que procuram garantir o sustento e melhores

condições de vida para a família. Produtos eletrônicos como computador com internet,

celular, DVD e televisão fazem parte do cotidiano dos alunos. Apenas uma pequena

parcela dos alunos frequenta o cinema com seus familiares. Em 2010, a escola

atendeu 617 alunos e em 2011, 627 alunos na faixa etária de seis a quatorze anos.

Possui espaço físico amplo constituído de prédio escolar com 10 salas de aulas,

biblioteca, refeitório, laboratório de Ciências, sala de informática e vídeo, além de

quadra polidesportiva, campo de futebol, teatro de arena e árvores que favorecem um

clima agradável para o ambiente escolar. Os equipamentos eletrônicos da escola se

constituem de três Projetores multimídia (data show), quatro máquinas fotográficas,

duas filmadora HD e um tripé para filmagem.

A escola "Carmelina de Castro Rinco" está localizada em uma área

periférica na região sudoeste da cidade, com pronunciado fluxo migratório de pessoas

vindas de diferentes regiões do Brasil, em um bairro habitado por pessoas da classe

trabalhadora que moram em casas populares ou moradias de estrutura física

deficitária. Produtos eletrônicos como rádio, televisão e celular fazem parte do

cotidiano dos alunos. Mas, apenas uma pequena parcela destes possui computador

com internet em casa. Muitos foram ao cinema pela primeira vez com a escola. Em

2012, a escola atendeu 374 alunos; em 2013, 331; e em 2014, 326 alunos na faixa

etária de seis a quatorze anos. Possui espaço físico constituído de prédio escolar com

08 salas de aulas, um espaço anexo com três salas de aulas, parquinho, biblioteca,

quadra polidesportiva, refeitório, pequeno espaço livre próximo à quadra, uma sala de

informática e vídeo com 20 computadores e uma televisão de 42 polegadas. Os

7 A justificativa para a mudança de escola deve-se somente à situação da carreira docente no Município

de Campinas. Durante a pesquisa a professora-pesquisadora mudou de escola em virtude de ser professora efetiva em uma rede municipal que prevê, no seu estatuto, a troca de unidade escolar dos professores para atender a demanda escolar do município.

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equipamentos eletrônicos da escola se constituem de dois Projetores multimídia (data

show), quatro máquinas fotográficas, duas filmadora HD e um tripé para filmagem.

A oportunidade de participar do ateliê foi apresentada em 2010, para os

alunos do 7º ano da escola "Prof. Vicente Ráo", e em 2011 o mesmo grupo de alunos

deu continuidade às ações da intervenção que foram realizadas às quartas-feiras das

14 às16 horas. Em 2012, apresentou-se a pesquisa-intervenção para os alunos do 6º

ano da escola "Carmelina de Castro Rinco" e, durante os anos de 2013 e 2014, o

mesmo grupo de alunos deu continuidade às ações da intervenção realizadas às

quintas-feiras das 11 às 13 horas.

A proposta de fazer cinema nas escolas foi apresentada perguntando-se

diretamente aos alunos, meninos e meninas de 11, 12 e 13 anos, se gostariam de

participar da intervenção. Os interessados levantaram os braços e pegaram as

autorizações para os responsáveis assinarem. Em uma das escolas, uma menina,

deficiente visual de nascimento, nessa pesquisa denominada Petra, não levantou o

braço, mas perguntou se poderia participar dos encontros. Essa pergunta deixou os

alunos um pouco espantados e logo um menino da sala questionou como ela poderia

fazer cinema se não enxergava. Prontamente, a menina respondeu que a família dela

tinha o hábito de assistir a filmes e que ela os acompanhava ouvindo o som. Por isso,

poderia participar dos encontros com o cinema. Houve um grande silêncio, mas viam-

se muitos olhinhos brilhantes e felizes pela menina disposta a trilhar desafios que

possibilitariam outros caminhos a seguir.

Com a ciência e autorização das equipes gestoras e a devida autorização

dos pais, treze alunos da escola Prof. Vicente Ráo participaram dos encontros e quinze

alunos da escola Carmelina de Castro Rinco. Embora apenas um pequeno grupo tenha

participado das atividades, optou-se por deixar que a adesão fosse, ainda assim,

voluntária, visto que a possibilidade de escolha poderia também ser entendida como

um meio de aprendizagem.

Desafio aceito, inicia-se as ações da intervenção em um encontro

semanal de duas horas, realizadas sempre com equipes de 3 e 4 alunos. A frequência

aos encontros foi relativamente alta, apesar das atividades terem ocorrido no contra

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turno das aulas. Normalmente, os alunos apresentam dificuldades para estarem

presentes na escola em atividades realizadas em horário oposto às aulas, porque

envolvem outras variáveis como mudança na rotina da família, deslocamentos, choque

de horários com outros compromissos para além da escola, dentre outros fatores. Mas,

do total de 28 participantes, apenas dois alunos da Escola Carmelina de Castro Rinco

não participaram dos 30 encontros propostos, um por motivo de mudança de bairro e o

outro por mudança de cidade.

As experiências do ateliê foram realizadas em uma sala multiuso, mas

também realizou-se encontros ora na sala de informática, ora no pátio, ora na

biblioteca e em outros espaços fora da escola. Realizar os encontros no ateliê tornou-

se uma experiência prazerosa, constatada no interesse, no entrosamento e na

assiduidade dos alunos.

O leque de ações, descritas no cronograma (Anexo III), que permitiu essa

intervenção propiciou uma constante alteração entre o ver, o explorar, o experimentar,

o criar, o inventar e também o aprender com a criação cinematográfica. Para tanto,

foram elaborados um “plano da experiência” com a "criação de filmes-ensaio", a

“presença do cineasta na escola", a “visita ao Museu da Imagem e do Som – MIS” e as

Práticas Exploratórias, nas quais se propôs colocar os alunos em contato com

situações em que pudessem pôr em movimento seus pensamentos, suas percepções e

visões de mundos. A expectativa inicial era de que todos que participassem dessa

intervenção entrassem em um movimento em que pudessem explorar algumas das

possibilidades do ensaio cinematográfico e, depois, seguissem seus próprios caminhos

levando algo novo consigo. Sendo assim, no início da intervenção, esperava-se que as

ações desenvolvidas fossem "trans”8 formadoras para todos os envolvidos. Para que

isso ocorresse, realiza-se atividades que permitiram que durante o processo de criação

houvesse a alternância de vozes dos partícipes e que os encontros no ver e no criar

8 O prefixo "trans" está para uma transversalidade. Para Guattari, 2004, " A transversalidade é uma

dimensão que pretende superar os dois impasses, quais sejam o de uma verticalidade pura e de uma simples horizontalidade, a transversalidade tende a se realizar quando ocorre uma comunicação máxima entre os diferentes níveis e, sobretudo, nos diferentes sentidos" (GUATTARI, 2004, p.111).

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com a arte cinematográfica possibilitassem a construção, desconstrução e discussão

de saberes.

Vale ressaltar que encontro pode ser entendido como um ponto em que

certa situação comum cede lugar a uma configuração ou entendimento diferente.

Dessa forma, nos encontros, não se demarcou exatamente tudo o que aconteceria,

uma vez que um encontro sempre pode sair dos parâmetros estabelecidos de início e

abrir novos territórios para outras formas de expressão tal como nossa experiência no

ateliê pôde demonstrar.

As dinâmicas geradas nesses encontros apontaram para a necessidade

de se pensar e agir de modo desconectado da lógica individualista que nos é

geralmente imposta, de forma que explorasse um mundo melhor para si e para os

outros. As ações da intervenção permitiram a inclusão de diferentes formas e maneiras

de ver e sentir o mundo. Por sua vez, as ações desenvolvidas não podem ser

entendidas como uma forma de se efetivar mudanças apontando direções, visto que,

valendo-se da transversalidade, da transgressão, da transmutação, do transbordar e de

outras ideias e pensamentos transitórios, elas agem contra a ordem de uma única e

absoluta verdade. Sendo assim, não objetivou-se que os alunos realizassem suas

criações cinematográficas segundo uma estética e uma lógica veiculada, inclusive pela

mídia, mas sim que desenvolvessem processos de aprendizagens e suas possíveis

interações.

Essa pesquisa se converteu em um texto e em filmes-ensaio realizados

durante a intervenção. Como recursos metodológicos foi utilizado o caderno de campo

com as escritas das ideias e ações realizadas em cada encontro e a organização do

material visual, fotografias e filmes, aqui denominados dispositivos imagéticos9. Das

209 fotografias e 82 filmes-ensaio produzidos, optou-se por selecionar para análise

dessa pesquisa, 15 filmes-ensaios, que correspondem às imagens mais debatidas e

comentadas entre os integrantes da pesquisa. Na escrita desse texto os nomes dos

9 As imagens analisadas nessa pesquisa podem ser acessadas no blog:

http://escolaecinema.blospot.com.br

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alunos e professores foram trocados para preservar suas identidades. A organização e

escrita do material foram realizadas com intenção de termos um conjunto das

experiências da Hipótese da Alteridade centrada na Criação.

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4- A educação visual e filmes-ensaio

Sobre o contato com as imagens, pode-se dizer que o espectador está

inserido em uma Educação Visual. Segundo Miranda:

A educação visual e a educação visual da memória, nos mostra que vivemos, histórica e socialmente, imersos em um processo de educação cultural, estética e política e que as produções artísticas (literatura, cinema, arquitetura, pintura, fotografia...) de nossa época, ao afetarem nossa inteligibilidade de mundo, evidenciam a existência de um 'fantástico' programa de educação que, sem ter intencionalidade objetiva, impressiona e fixa, em nossa memória, não apenas imagens, mas também as formas como imaginamos o real (MIRANDA & SCORSI, 2005, p. 13).

Propor que algo participe da educação, assinala Miranda (2005), “é

mostrar que determinado entendimento, sentimento ou julgamento não é natural, ou

seja, aprende-se a tê-los. No caso das imagens, é dizer que vemos porque

aprendemos a olhar” (MIRANDA, 2005, p.35). Para este autor, a “leitura” de mundo por

meio das imagens coloca em evidência um programa de Educação Visual que está

inserido em um processo de construção do olhar. Seus significados e entendimentos

somente são compartilhados e compreendidos porque foi-se ensinados a reconhecê-

los.

Para Almeida, (2011) quando se fala em Educação Visual, refere-se à

ideia de um olhar que é educável ou suscetível de receber uma educação:

Educável é mais amplo, não escolar, e sim cultural. A cultura, se eu quiser pensar assim, educa. [...] quando penso em educação visual penso em algo que faz parte da cultura, como a educação do paladar, do olfato, da audição, do tato, da inteligência… qualquer uma dessas educações são partes menores de algo maior e abrangente a que chamamos cultura (ALMEIDA, 2011).

Foi possível observar, na prática de ver as imagens gravadas, que as

filmagens reproduziam registros com forte influência do estilo de filmes comerciais,

principalmente nos veiculados na televisão, o que nos revela que o pensamento

permanece prisioneiro de uma cultura massificadora. A este propósito, Miranda (1996,

28) afirma que: “Engana-se aquele que acredita numa leitura linear e verdadeira das

imagens e sons produzidos em nossa sociedade”. Em outras palavras, a linearidade

nas imagens e sons não determina uma única forma de ver e pensar, mesmo que se

busque aprisionar o ser em uma leitura hegemônica de mundo. Embora induzido a uma

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interpretação, o espectador sempre pode sentir e pensar de forma aleatória e episódica

desde que seja apoiado e forçado a fazer isso.

Libertar-nos da cultura massificada e hegemônica é, portanto, criar rotas

de fuga, porque só se pensa quando se é forçado. Destarte, o pensamento discorre

somente quando é coagido ou forçado a pensar, ou seja, quando existe algo para ser

pensado, e o que existe para ser pensado é o impensável, ou o não pensado. O aluno

Marcelo, forçado a pensar na produção de um filme, diz: “eu gosto de participar das

ações do grupo de cinema, porque pude ver como um filme é feito”. Todavia, apesar da

dificuldade, conclui: “é bastante difícil, mas mesmo assim eu gosto”.

O pensamento nos força a criar, a experimentar. E, se o pensamento é

impulsionado pela busca do criar e experimentar, não é um pensamento ordenado,

mas pensamentos desordenados. Dessa forma, há linhas quebradas, linhas de

rupturas. Então, é necessário encontrar uma rota de fuga, para transbordar, fazer

vazar. Mas, para tal, é preciso dar a pensar e movimentar o pensamento. Para a aluna

Elaine, “aqui eu posso colocar em ação a minha imaginação”. O que move o

pensamento é um traçado, que induz a percorrer novos caminhos, novos modos de

imaginar, de idear, de sentir, que são, muitas vezes, incompatíveis com os

pensamentos impostos pela sociedade. Essa intervenção procurou criar rotas de fuga e

alcançar ações em um plano de experimentação com os alunos, em situações de

interação, para que estes pudessem ver, criar, analisar e pensar sobre os diferentes

filmes, permitir, enfim, que os alunos pensassem sobre a construção das imagens

veiculadas na TV, no cinema e em suas próprias produções, os filmes-ensaio.

Assim, como dizem Passos e Barros (2009), é necessário explorar teórica

e empiricamente o território estudado. Nessa perspectiva, as ações da intervenção

foram as de descobrir, explorar e experimentar o mundo para que os alunos pudessem

ver e criar filmes-ensaios.

Ensaios são formas de buscas. Uma vez que o ser está sempre à procura

de algo que satisfaça uma necessidade ou um desejo, ensaio é uma expressão

inacabada, pois quem o faz está continuamente experimentando, errando, aprendendo

e, sendo assim, constituindo-se como errante. É muito provável, portanto que, quando

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se tentar caracterizar ensaio de maneira precisa, perder-se a essência da liberdade.

Essa forma foi criada para que o ser seja livre para experimentar. Por meio do ensaio,

registra-se a imperfeição com gestos de busca e, dessa busca, pode surgir um ensaio

sem sucesso ou a base para se criar algo maior. Mas, mesmo neste último caso, não

se abandona o erro ou a imperfeição. É o caso do ensaio criado por uma das equipes

desta pesquisa que tinha a intenção de filmar um ponto da escola onde, segundo eles,

tudo acontecia: as aventuras, as sabotagens, os acertos de conta, os namoros.

Todavia, no momento da filmagem, nada aconteceu e, mesmo diante da expectativa

frustrada, fizeram a experimentação de filmar o ponto por um minuto.

Para Machado (2003):

É com Jean-Luc Godard que o cinema-ensaio chega à sua expressão máxima. Para esse notável cineasta franco-suíço, pouco importa se a imagem com que ele trabalha é captada diretamente do mundo visível “natural” ou é simulada com atores e cenários artificiais, se ela foi produzida pelo próprio cineasta ou simplesmente apropriada por ele, depois de haver sido criada em outros contextos e para outras finalidades, se ela é apresentada tal e qual a câmera a captou com seus recursos técnicos ou foi imensamente processada no momento posterior à captação por recursos eletrônicos. A única coisa que realmente importa é o que o cineasta faz com esses materiais, como constrói com eles uma reflexão densa sobre o mundo, como transforma todos esses materiais brutos e inertes em experiência de vida e pensamento (MACHADO, 2003, p.72 ).

Nos filmes-ensaio, as imagens não contam uma história, não se amoldam

no sentido convencional de cinema. São experiências inventadas de formas e

conteúdos. Filma-se uma experimentação permanente da liberdade de criação.

Ressalta-se que com esta concepção de ensaio traçou-se as ações da intervenção

com o cinema na escola.

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5- Ações de intervenção

A partir da proposta de Bergala, traçou-se três planos de experimentação:

(1) "filmar o Minuto Lumière", (2) a “presença do cineasta na escola", e (3) a “visita ao

Museu da Imagem e do Som – MIS”. Outros planos de experimentação da intervenção

podem ser acompanhados no capítulo das Práticas Exploratórias. Vale salientar que

Bergala faz uma proposta aberta sobre a criação cinematográfica, cabendo a cada

professor dar oportunidade aos alunos formas singulares de fazer cinema, as quais

tornam-se possíveis na perspectiva do cinema como hipótese de alteridade. Sendo

assim, o plano de "filmar o Minuto Lumière", “a presença do cineasta na escola” e

“visita ao MIS” são experiências de criação bastante estreitas à proposta de Bergala.

Seguindo os passos deste autor, uma das ações da intervenção foi a

apresentação de uma série de filmes dos Irmãos Lumière, realizados em 1895, com o

cinematógrafo, câmera fixa que permite filmar aproximadamente 52 segundos, com

imagens em movimento em preto e branco. Depois, foram apresentados alguns

vídeos, produzidos, atualmente, com a câmera estática, na mesma perspectiva dos

Irmãos Lumière, com a intencionalidade de fazer-se uma análise fílmica da criação, tal

como proposto por Bergala. A este respeito, Godard (2006, p. 243), nos revela: “eu já

fazia filmes antes de fazê-los. Certamente aprendi mais vendo filmes do que fazendo”.

Durante a intervenção, assistiu-se também filmes e trechos de filmes. Nas

palavras de Norma, uma menina integrante do grupo, “em casa, a gente assiste aos

filmes e esquece; aqui na escola, a gente vê, conversa e o filme fica na cabeça”. Já

para Eduardo, "eu gosto de ver e ouvir as opiniões dos colegas sobre os filmes, às

vezes eles viram coisas que eu não vi".

Esses depoimentos mostram outra forma de aprender, pois, assistindo a

um filme, desloca-se o olhar, conforme combinam-se os elementos sonoros e visuais, o

que possibilita a aprendizagem de uma outra linguagem e uma outra perspectiva de

aprender. Assistir um filme, portanto, é uma experiência estética, sendo este um dos

movimentos encontrados no processo de ver e analisar as imagens, intrinsecamente

presentes no movimento de fazê-las, a partir da constante construção e reconstrução

do conhecimento.

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Seguindo os passos de Bergala, uma outra ação realizada durante a

intervenção foi fazer a experiência de filmar com uma câmera fixa durante cerca de um

minuto algo da realidade com as características que tinham as máquinas dos irmãos

Louis e Auguste Lumière, que filmavam com películas de 17 metros e duração de

aproximadamente 52 segundos. Essa experiência de Bergala, divulgada no Brasil por

Fresquet, constitui-se em:

[...] rodar um plano é colocar-se no coração do ato cinematográfico e descobrir que a potência do cinema está no ato de captar um minuto do mundo, que nos surpreende e que jamais se repetirá. Essa experiência do imaginário sobre a sétima arte desenvolve a sensibilidade de quem produz e de quem assiste a esse minuto acerca das imagens, tornando-os capazes de ver um mundo novo, para além das formas que se estabelecem tão logo o universo cinematográfico lhes é apresentado (FRESQUET, 2012, p.7).

Nessa mesma perspectiva, uma das ações da intervenção foi filmar como

os irmãos Lumière, filmando por um minuto, sem movimento de câmera e sem ativar o

zoom. Optou-se nessa experimentação por deixar o tema livre, visto que já havia a

limitação do tempo e a filmagem deveria compreender as três operações propostas por

Bergala: escolha, posição e ataque.

Nessa proposta do Minuto Lumière, Bergala leva em conta as condições

objetivas reais, presentes na criação cinematográfica. As condições de “escuta” do real

garantem que a filmagem não seja apenas uma simulação técnica do ato de filmar,

uma vez que esta depende também da percepção no tocante à luz, às matérias, aos

ritmos internos de deslocamento dos possíveis atores, ao som, enfim, em relação a

tudo que depende do sensível mais do que do sentido, da significação (BERGALA,

2008, p. 199). Ou seja, mesmo que as novas tecnologias digitais ofereçam todos os

recursos para a criação de um filme, a aprendizagem não se limita somente à técnica,

mas envolve também questões de escolhas sensoriais, visuais e sonoras dos planos a

serem filmados pelos alunos.

Para Bergala (2008),

Estou cada vez mais convencido de que não existe por um lado uma pedagogia do espectador que seria forçosamente limitada, por natureza, à “leitura”, à decriptagem, à formação do espírito crítico e, de outro, uma pedagogia da passagem ao ato. Pode haver uma pedagogia centrada na criação tanto quando se assiste filmes como quando se os realiza. Evidentemente, é essa pedagogia generalizada

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da criação que seria preciso conseguir implementar numa educação para o cinema como arte. Olhar um quadro colocando-se as emoções de criador, não é a mesma coisa que olhar o quadro se limitando às emoções do espectador (BERGALA,2008, p. 34).

Ao finalizar a filmagem do minuto Lumière, Petra, aluna com deficiência

visual, comentou que “o importante é saber ouvir, não a palavra, mas a voz”. Esse

depoimento sugere que, na criação cinematográfica, as condições de “escuta” do real

garantem de fato que a filmagem não seja apenas uma simulação técnica do ato de

filmar, uma vez que esta depende também das escolhas sensoriais. No caso de Petra,

escolhas sonoras especificamente, da escuta sensível, da percepção sobretudo no

tocante ao som, enfim, “em relação a tudo que depende do sensível mais do que do

sentido, da significação” (p. 199). Desta forma, a criação é importante porque permite

que sensações como a escuta, o tato, a visão entrem em sincronia com a produção de

imagens.

Fresquet (2012) considera que a aproximação da arte cinematográfica

com a escola possibilita reconfigurar a aprendizagem e suas relações, mudar a rotina

das atividades e do uso do espaço-tempo escolar, viabilizando um trabalho coletivo e

criativo, quebrando a fronteira da escola com o mundo das artes.

Na perspectiva da hipótese de alteridade, em que o mundo das artes

entra na escola, como sugerido por Bergala, deve-se considerar a presença de

pessoas externas à ela para falar de cinema. Para Bergala, seria o "passeur" ou

passador e para essa intervenção considerou-se o intercessor.

Os intercessores mobilizaram bastante os alunos, quando provocados ou

forçados a agir. A presença de pessoas externas na escola constituiu-se como

mobilizadora do pensamento, uma vez que possibilitou questionarem e deslocarem

ideias prontas e definidas.

Nessa perspectiva, para intervir com o cinema na escola "Prof. Vicente

Ráo", contou-se com quatro estagiários do curso de Pedagogia da UNICAMP como

intercessores, que participaram de doze encontros realizados no segundo semestre de

2010, apresentando para o grupo de alunos dessa intervenção os conhecimentos

adquiridos sobre imagens na disciplina de "Escola e Cultura".

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Em um dos encontros em que se filmava o pátio da escola, com os

intercessores, um menino do grupo comentou sobre o ninho do pássaro João de Barro,

na árvore da entrada da escola e todos, curiosos, dirigiram-se para ver o ninho. Um

dos meninos comentou que ele tinha dois pássaros em casa, pois amava os pássaros,

e sugeriu que fossem realizadas filmagens com esses animais. Nesse momento,

ocorreu uma forte tensão, um embate entre o desejo de filmar os pássaros e o grupo

de intercessores que tinham o desejo de apresentar o que estavam aprendendo na

Universidade. Nesse embate, as palavras da aluna Eliane foram decisivas: "nós

aprendemos a usar a filmadora e queremos fazer um filme com pássaros porque eles

fazem parte da escola, assim como os professores e alunos". Nesse momento, os

alunos olharam pela janela as árvores do pátio com o desejo de procurar pássaros.

Assim, decidiu-se capturar as imagens dos pássaros na escola, dos pássaros e as

árvores, dos pássaros e o céu, dos pássaros e os alunos.

Nesse movimento contagiante de filmar os pássaros, surgiu outra tensão

quando uma das intercessoras, Sofia, propôs a apresentação das palavras narradas

por Ruth Rocha de Mil pássaros pelo céu e sugeriu aos alunos deitarem no chão para

ouvir a narração do CD e imaginar o ambiente onde acontece a história dos mil

pássaros. A princípio, o grupo de alunos não queria deitar no chão, visto que não é

uma prática escolar habitual, mas, mesmo resistentes, aceitaram o desafio de ouvir,

deitados, as palavras cantadas. Ao final, meninos e meninas maravilhados com a nova

experiência vivenciada puderam falar o que haviam imaginado: Eduardo tinha visto

pássaros, árvores, flores. Roberto viu o céu e mil pássaros; e assim se sucederam

bonitos relatos. Animada com as narrações, Sofia propôs que desenhassem o que

haviam escutado e imaginado. Momento de outra tensão, pois cinco meninos disseram

que não iriam desenhar. Sofia insistiu e eles disseram que não sabiam desenhar. A

intercessora insistiu novamente para que eles desenhassem e quem não soubesse

desenhar poderia começar fazendo um esboço ou ensaio. Nessa proposta, os alunos

aceitaram o desafio e desenharam o que haviam imaginado. Assim ficava cada vez

mais forte o desejo de observar, capturar as imagens e por fim realizar o filme-ensaio

pássaros.

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Outra intervenção com intercessor realizada na escola Prof. Vicente Ráo,

durante 6 encontros no primeiro semestre de 2011, contou com a presença do cineasta

Flávio Carnielli. No primeiro encontro ele disse que a melhor maneira dele se

apresentar seria por meio das imagens dos seus filmes e mostrou trechos de alguns de

seus filmes e o seu curta metragem "Encontro". Carnielli comentou que "filmar

possibilita criar mundos diferentes como: fazer uma vassoura voar, uma pessoa voar,

ou mesmo um aluno voar. Como também existe a possibilidade de ser uma outra

pessoa". Nesse encontro, falou também sobre a rotina das filmagens, as diferentes

possibilidades de enquadramentos e como fazer um roteiro de um filme.

Em outro encontro com Carnielli sobre possibilidades de filmagens, o

cineasta incentivou os alunos a realizarem seus próprios filmes. Um dos meninos,

João, sentindo-se provocado, disse: "surgiu um monte de ideias para filmar". E,

Susana, também mostrando-se muito interessada pelo encontro com o novo disse: "eu

vi um monte de coisas que não sabia com o Carnielli". Observou-se que criar mundos

era algo estranho para os alunos. Embora seja comum para crianças e adolescentes

criarem mundos, os alunos não reconheciam que assim o faziam. Na escola há muitos

mundos escondidos, submersos pelos deveres de formação de professores e gestores.

Quando alguém que faz cinema diz que cria mundos, o mundo passa a ser plural e o

encontro do olhar com a realidade através da câmera ganha potência de novo, de

criação, de devires. Os pássaros, ou a vassoura voadora, “começam” da escola. Falar

da escola é falar de pássaros ou da vassoura que voa. Foi exatamente o cinema que

trouxe esta ideia, ou melhor, foi o cinema que conectou variáveis da realidade da

escola possibilitando a criação de desarranjos no modo de falar sobre ela.

Nesse movimento, uma das meninas do grupo, Sandra, comentou:

"conhecer uma pessoa que faz filmes é incrível. Eu estou muito animada e confiante

para fazer meu filme". O ânimo adveio da presença do próprio autor junto com sua

obra. A distância entre Sandra e o cinema foi modulada pela interseção do cineasta

que arrastou o fazer cinema, algo inicialmente tão distante, para junto de Sandra.

No movimento de um outro encontro com Carnielli, iniciou-se a conversa

sobre um morador de rua, conhecido como Andarilho, que frequentemente ia à escola

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buscar latinhas de alumínio para vender. Os alunos chegaram dizendo que haviam

cumprimentado o Andarilho e que iriam arrumar latinhas para que ele vendesse. Um

dos alunos sugeriu que sua equipe de filmagem fizesse um documentário sobre a

história dele. Prontamente, todos os quatro integrantes da equipe gostaram da ideia e

dos desafios que surgiam para fazer um documentário. Mas, essa equipe questionava

se a direção da escola e os pais iriam permitir que se realizassem as filmagens e

também se o próprio Andarilho aceitaria o convite, assim como quais seriam as

possibilidades de conhecer o local onde ele morava ou dormia.

Com o intuito de dar continuidade ao desejo de realizar o documentário,

deu-se o primeiro passo solicitando a autorização da direção, dos pais ou responsáveis

e do próprio Andarilho para capturar as imagens.

Com a autorização concedida, visitou-se o local onde ele

costumeiramente dormia, a antiga estação do Veículo Leve sobre Trilhos - VLT, com a

intenção de conhecer um pouco da história de vida dele.

Com suas palavras, ele contou:

Eu vim do Paraná, tinha casa e família, mas eu perdi meu emprego e minha mulher me mandou para fora de casa. Como não tinha trabalho não podia pagar aluguel, mas como morava aqui perto eu sabia que a estação estava abandonada, então, eu escolhi esse lugar para fixar minha moradia nesse momento. Mas eu não quero ficar aqui a minha vida toda. Eu quero, com o dinheiro que ganho vendendo as latinhas que encontro, comprar um carrinho de madeira para carregar o material reciclado e, quem sabe, alugar um quarto no centro. Porque eu acho muito triste passar as noites aqui na estação, principalmente quando faz frio. Estão vendo esse buraco embaixo da plataforma? (indica com a mão esquerda o espaço embaixo da plataforma). Então, à noite, quando esfria, eu entro aqui e durmo tranquilo, porque estou num lugar quente e também porque ninguém sabe que eu estou aqui escondido (Transcrição do áudio gravado em 04 de maio de 2011).

Esse depoimento reafirmou a vontade de realizar as filmagens e

agendou-se a filmagem para a semana seguinte Porém, chegado o dia marcado, ele

não foi encontrado. Os alunos não desistiram e partiram a procura do Andarilho,

próximo à antiga estação do VLT, onde havia muito mato e mais adiante estavam

sendo construídos três prédios. Os pedreiros que trabalhavam nessa construção

começaram a gesticular e a gritar. Pensou-se que eles estavam brincando para chamar

atenção e não se deu importância aos gritos. Mas, os gritos aumentavam. Tensão.

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Todos os pedreiros, agora na cobertura do prédio, começaram a apontar os braços em

direção à antiga estação. Pensou-se que era alguém tentando arrombar os carros que

estavam com os equipamentos de filmagem. Mas, era a polícia que, de moto,

procurava quem havia deixado os carros ali. Sem saber o que acontecia, iniciou-se

uma correria. Carnielli viu os policiais e disse: "não corram, podem atirar". Então, a

equipe de filmagem deparou-se com dois policiais que perguntaram: "de onde vocês

são? O que estão fazendo aqui?" Respondem: "somos da escola do bairro e estamos

fazendo um trabalho de escola". "Aqui não é um local seguro para fazerem trabalho de

escola. Voltem imediatamente para a escola e não voltem mais aqui".

Impossibilitados de retornar à antiga estação do VLT e sem conseguir

encontrar o Andarilho, não seria mais possível dar continuidade ao filme. Então, com a

imprevista ausência, foram longas as conversas para redefinição dos caminhos de

novas filmagens, já que os alunos permaneciam com o desejo de concluírem o

documentário. A alternativa encontrada foi gravar e editar falas que indicavam a

procura pelo andarilho tendo como imagem apenas um fundo preto, outra imagem com

a foto do local onde ele costumeiramente dormia e a inclusão dos dados de uma

reportagem do jornal Correio Popular de Campinas sobre as mortes de moradores de

rua em 2011. Essas foram finalmente as cenas que compuseram o filme-ensaio

“Amigo10”.

Na escola Carmelina, a ação com o intercessor contou com um integrante

do grupo de pesquisa OLHO, Caio Gusmão, realizador de intervenções artísticas para

apresentar o conceito Internacional Situacionista e as experiências relacionadas a esse

conceito que visam questionar a alienação, a não participação, a passividade da

sociedade, sugerindo derivas, situações que criem pensamentos para a vida e uma

participação ativa dos indivíduos em todos os campos sociais. Gusmão provocou os

alunos com os conceitos de cartografia e de devir de Gilles Deleuze e Felix Guattari e

propôs a realização de uma atividade no Parque das Águas (parque para lazer na

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A intenção de realizarmos um filme com o Andarilho aproximou-nos dele e por isso o víamos como um amigo.

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cidade de Campinas), entregando mapas que deveriam ser empregados pelos alunos

para se orientarem num parque municipal. Os alunos não sabiam que o mapa não era

o daquele parque. Os processos de estranhamento e de busca por outros referenciais

de orientação espacial por parte dos alunos foram registrados e apresentados no vídeo

DERIVA-S que, possibilitou derivas da cartografia e da imagem, para além das

dimensões, já instituídas, de comunicar e informar.

A presença dos intercessores na escola possibilitaram que se aprendesse

por alteridade ao fazer com o outro e não fazendo como o outro. Salienta-se que a

presença de pessoas externas a escola incentivaram os alunos a buscarem novas

possibilidades com as filmagens e a proporem temas de filmagem, sem vergonha de

falar ou errar. Pode-se citar um aluno muito tímido do grupo que corajosamente fez a

proposição de realizar um filme-ensaio sobre o tema Ação Cidadã para a Mostra de

Cinema Estudantil. Esse aluno propôs, elaborou o roteiro e encenou "Um dia de

escola". Esse ensaio mostra o corredor da entrada dos alunos para a sala de aula com

dois alunos, um com as mãos vazias, o outro carregando o material escolar que acaba

caindo. O aluno que estava junto não ajuda o outro e ri, mas chega uma colega para

ajudar a recolher o material. Ao comentar sobre a realização das imagens, o aluno

autor comentou que a sua intenção foi a de que o gesto se multiplicasse e que um dia

as pessoas fossem mais solidárias.

Seguindo ainda os passos de Bergala, durante a intervenção ocorreram

visitas ao Museu da Imagem e do Som - MIS em Campinas, para diferentes encontros

com as imagens, o que propiciou aprendizagens diversas, e, por isso, considera-se o

museu também como um intercessor nessa intervenção.

Nos encontros que ocorreram no MIS, os alunos puderam assistir filmes,

participar da Mostra de Cinema Estudantil, das oficinas de fotografia e explorar o

acervo do Museu, que é constituído por um dos mais significativos conjuntos de fotos,

filmes, negativos, vídeos, slides, discos, fitas e objetos sobre a história social e cultural

da cidade de Campinas e região, apresentados em cinco diferentes linguagens:

Audiovisual (cinema e vídeo), Fotografia, Música, Tecnologia e Biblioteca.

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Dentro do grupo de alunos que foi ao museu, nenhum conhecia o local,

situado no centro da cidade. Por isso, num primeiro momento ficaram encantados com

a beleza da construção antiga e com o acervo disponível. Esse encantamento, os

fizeram explorar minuciosamente os dois andares do prédio.

Em uma das visitas, foi realizada uma oficina de fotografia que abordou,

além das noções básicas da máquina fotográfica, o olhar fotográfico, permitindo aos

alunos encontrarem uma forma de se expressar por meio da imagem. Nesse encontro,

o fotógrafo Rafael Jorge apresentou suas fotos e disse: "quando eu olho e penso em

apertar o botão da máquina fotográfica, foco e procuro sentir as sensações que a

imagem oferece. Porém, eu aprendi a fotografar, fotografando, por isso, sugiro que

fotografem o MIS". Assim, os alunos foram instigados a fotografar, realizando

enquadramentos que possibilitassem observar o museu a partir de seus pequenos

detalhes, de suas peculiaridades, de maneiras diferentes das habituais, a partir das

sensações que a imagem lhes oferecia. Percebeu-se que os alunos foram criteriosos

na escolha dos enquadramentos ao fotografarem o teto do museu, objetos antigos,

quadros, equipamentos fotográficos, evidenciando os detalhes, o que revela a busca

de uma sensação oferecida pela imagem obtida a partir, de um enquadramento,

resultado de um pensar intuitivo provocado pela busca não apenas de imagens, mas

também de sensações. Um dos meninos que participou do encontro fotografou uma

máquina fotográfica antiga, que estava atrás de um vidro, pois a foto permitia ver a sua

própria imagem refletida nele. O pensamento lógico-discursivo parece estar a serviço

do pensamento intuitivo na operação com a câmera, pois o ato de fotografar é

motivado pela sensação prazerosa do reflexo e não apenas pelo desejo de registrar e

mostrar o que é visto pelos olhos.

Lúcia, uma menina que participou desse encontro, fotografou uma caixa

de madeira com os escritos, "frágil e sonhos" porque para ela "as imagens são como

sonhos". Mas, a imagem da caixa foi tomada por outras dimensões para além de

querer dizer o que se pensa. A angulação da câmera emprestou um movimento

crescente de baixo para cima pela deformação própria da perspectiva. O acento da

imagem não está apenas no que foi “dito”, mas como foi “dito”. Buscar sensações é

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algo estranho à escola, pois conecta variáveis minoritárias da realidade escolar,

práticas não habituais no cotidiano escolar.

E, claro, a ida ao MIS possibilitou assistir aos filmes selecionados para

Mostra de Cinema Estudantil organizado pelas Secretaria da Educação e da Cultura.

Esses encontros foram muito gratificantes e permitiram aprendizagens

diversas para todos os envolvidos, possibilitaram que se aprendesse por alteridade,

percorrendo outros territórios, flanando por outros espaços e tempos.

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Fotografias realizadas no MIS.

Fonte: Acervo da pesquisa (2012)

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6- A potência do gesto de criação

No ato de criar, emergem as tensões, algumas relacionadas à própria

organização escolar (excesso de burocracia para realizar atividades, a questão do

permitido e do proibido, resistências a iniciativas não convencionais de ensino e

aprendizagem, entre outros). Outras, relacionadas ao próprio ato de criar, que coloca o

criador diante de questionamentos a respeito dos valores. Uma criação nasce de uma

experiência provocadora, pois ao mesmo tempo em que se inventa, transforma

também aquele que inventa. A invenção oferece deslocamentos e escolhas que se

descobrem no próprio percurso.

Entrementes, qual a potência do gesto de criação? Como se

desencadearia a potência do gesto de criação? Pode o cinema na escola apresentar-

se como este gesto? Quais os dispositivos necessários para desenvolvê-lo? Como se

processaria a participação do aluno e quais seriam os reflexos dessa intervenção no

processo de aprendizagem dos alunos? A criação cinematográfica no âmbito escolar

teria força suficiente para mudar a maneira de pensar e de agir do aluno e do

professor? Se sim, como se expressaria?

Essas inquietações, dúvidas e tensões foram inerentes ao trabalho. A

criação com as imagens surge a partir de um desejo de criar novos modos de

existência. Identificado esse desejo, surgem ideias que fazem emergir os gestos de

criação sobre os seres, as coisas, o mundo. Trata-se, portanto, de um exercício não

somente em que os sujeitos se expressam, mas da possibilidade de que as coisas

também possam se expressar. Elementos aparentemente dispersos podem se

encontrar, se afastar e ainda assim vislumbrar novos olhares.

Uma vez que se é atravessado por acontecimentos múltiplos, um gesto

de criação pode aglutinar uma complexa rede de pensamentos, de sentimentos e de

sensações, de forma a se entrelaçarem ideias, desejos, paixões e sensações que

aguçam a sensibilidade, não apenas do ver e do ouvir, mas que outros elementos

sensoriais como o quase olfato, o quase tato e o quase paladar também estejam

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presentes. Por isso, na captura das imagens, todos esses elementos aparecem nas

três operações mentais apontadas por Bergala (eleição, disposição e ataque) e as

influenciam. Ou seja, na captura das imagens, são feitas escolhas, posiciona-se o

foco/olhar e tomam-se decisões, em interação múltipla de pensamentos, sentimentos e

sensações.

Ao analisar os registros do caderno de campo sobre a captura das

imagens, constata-se que houve uma preocupação dos alunos com relação ao

processo de criação nas três operações, tanto em relação à eleição, como à disposição

e ao ataque. Pode-se perceber que, muitas vezes, elas estão inter-relacionadas ao

longo do processo. Essa preocupação pode ser vista através de inúmeros vestígios

que revelam o cuidado dos alunos com o criar. Às vezes, nota-se que são apenas

germes da criação, todavia, foram estes vestígios e germes que impulsionaram o criar.

Na situação das filmagens do Andarilho, já comentada e agora retomada

sob outra perspectiva, o aluno Pedro, sensibilizado pela história do morador de rua,

conhecido como Andarilho, que, todas as tardes buscava latinhas no portão da escola

para vender na cooperativa de reciclagem do bairro, escolheu fazer um filme sobre o

mesmo. Os colegas da equipe de Pedro, uma vez também sensibilizados, dispuseram-

se e se organizar para então colocar a ideia em prática. Primeiramente, conversaram

com o Andarilho sobre o desejo e a disposição e solicitaram sua autorização para

iniciar as filmagens.

Foi conversado também com a direção da escola e com os pais dos

alunos envolvidos, sobre a proposta de fazer um filme sobre o Andarilho do bairro. A

equipe de Pedro, movida pelo mesmo desejo, foi ao lugar onde o Andarilho

costumeiramente ficava com o intuito de fazer uma visita informal e conhecer de perto

o local. Estavam todos animados para realizar as filmagens, porém, o

Andarilho desapareceu. Foi procurado pelo bairro, mas não conseguiram encontrá-lo.

Os alunos estavam desconsolados e não conseguiam esquecer o homem, agora

considerado um amigo. Então, Pedro disse: "Eu não consigo esquecer a imagem, a

fala, os conselhos e o jeito dele. Tudo ficou grudado na minha cabeça e, por isso, eu

ainda continuo com a vontade de fazer o documentário". Ficaram todos espantados. A

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equipe de Pedro também tinha o desejo de continuar com as gravações. Então, mesmo

com a ausência do Andarilho, elaborou-se um roteiro de filmagem resultando

finalmente no filme-ensaio "Um amigo".

Na experiência com a equipe de Pedro percebeu-se que, embora o gesto

de criação tenha sentido somente para quem o faz, esse gesto pode multiplicar-se e

envolver outros. A ideia original de Pedro, ou seja, a escolha em filmar o Andarilho,

envolveu os integrantes da equipe e, conforme os acontecimentos ocorriam,

pensamentos, sensações e sentimentos se entrelaçavam, levando a buscas de

alternativas que possibilitassem a concretização da ideia original.

No processo de criação da equipe de Pedro, o gesto de criação resultou

de um movimento no interior do processo criativo. Durante a intervenção, verifica-se

que, enquanto criava-se, aconteciam fenômenos múltiplos: a ausência do Andarilho, a

frustração dos alunos, a busca de outras ações que pudessem enfim concretizar o

desejo inicial. Assim, procedeu-se um movimento de operações simultâneas, mutáveis,

mutantes. Portanto, diante da impossibilidade de concretizar o filme, novas escolhas

tiveram que ser feitas.

Compreende-se, assim que a criação requer um conjunto de elementos e

de operações caracterizado como uma série de ideias que ocorrem paralela e

simultaneamente no transcorrer da criação, procedimentos mentais necessários antes

de suas operações técnicas. Durante a criação, há uma relação tensa entre limite (a

ausência do Andarilho) e liberdade (a busca de outras possibilidades) que induzem a

utilizar a matéria necessária para a concretização de uma ideia. Os limites interpostos

podem assim se movimentar pela necessidade e pelo desejo em concretizar uma ideia

a partir da liberdade da criação. Foi o que a equipe de Pedro vivenciou.

Outro gesto de criação encontrado durante a experimentação tratava de

transportar-se para novos modos, novas formas e novas configurações do mundo.

Elaboram-se, então, hipóteses sobre as coisas e o mundo. Nesse sentido, enquanto

realizavam-se as filmagens dos pássaros da escola, uma das alunas foi até o

bebedouro e imaginou que a torneira jorrando água poderia ser uma cachoeira. Decidiu

filmar a cena, ensaiando em um diferente tom de voz.

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Nesse ensaio, "Quedas", vê-se uma torneira jorrando água e ouve-se a

aluna dizer "cachoeira". Essa disjunção entre imagem (torneira pingando) e palavra

(cachoeira) assinala para a multiplicidade dos modos de criar para quantas forem as

possibilidades para as criações ou invenções segundo nossas escolhas pessoais.

Nota-se que, diante da imagem da água jorrando da torneira, a aluna traçou uma linha

de fuga reinventando a imagem e transpondo-a para a imagem de uma cachoeira, o

novo. Feita a escolha de filmar "A cachoeira", outras operações entram em jogo, a

disposição, o ataque. A aluna se esforça para convencer que a água jorrando era de

uma cachoeira. Dispõe a câmera a partir do alto e mostra: "olha, gente", a água caindo

no concreto, o qual constitui a "pedra da cachoeira", tateia a corrente da água que jorra

para expressar a ideia de que era a queda da água gelada de uma cachoeira, joga

folhas que são levadas pela "correnteza" da água e tateia também a pedra onde caem

a água e as folhas. Enfim, a aluna simula ações para criar a imagem de uma cachoeira

conforme sua visão de mundo "cachoeira: água gelada jorrando, levando folhas que

caem sobre as pedras". Quem vê pode se convencer que de fato estaria diante de uma

cachoeira. Ou, que a torneira pingando poderia provocar outras possibilidades,

transformando essas imagens em outras e transportando-se para outros mundos.

O processo de criação também se constitui em um processo de escolhas

de junção e disjunção de situações. No ensaio "Deriva-S", que se constitui de imagens

de alunos em um parque, com sobreposição de mapas, de palavras e de textos rápidos

com o objetivo de provocar estranhamentos e tensão para quem vê, busca-se articular

defeitos para transcender os sentidos e reinventar uma lógica poética e visual. Para a

construção desse ensaio, utilizaram-se hibridismos digitais, com ruídos e desvios da

imagem na imagem, realizando aproximações múltiplas e divergentes. Essa

experiência, que tinha o propósito de capturar imagens de um parque com mapas de

outro local, possibilitou derivas, junção e disjunção de situações produzindo linhas de

fuga para a obtenção do filme-ensaio com imagens deformadas, rasuradas, deslocadas

e descontraídas.

Em outra situação, uma menina queria filmar a aula de Educação Física,

porque para ela essas aulas proporcionavam os momentos mais legais da escola. A

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particularidade desse episódio foi a intensidade de luz ocasionada pelo sol, uma vez

que a quadra da escola não é coberta.

Nessa experimentação, pode-se constatar o gesto de criação a partir da

perspectiva da construção de um ideal de verdade artística. No ensaio "Brincar",

apresenta-se a cena de uma grande roda com um grupo de crianças correndo em volta

de outro grupo de crianças agachadas. No processo de captura da imagem, as alunas

comentam sobre a claridade da mesma e se a filmagem iria ficar boa, ao que uma

delas diz que achava que sim e que depois ficaria bom. Analisando esse fazer das

alunas, constata-se que a verdade artística para elas adveio da própria obra, ou seja,

do desejo delas de criar a cena do brincar, não se importando se a claridade da cena

incomodaria ou não a quem iria assistir. Isto porque o ato de criar é algo singular,

embora a compreensão do mesmo, por sua vez, deva ser no plural. Cada obra contém

a sua própria verdade, que se concretiza a partir das tramas da sua construção, sendo

este resultado de um processo vivenciado. Sendo assim, a verdade deve ser

relativizada, porque advém de uma criação peculiar e subjetiva. Uma verdade tem

sentido somente para quem a faz. Dessa forma, é algo singular.

Salienta-se também que os gestos de criação acontecem na medida em

que imagens do pensamento são experimentadas para a criação de um desejo. Dessa

forma, não pode-se precisar com absoluta certeza se a ideia original de fato se

concretizará, visto que no decorrer do processo de criação podem ocorrer imprevistos

podendo interferir no resultado final e alterar a ideia inicial.

Para a busca da ação, tentativas com acertos e erros podem ocorrer.

Todavia, cabe salientar que o erro, ao longo de todo o percurso, não pode ser

considerado simplesmente erro, mas pode ser visto como outra possibilidade, como

aconteceu na ocasião em que um dos alunos, incomodado com o lixo jogado no chão

na hora do intervalo, decidiu fazer uma filmagem sobre esse tema. Nesse filme-ensaio,

denominado “Chão”, curiosamente, pode-se constatar que tudo que deu errado foi o

que teve mais valor. A intenção do aluno era filmar o chão sujo, que muito o

incomodava, porém, ao enquadrar o chão, viu que não havia uma imagem em

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movimento, não havia uma ação no quadro. Assim, pediu à sua equipe de filmagem

que passasse na frente da filmadora com o objetivo de dar um movimento à cena.

O interessante neste ensaio foi a precariedade da cena, visto que esta

não apresenta a perfeição de uma produção, mas o que deveria ser feito. Para quem

assiste o ensaio, os vestígios imperfeitos da busca de um movimento para a imagem

chamam mais a atenção do que a cena propriamente dita. Vê-se no movimento de

dentro a tentativa de fazer outra coisa e, portanto, claramente os vestígios do gesto de

criação.

Outra observação sobre o gesto de criação refere-se ao modo como as

imagens são capturadas pelos alunos. Observa-se que muitas delas reproduziam

cenas com forte influência do estilo de filmes comerciais, veiculados na televisão,

revelando o aprisionamento do imaginário em uma cultura massificadora. Porém, ao

capturar uma imagem, existe a busca do gesto de criação. Pode-se citar a intenção de

se fazer um filme para apresentar na Mostra de Cinema Estudantil, realizada pela

Secretaria Municipal de Educação da cidade de Campinas, cujo tema seria "ações

cidadãs".

Um grupo de meninas decidiu fazer um roteiro baseado no seguinte

conflito: uma menina, deficiente visual, é derrubada por outra que estava com seu

grupo de amigas. Na cena seguinte, quem a derrubou cai e a menina deficiente visual,

mesmo sem ver, tenta ajudá-la. Logo após, percebe-se que se inicia uma amizade. No

final, a menina que escreveu o roteiro, deficiente visual de nascimento, deixa uma

mensagem para que as pessoas ajudem, quando necessário, as pessoas com

deficiência visual. Nesse ensaio, tem-se uma típica história linear (começo, meio e fim),

a dicotomia bem e mal, o bem vencendo e a finalização com uma mensagem sobre

ajudar as pessoas com deficiência visual. No depoimento sobre essa criação, a aluna

Petra, que é deficiente visual, diz: "Infelizmente, existem muitos obstáculos para os que

não veem, por isso precisamos dos olhos de quem vê. Eu fiquei muito feliz em poder

dizer no filme o que não tenho coragem de dizer pessoalmente para as pessoas".

As imagens desse ensaio, bem como outras imagens realizadas durante

a intervenção, fazem parte da cultura visual dos alunos e foi uma experiência única e

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singular para cada participante da intervenção. Essa experiência, apesar da forte

imitação dos filmes comerciais, explicita que o gesto de criação ocorre também pela

repetição, mas, por ser um ato singular, pode também produzir diferença.

Em relação ao Filme-ensaio "Vi Vendo" o fora do quadro ou o que não foi

filmado enriqueceu o que o foi filmado permitindo um debate sobre as imagens

gravadas e consequentemente estabeleceu uma relação de troca com os integrantes

da ação. Sem a possibilidade de estabelecer uma relação de troca, fica-se aprisionado

em si, não interagindo com o outro. Vale ressaltar que a criação no contexto escolar

são processos de aprendizagens e não somente a busca de um produto final.

Ainda pode-se dizer que o gesto de criação com as imagens não resulta

somente do olhar e gravar a realidade, visto que a câmera é cega. Ao gravar, somos

agenciados pelo ouvir e pelo ver. Nas imagens do filme-ensaio "Quer ver? Escuta",

realizado por uma aluna com deficiência visual, no qual se apresenta uma cena com

árvores ao fundo e, com um giro de câmera, apresenta-se a imagem e o som da água

descendo de um canal de concreto, observa-se que este ensaio foi agenciado

exclusivamente a partir da escuta do som da água, tendo em vista a impossibilidade de

criar a cena pela captura visual da imagem.

Outra situação de que nossos gestos são fruto do agenciamento pelo som

ocorreu no ensaio já comentado "Chão". Nota-se que a fala de quem filma incita os

colegas a entrarem em ação. Sendo assim, afirma-se que a vontade da fala aparece

também como gesto de criação. Salienta-se que o som, vozes e discurso, que

agenciaram o gesto de criação, foram elementos importantes para a intervenção. Para

Pasolini (1990), a análise linguística da palavra resulta de extrema importância

enquanto elemento constituinte dos signos. Segundo este autor, mais que qualquer

outro meio, o cinema é o mais próximo da “língua escrita da realidade”, devido à

interação entre diferentes linguagens, o que garante a máxima continuidade da

realidade. Sendo assim, o cinema deve ser analisado como um sistema complexo de

signos que interagem. Ou seja, expressa uma interação de imagens, cor, sons,

rumores e vozes.

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Ainda segundo Pasolini (1990, p. 126), “as primeiras lembranças da vida

são lembranças visuais”. Ele afirma que os objetos e os lugares nas suas primeiras

imagens condensavam, em torno de si, um mundo de lembranças que evocam

“discurso das coisas”, e que esse discurso enunciado pelas primeiras imagens é

“essencialmente pedagógico”, visto que elas ensinarão "num discurso inarticulado, fixo

e incontestável " sobre o lugar que se nasce, de onde se vem e a maneira como se

concebe a vida.

Então, o mundo das imagens, está permeado pelos discursos das

pessoas, do espaço e das coisas. Os gestos, bem como os discursos, são situações de

interações que possibilitam que se identifiquem e se compreendam as imagens. Sendo

assim, pode-se dizer que as múltiplas formas de fazer e expressar as imagens educam

o nosso olhar. Segundo Oliveira, as imagens “não só nos dizem de nosso mundo, mas

também nos educam a ler este mundo a partir delas” (2009, p. 20).

Já para Almeida (1994), a inteligibilidade de mundo advém pelas imagens

e, especialmente, pelas imagens e sons criados no cinema e na televisão. Sendo

assim, as interpretações e as experiências subjetivas das imagens evidenciam formas

de agir, de ver, compreender, de estar no mundo.

Analisar os gestos de criação possibilita observar o nascimento das

ideias, a formulação de hipóteses e o desenvolvimento de novas formas de sentir,

pensar, ver e ampliar a própria experiência. Permite descobrir a própria capacidade de

aprender e utilizar as forças criativas que existe em cada um, para abrir o campo da

percepção e o uso das sensações, destacando modos de criar sobre os

acontecimentos, possibilitando que singularidades também se expressem para além do

padrão hegemônico de pensar .

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7- As práticas exploratórias e suas transversalidades

As práticas exploratórias desenvolvidas partem do pressuposto de que

fazer cinema na escola é um processo que se opera por transversalidades. Para

Guattari (1964), o conceito de transversalidade11 prepara a definição do método

cartográfico em que o trabalho da análise é a um só tempo o de descrever, de intervir e

de criar efeitos-subjetividade.

Para Barros e Passos (2009, p. 27), “operar na transversalidade é

considerar esse plano em que a realidade toda se comunica. [...] A tecedura desse

plano não se faz de maneira só vertical ou horizontal, mas também transversalmente”.

Isto é, a comunicação se dá não apenas nas operações dos dois eixos hegemônicos

de organização do socius (o eixo vertical, em que se organiza a diferença

hierarquicamente, e o eixo horizontal, em que se organizam os iguais de maneira

corporativa). Na operação da organização hegemônica majoritária do socius, ocorre a

forma da conexão entre variáveis menores em oposição às variáveis maiores. Por

outro lado, há outra operação, transversal, que conecta devires minoritários, a

chamada operação transversal. Dessa forma, esses dois modos de operar, majoritário

e minoritário, dentro de um sistema de coordenadas, opera transversalmente e cria a

diferenciação do socius.

Nessa perspectiva, será possível articular os diferentes saberes, incluindo

o científico, o popular, os pessoais e os de preocupação social. Sendo assim,

abandona-se o disjuntivo "ou" e adota-se o conjuntivo "e" nos pensamentos e ações da

intervenção.

Para tal, o plano da experiência com as imagens leva a pensar sobre as

reverberações que estas trazem e possibilita inventar, criar deslocamentos e expandir

11

Guattari (1964), propõe o conceito de transversalidade para problematizar os limites do setting clínico, definindo esse conceito como um aumento dos quanta comunicacionais intra e intergrupos em uma instituição.

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sentidos. Trata-se de explorar múltiplas possibilidades e fazer disso um conjunto de

práticas que levantem hipóteses sobre o mundo, permitindo tomadas de decisões.

Esse mergulho nas experiências com as imagens permite que

descobertas, criações e invenções sejam incorporadas ao cotidiano do fazer

pedagógico e didático, possibilitando novas práticas pedagógicas.

O cinema toca pelo afeto. Segundo Oliveira (2005) há tensões e

sobressaltos, negações e tédios, vazios de sentidos que também permeiam o estar

diante da tela em que apresentam-se luzes, sombras e cores, as quais chegam como

formas, sentidos e afetos... o espectador é afetado e, por isso o cinema permite olhares

diferenciados e diversificados para as coisas do mundo, possibilita o surgimento de

espaços e tempos para que se possa negar a si mesmo e inspirar novas maneiras de

ver, ouvir e sentir.

Gallo (2000) afirma que educação não deve se limitar à transmissão de

conhecimentos e informações, uma vez que isso não garante um relacionamento pleno

e autêntico com a realidade nem uma postura crítica frente à vida e à sociedade. A

formação do aluno jamais acontecerá pela assimilação de discursos, mas por um

processo micro social em que este é levado a assumir posturas de liberdade, respeito e

responsabilidade, ao mesmo tempo em que percebe estas práticas nas pessoas com

as quais se relaciona.

Ainda segundo Gallo, pode-se apontar a proposta dos filósofos franceses

Gilles Deleuze e Felix Guattari para compreender esse processo. O conceito de rizoma

é apresentado como um tipo de caule que se ramifica formando inúmeras raízes

emaranhadas que se entrelaçam em um conjunto complexo no qual todos os

elementos se remetem uns aos outros e também para fora do próprio conjunto. Esse

conjunto, paradigma rizomático, é regido por seis princípios básicos: princípio de

conexão, de heterogeneidade, de multiplicidade, de ruptura a-significante, de

cartografia, de decalcomania. No paradigma rizomático, pode-se considerar que

existem múltiplas possibilidades de conexões, aproximações, cortes, percepções,

permitindo um trânsito entre os inúmeros campos do saber, ou seja, permitindo

conexões em vários sentidos, sem hierarquizações e sem direção predefinidas.

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Neste paradigma, conexões possibilitam um exercício do pensamento

com movimentos, paradas, acelerações, recuos e outros movimentos. A intervenção

com o cinema ativou e impregnou a escola, possibilitando transitar por novos jeitos de

ser e estar no mundo. Nessa perspectiva, a aprendizagem também é favorecida pelas

conexões e múltiplas variáveis, na medida em que possibilita que qualquer ponto pode

ser ou estar conectado a qualquer outro, criando novos estímulos e novos arranjos no

ambiente escolar.

Enquanto pesquisa-intervenção, pretendeu-se expressar o desejo de criar

algo diferente para a prática escolar, que alterasse a hierarquia hegemônica,

fundamentada nos eixos vertical e horizontal, fazendo emergir expressões singulares,

pessoais, um mundo heterogêneo operando na transversalidade.

A intervenção está aberta à multiplicidade de visões, por isso a aposta na

potência do plano de experimentação, em que se dará a oportunidade para que todos

se expressem. Tal escolha acontece em um campo preparado e receptivo para as

discussões e à criação, envolvendo alunos pela perspectiva da abertura ao diálogo e

trocas de experiências.

A criação envolve passar por situações que apontam linhas de fuga para

possibilitar novos percursos e devires. Sendo assim, a criação está sujeita a novas

direções, desvios necessários para todo o processo, e, nesse percurso, deve-se

encontrar novas experiências que permitam outras aprendizagens.

O que se quer fazer e como se pode fazer se constrói sem a ideia de uma

diretriz curricular. Sendo assim, prefere-se lidar com a ideia transdisciplinar do

conhecimento, que propicie aprendizagens pautadas por caminhos da criação e da

invenção.

Segue-se em busca de outras formas de olhar e ouvir os alunos no fluxo

de suas experiências de vida, deixando-se afetar pelos encontros produzidos na

escola, permitindo a proliferação de composições, de sentidos e territórios.

Com o propósito de estabelecer um encontro entre a Educação e o

Cinema como Arte na Escola, objetivou-se articular a prática escolar com as práticas

socioculturais do ver, do criar e do inventar filmes. Articulações chamadas de Práticas

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Exploratórias. Desde o início da pesquisa, foram propostas intervenções que

possibilitassem vivências com a Arte Cinematográfica, baseando-se numa constante

alteração entre o ver, o explorar, o experimentar, o criar, o inventar e o aprender com a

criação cinematográfica. Essas práticas exploratórias propiciaram encontros,

desencontros e desafios para explorar mundo(s).

O plano de experimentação referente à passagem do fazer foi analisado

apontando as propostas de Bergala (2008). Por sua vez, as práticas exploratórias,

objeto de análise neste capítulo, constituem-se em uma intervenção que propôs

colocar os alunos em situações que pudessem pôr em movimento seus pensamentos,

percepções e visões de mundos na intensa busca de experimentar a arte

cinematográfica e, consequentemente, de explorar o mundo. Apesar dos pontos em

comum em relação aos planos de experimentação, o objetivo era entender o

movimento realizado pelos alunos ao experimentarem a arte cinematográfica em seus

desdobramentos.

Para que as práticas exploratórias se realizassem, muitos obstáculos

precisavam ser superados na escola, o que constituía uma constante tensão durante a

pesquisa. Dentre os desafios, um dos principais era ter espaço e tempo que

permitissem a intervenção com filmes. Para tanto, seria preciso conseguir a permissão

da direção escolar para disponibilizar um local, um ateliê para desenvolvimento das

atividades, ou mesmo autorização para utilizar os diferentes espaços da escola, sem

precisar justificar as razões do desenvolvimento das atividades fora do ambiente

habitual da sala de aula.

Além de superar as limitações organizacionais, também era necessário

transpor os lugares comuns arraigados de que os filmes são vistos na escola apenas

para reforçar um conteúdo escolar. Acrescenta-se ainda o desafio de inicialmente criar

imagens sem se utilizar da escrita. Segundo Lévy apud Gallo:

As tecnologias intelectuais desempenham um papel fundamental nos processos cognitivos, mesmo nos mais cotidianos; para perceber isto, basta pensar no lugar ocupado pela escrita nas sociedades desenvolvidas contemporâneas. Estas tecnologias estruturam profundamente nosso uso das faculdades de percepção, de manipulação e de imaginação (LÉVY apud GALLO, 1995, p.228).

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A escrita tende a dominar as práticas escolares. O conhecimento está

preponderantemente escrito e sua transmissão se faz por seu intermédio.

Tradicionalmente, as disciplinas usam a escrita, mas para trabalhar com a criação

cinematográfica seria necessário libertar-se deste modelo. Ao menos em um primeiro

momento, é necessário pensar através e com as imagens.

Esses desafios agenciam a presença das imagens no ambiente escolar

provocando atritos que permitem operar na transversalidade, um dos objetivos desta

pesquisa-intervenção. Como afirmam Passos e Barros (2009):

[...] A natureza política do método cartográfico diz respeito ao modo como se intervém sobre a operação de organização da realidade a partir dos eixos horizontal e vertical. Grosso modo, podemos dizer que a operação de organização hegemônica / majoritária do socius se dá na forma da conexão entre variáveis menores em oposição às variáveis maiores. Por outro lado, há outra operação, dita operação transversal, que conecta devires minoritários. Esses dois modos de operar (majoritário e minoritário) podem ser pensados a partir da distinção entre um sistema de coordenadas que organizam a realidade segundo um metro-padrão e uma operação de transversalidade que cria a diferenciação do socius (PASSOS e BARROS, 2009, p.28).

Ainda, segundo Passos e Barros (2009), a operação de organização

hegemônica do socius se faz pela oposição entre eixos vertical e horizontal

(coordenadas hegemônicas), realizando um sistema de rebatimento e superposição

das variáveis maiores para a constituição de um metro-padrão que equalize a

realidade. Pode-se fazer o exercício de pensar a escola de Educação Básica segundo

esta sistematização. Na escola, há uma equivalência funcional entre hierarquia,

competição, repetição, pensamento lógico-discursivo, rotina, certezas, nivelamento,

constituindo as variáveis maiores (dispositivos do eixo vertical) que se rebatem umas

sobre as outras, gerando uma existência ideal em oposição à qual se definem

autonomia, colaboração, criação, pensamento intuitivo, eventualidade, o acidental,

constituindo as variáveis menores (dispositivos do eixo horizontal).

Realiza-se assim uma operação que hierarquiza, opondo as diferenças, e

as homogeneíza, seja pela criação de um ideal pelo rebatimento das variáveis maiores

entre si, seja pela identificação e sujeição dos diferentes sobre o ideal (autonomia

submetida à hierarquia, cooperação para aprimorar desempenho em exames

competitivos, delimitação da criação de modelos, pensamento intuitivo restrito à

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validação da lógica formal). Eventualidades são exceções da rotina, dúvidas são

restritas aos conteúdos, o acidental deve ser evitado pelo nivelamento.

Este exercício permite ver que fragmentos do socius da escola (variáveis)

podem se conectar provocando desarranjos no sistema de organização da realidade.

Neste caso, segundo Passos e Barros (2009) as variáveis menores se tornam um meio

de um devir minoritário dotado de potência de diferenciação.

Os desafios na escola de Educação Básica, a organização espaço-

temporal da escola, a centralidade da escrita (e, por conseguinte, do pensamento

lógico-discursivo) e a imagem subsidiária de conteúdos curriculares constituem-se e

perpetuam-se pela operação de um sistema que cria o quadrante através dos eixos

vertical (variáveis maiores) e horizontal (variáveis menores). As práticas exploratórias

foram tentativas de proporcionar conexões de desarranjos em busca de

"trans"formações, e colocar as imagens em lugar de destaque na aprendizagem

operando de maneira transversal.

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7. 1 Práticas exploratórias do ver filmes

As práticas do ver referem-se a uma das passagens sugerida por Bergala.

Essa prática inicia-se com a própria história do cinema de esculpir com a luz imagens

em movimento apresentando cinco vídeos da série dos irmãos Lumière, realizados em

1895, com imagens em preto e branco. Depois, foram apresentados três vídeos,

produzidos, atualmente, na mesma perspectiva dos irmãos Lumière, com a câmera

estática.

Durante a mostra da série de imagens dos Lumière, a cada filme

apresentado, os alunos observaram e descreveram oralmente, em detalhes, o que

haviam visto. "Que legal, estavam todos vestidos com roupas de antigamente para as

filmagens", observou Eduardo. "Não, essas eram as roupas que eles usavam mesmo",

contra argumentou José. "Parece que todos os homens tinham bigode" complementou

Roberto. "Volta o filme, eu vi um fantasma nas filmagens", notou Elaine; "Não! era um

homem abrindo a janela mesmo" refutou Jorge. Das descrições relatadas, observa-se

que as mesmas são extremamente minuciosas, denotando a capacidade de percepção

do ver, de comparar, do relacionar, enfim da inter-relação das imagens.

Ver o filme "A chegada de um trem à estação de La Ciotat" permitiu que

eles percebessem que filmar requer pensar as imagens em movimento e a existência

de imagens enquadradas ou que estejam fora do enquadramento. Isto é, perceberam

que o enquadramento escolhido pelo cineasta tinha, além das ações da cena, a

possibilidade de se pensar o que acontecia fora do campo/enquadramento. Para

Sandra, "quem filmou, simplesmente, esperava o trem". Já para Eduardo, "quem filmou

escolheu a melhor posição para gravar a chegada do trem". Por sua vez, para Norma,

"parece que tudo foi pensado antes de gravar". É curioso constatar também que os

alunos perceberam que os enquadramentos precisam ser pensados de forma que

possibilitem ter imagens em movimento, o que mostra a necessidade de se fazer

escolhas que apresentem uma ação. No Filme "The Play", que apresenta três

jogadores em uma mesa de um bar jogando baralho e um garçom, Sandra comenta

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que "existe o movimento das mãos mexendo nas cartas do baralho e também a ação

da entrada e saída do garçom".

Nas práticas exploratórias do ver, também assiste-se às produções dos

alunos. Nessas práticas, assistiu-se a diferentes imagens do mundo dos alunos: Aulas

de Educação Física, Chão da Escola, Intervalo das Aulas, Cozinha da Escola, dentre

outras. Ao analisar a exibição das imagens, percebe-se que os alunos observaram

atentamente as imagens cinematográficas projetadas na tela. Após a exibição dos

filmes, faziam a decoupage fílmica. Isto é, nesse momento, olhava-se o material

produzido e lhes era solicitado que anotassem as ações e objetos de cada filme. Na

escrita, solicitava-se que escrevessem do jeito mais rápido possível, e, quem quisesse,

poderia assistir novamente aos filmes. Salientava-se que o importante era a percepção

dos detalhes das cenas. Essa prática permitiu que os alunos percebessem que, em

apenas um minuto de filmagem, podia-se ver muita coisa. Eles observavam que cada

plano filmado é um trecho de um filme e compreenderam que existe o primeiro plano e

o segundo plano (ou plano de fundo), a possibilidade da disjunção de imagens e a

quebra do enquadramento central delas.

Nesse movimento de ver e rever as imagens, os alunos notaram que uma

menina da equipe optou por filmar a cozinha da escola, pois queria mostrar para os

colegas o que tem dentro dela, visto que os alunos tem acesso somente ao refeitório e

não podem ultrapassar seus limites. A menina, decidida a filmá-la em seu interior,

pediu permissão para a diretora e para a chefe da cozinha para captar as imagens.

Elas se mostraram espantadas com o pedido, mas com o argumento que se queria

mostrar o que está sempre escondido, concordaram que se realizassem as filmagens.

Ao entrar na cozinha, a aluna mostrou deslumbramento e queria filmar de forma a

mostrar mais de um detalhe. Por isso, pensou em um enquadramento em que fosse

possível ver dois acontecimentos dentro da cena: no primeiro plano, uma merendeira

lavando uma grande panela e, no segundo, outra lavando pratos. Os alunos ficaram

entusiasmados com esse tipo de enquadramento e queriam fazer novas

experimentações de planos e ângulos. Neste movimento, copiar e compartilhar são

variáveis que se combinam (para um - num) gesto criativo, não se pode dizer que um

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aprende com a experiência do outro, mas pode-se dizer que se aprende na experiência

do outro. A produção de cada aluno constrói um movimento cooperativo, mesmo com a

presença do espírito competitivo que cada um traz de sua experiência social.

Nas práticas exploratórias do ver, assistiu-se também ao filme

documentário "Edifício Master", do cineasta Eduardo Coutinho, que se constitui em

entrevistas com moradores do edifício que dá nome ao filme. Nesse documentário,

cada morador conta um pouco da sua história de vida. Realizou-se, a seguir, uma roda

de conversa sobre o filme e sobre como poderia ser realizado um documentário com

entrevistas na escola. Assim, os alunos entrevistaram a merendeira com o propósito

de conhecer o ponto de vista dela a respeito do funcionamento do refeitório. Apesar

das dificuldades encontradas para elaborar as perguntas e filmar a entrevista, percebe-

se, mesmo de forma simples, os cuidados que os alunos tiveram com a filmagem: a

escolha das perguntas, o posicionamento e desenvoltura da aluna diante da câmera, o

tempo reservado para as respostas da entrevistada, revelando certo preparo para

realização da filmagem. Sendo assim, diferentes aprendizagens podem ser

constatadas como: hipótese sobre uma entrevista no cinema, uso da linguagem em

relação ao contexto e o próprio propósito da entrevista. Experimentando documentar,

os alunos puderam entender o documentário de Eduardo Coutinho, como também,

outra dimensão da arte cinematográfica na escola, a pluralidade de singularidades que

atravessam a produção de uma obra, bem como a suposta objetividade da câmera,

que registra a realidade e pode ser colocada em cheque na experiência de produzir

este “registro”. Verificou-se também, as diversas opiniões de como filmar, o que

perguntar e as formas de interagir com a merendeira, revelando dúvidas sob as

certezas dos alunos sobre o documentar. A isso soma-se a aceitação de que cada um

tem uma concepção diferente sobre uma produção, o que provocou atritos entre os

alunos, justamente pela determinação de que uma obra deveria ser “coletiva”. Porém, é

justamente este atrito que faz emergir o eventual, o acidental e a intuição na rotina de

uma produção previamente planejada.

Ainda nas práticas exploratórias do ver, com o intuito de pensar as

edições das imagens e entender as possibilidades de montagem de um filme, um dos

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filmes escolhidos foi "Efeito Kuleshov", do cineasta Lev Vladimirovich Kuleshov, que

consiste na edição de vídeo na qual o cineasta apresenta um mesmo rosto

intercalando imagens que mudam o significado que o espectador atribui ao rosto: prato

de sopa, criança dentro de um caixão e, em seguida, uma mulher num sofá. Esperava-

se que os alunos percebessem que a impressão que o espectador tem do rosto,

exibido entre as apresentações dessas três imagens, seja diferente apesar de ser o

mesmo. Kuleshov trabalha com o efeito da montagem na significação que o espectador

constrói para si mesmo. Norma, seduzida pelo efeito da montagem, interpretou que o

rosto do homem apresentado "chorou, riu" conforme a cena. Mas, para Eduardo, "O

rosto do homem não se alterou". A repetição das imagens gera um gesto criativo

através da conversa sobre o filme.

Com o mesmo intuito, foi-lhes apresentado outro curta-metragem, "Ilha

das flores", de Jorge Furtado, cuja edição foi feita a partir de cortes abruptos das

imagens, inserção de efeitos sonoros e visuais que possibilitaram aos alunos entender

outra forma de editar um filme. Para Elaine, "apesar de ter imagens que passam

rapidamente, eu consegui ver o caminho que o tomate percorreu do campo até o lixo".

Assistiu-se, também, à Aula Multimídia - Kdenlive, tutorial para edição do

Software Livre do sistema Linux, como forma de introduzir os alunos no programa de

edição disponível nos computadores das escolas municipais de Campinas. Pedro, ao

ver o tutorial, disse: "parece fácil fazer uma edição, mas fazer uma edição é difícil".

Para Jorge, o vídeo foi bem explicativo e sugeriu: "quando formos fazer a edição,

damos pause no vídeo e fazemos igual". Mas este igual não é igual no sentido da

repetição, pois os modelos estarão a serviço de um gesto criativo mobilizado pelos

desejos de criar uma obra autoral. Diante da tecnologia, a aprendizagem de modelos

com a finalidade de criação serve a um movimento de autonomia e não de obediência.

Salienta-se que pensar o cinema na escola não é propor um único caminho possível,

mas propor que o ato de ver seja estético e político.

Nessa perspectiva estética e política, se configuram práticas do ver que

contemplam o cumprimento da Lei n° 13.006, de autoria do Senador Cristóvão

Buarque, publicada no Diário da União, em 27 de junho de 2014, que cita: "a exibição

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de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar

integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no

mínimo, 2 (duas) horas mensais".

Apesar da a Lei 13.006 obrigar a exibição dos filmes brasileiros nas

escolas, pode-se reafirmar a aprendizagem com o cinema não somente na perspectiva

de cumpri-la, mas em uma proposta que permita o movimento de autonomia,

considerando necessário, conforme Teixeira e Soares:

[...] despertá-los para o fascínio de sua magia, combatendo todas as formas de massificação de narrativas, contra todo o colonialismo de qualquer sistema de signos que se procure impor (TEIXEIRA & SOARES, 2003, p.14).

Sendo assim, a abordagem do cinema na escola não fica aprisionada ao

mero cumprimento da lei. A escola pode resistir à submissão passiva do seu fazer

político-pedagógico e criar espaços que favoreçam o aluno a pensar, a debater e a

criar.

7. 2 Práticas exploratórias de enquadramento

As práticas exploratórias de enquadrar iniciaram-se com exercícios de

enquadramento, utilizando-se uma cartolina com um pequeno furo retangular como se

fosse o visor da câmera. Pediu-se para que os alunos enquadrassem algo da sala de

aula. Os exercícios de enquadramento possibilitam a eles perceberem que, mudando a

posição do “visor”, podem olhar um objeto de diferentes formas. Pois, olhar um objeto

torna-se ver um campo visual explicitamente demarcado. Realizaram enquadramentos

em diferentes ângulos: ora sentados, ora em pé, ora em cima da cadeira, ora

agachados no chão, ora de baixo para cima, ora de cima para baixo, entre outros. Essa

prática permitiu-lhes observar, explorar e experimentar diferentes formas de ver a

escola, realizando enquadramentos de objetos que passavam despercebidos na rotina

escolar. Mas, conduzidos por um novo olhar, passam a perceber o que não lhes era

invisível até então.

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O ver na escola obedece a uma rígida hierarquia que naturaliza o olhar.

Ver é uma ação subjugada ao processo de classificação do que é importante e

adequado para o nível em que cada um está. O olhar é reprimido em sua subjetividade

e o ver, destituído do valor de observação. Explorar imagens enquadradas conecta o

olhar através da câmera, procedimento cinematográfico. Por outro lado, as práticas

científicas de conhecimento realizam uma criação consciente da distância entre o eu e

o mundo exterior.

Enquadramentos.

Fonte: Acervo da pesquisa (2012)

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7.3 Práticas exploratórias de filmagens

Essa prática iniciou-se como uma experimentação. Num primeiro

momento, os alunos foram contaminados pelo desejo de mexer na câmera e realizar

alguma filmagem. Um deles, então, filmou o colega que abre e fecha uma pesada porta

do laboratório de ciências da escola. Na eventual e acidental proposta dentro do

projeto, filmar envolveu enquadramento de uma imagem em movimento para a

composição de uma cena. Um bom ponto de partida para um trabalho que se preocupa

com as variáveis minoritárias que constituem a equalização da realidade escolar. Pré-

requisitos, ordenamentos lógicos e sequenciados de ensino dizem respeito às variáveis

maiores de nivelamento que agenciam a escola. A questão não é se foi uma boa

escolha ou não começar com esta filmagem, mas se este foi um bom encontro ou não.

Porém, foi um bom encontro.

Após essa experiência, seguiram-se as práticas exploratórias do Minuto

Lumière, durante as quais foram diversas as percepções e os comentários sobre as

filmagens. Durante estas, os alunos perceberam que é preciso experimentar diferentes

ângulos e enquadramentos para realizar as filmagens que haviam imaginado. Alguns

perceberam que suas filmagens estavam muito claras ou que o som não estava

audível. Então, refizeram suas experiências utilizando diferentes formas de usar a luz e

o som durante as filmagens. Hipóteses de filmagem conectam processos mentais e

emocionais de desenvolvimento e aprendizagem. Os estudos de alfabetização e

letramento já se encontram bem avançados em relação à estrita e à leitura. Este

trabalho não tem por objetivo abordar este aspecto, no entanto, vale o registro do

conceito de hipótese para a linguagem do cinema. Inferiu-se, a partir das falas que

acompanham as atividades de gravação dos Minutos Lumière, que os movimentos nos

alunos sugerem a possibilidade de investigações sobre a aprendizagem da percepção

dos sentidos. Será que seria possível falar em hipóteses de visão? E, se isso é válido,

poderiam estender para hipóteses de audição, tato, paladar e olfato? Estas hipóteses

seriam, no atual momento de equalização da realidade escolar, variáveis menores

interessantes a serem exploradas.

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Essa primeira experiência possibilitou que os alunos realizassem a seguir

filmagens de três planos. Durante essa experimentação, constatou-se a curiosidade e

o interesse deles em descobrir e explorar outras formas de filmar. Por exemplo, no

ensaio “Pássaros”, a aluna Sandra, mostrando-se curiosa, disse: "Eu sempre quis

saber como seria voar como os pássaros. Tá, eu sei, eu não posso voar, mas eu

poderia filmar como um pássaro. Eu gosto muito dos pássaros". Nesse movimento de

experimentar diferentes formas de capturar as imagens, foram realizadas diferentes

experimentações com a câmera na mão e iniciou-se a conversa sobre como editar as

imagens.

Nessa prática, os alunos puderam explorar e experimentar outras

possibilidades de filmar. Para Sandra, "aprendi a gostar de filmar, filmando". Para

Marcelo, "filmar na escola me fez querer filmar embaixo do sol" em uma menção sobre

as ações de intervenção serem desenvolvidas fora da sala de aula. As filmagens

abriram outros caminhos, possibilitando mudanças nas práticas pedagógicas habituais

na escola.

"Chão" " Brincar"

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"Onde tudo acontece. Nada" "Dois olhares para a cozinha"

"Queda" "Um Amigo"

"Pássaros" " ViVendo"

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"Um dia de escola" "Deriva S"

"Quer ver? Escuta"

Imagens paralisadas dos filmes-ensaio disponível em http://escolaecinema.blogspot.com.br

Fonte: Acervo da pesquisa (2014)

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7.4 Práticas exploratórias de ver com olhos fechados

A presença de Petra, a aluna com deficiência visual que voluntariamente

quis fazer parte da intervenção com o cinema, como relatado anteriormente, foi um

encontro que proporcionou a ideia de uma prática exploratória diferente, uma prática

exploratória de ver com os olhos fechados. Os alunos se colocaram no lugar de uma

pessoa cega para explorar os sentidos sem a visão.

A inclusão de alunos deficientes na educação básica está em curso, mas

diversos obstáculos acumulam dificuldades destes em permanecer e desfrutar do que

a escola oferece. Um deles é o pensamento que opõe o normal ao deficiente. Forma

de pensar pré-conceitual. Nesta oposição, os alunos sofrem o agenciamento do

sistema que opera na constituição do metro-padrão que hierarquiza as diferenças e

que promove a identificação e sujeição dos “diferentes” do ideal. O ideal é ver. Ser

cego é ser diferente, por deficiência. Na oposição entre normal e deficiente, a diferença

se afirma como identificação de incapacidade, de "ser escolar inferior". Mas, no âmbito

das variáveis menores, do fazer cinema como arte na escola, ser cego é ser diferente.

Mas, existe o cinema e a fotografia feitos pelos cegos e deficientes. Existem fotografia

e cinema deficientes? O âmbito destas práticas sociais, interesse destes realizadores,

está nas diferenças que eles podem nos trazer e não na deficiência de suas obras. As

práticas de ver com os olhos fechados que traz situações de privação para quem

enxerga têm como objetivo pensar no que a cegueira traz de diferença ou de novo

para os que enxergam e não a identificação dos limites, das dificuldades e da

deficiência.

Na realização da prática de ver com os olhos fechados, o primeiro

momento constitui-se com todos os alunos com vendas nos olhos e, num segundo

momento, um aluno fica com os olhos vendados e o outro passa a guiá-lo. Após

terminar as atividades, as duplas irão inverter os papéis, isto é, quem foi guia passa a

ser guiado.

Realiza-se também outra atividade com vendas nos olhos para ouvir o

poema Elefante, de Carlos Drummond de Andrade, recitado pelo ator Paulo Autran.

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Após ouvirem o poema, os alunos sentam em duplas e apenas um componente ficou

com a venda nos olhos. Este tinha que responder para o colega a pergunta escrita no

quadro negro: o elefante do poema é mesmo um elefante, ou ele representa uma figura

ou alguma outra coisa? Após responderem, as duplas invertem os papéis. Nesta

atividade a aluna Petra diz: "pensem que o que vocês estão experimentando hoje eu

vivo todos os dias, mas, apesar de não enxergar, eu consigo fazer quase tudo o que

uma pessoa que vê faz".

Petra está agenciada pela operação de hierarquização. Sua preocupação

é se equiparar a quem é normal. Ela afirma ter os mesmo direitos por ser igual aos

“normais”. Seus vídeos, no entanto, revelam um sentimento de autopiedade, pois sua

preocupação é mostrar as dificuldades de que sofre na escola por ser cega. Seu apelo

por uma sociedade mais fraterna não é por ela ser igual, nem diferente, mas por ser

deficiente e injustiçada. Sua manifestação de superioridade e autossuficiência, apesar

de ser cega faz tudo o que os outros podem fazer, nasce da tensão criada quando os

colegas estão “cegos” e manifestam suas dificuldades. É quando ela afirma que vive

isso todos os dias. Talvez não tenha-se conseguido fazer ver a Petra sua dimensão de

ser diferente e não deficiente. Talvez Petra tenha sido mais importante para a

intervenção do que a intervenção para Petra, pois ela trouxe a possibilidade de pensar

a diferença a partir da deficiência.

Após essa primeira experiência, tem-se uma outra na sala de vídeo, onde

um componente da dupla continua com a venda e o outro será o guia do colega que

está com os olhos vendados. É importante lembrar que o guia deveria avisar e também

proteger o colega de riscos com a rampa, com a escada, com buracos ou objetos pelo

chão e avisá-lo onde tem paredes e portas. Na sala de vídeo, todos colocaram as

vendas para assistir Perfeito, a animação em curta-metragem com audiodescrição,

sobre um boneco de madeira tentando criar uma companhia perfeita.

Uma das meninas do grupo disse que no começo achou bem difícil ficar

com a venda nos olhos e que se sentia como se estivesse caindo em um buraco

grande. Mas, logo depois afirmou que se acostumou e ouviu com atenção o filme.

Outra menina disse que tinha ficado com tontura e muito medo, mas que Petra a

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tranquilizou e ela havia conseguido superá-los, embora não tivesse conseguido prestar

atenção nas falas do filme. Para um dos meninos do grupo, a experiência com a venda

nos olhos possibilitou perceber melhor o som do ambiente e disse que havia

conseguido visualizar o filme na sua cabeça. Porém, quando viu o filme sem a venda,

percebeu que o que havia imaginado era bem diferente do que havia visto e talvez por

isso preferia ficar com o filme que havia imaginado.

Petra contaminou o grupo de alunos ao afirmar sua diferença. Porém, ela

trouxe um modo de filmar diferente para seus colegas, filmar a partir dos sons do

ambiente. Além disso, a prática exploratória permitiu desenvolver experiências motoras

de andar explorando ambientes amplos ou estreitos, pisos lisos ou ásperos, frios ou

quentes, secos ou molhados. Também permitiu o uso do tato e toda a habilidade

auditiva, entre outras possibilidades.

Ações com vendas nos olhos

FONTE: Acervo da pesquisa (2012)

7.5 Práticas exploratórias de roteiro

As primeiras experiências de filmar foram realizadas sem um roteiro de

filmagem. Com a multiplicidade de ideias que surgiam, fez-se necessário a escrita de

roteiros, como maneira de indicar os caminhos das filmagens. Roteiro é uma peça

escrita que quer ser imagem, ou seja, fazem com que as palavras se tornem imagens.

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Porém, em uma filmagem, acontecimentos de todo tipo levam as capturas das imagens

em diferentes direções. Sendo assim, ressalta-se que, na elaboração de um filme, o

roteiro é um caminho para guiar as ações das filmagens.

Nessa perspectiva, os alunos idealizaram um roteiro dos encontros que

aconteciam ao pé de uma árvore no pátio da escola, para as capturas de imagens

sobre as fofocas, as brigas, os namoros, a pausa para o lanche ou o descanso.

Quando chegaram ao local, nada do previsto aconteceu. Improvisaram um roteiro

subindo na árvore, e percebendo, assim, durante as filmagens a importância do roteiro

como forma de organizar as ideias. Dependendo da situação ele pode ser seguido ou

não. Dessa forma, mesmo sem seguir o planejado, captaram as imagens e concluíram

o filme-ensaio: "Onde tudo acontece. Nada."

7.6 Práticas exploratórias de edição

Essa prática inicia-se com a visualização de filmes e com os alunos

revendo as imagens e discutindo como compô-las para fazer a edição de um filme. Ao

iniciar a edição, percebem que esse momento é de experimentação, visto que existem

diferentes possibilidades de composição. Como se pôde constatar, os alunos

conseguiram perceber que a edição de um filme inicia-se na cabeça, porque imagina-

se as cores, os cortes, o plano-sequência e, parafraseando Tarkovski, cineasta russo,

como esculpir o tempo.

Para a aluna Sandra, fazer a edição foi muito difícil: "eu não conseguia

escolher qual cena incluir, que imagem eu deveria excluir, quando faria o corte da

cena, trabalhar com som e imagem é muito difícil".

Realizar a primeira edição do filme com os alunos foi um grande desafio,

porque, além das dificuldades técnicas para usar o programa de edição do computador

da escola, eles tiveram dificuldade para escolher as cenas que iriam incluir ou excluir

no filme, além das dúvidas sobre qual seria a sequência das imagens. As dificuldades

encontradas na escolha das cenas demonstram a força da equalização da realidade

escolar que cria uma equivalência funcional entre as variáveis maiores gerando a

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existência de um ideal que homogeneíza as formas de pensar e sentimento pela

identificação e sujeição dos diferentes do ideal. Assim é que a autonomia é submetida

à hierarquia, a cooperação aprimora desempenho em exames competitivos, a criação é

delimitada a modelos, o pensamento intuitivo é restrito à validação da lógica formal,

eventualidades são exceções da rotina, dúvidas são restritas ao conteúdo e o acidental

deve ser evitado pelo nivelamento.

O início do trabalho de edição tem o peso de finalização de um projeto de

produção. Por se tratar de uma operação que envolve escolhas, exige um

amadurecimento da faculdade de discernimento. Viu-se que os alunos encontram

dificuldades em hierarquizar suas preferências (no uso da autonomia), em compartilhar

seus sentimentos (fazer uso da cooperação). O pensamento tem dificuldade em operar

com o acidental e com o eventual e o pensamento intuitivo na sua relação com os

aparelhos tecnológicos no ambiente escolar. Sem o certo e o errado que balizam o

nivelamento, a hierarquia e a rotina, as dúvidas obstruem a ação e a criação.

Todavia, nas edições seguintes, os alunos passaram a dominar com

tranquilidade o programa de edição. Por um lado, editar imagens se trata de uma

prática cultural que, cada vez mais, faz parte da sociedade atual tendo em vista as

facilidades oferecidas pelas novas tecnologias digitais. Por outro lado, os alunos

passaram a editar com mais facilidade devido à possibilidade de desenvolver ações

pedagógicas que operam na transversalidade, o que possibilita o desenvolvimento da

autonomia do aluno, além do interesse despertado nos alunos.

7.7 Outras Práticas As práticas exploratórias foram marcadas pela liberdade de criar e

inventar, dirigindo-se cada vez mais além, permitindo que o ato de filmar mudasse o

foco do olhar e, consequentemente, mudasse o tema das filmagens. Foram-se

impondo outros olhares, fortalecendo ações exploratórias, que saltaram os limites da

escola; foram-se propondo vídeos realizados fora do contexto escolar e vídeos

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realizados com aparelhos celulares. Ressalta-se que o uso de celular é proibido dentro

escola, de acordo com a Lei municipal Nº 13.954, de 24 de novembro de 2010. É

importante salientar que o uso de dispositivos "proibidos" faz com que os alunos

capturem imagens que provoquem deslocamentos em relação aos modos costumeiros

de se fazer imagens. Esses deslocamentos fazem com que as imagens sejam

"errantes". Porém, pensa-se que a proibição impede a autonomia dos alunos e, com o

objetivo de dar oportunidade à livre captação das imagens, foi solicitado à direção, aos

pais e responsáveis dos alunos autorização para o uso livre do celular durante a

intervenção.

Nesse movimento, foi criado um cenário favorável para adoção efetiva

desse dispositivo móvel nas escolas. Como exemplo, pode-se citar a produção de

imagens feitas pelos alunos durante a pesquisa-intervenção. Como exemplos dessas

situações errantes, os alunos filmaram diferentes cenas, como meninos dançando; uso

do celular, aparelho proibido no contexto escolar; filmagens com situações engraçadas

ou ridículas para si ou para os outros assistirem. Dentre as diferentes cenas filmadas,

duas de performance dos alunos chamaram a atenção dos integrantes da intervenção.

Um foi da dança do "Harlem Shake"12 e, a outra, ao serem vistos pela diretora da

escola, simularam uma demonstração de ordem para sair da sala de aula, onde

estavam. Tais imagens apresentam uma experiência estética, mas também política por

questionar a norma vigente.

Outras experiências se sucederam, nas quais os alunos de forma

autônoma e independe passaram a fazer outras filmagens a partir de seu interesse em

filmar dentro e mesmos fora dos muros da escola. As práticas exploratórias de filmar

na escola "trans"formavam o foco do olhar e, consequentemente, mudavam o tema das

filmagens, impondo outros olhares. A intervenção com o cinema na escola fortaleceu

práticas exploratórias que começavam a saltar os limites da escola.

12

Harlem Shake, hit da Internet que obteve grande número de acessos em Fevereiro de 2013 (Shake em inglês

significa se requebrar).

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Imagens paralisadas dos vídeos errantes disponível em http://escolaecinema.blogspot.com.br

Fonte: Acervo da pesquisa (2014)

7.8 Para além das práticas exploratórias

Buscas de forma sensível de olhar o fazer-saber e o saber-fazer na

escola, considerando o outro como ponto de partida para a troca de experiências e

ideias. Ninguém é igual a ninguém, cada pessoa é um ser único que se constitui pelas

marcas que imprime nas suas ações, nos seus pensamentos e no seu modo de viver

na relação com o outro. Confronta-se com a parcialidade, com a falta, mas, por outro

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lado, com a incompletude que resta. Ao invés de mal estar, deixa a alegria das

imagens do outro.

Assim, a cada nova experiência um pouco de cada um e um pouco dos

outros permanece em cada sujeito. Dos encontros realizados nunca se volta da mesma

maneira, porque proporcionaram um movimento novo, como um filme que provoca

experiências de alteridade. Ou seja, como um “outro” que instiga e provoca

experiências ampliando outros olhares. A partir destas aproximações, arriscar

conjuntamente com meninos e meninas uma experiência que não se sabia como fazer,

no entanto, descobriu-se, juntos, que o cinema na escola não requer conhecimentos

prévios, mas o desejo da descoberta.

Nessa descoberta, os verbos transmitir ou ensinar são trocados pelos

verbos impregnar, contagiar, contaminar, possibilitando situações em que o professor

corre os mesmos riscos dos alunos. Assim, inverte‐se a ordem das coisas, pois se

ultrapassa a explicação para um fazer em conjunto.

Assim, sugere-se que se crie um ambiente de autonomia para o aluno

com a intervenção do professor para despertar a percepção da imagem, da luz, do

som, do espaço, como também as percepções dos afetos. Propiciando encontros com

surpresas, incertezas e riscos em uma relação que potencializa o olhar nos olhos do

outro, revelando um mundo para ser descoberto e explorado.

Por mais que se possa realizar as três operações sugeridas por

BERGALA de eleger, dispor e atacar, sempre haverá algo que resiste e que foge a

qualquer lógica, visto que o criar provoca tensão ao explorar-se o novo.

Compreendendo assim que a criação caminha por universos e por isso mesmo

contribui para perceber particularidades e questionamentos.

Assim, diante das diferentes possibilidades de criação, sensibiliza no

filme-ensaio "Quer Ver? Escuta" a cena em meio ao verde das árvores agenciada pelo

som. Nesta cena, quem captura a imagem após alguns segundos procura pelo som da

água descendo para uma lagoa. Parece uma cena como outra qualquer em meio ao

verde, mas o que chama a atenção é a percepção sensorial em detectar os sons,

subtraindo dessas imagens capturadas, além do olhar, outras maneiras de conhecer e

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explorar o mundo. Para Wunder (2008), as reflexões de um artista no filme "Janela da

Alma" de João Jardim e Walter Carvalho, mostra que: "o visível é um campo bem

menos homogêneo do que habitualmente nos damos conta. [...] Os olhos ouvem e os

ouvidos olham".

Nesse movimento, aprendeu-se a escutar, sensibilizar o ouvido, escutar o

som do ambiente. Experimenta-se que pode-se fechar os olhos e selecionar o que se

vê, mas não consegue-se fechar os ouvidos. Assim, amplia-se a escuta e a vontade de

explorar "novos olhares" sobre o som.

Filmar é como experimentar o mundo, colocando nas capturas das

imagens e sons as experiências vividas, misturando tudo. E, enquanto elas se

misturam, dizem o que ocorre, e às vezes podem anunciar o que ocorrerá. Este saber

fazer não foi ensinado, foi experienciado.

Assim, conquistam-se e criam-se espaços de buscas para novas

indagações e possibilidades. E, a cada encontro, novas descobertas e explorações,

valorizando a criação de cada um com a proposta de também revisitar as imagens

gravadas pelo outro sugerindo que a experiência de alteridade é essencial para

reconhecer a diversidade presente no mundo

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8- Por um saber-fazer cinema na escola

Uma vez que as imagens têm a vocação de relembrar o que constitui os

sujeitos e que, muitas vezes, ficam esquecidas nos dias que se dissipam, enquanto

imagens agentes, elas chamam e evocam constelações de afetos, despertando novos

territórios dos possíveis. Várias imagens têm essa voz que chama. Muitas destas

imagens ouvem. As imagens que ouvem são aquelas com as quais se conversa e,

através das quais, se redescobre o que longamente já estava em cada um e, muitas

vezes, não tinha nome. Com a escuta, essas imagens ganham cada vez mais espaço.

E, assim, pouco a pouco, aprende-se a ouvir as infinitas vozes do mundo. Como

salienta Petra, "o importante é saber ouvir, não a palavra, mas a voz".

A realização da série de filmes-ensaio, numa ótica de uma educação dos

olhos, dos ouvidos, da escuta das paixões e sensibilidades perceptivas, deu

oportunidade aos alunos de fazerem experiências singulares e múltiplas por meio do

processo de criação com as imagens em movimento. Experiências que lhes

viabilizaram percursos de descobertas e de aprendizagens, possibilitados pelo

mergulho na capacidade de admiração, de espanto e de alumbramento, assim como

na capacidade imaginativa, que gesta e descobre muitos mundos dentro do mundo.

Por isso, João diz, "não achava que dava para aprender assistindo e fazendo filmes.

Mas, mesmo assim, fui ficando, principalmente porque aqui eu posso usar e falar todas

as minhas ideias”. Por sua vez, Marcelo expressa: "Eu quero filmar os pássaros porque

eu amo os pássaros".

Todavia, a mentalidade predominantemente mecanicista e cientificista, na

qual se pauta fundamentalmente a escola, reduz o território em que se contemplam as

imagens e ouvem-se as infinitas vozes do mundo. As imagens na escola são somente

informação, ilustração, representação de um conteúdo didático. Um olhar sensível, tal

como o expresso na fala de Marcelo, que mostra que a realidade não se reduz aos

momentos em que a história se amesquinha. É possível, nesta proposta, contrapor-se

a uma educação que instrumentaliza o conhecimento e, por consequência, à existência

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desse tipo de educação que impondo as lógicas do poder e do capital, não possibilita a

diversidade das singularidades.

O olhar sensível valoriza, portanto, mais o afeto do que o raciocínio

lógico-discursivo; mais a imaginação que as informações; mais a intimidade dos vários

mundos existentes em cada um, do que a utilidade e a funcionalidade do sujeito; mais

a centelha intuitiva, do que a produção técnica.

Foi com esse olhar que a pesquisa-intervenção se deu na escola. Como

demonstrado na análise nos gestos de criação, bem como na análise das práticas

exploratórias, vários foram os percursos traçados por nossos alunos criadores para

conduzir um olhar sensível nos seus filmes. Como se constatou, nas ações de

observar, explorar, interagir, analisar, entre outras manifestações do pensar que foram

experimentadas para a composição das imagens.

Além de permitir a busca pelo olhar sensível, a intervenção do cinema

como arte na escola envolveu ações que possibilitaram aprendizagens, criando um

território aberto para a elaboração de questões sobre estar no mundo, que propiciaram

um estado de variação contínua, para criar novos tempos e espaços que favoreceram

as múltiplas dimensões do aprender.

“Em geral, as aprendizagens variam em intensidade afetiva, importância, valorização social, transcendência. Aprendemos com os outros, experiências sociais, fundamentalmente naquelas mais intensas afetivamente... Porém, é necessário e não menos importante desaprender conceitos, significados, atitudes, valores historicamente apropriados, às vezes nem totalmente conscientes... O sentido aqui sugerido não é o de borrar ou apagar, mas perceber sua marca e as pegadas que deixou, no tempo e no espaço da nossa história de vida e reaprender síntese pessoal, produto de aprendizagens e desaprendizagens" (FRESQUET, 2007,p.51).

Para Miranda, aprender é situar-se na realidade e no mundo para

continuar a aventura em busca do conhecimento e da participação social (MIRANDA,

1996, p. 63). A aprendizagem, para Kastrup é um conceito que:

[...] não é aquele que aborda o mundo por meio de hábitos cristalizados, mas o que consegue permanecer sempre em processo de aprendizagem. O processo de aprendizagem permanente pode, então, igualmente, ser dito de desaprendizagem permanente. Em sentido último, aprender é experimentar incessantemente, é fugir ao controle da representação. É também, nesse mesmo sentido, impedir que a aprendizagem forme hábitos cristalizados (KASTRUP, 1999, p. 151).

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Assim, nas práticas experimentadas, tentou-se buscar também um

aprendizado que não terminasse na aquisição de um saber, mas se constituísse em

um processo a ser incessantemente recomeçado. Objetivou-se um aprender que

permitisse liberar todo pensamento das regras, das ideias prontas e das

representações. Tanto que a aluna Susana conclui: “aqui eu posso colocar em ação a

minha imaginação”.

Nessa perspectiva, não se aprende sem começar a desaprender de si

mesmo e dos preconceitos anteriores. Ou seja, é preciso aprender a “se abrir às

multiplicidades que nos atravessam”; entregar-se às forças que nos atravessam;

aumentar a potência de ser e de agir. Aprender não é reproduzir, mas criar e inventar o

que ainda não existe. Sendo assim, o aprender é a constante formulação da criação ou

da invenção.

Para Gallo (2003), o processo educativo seria necessariamente singular,

voltado para a formação de uma subjetividade autônoma, completamente distinta

daquela resultante do processo de subjetivação de massa que hoje vê-se como

resultante das diferentes pedagogias em exercício. Sendo assim, um ambiente de

ideias e práticas plurais, como pretendeu essa pesquisa, não poderia ser realizado

com o controle da educação pelo Estado. Surge a necessidade de operar na

transversalidade. Viu-se que neste movimento a aprendizagem assumiria uma

dimensão cada vez menos hierarquizada, possibilitando a autonomia do aluno e a sua

efetiva participação, uma vez que permite uma prática do saber-pensar coadunada

com o saber-fazer, que catalisa o ato de sair da condição de espectadores para serem

autores das imagens, permitindo-lhes participarem ativamente da sua criação.

Nessa abordagem, o aluno pôde manifestar e expressar suas ideias e

pensamentos. Possibilitou-se pensar localmente, mas, ao mesmo tempo, estabelecer

vínculos entre temas locais e globais. Aprender a lidar com contradições: "ser e não

ser", "é e não é". Perceber que os opostos se completam e podem criar novos

sentidos. Seguir em busca de outras possibilidades para olhar e ouvir os fluxos das

experiências de vida, deixando-se afetar pelos encontros produzidos na escola. Nota-

se que, quanto maiores foram as possibilidades de encontros e de interações, maiores

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foram as formas de adquirir um novo olhar sobre si e sobre o mundo, e maiores as de

seguir seus próprios caminhos, tornando a experiência mais atraente e mais

interessante.

Pode-se também falar que a intervenção propiciou o acesso aos alunos

da escola pública, que por falta de oportunidade ou hábito, não conhecem ou não

frequentam o cinema, a ampliação de oportunidades dos tempos e espaços dentro da

escola e a valorização das interações possíveis no contexto escolar. As dinâmicas

apontaram para a necessidade de se pensar e agir de modo desconectado da lógica

individualista, geralmente imposta, e a pensar e agir em equipe. Por sua vez, as ações

desenvolvidas não podem ser entendidas como uma forma de se efetivar mudanças

apontando direções, visto que, valendo-se da transversalidade, da transcendência, da

transgressão, da transmutação, do transbordar e de outras ideias e pensamentos

transitórios, agem contra a ordem de uma única e absoluta verdade.

Desde o início da intervenção, esperava-se que as ações desenvolvidas

fossem "trans”formadoras para todos os envolvidos. Para que isso ocorresse, realiza-

se atividades que possibilitaram que, durante o processo de criação, houvesse a

alternância de vozes dos participantes e que os encontros com a arte cinematográfica

propiciassem uma forma de experimentar cada passo do processo de produção de um

filme: fotografar, filmar, trabalhar em equipe, roteirizar, editar, preparando o aluno para

ser autônomo em um mundo cuja existência seja mais digna, mais irmanada e criadora

com – o som dos pássaros, a luz no chão, a fresta na janela, o tato na pedra, o cheiro

das flores, o jorrar da água, o encontro com o amigo.

Embrenhar-se pelo território das imagens e sons para criar imagens em

movimento, sons, enquadramentos e tantas outras possibilidades de criação .

Este criar, porém, foi marcado por expectativas frustradas, e muitas

dúvidas. O ser professor era cometer erros e alguns acertos. Questionar-se. Não obter

respostas. Conheceu-se o silêncio e o estar só. O conflito e a crise se instalam.

Ansiava-se partilhar. Nessa busca encontram-se outros. E, ao trocar experiências, foi-

se entendendo que poderia trabalhar em conjunto para compor novos horizontes e

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outras formas de dizer, mas sabendo-se também a hora certa de silenciar e escutar o

outro.

O criar e o filmar necessitam do outro, daquele que possibilita

desvencilhar das formas habituais questionando o vivido. Necessita do outro para

enfrentar os problemas com mais disposição, não existindo acontecimento negativo

que consiga derrubar essa intenção. Somente o outro será capaz de remeter a uma

nova maneira de capturar imagens que atravessaram vidas. Remete-se ao pressuposto

de quanto o outro foi essencial, e quanto essa relação foi importante para a criação.

Sendo assim, a realização de um filme não resulta de um trabalho

isolado, mas, sim da partilha dos conhecimentos de cada um, percebendo-se as

experiências e entendendo-se que, individualmente ou em equipe, têm-se diferentes

olhares.

Olhares relacionados com desejos, intenções e conflitos humanos. Deste

modo, permite-se discutir a alteridade tendo como cerne as trocas de experiências com

os integrantes do grupo, pensando e propondo temas, tendo como embasamento as

realidades experienciadas. Encontra-se o sentir e os sentidos seus e dos outros:

ouvindo e pontuando, juntando as imagens e o som, visualiza-se a forma do filme.

Surge uma imagem outra e dentro dela outras diferentes formas de cada um se

expressar.

Juntando as imagens, compondo o outro na captura das imagens. na

tentativa de não se limitar pelas dúvidas e frustrações. Contribui-se para reconhecer o

outro e não deixar-se interferir por ideias preconcebidas. Assim, contribuiu-se para se

ter um olhar e uma escuta sensível, delineando possibilidades de se fazer cinema na

escola.

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(org.) Os jovens infelizes – Antologia de ensaios Corsários. São Paulo: Brasiliense,

1990.

PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Orgs.). Pistas do método da

cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividades. Porto Alegre:

Sulina, 2009.

KASTRUP, V. A invenção de si e do mundo- uma introdução do tempo e do

coletivo no estudo da cognição. PUC-SP. Tese de doutorado. São Paulo: Programa

de Pós-graduação em Psicologia Clínica, 1997.

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103

TARKOVSKI, A. Esculpir o Tempo. 2º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

TEIXEIRA, I.A.C. & LOPES, J.S.M. A escola vai ao cinema. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

FILMOGRAFIA

A la Veneza - Georgina R.M. Contreras (2007)

Arrival in Aix-les-Bains - Auguste e Louis Lumière (1895)

Arrival of a train at La Ciotat - Auguste e Louis Lumière (1895)

Aula multimídia sobre Kdenlive: o editor de vídeo do Linux (2010)

Efeito Kuleshov - Lev Kuleshov (1920)

Edifício Master - Eduardo Coutinho (2002)

Ilha das Flores - Jorge Furtado (1989)

La sortie de la Usine - Auguste e Louis Lumière (1895)

Le jardiner - Auguste e Louis Lumière (1895)

Perfeito - Maurício Bartok (2009)

O encontro (2010)

The Play - Auguste e Louis Lumière (1895)

Un Esercizio di Stile - Davide Pannullo (2008)

Vacaciones - Festival de cine de Bolsillo (2009)

SITES:

http://www.cinead.org

http://escolaecinema.blogspot.com.br

http://www.futura.org.br/

http://www.geoimagens.net

http://redekino.com.br

https://www.youtube.com/user/cinepublicobrasil

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105

ANEXO I

Autorização para uso da imagem e som da voz Eu, abaixo assinado, autorizo o uso da imagem, som da voz, de meu(a) filho(a), além

de qualquer material entre fotos e documentos por ele(a) apresentados, para serem utilizadas

pela EMEF xxxxxxxxxxxxxxxxx , Rua xxxxxxxxxxxx, n.º xx, xxxxxxxxxxx , CEP xxxxx-xxx,

Campinas, para uso exclusivo de divulgação científica dos trabalhos escolares e/ou para

formação de acervo histórico da escola.

A presente autorização abrange os usos acima indicados tanto em mídia impressa

(livros, catálogos, revista, jornal, entre outros) como também em mídia eletrônica (filmes para

televisão aberta e/ou fechada, internet, DVD, cinema, documentários para cinema, televisão e

outros espaços de exibição, programas para rádio, podcast entre outros).

Por esta ser a expressão da minha vontade declaro que autorizo o uso acima descrito

sem que nada haja a ser reclamado a título de direitos conexos a estas imagens ou som de

voz, ou a qualquer outro, e assino a presente autorização.

Nome do responsável por extenso:

_____________________________________________________________________

Nome do aluno por extenso

_____________________________________________________________________

Assinatura:

_____________________________________________________________________

Campinas, ____ de ________________ de ________

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ANEXO II

Lista de Filmes vistos durante a pesquisa-intervenção.

Acidente - Cao Guimarães e Pablo Lobato (2002)

A gente é para o que nasce - Roberto Berliner (2004)

A la Veneza - Georgina R.M. Contreras (2007)

Arrival in Aix-les-Bains - Auguste e Louis Lumière (1895)

Arrival of a train at la Ciotat - Auguste e Louis Lumière (1895)

As cores das flores - Vídeo promocional da ONCE (2010)

Aula multimídia sobre Kdenlive: o editor de vídeo do Linux (2010)

Edifício Master - Eduardo Coutinho (2002)

Efeito Kuleshov - Lev Kuleshov (1920)

Estamira - Marcos Prata (2007)

Ilha das Flores - Jorge Furtado (1989)

Janela da Alma - João Jardim, Walter Carvalho (2001)

Jogo de Cena - Eduardo Coutinho (2007)

La sortie de la Usine - Auguste e Louis Lumière (1895)

Le jardiner - Auguste e Louis Lumière (1895)

No estranho planeta dos seres audiovisuais - Paulo Caruso e Theodoro Poppovik (2008)

O Encontro - Flávio Carnielli (2010)

O homem com a câmera - Dziga Vertov (1929)

O Homem do futuro - Cláudio Torres (2011)

O sanduíche - Jorge Furtado (1999)

Perfeito - Maurício Bartok (2009)

Sonhos - Akira Kurosawa (1990)

The Play - Auguste e Louis Lumière (1895)

Un Esercizio di Stile - Davide Pannullo (2008)

Vacaciones - Festival de cine de Bolsillo (2009)

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ANEXO III

Encontros na escola Prof. Vicente Ráo - 2010

1º Experimentações com a câmera digital.

2º Assim começou o cinema: Apresentação dos Vídeos Minuto Lumière. Descrição oral das cenas.

3º Experimentar capturar um minuto com a câmera parada.

4º Ver e descrever as cenas capturadas.

5º Filme: O sanduíche de Jorge Furtado. Debate.

6º Experimentar com as imagens em movimento.

7º Apresentação da imagens capturadas. Debate.

8º Filmagens da cozinha da escola.

9º Experimentando diferentes planos e ângulos com câmera digital.

10º Decoupage fílmica. Descrição das cenas.

11º Analisar 1º plano e depois 2º plano das filmagens.

12º Escrita do roteiro para a entrevista com as merendeiras.

13º Filmagem entrevista com as merendeiras.

14º Edição das imagens.

15º Filme: Edifício Máster de Eduardo Coutinho.

16º Refilmagem entrevista com as merendeiras.

17º Decoupage fílmica. Descrição das cenas.

18º

Trechos do filme: Sonhos - O jardim das

pessegueiras de Akira Kurosawa. Roda de

conversa.

19º Visita ao Bosque dos Jequitibás. Filmagens.

20º Ver as filmagens realizadas no Bosque. Árvores, pássaros, animais, calçada, rua, bicicleta, pessoas. Debate.

21º Filmagens das árvores e pássaros em diferentes ângulos.

22º Possibilidades de filmagens de árvores e pássaros; pássaros e o céu;pássaros e a terra.

23º Revendo as filmagens.

24º Palavras cantadas: Mil pássaros pelo céu de Ruth Rocha.

25º Desenhos e histórias de pássaros.

26º Filmagens com os pássaros.

27º Assistir: Aula multimídia sobre Kdenlive. ntativa de editar as imagens.

28º Edição.

29º Edição.

30º Apresentação do filme-ensaio "Pássaros" .

Encontros na escola Prof. Vicente Ráo - 2011

1º Trechos do filme: Sonhos-Corvos de Akira

Kurosawa. Debate.

2º Experimentando com a câmera digital.

3º Encontro com Flávio Carnielli. Debate.

4º Experimentacoes cinematográficas com Carnielli.

5º Filme: Estamira de Marcos Prata. Debate.

6º Filmar uma ação cidadã.

7º Debate sobre possíveis temas de filmagens.

8º Filmagens.

9º Reunião direção e pais de alunos as intervenções com o cinema na escola.

10º Conversa com Andarilho sobre as possibilidade de realizar um documentário.

11º Elaboração de roteiro e perguntas para a visita ao Andarilho na antiga estação do VLT.

12º Ida ao VLT e roda de conversa sobre viver na rua.

13º Elaborando roteiro de filmagens.

14º Ida ao VLT. Repensando roteiro de filmagem.

15º Ver: Ilha das Flores de Jorge Furtado. Debate.

16º Conversa sobre possíveis filmagens.

17º Ida ao VLT para encontrar para filmar e fotografar.

18º Conversa sobre as possíveis filmagens.

19º Escrever um roteiro de filmagem sobre o Andarilho.

20º Busca de fotos e reportagens sobre moradores de rua.

21º Gravação do áudio para o ensaio Andarilho.

22º Edição da imagem e som.

23º Ver o Filme-ensaio Andarilho e roda de conversa.

24º Assistir ao Episódio 1 - Verdade. No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais de Paulo Caruso, Theodoro Poppovik. Roda de conversa.

25º Visita ao MIS para Mostra de Filmes.

26º Experimentacoes com a câmera digital.

27º Experimentacoes de filmagens com máquina fotográfica e celular.

28º Vendo as imagens gravadas.

29º Ensaio fotográfico do grupo de cinema.

30º Reunião com os pais ou responsáveis sobre a intervenção com o cinema.

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Encontros na escola Carmelina de Castro Rinco - 2012

1º Experimentações com a câmera digital.

2º Assim começou o cinema: Apresentação da série Minuto Lumière. Descrição das cenas.

3º Experimentações com a câmera parada por um minuto. Explorando as imagens e os sons da escola.

4º Assistindo as imagens gravadas. Descrição das cenas e roda de conversa.

5º Conversa sobre as propostas de filmagens

6º Atividade com venda nos olhos e roda de conversa.

7º Experimentando filmar agenciados pelo som. Selecionando sons e enquadrando o som.

8º Assistir as imagens. Decoupage fílmica. Descrição das cenas.

9º Observando 1º plano, 2º plano, os ângulos de filmagens e o som.

10º Filme: As cores das flores e roda de conversa.

11º Filmagens.

12º Escrita do roteiro.

13º Filmagens do filme-ensaio ViVendo.

14º Vendo as cenas gravada.

15º Conversa sobre um mundo mais solidário.

16º Pensando a edição. Assistimos o Efeito Kuleshov e Ilha das Flores de Jorge Furtado.

17º Ver: Aula multimídia sobre Kdenlive de José Antônio Klaes Roig. Tentativa de edição.

18º Experimentando o editor de vídeo Kdenlive.

19º Assistir ViVendo.

20º Assistir ao Episódio 1- Verdade. No Estranho Planeta dos Seres Audiovisuais de Paulo Caruso e Theodoro Poppovik. Debate.

21º Cenas do filme: A pessoa é para o que nasce de Roberto Berliner.

22º Trechos do filme: Acidente de Cao Guimarães e planejamento de filmagens.

23º Encontro com Caio Gusmão.

24º Filmagens no Parque das Águas.

25º Edição das imagens do Parque das Águas.

26º Encontro com Caio Gusmão. Derivas. Debate.

27º Filme-ensaio Quer ver? Escuta. Debate.

28º Ida ao MIS para a Mostra de cinema estudantil.

29º Filme: O homem com a câmera de Dziga Vertov. Debate.

30º Roda de conversa sobre a continuidade da intervenção com o cinema na escola

Encontros na escola Carmelina de Castro Rinco - 2013

1º Trecho do filme: Sonhos - Corvo de Akira

Kurosawa e roda de conversa.

2º Roda de conversa sobre possibilidades de filmagens.

3º Roteiro de filmagem e escrita coletiva do roteiro de filmagem.

4º Filmagens de cantar na escola.

5º Filmagens com olhos de cão, gato, morcego, passarinho.

6º Filmagens um dia de escola azul.

7º Edição das imagens.

8º Assistindo. Roda de conversa.

9º Filme: Janela da Alma de João Jardim e Walter Carvalho e roda de Conversa.

10º Filmagens.

11º Filmagens com três planos.

12º Edição das filmagens.

13º Edição de filmagens.

14º Vendo as imagens e roda de conversa.

15º Trechos do filme: Sonhos - O jardim das pessegueiras de Akira Kurosawa e roda de conversa.

16º Proposta de filmagens: Filmar como pássaro, como um robô, como um gato.

17º Filmagens.

18º Edição.

19º Assistir e Roda de conversa.

20º Filme: O Homem do futuro de Cláudio Torres

21º Encontro com a fotografia no MIS.

22º Conversa sobre a oficina de fotografia.

23º Montando painel no pátio da escola com as fotos realizadas no MIS.

24º Vídeos errantes realizados na escola e roda de conversa.

25º Vídeos errantes realizados fora da escola e roda de conversa.

26º Filme: O Sanduíche de Jorge Furtado e roda de conversa.

27º Organização das imagens realizadas na escola.

28º Conversa sobre possibilidades de filmagens.

29º Ida ao MIS para a Mostra de cinema Estudantil.

30º Trecho do filme: Sonhos - O vilarejo dos moinhos Akira Kurosawa. Debate.

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Encontros na escola Carmelina de Castro

Rinco - 2014

Assistir ao Episódio 2 - Realidade. No Estranho

Planeta dos Seres Audiovisuais de Paulo Caruso e

Theodoro Poppovik. Roda de conversa

2º Conversa sobre imagens capturadas na intervenção

3º Vendo filmes-ensaio "Chão" e descrição das cenas

4º Vendo filmes-ensaio "Brincadeira" e descrição das

cenas

5º Vendo filmes-ensaio "Onde tudo acontece.Nada." e

descrição das cenas

6º Vendo filmes-ensaio "Dois Olhares para a cozinha" e

descrição das cenas

7º Vendo filme-ensaio "Quedas" e descrição das cenas

8º Vendo filme-ensaio "Amigo" e descrição das cenas

9º Vendo filme-ensaio "Quer ver?Escuta" e "ViVendo"

e descrição das cenas

10º Visita a exposição “Um Museu Feito para Nós, por

Nós” no MIS.

11º Vendo "Um dia de escola" e descrição das cenas

12º Vendo "Deriva-S" e descrição das cenas

13º Revendo as fotografias da intervenção

14º Vendo vídeos errantes e descrevendo as cenas

15º Vendo vídeos errantes realizados fora da escola e

descrição das cenas.

16º Organização das imagens realizadas

17º Conversa sobre disponibilizar as imagens na internet

18º Criação do Blog

19º Inserção dos filmes-ensaio no you tube e blog

20º Apresentação do blog. Roda de conversa

21º

Assistir ao Episódio 5 - Experimentais . No Estranho

Planeta dos Seres Audiovisuais, série de

televisão brasileira de Paulo Caruso e Theodoro

Poppovik. Roda de conversa

22º

Assistir ao Episódio 12 - Sonoro. No Estranho

Planeta dos Seres Audiovisuais de Paulo Caruso e

Theodoro Poppovik. Debate.

23º Vendo trechos do filme Jogo de Cena de Eduardo

Coutinho.

24º Ida ao MIS assistir a Mostra Luta

25º Ensaio fotográfico do grupo de alunos que

participaram da pesquisa- intervenção

26º Edição das fotos

27º Montagem do painel de fotos

28º Apresentação da pesquisa para o grupo de alunos

29º Reunião com os pais ou responsáveis dos alunos que

participam da intervenção

30º Confraternização

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ANEXO IV

Decoupage dos filmes-ensaio 1 "Chão"

Imagens Dispositivo Áudio

Pedaço do chão com folhas, garrafa jogadas. Meninos passando. Galhos e pedras caindo.

Filmadora Som ambiente. Burburinho de crianças. - Não ficaria bom...? - Será que alguém vai passar aqui? - Eu. - Passa lá Tiago. Passa lá... alguém, por favor passa lá... Tiago. Risadas.

2 "Brincar"

Imagens Dispositivo Áudio

Quadra de esporte. Uma grande roda de crianças. Um grupo agachado e outro grupo correndo em volta da roda.

Filmadora Burburinho de crianças ao fundo. - Deixa quieto, não mexe. -Acho que vai dar o tempo. -Tá o maior claro - Não, depois fica bom. É por causa ... da configuração. - Um minuto é 60, né? - É.

3 "Onde tudo acontece. Nada"

Imagens Dispositivo Áudio

Dois meninos subindo em uma árvore.

Filmadora Burburinho ao fundo.

4 "Dois olhares para a cozinha"

Imagens Dispositivo Áudio

Primeiro plano Mulher lavando uma panela grande. Segundo plano Mulher lavando pratos.

Filmadora Som ambiente de água jorrando da torneira. Ruído de panelas batendo. Burburinho de crianças.

5 "Quedas"

Imagens Dispositivo Áudio

Máquina fotográfica

Cachoeira. Gente fina. Pele bem lisinha. Agora deixa eu ir.

6 "Um amigo"

Imagens Dispositivo Áudio

Tela preta. Imagem da plataforma da antiga estação do VLT- Veiculo sobre Trilhos. Escrita sobre reportagem do Correio Popular.

Filmadora Som ambiente. Burburinho. - Viu o Andarilho que esta sempre aqui perto da escola pegando latinha? - Eu vi mês passado. - Eu vi semana passada. - E você, quando viu ele? - Você lembra dele? - Não.

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- Alguém mais viu? (Todos respondem). - Não. Não. Não. não. - Hoje estamos aqui para procurar nosso amigo. Estamos preocupados, porque faz duas semanas que você não vem na escola pegar para pegar as latinhas que a gente separou para você vender. A gente já olhou por tudo e não conseguimos te encontrar. Olhamos até embaixo da plataforma, onde você disse que dorme, que descansa, que pensa na vida, mas não encontramos você. Esperamos que você esteja bem...

7 "Pássaros".

Imagens Dispositivo Áudio

Máquina

fotográfica

Palavras cantadas de Ruth Rocha

8 "ViVendo"

Imagens Dispositivo Áudio

Quadra da ESCOLA Filmadora Som ambiente.

- Olha lá, vou derrubar.

- Ai! Nossa, você quer ajuda?

- Sim obrigada.

Mensagem: Quando você vir um deficiente visual na

rua. Ajude-o. Nos precisamos de vocês.

9 " Um dia de Escola"

Imagens Dispositivo Áudio

Corredor da entrada das salas de

aulas.

Máquina

fotográfica

Som ambiente.

10 "Deriva -S"

Imagens Dispositivo Áudio

Parque das Águas. Máquina

fotográfica

Som ambiente. Barulho do vento. Burburinho.

- Porque ela deu um mapa diferente da gente? Era

para gente imaginar.

- Vamos fugir...

11 "Ensaio.Quer ver? Escuta"

Imagens Dispositivo Áudio

Visão do alto de árvores.

Embaixo visão de um pequeno

córrego. Água descendo. lagoa.

Uma menina desligando uma

maquina fotográfica.

Máquina

fotográfica

Som ambiente. Barulho do vento batendo nas folhas

das arvores. Uma bengala batendo na madeira. Água

descendo o canal da lagoa. Vozes ao fundo.

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ANEXO V

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ANEXO VI

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ANEXO VII

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ANEXO VIII

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ANEXO IX

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