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Religião, Poder e Território: das terras de Pe. João da Boa Vista aos santos de muro Eliseu Riscaroli 1 Resumo: Boa Vista do Pe João nasceu em meados de 1800 em virtude do percurso de viajantes do rio Tocantins e de vaqueiros que cruzam a Bahia, sul do Piauí e Maranhão a procura de novos pastos para seus rebanhos. Como era comum, padres logo se achegavam as povoações com objetivo de catequizar, organizar a vida religiosa e colaborar com o progresso. Embora não tenha sido o primeiro a chegar nas terras do norte goiano, padre João de Sousa Lima transformou-se numa figura importante e controversa. Religião e política estavam entre os temas de sua preferência e, se para exercer ambas fosse preciso se armar com grupo de jagunços para defender seu território e seu rebanho da perdição, ele com certeza faria isso. Ardiloso, astuto e hábil negociador, padre João foi deputado estadual, administrador da mesa de rendas e prefeito municipal. Seu principal inimigo político foi o Coronel Leão Leda oriundo das terras maranhenses de onde fora expulso depois de uma derrota eleitoral. Palavras chave: religião, território, poder. Introdução – João de Sousa Lima nasceu em Boa Vista do Tocantins em 3 de setembro de 1869. Filho de Jose Francisco de Araujo e Nazária Lisboa de Sousa Lima, de família pobre, coisa comum na região do babaçual, vivia sendo assediado pela tia que, com melhores condições financeiras intencionava manda-lo para estudar, mas a mãe alimentava 1 Professor da cadeira de Filosofia da Educação, Dr. em Educação pela UFSCar, Pos Doutor em Direitos Humanos, Democracia e Justiça pela Universidade de Coimbra. Membro da Rede de Geografia, Gênero e Sexualidade Ibero Latino Americana – REGGSILA e do grupo de pesquisa

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Religião, Poder e Território:

das terras de Pe. João da Boa Vista aos santos de muro

Eliseu Riscaroli1

Resumo: Boa Vista do Pe João nasceu em meados de 1800 em virtude do percurso de

viajantes do rio Tocantins e de vaqueiros que cruzam a Bahia, sul do Piauí e Maranhão a

procura de novos pastos para seus rebanhos. Como era comum, padres logo se achegavam

as povoações com objetivo de catequizar, organizar a vida religiosa e colaborar com o

progresso. Embora não tenha sido o primeiro a chegar nas terras do norte goiano, padre

João de Sousa Lima transformou-se numa figura importante e controversa. Religião e política

estavam entre os temas de sua preferência e, se para exercer ambas fosse preciso se armar

com grupo de jagunços para defender seu território e seu rebanho da perdição, ele com

certeza faria isso. Ardiloso, astuto e hábil negociador, padre João foi deputado estadual,

administrador da mesa de rendas e prefeito municipal. Seu principal inimigo político foi o

Coronel Leão Leda oriundo das terras maranhenses de onde fora expulso depois de uma

derrota eleitoral.

Palavras chave: religião, território, poder.

Introdução – João de Sousa Lima nasceu em Boa Vista do Tocantins em 3 de

setembro de 1869. Filho de Jose Francisco de Araujo e Nazária Lisboa de Sousa Lima, de

família pobre, coisa comum na região do babaçual, vivia sendo assediado pela tia que, com

melhores condições financeiras intencionava manda-lo para estudar, mas a mãe alimentava

1 Professor da cadeira de Filosofia da Educação, Dr. em Educação pela UFSCar, Pos Doutor em Direitos Humanos, Democracia e Justiça pela Universidade de Coimbra. Membro da Rede de Geografia, Gênero e Sexualidade Ibero Latino Americana – REGGSILA e do grupo de pesquisa

a ideia de torna-lo padre. Aos 11 anos, na visita pastoral do bispo de Goyaz, D. Claudio, o

prelado o convida para ser padre o que será de pronto aceito por ele e pela família. Recebe a

ordenação sacerdotal em 1893 e é nomeado como vigário na Vila de Santa Luzia – atual

Luziânia. Em virtude de um abaixo assinado da população de sua terra natal, retorna como

vigário da paróquia de Nossa Senhora da Consolação em 1897. Como política e religião

estiveram muito próximas na historia da humanidade, de 1901 a 1904 e 1909 a 1912, Pe

João foi deputado estadual em Goyaz; administrador a mesa de rendas entre 1920 a 1930 e

prefeito municipal no ano de 1945. Faltando um dia para completar 50 anos de sacerdócio,

falece em 1947 aos 78 anos de idade. Segundo comentam a morte foi resultado do

agravamento de uma queda da mula onde fraturou ossos.

Entre a Cruz e espingarda – produzindo revoltas, salvando almas

A colonização da região do norte goiano teve início em 1818, quando um grupo de

bandeirantes partiu da cidade de Pastos Bons2 (MA) à procura de índios para catequizar e se

fixaram no Extremo-Norte do Estado, que logo ficou famosa, por ter terras férteis e grande

quantidade de madeira para construção de casas, o que atraiu mais migrantes da região de

Carolina (MA). Neste contexto, em 1852, foi fundada a Vila de Boa Vista do Tocantins, às

2 De acordo com Carlota Carvalho, ‘Pastos Bons’ foi uma denominação regional geral dada pelos ocupantes à imensa extensão de campos abertos para o ocidente, em uma sucessão pasmosa em que ao bom sucedia o melhor". Após o povoamento do alto sertão, com a denominação das vilas e comarcas, somente o ponto inicial das entradas ficou sendo chamado de Pastos-Bons, de onde partiram as bandeiras que cruzaram o país até o Tocantins (CARVALHO, 2006, p. 97). A região corresponderia na atualidade às cidades maranhenses representadas por Pastos Bons, Riachão, Carolina, Grajaú, Balsas, Barra do Corda, entre outros municípios. Vale observar que a memorialista e escritora maranhense Carlota Carvalho publicou sua obra, O Sertão, no ano de 1924, em comemoração ao centenário da Independência. Para o presente estudo será utilizada a terceira edição, referente ao ano de 2006.

margens do Rio Tocantins. Seis anos depois, a vila se tornou cidade e o paraense Pedro José

Cipriano, natural de Cametá, foi reconhecido como seu fundador. Mas de acordo com

Carvalho esse feito se atribui a dona Apolônia:

“em 1825, tendo falecido Manoel Ferreira, a viúva D. Apolônia, mudou-se logo para Boa Vista com todos os filhos, filhas e genros, construindo para cada um uma casa própria. Nesse ano em que veio para aí Pedro Cipriano, já havia casas edificadas em rua, duas pequenas ao menos. A rua Rola-pilão e a do largo em que foi edificada a igrejinha ou capela de nossa senhora, que ficou conhecida como vila dos periquitos, em suposição a d. Apolônia que falava muito” (2006. P.122).

Segundo observações de Carvalho (2006), Rodrigues (2001), Correia (1977), a

ocupação do território do norte goiano e sul do Maranhão ocorre, sobretudo pela

necessidade de pasto para o gado e de questões ligadas aos conflitos políticos, sobretudo no

sul do Maranhão. A chegada de missionários católicos, cujo objetivo era a catequese,

assume também logo cedo a faceta política. Para Padovan (2011), outro elemento

apresentado na petição justificava-se pelo quantitativo de 84 Fogos e 432 Pessoas e, ainda,

como argumento acrescentava que, “os Abitantes da Margem Occidental, (do Tocantins)

supplicão ao Presidente da província que ―por falta da Administração da Justiça e do Pasto

Espiritual” requerem a independência da Vila de Carolina.

A chegada frei Francisco do Monte São Vitor em 1840 marca o inicio da ação de

missionários na região. Segundo Carvalho:

“foi recebido como padre santo, exerceu influencia ilimitada na população católica ou civilizada e serviu-se desse poder moral para acender um fanatismo intransigente, intolerante e feroz. Seu primeiro ato foi fechar as escolas e proibir a leitura de livros por serem veículos de heresias, substituindo a instrução literária pela auricular na porta da igreja feita pela sacristão Simplício e pela beata Joana. De sua tarefa principal que fora

catequizar os apinajes, resultou uma tragédia. Das 4 mil almas, contados por Cunha Matos em 1823, ao final de 19 anos restaram cerca de 300 indios infelizes, imundos e moralmente degradados3” (2006. p. 122 ss)

Outro missionário que chega em

terras norte goianas, foi frei Gil de Villa

Nova. Dominicano Frances, nascido em

Marselha no ano de 1851, fundador do

periódico denominado “A cruz” que

circulou no norte de Goyaz e sul do Para

entre 1900 a 1905. É provável que tenha

morrido por complicações da malária

em maio de 1905. Ele intervém naquilo

que ficou conhecida como a primeira

revolta pela emancipação do norte da

comarca de Goyaz, em 1892. Carlos

Gomes Leitão é o personagem civil dessa revolta. Leitão era do PRG - Partido Republicano de

Goyaz, que com a queda do império aproveitou para tomar o poder local. Intencionava

separar o norte anexando-o ao Maranhão e sul do Pará para formar a província de Boa Vista.

Tais fatos ascenderam a fúria dos políticos locais de Boa Vista, Porto Nacional e da diocese

de Vila Boa que na pessoa do frei Francisco de Monte São Vitor o excomungou. A revolta

tem inicio em 1890 quando no cargo de juiz, Leitão arquiva o processo crime contra seu rival

Claudio Gouveia e leiloa seus bens de forma irregular. Ao assumir o posto de deputado

3 Segundo Padovan (2011) essa informação foi contestada por Curt Nimuendaju (1980).

constituinte, se licencia do cargo de juiz da comarca, assim seu sucessor, Henrique Hermeto

Martins, reabre o processo, inocenta Claudio e declara ilegal o leilão realizado.

O conflito se exacerba em março de 1892 quando frei Gil e o intendente municipal

Francisco Sales Maciel Perna o expulsam da vila, indo se refugiar em Carolina (MA). Há aqui

uma baixa importante: o irmão de Leitão é assassinado. No final do mesmo mês, no

comando de um bando de pistoleiros armados, Leitão volta a atacar Boa Vista, seguindo os

combates ate dia 2 de abril quando é novamente expulso. Não satisfeito, se reorganiza

política e belicamente para em agosto de 1893 retornar a Boa Vista. Prende o intendente

Maciel Perna e envia-o para o Rio de Janeiro e se declara presidente da nova província. Os

conflitos se estendem ate fevereiro de 1894 quando negocia com políticos da região, frei Gil

e Maciel Perna sua rendição. Se dirige para Belém do Grão Pará onde obtém auxilio

financeiro para iniciar atividades agrícolas em Itacaiúnas que mais tarde recebe o nome de

Marabá, cidade que o tem como fundador e onde estaria enterrado (Palacín. 1990. p.83.).

A segunda revolta começa em 1907, e tem como expoentes o civil Leão Rodrigues de

Miranda Leda - coronel Leão Leda - e o padre João. Trás os resquícios da revolta anterior, no

que tange às questões da emancipação. Após a morte de frei Gil e expulsão do Carlos Leitao,

seus seguidores começaram a se recompor com a chegada de Leão Leda por volta de 1898.

Leda havia se envolvido com revoltas no maranhão, na região de Pastos Bons. Com apoio do

governador de Goiás, toma o poder dos eclesiásticos de Boa Vista, a nomeação do juiz

Cantídio Bretas e a nomeação do promotor publico Adelmar Macedo, que era seu genro.

Para diminuir o poder do padre na cidade, arregimentou jagunços que roubavam gado e

cereais dos aliados do prelado.

A narrativa de Sader & Paulino (1996) conta que ao fazer uma visita a Boa Vista, Pe

João ‘sentiu o apelo da vida política’ e, ao receber a carta do bispo ordenando-lhe que

voltasse a Santa Luzia, onde era vigário, teria dito: “aqui estou, aqui fico”. Ao que o bispo

teria retrucado: “fique, mas suspenso”. Assim teria sido suspenso das ordens religiosas de

1914 a 1921. De todo modo a igreja concentrava os dois poderes, político e religioso, já que

os frades dominicanos se ocupavam da questão religiosa.

Depois de ser eleito intendente da cidade, padre João, não aceitando o resultado,

organiza um ataque no dia 23 de maio, fazendo vitima o genro de Leda, Tomas Moreira.

Saques, arrombamentos, destruição de prédios públicos, queima de documentação entre

outras bizarrices levou o governo central a transferir a comarca para Porto Nacional. A

situação permanece tensa e o conflito se alastra por Filadélfia, Porto Franco, Carolina, São

Vicente do Araguaya e Pedro Afonso até janeiro de 1908, quando com apoio da diocese do

Maranhão, padre João retoma a cidade. Em meados de 1908 Leda se estabelece em

Conceição do Araguaya e logo retoma suas investidas políticas, agora em território de D.

Domingos Carrerot, próspera missão da diocese de Goiás que passa a confronta-lo

publicamente. O desenlace do conflito se dá em 8 e 9 de março quando os aliados do bispo

matam 52 aliados de Leda, capturam Leda e seu filho que serão em seguida linchados pela

população.

Ainda segundo Saldanha & Oliveira,

Quem teve oportunidade de analisar documentos e Relatórios de Governo deste período, verifica o quanto foi gasto em recursos públicos para exterminar o poder político de Leão Leda. Aliás, o Governador dizia que o Estado estava falido, que obras não podiam ser realizadas devido às enormes despesas para manter as tropas em Grajaú. LEÃO resistiu bravamente enquanto foi possível. A família passava por grandes dificuldades financeiras e por toda ordem de dificuldades. O único caminho para não ser morto e garantir a segurança

de seus familiares era a retirada do grande líder para um lugar desconhecido. Assim, acatando aos pedidos de amigos e familiares, Leão cruzou o Tocantins e foi asilar-se em Boa Vista no ano de 1900 (hoje Tocantinópolis) no Estado de Goiás, onde mantinha o propósito de produzir sua defesa no juízo competente, visto que havia sido nomeado para a Comarca de Grajaú um juiz de Direito respeitável, que se negava ser instrumento de manipulação na mão de quem quer que fosse – o Dr. Caio Lustosa ( S/D).

O coronel de saias

Em 1936, na gestão de Manoel Gomes da Cunha, padre João liderou um grupo de

200 jagunços para retomar a cidade. Essa ficou conhecida como a terceira revolução do

norte goiano. Durante um século os padres em questão disputaram com fazendeiros e

políticos ‘tradicionais’ o poder da região.

Ao se referir ao Pe. João de Sousa Lima, Lysias Rodrigues4, em sua passagem por boa

vista, assim relata:

Recebeu-nos o Pe. João, velho, simpático, instruído, à porta tomando uma fresca ao luar.

Providenciou logo onde nos alojar e uma ceia as 10:30 da noite. É época de safra de

castanha e os homens vão trabalhar em Marabá, um lugar doentio. No dia seguinte

enquanto fazíamos a barba, chega o prefeito nos convidando para o café com bolo de arroz

e mandioca. Retornando a casa do Pe., chocolate em xícara de porcelana nos espera

acompanhado de um bolo delicioso (2001. p. 159ss).

4 Brigadeiro da aeronáutica, autor de ‘Roteiro do Tocantins’ resultado da expedição iniciada em 19 de agosto de 1931 cujo objetivo era mapear possíveis locais para construção de aeroporto da rota aérea para as viagens de Buenos Aires a Miami, com escalas no Rio de janeiro e Belém, sem obrigar os aviões a fazerem o arco pelo litoral do Brasil. A expedição chega a Belém em 9 de outubro daquele ano. Estabeleceu-se assim uma rota do correio aéreo militar do Rio passando por Uberaba, Formosa, Porto Imperial, Carolina, Belém.

Nestas terras se configura aquilo

que E. P. Thompson caracteriza

esses modos de viver como sendo

constituidores de uma “cultura de

formas conservadoras” que

reforçam costumes, práticas e por

vezes acabava por legitimar os

costumes tradicionais provenientes

de outra classe. Assim, a cultura

dos trabalhadores da região está

amalgamada por interesses centrais

que não são econômicos, mas seu cotidiano se constrói na dialética entre valores morais da

religião e a necessidade de sobrevivência material, logo, segundo Palacín: as relações se

baseavam na “posse da terra, mediante o latifúndio, [n]o domínio dos homens que dela

dependem – agregados, peões, meeiros etc. -, [n]a riqueza, com os múltiplos meios que

facilita [...]” (1990, p.115. apud Santos. 2013). Mas também se erigiu uma relação quase

cega mediante uma moral religiosa que decide as questões materiais e espirituais, seja na

participação dos ofícios, na defesa do padre, ou pelo medo que se espalha acerca do não

cumprimento de certas regras tendo como consequência a perdição da alma.

Embora nesta época a leitura seja um privilégio, a população constrói formas de

repassar a moral aos descendentes. Uma dessas formas é a memória por meio da contação

de estórias, quase como um fuxico. Nesse sentido, na região ainda é comum nos fins de

tarde, as pessoas colocarem suas cadeiras de macarrão5 às portas e ficarem ‘observando’ os

transeuntes que voltam pra suas casas, não sem antes participarem em uma ou outra roda

de conversa com quem esta à porta, desse modo a vida da vila se socializa. Traição, intrigas

de vizinhos, assuntos da política ou da religião, casamentos e separações, tudo passa pela

tarde nas cadeiras. A maioria nega o ‘fazer fofoca’, mas se até Pedro negou o mestre...

Cabe alocar aqui a observação de Medeiros (2014)

“E aqui é conveniente ressaltar que a memória funciona como um instrumento de poder. O

poder de dizer o que uma sociedade é, como ela deve se portar, quais registros devem ser

mantidos, quais sujeitos têm o direito de registrar e de serem registrados. Da forma como

dela se serviu João Parsondas de Carvalho, pode ser vista como um instrumento de

intervenção política na sociedade, seja em defesa de uma causa, seja de um ideal ou, ainda,

de uma matriz ideológica”.

E prossegue:

“A memória das violências narradas pelo jornalista está inserida em uma verdadeira caçada

humana promovida por militares das “forças do alto Sertão Maranhense” ao chefe político

Leão Tolstoy Leda, secundado por José Dias Ribeiro, conhecido pela alcunha de “General do

Sertão”. Mas essa caçada tem seus antecedentes nas “Revoltas de Boa Vista”,8 uma vila do

extremo norte de Goiás, atual Tocantinópolis no Estado do Tocantins, que foi defendida pelo

General do Sertão contra um sitiamento promovido por outro chefe político da região,

Carlos Gomes Leitão. No contexto dessas revoltas, principalmente em sua primeira fase,

todo tipo de violência, pilhagens e “excessos” foram cometidos. Na verdade, tais “excessos”

eram a regra em momentos como esses e praticados por homens como Joaquim Bala, um

dos homens do grupo de Carlos G. Leitão. Nesse contexto, o “jagunço” faz ombro com os

militares nas práticas de violência” (Medeiros. 2014).

5 Cadeira de armação de ferro trançada com fios de plástico colorido, algumas fixas outras na forma de balanço.

Noticia do Jornal ‘O Norte de Goyaz’ de 13/03/1909, acerca da morte de Leda, relata

que depois da reza, organizou-se um imponente préstito que percorreu as ruas sem armas,

rompendo o silencio da noite unicamente para gritar vivas nas portas dos amigos. Inútil

dizer-lhe que a passeata principiou e acabou na Igreja.

E Mendes (apud Sader & Paulino) anota:

“O assalto principiou largo, ardente, irresistível. Invadiram a casa, Leão suplicou, mas

morreu na mesma hora, e com ele o seu filho Mariano e sete camaradas. “Treze outros

foram presos” Da parte de Conceição (do Araguaia) não morreu ninguém. Apenas acabado

o ataque os 1.200 homens saem de joelhos gritando: Viva Nossa Senhora da Conceição, e

dando salvas enquanto centenas de rifles dão repetidas salvas de alegria”.

Notas finais – e o sertão permanece

Tempo passou, frei São Vitor e frei Gil ficaram apenas nos registros de viajantes,

apenas Pe João esta na lembrança do povo, que costumeiramente se refere a cidade como

Boa Vista do padre João. Mas a relação entre igreja e estado continua presente. No inicio do

XXI uma intriga entre o bispo e o prefeito da cidade por ocasião a festa da padroeira

reacende a belicosidade entre as duas esferas. Em virtude da ingestão de bebida alcoólica e

brigas, o bispo proíbe a venda a consumo da mesma durante a semana em que se realiza a

novena da padroeira N. S. da Consolação no pátio da igreja. Após a reza o povo se reúne

para o leilão de prendas oferecidas pela população. Cada noite é organizada e comandada

pelos noitarios. Comem, conversam, arrematam as prendas, saem do pátio da igreja se

dirigem aos bares para beber, por vezes eles estão a alguns passos do limite do sagrado, é só

cruzar a rua. Uma intriga cretina é verdade, pois sagrado e profano sempre estiveram lado a

lado. Pinga e vinho, sexo e abstinência, oração e fofoca, a missa do padre e as cartas do/a

pai/mãe de santo.

Todavia, os resquícios dessa colonização/catequização dominicana se perdura de

outras formas. Uma delas diz respeito à presença de azulejos com imagem de santo, na

maioria absoluta, uma imagem de Maria, nos muros das casas. Essas são versões mais

clássicas de um ideal religioso católico. Mas há também uma versão mais ‘moderna’ em que

a placa contém o numero da casa e uma frase bíblica tipo “o senhor é meu pastor, nada me

faltará”, que pode ser usada inclusive em casas evangélicas.

Os coronéis se foram, os enredos, como nos conta Rosa (1968), são outros, mas se

assemelham: “o senhor pense, o senhor ache. O senhor ponha enredo. Vai assim, vem outro

café, se pita um bom cigarro. Do jeito é que retorço meus dias, repensando assentado nessa

cadeira”.

Mas há quem defenda o contrario

“O que havia nos sertões da Província, não era, como proclamava a imprensa facciosa, o banditismo a serviço das ambições e dos planos ocultos dos dois partidos monárquicos em luta dissolvente e feroz em todo o País; mas , o que poderia chamar – caudilhismo literário. Esses caudilhos sertanejos, dentre os quais Leão Léda simbolizava um Maranhão o tipo mais representativo, não eram meros instrumentos nas mãos dos políticos, nem jagunços locais e cangaceiros ladravazes, assoldados para cometer distúrbios e massacres a fim de que triunfassem nas urnas candidatos às altas posições no Parlamento ou na administração do Império. Eles tinham, ao contrário, vontade própria e ideias e ideais mais ou menos justos ou justificáveis. E, acima de tudo, a causa principal das suas agitações e rebeldias, era que não suportavam a centralização do Império, garroteando as províncias asfixiando os municípios” (CABRAL, 1992, p.124).

A diferença entre o Pe. e outros estava no fato que este era filho da terra, pobretão,

sem terras, sem dinheiro e sem família influente, mas era carismático e com forte poder de

influencia sobre as gentes ignorante e religiosa. Estar longe do centro do poder e ter o apoio

da população lhe dava condições para retirar viveres, dinheiro e homens armados pelo

tempo que fosse necessário. É assim que ele comanda o sertão durante 50 anos. Tal como

Ze Bebelo de Grande Sertão: veredas ou Paulo Honório de São Bernardo, o conflito de Pe

João é ‘pacificar’ o sertão, conciliar sua tarefa profética com o poder de organizar a cidade,

estabelecer regras morais e administrativas.

Essa relação estreita entre religiosidade e normatização da vida social acaba por

sacralizar o fato e as ligações humanas como pré requisito para a própria constituição da

sociabilidade (Durkheim apud Martelli. 1995.). e se fossemos buscar as admoestação de Pe.

Vieira encontraríamos no sermão da páscoa de 1656: “as verdadeiras riquezas debaixo da

terra seriam as almas dos condenados, a elas os cristãos devem dedicar-se, se tantos

sacrifícios foram feitos para o encontro de substancias minerais, por que deixar tantas almas

preciosas se perderem nos rios, matos e cidades” (Vieira apud Quadros).

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