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Artigo aprovado para a publicação nas atas dos anais e participação da mesa: Cultura, identidade e turismo para o I Encontro Brasileiro de Pesquisa em Cultura, set/2013, organizado pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades, USP Leste. São Paulo.

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  • 1. Religiosidade Popular e turismo tnico-cultural: Identificao e registro da Folia de Reis em Nova Friburgo/RJ e suas relaes com a umbanda DAZZI, Camila1 DUTRA, Adriana da Rocha Silva2 SANCHES, Diego Bonan3RESUMO O Projeto de Pesquisa busca compreender a relao dos Grupos de Folias de Reis com os indcios da Umbanda constatados na primeira etapa do projeto realizado em 2012/2013. Destaca-se a histria e a miscigenao composta pelas diversas matrizes tnicas que compem o Brasil e Nova Friburgo. Com o objetivo de inventariar as Folias no municpio, compreende-se que o Turismo tnico-Cultural pode ser uma via de salvaguarda uma vez que a manifestao pode ser compreendida como atrativo turstico. PALAVRAS CHAVE Folias de Reis. Turismo tnico-Cultural. Umbanda. Nova Friburgo/RJ Introduo O Projeto Religiosidade Popular e Turismo tinico-Cultural: Identificao e registro da Folia de Reis em Nova Friburgo/RJ e suas relaes com a Umbanda se configura como uma continuidade do Projeto intitulado Identidade Cultural e Turismo Uma proposta para as Folias de Reis de Nova Friburgo realizado durante o ano de 2012 e incio de 2013. A nova etapa do projeto, que ser realizada ao longo de 2014/2015, mais que um complemento s demandas definidas para o ano anterior, contm duas novas finalidades: I. Compreender como ocorre a relao das Folias de Reis de Nova Friburgo com a Umbanda. II. Apresentar, atravs de oficina itinerante, o Turismo Etnico-Cultural como um possvel meio de sustentabilidade das Folias cujo o elo com a Umbanda for identificado. O projeto, nesse sentido, est vinculado ao Programa de Ps-Graduao em Relaes Etnicorraciais do CEFET/RJ, bem como a Graduao em Turismo da mesma instituio.1Historiadora da Arte, Professora Dr CEFET/ RJ - Campus Nova Friburgo [email protected] 2Turismloga graduanda CEFET/RJ - Campus Nova Friburgo [email protected] 3Turismlogo graduando CEFET/RJ - Campus Nova Friburgo [email protected]

2. A percepo de que alguns grupos de Folia tinham relao com a Umbanda foi detectada na primeira fase do projeto, cujo objetivo era cadastrar os diferentes grupos de Folias de Reis de Nova Friburgo. Esperava-se, naquele momento, detectar uma religiosidade popular de matriz catlica, no entanto, dois dos Grupos de Folias de Reis at ento cadastrados apresentam fortes indcios de relao com a Umbanda, religio de matriz afro-brasileira. As duas Folias tm como sede centros de Umbanda, espaos que servem igualmente para a socializao dos integrantes de diferentes grupos de Folia. REESCREVER - A nova etapa do projeto, ser dividida nas seguintes fases: 1Localizar e contatar as Folias de Nova Friburgo ainda no Registradas e Cadastradas. 2- Cadastrar e Registar as novas Folias localizadas, atravs da aplicao de questionrio especfico e entrevistas com os seus membros. 3- Registro audiovisual das manifestaes ligadas s Folias de Nova Friburgo. 4 - Registro escrito, oral e audiovisual especfico destinado relao das Folias de Nova Friburgo com a Umbanda. 5 - Efetuar uma oficina itinerante, que percorrer as comunidades que abrigam grupos de Folias de Reis. FUNDAMENTAR QUESTES PEDAGGICAS TNICO-RACIAL As oficinas, realizadas pelos alunos bolsistas de extenso, com a colaborao de folies locais, e coordenadas pelo professor, tm como proposta indicar possveis caminhos para que as Folias sejam compreendidas pelas comunidades como atrativos do segmento do Turismo tnico-Cultural. Achou-se relevante deter-se brevemente na escolha do primeiro distrito como delimitao geogrfica. O municpio de Nova Friburgo est dividido politicamente em oito distritos: 1: Nova Friburgo; 2: Riograndina; 3: Campo do Coelho; 4: Amparo; 5: Lumiar; 6: Conselheiro Paulino; 7: So Pedro da Serra; 8: Muri. Localizado a 138 Km da capital Rio de Janeiro, o municpio de Nova Friburgo possui 938,5 Km. Diante de tamanha extenso e proporcionadamente inverso ao tamanho da equipe de pesquisa, o grupo optou por eleger um dos distritos para melhores resultados de pesquisa. BRICOLAGEM TNICA FRIBURGUENSE FESTA DAS COLNIAS Para efeitos de investigao dos grupos foi considerado o vnculo com o ncleo da Associao dos Grupos de Folia de Reis, que atualmente Ponto de Cultura e um dos espaos de convergncia e concentrao dos membros dos Grupos de Folias. Metodologia 3. Como uma manifestao cultural complexa, o processo de levantamento das especificidades dos grupos investigados se furtou do uso de metodologia de pesquisa primria e secundria, complementadas por entrevistas, questionrios quali-quantitativo, fichas segmentadas para o folio, mestre e palhao, alm de registro audiovisual. O projeto faz uso de diferentes mtodos de pesquisa. Sendo assim, o processo de levantamento das especificidades dos grupos investigados no se furtou apenas pesquisa realizada em fontes primrias e secundrias, mas incluiu, igualmente, entrevistas, questionrios quali-quantitativo, fichas segmentadas para o folio, mestre e palhao, alm de registro audiovisual. Lanou-se mo do uso de entrevistas semi-estruturadas, fundamentadas em um roteiro flexvel, ao qual possibilita a interatividade e ampliao dos tpicos abordados na mesma medida que ocorrem os questionamentos (BELEI at al, 2008). Optou-se pela transcrio literal das entrevistas de udios e vdeos, de modo a preservar o contedo original. Foram utilizadas normas elaboradas pela UFRJ 4, adequadas ao projeto pela equipe. No que diz respeito ao uso do recurso de filmagem, acredita-se, entre outros fatores, na possibilidade de criao de um documentrio. As filmagens, bem como as fotografias, revelam-se, ainda, uma rica fonte de dados, dando apoio ao processo de compreenso da manifestao cultural exemplificando a imaterialidade da cultura local, o saber fazer. Ressalta-se que as variadas formas de divulgao do material coletado serviro para conferir ao projeto maior acessibilidade. UDIO-BOOK. Vale ressaltar que todo o material at agora coletado e o que est por vir, ser reunido em um banco de dados, tabulado, transformado em grficos e tabelas com a pretenso de que se torne subsdios para futuras pesquisas. Folias de Reis, Catolicismo e a Umbanda Atemporal, a Folia de Reis, sinnimo de religiosidade popular, est presente em terras brasileiras desde o perodo colonial, tendo aqui chegado via colonizadores portugueses: Trazida no sculo 18, pelos portugueses, as Folias remontam aos tempos medievais, as mais antigas menes a elas em lngua portuguesa aparecem em autos do dramaturgo Gil Vicente, no incio 4 Disponvel em: http://www.concordancia.letras.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article &id=52&Itemid= 8> . Acessado em 10/06/12 4. do sculo 16, como assinala Neide Gomes. A Folia de Reis conta os cinco passos do nascimento de Jesus: a anunciao do anjo Gabriel Virgem Maria, a revolta de Jos com a gravidez da mulher, a chegada do casal a Belm da Judeia para o censo dos romanos, a visita dos trs reis do Oriente, confirmando a chegada do Messias, e a ida da famlia para o Egito, fugindo dos soldados de Herodes, que mandara matar os recm-nascidos, diz a professora, explicando o enredo inspirado no Evangelho de So Mateus. No Brasil, tambores e outras contribuies africanas ampliaram a fora da manifestao da religiosidade popular. (NOEL, 2010)Sob o mesmo contexto, o catolicismo, tambm foi trazido via colonizadores portugueses, tendo presena preponderante na identidade latino-americana, sem descuidar da emergncia do pluralismo cultural e religioso (JURKEVICS, 2006 p.199) Segundo Jurkevics (2006): A implantao do catolicismo no Brasil refletiu, de um modo geral, as muitas prticas que integravam a cultura religiosa portuguesa [incluindo as folias] marcada por uma tradio medieval. [...] Tratavase, sobretudo, de um catolicismo piedoso, santoral e festivo, expresso nos exerccios de piedade individual e de comunicao com Deus, quase sempre intermediado por divindades, alm da valorizao dos aspectos visveis da f, atravs das cerimnias pblicas, dos sacramentos, das novenas, das trezenas, das rezas fortes, das romarias, das procisses dos santos padroeiros, cheias de alegorias, de que participavam centenas de pessoas, das devoes especiais s almas do purgatrio e muitas outras, conforme a regio. (JURKEVICS, 2006 p.199)Esse perfil apresentado sugere que esta religiosidade portuguesa trazida pelos colonizadores no era exatamente marcada por profundas introspeces espirituais uma vez que a maior nfase recaia nos atos exteriores de culto aos santos, especialmente nos rituais festivos (JURKEVICS, 2010 p.200) o que denota um dos traos das Folias de Reis em terras brasileiras. Dessa forma, a manifestao se constitui entre os seus diversos signos, a msica, a dana, as rezas, os ofcios, os saberes, nos cnticos entoados, alm das alegorias materializadas nas indumentrias dos integrantes e na roupagem do palhao descrita assim por Mello Moraes Filho: Dessa noite em diante, os cantadores de reis percorrem a cidade cantando versos de memria e de longa data. Esses ranchos compemse de moas e rapazes de distino; de negros e pardos que se extremam, s vezes, e se confundem comumente. Os trajes so simples e iguais: cala, palet e colete branco, chapu de palha ornado de fitas estreitas e compridas, muitas flores em torno etc.; as moas, de vestidos bem feitos e alvos, de chapus de pastoras; precedendo-os 5. na excurso, habilssimos tocadores de serenatas. (FILHO apud Noel, 2010).A formao da identidade religiosa no Brasil de alguma forma segue a prpria proposta do Cristianismo no sculo XIV na Europa, que era o de colocar-se ao alcance das massas [recebendo atitudes religiosas espontneas do povo] (JURKEVICS, 2006 p.197). Segundo Jurkevics (2006, p.197) naquele momento, o clero teve que tomar de emprstimo certo nmero de temas e representaes da cultura popular e mistur-los a um conjunto ideolgico. Se num primeiro momento, a Igreja Catlica tomava emprstimo de usos da religiosidade popular, hoje o que transparece, so mecanismos para conviver com estas religiosidades populares de forma a no descaracterizar a prpria Igreja. Entretanto revelado aqui o carter de impasse ao qual a instituio se encontra, pois impossvel aceitar tais prticas em sua plenitude, uma vez que na medida em que aceita, acaba por assumir implicitamente, uma irrelevncia na vida dos fiis, segundo Mendes (2007) que conclui: se a postura desta instituio for a de no aceitar as prticas oriundas do universo popular, sabe-se que perder muitos fiis em vrios espaos, j que no se trata apenas das Folias de Reis num municpio especfico, mas de inmeras formas de religiosidade popular existentes ao longo da histria e de todo o pas (2007, p. 129)No entanto como relata a Jurkevics (2006): Portugueses, nativos e africanos podiam expressar livremente as suas tradies religiosas, praticamente sem nenhum controle, como por exemplo, as danas e os fogos nos festejos de So Joo, as imagens de santos domsticos e, at mesmo, evocar, no caso dos escravos, suas divindades africanas, ainda que sob nomes catlicos. (JURKEVICS, 2006 p.201)Mais uma vez elabora-se um nexo entre o desenvolvimento do catolicismo e das Folias de Reis que chegaram sob o mesmo contexto e tambm se desenvolveram sob diversas identidades, o que, de alguma forma, caracteriza a sua miscigenao e seu sincretismo. Durante o processo de levantamento realizado no projeto de pesquisa Identidade Cultural e Turismo: uma proposta para as Folias de Reis em Nova Friburgo/RJ constatou-se esse sincretismo em dois dos seis Grupos de Folias cadastrados. Representado nas sedes das Folias que alocam um centro esprita, que 6. serve igualmente como espao de socializao entre os integrantes e outros grupos, ainda que no haja obrigatoriedade dos membros da Folia de frequentarem o terreiro. O espiritismo, em ambos os casos, est associado Umbanda. Para que se possa compreender acerca da Umbanda, deve-se ter em conta que a mesma surge no final do XIX para o incio do XX, como uma religio de elementos multiculturais que contriburam para sua construo. Isto , a bricolagem de estruturas culturais distintas que permitiram o amalgamento religioso das etnias amerndias, europias e africana (OLIVEIRA, 2007 p. 21) que mesclava catolicismo, candombl e o espiritismo5 trazido da Europa pelos imigrantes europeus. Esse sincretismo revela uma identidade hbrida e plural, no sendo pura e exclusivamente catlica (MENDES, 2007, p. 107). Pode-se articular que esse pluralismo de vivncias [ora] se completam e ora, transparecem conflito e tenso (JURKEVICS, 2006 p. 198) a partir do fato de que nas duas Folias de Reis friburguenses que possuem relao estreita com a Umbanda, os integrantes se declaram catlicos. Sendo assim, o universo das Folias de Reis pode significar uma identificao global com a f catlica (HIGUET, 1984, p. 24 apud MENDES, 2007). A fala de Jurkevics parece complementar a de Mendes, pois se a primeira autora diz que as diversas tradies religiosas, independente do sincretismo existente, eram evocadas sob nomes catlicos a segunda tenta justificar esse sentimento de pertencimento com a religio catlica, pelos devotos de Santos Reis. Segundo Mendes (2007): Ser catlico para estes devotos parece tambm se constituir de uma identidade embutida em nossos genes. Esta pertena permitida, sobretudo pela repetio de ritos e liturgias e a apreenso dos cdigos morais, como os Dez Mandamentos. So estas prticas que levam as pessoas a se identificar como catlicas, como se de fato fossem desde sua origem uma marca com a qual o sujeito nasce. (MENDES, 2007 p.109)Logo, assim como Jurkevics que relata esse pluralismo de vivncias na formao do espao catlico no Brasil, Mendes diz ser importante entender a identidade dos devotos dos Reis Magos como heterognea que se apropriam de ritos e dogmas de 5 a doutrina esprita ou espiritismo tem por princpio as relaes do mundo material com os espritos ou seres do mundo invisvel Embora Kardec tenha admito que o pensamento que inaugurara no representava uma idia nova, podendo ser encontrado, em fragmentos, na maioria dos filsofos da ndia, do Egito e da Grcia(STOLL apud Oliveira, 2007, p.47) 7. diferentes esferas religiosas para compor uma religiosidade que lhes seja mais acessvel e lhes d o sentimento de maior proteo ( BRANDO apud Mendes 2007 p.112). Inicialmente ao projeto de pesquisa imaginava-se que se encontrariam Grupos de Folias de tradio estritamente catlica denotando uma nova viso da mais tradicionalista sobre a Folia de Reis, uma vez que o Brasil uma pas basicamente constitudo por catlicos. Segundo o IBGE (2010), apesar de estar ocorrendo um declnio desses devotos, ainda hoje os catlicos representam uma parcela significativa da populao, ou seja, 64,6% de adeptos. Por sua vez, testemunhou-se o compartilhamento do altar na sede do Grupo de Folia Trs Reis Magos (Figura n1) em sua festa de arremate, realizada no espao externo comum ao centro de umbanda e residncia do mestre, que se declara pai de santo, onde entre rezas e entoadas da Folia, se encontra no somente os santos catlicos de devoo, mas algumas velas bicolores, pretas e vermelhas. No entanto, o que foi encontrado foram elementos religiosos que no deveriam necessariamente fazer parte daquele contexto (MENDES, 2007 p.113) como, por exemplo, um altar com imagens de exus, velas coloridas, alguidar, alm de alimentos relacionados realizao de oferendas e rituais, como ovo e a pipoca (Figura n1). Esses elementos no se associam ao imaginrio que muitos possuem da manifestao popular vinculada ao catolicismo, no entanto, isso acaba por revelar o sincretismo ao qual a manifestao esta embutida, bem como sua complexidade em suas fronteiras espaciais. Paralelamente, na sede da Imprio de Olaria, que tambm abriga um centro de umbanda, observou-se na Festa de Arremate realizada para o encerramento do ciclo festivo da Grupo, que as comemoraes igualmente se limitam as fronteiras da rea externa do centro. Toda a comemorao foi liderada pelo dono e ex-mestre da Folia que se declara, pai de santo (Figura n1). 8. Figura n1: A esquerda, o momento da ladainha em frente ao altar preparado para a Festa de arremate da Trs Reis Magos. Ao centro, a Bandeira da Imprio de Olaria disposta sobre o altar do centro de Umbanda e a direita, o momento da ladainha durante a festa de arremate da Imprio sob a placa de indicao que versa: Vindo-se consultar favor trazer, velas, charutos, fumo, cigarros, bebidas em geral. Pai Carlos do Omul agradece. Deus te abenoe. Fonte: Iconografia do Projeto Identidade Cultural e Turismo: uma proposta para as Folias de Reis de Nova Friburgo. Foto: Adriana RochaTodavia, no se constatou, no decorrer das festividades, da interao entre os participantes com a prtica da Umbanda, ainda que em alguns casos, elementos que a representam permanecem ao alcance dos olhos de todos. Desta forma, ressalta Mendes que: Contudo, o trnsito religioso dos devotos dos Reis Magos de Trs Lagoas no chega a descaracterizar sua identificao com o catolicismo. O que notamos que estes percursos deixam os devotos em espcie de entre-lugar, esses entre-lugares fornecem o terreno para a elaborao de estratgias de subjetivao- singular ou coletivaque do inicio a novos signos de identidades e postos inovadores de colaborao e contestao (BHABHA, 1998, p. 20). Isso nos leva a entender que nesses trnsitos religiosos, os devotos deixam um pouco de si e recebem tambm em troca diversos aspectos que lhes ajudam a (re)inventar seu universo religioso. So esses aspectos que remetem as afirmativas de que a cultura popular no fossilizada, pois est em constante re-elaborao a partir de seu contato com o mundo. (MENDES, 2007, p. 116)Alm do sincretismo, outros fatores so muito importantes para que complementem o entendimento do grupo de pesquisadores acerca da complexidade da manifestao. Pode-se destacar a sua histria, a sua miscigenao composta pelas diversas matrizes tnicas que compem o Brasil e o prprio municpio de Nova 9. Friburgo6, bem como, do prprio entendimento dos integrantes acerca da manifestao, pois no raro, visto alguns integrantes relacionarem a manifestao ao folclore 7 que segundo Goltara (2010, p.12) gera uma dicotomia entre devoo e apresentao onde a devoo est ligada ao alto grau de religiosidade que se mantm no perodo do ciclo de Reis sendo intrinsicamente relacionado a fora, e a apresentao parte do entendimento dos turistas acerca da manifestao apenas como folclore (GOLTARA, 2010 p. 12). Turismo tnico-Cultural uma oportunidade para as Folias de Reis Mediante a interpretao dessa dicotomia, nossa compreenso sobre o conceito de Cultura delineou o modo como a Folia de Reis pensada: no como folclore ou cultura popular, mas como uma manifestao cultural complexa, ou seja, um trnsito entre os dois conceitos que possibilita novos desdobramentos, cujo centro focal a (re)criao e a inter-relao entre os indviduos de modo que tal sinergia no anula um ao outro e sim, os complementam, numa rede sem limites (Vianna, 1999, p.7) onde: A garotada quer ser palhao de folia porque os grupos de palhaos se ligaram s galeras dos bailes, e nas suas "fardas" de palhao acabaram entrando smbolos da Nike, Adidas, fotos retiradas da capa do ltimo Iron Maiden e at uma folha estilizada de maconha, bem ao estilo da famlia Hemp. Sacrilgio? Traio? Acho difcil que, a essa altura do campeonato, pela "identidade brasileira", algum ainda coloque as coisas nesses termos. (VIANNA, 1999)A cultura, portanto, deve ser compreendida no como um bem a ser embalsamado e mumificado, mas sim como algo vivo e dinmico que se prope como um recurso econmico, tal como preconizado nas Normas de Quito: Trata-se de incorporar a um potencial econmico um valor atual, de por em produtividade uma riqueza inexplorada, mediante um processo de revalorizao que, longe de diminuir sua significao, puramente, histrica ou artstica, a enriquece [...]. (OEA, 2000, p.111).6 Multicultural, a construo do municpio foi forjada sob a contribuio de etnias sua , alem, austraca, espanhola, hngara, italiana, japonesa, libanesa, portuguesa e afrodescendentes. Quando da chegada dos suos a Vila j abrigava portugueses e escravos negros. (Centro de Documentao D. Joo VI, on line). Disponvel em: < http://www.djoaovi.com.br/index.php?cmd=section:imigrantes_suicos>. Acessado em: 27 fev de 2013. 7 a cultura do popular. [...] Qualquer objeto que projete interesse humano, alm de sua finalidade imediata, material e lgica, folclrico. [...] No apenas contos e cantos, mas a maquinaria [industrial] faz nascer hbitos, costumes, gestos, supersties, alimentao, indumentria, stiras lirismo, assimilados nos grupos sociais particpantes. Onde estiver um homem, a viver uma fonte de criao e divulgao folclrica. [...] E a cultura popular, aberta transmisso oral e coletiva, estrias e acessos s tcnicas habituais do grupo destinada manuteno dos usos se costumes no plano do convvio dirio. [...] O folclore estuda todas as manifestaes tradicionais na vida coletiva. (CASCUDO, 2001, pp. 240-241) 10. Compreende-se que a cultura arcabouo da atividade turstica. Sendo assim, a via que acreditamos ser mais frutfera para este propsito a do Turismo tnicoCultural que, se bem pensado, pode ser um modo privilegiado de promover a valorizao das cerimnias e preservar seu contedo religioso (JURKEVICS, 2007 p.78). Por conseguinte, o Ministrio do Turismo Mtur salienta que: Vale lembrar que as polticas pblicas de turismo, incluindo a segmentao do turismo, tm com a funo primordial a reduo da pobreza e a incluso social. Para tanto, necessrio o esforo coletivo para diversificar e interiorizar o turismo no Brasil, com o objetivo de promover o aumento do consumo dos produtos tursticos no mercado nacional e inseri-los no mercado internacional, contribuindo, efetivamente, para melhorar as condies de vida no Pas. (MTUR, 2010, p. 7)Mesmo que ainda muito incipiente no municpio, acredita-se nas oportunidades que esse brao do Turismo Cultural possa favorecer a regio. Quando guardadas as devidas propores, considera-se que: O Turismo Cultural [ir] implicar em experincias positivas do visitante com o patrimnio histrico e cultural e determinados eventos culturais, de modo a favorecer a percepo de seus sentidos e contribuir para sua preservao. Vivenciar significa sentir, captar a essncia, e isso se concretiza em duas formas de relao do turista com a cultura ou algum aspecto cultural: a primeira refere-se s formas de interao para conhecer, interpretar, compreender e valorizar aquilo que o objeto da visita; a segunda corresponde s atividades que propiciam experincias participativas, contemplativas e de entretenimento, que ocorrem em funo do atrativo motivador da visita. (MTUR, 2010 p.16)Entende-se o Turismo tnico-Cultural como um desdobramento do Turismo Cultural uma vez que o MTur o define como uma atividade turstica destinada a favorecer a criao de correntes tursticas especficas para conhecer, conviver e integrarse com as diferentes etnias formadoras da raa8 brasileira (EMBRATUR apud MTur.), (grifo nosso), onde se pode constatar em publicao do MTur: Quadro 1 Exemplos de atividades que podem ser realizadas no mbito do Turismo Cultural: 8Em tempo, os autores corroboram com os apontamentos de Franz Boas que concluiu que a diferena fundamental entre os grupos humanos era de ordem cultural e no racial ou determinada pelo ambiente fsico. Sendo assim, defendia que, ao estudar os costumes particulares de uma determinada comunidade, o pesquisador deveria buscar explicaes no contexto cultural e na reconstruo da origem e da histria daquela comunidade. Decorre dessa constatao o reconhecimento da existncia de culturas, no plural, e no de uma cultura universal, ou seja, da diversidade em si. (BOAS apud Canedo, 2009, p.4) 11. Atividade: Visitas a comunidades tradicionais e/ou tnicas; Descrio: Visitas a comunidades tradicionais ou grupos tnicos (comunidades representativas dos processos imigratrios europeus e asiticos, comunidades indgenas, quilombolas e outros grupos sociais que preservam seus legados tnicos como valores norteadores de seu modo de vida, saberes e fazeres), que permite a interao ou acompanhamento de atividades cotidianas ou eventos tradicionais de comunidades locais. [...] (MTUR, 2010, p. 33)Os elementos que se materializam por meio do sincretismo religioso corroboram para um vasto campo a ser explorado mediante o vis do Turismo tnico-Cultural. Essa multiculturalidade pode representar uma forma de contribuio para a salvaguarda desse patrimnio cultural imaterial desde que aes adequadas e sustentveis sejam implementadas.Concluso O sincretismo que permeia a religiosidade popular na Folia de Reis estreita os laos de f em uma linha tnue entre espao privado e o pblico, ultrapassando a barreira espao-temporal. Em busca da perpetuao desta cultura movida pela f atravs de smbolos e linguagem universal protegidos pela doutrina da Bandeira que a conduz em um caminho de promessa e bnos. Portanto, os traos percebidos da Umbanda em meio aos Grupos de Folia de Reis de Nova Friburgo denotam uma vasta diversidade cultural no municpio que formada sob a gide de diversas etnias, onde os Grupos de Folia tornam-se uma referncia importante no s como um dos elementos formadores da identidade local, bem como um atrativo turstico, desde que se implemente aes adequadas e sustentveis mediante a prtica do Turismo tinco-Cultural, que se vislumbra como mais um gerador de renda e incluso social dos Grupos e das comunidades. Espera-se com o projeto contribuir e despertar interesses sob a tica do Turismo tnico-Cultural da manifestao e suas inter-relaes no municpio, abrindo portas para novas investigaes e questionamentos.Referncia Bibliogrfica BELEI, R. A. et al. O uso de entrevista, observao e videogravao em pesquisa qualitativa. Cadernos de Educao | FaE/PPGE/UFPel | Pelotas [30]: 187 - 199, janeiro/junho 2008. 12. BRASIL. Ministrio do Turismo. 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