religiao e festas populares

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    RELIGIO E FESTAS POPULARES1

    Sergio F. Ferretti

    01. RELIGIO E CULTURA POPULAR:

    Segundo Droogers e Siebers (1991) a religio popular sempre definida em contrastecom a religio oficial e no se pode discutir sobre religio popular sem referncias dimenso do poder. Em sua forma popular a religio influencia e influenciada pelasociedade e pela cultura. Chamam a ateno para a noo de hbitus desenvolvida porBourdieu, para as experincias acumuladas no passado, condicionadas pela estrutura social.

    Para ambos o poder se relaciona ao acesso a produtos escassos e o contato com o mundo dosdeuses e dos espritos pode se tornar uma fonte de poder.

    Droogers e Siebers mostram (1991: 20/21) que no campo religioso, a expresso popular usada pelo menos em dois sentidos. Por um lado se refere s pessoas que no pertencem aogrupo dos especialistas da religio o clero, os sacerdotes e este sentido se relaciona porexemplo com o catolicismo popular. Em outras formas populares como nas religies afro-brasileiras e nas igrejas Pentecostais, onde a religio popular no est relacionada a umaforma erudita, a conotao popular se refere ao sentido de grupos dominados na sociedade,especialmente nas relaes entre as classes sociais e tem sido visto como uma fonte deresistncia e de liberao. A idia de Gramsci de hegemonia tambm aplicada aqui. O queh de comum em ambos os significados do conceito de popular a questo do prestgio.Religio popular e sincretismo tm sido usados como termos polmicos, quase como

    sinnimos de heresia e superstio. As formas populares de religio so consideradas como demenor prestgio na sociedade.

    Satriani (1989: 55) define a religio popular como a religio das classes subalternas dedeterminada sociedade. Segundo Droogers e Siebers (1991:19), para Rolim (1980), osexcludos na produo econmica so muito produtivos na rea religiosa. Tendo em vista adificuldade em se definir o conceito de popular, Montoya (1989: 81) prope substituir a noode religiosidade popular por religiosidade tradicional.

    Para a Igreja Catlica a religiosidade popular considerada como inculturao ouenraizamento da religio na cultura local. Segundo Elcion Ribeiro (1985), a religiosidadepopular latino-americana tem um fundamento histrico catlico, com forte influnciaindgena, com elementos como o messianismo e influncias csmicas e africanas, queacentua entre outros elementos a festividade, a msica e o culto aos antepassados. difcil

    porem definir palavras como povo, popular, religiosidade.

    02. CARACTERSTICAS E IMORTNCIA:

    A cultura popular se exterioriza em grande parte atravs de festas religiosas. As festasreligiosas populares so ocasio para o pagamento de promessas e momentos de lazer em quese desenvolvem laos de solidariedade nos meios populares. A festa religiosa ocorre emdeterminados momentos do calendrio da comunidade e se repete periodicamente. Constitui

    1Comunicao apresentada na Mesa Redonda 06 Religies / Culturas Populares, na XIV Jornadas sobre AlternativasReligiosas en Amrica Latina, realizada em Buenos Aires de 25 a 28 de setembro de 2007. Verso Preliminar.

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    oportunidade para expressar a capacidade de organizao, a criatividade popular, a devoo,o lazer e para se constatar o sincretismo religioso. Nas festas a comunidade se revitaliza, serecria, se encontra e se v como um todo. Em algumas regies como no Nordeste do Brasil e

    no Maranho as festas populares so importantes e freqentes, ocorrendo ao longo de quasetodo o ano civil.

    Queremos analisar algumas festas religiosas populares organizadas por indivduos e porgrupos de culto afro-religiosos, especialmente em terreiros de tambor de mina e de umbanda.Terreiros de tambor de mina so comunidades que praticam religies de origens africanas noMaranho e na Amaznia. So muito numerosos em So Lus, participados principalmente porpopulaes de baixa renda. Ao mesmo tempo que so grupos religiosos, as casas de mina sotambm grupos que freqentemente organizam festas populares e podem ser consideradosfocos ou ncleos de desenvolvimento da cultura popular. Suas atividades religiosas seexpressam principalmente atravs da realizao de festas com danas, cnticos, msica,culinria, artesanato, medicina tradicional e outros aspectos da cultura popular.

    Este trabalho tem o interesse centrado no estudo de festas populares na sociedade e

    nos terreiros de tambor de mina, como atividade importante nesta religio, no s comobrincadeira, mas ao mesmo tempo como obrigao, na fala local. Em So Lus, algumasfestas populares como a Festa do Divino, constitui festa tpica de terreiros, o que no ocorreno resto do pas. Outras festas como o bumba-meu-boi, ou o tambor de crioula, so festaspopulares, da comunidade, que so realizadas tambm nos terreiros. Estamos interessadosem discutir sobre festas populares, sobretudo nos terreiros de culto afro e tambm nasociedade como um todo.

    As festas constituem elemento bsico para se compreender o simbolismo e amentalidade popular. Para entender sua continuidade nos dias, atuais importante conseguirinformaes sobre a presena de festas com participao popular em alguns momentos dahistria da regio. Neste sentido temos realizado pesquisas de documentos de arquivos e emtextos histricos, procurando uma viso mais ampla precisa sobre a presena de festas nahistria do Maranho e constatamos que elas foram freqentes ao longo da histria.

    Embora muitos autores clssicos das Cincias Sociais tenham escrito sobre aimportncia dos estudos sobre a religio, este estudo, como o das festas populares, nocostuma ser considerado prioritrio na literatura antropolgica, especialmente em regiessub-desenvolvidas como o Norte e o Nordeste do Brasil onde, diante da escassez de recursosdisponveis, h inmeros outros problemas que so considerados mais urgentes para seremestudados. Religiosidade e festas parecem a muitos como tema menor.

    O povo, entretanto, sobretudo no Norte e Nordeste, no pensa assim e considerareligio e festas, tema fundamental na sua vida diria, como se pode constatar na realidadecotidiana destas populaes. No Maranho, religio e festas constituem assim, um assuntoessencial na vida das classes populares e a rotina diria interrompida muitas vezes ao longodo ano, pela organizao ou a participao em diversas festas, que assinalam a quebraperidica da rotina. Convm frisar, entretanto que para as pessoas que as organizam, as

    festas no constituem apenas momentos de lazer, mas, sobretudo de trabalho que intenso eprazeroso, no seu preparo e realizao.

    As religies afro-brasileiras em geral caracterizam-se pela presena de muitas festas. Otranse, as iniciaes, as comemoraes anuais das divindades, as obrigaes do calendrio dacada casa, so assinaladas com festas, toques, danas, cnticos e oferendas de alimentosespeciais. Em So Lus, cada grupo afro-religioso, organiza anualmente pelo menos cerca deuma dezena de festas, algumas maiores, chegando a durar uma semana ou mais, outras comum, dois ou trs dias de durao. comum que os participantes destas religies, assistamfestas em sua casa e em uma rede de outras casas amigas. Assim o ano se caracteriza, para opovo-de-santo, por uma sucesso de festas. Alm das festas especficas do culto, muitosterreiros tambm fazem ou participam de vrias festas da cultura popular local, diversasdelas includas no prprio calendrio da casa.

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    03.ESTUDOS SOBRE FESTAS E RELIGIO POPULAR:

    Durkheim (1989) em sua obra clssica sobre a vida religiosa discute a importncia doelemento recreativo e esttico na religio (1989: 452) e mostra (456), a interrelao entrecerimnia religiosa e a idia de festa, pela aproximao entre os indivduos, pelo estado deefervescncia coletiva que propicia e pela possibilidade de transgresso s normas.

    A relao estreita entre religio e festas foi apontada por Durkheim, para quem (1989:372), nos dias de festa, a vida religiosa atinge grau de excepcional intensidade. SegundoDurkheim, as festas teriam surgido da necessidade de separar o tempo em dias sagrados eprofanos (1989: 373). Referindo-se ao descanso religioso Durkheim (1989: 372/373) lembraque o carter distintivo dos dias de festa corresponde, em todas as religies conhecidas pausa no trabalho, suspenso da vida pblica e privada a medida que estas no apresentamobjetivo religioso. Para Durkheim, as festas surgiram pela necessidade de separar no tempo,

    dias ou perodos determinados dos quais todas as ocupaes profanas sejam eliminadas (Id.Ib.373). Adiante afirma: O que constitui essencialmente o culto o ciclo das festas quevoltam regularmente em pocas determinadas.(Id.Ib. 419)

    Durkheim salienta tambm (1989: 452), a importncia dos elementos recreativos eestticos para a religio, comparando-os a representaes dramticas e mostrando (1989:453), que as vezes difcil assinalar com preciso as fronteiras entre rito religioso edivertimento pblico. Segundo Durkheim (1989: 456):

    a prpria idia de cerimnia religiosa de alguma importncia, despertanaturalmente a idia de festa. Inversamente, toda festa ..., apresentadeterminadas caractersticas de cerimnia religiosa, pois em todos os casos,tem como efeito aproximar os indivduos, colocar em movimento as massas esuscitar assim um estado de efervescncia, as vezes at de delrio que no

    deixa de ter parentesco com o estado religioso. O homem transportado parafora de si mesmo, distrado de suas ocupaes e de suas preocupaesordinrias. Assim, de ambas as partes observam-se as mesmas manifestaes:gritos, cantos, musica, movimentos violentos, danas, procura de excitantesque restaurem o nvel vital, etc. Observou-se muitas vezes que as festaspopulares levam a excessos, fazem perder de vista o limite que separa o lcitodo ilcito, o mesmo se d com as cerimnias religiosas que determinam umanecessidade de violar as regras normalmente mais respeitadas.

    Assim vemos que para Durkheim as festas criam um estado de efervescncia que temparentesco com o estado religioso. As festas e cerimnias religiosas levam a excessos eviolao das regras. O sagrado e o festivo tm, portanto pontos em comum e provocamexaltao e comoo.

    Estudando festas nos candombls paulistas, Rita Amaral (1992) constata que, emborahaja muitos trabalhos sobre festas especficas, os estudos tericos sobre festas parece noterem avanado muito aps Durkheim. Estudando a festa como estilo de vida no candombl,Rita Amaral (1992: 168-197) comenta que existe vasta bibliografia antropolgica sobre festase mostra ao mesmo tempo a insuficincia de reflexes tericas sobre o tema, lembrando quealguns autores propem uma tipologia ou classificao de festas.

    Constata que o estudo da festa religiosa se insere no quadro das anlises sobre rituais eque no Brasil no se percebe nenhuma decadncia das festas, como querem alguns estudiososeuropeus, pois cada vez mais grupos organizam mais festas. Afirma que nas festas decandombl no existe inverso de papeis e valores e que as festas, no tendo funo definida,servem para tudo e para nada. Elas atraem por serem efmeras e repetitivas e podem seruma dimenso privilegiada para o estudo da sociedade e dos grupos.

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    Inspirada em vrios autores que analisam este tema, Rita Amaral considera que asfestas pressupem sociedade mais ou menos homognea, constituem espao propcio para aconstruo de identidade, para a reafirmao de valores comuns, ou para a elaborao de

    novos valores.Rita Amaral afirma que o povo-de-santo vive constantemente em festas e que o

    candombl em si uma festa. No tambor de mina do Maranho, o prprio termo tamborrelaciona-se com o instrumento principal que acompanha os toques nas festas. Observemosporem que Rita Amaral analisa as festas especficas do candombl de So Paulo e no incluientre elas as festas tpicas do folclore local, como a Festa do Divino, Congadas, Reisados,etc., que talvez no sejam muito importantes e no estejam incorporadas ao candomblpaulista.

    Em outro trabalho, a autora desenvolve reflexes sobre festas brasileiras, analisandocinco grandes festas populares em diferentes regies do pas, mostrando seus mltiplossentidos, de organizao popular, de expresso artstica, de ao social, de expresso deidentidade cultural e afirmao de valores. Amaral (1998: 7) considera que a festa: um forte

    elemento constitutivo do modo de vida ... uma das linguagens favoritas do povo brasileiro.Segundo Rita Amaral, embora tenha havido o empobrecimento de algumas festas que

    eram mais pomposas no passado, atualmente, no Brasil, as festas crescem em todos ossentidos, especialmente em luxo e participao. Para Rita Amaral (1998: 52): pode-se dizerque a festa uma das vias privilegiadas no estabelecimento de mediaes da humanidade.Segundo Amaral, a festa brasileira se liga essencialmente religio e, desde o perodo colonial,a sociabilidade brasileira encontra-se estreitamente relacionada realizao de festas. RitaAmaral considera que existe mesmo um modelo brasileiro de festa e que no Brasil a disposiopara a festa constitui trao marcante da identidade nacional.

    Existem muitos estudos sobre religies e festas populares, realizados tanto porfolcloristas quanto por antroplogos. Na Amaznia, entre outros Eduardo Galvo (1976),estuda a importncia das festas de santo no catolicismo popular. Mrio Ypiranga Monteiro(1983), descreve numerosos cultos e festas populares. No Maranho, entre outros, ReginaPrado (2007) realizou pesquisa sobre o bumba-meu-boi na regio da Baixada. Maria MicholPinho de Carvalho (1995), pesquisou o boi em So Lus, mas ainda h poucos trabalhos arespeito de religio e festas populares relativas ao Maranho.

    Parece-nos importante analisar festas na sociedade e nos terreiros na perspectiva deMauss (1974), como fatos ou fenmenos sociais totais, que envolvem elementos polticos,econmicos, estticos, religiosos, morais, etc., em torno de regras de reciprocidade e deobrigatoriedade. Interessa-nos analisar a cultura popular e as festas nos terreiros comoespetculo ritual sincrtico (Bakhtin, 1981: 105), com uma linguagem simblica que expressaa viso que a comunidade tem da sociedade e a relatividade da transformao e da mudana.

    Satriani (1986) mostra que no estudo da cultura de qualquer sociedade indispensvellevar em considerao as distines de classe. Considera o folclore como cultura das classessubalternas e que seu estudo constitui uma das formas de documentar os valores e a ideologiadas classes subalternas. Inspirados em Canclini (1983: 30), consideramos a cultura popularcomo pratica simultaneamente econmica e simblica, como produo simblica da classesubalterna e como elemento definidor de identidade social.

    A expresso cultura popular pode ser entendida como uma forma mais moderna dedesignar o folclore. A palavra folclore muito desgastada e tem conotaes pejorativas. Aexpresso cultura popular tambm discutvel. Segundo Ortiz (1980: 46), Gramsci inclui ofolclore e a religio dos subordinados no conceito de cultura popular, como concepo domundo e como forma de conhecimento que se contrape cultura hegemnica.

    O conceito de cultura popular, que tem sido criticado sobretudo pelos cientistassociais, vem sendo largamente utilizado sobretudo no mbito da Histria. Isambert (1982)

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    discute o renascimento do interesse pelo estudo de religio, cultura popular e festas, comotemas inter-relacionados e caracteriza diversas utilizaes destes conceitos.

    Vovelle (1987) mostra o interesse pelas festas na histria das mentalidades e da vida

    cotidiana, desde fins da dcada de 1960. Considera a festa um importante campo deobservao por ser o momento em que o grupo projeta simbolicamente sua representao domundo. Priori (1994) estuda a presena da festa no Brasil colonial e Reis (1991) mostra acarnavalizao das comemoraes religiosas na Bahia do sculo XIX. Estes e outros estudosmostram a importncia que os historiadores atribuem atualmente as festas populares comomodo de se entender a sociedade.

    A religio um dos elementos bsicos, constitutivos da cultura de toda sociedade.Segundo Pereira de Queiroz (1992: 206), Durkheim v na religio e nos valores em geral abase dos fatos sociais e os fundamentos da estrutura social. Os limites entre o sagrado e oprofano, entre o rito religioso e a festa popular, embora possam ser definidos, esto pormmuito prximos. Como diz Durkheim (1989: 456): talvez no haja jbilo onde no existaalgum eco da vida sria. No fundo, a diferena est mais na proporo desigual em que esses

    dois elementos so combinados.Convm lembrar que existem diferenas marcantes entre religio popular e folclore e

    que uma no deve ser limitada outra (Isambert, 1982: 48). A religio no tambor de mina encarada como obrigao, como algo que deve ser levado muito a srio e que imperespeito. O folclore costuma ser visto pelo povo como mera distrao, como brincadeira,como se diz no Maranho. Acontece que para os participantes de manifestaes folclricascomo o tambor de crioula e ou o bumba-meu-boi, a festa ou a brincadeira, chega a serlevada to a srio pelos organizadores, que acaba se transformando praticamente numaobrigao religiosa.

    Obrigao e brincadeira constituem duas categorias ou qualidades largamenteutilizadas neste domnio. Parecem termos que se opem, mas na prtica encontram-se inter-relacionados. Segundo o Dicionrio de Aurlio Buarque de Holanda (1999), brincadeira implicadivertimento, sobretudo infantil, significa passatempo, entretenimento, festa, diverso,gracejo, coisa que se faz irrefletidamente ou por ostentao. Obrigao tem o carter deimposio, preceito, dever, compromisso. Estas duas categorias mostram que as festaspopulares religiosas possuem a dupla dimenso de divertimento e de compromisso.

    Nos terreiros de tambor de mina existe a obrigao de oferecer brincadeiras paradeterminadas entidades sobrenaturais. Nestes momentos verificamos que os limites entre areligio e o folclore esto inter-relacionados e no podem ser claramente separados, comomuitas vezes tambm ocorre com os conceitos de sagrado e profano, de festa e rotina(Callois, 1988).

    Franois Isambert (1982), discute longamente os conceitos de religio popular e defestas, especialmente no contexto europeu. Critica a posio de Caillois e de outros, sobre adecadncia das festas tradicionais nas sociedades industrializadas. Isambert analisa teoriassobre a festa a partir de Roger Caillois, que inspirado em Durkheim, v a festa como liberaoperidica dos instintos comprimidos pelas regras sociais e como transgresso ritual de regrasque o sagrado impe vida cotidiana, em que o mito se une ao rito, pois o caos da festa reconstituio simblica do caos primitivo. Para Caillois a festa uma regenerao da ordemsocial. Para Duvignaud (1983) a festa uma subverso criadora. Isambert lembra que osintelectuais ficaram impressionados com o festival de Woodstock dos hippies e com osaspectos festivos de Maio de 1968, voltando a se interessar pelo estudo das festas e dareligio popular.

    O medievalista francs Jacques Heers (1987:11) afirma que a festa apresenta-setambm como o reflexo duma sociedade e de intenes polticas. Considera ser fcilconceber, o prestgio que recai sobre aquele que oferece jogos e festas. Indica como outraconseqncia da festa, (id.: 17) a exaltao da situao e dos valores, ainda mais das

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    influncias, dos privilgios e dos poderes, tudo reforado pela exibio do luxo e peladistribuio de benesses. Afirma em sntese:

    A festa pblica exalta os poderes, a festa privada refora as clientelas e as

    audincias sociais. No so nem jogos nem meros espetculos, mas sim forasque pesam muito nos equilbrios ou nas hierarquias, elementos decisivos paraforjar ou conservar reputaes (Heers, 1987: 18).

    O historiador francs Michel Vovelle (1987), afirma que causou surpresa a historiadoresmarxistas, ao demonstrar complacncia por temas heterodoxos como a morte e a festa, emvez de se interessar pela tomada de conscincia das massas. Diz que a partir dos anossessenta, surgiu uma gerao de historiadores interessados pela histria das mentalidades,ampliando o campo de pesquisa da etnografia histrica e fazendo renascer o interesse doshistoriadores pelo estudo das festas. Vovelle considera a festa um importante campo deobservao, pois o momento em que um grupo projeta simbolicamente sua representaodo mundo. Segundo Vovelle (1987: 247), a Revoluo de Maio de 1968, fez o historiador se

    interessar pela festa, inicialmente pela festa que representou a Revoluo Francesa,procurando aspectos revolucionrios da festa e do carnaval, como subverso dos privilgios ea multiplicidade de significados da festa carnavalesca. Diz que atravs dos sculos a festa nopossui uma estrutura fixa e se modifica constantemente, mas fornece exemplo do quedenomina de estruturas obstinadas, ou estruturas formais, que resistem atravs dostempos, devido inrcia das mentalidades. Diz tambm que necessrio refletir, semconcluses prematuras, sobre a natureza e finalidade da festa.

    Mikhail Bakhtin, terico russo da literatura contempornea, em sua famosa obra sobreCultura Popular na Idade Mdia, afirma (Bakhtin, 1987: 7/8):

    As festividades (qualquer que seja o seu tipo) so uma forma primordial,marcante, da civilizao humana. No preciso consider-las nem explic-lascomo um produto das condies e finalidades prticas do trabalho coletivo

    nem, interpretao mais vulgar ainda, da necessidade biolgica (fisiolgica)de descanso peridico. As festividades tiveram sempre um contedoessencial, um sentido profundo, exprimem sempre uma concepo domundo... E adiante: As festividades tm sempre uma relao marcada com otempo.

    Como diz Renato Ortiz (1992: 61), a noo de cultura popular relativamente recente,tendo surgido na Europa com o movimento romntico de incios do sculo XIX, justamentequando aumentou a separao entre cultura de elite e cultura popular. Hoje se constata adiversidade da cultura popular, que no constitui um todo homogneo, como pensavamintelectuais romnticos do sculo passado, que inventaram este conceito, no dizer de PeterBurke (1989).

    A idia de religiosidade popular no aceita tranqilamente por todos, devido segundoafirmam, prpria crtica, indefinio e falta de rigor do conceito de povo. H autores(Driessen, 1989: 82), que comparam os conceitos de religio oficial e popular, aos conceitosde cultura de elite e de folk, de rural como oposto a urbano, de primitivo como oposto amoderno, ou de proletariado se opondo a capitalismo, preferindo a distino entre religiopraticada e religio prescrita. Segundo Driessen, no contexto do catolicismo, o que existe mais uma tenso nas relaes entre igreja universal e catolicismo local e no exatamenteuma distino entre religio oficial e popular.

    No campo das religies afro-brasileiras, entretanto, o conceito de religio popular nosignifica religio que se distinga da oficial, como acontece com catolicismo oficial e popular,uma vez que elementos do catolicismo popular muitas vezes esto presentes nestas, quasecomo complemento. Alm disso, sendo eminentemente orais, as religies afro-brasileiras no

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    possuem uma dimenso formal ou oficial. No Maranho, como em todo Brasil, diferente doque ocorre no mundo cristo europeu, a religiosidade popular a religio vivida e praticadapelos mais pobres, que so tambm os mais numerosos. No tambor de mina e nas demais

    religies afro-brasileiras, no existe uma ortodoxia que diferencie a religio oficial dapopular. conveniente distinguir, entretanto que existem certos grupos mais elitizados entreas chamadas religies afro-brasileiras. Assumimos, porm, com Lombardi Satriani (1989: 55),que religio popular a religio das classes subalternas de uma determinada sociedade.

    A pesquisa antropolgica sobre religio e festas populares distingue-se da viso dofolclorista tradicional, pois procura ver as dimenses mais profundas destes fenmenos e suasdiversas implicaes sociais. Queremos analisar a cultura popular e as festas em terreiros demina e na sociedade, como produo simblica e como elemento definidor da identidadesocial dos grupos da classe subalterna.

    04. RELIGIO E SINCRETISMO:

    Sincretismo palavra considerada maldita que provoca mal estar em muitos ambientese em muitos autores. Diversos pesquisadores evitam mencion-la, considerando seu sentidonegativo, com sinnimo de mistura confusa de elementos diferentes ou imposio doEvolucionismo e do Colonialismo. Vrios autores lembram que originariamente a palavraderiva da reunio dos Estados da Ilha de Creta contra o adversrio comum. Este sentido apropriado ao uso do termo que estamos discutindo aqui.

    Em primeiro lugar necessrio esclarecer que, embora nem todos aceitem, todas asreligies so sincrticas, pois elas representam o resultado de grandes snteses integrandoelementos de vrias procedncias que formam um novo todo. Por isso alguns achamredundante falar em sincretismo religioso. No Brasil quando se fala em religies afro-brasileiras se pensa imediatamente em sincretismo, como aglomerado indigesto de ritos e

    mitos de origens diversas, ou como bricolagem no sentido de mosaico as vezes incoerente deelementos de origens diversas (Pollak-Eltz, 1996: 13). Costuma-se atribuir tambmsincretismo quase exclusivamente ao catolicismo popular e as religies afro-brasileiras. Anosso ver o sincretismo se encontra tanto na Umbanda e em outros cultos afros, quanto noCatolicismo primitivo ou atual, popular ou erudito como em outras religies. Podemos mesmoconsiderar o sincretismo como caracterstica do fenmeno religioso. Isto no implica emdesmerecer nenhuma religio, mas em constatar que, como os demais elementos de umacultura, a religio constitui uma sntese integradora englobando contedos de diversasorigens. Tal fato no diminui, mas a nosso ver engrandece o domnio da religio, como pontode encontro e de convivncia pacfica de tradies distintas.

    Toda religio se pretende verdadeira e pura. O ideal de pureza uma construoideolgica. Cada lder ou participante de uma religio procura idealmente exercer sua prticareligiosa da forma que considera melhor possvel. Pretende e tenta fazer tudo do modo mais

    correto, mais bonito e bem feito. Por isso no ambiente religioso a arte, a esttica e a beleza,na msica, na dana, na pintura, na escultura, na literatura, na culinria e no vesturio,costumam estar presentes e prximas. Arte e religio constituem fenmenos difceis de seremseparados, pela atitude de contemplao mstica que existe em ambos.

    O ideal de pureza, intrinsecamente relacionado a preocupaes religiosas parece seopor idia de sincretismo, que vulgarmente lembra mistura, poluio, confuso, sntese deelementos diferentes e contraditrios. A pureza religiosa um mito, como bem o lembraPollak-Eltz (1996: 3) Sincretismo traz tambm a idia de opresso e de imposio da religiodo colonizador sobre o colonizado, implicando em aceitao pacfica pela classe subalterna,que adota e confunde tradies de origens distintas e opostas.

    No campo das religies afro-brasileiras, alguns dirigentes e militantes maisintelectualizados tendem atualmente a seguir a estratgia de condenar o sincretismo afro-

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    catlico, afirmando no ser hoje mais necessrio disfarar as crenas africanas por traz deuma mscara colonial catlica. Curiosamente lderes catlicos, que no passado criticavam eperseguiam o sincretismo, hoje esto mais preocupados em compreend-lo sob o novo termo

    de inculturao. Setores do Catolicismo relacionados com o movimento de pastoral donegro passaram a incluir elementos das religies africanas na missa, nos batizados ou emoutras cerimnias para-litrgicas. No se pode, entretanto, esquecer que, no passado, oCatolicismo foi imposto aos escravos e seus descendentes, de forma opressiva, por uma Igrejaque compactuava com o sistema escravocrata e que hoje esta imposio no tem maissentido.

    Por outro lado, em alguns grupos de culto afro-brasileiros nota-se, pelo menos nosltimos vinte anos, em grau diversificado e em vrias regies, a preocupao em se ocultarvestgios exteriores do catolicismo, para evitar a confuso entre orixs africanos e santoscatlicos.Esta confuso seria um dos pontos centrais da polmica. Pessoas maisintelectualizadas, que atualmente participam em diversos nveis de diferentes segmentos dasreligies afro-brasileiras, preocupam-se em afastar o esteretipo da confuso entre santos eorixs.

    No imaginrio e na expresso artstica afro-brasileira, entretanto, muitos orixs socaracterizados com esteretipos e atributos de santos catlicos, muitos deles brancos comoum guerreiro romano, por exemplo. Alm disso, o calendrio da maior parte dos cultos afro-brasileiros, como no podia ter sido diferente, construdo basicamente em cima docalendrio ocidental cristo.

    A maioria dos estudos sobre sincretismo realizados no Brasil nos anos quarenta ecinqenta apresentava quadros comparativos da identificao de sincretismos entre santos eorixs em diferentes regies do Brasil e nas Amricas. Estes quadros utilizados por estudiososda poca logo se esgotaram e saram de moda, uma vez que de fato explicavam muito poucoe de forma esquematizada, sem penetrar mais a fundo na complexidade do problema.Serviam, sobretudo para tentar identificar o que se considerava a procedncia e o paralelismodo sincretismo afro-catlico entre santos e orixs. Em fins da dcada de cinqenta, devido

    talvez ao desinteresse pelos estudos sobre aculturao e sincretismo passou a ser menosestudado entre ns.

    Constatamos que a devoo de um vodum ou orix a um santo catlico, no implica naconfuso ou na indistino entre ambas entidades. Os devotos dos voduns e dos santos,absolutamente no confundem um com o outro. Provavelmente no passado, esta devoo seoriginou da estratgia de aceitar a dominao, como nica forma possvel de sobrevivncianuma sociedade opressora. Sabe-se que esta estratgia atualmente no se faz mais necessrianuma sociedade pluralista, preocupada com os direitos das minorias mas para a maioria dopovo estes esquemas mentais permanecem e no mudam com facilidade de um momento paraoutro.

    No concordamos que se deva simplesmente negar ou esconder o sincretismo, dizendoque foi um fenmeno que s funcionou no passado e hoje est em desaparecimento. Pode ser

    at que no futuro o sincretismo afro-catlico venha a se reduzir, por exemplo, naidentificao de exterioridades entre santos e orixs. Mas no momento atual, no se podenegar sua existncia, por se pretender ou desejar que ele desaparea, por refletir aspectosque so hoje considerados por alguns como obscurantistas.

    O sincretismo afro-brasileiro foi uma estratgia de sobrevivncia e de adaptao, queos africanos trouxeram para o Novo Mundo. No Continente Africano, nos contatos pacficos ouhostis com povos vizinhos, era comum a prtica de adotar divindades entre conquistados econquistadores. Foi uma estratgia de sabedoria que pode ser entendida no primeirosignificado da palavra apresentada no Dicionrio do Aurlio: reunio de vrios ... contra oadversrio comum.

    Se podemos reconhecer a existncia de um proto-sincretismo original na formao detodas as religies, porque o fenmeno no se continuaria no presente? Devido apenas a uma

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    pretensa incompatibilidade institucional ou terica entre religies? A lgica dos intelectuaisnem sempre plenamente observada nas prticas populares, que muitas vezes atuamsegundo outras lgicas.

    05. SINCRETISMO RELIGIOSO E FESTAS POPULARES:

    As festas religiosas constituem componente importante das religies populares, em queo sincretismo encontra-se intimamente relacionado. Isambert (1982) comenta orenascimento, a partir de 1970, do interesse pelo estudo das religies e da cultura popular ediscute longamente o significado do conceito de cultura popular, hoje bastante utilizado porhistoriadores e aceito com certas restries por vrios cientistas sociais.

    Isambert constata, que na Igreja Catlica, a partir do sc XVIII ocorreu o divrcio entreuma religio urbana, escrita e individualizante, que passou a se opor a uma cultura religiosa

    das massas, agro-monstica anterior. Considera que o termo cultura popular relaciona-se cultura das classes subalternas, caracterizando a dicotomia da distino entre o popular eoficial, entre o vivido e o doutrinal.

    Segundo Isambert (1982: 37), Jean Sguy acrescenta que a religio popular qualificada de superstio, por conter elementos que as autoridades religiosas julgamheterogneos em relao ao sistema no qual elas se apiam. tambm qualificada desincretismo, quando um grupo marginalizado organiza crenas e prticas retiradas de vriaspartes, formando um todo relativamente autnomo que a religio oficial combate. qualificada ainda de prticas folclricas ou tradicionais, como complemento integradogeralmente a uma festa.

    Isambert lembra tambm (1982: 47), que o terico da religio popular da escola deDurkheim, Henri Hubert, fazia distino entre religies de Igrejas, como o Cristianismo, o

    Islamismo e o Budismo e religio de povos, como a romana, a grega ou a assria, e podemosacrescentar, as afro-brasileiras. As religies de Igrejas possuem culto e doutrina fortementeorganizada e as religies de povos so constitudas de crenas e prticas nem sempreunificadas e codificadas.

    Assim, na viso geral e, segundo a perspectiva de Jean Sguy, destacada por Isambert,constatamos que festas folclricas, religies populares, supersties e sincretismos,constituem fenmenos inter-relacionados. claro que religio e folclore so conceitosdistintos, mas na prtica se aproximam e se confundem, da mesma forma que supersties esincretismos se aproximam entre si, embora sejam conceitos diferentes. As festas popularese as manifestaes folclricas refletem de modo geral a presena do sincretismo nareligiosidade popular. Mas a religiosidade popular ultrapassa o folclore. Existem nas prticasreligiosas afro-brasileiras componentes religiosos especficos e distintos do folclore. Podemosindicar entre outros o respeito por seres, lugares, objetos, gestos, cnticos e palavras

    sagradas e a observao de cerimnias litrgicas minuciosas e complexas.

    Consideramos o sincretismo, como elemento essencial de todas as formas de religio,que est muito presente na religiosidade popular, nas procisses, nas comemoraes dossantos, nas diversas formas de pagamento de promessas, nas festas populares em geral.Constatamos que o sincretismo constitui uma das caractersticas centrais das festas religiosaspopulares. Nas religies afro-brasileiras o sincretismo uma forma de relacionar o africanocom o brasileiro, de fazer alianas como o escravo aprendeu na senzala e nos quilombossem se transformar totalmente naquilo que o senhor desejava (Reis 1996: 20), nem ficarpresos a modelos ideolgicos excludentes (Munanga, 1996: 63).

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    O sincretismo nas religies afro-brasileiras no representa um disfarce de entidadesafricanas em santos catlicos, mas uma reinveno de significados e uma circularidade deculturas. Trata-se de uma estratgia de transculturao refletindo a sabedoria que os

    fundadores destas religies tambm trouxeram da frica e, eles e seus descendentes,ampliaram no Brasil. Em decorrncia do sincretismo, podemos dizer que as religies afro-brasileiras tm algo de africanas e de brasileiras sendo, porm diferentes das matrizes que asgeraram.

    06. FESTAS RELIGIOSAS POPULARES: A FESTA DO DIVINO NO MARANHO:

    Entre as muitas festas religiosas populares, queremos brevemente destacar a Festado Divino Esprito Santo.(Ferretti 2007) Trata-se de uma tradio do Catolicismo e da culturapopular de origem portuguesa, muito encontrada em vrias regies, com caractersticasprprias em cada lugar. Em So Lus do Maranho, organizada principalmente por afro-

    descendentes, em Terreiros de Tambor de Mina, e nela se destacam os toques das caixeiras.Estas so caractersticas bsicas que distinguem a Festa do Divino do Maranho e de outroslugares. Atualmente a festa do Divino do Maranho est se expandindo, levada pormaranhenses, sobretudo para o Rio de Janeiro e para So Paulo. uma festa comorganizao minuciosa e complexa, com uma seqncia barroca de rituais, que no podemdeixar de ser executados.

    A festa do Divino realizada nos terreiros de tambor de mina constitui-se um dosprincipais elementos que evidenciam a presena do sincretismo religioso nas religies afro-maranhenses. O ritualismo barroco e minucioso, evidenciado nos cnticos lentos e demoradosdas caixeiras e nas longas cerimnias da festa do Divino nos terreiros , tambm, encontradoem outros rituais do Tambor de Mina, lembrando o Te Deum e as Missas Solenes da IgrejaCatlica. O exagero barroco de rituais em contraste com a sbria discrio dos participantes, tambm, uma caracterstica desta e de outras festas populares no Maranho.

    Como dissemos em outro trabalho (Ferretti, S. 1995: 187), o sincretismo da festa doDivino nos Terreiros de Mina pode ser visto como paralelismo entre religiosidade e rituais deorigem africana e do catolicismo popular, como se fossem duas retas que se encontram noinfinito. Paralelismo de idias e valores que esto prximos, mas no se misturam nem seconfundem.

    A festa do Divino reflete aspiraes de abundncia e de glrias do passado que estopresentes nas classes populares. uma festa comunitria que ritualiza a colaborao e afartura conseguida atravs da organizao e da criatividade popular. uma festa solene emuito ritualizada que se destaca mais pelo cumprimento do dever e da obrigao, do quepelos elementos de brincadeira, que, entretanto, esto presentes em certos momentos. Nopassado a festa do Divino nos terreiros era considerada como uma heresia pelos setores maisconservadores da Igreja Catlica. Hoje a o catolicismo oficial a encara com maior

    condescendncia, considerando-a como um fenmeno cultural das classes populares, mascom raras excees, o clero catlico em geral no entende muito bem o significado profundodesta festa.

    H pelo menos dois elementos estruturantes das religies afro-brasileiras que estopresentes na Festa do Divino nos terreiros. Um deles o orculo ou previso do futuro,quando os participantes consideram que qualquer erro nos rituais da festa implica naocorrncia de infortnios para membros do grupo. Outro elemento a o smbolo da descidado Esprito Santo sobre os apstolos, que pode ser comparado com o recebimento dasentidades em transe pelos mdiuns. Nestes como em outros elementos encontramosparalelismos entre as religies afro e o catolicismo.

    Verificamos, portanto que a Festa do Divino no Maranho constitui manifestao dareligio e da cultura popular em que evidente a presena do sincretismo, associando

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    elementos do catolicismo popular tradies religiosas africanas. Nesta festa a idia desegredo e de mistrio, fundamental nas tradies afro-brasileiras se associa ao mistrio dastrs pessoas em uma, representadas pelo Pai, Filho e Esprito Santo. Ao mesmo tempo a

    realizao de festas constitui outro elemento tpico do catolicismo popular e das religiesafro-brasileiras. Vemos assim que a Festa do Divino constitui um bom exemplo para seestudar a associao intima entre a religio e a cultura popular.

    07. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

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    Resumo:

    Ttulo: Religio e Festas Populares

    Relaes entre religio e festas populares e interesse de seu estudo. Reflexes sobre sincretismocultural e religioso e festas populares. Religies afro-brasileiras, festas populares e sincretismono contexto dos terreiros de tambor de mina do Maranho.

    Palavras chave: Religio Festas Populares Sincretismo

    Sergio Figueiredo Ferretti

    Dr. em Antropologia, Professor da UFMA

    End.: Av. do Vale 14, apt. 401 Ed. Titnium Bairro Renascena II So Lus MA CEP65075-820

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