relatÓrio de visita aos abrigos da secretaria … · nacional dos serviços socioassistenciais...
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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
RELATÓRIO DE VISITA AOS ABRIGOS DA SECRETARIA
MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO RIO DE JANEIRO.
I- APRESENTAÇÃO:
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
(MEPCT/RJ) é um órgão vinculado à Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro
implementado através da Lei 5778 de 30 de junho de 2010. O MEPCT tem como objetivo
planejar, realizar e conduzir visitas periódicas e regulares a espaços de privação de
liberdade, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção, aprisionamento,
contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado de controle, vigilância,
internação, abrigo ou tratamento, para verificar as condições em que se encontram
submetidas as pessoas privadas de liberdade, com intuito de prevenir a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes.
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A criação do MEPCT decorre da ratificação do Brasil em 2007 ao Protocolo
Facultativo das Nações Unidas para Prevenção à Tortura e outros Tratamentos e Penas
Cruéis, Desumanos e Degradantes. Ressalta-se que para além dos sistemas de privação de
liberdade como o penitenciário e socioeducativo, por exemplo, a legislação fluminense
assegura a visitação regular do MEPCT aos abrigos conforme dispõe o art.8º I da referida
lei.
As visitas foram realizadas com a participação também de integrantes do Conselho
Regional de Serviço Social/7ª Região/Rio de Janeiro (CRESS/RJ) e Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro/5a Região (CRP-RJ), além da Organização de Direitos
Humanos Projeto Legal (ODHPL), esta convidada especialmente para visitação a
instituição para acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Vale destacar que as
referidas instituições compõem o Comitê Estadual para Prevenção e Combate à Tortura do
Rio de Janeiro (CEPCT/RJ), órgão também criado pela Lei 5778/10.
II- INTRODUÇÂO
O presente relatório visa fazer uma análise da política de acolhimento da população
em situação de rua no município do Rio de Janeiro, a partir da realização de visitas a
instituições que implementam tais políticas e do acesso a legislações e documentos acerca
da temática.
As visitas foram realizadas entre os dias 18 e 22 de junho de 2012 durante a semana
em que se realizou nesta cidade a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (Rio+20), evento de grande porte que atraiu milhares de pessoas à cidade. Há
que se considerar que se optou metodologicamente em realizar as inspeções aos abrigos na
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referida época, sobretudo com o escopo de se avaliar os impactos no que diz respeito ao
acolhimento institucional a esse público no contexto dos grandes eventos.
As unidades de acolhimento visitadas estão vinculadas à Subsecretaria de Proteção
Social Especial da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) da Prefeitura da
cidade do Rio de Janeiro. De acordo com seu sítio, a SMAS tem como missão
“Implementar a Política Nacional de Assistência Social no município do Rio de Janeiro
para garantir acesso aos direitos socioassistenciais aos cidadãos e grupos em situação de
vulnerabilidade social.” Vale destacar que devido a realização da Rio+20, a SMAS
estabeleceu um sistema de plantão com aumento da carga horária de seus profissionais.
O presente documento apresenta uma breve consideração acerca da Política de
Assistência Social e seguidamente as principais questões observadas nas visitas aos abrigos
para acolhimento de população adulta de rua: Unidade Municipal de Reinserção Social
Rio Acolhedor, Centro de Acolhimento Stella Maris, Centro de Acolhimento Boa
Esperança e as denominadas “Centrais de Recepção de Criança e Adolescente”: Central
de Recepção de Crianças e Adolescentes Taiguara, Central de Recepção de Crianças e
Adolescentes Adhemar Ferreira de Oliveira. As atividades foram realizadas com
automóveis gentilmente cedidos pelo CRESS/RJ e CRP/RJ.
III- Equipes das visitas.
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura
Fábio Simas
Isabel Mansur
Patrícia Oliveira
Taiguara Souza
Renata Lira
Vera Lúcia Alves
Conselho Regional de Serviço Social
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Edenilza Cesário
Hilda Correa
Silvia Dabdab
Conselho Regional de Psicologia
Alice de Marchi
Beatriz Adura
Organização de Direitos Humanos Projeto Legal
Antônio Pedro Soares
IV- Da Política de Assistência Social
A Assistência Social no Brasil se configurou historicamente de maneira subalterna
no âmbito das políticas sociais. Há certa mudança de paradigma ao menos no âmbito
formal a partir da Constituição Federal de 88 que introduz a política de assistência social no
rol da seguridade social juntamente com a saúde e previdência social embora não tenha
ocorrido a devida articulação. Em 1993, é sancionada a Lei Orgânica da Assistência Social
(Lei nº8742) que estabelece a assistência social como “direito do cidadão e dever do
Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais,
realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade,
para garantir o atendimento às necessidades básicas.”
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Em mais de uma década depois em 2004 é criado o Sistema Único de Assistência
Social (SUAS) estabelecendo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) na esfera
do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) que pregoa avanços
como um sistema descentralizado e participativo que enfatiza a dimensão territorial. A
referida política está articulada em duas modalidades de proteção social- a básica e a
especial. A Proteção Social Básica atua através de desenvolvimento de potencialidades e
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, focando no lócus preventivo de uma
situação de “risco” cujo equipamento de serviço é o CRAS- Centro de Referência de
Assistência Social.
Já a Proteção Social Especial (PSE) está voltada à famílias e indivíduos em situação
de risco pessoal ou social que tenham seus direitos ameaçados ou violados (como situações
de violência física/psicológica,abandono, exploração sexual, afastamento do convívio
familiar) tendo enfoque protetivo cujos serviços se encontram na unidade pública estatal
denominada CREAS- Centro de Referência Especializada em Assistência Social.
Nesse prisma, os abrigos, tanto de atenção à população de rua e acolhimento
institucional de crianças e adolescentes, fazem parte da PSE. Em 2009, através da
Resolução Nº109 do Conselho Nacional de Assistência Social é aprovada a Tipificação
Nacional dos Serviços Socioassistenciais (TNSS) que define e organiza os diferentes tipos
de serviço no âmbito do SUAS.
No tocante ao Rio de Janeiro, há que destacar que especialmente na última década
houve uma considerável ampliação da cobertura da política de assistência social, com esta
política tendo uma secretaria própria, além da contratação via concurso público substantiva
de profissionais, sobretudo assistentes sociais. Contudo, tal política reduziu a seguridade
social à assistência social, privilegiando a política de atendimento a “vulnerabilidade” e
“risco social” em detrimento da ampliação dos direitos e sua universalização, colidindo
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com as conquistas alcançadas nas legislações sociais, fenômeno este entendido por
Rodrigues (2007)1 como “assistencialização da seguridade social”.
Há que se ressaltar que o município do Rio de Janeiro alcançou a gestão plena da
Assistência Social.
V- Dos Serviços de Acolhimento para Adultos e Famílias
Os serviços de acolhimento se encontram de acordo com o SUAS na Proteção
Especial de Alta Complexidade, sendo previsto na TNSS para “pessoas em situação de rua
e desabrigo por abandono, migração e ausência de residência ou pessoas em trânsito e
sem condições de auto-sustento”2. No âmbito da política de assistência, podemos destacar a
lei 11258/05 que acrescenta na LOAS a criação de serviços especiais para atendimento à
população de rua e, em 2006, a portaria do MDS Nº381 garante recursos para co-
financiamento federal para municípios com mais de 300mil habitantes para ofertas de
serviço à população de rua.
O marco normativo para a garantia de direitos humanos para esse público é o
Decreto Nº 7053 de dezembro de 2009 que institui a Política Nacional para a População em
Situação de Rua. De acordo com o referido documento que estipula uma série de medidas
intersetoriais, população em situação de rua é “o grupo populacional heterogêneo que
possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados
e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e
as áreas segregadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou
permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como
moradia provisória.”.
1 Rodrigues, Mavi. Assistencialização da seguridade e do Serviço Social no Rio de Janeiro: notas críticas de
um retrocesso. In: “Projeto Profissional e Conjuntura.” Revista Serviço Social e Sociedade nº91 Especial. São
Paulo: Cortez, 2007.
2 http://www.mds.gov.br/acesso-a-
informacao/legislacao/assistenciasocial/resolucoes/2009/Resolucao%20CNAS%20no%20109-
%20de%2011%20de%20novembro%20de%202009.pdf
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No âmbito carioca, merece destaque as visitas realizadas pelo CRESS e CRP no ano
de 2010 que apresentou um diagnóstico da política de abrigamento de população de rua.
Dentre outros fatores, o relatório teve como conseqüência o Termo de Ajuste de Conduta
do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro de 25 de maio de 2012. Tal documento
estabelece uma série de medidas a serem tomadas pela prefeitura como procedimentos às
operações de abordagem e acolhimento, inclusão em programas de transferência de renda e
moradia, além de estabelecer condições físicas adequadas semelhantes a residências aos
espaços de abrigamento, dentre outras.
V.1- Das Visitas
1- Unidade Municipal de Reinserção Social Rio Acolhedor (RA)
Data da Fiscalização: 18/06/2012.
Endereço: Rua Hermílio Aurélio Sampaio, 105. Paciência
O abrigo denominado Unidade Municipal de Reinserção Social Rio Acolhedor (RA)
está situado no bairro de Paciência na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, distante cerca
de 1h45 do Centro da cidade.
O abrigo Rio Acolhedor está destinado a acolher provisoriamente adultos em
situação de rua do gênero masculino. O equipamento se situa em uma extensa área que
antes abarcava um complexo de aprendizado profissional industrial do Serviço Social da
Indústria (SESI) /Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (SENAI), formada por
estrutura arquitetônica semelhante a uma fábrica, apresentando muros altos e um grande
portão que dá acesso ao local.
Na parte externa à entrada do RA se situa em rua com um riacho bastante poluído.
Chamou atenção um imenso buraco no asfalto após o portão de entrada do abrigo o que
poderia impedir a circulação de automóveis de pequeno porte. Segundo informações dos
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entrevistados no abrigo, o buraco separa a entrada da unidade de uma “boca de fumo”, que
pôde ser avistada ao final da rua. Além disso, a área em que se situa o abrigo é
intermediária entre duas favelas, uma conhecida pelo comércio de drogas (Antares) outra
pela milícia (Três Pontes) e segundo relato os conflitos costumam ser constantes. Na
semana seguinte à visita foram noticiadas intervenções da Polícia Militar no local3.
Chamou atenção certo número de pessoas encostadas no muro da parte externa do abrigo.
Na parte interna há um posto de atendimento médico e um CREAS – Centro de
Referência Especializado de Assistência Social e o Posto de Saúde da Família (PSF) Prof.
Sávio Antunes. Foi oportunizada na ocasião uma breve conversa com alguns profissionais
deste órgão.
A atividade de inspeção contou com uma reunião com a direção, diálogo com
alguns profissionais e entrevistas com os usuários do serviço. O Rio Acolhedor é dirigido
pelo Sr. Ademir Treichel que está lotado no Gabinete da Prefeitura cuja formação é
administrador de empresas. Foi possível também conversar com o Sr. Paulo César
Nascimento, coordenador do Projeto Acolhedor.
De acordo com a direção a co-gestão é realizada ONG CEACA Vila (Centro
Comunitário Lídia dos Santos), sendo esta responsável pela situação trabalhista do regime
de prestação de serviços da grande maioria dos profissionais que lá atuam, com exceção
dos assistentes sociais que são concursados. O equipamento conta com 182 funcionários
entre psicólogos, profissionais da área de saúde e educadores (Auxiliar de serviços gerais,
porteiro, ajudante de cozinha, auxiliar de cozinha, cozinheiro, educadores, professor de
educação física, sociólogo, fonoaudiologia, enfermagem, técnico de enfermagem,
nutricionista e psicopedagoga). A escala dos educadores é de 12 por 36 horas. Há uma
separação entre idosos e adultos.
3 http://rederecord.r7.com/londres-2012/video/policia-volta-a-fazer-operacao-em-antares-na-zona-oeste-do-
rio-4fec6146e4b042cda00e1428/
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Segundo relatos, há uma grande rotatividade de pessoas reproduzindo o ciclo rua,
abrigo e rua/abrigo. Questionado sobre a movimentação em conseqüência da Rio+20, foi
informado que não houve aumento do número de pessoas acolhidas, embora como outros
equipamentos da SMAS, os profissionais desta secretaria estivessem em regime de plantão.
Os acolhimentos são feitos a partir de abordagens na rua por educadores da SMAS
especialmente na área do centro e zona sul foi relatado também que Secretaria de Ordem
Pública (SEOP) faz a abordagem especialmente no horário noturno. Na entrevista com os
abrigados, foi relatada certa “coação” dos profissionais da prefeitura à submissão ao
abrigamento, chamou atenção também o porte físico (altos e fortes) dos educadores.
Quanto aos serviços de saúde, os usuários são encaminhados de acordo com a
demanda para hospitais da região.
Cabe destacar que a grande distância geográfica do abrigo para o Centro da cidade é
um fator que impõe mais dificuldades na obtenção de emprego e renda para os usuários do
RA que se encontram em situação de extrema pobreza. Foi observado um cenário de
ociosidade na maior parte do dia e reduzido número de atividades.
Em entrevista com os usuários parte deles afirmaram que ao serem recolhidos
naquela semana, os profissionais teriam pedido para que “ficassem ali até o término da
Rio+20”.
2. Centro de Acolhimento Stella Maris
Data da Fiscalização: 21/06/2012.
Endereço: Estrada dos Maracajás, 973. Galeão, Ilha do Governador
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O Centro de Acolhimento Stella Maris compreende o conjunto de quatro serviços
distintos, todos lotados em uma mesma unidade arquitetônica. Nele se encontram: o
CREAS – Centro de Referência Especializado em Assistência Social Stella Maris, o CRAF
– Central de Recepção e Acolhimento de Famílias e Adultos Tom Jobim, a UMRS –
Unidade Municipal de Reinserção Social – para homens e mulheres adultos – e a Central de
Recepção para Idosos Carlos Portela.
No momento da visita, o CREAS Stella Maris estava fechado, tendo sido, portanto,
o único serviço que a equipe não pôde visitar. É sabido que o CREAS Stella Maris abrange
as seguintes áreas geográficas: Ilha do Fundão, Ilha do Governador, Galeão, Guarabu,
Jardim Carioca, Jardim Guanabara, Praia da Bandeira, Cacuia, Zumbi, Pitangueiras, Ribeira
e parte do Cocotá.
Vale destacar que, num aspecto geral, apesar dos serviços terem áreas
administrativas próprias, todos se encontram num mesmo prédio. Neste sentido,
considerando as distintas naturezas dos equipamentos em análise, cria-se, em conseqüência
da ausência de espaço específico, uma dificuldade de compreensão das finalidades de cada
equipamento, especialmente para os usuários daqueles serviços. A circulação na
comunidade também é desfavorecida pelo fato do complexo de equipamentos ser
localizado no meio de uma vila militar da aeronáutica – uma área predominantemente
residencial, com pouquíssima circulação de pessoas nas ruas, sem comércio ou serviços,
onde se encontram, além das referidas residências, apenas unidades de internação do
sistema socioeducativo (portanto, estabelecimentos com muros altos, grades, seguranças
nas portas, entrada e saída controladas). Adicionado a isso, temos o fato de a vila militar
estar separada de outros bairros por avenidas e vias expressas.
Ressalta-se, ainda, que o mesmo prédio utilizado para lotação do complexo já havia
sido utilizado para instalações do Educandário Santos Dumont, destinado a internação
provisória e a internação por medida socioeducativa de adolescentes do sexo feminino. A
área, além de precária (foram observados diversos pontos de mofo, infiltrações, rachaduras,
capim alto/vegetação sem cuidados ou manutenção), é mal conservada e requer obras.
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Passou, recentemente, por um incêndio – fato ainda notável no dia da visita realizada pela
presença de fuligem acentuada no teto e paredes.4
2. a) CRAF – Central de Recepção e Acolhimento de Famílias e Adultos.
A equipe de visita foi cordialmente recebida pela subdiretora Rosa Maria Lopes
Marques, assistente social que atendeu a todos de forma prestativa. A diretora Lucilene
Paiva Alves, também assistente social não se encontrava na unidade na ocasião de nossa
visita. A direção informou que o CRAF seria um nome novo já que o espaço era conhecido,
anteriormente, como Central de Recepção de Adultos e Famílias Tom Jobim anteriormente
localizado na Praça da Bandeira.
Ao ser perguntada sobre o fluxo de entrada e saída dos usuários do CRAF, a
representante da direção esclareceu que os usuários que chegam ao abrigo no período
diurno são acolhidos através de abordagens sociais realizadas pelo CREAS itinerante da
CAS 1 e outros CREAS, com a participação de psicólogos, assistentes sociais e educadores.
O protocolo de abordagem prevê que o usuário entre apenas acompanhado de um
profissional. Há usuários que chegam também por livre arbítrio e se apresentam ao serviço
solicitando vaga. Segundo ela, há outro tipo de abordagem realizada no período noturno
que é feita pela SEOP – Secretaria de Ordem Pública – sobre a qual ela teria poucas
informações, uma vez que acontecem fora de seu turno de trabalho. Sabe apenas que não
contam com a participação da equipe técnica (psicólogos e assistentes sociais), e sim com
policiais militares e guardas municipais. Essas operações, afirmou, são apelidadas por
“abordagem zona sul”, já que se dariam, em sua grande maioria, em Copacabana, Ipanema
e redondezas. Ao ser indagada sobre o uso da força nessas operações, a mesma afirmou
nunca ter recebido qualquer pessoa com sinal de agressões físicas, mas que, caso isso
acontecesse, o procedimento adotado seria o de encaminhar o sujeito para exame corpo
delito e registro de boletim de ocorrência antes da entrada no abrigo. Informou ainda que à
4 24 de fevereiro de 2012. Incêndio destrói parte de abrigo da prefeitura na Ilha do Governador. Disponível
em: http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/incendio-destroi-abrigo-da-prefeitura-na-ilha-do-
governador-20120224.html
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noite a equipe técnica não está nos abrigos, apenas educadores, funcionários da portaria e
da cozinha. Assim, o atendimento técnico daqueles que chegam à noite começa no dia
seguinte à noite em que chegam. Relata, além disso, que os que chegam à noite geralmente
apresentam estado alcoolizado e que muitos costumam evadir da instituição.
Antes da entrada na Central (CRAF), alguns usuários, que apresentam
comprometimento frente à sua saúde mental são levados para o CPRJ – Centro Psiquiátrico
Rio de Janeiro, no bairro da Saúde – onde são avaliados e medicados, caso necessário. Isso
não ocorre em todos os casos, apenas em casos em que se observa algum indício de
comprometimento da saúde mental. Ao chegar no abrigo o usuário é recebido e cadastrado,
alimenta-se e banha-se. Ao dar entrada no CRAF a direção da unidade comunica-se com o
COR “Centro de Operações Rio”5 aonde há uma Central de Registro e Distribuição de
Vagas (CRV) que monitora a abertura de vagas em abrigos de média/longa permanência
para oferecimento ao usuário. O monitoramento de vagas é realizado às 11h e às 16h.
Ainda segundo a direção, o tempo de permanência no CRAF é variável segundo as vagas
disponibilizadas pela Central de Regulação. Há problemas no caso de famílias devido a
poucas vagas disponíveis nos 2 abrigos existentes Boa Esperança e Maria Teresa. A
capacidade da unidade é para 35 homens e 12 mulheres, dispondo de 2 quartos para
famílias. A ocupação era de 32 pessoas – sendo 20 homens, 12 mulheres, no dia da visita.
Foi relatado que a maioria dos usuários chegam a partir do trabalho de abordagem, sendo
em sua maioria mulheres, famílias e idosos (poucos homens).
Em caso de pacientes com quadro de uso e abuso de álcool e outras drogas, o CRAF
providencia o atendimento no CAPS-AD Mané Garrincha e no CEAD. Para assistência
geral em saúde, costumam recorrer a unidades locais: Clínica da Família, UPA e Hospital
Paulino Werneck. Foi relatado que há uma articulação mais intensa ocorrendo com a rede
de saúde de alguns meses para cá, envolvendo também os outros equipamentos do
complexo. Trata-se de Grupos de Trabalho para discussão de casos e encaminhamentos.
Em caso de relatos de ameaças sofridas, a equipe do abrigo faz um relatório técnico e leva
ao plantão do judiciário para que seja determinado o acolhimento em espaço apropriado.
5 Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/corio/exibeconteudo?article-id=133188
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A equipe da unidade é composta cinco assistentes sociais concursados, funcionários
públicos da prefeitura que trabalham 36 horas por semana; três psicólogos (sendo que
recentemente eram cinco) contratados pela ONG “Pró-povo” no regime de CLT por tempo
determinado (dois anos), cumprindo 40 horas semanais, ganhando, em média, R$1.800,00;
35 (20 diurnos, 15 noturnos) Educadores Sociais, também contratados pela ONG referida,
distribuídos em turno da manhã e tarde, trabalhando em regime de plantão de 12h em 36h
semanais; auxiliares de serviços gerais, igualmente contratados pela ONG.
Ao visitar as instalações a equipe constatou a precariedade do prédio e a
improvisação das instalações. A sala da equipe técnica e da direção, apesar de bem
cuidadas, também contavam com pouca estrutura.
A equipe iniciou a visita das dependências para os usuários pelos espaços
destinados às atividades oferecidas, que são ao todo duas: um auditório e uma sala de
televisão. O auditório tem instalações muito degradadas, cadeiras quebradas e porta
improvisada com um tapume de madeira. A sala de TV também está em condições ruins.
O espaço para abrigamento do CRAF tem uma quadra que está com aspecto de
abandonada, com grama alta e muitas poças de água acumuladas. Os quartos têm cama e
colchões para todos os usuários e são bem cuidados no que diz respeito ao asseio e limpeza.
Na ala feminina são 11 quartos pequenos acomodando 2, 3 ou 4 pessoas, sendo que por
iniciativa da direção 3 quartos estão interditados. A ala para homens dispõe de 2 quartos,
um com 3 camas e outro com 32 camas. O aspecto geral do prédio, no entanto, é
calamitoso. Há espaços muito abandonados ao redor do CRAF e uma boa parte do teto do
corredor da entrada ainda se encontra chamuscado por conta de um incêndio recente. A
direção informa ter notificado aos gestores da Secretaria a necessidade de obras e estaria
aguardando. A equipe também pôde visitar instalações da cozinha que pareciam razoáveis e
onde se encontrava uma equipe preparando refeições. Os usuários têm acesso à alimentação
às 8h (café da manhã), 13h (almoço), 15h30 (lanche), 20h30 (jantar). A cozinha conta com
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uma nutricionista e a comida os usuários é a mesma dos funcionários. Segundo a direção, a
comida é variada.
Avaliamos ser importante relatar um episódio presenciado pela equipe quando
passava pela porta do CRAF para ir à Central de Recepção de Idosos, mais tarde, já no final
da visita. Uma mulher, já idosa, gritava a ponto de ser ouvida à distância. Ao chegarmos ao
portão da CRAF, avistamo-la sendo contida fisicamente. A mesma mulher havia sido vista
pela equipe anteriormente, quando passamos pelos corredores da CRAF. Ela parecia
precisar ser atendida em um serviço de saúde mental, e estava falando bastante, sentada em
uma cadeira, em um dos corredores. Neste momento posterior, no qual estava sendo
contida, estava muito agitada e dizia que lhe soltassem, que queria fumar um cigarro e que
sua filha seria violentada. Bombeiros da SAMU e funcionários (educadores) da CRAF lhe
seguravam seus braços com as mãos e com ataduras, enquanto lhe diziam que se
acalmasse.. A mulher foi colocada na prancha e amarrada à mesma com os tais cintos. A
equipe começou a explicar que essa mulher havia chegado através de encaminhamento do
CPRJ e que havia recebido medicamento lá, mas agora estaria em uma crise e seria levada
novamente àquele estabelecimento.
2. b) UMRS Ilha do Governador – Unidade Municipal de Reinserção Social –
para Homens e Mulheres Adultos.
A equipe foi recebida pela diretora Ana Fonseca que é Assistente Social,
funcionária concursada do município, há seis meses na função de direção. A mesma prestou
todos os esclarecimentos solicitados pela equipe de forma cordial e atenciosa.
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A UMRS, também conhecida como “abrigão”, era anteriormente denominada Stella
Maris e atende a população de adultos de ambos os sexos. No dia da visita eram 68 usuárias
mulheres e 52 homens, totalizando 120 usuários para o total de 120 vagas. Esse número era
de 150 vagas antes de ocorrer um incêndio, há três meses. Segundo informou a diretora,
quando o abrigo tem vaga disponível comunica-se à Central de Vagas sobre essa
disponibilidade e a mesma passa a informação para a CRAF e ouros equipamentos.
Atualmente, uma dessas 120 vagas está cedida para a CRAF. O abrigo foi interditado pela
justiça a menos de dois anos6 por superlotação e condições precárias de atendimento.
Segundo informou a diretora, há uma grande quantidade de residentes com
transtornos psiquiátricos longamente institucionalizados, alguns deles entre cinco e oito
anos. Há usuários que ali estão desde 1994, outros desde 1997. Por esse motivo, a unidade
vem fazendo, junto com o CAPS da região e contando com o apoio da Coordenação de
Saúde Mental do município, reuniões mensais para debater o processo de
desinstitucionalização de usuários. Trata-se do “GT desinstitucionalização”, já mencionado
pela diretora da CRAF, no qual ocorre discussão de casos e supervisão em saúde mental.
Segundo afirmou, quase 80% dos usuários seriam pacientes psiquiátricos ou de tratamento
de álcool e outras drogas. A URMS conta com a parceria do CAPS Ernesto Nazareth e a
Clínica da Família da Ilha, que dispõe de atendimento em psiquiatria e também com o
Centro de Psiquiatria do RJ – CPRJ, que atende os casos de emergência.
A equipe técnica é composta por cinco assistentes sociais que trabalham 36 horas
semanais e cinco psicólogos contratados por tempo determinado (dois anos) que trabalham
40 horas semanais.
Ao visitar o abrigo a equipe percebeu a preocupação da unidade em adaptar o
espaço de acordo com o que determinam os parâmetros nacionais, observando a
“tipificação dos serviços sócio assistenciais” (MDS/ Resolução 109 do CNAS), já que as
duas alas – masculina e feminina – contam com quartos com, no máximo, quatro usuários.
6 Justiça Interdita Abrigo por superlotação no Rio de Janeiro. Disponível em:
http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4341874-EI306,00-
Justica+interdita+abrigo+por+superlotacao+no+Rio+de+Janeiro.html
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Em cada quarto há armários individuais e camas beliches. Os banheiros são coletivos no
corredor e a lavanderia fica na área externa, contando com 7 tanques para uso. O espaço
interno é bem cuidado pela equipe e pelos usuários, mas a precariedade do prédio salta os
olhos. Há partes do teto em todos os quartos que não estão forrados, expondo, assim, a
fiação elétrica. Um agravante, neste sentido, é o fato do material desse forro ser isopor, o
que é altamente inflamável. Ao final do corredor se encontra o refeitório, que está equipado
com mesas e cadeiras novas e parece ter sido pintado recentemente, apresentando, assim,
aparência de higiênico.
O aspecto do espaço externo ao prédio também apresenta precariedade. Uma parte
do espaço físico – que é bem grande – encontra-se interditado por conta de incêndio. Eram
8 casas tipo “chalés” adaptadas para os usuários, 4 foram destruídas pelo fogo e as demais
se encontram interditadas. Além disso, sinais de muita umidade e mofo são visíveis nas
paredes externas. No momento da visita, um cano havia estourado na parte externa e estava
sendo consertado. Um caminhão muito pesado, ao parar naquela área para descarregar itens
para a instituição, teria provocado o rompimento. Foi dito que o encanamento e a fiação são
muito antigos e que incidentes como aquele e consertos são freqüentes, e que o ideal seria
trocar por inteiro ambas as estruturas hidráulica e elétrica.
Chama grande atenção a falta de atividades para os usuários. Não há atividades
programadas e boa parte deles permanece no pátio da unidade vendo TV, jogando cartas
e/ou dominó.
Cabe também registrar que os usuários não ficam de porte de seus documentos
originais: são feitas cópias, e os originais são mantidos em poder da equipe técnica.
2.c) Central de Recepção para Idosos Carlos Portela
A equipe foi recepcionada por Lucia Helena Cardoso, assessora da direção e pela
assistente social Joelma Sueli Sardinha. A diretora Rosana Azevedo, assistente social, não
se encontrava presente no momento da visita.
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A Central de idosos funciona em 24h e dispõe de 2 quartos com meta de
atendimento para 10 pessoas homens e mulheres. Na ocasião eram 27 pessoas acolhidas,
registrando-se um aumento da demanda a partir de 14 de junho em função da
realização da Rio+20. Em razão deste alto número de usuários, a sala de atendimento
técnico foi transformada em um dormitório.
A equipe técnica se constitui de 1 assistente social concursada e 1 psicóloga
contratada que neste momento compartilham o uso da sala da direção. Este número de
profissionais é considerado insuficiente em face da demanda do serviço e a peculiaridade
dos usuários, pessoas idosas, algumas em quadro de demência senil.
Esta unidade é a que apresenta maior deficiência, em função de seu espaço físico ser
precário e reduzido.
3- Unidade de Acolhimento de Famílias Boa Esperança
Data da Fiscalização: 22/06/2012.
Instituição: Unidade de Acolhimento de Famílias Boa Esperança
Endereço: Estrada Guandu, 201, Jesuítas, Santa Cruz.
Telefone de contato: 3305-4639/3395-3731 (telefone público 2418-0257)
A Unidade de Acolhimento de Famílias Boa Esperança (UAFBE) é uma unidade
municipal de reinserção gerida financeiramente pelo Tesloo e administrada pela própria
prefeitura através de funcionários concursados e por colaboradores contratados pela Tesloo.
Foi inaugurada em 1985 e possui o CNPJ n. 29468048/0001-00.
Boa Esperança é um equipamento que atende a famílias. Sua capacidade, segundo a
direção, é de 50 quartos, mais ou menos 180 pessoas. No momento da visita havia 36
quartos ativos, em um total de 118 pessoas entre adultos e crianças.
18
A equipe de inspeção foi recepcionada pela diretora Rejane de Sousa Gomes
Matarotti – pedagoga concursada – que após responder a questionamentos e solicitação de
documentos, acompanhou a equipe de visita sem realizar qualquer objeção. A Sra. Rejane
está há sete meses no cargo, mas informou que anteriormente já havia estado na direção da
Unidade por oito anos. Possui uma carga horária de 40 horas semanais.
De acordo com informações prestadas pela direção da entidade, o órgão responsável
pela chegada das famílias é a Central de Recepção Tom Jobim, em geral quem as
encaminha para a Central é o Conselho Tutelar ou a Defesa Civil. A maioria das famílias
encontravam-se em situação de rua em Nova Iguaçu, Tijuca, Centro, Barra da Tijuca, entre
outras localidades. Algumas se encontram em Boa Esperança por que sofreram violência
doméstica. Elas ficam sob acompanhamento das equipes por um período médio de 3 a 6
meses, podendo ser ‘reinseridas’ ou ainda encaminhadas para o Abrigo Maria Thereza para
maior permanência.
A unidade de acolhimento Boa Esperança fica localizada em região de difícil
acesso. A estrada é de chão com buracos e o entorno possui muitos matagais, intercalados
por algumas plantações, em sua maioria bananais. Não há transporte público para a área do
abrigo, a Unidade conta com uma Van que faz o transporte da equipe e das famílias até o
Centro de Santa Cruz, conduzindo-os a escola e atendimento médico.
A UAFBE conta com uma casa central com varanda e salas: recepção, equipe
técnica, banheiros, cozinha, corredor, sala da diretoria e assessoria com banheiro; e mais 50
quartos com banheiros coletivos, estando com 36 unidades ativas que compreendem os 118
usuários presentes na casa no dia da visita. Segundo a direção, os demais quartos não estão
em condições de receber pessoas, devido a pequenos reparos estruturais que necessitam ser
realizados, portanto é possível afirmar que a Unidade de acolhimento encontrava-se em sua
lotação máxima. A direção informou que já foi licitada empresa que irá realizar as obras
necessárias, com publicação no Diário Oficial, mas não soube mencionar nome da referida
empresa.
19
De forma geral as condições de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança da
entidade são adequadas. Durante a visita a equipe pode conversar com algumas famílias e
visitar a cozinha. Cada família fica com um quarto.
Os quartos apresentavam boas condições de higiene e as roupas de cama pareciam
limpas e, segundo relato dos usuários, a direção fornece material de limpeza e higiene com
regularidade satisfatória. Os banheiros são coletivos divididos em feminino, masculino e
para crianças.. Durante a visita os banheiros estavam limpos e havia chuveiro com água
quente destinado as crianças. São as próprias famílias que realizam a limpeza de seus
quartos e banheiros.
Havia boa iluminação nos dormitórios, mas as condições de ventilação não eram
adequadas, apesar de possuírem ventiladores, por causa da forte incidência de mosquitos,
os quartos necessitavam ficar fechados e também as suas janelas. A separação ocorre
segundo critérios determinados pela equipe técnica. Ressalta-se que uma nutricionista
compõe a equipe técnica.
A alimentação é preparada no próprio local. São fornecidas 05 refeições diárias. Foi
possível visitar as instalações onde os alimentos são produzidos, no qual foi observado que
o local é limpo e a refeição que seria servida no dia da visita era costelinha, feijão, arroz e
salada de maionese, tinha bom aspecto, contudo não havia uma outra opção caso uma das
pessoas não gostasse do cardápio sugerido ou por motivos de saúde não pudesse consumir
tal refeição.
A unidade dispõe de área de lazer, com quadra de vôlei. Os equipamentos
apresentavam boas condições de higiene e limpeza
As famílias não contam com atividades sociopedagógicas e/ou esportivas. Há
relatos de reuniões mensais da equipe com as famílias para discutirem questões diversas.
As crianças que possuem alguma escolaridade são encaminhadas a escolas próximas
quando em condições de acompanhar as aulas.
20
De acordo com a Direção a equipe técnica da Boa Esperança conta com 01
pedagoga (a diretora da Unidade), 01 assessora da direção, 01 psicóloga, 05 assistentes
sociais concursadas, 16 educadores, 01 nutricionista, 06 cozinheiras, sendo duas
concursadas, 04 agentes de portaria e 03 auxiliares de serviços gerais. Cada plantão conta
ainda com 03 educadores e 01 apoio.
Para o atendimento de saúde, o equipamento se utiliza dos serviços do Centro
Municipal de Saúde Aluisio Amâncio que conta com psiquiatra, enfermeira, agente de
saúde e psicólogo, e ainda com uma equipe destinada a estratégia da saúde da família; uma
escola municipal e uma creche. Há também um CAPS localizado no Aluisio Amâncio que
se responsabiliza pelo atendimento as pessoas que necessitam de acompanhamento da
equipe de saúde mental.
VI. Institucionalização de Crianças e Adolescentes
A questão da institucionalização de crianças e adolescentes é parte integrante do
processo de formação sociocultural da sociedade brasileira, intrinsecamente baseada em
formulações que dizem respeito a representações sociais e o tratamento dado à infância e
juventude pobre e suas famílias.
O Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069/1990), legislação que avança na
garantia dos direitos humanos a esse público estabelece o acolhimento institucional no rol
das medidas protetivas7 e dispõe que seja utilizado apenas como medida excepcional e
provisória não prevendo privação ou restrição de liberdade, devendo ser utilizada como
forma de transição para colocação em família substituta, além da questão da pobreza não
ser determinante para a suspensão ou destituição do poder familiar.
7 Art.98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos
reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;II -
por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta.
21
A partir de um diagnóstico nacional que os principais pontos referentes à medida de
acolhimento institucional não estavam sendo efetivadas. Em 2006 o Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) juntamente com o Conselho Nacional
de Assistência Social (CNAS) aprovaram o Plano Nacional de Promoção, Proteção e
Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária
(PNCFC), estabelecendo uma série de diretrizes e recomendações visando assegurar a
crianças e adolescentes esses direitos fundamentais.
No âmbito da operacionalização da política e estabelecimento de parâmetro na
atuação das instituições de acolhimento, em 2009 o CNAS estabelece a Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais8 e o CNAS/CONANDA publicam “Orientações
Técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes”9. No mesmo ano, o ECA
sofre algumas alterações, sobretudo em relação à situação do direito à convivência familiar
estabelecendo procedimentos para adoção e acolhimento, inclusive alternando a
nomenclatura de abrigo para acolhimento institucional.
No Rio de Janeiro, merece destaque também em 2009, a Política Municipal de
Atendimento a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua10
aprovada pelo Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA-Rio) no mesmo ano.
De acordo com o 8º Censo do Programa Módulo da Criança e do Adolescente
(MCA) do Ministério Público do Rio de Janeiro, no final de dezembro do ano passado, a
cidade do Rio de Janeiro possuía 1035 crianças/adolescentes em medida protetiva de
acolhimento institucional11
.
VII- Das Visitas às Centrais de Recepção para Crianças e Adolescentes.
8http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica/cras/documentos/Tipificacao%20Nacional%20de%2
0Servicos%20Socioassistenciais.pdf 9 http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/cnas-e-conanda-orientacoes-tecnicas-servicos-de-acolhimento-para-
criancas-e-adolescentes-1 10
http://www.ciespi.org.br/media/Politica%20aprovada.pdf 11
http://www.mp.rj.gov.br/portal/page/portal/MCA/Censo/Oitavo_Censo
22
As visitas nas instituições de acolhimento de crianças e adolescentes foram
realizadas na Central de Recepção de Crianças e Adolescentes Taiguara e Central de
Recepção de Crianças e Adolescentes Adhemar Ferreira da Silva, ambas no Centro do Rio
de Janeiro. De acordo com as informações obtidas, a Central de Recepção funciona como
um primeiro local de acolhimento, intermediário ao abrigo institucional.
1-Central de Recepção de Crianças e Adolescentes Taiguara
Data da Fiscalização: 20/06/2012.
Endereço: Av. República do Paraguai, 01. Centro. Rio de Janeiro-RJ
A CRCA Taiguara está situada em uma área de grande circulação de pessoas,
próxima ao Centro financeiro municipal e o bairro da Lapa. A entrada do equipamento é
feita por um portão azul cercado por um muro de altura elevada cuja estrutura possui
predominantemente as cores azul e branca. Na parte frontal do local há uma placa
indicativa com o nome da instituição. Ao passar pelo referido portão, há um pequeno pátio
que dá acesso à entrada principal do equipamento onde após um pequeno corredor do lado
esquerdo se situa a sala da direção e do lado oposto a cozinha, o banheiro, os quartos, a sala
de refeições e uma parte externa posterior onde as roupas são lavadas e armazenados alguns
utensílios. Embora se perceba asseio, limpeza e certa organização na divisão dos cômodos,
a estrutura arquitetônica remete a instituições formais, o que difere dos padrões
estabelecidos pelo PNCFC que recomendam espaços semelhantes aos residenciais.
Embora a medida de acolhimento institucional não suponha privação de liberdade, a
estrutura arquitetônica da CRCA Taiguara se assemelha às instituições fechadas.
Além disso, pode-se observar um espaço físico que além de pouco colorido e muros
altos, é equipado com mesas compridas para refeição como as de antigos refeitórios, nos
23
quartos somente as camas, sendo a maioria de beliches e ausência de equipamentos para
atividades culturais, esportivas e de lazer. De acordo com Galardini apud Faria (1999)12
:
Um espaço e o modo como é organizado resulta sempre das idéias, das
opções, dos saberes das pessoas que nele habitam. Portanto, o espaço de
um serviço voltado para as crianças traduz a cultura da infância, a imagem
da criança, dos adultos que a organizaram: é uma poderosa mensagem do
projeto educativo concebido para aquele grupo de crianças.
Assim o espaço físico haveria de ser estruturado de acordo com a legislação e da
melhor forma em função das necessidades de crianças e adolescentes, que certamente desde
a mais tenra idade, tem seus direitos violados.
A sala destinada aos técnicos se situa no lado direito da área externa. Pode-se
observar certa organização do material técnico e um quadro com a estatística de
atendimentos realizados, denotando preocupação em sistematizar as informações referentes
à execução da política. Todavia, não se vislumbrou um espaço adequado para realização de
atendimento o que compromete o trabalho técnico, incluindo o sigilo profissional, em
desacordo com a Resolução do Conselho Federal de Serviço Social nº493/2006.
Na ocasião da visita, a equipe foi recebida pela assistente social Sra. Fernanda
Guimarães Oliveira Banus até a chegada da diretora Sra. Ana Cláudia Silva Figueiredo,
também formada na área de serviço social e estando no referido cargo desde o ano passado.
Em seguida, foi apresentada a Lei 5778/10 e os objetivos da referida inspeção.
O equipamento socioassistencial, de acordo com a direção se caracteriza como
Central de Recepção, embora tal tipificação não conste nos parâmetros referidos, que
acolhe crianças do sexo masculino e crianças e adolescentes do sexo feminino13
. De acordo
com informações da direção, a capacidade do CRCA Taiguara é de 20 pessoas desse
12 FARIA, Ana Lúcia Goulart. ¨ O espaço físico como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia
da educação infantil .¨ In: Faria, A.L. e Palmares M. Educação Infantil pós – LDB: rumos e desafios. São
Paulo: Autores Associados, 1999.
13
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se criança de 0 a 12 anos incompletos e
adolescente de 12 anos a 18 anos incompletos.
24
público. No momento da visita, foi informado que havia 8(oito) crianças/adolescentes no
equipamento. O tempo máximo de permanência dos usuários seria de uma semana e o
recebimento de crianças/adolescentes ocorre nas 24h diárias.
Dentre os acolhidos, chamou atenção um menino que apresentava um semblante de
tristeza e uma adolescente gestante de 16 anos.
Os encaminhamentos são realizados através de medidas aplicadas pelo Judiciário da
Infância, Juventude e Idoso e Conselho Tutelar, inclusive durante a visita de
monitoramento, foi visto uma adolescente chegando à CR com o Conselho Tutelar. Além
disso, foi informado que crianças e adolescentes chegam através das abordagens realizadas
pela SMAS, passando pelos CREAS (Centro de Referência Especializados em Assistência
Social). Questionada a respeito do recebimento de adolescentes através de operações da
Secretaria de Ordem Pública ou Guarda Municipal, a direção da casa informou que tal
procedimento não ocorre.
No tocante à demanda de atendimento, foi repassado que a maioria dos casos chega
em função de situação de rua e/ou violência doméstica. As tentativas de localização dos
pais se dão através do registro dos mesmos no Cadastro Único do Programa Bolsa-Família.
As crianças e adolescentes têm oferta de seis refeições diárias correspondida entre o
café, colação, almoço, lanche, jantar e ceia. No momento da visita, as crianças assistiam
televisão terminando o almoço. A cozinha, bem como o armazenamento dos alimentos
apresentava bom estado. Perguntados sobre a qualidade dos alimentos, os adolescentes
responderam positivamente. No tocante à saúde, a diretora informou que os atendimentos
são feitos nos postos e hospitais da região e que não há a prática de oferta de medicamentos
psicotrópicos no local. Observamos crianças/adolescentes sentadas nos bancos ao lado dos
educadores ou andando pela instituição, aparentando um cenário de ociosidade a um
público com direitos violados que a nosso ver merecem especial atenção.
25
Em relação aos técnicos, a equipe é composta por sete assistentes sociais, incluindo
a chefia e psicólogos. Os técnicos atuam de 07h às 20h em uma escala de revezamento,de
segunda a sexta-feira. Destacamos também que carga horária dos assistentes sociais- que
deveria ser de 30 horas semanais sem redução de vencimentos- está em desacordo com a
Lei de Regulamentação da Profissão 8662/1993 e sua alteração dada pela Lei 12317/2010.
Foi informado também que devido à semana da Rio+20, foi construída uma escala
de plantão em função da possibilidade de intensificação da demanda. Somente os
assistentes sociais são concursados da SMAS e os psicólogos são contratados através de
prestação de serviço da Organização Não Governamental Casa Espírita Tesloo, causando
certa desigualdade no trabalho técnico. Os educadores sociais também são contratos através
de prestação de serviços da Ong referida e atuam em uma escala de 12h/36h. Foi verificada
a predominância de educadores do sexo masculino em uma casa composta em sua maioria
por adolescentes do sexo feminino. Além disso, chamou atenção o porte físico dos mesmos.
Destaca-se a necessidade de equipe qualificada, para proporcionar a estas crianças e
adolescentes, com tantos direitos violados, atividades culturais, de lazer e esportivas, seja
qual for o equipamento de acolhida institucional.
2.- Central de Recepção de Crianças e Adolescentes Adhemar Ferreira de
Oliveira
Data da Fiscalização: 20/06/2012.
Endereço: Rua Benedito Hipólito, 163. Cidade Nova, Centro.
A CRCA está situada na região da Praça Onze, nas proximidades do Sambódromo e
Juizado da Infância, Juventude e do Idoso. A parte externa é compreendida por um grande
pátio contendo alguns automóveis estacionados. O CRCA se situa na parte inferior de uma
estrutura de dois andares, sendo a parte de cima pertencente à Fundação para Infância e
Adolescência (FIA) da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos
26
(SEASDH). Ressalta-se que há alguns anos no referido prédio funcionava a Delegacia de
Criança e do Adolescente Vítima (DECAV). Há na entrada uma placa indicativa do
equipamento.
Segundo informações, a FIA dispõe de um serviço de retorno dos os adolescentes
oriundos de outras comarcas.
A equipe de monitoramento, na ocasião, foi gentilmente recepcionada pela diretora
Sra. Evelyn Serra Parede que franqueou os espaços à visitação. A entrada é feita por um
corredor que dá acesso a um espaço amplo coberto destinado a atividades recreativas, em
torno do mesmo se situam os quartos dos adolescentes, além da sala dos técnicos e da
direção. O equipamento difere de uma estrutura arquitetônica semelhante a uma residência,
a qual seria mais indicada para o acolhimento institucional, configurando um espaço
inadequado para o tipo de política.
A diretora referida tem formação em serviço social e ocupa o cargo desde outubro
de 2011. Também foi possível fazer uma reunião com a assessora da direção e uma
assistente social, além de alguns educadores e adolescentes.
A CRCA acolhe adolescentes do sexo masculino. De acordo com as informações da
direção, a capacidade do equipamento é de 32 adolescentes e na ocasião da visita a casa
contava com 11 meninos. Devido à natureza do equipamento, há uma grande rotatividade
de adolescentes oriundos de diversas regiões do estado e foram relatados alguns casos de
adolescentes que retornaram ao CRCA mesmo após ser reinserido às suas famílias.
Ressalte-se que sendo os adolescentes trazidos de diversos bairros da cidade e
muitos distantes do centro, fica inviável o acompanhamento dos adolescentes pelos
Conselhos Tutelares. Assim o trabalho da equipe da CR, incorpora visitas, com a busca
ativa das famílias.
27
Os quartos apresentavam estado de limpeza e conservação, contando com bicamas
em sua maioria. Há no local, além da sala da direção e dos técnicos, uma sala destinada
para atendimento, o que pode assegurar o sigilo nas intervenções profissionais,
qualificando-as. Há ainda um pátio que na ocasião da inspeção estava fechado em função
da chuva e segundo relato dos profissionais é através desse espaço que os adolescentes
evadem do CRCA.
Aparentemente há pouca oferta de atividades culturais, esportivas e de lazer,
necessárias ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, o que consideramos um fator
prejudicial. Vimos uma mesa de jogo de “totó”. Observamos alguns adolescentes que
assistiam um filme, outro que jogava videogame.
A equipe de profissionais é composta por 10(dez) assistentes sociais, 01 lavandeira,
01 enfermeiro e 20 educadores. O CRCA não possui psicólogos em seu quadro técnico. Os
educadores se organizam em sistemas de turnos, sendo 05 diurnos e 05 noturnos. Vale
destacar que os profissionais do equipamento estavam em regime de emergência em função
da Rio+20. No que se refere a situação trabalhista, com exceção dos assistentes sociais que
são concursados, os demais profissionais atuam como prestadores de serviço com
vinculação trabalhista a Ong Casa Espírita Tesloo.
Destacamos também que carga horária dos/as assistentes sociais-que deveria ser de
30 horas semanais- está em desacordo com a Lei de Regulamentação da Profissão
8662/1993 incluindo a Lei 12317/2010.
Além do Conselho Tutelar e do Poder Judiciário, os encaminhamentos para o
CRCA são feitos pela SMAS, Polícia Militar, Guarda Municipal (GM), Delegacia de
Proteção a Crianças e Adolescentes e por funcionários do Metrô Rio em que há uma
estação próxima ao equipamento. Em conversa com os adolescentes, alguns relataram que
sofreram agressões e maus tratos físicos e psicológicos na ocasião da situação de rua e que
as abordagens especialmente da GM e Polícia Militar são bastante truculentas. Questionada
à respeito, a direção do CRCA informou que se utiliza do procedimento de encaminhar o
28
adolescente para delegacia para registro de ocorrência, todavia os mesmos se recusam a dar
seqüência ao procedimento por temer represálias.
Observe-se que a partir de março de 2011 o fluxo de adolescentes aumentou com as
operações da Prefeitura nas chamadas cracolândias. De outubro/2011 a maio/2012
passaram pela instituição cerca de 600 adolescentes.
Segundo os profissionais do equipamento, não havia sido observado até aquele
momento, por ocasião da Rio + 20, um aumento na dinâmica de adolescentes acolhidos. A
situação seria mais emblemática nas ocasiões de operações da Polícia Militar e Ordem
Pública nas repressões as chamadas “cracolândias”.
Nas situações que requeiram cuidados com a saúde ,informaram-nos que recorrem
a rede institucional, entre outros o Posto de Atendimento Médico Treze de Maio da e e
Instituto Philippe Pinel da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), e a Cruz Vermelha
Brasileira. Todavia, a avaliação para encaminhamento para os “abrigos especializados” é
feita pela própria equipe da SMAS.
O tempo de permanência na CR deve e costuma ser de curta duração (horas ou
poucos dias), mas pode prolongar-se em função da situação e providências requeridas.
Após o acolhimento, assim como ocorre na Central Taiguara os adolescentes são
transferidos para abrigos institucionais, famílias ou para abrigos de internação compulsória,
denominado de “abrigo especializado” no fluxo interno da prefeitura (segue em anexo).
Segundo informação, muitos abrigos institucionais da prefeitura e conveniados foram
extintos e o programa Família Acolhedora14
funciona com uma estrutura muito pequena,
gerando um cenário de superlotação nos outros abrigos existentes.
14
Segundo o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, “O Programa de Famílias Acolhedoras
caracteriza-se como um serviço que organiza o acolhimento, na residência de famílias acolhedoras, de
crianças e adolescentes afastados da família de origem mediante medida protetiva.”
29
VIII- Considerações Finais.
A partir das diversas observações, mesmo resguardando a diversidade de natureza
de cada instituição visitada, puderam ser observadas características comuns, sobretudo no
que diz respeito à dinâmica da política adotada pela Subsecretaria de Proteção Social
Especial da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) no que concerne aos
abrigos e acolhimento institucional.
No que diz respeito à mobilidade, os abrigos Rio Acolhedor e Boa Esperança se
situam em área de difícil acesso, apresentando distância do centro urbano, o que implica,
além de pouca oferta de transporte, na dificuldade de circulação dos usuários inseridos,
sobretudo na busca por emprego. O Rio Acolhedor, por sua vez, está situado entre duas
favelas - uma contendo comércio ilícito de drogas e outra milícias - que constantemente
entram em conflito, conformando um cenário de instabilidade tanto para os abrigados
quanto para os profissionais que ali atuam. O Abrigo Boa Esperança, sequer conta com
oferta de transporte público, sendo necessária a utilização de Vans para circulação em uma
área cercada por um grande matagal, sendo sua localização afastada um fator
demasiadamente prejudicial ao exercício do direito à convivência comunitária. Já o
Complexo Stela Maris embora não seja distante de bairros de grande movimentação, suas
instalações se encontram nas proximidades de quartéis da aeronáutica e vila militar, além
do complexo do sistema socioeducativo. Cabe reforçar, ainda, que sua estrutura física é
fruto de uma unidade desativada de internação para adolescentes do sexo feminino. Tais
aspectos remetem, além de a uma lógica de isolamento geográfico, à simbolismos tênues
entre o espaço de acolhimento e espaço de privação de liberdade, dificultando sobremaneira
o acesso dessa população aos diferentes serviços e políticas e à distinção entre a lógica
punitiva do sistema penal e a lógica acolhedora que deveria predominar no ambiente da
assistência.
No tocante à estrutura física, além da questão da instabilidade e certo isolamento
descrito anteriormente, o Rio Acolhedor se situa em um espaço onde funcionava um
complexo industrial marcada por estruturas rígidas, formada por muros altos, o que foge
30
dos parâmetros da política nacional para esse público que pressupõe locais com aspectos
mais acolhedores semelhantes a residências. Além disso, no mesmo local há instalado
outros serviços e ainda a previsão de construção de um CAPs no abrigo, o que contribuiria
na reprodução de grandes complexos. Tal atitude seria um contra-senso aos parâmetros de
saúde mental adotados pelo Ministério da Saúde, já que, no que diz respeito aos CAPS, seu
“objetivo é oferecer atendimento à população, realizar o acompanhamento clínico e a
reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e
fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Os CAPS são serviços de saúde
municipais, abertos, comunitários que oferecem atendimento diário.”15
. Assim, caso de
fato esse projeto venha a ser realizado, prenuncia-se a semelhança deste espaço a uma
instituição total, desrespeitando, assim, o princípio de “incompletude institucional”, que
será melhor descrito nos parágrafos abaixo. Neste caso, tanto se estaria levando a cabo um
enunciado que tende a fortalecer a possibilidade de institucionalização dos usuários, assim
como se estaria imputando-se uma particularização ao SUS, sentenciando sua não
universalidade enquanto política. No mesmo sentido, estar-se-ia assumindo um viés que
implica em uma confusão deliberada entre modalidades de “internação” e
“abrigamento”, tornando o CAPS exatamente ao contrário daquilo que ele se
propõem enquanto equipamento e criando uma sobreposição do tratamento à saúde
mental em relação ao acolhimento socioassistencial. Analisaremos mais abaixo outras faces
deste mesmo fenômeno.
Por seu turno, o Centro de Acolhimento Stella Maris se constitui no formato de um
complexo com uma série de serviços no mesmo local e seus usuários tendem a permanecer
dentro da mesma estrutura do estabelecimento. Ainda sobre o Stella Maris, foram
observada precárias condições de funcionamento como mofo, infiltrações, rachaduras,
vegetações sem cuidado e ainda apresentar resquícios de um incêndio ocorrido em fevereiro
último.
15
Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29797&janela=
[I1] Comentário: Inseri esse trecho
31
Cabe enfatizar, conforme pressupõe a política nacional de população de rua, a
necessidade das ações se basearem no princípio da incompletude institucional em que os
serviços de acolhimento/abrigamento tenham interface com os demais equipamentos- não
oferecendo em seu interior atividades que sejam de competência de outros serviços. Para
que as diversas atividades estejam articuladas e se efetivem é necessária uma estreita
articulação entre os diversos órgãos que atuem no atendimento a esse público. Deve-se,
portanto, enfatizar ações intersetorializadas como forma de complementariedade entre as
demais políticas seja de assistência social, saúde, educação, previdência, moradia,
segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda. Todavia, o que se observa na política
municipal ora referida é a sobreposição da política de assistência social sobre as demais
políticas, fenômeno este já identificado nas visitas realizadas pelo CRP/CRESS há dois
anos, e que vem sendo chamado de “assistencialização das políticas sociais”.
Outra preocupação se dá em torno da deliberada confusão entre assistência social e
saúde mental. A híbrida distinção entre usuários que são moradores de rua e dependentes de
álcool e outras drogas, desencadeando um em público de saúde mental muito significativo
nos abrigos. À guisa de ilustração, cerca de 80% dos usuários do UMRS da Ilha do
Governador seriam pacientes psiquiátricos ou de tratamento de álcool e outras drogas - tal
fenômeno também fora observado no Rio Acolhedor de Paciência sendo que este apresenta
uma alta rotatividade maior por ser “porta de entrada. Nesse prisma, pode ser destacado o
forte risco do processo de institucionalização desses usuários, estando na contramão da
reforma psiquiátrica (Lei 10216/01)16
·, podendo abrir um precedente para o processo de
manicomialização pela via da assistência social.
Quanto à abordagem dos órgãos públicos aos usuários em situação de rua, fomos
informados que por parte da prefeitura a Secretaria Municipal de Assistência Social
(SMAS) faz intervenções diuturnas através de educadores e técnicos, e a Secretaria
Especial da Ordem Pública (SEOP) juntamente com a Guarda Municipal e Política Militar
também fariam essas intervenções só que no turno da noite, denotando indistinções na
condução da política, já que tal tipo de intervenções caberia exclusivamente a SMAS que
16
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm
32
poderia solicitar outros órgãos caso ocorresse risco em relação a segurança. Foram
relatados, especialmente no atendimento com os adolescentes, uso excessivo da força e
maus tratos por parte especialmente da Guarda Municipal e Polícia Militar. O poder
físico dos educadores (altos e fortes) também chamou atenção nas visitas realizadas.
Em relação aos profissionais, podemos observar que na grande maioria dos casos,
somente o assistente social é concursado com os demais profissionais atuando via
contratação por prestação de serviço a Organizações não-governamentais. Esta
desigualdade na situação trabalhista, que se observa também em outros equipamentos da
SMAS, pode ser considerada um fator complicador a um atendimento de qualidade.
Observa-se que embora a previsão constitucional seja de realização de concurso público, a
regra adotada tem sido pela via de terceirização. Neste sentido, estes vínculos
empregatícios correm o risco de ficarem a mercê de ingerências políticas, em um cenário de
remunerações diferenciadas no mesmo espaço socioocupacional. Há, portanto, a
necessidade de abertura de concurso público para preenchimento de vagas para
psicólogo, educadores e outros profissionais da SMAS como ferramenta de garantia
de qualidade do trabalho realizado, além da importância da capacitação continuada e
permanente dos profissionais.
Observamos ainda uma maior frequência desses profissionais, atuando em regimes
de plantão com maior carga horária durante o período da Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), por conseguinte maior intensificação nas
abordagens da população de rua, ocasionando em um aumento da demanda nesse período.
Foram relatados alguns óbices na gestão da política com interface com organizações
não-governamentais, como dificuldades na aquisição de alguns materiais além do
levantamento de preços e prestações de conta.
Uma das dificuldades apontadas se refere a sistematização dos dados sobre a
população adulta de rua. Uma das alternativas encontradas, a partir do Termo de Ajuste de
Conduta do Ministério Público de maio do corrente ano seria o cadastramento dessa
33
população a partir dos Serviços de Proteção Especial de Média Complexidade (CREAS).
Além disso, um dos principais problemas identificados é a reiterada dicotomia do processo
rua-abrigo/abrigo-rua, em descompasso com a premissa da provisoriedade e
excepcionalidade da população em situação de rua, o que demonstra, por si só, uma
possível ineficácia de outros serviços do Estado e em encaminhamentos dados aos usuários
destes serviços.
No que se refere às Centrais de Recepção para Crianças e Adolescentes Taiguara e
Adhemar Ferreira, foi observado, além de outros fatores semelhantes aos abrigos de
população adulta, estrutura física incompatível com um espaço acolhedor que seria
semelhante a uma residência, a própria dificuldade de entendimento acerca do papel
desempenhado pelas “centrais de recepção” no bojo da política de atendimento a criança e
ao adolescente, relato de maus tratos aos mesmos nas abordagens de rua, especialmente
Polícia Militar e Guarda Municipal. Há de considerar ainda que as crianças e adolescentes
das CRs em quadro de uso e abuso de álcool e outras drogas são avaliadas por técnicos da
SMAS para serem encaminhados aos chamados “abrigos especializados”, concentrados,
sobretudo na zona oeste, cujo relatório de inspeção17
feita por diversos órgãos foi
apresentado recentemente apresentando uma série de hiatos entre as políticas da criança e
adolescente, saúde mental e assistência social. Grave também foi constatar a ausência de
profissionais da psicologia em uma das centrais.
Outro fator relatado foi a extinção de muitos abrigos institucionais conveniados da
prefeitura e não absorção da demanda por outras políticas alternativas, como seria o caso do
Programa Família Acolhedora que contaria com uma estrutura suficiente neste cenário,
superlotando, segundo relato dos profissionais, os abrigos institucionais remanescentes.
Neste breve cenário ora analisado, se fazem necessárias algumas recomendações
baseadas na perspectiva de diálogo entre os mais variados atores que atuam na
problemática, fundamentadas na prevenção à violação de direitos e na garantia de promover
maior dignidade a esse público.
17
http://www.crprj.org.br/documentos/2012-relatorio_CADQs.pdf
34
Sobre a população em situação de rua, dentro da particularidade carioca, faz-se
urgente a implementação da Lei 7053, bem como que se faça operacionalizar o Termo
de Ajuste de Conduta do Ministério Público do Rio Janeiro de maio de 2012 que
dentre outras coisas estabelece: adequação dos equipamentos dos serviços
socioassistenciais à tipificação nacional dos serviços; adequação a NOB-RH/SUAS
(Resolução CNAS 269/06) que estabelece composição de equipe mínima, garantindo a
realização de concurso público para as diversas áreas; interlocução com o Programa
de Saúde da Família; educação e qualificação profissional articulado com programas
de transferência de renda; criação de programa específico de moradia para população
em situação de rua; abordagem e acolhimento que garanta o respeito a manifestação
voluntária da população adulta, além da participação dessa população nessa política.
Sobre crianças e adolescentes, para além da problematização acerca da suspensão
dos denominados “abrigos especializados”, é necessária e urgente a implementação da
Política Municipal de Atendimento de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua
aprovada pelo Conselho Municipal da Criança e do Adolescente/Rio em 2009. Além
disso, são necessárias ações que garantam os direitos fundamentais à Convivência Familiar
e Comunitária nos moldes do PNCFC, tanto nos abrigos institucionais, famílias acolhedoras
e programas de albergues para jovens, sendo imprescindível a participação do CMDCA/RJ
e o CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social neste processo, além de
contratações de profissionais via concursos públicos nos moldes desta política.
Os órgãos que subscrevem este documento se colocam à disposição, junto às
autoridades públicas competentes, a buscar soluções às demandas apresentadas neste
relatório.