relatos de uma experiência -...

101
Relatos de uma experiência Os três anos que mudaram a história do Ginásio Pernambucano Indira Verçosa de Melo

Upload: vuongnga

Post on 16-Dec-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos deuma experiência

Os três anos que mudaram a história

do Ginásio Pernambucano

Indira Verçosa de Melo

Page 2: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Copyright © by 2010 Indira Verçosa de Melo

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

EditorTarcísio Pereira

RevisãoDa Autora

ISBN 978-85-7716-881-1

Livro Rápido - ElógicaRua Dr. João Tavares de Moura, 57/99 Peixinhos

Olinda - PE CEP: 53230-290Fone: (81) 2121.5300 Fax: (81) 2121.5333

www.livrorapido.com

Page 3: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

ApresentaçãoJovem, Olha! A vida é nova...

A vida é nova e anda nua

Vestida apenas com o teu desejo.

Mario Quintana

Este livro fala de vida. De muitas vidas reveladas, sonhadas, plane-

jadas... vidas que mal conhecemos e que logo partiram em busca de...

mais vida!

Aqui, Indira Verçosa nos conta uma história fascinante sobre os

mais de 600 dias de convivência, de múltiplos aprendizados, de dores

e de muitas alegrias, de in�initas e inquietas descobertas, de doces

memórias e das mais altas expectativas em torno da vida de 320 jo-

vens com os quais tive o privilégio de conviver e de me transformar.

Eles são mesmo assim. Ser parceiro de um adolescente é uma ex-

periência única, que nos transforma profundamente. Signi�ica, por um

lado, viver o adolescente que fomos e, por outro lado, acolher a pessoa

que vive e que está diante de nós, cheia de sonhos, desejos, planos,

vida...

Aqui, Indira Verçosa também exercita uma condição muito cara

para todos nós: ela, na alvorada da sua vida pro�issional, protagoniza

uma ação que nos anuncia o quanto o jovem e suas múltiplas juven-

tudes são essenciais para as nossas vidas, são como uma tarefa a re-

alizar, são a nossa chance de futuro. São eles os que sonham e quem

mais tem razões e motivos para sonhar, para fazer planos, para desejar

utopias, para �ixar uma direção que supere o nosso presente de tantas

insatisfações.

Siga nessa vida, Indira. E a faça melhor. Por e para todos nós.

Rio de Janeiro, novembro de 2010.

Profª Thereza Paes Barreto

Gestora do Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano 2004/2008.

Page 4: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as
Page 5: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Palavra da autora

Como diria Carlos Drummond de Andrade, escritor não é somente certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impos-sibilidade de as ver de qualquer outra maneira. Foi pensando nisso que me desa�iei a escrever este livro-reportagem. Contar a história do Ginásio Pernambucano de uma outra maneira: a partir de uma per-cepção não histórica e documental, mas humana.

Conheci esta escola em uma fase de muitas mudanças, que ape-sar de não seguirem os padrões românticos que estão registrados na história do passado do GP, não são menos importantes. E por isso re-solvi descrevê-los nesta obra.

Neste livro, você leitor, terá a chance de conhecer o Ginásio de um novo tempo: o Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano – CEEGP e as histórias de vida de jovens que tiveram a oportunidade de mudar a partir de vivências não exclusivamente acadêmicas nesta instituição que foi e continuará sendo um celeiro de pro�issionais ca-pacitados para Pernambuco, para o nosso país e por que não, para o mundo.

Se você é um amante da Educação, vai gostar de conhecer a história do Ginásio a partir da história de vida de pessoas que viveram três anos em uma instituição que acreditou e comprovou que um ensino de qualidade gera resultados positivos.

O ser humano tem muito a nos dizer. Por isso, te convido para através da leitura deste livro, conhecer o CEEGP não como o produto da reforma de um prédio com uma proposta de ensino diferenciada, mas como um marco para vida de jovens estudantes em busca de um sonho e que, em fevereiro de 2004, registrado em um pedaço de papel, se tornou realidade.

Construir esse livro não foi fácil e, sozinha, jamais teria conseguido fazê-lo. Para isso, pessoas especiais me ajudaram muito. Personagens que �izeram parte de minha história enquanto pessoa, estudante e pro�issional. Nomes que sinto necessidade de deixar registrados nesta folha de papel.

A Deus, a razão de toda inspiração. Responsável pela capacidade de compreender e decifrar os códigos necessários para construir meus

Page 6: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

textos.À minha família: vovó Carminha, que me ensinou a ler e a vovô Ma-

noel, os responsáveis por tudo o que sou hoje e por terem me dado as ferramentas necessárias para chegar aonde cheguei. À minha irmã Emanuele e ao tio Jair, pelo incentivo e apoio.

À minha orientadora, professora Mariana Oliveira, pela ajuda, con-selhos, incentivo e paciência. Professora, sem sua ajuda e experiência não sei se este trabalho teria sido realizado!

Aos meus colegas e professores do Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano pela disponibilidade e coleguismo com que me concederam as entrevistas e o material necessário para a construção desta obra.

Ao Dr. Marcos Magalhães - Presidente do Instituto de Co - Respon-sabilidade pela Educação (ICE), engrenagem propulsora para que o tema deste livro fosse desenvolvido e a professora Thereza Barreto pela con�iança e por ter sido tão paciente.

À professora e Mestre, Raquel Rodrigues, por ter aprovado esse pro-jeto desde o início.

En�im, a todos os que de forma direta ou indireta me ajudaram na construção deste livro - reportagem.

Certa ocasião, ouvi alguém dizer que gratidão é um sentimento que não se prescreve, mas aqui, neste espaço, gostaria de simplesmente registrar o meu muito obrigada a todos.

Indira Verçosa de Melo

Page 7: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Sumário

(Capítulo I)

O primeiro dia ...................................................................................09

(Capítulo II)

O ambiente ...........................................................................................21

(Capítulo III)

Os alunos ................................................................................................33

(Capítulo IV)

Os funcionários ................................................................................47

(Capítulo V)

O dia a dia ..............................................................................................52

(Capítulo VI)

A despedida .........................................................................................73

(Capítulo VII)

O Ginásio Pernambucano- recortes............................81

Page 8: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência8

Mãos Dadas

“Não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista

da janela,não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,não fugirei para as ilhas nem serei raptado por se-

ra�ins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente”.

Carlos Drummond de Andrade

Page 9: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O primeiro dia9

(Capítulo I)

O primeiro dia

Era fevereiro de 2004. As imagens e as lembranças estão bem vivas em minha memória, a inal, era meu primeiro dia de aula. Com aquele frio na barriga, ia me aproximando da porta da escola. Meu avô me acompanhou naquele momento e vi que muitos pais izeram o mesmo. O hall da escola estava cheio.

Atravessamos a porta e entramos no pátio. Uma entrada ao lado di-reito da porta principal, nos levava à Secretaria. Dirigimos-nos até lá, procurando nos certi icar de que não faltava nada, que aquele era mes-mo o primeiro dia e que todos os documentos haviam sido entregues. Com a certeza de que eu já estava adaptada ao novo ambiente, meu avô se foi e eu iquei ali, com um ar de curiosidade, observando tudo como uma criança encantada com seu mais novo brinquedo que acabara de ganhar.

Eu só estava ali, porque dias antes enquanto eu lia o jornal, como dia-riamente fazia, vi numa matéria publicada pelo Jornal do Commércio, no dia 22 de janeiro do mesmo ano:

Prorrogadas as inscrições para o GP

As inscrições para seleção de alunos para o Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano, na Rua da Aurora,

foram prorrogadas por recomendação do Ministério Público. A inscrição de estudantes para cursar o 1º ano do Ensino

Médio, que terminava ontem, vai até amanhã. Os alunos do 3º ano, que podiam se inscrever até amanhã, agora poderão

fazê-lo até o dia 30 deste mês. O atendimento é das 8h ao meio-dia e das 13h às 21h.

Chovia naquele dia. Corri até o quarto de vovó, com o jornal na mão. Falei que preenchia todos os requisitos que estavam sendo exigidos e

Page 10: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência10

queria estudar lá.

Vovó, como professora, sempre me incentivou a estudar, mas �icou um pouco apreensiva com aquela proposta. Até então, nunca tinha es-tudado tão longe de casa (morava em Boa Viagem e a escola �icava no Centro) e sempre estava na companhia de Emanuele, minha irmã mais velha. Ir para o Ginásio signi�icava ter que aprender a andar sozinha e isso a preocupava. Acho que essa era a única di�iculdade considerada pela minha avó. Depois de uma longa reunião familiar, meus avós, por quem fui criada desde os meus cinco anos, aceitaram o desa�io. E vovô procurou resolver tudo que era necessário para que eu pudesse me candidatar a uma daquelas vagas. Depois de garantida minha inscrição �iquei sonhando com o dia em que poderia realmente dizer que estudaria naquele lugar.

Fui selecionada. E lá estava eu no primeiro encontro da minha nova escola.

Um dia antes, todos os alunos tinham recebido a recomendação de irem preparados para um passeio à Praia de Porto de Galinhas, uma das mais lindas do litoral sul de Pernambuco. Isso já era um diferencial. Que escola promove um passeio desses no primeiro dia de aula? Todos estavam contentíssimos. Uns tinham até trajes de banho em suas baga-gens. Outros, como eu, que naquele dia não levara nada, mas apenas uma bolsa pequena com alguns documentos, não se importaram tanto. O que interessava mesmo era estar ali.

Eram 320. Sim, 320 jovens estudantes de, no máximo, 19 anos. To-dos com os olhos brilhantes. Orgulhosos de terem sido selecionados para estudar no “novo” Ginásio Pernambucano, ou melhor, no Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano ou simplesmente, CEEGP.

Antes de se inscreverem, alguns nem tinham tantas expectativas. Só depois é que se deram conta da decisão que haviam tomado. Um desses foi o Leandro, o Léo, como era conhecido. Quando decidiu ten-tar uma vaga no CEEGP, nem imaginava como seria estar ali. Tinha visto a escola algumas vezes ao passar de ônibus pelo centro do Recife, mas nunca tinha cogitado a ideia de estar naquele lugar. Até um dia

Page 11: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O primeiro dia11

ver, no NETV 2ª edição (um telejornal local), a notícia de que faltavam dois dias para encerrar as inscrições para a formação das novas tur-mas que inaugurariam o que viria a ser um referencial de ensino de qualidade no Estado, ele não pensou duas vezes. Tratou de convencer sua mãe a aceitar a proposta. Pois, apesar da escola não ser paga, sa-bia que seria di�ícil para a família assumir as despesas de transporte todos os dias a �im de estudar longe de sua casa, no bairro do Curado.

- Mãe, essa será a oportunidade da minha vida. Nunca tive a chance de estudar em um colégio particular. Lá, eu vou estar numa boa escola e a gente nem vai precisar pagar por isso. A senhora sabe das di�icul-dades... Não posso desperdiçar este momento...

Pedia ele incessantemente.

Não precisou muito para convencê-la. Apesar das barreiras e do custo com a sua locomoção, ela sabia que o �ilho tinha razão. No mes-mo dia, Léo foi à antiga escola e pediu a transferência provisória (um dos documentos necessários para participar da seleção) e no último dia, foi fazer a inscrição junto com a mãe.

- Me lembro como se fosse hoje. Fui o 889º aluno inscrito. Enquanto minha mãe fazia o processo burocrático, eu aproveitei para conhecer um pouco a escola. Não podia acreditar que iria estudar ali. Já fazia planos de como seria minha vida naquele lugar, con�iante de que pas-saria na seleção.

Terminada a pré-matrícula, ele começou a contar os dias para ser divulgado o resultado...

O dia do listão, 27 de janeiro de 2004, mais parecia com o resultado do vestibular das Universidades Federais. Havia jornalistas presentes e uma multidão esperava ansiosa a hora dos portões abrirem para ver a lista com o nome dos estudantes selecionados, dentre os 902 inscri-tos. Quando Leandro entrou, não sabia se realmente queria ver aquela lista.

- Eram apenas 320 vagas para dezenas de pessoas. Comecei a desli-zar o dedo pela lista dos aprovados procurando pela letra L e nem

Page 12: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência12

acreditei quando vi, na 234º colocação, o nome LEANDRO GLEYSON RODRIGUES DA SILVA. Meu coração disparou. Não sabia se ria ou cho-rava. Só ouvia o grito de algumas meninas que comemoravam a mes-ma conquista. Meu nome estava ali, minha oportunidade. E por nada eu a deixaria escorrer por entre meus dedos...

Genival também não tinha projetado nada. Ele soubera da seleção poucos dias antes através de Laís, uma amiga do Luiz Delgado, sua antiga escola. Ela o convidou, bem como outra amiga, a Paula, e eles aceitaram o convite fazendo a inscrição para concorrer a uma das va-gas.

Quando Laís comentou que o Ginásio estava com inscrições abertas e que os alunos que fossem aprovados iriam estudar em tempo inte-gral, isso chamou a sua atenção. E ele logo procurou se inteirar do as-sunto para poder fazer parte daquele projeto também. Organizou tudo que precisava para participar do processo seletivo e �icou aguardando o dia marcado para a divulgação do resultado. Quando viu que havia passado, �icou muito feliz e começou a fazer planos, não muito de�ini-dos ainda, para sua vida a partir daquele momento.

No primeiro dia, havia ido sozinho. Esperava encontrar Laís e Paula por lá. Começou a procurar o seu nome pelas salas. Queria saber em qual turma havia �icado, se já conhecia alguém, e saiu circulando pela nova escola. Nas salas do térreo não estava.

“Será que não fui aprovado? Será que não era meu nome?”, per-guntava a si próprio. Intranqüilo, subiu as escadas e procurou se localizar em alguma daquelas classes do primeiro andar. Não de-morou muito para encontrar. Alívio. Lá estava seu nome no 1° ano G e por coincidência, ao lado de Paula.

Sunamita também estava procurando seu nome pelas muitas salas daquela escola enorme. Tinha 14 anos. A vida toda havia estudado em escola pública e estava se preparando em um cursinho para fazer o exame em outra instituição quando uma amiga, a Elaine, lhe falou do GP. Quando foi fazer a inscrição, não sabia muito bem o que a espe-rava. Só veio descobrir que a escola era em tempo integral, depois de ter feito a inscrição e isso contribuiu para ela sentir que tinha feito a

Page 13: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O primeiro dia13

escolha certa.

Renato Luckwu morava no bairro de Águas Compridas, Olinda, e desde a sua 7º série do Ensino Fundamental havia estudado em es-cola pública. Havia terminado a 8ª série no Ginásio Pernambucano da Rua do Hospício, para onde os antigos alunos do GP da Rua da Aurora tinham sido transferidos por causa das condições precárias em que se encontrava o prédio que parecia abandonado na década de 90.

Ele fez a inscrição sem grandes expectativas. Gostava de desa�ios e foi isso que o impulsionou a tentar uma vaga. Havia sido selecionado e estava encantado com o que via.

“Que lugar lindo”, pensava. “Esse é o lugar onde vou estudar por 3 anos? Nem acredito!”

Todos haviam esperado muito. Desde a publicação da notícia de que o Ginásio Pernambucano após uma profunda reforma e com uma propos-ta de ensino diferenciada estaria selecionando 320 alunos provenientes de escola pública, com boas notas nos seus históricos escolares e aptos a ingressar no Ensino Médio, até a entrega dos documentos e a publicação dos selecionados, foram momentos de muita ansiedade. Mas passou. E eles estavam ali, cheios de expectativas. Mas, em torno de que eram es-sas expectativas? Nem eles mesmos sabiam. “Como serão os professores? Como será icar o dia inteiro na escola, exatamente como vemos nos ilmes americanos? E as aulas, como serão?” Essas eram algumas das perguntas que se ouvia pelos corredores do mais novo local que eles chamariam de escola.

Os professores não estavam menos ansiosos, pois haviam esperado tanto quanto os alunos e igualmente cheios de expectativas. Meses antes eles haviam sido preparados no Programa de Capacitação para aquele novo desa�io, um projeto que provocava a sua formação e lhes instigava a provar para si mesmos que eles seriam capazes de experi-mentar novas metodologias de ensino e garantir a aprendizagem dos seus alunos. O dia marcado para conhecê-los acabara de chegar e ago-ra, trabalhariam juntos na construção de um sonho.

Depois de circular um pouco pelo CEEGP e identi�icar que suas

Page 14: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência14

instalações em nada lembravam as escolas de onde vieram, os alunos conheceram as turmas onde estudariam e se dirigiram para o au-ditório, no segundo andar do antigo prédio. Neste momento, a maioria já tinha se enturmado e os grupos já começavam a se formar.

Eu nunca tinha estado sozinha. Ao me despedir de meu avô, andei um pouco e não demorou muito para encontrar três amigas de minha antiga turma: Camila, Leila e Tamires. Nos olhamos um tanto surpre-sas com a coincidência. Não tínhamos combinado nada nem chegamos a falar sobre o assunto, mas lá estávamos nós, na mesma escola, outra vez. E, neste momento, já tínhamos conhecido Johnatan Phillipy, um garoto magro, moreno, alto, simpático e tagarela, com o cabelo black power, que com o passar do tempo todos chamariam de Farofa.

Chegando ao auditório, uma equipe recreativa da Cia do Lazer nos aguardava e com ela uma triste notícia: o passeio tão esperado à praia de Porto de Galinhas não seria realizado em virtude das fortes chu-vas que caíram na cidade. Tudo bem, nem esta desagradável informa-ção destruiu as expectativas em torno do que estava para acontecer naquele dia tão especial.

“A viagem real não aconteceu. Porém o que os impede de viajar pelo universo que acabam de conhecer?” Essa foi a proposta oferecida pela equipe que recebeu os alunos.

A mensagem de boas vindas foi dada pelo grupo liderado por um senhor alto, de cabelos grisalhos, chamado Deodato Rivera que estava acompanhado de dois jovens. Ela era bastante simpática, chamava-se Rose e o rapaz, não menos cativante, chamava-se Pedro Ivo. Havia também um fotógrafo meio misterioso, que posteriormente viríamos a saber que era o nosso futuro Professor de Física. Neste dia também conhecemos Bruno Silveira, um dos responsáveis pela elaboração da proposta da nova escola e que, lamentavelmente, partiu em 2007. Hoje todos nós sabemos que vinha dele um dos fundamentos da construção daquele ideal de mudança na vida de todos aqueles jovens estudantes: garantir um futuro de sucesso através de uma educação de qualidade.

Convidados a embarcar naquela viagem, os alunos aceitaram a pro-posta e viajaram, conheceram pessoas novas que a partir daquele dia

Page 15: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O primeiro dia15

fariam parte de suas vidas e circularam pelos novos espaços daquele lindo edi�ício. Tudo isso sem precisar se levantar daquelas cadeiras em madeira de lei, que compunham o auditório da escola.

Várias dinâmicas foram propostas. Mas uma, em especial, foi a que mais marcou...

Todos haviam recebido um pedaço de papel em branco e uma caneta. Tinham que preenchê-lo com os seus sonhos e projetos. Os papéis tinham várias cores, uns eram amarelos, outros, verdes, azuis e brancos. “O que vocês desejam? Quais os planos pro�issionais que vocês tem para o futuro?” Nos indagava o �ilósofo Deodato.

Todos, de cabeça baixa escrevendo os seus sonhos, expressavam tanta esperança neste momento, como se o ato de escrever pudesse tornar os seus sonhos reais.

Depois de preencherem os papéis-sonhos, eles deveriam jogá-los em di-reção ao palco. E mesmo aqueles que foram jogados lá da última �ileira, já no �im do salão, chegariam ao destino com a ajuda das pessoas que es-tavam na frente.

Jogaram os papéis, passaram adiante os seus sonhos e os dos de-mais. Antes mesmo da equipe informar o porquê daquela ação, eles já sabiam a resposta: construiriam juntos o que queriam para suas vidas e para aquela nova proposta de ensino que surgia.

No começo foi frustrante, e eles se esforçaram bastante para não demonstrar a real chateação com aquela viagem imaginária, pois to-dos esperavam estar naquele momento tomando sol, lá em Porto de Galinhas. Mas depois se depararam com uma experiência marcante: tiveram a oportunidade, de pela primeira vez, construírem coletiva-mente os seus projetos de vida para os três anos que viriam.

Os papéis-sonhos foram pendurados em um varal, expostos para que to-dos vissem e se sentissem impulsionados a correrem atrás de seus ideais. E isso realmente funcionou. Cada vez que passavam pelo varal, a curiosidade de ler mais um sonho era inevitável e, vez por outra, um deles parava e lia compenetrado o que alguém que ele ainda não conhecia, mas que estava

Page 16: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência16

ali, na mesma condição que ele, havia escrito.

Apresentações, boas vindas, novos amigos, novos professores, nova escola, novos projetos, novos sonhos, novos planos, ufa! Quantos no-vos desa�ios... Estavam pensando nisto quando se depararam com uma pausa para o almoço. Meu Deus! Como as horas se passaram e eles nem haviam percebido!

O almoço foi uma surpresa. Havia garçons para servi-los! As mesas se distribuíam pelo pátio da cantina que �icava em um espaço aberto. Ainda bem que naquele dia não choveu e assim tudo funcionava em perfeita harmonia, exceto lá na praia, nosso destino inicial. O cardá-pio estava delicioso e aqueles brigadeiros, como sobremesa, estavam divinos.

Gilderley não podia se conter. Cada vez que as bandejas de briga-deiro passavam em sua frente, era um convite irresistível que lhe fa-ziam e ele, sem muita oposição, se deixava dominar. Até hoje se lem-bra dos brigadeiros daquele dia. Eles também fazem parte de suas recordações do CEEGP.

Esse intervalo foi a oportunidade para tagarelarem mais um pouco com os recentes amigos e eles realmente aproveitaram. O barulho era gigantes-co. As vozes se uniam formando um som não muito agradável, pois eram muitas e falavam alto.

Mesmo com a refeição maravilhosa, eles estavam ansiosos para voltar ao auditório e terminar de matar a curiosidade sobre como se-riam as suas vidas pelos próximos três anos. Isso havia sido alimen-tado durante muitos dias, por cada um deles.

De volta ao auditório, mais e mais apresentações. Conheceram Marilene Montarroyos, Thereza Barreto - a futura gestora, Marcos Magalhães - o grande idealizador daquele projeto que a princípio parecia impossível, mas que aos poucos se tornava real.

Eram nomes que eles nem imaginavam, porém, nunca mais es-queceriam.

Page 17: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O primeiro dia17

Naquele dia �icaram sabendo de tudo o que deviam e o que não deviam fazer. Começaram a entender que não haviam simplesmente mudado de escola, mas também que uma nova vida os esperava. No-vos projetos seriam traçados e tinham que agarrar a oportunidade que estavam recebendo com unhas e dentes. Aquelas pessoas tinham muito a oferecê-los, mas também eles teriam muito que retribuir. Se-riam três anos de muitas experiências, de muito trabalho e também de muito esforço. O que haviam iniciado pela manhã foi concluído às 16h. Mais uma vez as horas haviam passado muito rapidamente...

Terminada a longa, mas não cansativa “palestra”, veio a despedi-da. Mas, antes, um lanche para partirem satisfeitos. Voltaram à can-tina. Reuniram-se, já no grupinho que haviam formado horas antes, e começaram a conversar sobre os mais variados assuntos, do que gostavam e do que não gostavam. Mas, com certeza, um dos temas mais discutidos foi o amor e o zelo que já começavam a cultivar por aquele lugar, ainda que aquele fosse apenas o primeiro dia de suas vidas naquela escola.

Alunos participam de dinâmica de grupo, atividade do primeiro dia de aula no CEEGP

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

Page 18: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência18

Os 320 alunos aguardavam ansiosos para embarcarem em uma viagem histórica

O primeiro lanche no CEEGP foi uma das grandes surpresas daquele dia inesquecível

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

Page 19: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O ambiente19

Cada pessoa que se dirigia a eles no palco daquele auditório, deixava claro em seu discurso de como aquele prédio era importante, do valor histórico que tinha e de como eles eram privilegiados por estarem ali, participando de um experiência desa�iadora para a edu-cação pública no país. Um aluno chegou a comentar que um dos Presi-dentes do Brasil, Epitácio Pessoa, havia estudado ali e quem sabe um dia um deles não poderiam chegar a ser Presidente também? Todos riram, incrédulos com aquele comentário tão insano... ou não.

Quem sabe ele não tivesse razão. Por que eles não poderiam se con-siderar importantes e capazes de sonhar um dia também estar numa posição privilegiada como essa? A�inal, tantas pessoas importantes de Pernambuco e do Brasil assistiram aulas naquelas salas... Clarice Lispector foi uma delas. Podemos até imaginar a jovem escritora de “A Hora da Estrela” escrevendo...

“Sonhe com o que você quiser. Vá para onde você queira ir.Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma

vidae nela só temos uma chance de fazer aquilo que queremos.Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Di�iculdades

para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. Eesperança su�iciente para fazê-la feliz.”

... e caminhando despreocupadamente por entre os pés de pau-brasil plantados no pátio do Ginásio Pernambucano. Ou quem sabe se alguma vez, descendo uma das quatro escadas da escola, Clarice não declamara:

“Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar”.

Talvez eles não viessem a ser poetas e escritores como a Clarice Lispector e o Ariano Suassuna, ou políticos como Epitácio Pessoa, Liberato Costa Junior, Agamenon Magalhães e Eraldo Gueiros Leite, mas com certeza poderiam ser pessoas importantes, protagonistas de sua própria história.

Estavam ali para isso, a�inal.

Page 20: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência20

De onde estavam, na cantina, viram o sol se pôr e revelar que era a hora de irem para casa, pois o primeiro de muitos dias havia termi-nado. O saldo tinha sido positivo. Agora seus corações estavam sos-segados e uma espera tão cansativa, tinha valido a pena. Mais uma etapa havia sido vencida.

O desa�io foi aceito e a largada tinha sido dada. O que restava então? Correr com muita força de vontade em busca das metas que haviam sido traçadas nas conversas que tiveram durante todo aquele dia e registradas naqueles pequenos pedaços de papel coloridos, que mar-cariam para sempre a vida de 320 jovens sonhadores.

Page 21: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O ambiente21

(Capítulo II)

O ambiente

A escola não parecia real. A sensação que todos tinham era que aquele cenário havia sido montado e que estavam protagonizando um ilme de época ou algo parecido. Tudo era novo e velho ao mesmo tem-po. Era novo porque o cheiro de tinta ainda exalava pelos corredores do Ginásio Pernambucano recém-reformado, e era velho porque como tinham aprendido no primeiro dia de aula, estavam em um patrimônio histórico e suas características haviam sido preservadas.

Às margens do Rio Capibaribe, o prédio marrom avermelhado e branco criado em 1825, com 34 janelas na fachada, virou cartão-postal da cidade desde que foi reformado em 2003. E não havia nin-guém que, transitando pela Rua da Aurora, no Recife, não icasse en-cantado com a beleza da construção projetada pelo engenheiro da Escola de Engenharia de Paris, José Mamede Alves Ferreira. Vez por outra, alguns turistas vinham fazer fotogra ias do Rio Capibaribe e acabavam mudando o foco, admirados com a construção.

Às 7h30, a recepção icava bastante movimentada. Regina ou Daniele, estagiárias da Secretaria, acompanhavam a entrada dos alu-nos. Eram minutos de cumprimentos, conversas, risos e, claro, muito barulho. Dona Luda ou seu Carlos, os inspetores de pátio, icavam di-recionando os estudantes para suas salas. Depois do horário de entra-da, a porta era fechada e os retardatários tinham que icar aguardando a segunda entrada, depois, é claro, de terem seus nomes anotados no caderninho dos atrasados que Regina ou Daniele entregariam pos-teriormente à Luciana - a psicóloga, ou à Rosana - a assistente social, para que os motivos de atrasos constantes fossem solucionados.

Renato sabe bem como é esperar na recepção pois quase sempre chegava atrasado e tinha que icar, junto a outros alunos igualmente

Page 22: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência22

retardatários, fazendo companhia para uma das duas estagiárias. Fi-car ali até que não era tão ruim. Era muito comum ver alguém lendo no CEEGP, conversando, fazendo exercícios, estudando ou simples-mente esperando o tempo passar. Lembro-me da primeira vez em que cheguei atrasada. Meio constrangida com a situação, me sentei em uma das poucas cadeiras ainda disponíveis e �iquei observando os alunos que chegavam. Uns entravam igualmente descon�iados, outros já chegavam à vontade, falando com todo mundo e procurando um espaço para se acomodar. Com a expressão ainda receosa, vi Renato se aproximando...

- Indira, você por aqui? Perguntou ele, rindo.

- Então, iquei presa em um engarrafamento no Pina. O ônibus Setúbal Príncipe (linha de ônibus que liga o Bairro de Setúbal à Rua do Príncipe, no Centro) demorou muito para chegar. Respondi um tanto envergonhada com o comentário.

- Tem nada não. Tudo tem a primeira vez, não é?!

- Hum hum... Balbuciei concordando com ele.

Depois que a segunda entrada era permitida, todos corriam para as suas salas. E chegar à sala atrasado era ainda mais constrangedor. Eu, que sempre era espectadora dos retardatários, agora estava na mesma situa-ção, toda envergonhada para entrar na sala depois do horário. Olhei para Renato e tomei coragem. Entramos ao mesmo tempo. Desde aquele dia, prometi para mim mesma que nunca mais chegaria atrasada, embora não tenha conseguido cumprir minha promessa.

Quem assumia o posto da recepção assim que Regina ou Daniele saiam era o vigilante conhecido como “O irmão”. Ele era um senhor alvo, cabelos grisalhos e de bigode, quase sempre muito sério e de baixa estatura. Os alunos não mantinham muito contato, pois como ele sempre �icava ali nos horários de aula, a permanência de estudantes pelo pátio e recepção era proibida nestes momentos.

A secretaria era um ambiente pouco visitado. Lá, havia um armário antigo onde os prêmios da escola e algumas lembranças como cami-

Page 23: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O ambiente23

sas, bonés e estandartes eram cuidadosamente guardados. Esse era o primeiro objeto a ser notado ao se entrar lá. Nesse espaço havia tam-bém uma peça antiga, em madeira, que fazia a divisão entre a área des-tinada aos funcionários e aquela para atendimento das pessoas que chegavam. Era uma espécie de púlpitozinho que dava apoio ao livro de ata dos professores. Havia ainda três mesas onde os funcionários se acomodavam para realizarem suas funções; alguns certi�icados pen-durados na parede e, claro, o espelho que �icava no centro da parede um pouco antes da cerca, no qual alguns alunos, na maioria as meni-nas, aproveitavam para se olhar. Como era disputado aquele espaço! Vez por outra, as meninas empurravam umas as outras para �icar mais um tempinho observando a �isionomia, arrumando os cabelos ou pas-sando batom.

Camila era a campeã do empurra-empurra. Sempre que ia por lá, que-ria �icar se admirando na frente do espelho. Passava a mão ajeitando os cabelos cacheados, arrumava a faixa colorida que costumava usar e via se o lápis de olho não estava borrado. Ela era muito vaidosa. E por se achar dona do espelho, sempre �icava disputando espaço com as outras meninas que queriam usá-lo também.

Ao sair da Secretaria, via-se o pátio. Ele era enorme e bonito. Como diria Olívio Montenegro em seu livro Memórias do Ginásio Pernambucano, o pá-tio interno era um Horto Botânico. Possuía nove árvores plantadas, entre paus-brasil e palmeiras, distribuídas em seis canteiros e uma elevação de cimento, onde os alunos, nos intervalos das aulas, se sentavam para con-versar. Sentar na “roda”, como chamavam, era uma forma de fazer amigos, já que os que freqüentavam aquele espaço acabavam conhecendo os alu-nos das outras turmas e aumentando o seu ciclo de amizades e isso era muito bom. Cada dia que passava, as oito turmas denominadas das letras A à H, iam se enturmando e a família CEEGP ia construindo aos poucos uma unidade. Existiam uns banquinhos brancos, os famosos banquinhos de praça, que eram posicionados próximos à roda para acomodar aqueles que não conseguiam lugar naquele espaço que era disputado por todos.

Ali, muita coisa aconteceu. Era possível ver não só os meninos conver-sando, jogando xadrez ou lendo um livro, mas também muitos profes-sores, que aproveitavam o momento para saírem um pouco da função de educadores e exerciam o papel de amigos. Conversavam com os es-tudantes sobre tudo: de �ilme a futebol. Durval, o professor de História,

Page 24: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência24

era o rei das conversas extrovertidas na hora do intervalo e muitas ide-ias eram trocadas com os alunos naquele espaço. Na maioria das vezes eram piadas, mas quando algum deles precisava de um conselho ou de um incentivo para estudar mais um pouco, Durval também estava pronto para socializar suas experiências como adulto responsável. Ele não podia passar por ali que os meninos o chamavam e ele, sem recusa sentava e começava a conversar. Muitas vezes era possível ver que ele estava cansado, mas, sempre atendia aos convites.

Para Thereza, o pátio era um lugar para se conhecer a essência do CEEGP e acompanhar os problemas da escola de perto.

- O pátio era pródigo em me inspirar a buscar soluções. Era, essencial-mente, um lugar revigorante para quem, assim como eu, precisava se ali-mentar não de informações, mas de vida, da vida que pulsava em cada canto daquela escola, dos seus corredores e através dos protagonistas muito espe-ciais e para sempre inesquecíveis.

No térreo, ao redor do pátio interno, icavam algumas salas temáti-cas, a biblioteca, a sala dos professores e o laboratório de Física, Quími-ca e Biologia. Na área externa, icava a cantina, o estacionamento e um espaço aberto onde, posteriormente, foram construídos alguns qui-osques, geralmente utilizados pelos meninos para jogar xadrez.

No CEEGP, as turmas não icavam em uma única sala. Cada disci-plina tinha seu espaço especí ico e os alunos se deslocavam para a sala da matéria que constava em seu horário. No corredor ao lado direito icava as salas de Biologia, de Química e do lado esquerdo, as de Por-tuguês, Artes e Educação Física.

As salas de Química (Química 1 e Química 2) eram as que mais da-vam trabalho aos professores. Como elas eram as primeiras do cor-redor e perto da cantina e do bebedouro, eles tinham que icar dispu-tando a atenção com o movimento do pátio, já que vez por outra os meninos se distraíam com as pessoas que passavam e que se dirigiam para os demais espaços da escola. Os espaços em si, não chamavam muito a atenção. Todo o material experimental da disciplina icava no laboratório e nas salas só haviam algumas prateleiras com os livros que eram usados durante os trabalhos coletivos. Mas as aulas, estas

Page 25: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O ambiente25

sim, faziam a diferença. Se o assunto estudado era os átomos, o profes-sor ligava o som e começava a cantarolar uma melodia bem animada com uma letra meio estranha sobre a tabela periódica, mas que aos poucos, fazia todo mundo entender a diferença entre um elétron, um próton, um neutron e as famílias da tabela.

Depois das salas de Química, havia um corredor pequeno que dava acesso à cantina, onde �icavam os bebedouros. Logo depois dele, vinham as salas de Biologia 1 e 2. Lá, existiam diversos cartazes infor-mativos e vários livros. Logo nas primeiras aulas, as duas professoras faziam questão de passar trabalhos coletivos onde os alunos se viam obrigados a pesquisar os conceitos em mais de um exemplar.

O primeiro conteúdo de Biologia a ser trabalhado na escola foi sobre as interações ecológicas. A professora pediu para os meninos descreverem as relações intra-especí�icas (quando ocorrem com in-divíduos da mesma espécie) e as relações inter-especí�icas (quando ocorre com indivíduos de espécies diferentes). E logo todos foram pesquisar nos livros das prateleiras os exemplos de cada uma das relações. Divididos em grupos, �izeram alguns cartazes com o material coletado que depois enfeitava a sala, e sempre que aparecia alguma dúvida, serviam como fonte de consulta. Não se sabe se a escolha do assunto para aquela primeira semana foi proposital ou foi apenas co-incidência, mas ele seria muito útil para a vida deles naquele lugar. Seguindo em frente, ao sair da sala de Biologia, encontrava-se uma das escadas e, abaixo dela, a entrada do laboratório de Ciências da Na-tureza onde eram ministradas as aulas da parte experimental das dis-ciplinas de Biologia, Química e Física. Ele foi organizado e projetado pelo professor Luiz Gonzaga Cabral ou, simplesmente Gonzaga, como todos chamavam.

Neste ambiente, três disciplinas eram ministradas: Biologia, Quími-ca e Física. Em todas as aulas, o cuidado era dobrado. As turmas eram divididas em dois grupos e enquanto uma parte assistia às aulas no laboratório, a outra ia para o laboratório de Informática. O espaço era completamente novo para todos eles. Nunca tinham tido aula em um laboratório. Alguns viam aquelas disciplinas pela primeira vez. O labo-ratório de Ciências da Natureza era especial.

Page 26: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência26

Para os professores, como certa vez destacou Afonso Reis, o profes-sor de Química, era uma ferramenta importantíssima. Ali se tinha a oportunidade de mostrar de fato a maioria dos conceitos ministrados em sala de aula e que nesta disciplina eram quase todos de natureza experimental. Só ali, no laboratório, o aluno poderia enxergá-los. Os conceitos vistos em sala, naquele espaço, de fato, faziam sentido.

O cheiro do álcool exalava. Os materiais usados eram cuidadosa-mente lavados pelos alunos, exatamente da mesma forma que o pro-fessor ensinara. Eles eram delicados demais e davam a impressão de que a qualquer pancadazinha iriam rachar ou quebrar. Tinham um cui-dado especial com cada béquer, pipeta, proveta ou outro equipamento que não precisasse ser lavado depois do experimento, como a chapa de aquecimento, ou os materiais de Física.

Na hora da explicação dos procedimentos que deveriam ser feitos, raras vezes se ouvia alguma conversa. Aquele era um momento mági-co... Ir ao Laboratório era uma das ocasiões que mais provava que eles estavam em uma escola realmente diferente. Aquilo que eles viam tão distante nos �ilmes que assistiam, estava vivo e próximo de cada um deles agora.

Certa vez, os meninos �icaram impressionados ao observarem o teor de vitamina C em amostras de diferentes sucos de frutas considera-das cítricas, porque o limão não era o que tinha a maior quantidade, contrariando o que eles ouviam no dito popular. Situações como essa eram verdadeiros divertimentos, eles aprendiam brincando, embora fossem alunos do Ensino Médio.

A Biblioteca era o refúgio secreto de alguns. Lá, era o espaço para ler o jornal, as revistas Veja e Superinteressante – sempre as mais lidas, conver-sar, estudar, tirar um cochilo de vez em quando e, até mesmo, um espaço para a criação de textos. Nesse tema, a Dhouane e a Geisiane, que adora-vam escrever poesias e poemas, não eram as primeiras a usarem aquele ambiente para produzirem Literatura. No passado, o grande escritor per-nambucano Ariano Suassuna, conforme ele mesmo declara no livro A Ju-ventude brasileira ganha uma nova escola de ensino médio – Pernambuco cria, experimenta e aprova, escreveu o Auto da Compadecida. Duas gera-ções diferentes. O mesmo cenário, a mesma situação.

Page 27: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O ambiente27

A Biblioteca, o refúgio secreto

Museu de História Natural do Ginásio Pernambucano

INDIRA VERÇOSA DE MELO

INDIRA VERÇOSA DE MELO

Page 28: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência28

O pátio era o lugar para se conhecer a essência do CEEGP

Visita de Antônio Carlos Nóbrega

INDIRA VERÇOSA DE MELO

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

Page 29: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos29

Ela era dividida em quatro ambientes. O primeiro era fechado e só quem tinha acesso eram as pessoas que trabalhavam lá e onde �ica-vam alguns livros para empréstimo e os clássicos, herança do passado que estão muito bem guardados. No segundo, um salão bem espaçoso, onde �icavam três mesas compridas onde os alunos estudavam ou liam. O terceiro era o território das estantes com livros que podiam ser consultados ali mesmo e no quarto, que �icava no mezanino, existiam umas mesas também reservadas para a leitura. Ali sempre aconteciam as reuniões coletivas. Quando era época de prova, as turmas forma-vam grupos grandes e iam estudar no mezanino da Biblioteca, mais reservado e por isso, o preferido de todos. Dele, podia-se ter a uma visão privilegiada de toda a Biblioteca.

No térreo também �icavam as salas de Português 1 , 2 e 3, a sala de Educação Física e a de Artes.

As salas de Português não se diferenciavam muito das salas de outras escolas. A única coisa que mudava eram alguns poemas pendu-rados nos quadros de aviso e a organização das cadeiras em formato de U, que, aliás, era o adotado nas salas de todas as disciplinas. Essa forma de arrumar as cadeiras fazia com que o professor tivesse maior contato com todos os alunos e esses, por sua vez, podiam interagir com todos da turma. Nas aulas de Literatura, ministrada pela professora Ilzia Zirpoli, as leituras dramatizadas eram as mais divertidas.

Na sala de Educação Física não havia cadeiras. Os estudantes ti-ravam o tênis e sentavam-se no chão, sempre muito limpo. Como no CEEGP não havia quadra, as aulas dessa disciplina reservavam surpre-sas e o ambiente era, propositalmente, bem espaçoso e sem muitos objetos que pudessem atrapalhar os movimentos e os exercícios.

Em certa ocasião, o tema trabalhado foi a Ginástica. Todos haviam treinado bastante para apresentar suas coreogra�ias. Um grupo traria os conceitos e a prática da Ginástica Artística e outro, da Ginástica Rítmica e Acrobática. As apresentações se transformaram num espetáculo com tanta produção. Nos dias dos seminários a sala �icava lotada. As outras turmas vinham assistir, assim como os professores das outras disciplinas. As me-ninas caprichavam nos uniformes, nos cabelos e na maquiagem; os meni-nos se preocupavam em montar coreogra�ias que mostrassem habilidade.

Page 30: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência30

O nervosismo era visível, mas o resultado era muito bom. As professoras �icavam orgulhosíssimas. As aulas eram tão boas que nem se lembravam que não tinham quadra. E sabiam que, se estivessem em qualquer outra escola pública, não teriam essa disciplina como os colegas que �icaram em suas escolas de origem.

A disciplina Artes, assim como Educação Física, era a disciplina que os estudantes usavam para relaxar. Como o ritmo de estudo e aulas era muito pesado e cansativo, os trabalhos dessas disciplinas eram mais leves. Em 2004, a sala de Artes �icava localizada no primeiro andar, mas foi trans-ferida para o térreo em virtude do seu piso de madeira não suportar a movimentação das coreogra�ias das danças produzidas pelos alunos. O ba-rulho também atrapalhava as aulas do laboratório, que �icava logo abaixo. Depois da mudança, todos podiam fazer suas performances sem nenhum problema. A sala era bem equipada, tinha uma mesa grande para pinturas, vários painéis, fantasias, cenários, materiais para confecção dos trabalhos e cartazes.

Conhecidos os principais espaços do térreo, é preciso explorar outros ambientes. Tomando uma das quatro escadas de madeira, chegava-se ao Museu de História Natural. Antes da reforma realizada entre 2000 e 2002, ele ocupava o espaço onde hoje se localiza a Biblioteca. Idealizado pelo naturalista francês Louis Jaques Brunet, em 1861, o Museu de História Natural do Ginásio Pernambucano, com o mesmo nome de seu idealiza-dor, possuía um acervo que comportava 3.865 peças organizadas nas áreas de Arqueologia, Zoologia, Botânica e Geologia. Ele possuia peças vindas da França, Alemanha e Holanda, mas, também vindas da cidade de Belo Jardim, interior de Pernambuco, descobertas pelo professor Armand François Laroche, elementos que compunham o acervo da Pré-história. Não era um ambiente muito visitado, já que no ano em que a primeira tur-ma entrou no CEEGP, o Museu ainda não estava totalmente em atividade.

No primeiro andar também �icavam as salas de História, Inglês, Matemática 1, 2 e 3, Física 1 e 2 e Geogra�ia. A sala de Inglês, antiga sala de Artes, era enorme. Geralmente as turmas só ocupavam a parte da frente do espaço e o restante da sala �icava vazio. No intervalo en-tre uma aula e outra, os meninos permaneciam na sala e se reuniam para conversar. Para alguns, as aulas de Inglês era um martírio. Como vinham de escolas de�icientes em disciplinas básicas como Português

Page 31: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos31

e Matemática, a de Inglês, então, para boa parte sequer havia profes-sores. As “Teachers” teriam muito trabalho pela frente. Diversos méto-dos eram utilizados para chamar a atenção e fazer com que a disciplina fosse a mais agradável possível. Os �ilmes e as músicas eram os preferi-dos. Não tem como não lembrar da canção I can’t live Without your Love, cantada em diversas aulas para que nunca mais esquecessem como em-pregar o verbo “Can”.

As salas de História, Geogra�ia, Matemática e Física também não apresentavam muitas diferenças em relação ao que já conhecíamos. Só no �inal do 3º ano, em 2006, é que o Laboratório de Matemática �i-cou inteiramente pronto. Também havia o Laboratório de Informática, com o qual dividíamos os horários do Laboratório de Ciências. Nele, os alunos podiam preparar trabalhos, apresentações, checar os e-mails. Também era um espaço novo. Em 2004, quase nenhuma escola pública de Pernambuco possuía sala de Informática como aquela. Uns estavam ali e ainda não tinham conhecimentos básicos na área, mas tiveram a oportunidade de criar sua primeira conta de e-mail.

Existia também o Salão Nobre onde ocorriam as solenidades, as reuniões importantes e os coquetéis. No Auditório, um salão bastante espaçoso e ao lado desse Salão, havia um palco e cadeiras de madeira organizadas em �ileiras que preenchiam a maior parte do ambiente. A vista era espetacular. Da janela podia-se ver o Rio Capibaribe, o Palá-cio Campo das Princesas que é a sede do Governo do Estado, o Teatro de Santa Isabel e o Porto do Recife.

Nele aconteceram situações importantes. As palestras, apresenta-ções, peças de teatro e, sem esquecer, as broncas de Thereza, a Gesto-ra. Quando as aulas eram interrompidas, eles já sabiam: ou é novidade ou é um sermão!

No palco do auditório do Ginásio Pernambucano eles tiveram a opor-tunidade de conhecer diversas personalidades como o jornalista Gil-berto Dimenstein, o escritor Ariano Suassuna, o também jornalista Luís Eduardo Amaral, conhecido como Duda Amaral e vários outros pro�is-sionais. Mas, indiscutivelmente, uma das visitas que vale ser lembrada foi a do músico e artista, Antônio Carlos Nóbrega. Em uma única apre-sentação ele conseguiu mostrar aos jovens estudantes, as riquezas da música brasileira, e em especial, da pernambucana.

Page 32: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência32

Acompanhado de seu �ilho que também se apresentou tocando vio-lão, o artista pernambucano nascido em 1952, na cidade do Recife, não poupou energia. Conseguiu que todos cantassem em uníssono a música, composta por ele mesmo, Chegança.

Ele cantou, dançou, interpretou e suou a camisa, surpreendendo a todos os presentes. Saiu do palco já cansado, sem camisa, mas aplau-dido de pé pelos estudantes contentíssimos por terem conhecido uma �igura tão importante para a cultura pernambucana e usufruído da sua arte.

Page 33: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos33

(Capítulo III)

Os alunos

A massagista – Paula Souza

- A arma do pobre é a caneta. Então, estudem!

Paula cresceu ouvindo essa frase do pai. Era a terceira, de cinco ilhos. Uma menina alta, cabelos lisos bastante pretos. Tinha um sor-riso largo e cativante. Seu pai, funcionário público e sua mãe, dona de casa, izeram muito esforço para educar os ilhos. Enquanto pu-deram, os ilhos foram mantidos em colégio particular, mas por falta de condições e assim que os meninos iam crescendo, eram transfe-ridos para a escola pública sabidamente cheia de de iciências. Mas eles acreditavam que com força de vontade e com esforço, as crianças teriam chance de entrar numa universidade e ser alguém na vida.

Até o Fundamental I, Paula havia estudado em uma escola particu-lar. Ficou triste quando teve que ir para uma escola do Estado. Ela já tinha presenciado a ida de suas duas irmãs mais velhas e temia que seu dia chegasse, o que rapidamente aconteceu. Gostava de estudar e sabia que isso era fruto do trabalho de incentivo de seus pais, porque estudar não é fácil, requer força de vontade e principalmente agora, em uma nova escola, tinha que se esforçar bastante. Queria ser profes-sora. Não sabia o porquê, nem de quê, mas queria ensinar e ninguém conseguia mudar sua opinião.

Foi transferida para o Luiz Delgado, escola pública localizada no centro do Recife. Como estudava no horário da tarde, preenchia o da manhã em um cursinho de inglês oferecido gratuitamente em outra instituição pública, e à noite, na própria escola, fazia o curso de Es-panhol. Seus pais não podiam pagar uma escola de idiomas, mas ela sabia o quanto era importante investir nisso e eles sempre a incenti-

Page 34: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência34

varam. Ciente das condições �inanceiras da família, mas não podendo esperar que os seus pais atendessem suas necessidades, tratou de convencê-los a matriculá-la em um curso de Informática aos sábados. Todo o seu tempo estava preenchido com ações de investimento para o futuro. Queria acreditar que mesmo tendo que lutar mais do que aqueles jovens que tinham mais condições �inanceiras, alcançaria o sucesso pro�issional.

Mesmo matriculada no Luiz Delgado, Paula estudava para con-cursos de outras instituições. Tinha acabado de passar na seleção do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, quando �icou sabendo da proposta que o Ginásio Pernambucano estava oferecendo. Ficou confusa. Pediu ajuda aos pais. Era uma decisão di�ícil a ser to-mada. Mesmo podendo escolher, seus pais deixaram que ela mesma escolhesse em qual direção o próximo passo seria dado.

Optou pelo Ginásio. O que pesou na escolha foi sua paixão pela aca-demia. No SENAI, teria uma formação mais técnica, no GP o sonho de ir para uma universidade era mais próximo.

Entrou naquela escola tão bonita com a esperança de que o melhor a esperava. Sua escola de origem tinha os mesmos problemas que atra-palhavam o aprendizado de milhões de jovens da rede pública no país inteiro. Queria mudar. Acreditar, junto àquelas pessoas que projetaram o CEEGP, que um investimento sério na educação pode sim, produzir belos frutos. Ela queria ser um deles.

Uma de suas irmãs mais velhas já havia estudado há algum tempo lá. O que ouviu falar da escola criava expectativas todos os dias. An-tes mesmo de sua irmã comentar, ela já conhecia o Ginásio. Passava por ele diariamente quando ia para sua casa em Campina do Barreto, bairro da zona norte do Recife. Ficava imaginando como era estudar lá no passado. Sabia que a escola tinha uma Biblioteca antiga, Museu, muitas árvores e isso a deixava encantada e curiosa.

O Centro ainda estava se estruturando, ela sabia disso. Mas, só o fato do Ginásio Pernambucano oferecer salas organizadas e limpas, laboratórios de Informática e de Ciências, refeitório, banheiros lim-pos, museu, auditório... Coisas que sua antiga escola jamais ofereceu

Page 35: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos35

a deixavam feliz.

Seus colegas de turma adoravam as massagens que ela dava nos intervalos. Era uma briga. Suas mãos faziam qualquer entrevado �icar normal. Seus dedos deslizavam pelos ombros do “paciente”, fazendo-o relaxar. Às vezes era possível ouvir os estalos. No último ano, o do estresse do vestibular, as mãos de Paula �izeram verdadeiros mila-gres.

Hoje faz Educação Física na Escola Superior de Educação Física – ESEF da Universidade de Pernambuco. Será professora. Sabe que o CEEGP faz parte dessa realização. Seu projeto de vida está indo con-forme o planejado. Tem a consciência tranquila de que é uma prova viva de que compromisso com uma educação de qualidade, gera fru-tos.

Dhouane Penaforte , a garota das mãos pequeninas

- Eu quero ser advogada ou jornalista.

Dizia Dhouane todas as vezes que alguém disparava aquela clás-sica pergunta: o que você vai ser quando crescer?

Cresceu com isso na cabeça. Mas aos poucos ia percebendo um cenário muito diferente do que seus sonhos infantis lhe mostravam.

Era baixinha, toda pequenininha. Os cabelos ondulados, meio avermelhados arti�icialmente e com as mãos também pequenas. Sempre que �icava nervosa, roer as unhas era seu escape.

Tinha vindo da Maria Emília, escola pública do bairro de Ouro Preto, Olinda, cidade onde morava. Estava no CEEGP cheia de es-perança em tornar-se advogada ou jornalista. Seu sonho era esse ao entrar na escola. Mas, apesar de todos os incentivos necessários para conquistá-los durante os três anos que passaram, saiu com projetos diferentes e sua vida a levou por caminhos distantes da produção de matérias ou das audiências nos tribunais.

Page 36: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência36

Sua vida de estudante antes do Ginásio não era muito regrada. Só pegava nos livros em época de prova ou se precisasse fazer algum tra-balho. Caso não tivesse “necessidade”, eles permaneceriam ali: na es-tante do quarto.

Certa ocasião, por in�luência de seu amigo Felipe, se inscreveu em um concurso de redação promovido pelo Instituto Arqueológico de Per-nambuco. O tema era a Ressurreição Pernambucana. Gostava muito de escrever, fez a inscrição sem pretensão de ganhar o prêmio, mas para participar. Quando o resultado foi divulgado, duas surpresas surgiram: ela tinha �icado em 2º lugar e sua colega de classe, a Raphaela, que ela nem sabia que também participava da competição, havia conquistado o 1º lugar. A professora de História, Suely Saldanha, �icara muito feliz. Acompanhou as duas no dia da entrega dos prêmios. Como reconheci-mento, ambas receberam livros e certa quantia em dinheiro e a professo-ra, além de premiada com alguns livros, ainda recebeu uma homenagem.

Essa foi, sem dúvida, umas das mais importantes lembranças de suas conquistas depois de ingressar no Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano. E as leva bem guardadas em sua memória. Aquele lugar marcou sua vida. Mas não apenas ela tinha certeza disso. Sua família, prin-cipalmente seus pais, viu como ela tinha amadurecido. Um dia, seu pai olhando para ela declarou:

- É... O CEEGP formou uma mulher e eu nem sabia.

Não será advogada, nem jornalista. Quatro anos depois de ter saído do GP, Dhouane seguiu na área da Saúde. É Técnica de Enfermagem. Estuda, trabalha e leva as lições que aprendeu no Ginásio:

- Sou a melhor no que faço, porque faço com o que tenho de melhor. Eu sou grata ao CEEGP. Não à escola, o prédio. Mas, às pessoas, fun-cionários, professores e gestores que me in luenciaram a ter esta visão. Aprendi a me impor, a ceder, a vencer a minha timidez, a saber o valor dos estudos e a aproveitar as oportunidades que me são dadas.

Page 37: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos37

Halyson Alves

Halyson era magro, usava óculos e assim que entrou no CEEGP, era muito calado. Passou a sua infância em Goiana, cidade do Litoral Norte de Pernambuco. Morava com seu pai, sua mãe e seu irmão, dois anos mais velho. Uma boa parte da sua infância foi vivida entre esta cidade e um distrito próximo, chamado Usina Maravilha, onde seus avós moravam.

O primeiro espaço acadêmico que conheceu foi através das ativi-dades de reforço escolar freqüentado por seu irmão Anderson. Era um local próximo à sua casa, na Rua da Substituição. Ele nem sabia falar direito quando um belo dia chega para a mãe e disparou:

- Mãe, quero ir para o reforço também!

A mãe percebeu que estava chegando a hora de colocar o me-nininho para estudar. E permitiu que acompanhasse o irmão nas au-las de reforço de Dona Dalva. Mas, ainda não era chegada a hora de matriculá-lo na escola.

Esperou ele crescer mais um pouco, já que na maioria das escolas públicas, os alunos só ingressam a partir dos 6 anos. Quando comple-tou a idade necessária, sua mãe o matriculou na Escola João Alfredo, que icava no centro da cidade de Goiana. Assim que teve as primeiras aulas, a professora percebeu que Halyson estava na série errada, pois já sabia ler e tratou logo de promovê-lo para a série seguinte. As aulas de reforço de Dona Dalva haviam funcionado. Em 1996 e 1997, fez a 1ª e a 2ª série respectivamente, lá na João Alfredo. Em 1998, se mu-dou com a família para o Recife e passou a morar no bairro Vasco da Gama, Zona Norte da cidade, quando cursou a 3ª, 4ª e 5ª série do an-tigo Ensino Fundamental, na Escola Aderbal Galvão até o ano de 2000, quando voltou para Goiana.

Lá icou pouco tempo, apenas dois anos, e em 2003 voltou para o Recife, mas dessa vez para morar em Casa Amarela, também na zona norte. Seu último ano antes de ingressar no Centro de Ensino Experi-mental Ginásio Pernambucano foi vivido na Escola Dom Vital em 2003.

Page 38: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência38

A única realidade que conheceu foi a da escola pública. Suas ex-periências se resumiam nas mesmas práticas adotadas nas escolas de todo o Estado de Pernambuco, mesmo morando em uma cidade fora da Região Metropolitana. Em 2004, esse quadro estava terminando. O CEEGP mudaria sua visão de mundo.

Em 2006, foi aprovado no vestibular da Universidade Federal de Pernambuco. Em 2011, concluirá o curso de Administração. Sabe que todas as suas conquistas são frutos de muito esforço próprio. Mas de-clara, sem dúvida, que deve muito às pessoas que acreditaram no seu potencial. Não apenas no seu, mas no de dezenas de jovens que se não tivessem usufruído da oportunidade de estudar no CEEGP, talvez tives-sem que esperar por este sonho mais um pouco, após inúmeras tenta-tivas para ser aprovado no vestibular, ou quem sabe desistir do ensino superior e encarar o mercado de trabalho sem nenhuma quali�icação.

Cristiane Ferreira, a empresária

Administração de Empresas. Estava decidida. Este era o curso da sua vida, tinha nascido para isso e qualquer esforço para consegui-lo seria pouco.

Desde pequena, Cristiane já sabia o que queria ser. Nunca quis ser outra coisa além de Administradora de Empresas. Quando criança gos-tava de brincar de várias coisas, mas fazer de conta que trabalhava em um escritório era a preferida.

Antes do CEEGP, não era disciplinada para estudar. Fez alguns cur-sos, mas nada que de fato lhe tornasse concreto o sonho de ingressar em uma universidade e fazer o tão sonhado curso de Administração. Sua antiga escola não oferecia tanta estrutura. Mais uma vez a velha história do ensino público estava sendo repetida e alunos que de fato tinham sonhos pro�issionais, estavam sendo prejudicados.

In�luenciada por sua professora de Geogra�ia na 8ª série, Cristiane re-solveu procurar novas oportunidades no GP. Queria acreditar que lá iria

Page 39: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos39

encontrar o aporte necessário para ir em busca de seu sonho. Se inscreveu, foi aprovada na seleção e procurou aproveitar cada aula dada pelos profes-sores. Aquela escola experimental, que posteriormente seria uma escola-modelo, estava lhe oferecendo o que precisava e não deixaria essa opor-tunidade passar de maneira alguma.

Seus pais, no começo, não lhe deram tanto apoio. Só se preocupa-vam em saber que a �ilha estava matriculada em uma escola. O resto era com ela. Mas queriam ver os resultados. Depois da matrícula e com o trabalho de parceria que a equipe do CEEGP fazia questão de ter, não só com a comunidade acadêmica, mas com as famílias também, seus pais �icaram entusiasmados com o que aquele ambiente ofereceria à sua �ilha.

- O Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano trouxe para mim muitas conquistas. Vivências que crescerão junto comigo. Ficarão guardadas em minha memória e também no meu currículo. Aquele lugar me ensinou, além do que eu precisava para ingressar em uma universi-dade, os valores morais de como construir meu projeto de vida e não deixar que ele �ique apenas neste estágio: no papel, mas que eu corra atrás de meus sonhos com coragem, honestidade e respeito ao próximo. Ensinou que mesmo que as condições não sejam tão favoráveis, se pode sim, construir o futuro que se deseja, declara pensativa, Cristiane.

Cristiane lembra com orgulho do resultado da primeira fase da 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas – OBMEP, na qual junto a dois alunos, ela havia �icado na 1ª colocação. Muitas outras conquis-tas foram alcançadas, mas essa foi a primeira. E ela sabia que só ali, ela teria aquela oportunidade. Sua antiga escola, jamais a incentivaria a participar de competições como esta. Era o primeiro degrau de sua subida para a realiza-ção do tão sonhado sucesso pro�issional.

Ao �im dos três anos matriculada no GP, conseguiu realizar seu sonho. Foi aprovada no vestibular em Administração. Não foi fácil. Não era só o fato de estudar no CEEGP que lhe garantiria uma vaga na Uni-versidade Federal. Era uma parceria. Seu esforço e a ajuda da escola lhe garantiram a aprovação.

Page 40: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência40

O gênio da Matemática - Gilderley Monteiro

Jogar xadrez ou ensinar Matemática para algum colega. Eram essas as atividades que Gilderley ou Gil, como era chamado pelos amigos, fazia. Ele, um adolescente com estatura mediana, cabelos encaracola-dos castanhos claros, que sempre, sempre mesmo, usava uma colar de miçangas pretas. Sua desenvoltura e habilidade com os números chamavam a atenção de todos.

Morava na Vila Torres Galvão, em Paulista, cidade da Região Metropolitana do Recife, e todos os dias não media esforços para estar na escola. Chegava, na maioria das vezes, atrasado, mas ele estava ali. Quase nunca faltava às aulas. Mesmo naqueles dias em que por conta de algum feriado, a maioria da turma resolvia faltar.

Vivia com sua mãe e sua irmã mais nova, Jéssica, e a vida inteira estudou em escola do Estado. Foi para o CEEGP porque acreditava que o sonho de estudar numa escola gratuita, com toda a estrutura de uma instituição em que os alunos realmente estudariam e teriam a oportunidade de construir um futuro diferente tendo como base a educação, era direito seu.

Acreditava que o Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernam-bucano seria um divisor de águas na sua vida e que, depois daqueles três anos, sua história de vida nunca mais seria a mesma.

Ensinar era seu hobby. Quando sua turma resolveu aproveitar os horários de estudo para estudar coletivamente, Gil poderia se realizar. Nesse espaço, todos estudavam o que identi�icavam como necessário, sem a presença do professor na sala de aula.

A ideia era ao invés de cada um estudar sozinho, aqueles que tinham maior domínio em cada disciplina ofereceriam, nos dias e se-manas agendados, aulas para a turma inteira. Escolheram para cada matéria, duas pessoas. Gil e Renato �icaram responsáveis por ajudar a turma em Física, Química e Matemática. Ele era super tranqüilo na hora das explanações. Às vezes, quando ninguém entendia o que ele estava querendo dizer ou o assunto era muito complicado, ele recorria ao método do professor Afonso. Gostava muito de Funk e Rap e com

Page 41: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos41

uma melodia baseada nestes ritmos, criava uma composição para que os colegas entendessem o conteúdo ministrado.

“A função pode ser a�im ou linear, constante identidade, dependendo da expressão. Quando ela é a�im a função é assim: AX+B= função de X. Essa função que é a�im está completa, mas quando eu tiro B ela vira linear e quando eu tiro B e A é igual a 1, ela vira identidade e muda o grá�ico. Quando ela é constante não tem nem X nem A, ela só tem B e nele passa reta, crescente ou decrescente depende do A, que tem um nome estranho até di�ícil de rimar falando coe�iciente depois angular. Juntando essas palavras eu encontro o termo A, falando coe�iciente de-pois linear. No embalo eu junto tudo e tenho o para abalar. E pra quem não me conhece agora eu vou dizer: Eu sou muito inteligente. Claro, sou CEEGP”.

Apesar das brincadeiras, ele levava a sério ensinar aos colegas. “Vê só”, dizia ele, sempre que tinha que explicar alguma coisa. O “vê só” saia tão naturalmente, que os colegas já nem se incomodavam mais. Mas icou gravado na cabeça de muitos, minutos antes das provas de vestibular, os macetes e as músicas que Gil inventara para resolver os problemas matemáticos.

Gilderley foi longe. Agarrou sua oportunidade com unhas e dentes. Foi aprovado na Universidade Federal de Pernambuco em Matemática e na Universidade de Pernambuco, em Engenharia Civil. Optou pela Federal e recebeu como prêmio concedido pelo parceiro ICE, uma bolsa de estudos na Espanha, Terra dos toureiros. Mudou de curso. Hoje faz Engenharia Industrial na Universidad de Valladolid.

Renato Luckwu – O gago

- Peeeeraaa aí, né gente, dizia Renato meio frustrado.

Não adiantou. O apelido pegou mesmo. Gago. Estava decidido e nem adiantava reclamar, dizer que era só um pouco gago ou que a ligeira gagueira só vinha quando icava nervoso ou falava mais rápi-do. Mas isso não era nada. Todos o admiravam. Era muito inteligente.

Page 42: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência42

Tinha um domínio claro nas áreas de exatas, mas as outras disciplinas não eram di�iculdade para ele.

Seu pai, seu Carlos, vendia pipoca e água mineral na frente de uma grande loja de roupas na Avenida Conde da Boa Vista, uma das mais movimentadas do Centro do Recife. Sua mãe, dona Rosemery, tra-balhava como Agente de Saúde. Vivia com os pais e seu irmão mais velho, Rodrigo.

Sempre chegava atrasado. Carregava uma bolsa de uma alça só e andava sempre com cara de sono. Era branquinho, o rosto típico de um adolescente na fase das espinhas e os cabelos viviam impecavel-mente penteados com um topete conservado pelo gel. E, acreditem: ninguém, ninguém mesmo, ousava tocá-los. E quem ameaçava fazê-lo, tinha a oportunidade de ver o gago com raiva. Adorava brega e era torcedor fanático do Santa Cruz Futebol Clube.

Estudava sempre às vésperas das provas. Tinha facilidade para apren-der e para isso bastava a explicação do professor. Nos horários de estudo, também �icava ensinando ao pessoal, não tanto como Gil, mas também aju-dava os colegas. Sempre alcançava as melhores notas e seu desempenho na escola era notável. Todos o conheciam. Em época de avaliação, os alunos das outras turmas vinham procurá-lo.

Ao entrar no CEEGP, nem podia imaginar o que o futuro lhe reser-vava. Não tinha um curso em mente, nem qual carreira seguir. Mas saiu de lá com o projeto de vida de�inido. Prestou vestibular para Engenharia Civil na UFPE e na UPE. Foi aprovado nas duas com o des-taque de 5º colocado na primeira instituição. Como reconhecimento pelo seu desempenho brilhante, recebeu um prêmio de 15 mil reais, concedido pelo parceiro ICE àquele que obtivesse a maior média no vestibular. Assim como Gilderley, ele também conquistou uma das bolsas de estudo na Espanha e lá se encontra cursando Engenharia Industrial na Universidad de Valladolid.

Com o dinheiro que recebeu, ajudou seus pais a montar uma piz-zaria e uma lanchonete, atualmente principal fonte de renda da família. Seu Carlos saiu da Av. Conde da Boa Vista para trabalhar nos seus empreendimentos. Ficou muito orgulhoso do �ilho, viu que todo

Page 43: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos43

sacri�ício valeu à pena. Mesmo com di�iculdade, não pediu ao seu �ilho

para trabalhar e deixar a escola que funcionava em tempo integral.

Em 2008, Renato foi para a Espanha. Lá, desenvolve os seus estudos

e já conheceu diversos países da Europa, como Inglaterra, Portugal e

França. Seu projeto de vida foi além do que ele próprio poderia imagi-

nar.

Page 44: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência44

Paula Souza, a professora

Dhouane Penaforte

ARQUIVO PESSOAL

ARQUIVO PESSOAL

Page 45: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os alunos45

Renato Luckwu passeando em Londres

ARQUIVO PESSOAL

Page 46: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência46

Gilderley na Espanha, sua nova Terra

ARQUIVO PESSOAL

Page 47: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os funcionários47

(Capítulo IV)

Os funcionários

O engenheiro

- Jovem, vá para a sala!

- Ô engenheiro, não faça isso!

Eram essas as frases mais ouvidas nos corredores do CEEGP. Eram ditas, por um senhor calvo, bastante simpático, mas que na hora de mandar os alunos para as salas de aula não fazia nenhum tipo de acordo, o jeito era obedecer. Seu Carlos, um dos inspetores da escola, era querido por todos os alunos. Às vezes, os mais rebeldes icavam revoltados com a insistência dele em mandar ir para as salas de aula, mas logo, quando o encontravam novamente, passeando pelos corre-dores, a chateação passava.

Usava sempre uma blusa azul, com a logomarca da escola bordada em vermelho. Nos horários dos intervalos, icava circulando pelo pátio conversando com os alunos na maior tranquilidade ou chamando a atenção daqueles com os ânimos mais agitados. Sempre que alguém aprontava alguma coisa, tio Carlos, como era conhecido de todos, dis-parava:

- Engenheiro, ô engenheiro, não faça isso! Vá para sala, vá!

E os meninos se divertiam.

Outros mais ousados o chamavam de tio Chico, devido à suposta semelhança de seu Carlos, com a personagem do ilme A Família Ad-dams, de mesmo nome. Mesmo com a brincadeira, todos o admiravam e respeitavam. Era um senhor bastante tranquilo. Até na hora de dar uma

Page 48: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência48

bronca merecida, ele era cuidadoso.

“Não tem como esquecer tio Carlos. Todo dia 30 ou 31 de cada mês ele dizia: ‘Tchau, jovem! Até o mês que vem’. E ríamos, sabendo que no outro dia, ele estaria recebendo a gente na entrada do pátio, com o sorriso largo nos chamando de engenheiro”, lembra Dhouane com saudades.

Leandro também não esquece de seu Carlos. E sem pensar muito, quando questionado sobre qual o funcionário da escola que mais es-teve presente em sua trajetória, a�irma: “Tio Carlos marcou minha vida. Sempre estava preocupado com a gente dentro da escola. Não deixava ninguém perder aula, sempre atento aos horários de cada tur-ma, muito atencioso, não tinha uma ocasião em que nos dirigíssemos a ele para não nos dar atenção. Estava sempre alegre, brincalhão, gos-tava de tudo bem certinho, uma �igura que duvido que os alunos es-queçam. Fará parte das nossas lembranças juvenis no CEEGP”.

Dona Vilma

- Dona Luda, a senhora sabe em que sala está a professora Minan-cy? Pergunta uma aluna do 2º ano.

- Vamos ver, deixa eu olhar no horário.

Dona Luda pega uma pasta verde e começar a folheá-la procurando pela professora.

- No laboratório, responde.

Esta cena era comum. Dona Luda, junto com seu Carlos, �icava responsável por inspecionar a escola. Ela era mais séria. Brincava, mas de vez em quando. Reclamava mais, falava mais alto que seu Carlos, mas era igualmente amada pelos estudantes. Não era di�ícil ver, principal-mente, as meninas indo abraçá-la nos intervalos, na hora da saída ou assim que chegavam à escola pela manhã.

Page 49: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os funcionários49

Usava a mesma blusa azul de seu Carlos, uma calça capri listrada e um tênis preto com meias brancas. Sempre com os cabelos preso, ra-ras vezes soltava, a não ser quando dava escova, Dona Luda acabava a festa daqueles que gostavam de �icar conversando no pátio nas horas indevidas.

Ninguém escapava. Até nos lugares mais reservados, Dona Luda encontrava os alunos e os encaminhava as salas. Mas, não era só em acabar com a farra que Dona Luda era especialista. Quando alguém perdia algo ou simplesmente esquecia em algum local da escola, ela era a solução na maioria das vezes.

- Com licença professor (a). Alguém desta turma esqueceu um es-tojo no refeitório no horário de almoço, ontem?

- Não. OK! Muito obrigado professor (a). Saía Dona Luda procuran-do o distraído que esquecera o objeto.

Assim como seu Carlos, Dona Luda também não escapava dos apeli-dos criativos e engraçados. O escolhido foi Dona Vilma, por causa de uma inspetora de um colégio �ictício, personagem de uma novela da época.

Ela nem ligava. Se algum estudante a chamava de Dona Vilma ou Dona Luda, ela atendia do mesmo jeito. Com o tempo a maioria só a chamava pelo apelido.

Ao lado de seu Carlos, dava assistência a todos os alunos. A qualquer hora, estavam ali.

- No CEEGP a maioria das pessoas que passaram em minha vida teve um grande signi�icado, mas dois não tenho como deixar de citar: Seu Carlos e Dona Luda. Eles eram as pessoas que quando estávamos nos corredores conversando, acabavam com a festa, �icavam andando pela escola para saber se algum aluno estava fora da sala, eram os primeiros que eu via ao chegar à escola e um dos últimos que eu via quando saía. As conversas que tive com eles me ensinaram muito. Eles davam conselhos que até hoje me lembro, recorda Paula.

Page 50: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência50

Os bibliotecários

Haviam quatro funcionários na biblioteca do Ginásio: Revilsa, Dona Helena, Fábio e Fátima. Dona Helena e Fátima �icavam mais na parte interna da biblioteca. O atendimento e a supervisão das atividades realizadas na parte externa �icavam, na maioria das vezes, com Revilsa e Fábio, por isso os estudantes mantinham um contato maior com es-ses dois funcionários.

Revilsa era uma moça bastante simpática. Usava óculos, tinhas os cabelos bastante cacheados e sempre presos no formato de rabo de cavalo. Era formada em Geogra�ia. Recebia sempre o alunos com um sorriso largo no rosto. Lembro-me de uma vez em que cheguei meio aperriada na biblioteca. A pressão do terceiro ano era terrível. O vestibular estava começando a tirar todos nós do sério e entrei na biblioteca toda agitada. Revilsa com uma calma, que desarmava qualquer criatura que chegasse naquele estado, me perguntou o mo-tivo de tanta agitação. E eu não queria conversa. Estava estressada e nada mudaria minha condição. Aos poucos, ela foi conversando, me distraindo e quando percebi, já estava dando risadas. Eram assim as nossas idas a biblioteca. Nem sempre íamos buscar reforço nos livros, uma boa companhia também nos motivava a fazê-lo.

Fábio era mais agitado. Era baixinho, moreno e tinha uma risada inconfundível. Ficava atendendo os alunos que vinham fazer emprés-timo de livros. Igual a Revilsa, conquistou a amizade dos alunos. Havia estudantes que às vezes só iam à biblioteca para falar com ele.

A gestora

Ela era alta e elegante. Tinha uma disposição incrível. Sempre era vista pelos corredores, quando não estava em sua sala resolvendo alguma bron-ca ou em reunião. Seu nome? Thereza Barreto. Nome forte e expressivo. Era uma das pessoas mais admiradas pelos alunos. Uns faziam questão de visitá-la em sua sala, quando não a viam passeando pela escola ou quando preferiam conversar com ela sozinhos, já que no pátio, era quase impos-sível fazer isso, porque sempre que aparecia os estudantes a rodeavam

Page 51: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os funcionários51

cheios de questionamentos e interrogações.

Ela era professora de Educação Física do Colégio de Aplicação de Per-nambuco (CAP), estava no CEEGP depois de haver recebido um convite do Reitor da UFPE que havia sido nomeado Secretário de Educação. Pas-sou oito anos trabalhando no CAP e encarar desa�ios sempre a deixava entusiasmada. O modelo de ensino ainda estava inde�inido, ela sabia que teria muito trabalho pela frente e tudo era muito incerto. Mas havia aceitado aquela nova empreitada e faria de tudo para que a escola pro-duzisse resultados positivos. Sua relação com o Ginásio Pernambucano vinha desde sua infância. Filha e neta de artistas, Thereza cresceu vendo duas telas com a imagem do GP em sua sala. A primeira pintada por seu avô e a outra por seu pai. Ela nunca tinha imaginado estar ali.

Os alunos a respeitavam muito. Seus conselhos eram um santo re-médio para aqueles que de vez em quando se esqueciam o porquê de estarem naquela escola. Ela percebia logo os que precisavam de ajuda e os chamavam para tomar chá com ela na sua sala. Estes “chás” eram momentos de desabafos, conselhos, troca de ideias e experiências que marcavam a vida de jovens que, muitas vezes, precisavam apenas ser ouvidos e ter a sensação de se sentirem importantes. Muitos a chama-vam de amiga. E era isso que ela era para muitos. Não é a toa que, se não de todos, a maioria, de seus ex-alunos ainda mantém contato, seja pelo orkut, facebook, email ou por telefone.

Havia um boato de que quem ia à sala da professora Thereza so-fria uma espécie de lavagem cerebral. Ela, com horas de palestra, con-seguia fazer seus alunos re�letirem sobre suas vidas, futuros e sobre seus planejamentos. Aquele famoso projeto de vida que no primeiro dia de aula todos entusiasmados escreveram naqueles pedaços de pa-péis.

Existiam outros funcionários. As meninas da secretaria, os vigilan-tes, o pessoal da limpeza, os atendentes do refeitório, a instrutora do museu, entre outros. Pessoas que se trabalhassem com a mesma função em outras escolas, não teriam tanto contato com os alunos, mas que no Ginásio, por causa do horário integral, tinham a oportunidade de ter uma relação mais estreita com os estudantes, pois, a�inal, passavam mais tempo com eles do que com suas próprias famílias e, aos poucos, foram

Page 52: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência52

construindo amizades sólidas no CEEGP.

*

Os professores

A mãe- Minancy Gomes

- Uma de inição? Mãe!

A resposta saía imediatamente assim que o nome dela era citado.

Minancy, a professora de Biologia, era morena, tinha os cabelos ca-cheados, usava óculos e sempre estava de sandálias usa lex e de calça de linho. Fazia de suas aulas verdadeiras palestras que terminavam em uma série de questionamentos e respostas inteligentes. É verdade que, às vezes, os estudantes se empolgavam e os temas acabavam se distanciando, terminando em coisas completamente diferentes do as-sunto visto. Mas, não tinha como evitar, os alunos adoravam suas ex-plicações e ela, não menos, de palestrar.

Era um tanto impulsiva. Deixava claro quando algo a estava chate-ando. Não conseguia disfarçar. Os alunos nutriam um carinho espe-cial por ela. Por isso, a chamavam de mãe. Não poucas vezes uns a abraçavam e carinhosamente a chamavam de mainha. E ela era isso mesmo. Uma espécie de mãe de todos. Não media distância. Podia ser qualquer problema. Desde di iculdades com a disciplina de Biologia, um incentivo para estudar, problemas sentimentais ou di iculdades fa-miliares. Tia Mina, como alguns professores a chamavam estava sem-pre ali para ajudar alguém que precisasse. Claro que ninguém é per-feito, e perfeição é uma qualidade que passa longe dos homens, mas Minancy sempre procurava transparecer aquela calma que confortava a turma quando chegava o horário de sua aula.

Os estudantes a respeitavam de uma forma que se não fosse com-provada pelos fatos seria di ícil de acreditar.

Page 53: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os funcionários53

Certa vez, estudantes do segundo ano estavam fazendo prova de Biologia. A professora Minancy precisava ir ao banheiro e não havia conseguido nenhum �iscal para substituí-la. Então surgiu a proposta do acordo.

-Preciso combinar uma coisa com vocês. Estou precisando me ausentar e não tem ninguém para �icar com vocês aqui na sala. Posso con�iar em vocês e deixá-los sozinhos alguns segundos?

- Claro, professora! Pode ir. Garantimos que ninguém vai �ilar na prova.

E ela se foi, com passos apressados pelo corredor.

Todos continuaram concentrados com os questionários da avalia-ção. A vontade de colar surgiu, é claro, mas o acordo em serem hones-tos com a mãe deles era maior.

Um outro professor passou e viu a turma sozinha fazendo o teste e �icou espantado com a cena. “Nenhum professor em classe? Não pode ser”, falava consigo mesmo.

A professora retornou com a certeza de que seus alunos cumpriram com a palavra.

Chegou e se deparou com o professor na porta esperando por ela.

Ele não deu nenhuma palavra. No seu rosto a expressão de incredu-lidade. Ela o cumprimentou e entrou para continuar a “�iscalização” da prova. Com o rosto brilhando e o orgulhosa com o bom comporta-mento de seus meninos.

Era quase impossível de crer. Alunos provenientes de uma cul-tura um tanto corrupta, na qual muitas vezes o compromisso com a honestidade não existe, em menos de dois anos já mostravam resulta-dos positivos e uma melhora, não só em seus currículos, mas também uma mudança de caráter. O CEEGP também moldava, de certa forma, o caráter daqueles jovens.

Page 54: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência54

O alquimista – Afonso Reis

Não tinha como negar que era professor, e de Química. Estava tatuado na sua testa. Era ligeiramente calvo, usava óculos de graus muito fortes, era barrigudo, usava barbas e sempre estava com um es-capulário ao pescoço.

Era sério, mas de vez em quando saía de seu normal para brincar com os meninos. Não na hora da aula. Nunca. Levava muito a sério a ação presente no verbo ensinar. Mesmo utilizando músicas em alguns conteúdos, suas aulas eram sempre muito sérias.

Nunca havia imaginado estar ensinando no Ginásio. Conhecia aquele prédio há anos, mas ensinar ali não fazia parte de seus planos. Na época em que conheceu sua esposa, ela trabalhava na biblioteca do GP. Ia sempre visitá-la e gostava de �icar passeando pela escola. Conhecia cada ambiente. E conseguia depois da reforma identi�icar facilmente onde �icava cada espaço.

O Ginásio fazia parte de suas lembranças. Trabalhava em outra es-cola pública quando surgiu a oportunidade de fazer a inscrição para ensinar no CEEGP. Gostava do que fazia. Tinha nascido para isso. Ia continuar sendo o mesmo professor dedicado, mas as condições se-riam outras. Teria mais recursos, acreditava que com as ferramentas certas nas mãos poderia fazer muito por aqueles meninos.

Com os olhos pequenos e marejados de lágrimas desabafa: “A melhor coisa que um professor pode receber é o reconhecimento de seus alunos. Saber que foi importante na vida de outra pessoa é o que traz satisfação”.

Socorro Lopes

Batom bastante vermelho (ou de cores fortes), cabelos ruivos e baixinha. Com um sorriso sempre estampado no rosto, Socorro Lopes era uma das professoras de Química. Diferentemente de Afonso, tinha

Page 55: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os funcionários55

um ar mais brincalhão. Mas, como já dizia o dito popular: “Quem vê cara não vê coração”, ela surpreendia.

Suas aulas eram uma das mais silenciosas. Era super simpática, mas na hora da explicação, ninguém ousava conversar. Logo no primeiro ano, em 2004, não dava aula a todas as turmas. E assim que passou a ensinar para todas as classes do terceiro ano, os alunos �icaram re-ceosos.

Ouvia-se o boato, que logo no primeiro dia tornou-se fato concreto, de que a cada conversa, meio ponto era tirado, “castigo” que ela nunca aplicou, de fato. Gostava de fazer questionários para todos. Os meni-nos já iam para a aula sabendo que poderiam ser abordados. Era um incentivo. Antes das aulas da professora Socorro, muitos alunos, re-visavam os conteúdos vistos na aula anterior.

Assim que ela entrava na sala, ia logo arrumando as cadeiras, sepa-rando os que gostavam de conversar e contendo os ânimos da turma. E depois com o piloto na mão começava a ministrar a disciplina, que para muitos, era uma tremenda dor de cabeça.

Durante a explicação, ela fazia algumas perguntas para turma e com uma memória incrível chamava o aluno pelo nome. Já no �inal, era a hora do sorteio. O felizardo que tinha o nome sorteado na caderneta era interrogado sobre o conteúdo ministrado em sala.

Klenie Synara

Assim como Socorro, Klenie, a professora de inglês, quando usa-va, optava pelos batons escuros. Era baixinha, tinha os cabelos lisos e bastante pretos. Tinha uma mania bastante engraçada. Anotava algum recado, para não esquecer, de caneta nas mãos, mas não como a maioria das pessoas fazem, na palma da mão, mas entre o dedo polegar e o in-dicador. Como os professores das disciplinas de Ciências Exatas, Klenie teria um trabalho muito di�ícil pela frente. Copiando o que Juscelino Ku-bitschek fez pelo Brasil, com o plano de metas 50 anos em cinco, ela teria que ensinar aos 320 estudantes uma língua diferente e complicada. O

Page 56: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência56

que alunos da rede particular vêem assim que aprendem a nativa Língua Portuguesa, a maioria daqueles estudantes, nunca tinha tido o contato, ou se viram, foi de forma muito super�icial. Então, como fazer aqueles meninos aprenderem tudo em apenas três anos? Este era o desa�io.

Com uma criatividade de dar inveja em qualquer artista. Klenie criava mil maneiras de ensinar a língua inglesa para seus alunos. No início foi um trabalho muito di�ícil, uns nem dominavam a língua mãe e um idioma diferente era quase impossível de ser aprendido. Mas ela conseguiu. Fez até alguns se inscreverem no programa Jovens Em-baixadores promovido pela escola de idiomas ABA. Criou em alguns, o amor pela língua inglesa e os incentivou a correr atrás para dominar esse idioma tão necessário para as relações pro�issionais desta aldeia global que chamamos planeta terra.

Roberto Miranda

O professor de Matemática, era alto, forte e bastante simpático. Tinha o sotaque paraense bem carregado. Era impossível não notar que ele não era daqui de Pernambuco. Dava aula tranquilamente ape-sar de sua disciplina ser uma das causadoras do índice de notas baixas na maioria das escolas do país e, no CEEGP, não era diferente. Mas com o decorrer do tempo os meninos apresentaram uma melhora. O professor Roberto Miranda se esforçava bastante para provar aos meninos que a matemática não era esse bicho papão que todos pin-tavam. Eram inúmeras as maneiras que ele arrumava para explicar a disciplina. Desde experiências em sala quanto no pátio.

Se estivessem estudando trigonometria, lá ia professor Roberto le-var os alunos para o pátio, com um rolo de barbante nas mãos. Amar-rava de um ponto a outro formando um triângulo e os meninos tinham que descobrir o ângulo e o tipo de triângulo que estava sendo forma-do. Assim, não tinha quem não se divertisse na aula.

Page 57: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os funcionários57

Ricardo – O bonitão

Era poeta, cantador e repentista. Professor Ricardo dava aula de matemática. Moreno, cabelos lisos, tinha uma ligeira semelhança com um indiano. Usava bigode e desde que chegou fazia questão de que todos soubessem que seu apelido era “Bonitão” e pegou. O nome Ricardo já não existia. Bonitão além de dar aula, adorava recitar os poemas e poesias que ele mesmo compunha.

Era uma �igura, não tinha quem não gostasse das aulas de bonitão. A cada explicação, passava as mãos nos cabelos. Gostava de usar ilus-trações, dar exemplos. A cada conteúdo, lá vinha bonitão com uma história.

Marcos Durval – Dumal

História uma faca de dois gumes. Ou se ama ou se odeia. Não se pode gostar mais ou menos de História. Ou ela é chata e cansativa, muito decoreba, ou é prazerosa e interessante. Depois de um ano estudando a História de Pernambuco, uma das propostas pedagógicas do novo Ginásio Pernambucano, os alunos se deparam com uma mudança de professor. Antes quem dava as aulas da disciplina era a professora Suely Saldanha e o professor Welligton. Como os dois saíram em pouco tempo, Marcos Durval entrou para substituí-los.

Ele era moreno, barrigudinho e muito, muito simpático. Fazia até os assuntos históricos mais sérios �icarem engraçados. “Dumal”, o ape-lido rimado para Durval, seu sobrenome,era na verdade “ Do bem”.

- Eu, por exemplo, odiava história, Durval foi quem me fez gostar da matéria. Antes, tudo era muito repetitivo, decoreba, chato e cansativo. Lembro-me da primeira vez em que ele deu aula. Fiquei impressiona-do. Explicava os assuntos de uma forma que nunca tinha visto, fazia de fato a gente �icar atento, sem aquela vontade de dormir que as aulas de história davam. No primeiro dia, combinou que quando falasse da morte de algum personagem, todos tinha que lamentar com uma in-terjeição (OH!), parecia bobagem, mas essa didática meio louca, fazia com que os fatos �icassem tão íntimos dos alunos que datas e nomes importantes eram facilmente assimilados, lembra Gil.

Page 58: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência58

No auge da correria para o vestibular, em 2006, Marcos Durval re-solveu organizar uma Olimpíada de História. Os estudantes começaram a devorar os livros da disciplina. Foi uma das “competições” mais con-corridas do CEEGP.

Ilzia Zirpoli

Fernão Lopes, Gil Vicente e a Farsa de Inês Pereira. Qual ex-aluno da professora de Literatura, Ilzia Zirpoli, nunca ouviu falar? Os conteú-dos soavam repetitivos, as aulas pareciam as mesmas, mas não eram. A professora Ilzia fazia questão de que os estudantes dominassem a literatura. Tinha cabelos exoticamente vermelhos, usava óculos com aros grossos e tinha um andar característico. Sua voz era um tanto rouca e expressiva.

A cada aula não se cansava de cobrar as ichas de leitura. Os es-tudantes, principalmente os vestibulandos, eram “obrigados” a lerem os livros que a lista de Ilzia indicava. Como a biblioteca do Ginásio oferecia clássicos, não só da literatura brasileira, como mundial, a pro-fessora de Literatura aproveitou.

Meninos que, em sua maioria, não tinham o hábito de ler, e não coheciam as obras da literatura Nacional. Nunca tinham lido obras como Macunaíma, O Guarani, O Primo Basílio. Agora, depois das i-chas de leitura, conheciam não só as obras, mas seus autores. Estavam lendo obras da Literatura Inglesa de Shakespeare, como Otelo e Rei

Lear. Além da obrigatoriedade das ichas, as discussões na sala ajuda-vam muito, as leituras dramatizadas também eram pontos fortes na hora de fazer os alunos assimilarem o conteúdo. Alguns estudantes lembram da prova do vestibular. Quando viram na prova de Português O Poema de Sete Faces, obra de Carlos Drummond, só veio a lembrança da professora declamando-o em sala.

*

Page 59: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os funcionários59

Outros professores marcaram a nova história do Ginásio Pernam-bucano. Cibele Figueiredo e Irene, as professoras de Educação Física e as cobranças semanais dos portfólios; Astrid e Sandra Marabá, com os intermináveis trabalhos de Artes, e as apresentações de dança, música e teatro em sala e no auditório; Etiene e Avany, de Biologia; Marcus Viní-cios, Josivan, Miguel, Petrus e Valter Dantas, os de Física, com as aulas e experiências malucas no laboratório; Antônio, professor de matemática e o seu incansável “neste curso”; Augusto Cabral, Conceição e Por�írio Brito, os de Geogra�ia; Eligivânia, a professora de Inglês, com os cabelos cacheados e a voz mansa; Professora Lúcia Laurentino, Neusa, Joelma e Elizaldo, os de Língua Portuguesa. Rosana e o professor Alex, os da disci-plina de Filoso�ia e Mônica Melo, a professora de Sociologia.

Mestres que assim como, Agamenon Magalhães (geogra�ia), Adauto Pontes (Língua Portuguesa), Amaro Quintas (História), Hilton Sette (Geo-gra�ia), entre outros, �izeram no passado, escreveram a nova história do importante Ginásio Pernambucano do século XXI, o Centro de Ensino Ex-perimental Ginásio Pernambucano.

Page 60: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência60

Thereza recebendo homenagem no seu aniversário

Corpo docente do CEEGP

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

Page 61: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Os funcionários61

Os professores de Ciências da Natureza

Tio Carlos com seu certi�icado de reconhecimento de funcionário amigo

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

Page 62: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência62

(Capítulo V)

O dia a dia

Eram 6h30 da manhã e as portas do Ginásio Pernambucano ainda es-tavam fechadas. Quando os serventes chegavam, pegavam as vassouras e iam arrumar a escola antes que os alunos chegassem. Os demais fun-cionários também iniciavam a arrumação para mais um dia de trabalho.

As pessoas que trabalhavam na cantina também chegavam cedo para organizar as panelas e os ingredientes para o preparo do almoço. Seu Car-los e Dona Luda estavam entre o grupo que madrugava. Ficavam no pátio, recebendo os estudantes.

- Bom dia, engenheiro, como passou a noite? Perguntava seu Carlos com um sorriso largo.

Dona Luda, com o olhar mais clínico, disparava:

- Por que você está sem farda moçinha? Cadê a camisa?

- Está no armário, Dona Luda. Já vou vestir. Respondia a aluna meio chateada.

Ela ía para o corredor onde os armários icavam instalados, enquanto Dona Luda icava falando que ela não poderia assistir às aulas sem estar de farda, que já para não haver desculpa de não ter o que usar, havia sido distribuída gratuitamente, no início do ano.

A partir das 7h, os primeiros alunos já começavam a chegar. Os que moravam distante, como os que vinham das cidades de Camaragibe, São Lourenço da Mata, Moreno, Itapissuma e Jaboatão dos Guararapes, eram os primeiros a chegar. Em alguns minutos, o Ginásio começava a icar movi-mentado e as vozes se misturavam pelos corredores e pátio, formando o barulho característico de escola cheia e viva.

Page 63: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O dia a dia63

Às 7h30, a campainha tocava. Os inspetores já conduziam os alunos para as salas e os professores se dirigiam cada um, para sua turma em passos rápidos.

- Bom dia, gente!

A saudação era dada pela professora Ilzia Zirpoli, na sala de Por-tuguês, ao mesmo tempo em que a professora Eligivânia, na sala de Inglês do primeiro andar, cumprimentava os estudantes.

- Good morning, class! How are you?

Até às 10h da manhã, quando acontecia o primeiro intervalo, as aulas eram ministradas na maioria das vezes pelo mesmo professor. Quando isso não acontecia, às 9h30 as turmas se deslocavam para a sala da disciplina que constava no horário. Essa mudança demorava alguns minutos, é claro. Uns aproveitavam para beber água, ir ao banheiro ou conversar no pátio. Depois de alguns segundos, o silêncio voltava e só se ouvia as vozes distantes dos professores em classe.

Todos permaneciam em suas atividades, até um som estridente e ino os interromper. Era a campainha indicando que já era meio-dia, a hora do almoço. Começava a correria e o barulho nos corredores era enorme. Os mais famintos corriam para a ila do almoço. No início, to-das as turmas iam ao mesmo tempo, mas icava um burburinho e logo foi percebido que era necessário separá-las. Assim, cada turma passou a ter o seu próprio horário para ir para o refeitório.

Paula não tinha muita pressa e assim que o sinal tocava, arrumava suas coisas com calma, indo até o seu armário onde guardava a mo-chila. Não gostava de ir almoçar logo, pois o restaurante icava lotado. Mesmo almoçando sozinha, preferia esperar. Aguardava o movimento icar mais fraco para poder ir, enquanto isso conversava com os ami-gos ou ia ler na Biblioteca.

Tomar banho ajudava a relaxar para enfrentar mais um turno de au-las. E quando começaram a estudar em tempo integral, os meninos do CEEGP aproveitavam o horário de almoço para isso. Como o tempo não era su iciente, os alunos se atrasavam muito para as aulas da tarde e

Page 64: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência64

assim o banho passou a ser liberado apenas nos dias das aulas de Edu-cação Física ou depois dos ensaios das apresentações de espetáculos teatrais ou de dança. Em outras circunstâncias, era proibido. Houve bas-tante reclamação. Muita gente insatisfeita, mas a medida era necessária e o desperdício de água também era muito grande.

- Isso é um absurdo! Não pode mais tomar banho? Perguntaram al-guns alunos indignados, aos professores.

Thereza conversava e explicava o motivo da proibição. Chamou os Lí-deres de Turma, orientou como eles deveriam explicar aos seus colegas de classe e pediu a ajuda deles para esclarecer os estudantes que pro-testavam. O assunto não demorou muito para ser compreendido. Aos poucos, eles se contentaram com a decisão.

Depois do almoço, todos voltavam para as salas e as aulas con-tinuavam. A rotina era cansativa e assistir as aulas nesse horário deixava todos com sono. Por causa do cansaço, os professores procuravam de-senvolver atividades mais dinâmicas e assim o rendimento não diminuía.

Havia outro intervalo, sempre às 15h e este parecia ser mais curto que o primeiro. Os quinze minutos passavam num instante e lá iam eles voltando para as salas de aula outra vez. Entre o momento em que volta-vam para as salas e a hora que encerravam as atividades às 17h, tudo era muito rápido. O professor começava a explicar, passava exercícios e quando olhavam para o relógio, já era a hora de se despedirem. Mas, icar o dia inteiro na escola não parecia ser tão rápido assim.

- Chegar à escola todos os dias às 7h30 e só sair às 17h, cansava. Nos primeiros dias, chegava à minha casa morto de cansado e só queria tomar banho e dormir. Depois é que fui me acostumando e tomei coragem para fazer outras atividades depois da escola, confessa Genival.

Estar na Escola o dia inteiro não era nada fácil, principalmente no CEEGP, onde tudo era muito diferente. A experiência causou impactos.

- Estar preso na escola, às vezes era estressante. Em certas ocasiões dava vontade de fugir, inventar uma desculpa e ir para casa. Assistir aula o dia inteiro nem sempre era agradável, mas as atividades que fazíamos

Page 65: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O dia a dia65

nas aulas interdisciplinares eram as melhores. Essa era uma das coisas que realmente nos provava que estávamos em uma escola diferente, a�irma Cristiane.

As aulas interdisciplinares ou O�icinas Pedagógicas Interdisci-plinares – OPI faziam parte do novo modelo de ensino do CEEGP: mostrar os conteúdos de forma micro e, a partir das vivências dos próprios estudantes com os resultados obtidos, evoluir para o cam-po macro do conhecimento. Eram aulas, geralmente externas, que trabalhavam a problemática ambiental, a sustentabilidade e a responsabilidade social, assuntos tão necessários atualmente.

O foco das primeiras aulas das OPI foi o Rio Capibaribe, vista per-manente do Ginásio Pernambucano. Estudar os ecossistemas do rio, localização, nascedouro e a distância entre as pontes eram conteúdos das diversas disciplinas. Os estudantes iniciavam ali o primeiro con-tato com uma das inovações da Educação deste novo século: a inter-disciplinaridade através da união das diversas disciplinas em busca de resultados comuns.

Durante muito tempo conviveram com o tema: Rio Capibaribe – doce ilusão, triste realidade. Estudar o que estava tão presente no dia a dia deles era uma aventura. Associar Matemática, Física e Química a assuntos tão presentes, tornava mais simples a compreensão des-tas disciplinas, mesmo através de um processo de aprendizagem mais lento e cansativo devido às muitas etapas e métodos utilizados para chegarem às respostas.

As aulas aconteciam com os professores dividindo as equipes e com elas, desenvolviam trabalhos nas mais diversas áreas. Uniam a exatidão da Matemática, com a experimentação da Química e a criatividade das Artes e montavam painéis explicativos, maquetes, mapas conceituais, murais em torno da problemática ambiental e, depois de alguns dias trabalhando naqueles conteúdos, os estudantes apresentavam os resul-tados com uma programação bem diversi�icada no auditório chamada Culminância.

Outras atividades extracurriculares eram desenvolvidas no Ginásio Pernambucano. Estudar a história do Recife Antigo também fazia

Page 66: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência66

parte do currículo e acontecia através das visitas aos monumentos históricos da cidade, pelos passeios nas principais ruas do Recife e faziam com que os próprios alunos construíssem o conhecimento através de diferentes maneiras.

Nestas atividades vários passeios foram realizados. Os estudantes conheceram diversos lugares do Centro do Recife, sua história e im-portância. Conheceram o Teatro de Santa Isabel, cenário onde Joaquim Nabuco e os abolicionistas pernambucanos lutaram através dos seus discursos in�lamados pela abolição da escravatura no país; foram à vizinha Assembléia Legislativa, onde as leis são criadas pelos deputa-dos; visitaram a Praça da República e o Palácio Campo das Princesas, sede administrativa do Governo do Estado de Pernambuco; foram ao Palácio da Justiça, que abrigou o Palácio de Friburgo pertencente ao Conde Maurício de Nassau e visitaram a Capela Dourada, construída no Convento de Santo Antônio e criada no século 16, com decoração de estilo barroco e uma quantidade muito grande de ouro, visitada por dezenas de turistas durante o ano inteiro.

Eles conheceram com propriedade a cidade do Recife, a Veneza brasileira, simplesmente caminhando por suas pontes, fazendo autên-ticos roteiros turísticos, aprendendo com seus monumentos e obras que tornam visível a história da cidade e de seu povo.

Certo dia foram conhecer as pontes da cidade. Caminharam pelas pontes Maurício de Nassau, construção original feita pelo conde de mesmo nome em 1643 e uma das mais antigas do Brasil; Duarte Coe-lho; Princesa Isabel, projetada pelo francês Louis Vauthier; Ponte de Ferro, construída por ordem de Dom Pedro II; Ponte Velha, construída pelos holandeses em 1643 e conheceram a história da ponte da Boa Vista, reconstruída em 1976. Nesta aula também conheceram o Mer-cado de São José, considerado o edi�ício pré-fabricado em ferro mais antigo do Brasil.

A professora Klenie pedia para os alunos falarem do que viam, em Inglês, é claro. Uns, menos envergonhados, iam falando o nome de al-guns objetos com palavras soltas e aos poucos iam formando frases. Enquanto conversavam com os vendedores ambulantes, as meninas aproveitavam para comprar bijuterias e os meninos �icavam se di-

Page 67: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O dia a dia67

vertindo com os objetos mais inusitados que eram vendidos nos boxes do Mercado São José.

Havia alunos que nunca tinham estado ali antes, mesmo morando no Recife desde que nasceram, porque a eles nunca havia sido ofereci-da oportunidade como esta que acontecia nas aulas interdisciplinares. Ao término da aula, voltavam para a escola esbaforidos, mas satisfei-tos com o a aula-passeio.

Nas tardes das quartas-feiras aconteciam as aulas da Parte Diver-si�icada – PD. Nelas, os alunos faziam as mais diferentes atividades. Havia a PD de Informática, onde os alunos desenvolviam trabalhos di-versos usando o computador; a PD de História com o professor Durval que era uma das mais disputadas; a PD de Matemática, onde os parti-cipantes resolviam desa�ios matemáticos, jogavam xadrez e desenvol-viam jogos de raciocínio; a PD de Nutrição, onde o reaproveitamento de alimentos era um dos temas, dentre outras. Tudo acontecia através de uma proposta cujo objetivo era desenvolver conteúdos vistos em sala de uma forma mais leve e variada.

No CEEGP havia também os clubes juvenis - grupos idealizados por Bruno Silveira formados pelos próprios estudantes. Eram os grupos de Teatro, Música e Jornal. Os grupos de empreendedorismo também compunham as atividades oferecidas pela escola. Depois das 17h, quando as aulas eram encerradas, os clubes faziam suas reuniões e re-alizavam seus ensaios. Muitas atividades foram desenvolvidas e com destaque, a adaptação da peça o Rei Artur, virou história dentro do CEEGP. Com uma estrutura de dar inveja, esse espetáculo incrível e emocionante foi apresentado no pátio da escola para professores, alu-nos e convidados.

A mini-empresa Pedacinho do Céu e seus doces �inos foi um resultado do trabalho da parceria da escola com a Junior Achievement e também fazia parte das inúmeras atividades desenvolvidas no CEEGP. Através delas, o espírito empreendedor também era desenvolvido. O grupo res-ponsável pela mini-empresa fazia trufas e bombons de chocolate para vender, usavam a cozinha da escola para fazer os produtos e assim a-prendiam a como gerenciar um empreendimento. Começaram negoci-ando dentro da escola, vendiam aos colegas, professores, funcionários e

Page 68: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência68

depois surgiram as encomendas maiores que aos poucos foi crescendo quando então encerraram as suas atividades depois da cerimônia de for-matura dos mini-empresários pela Junior Achievement.

Além dessas “disciplinas” extras, haviam as provas, os trabalhos, os testes e os exercícios. Alguns não agüentaram a rotina e pediram trans-ferência, como foi o caso de Aline Luna. Ela queria estudar para se sub-meter a concursos militares, bem como atuar no mercado de trabalho, mas isso não era compatível com o tempo integral exigido no CEEGP.

Assim como Aline, outros alunos também pediram transferência. Com essas desistências, surgiam oportunidades para outros alunos como Elkaer Wanderley e Waldenio Júnior ocuparem as vagas que passavam a existir. Eles eram estudantes que também tinham tentado uma das 320 va-gas no inicio de 2004, mas que não conseguindo boa colocação, não foram selecionados no primeiro grupo.

Assim que chegaram, sentiram as mudanças. Tiveram que aprender o que eram os horários de estudo, se dedicar aos conteúdos vistos em sala, ler e resolver os exercícios que na época de prova funcionavam como verdadeiras bancas de estudo. Os alunos que tinham mais domínio ensinavam aos colegas com mais di�iculdades. Nos horários de estudo os professores �icavam preparando aula, estudando ou em estavam em reunião, enquanto seu Carlos e Dona Luda circulavam pelos corredores para ver se tudo corria normalmente.

Mas eles não demoraram muito para se acostumar com a nova vida na escola. Ela era diferente de todas as outras pelas quais eles pas-saram. As aulas, a experiência de ter aula o dia inteiro, as atividades extras e os passeios que a escola fazia, os deixavam encantados. Lem-bram-se até hoje da viagem que �izeram a Bezerros, no Agreste per-nambucano, quando foram conhecer o Centro de Ensino Experimental Escola Técnica do Agreste - CEEETA, uma das escolas concebidas pela mesma proposta.

A viagem durou algumas horas. Assim que chegaram, foram todos recebidos pela banda da escola ao som de instrumentos como o sax e o trompete. Os donos da casa foram bastante receptivos e nos presen-tearam com uma verdadeira festa.

Page 69: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O dia a dia69

Como os alunos chegaram bem próximo da hora do almoço, a re-feição logo foi servida e depois de estarem todos satisfeitos, chegou o momento dos espetáculos. As duas escolas preparam algumas apre-sentações culturais. O CEEETA com seus músicos e equilibristas com pernas de pau. O CEEGP com seus dançarinos dos mais variados rit-mos, do forró ao côco, numa rica troca de experiências.

O ambiente da escola era agradável. Mas como tinham vindo de longe foram conhecer a cidade. Os grupos foram divididos sob a responsabilidade de alguns professores e assim foram conhecer a ci-dade de Bezerros, a terra dos papangus.

Conhecerem as igrejas e a Estação Cultural, antiga estação fer-roviária transformada em centro cultural, bem como os principais pontos históricos da cidade. Foram ao ateliê de José Francisco Borges ou J. Borges, xilogravurista conhecido no Brasil inteiro. Passearam pela galeria do artista e viram de perto sua arte, conhecida e reconhe-cida mundialmente.

No ateliê foram recebidos pelo seu �ilho, que exibiu os peque-nos livretos de cordel, ilustrados com as xilogravuras do pai a partir das esculturas, das máscaras e dos quadros que ornamentavam o espaço. Os alunos observavam tudo, atentos ao que o jovem expli-cava. Depois de alguns minutos um senhor de cabelos brancos e de bigode da mesma cor surgiu cumprimentando a todos. Era J. Borges que acabara de chegar para contar a história de seu trabalho.

Conduziu os alunos para um salão maior, onde existiam algumas cadeiras e uma mesa grande onde eram fabricadas as máscaras dos papangus, símbolo do carnaval da cidade de Bezerros. Molhou as mãos em uma bacia e começou a produção das lindas máscaras. De-pois de terminar o processo de criação, sempre explicando cada etapa, J.Borges contou um pouco de como começou com a xilogravura, os convites que recebeu para as dezenas de exposições e o reconheci-mento que obteve mundialmente com suas criações.

Voltaram no mesmo dia. Quando os ônibus estacionaram em frente à escola, já era noite e as pontes iluminavam o Rio Capibaribe onde os prédios localizados no centro do Recife criavam um lindo cenário

Page 70: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência70

Aula Interdisciplinar com professor Roberto

Aula de Química com professora Socorro

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

Page 71: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O dia a dia71

Palácio Campo das Princesas um dos pontos visitados na aula-passeio

Alguns alunos do CEEGP e Marcos Pontes, primeiro astronauta brasileiro

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

INDIRA VERÇOSA DE MELO

Page 72: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência72

de recepção. Os estudantes desceram dos veículos muito contentes. E essa felicidade era percebida no rosto de cada um. O passeio fora cansativo, mas tinha valido a pena.

Esses eram um dos momentos onde os alunos relaxavam, já que a rotina de aulas e avaliações era muito cansativa. As semanas de prova deixavam todos com os nervos à �lor da pele. Eram muitas disciplinas, muitos conteúdos, questões extensas e avaliações diárias. Todo esse conjunto fazia com que o estresse aparecesse de vez em quando. Até o comportamento dos alunos era observado. Quando as notas caiam ou o aluno apresentava uma mudança de humor ou alteração de com-portamento em sala, os professores conversavam para compreender o que estava acontecendo. Luciana, a psicóloga também procurava quem tivesse com algum problema e oferecia apoio a quem precisasse de aju-da.

Atitudes como essas faziam com que o CEEGP perdesse a carac-terística de escola e exercesse o papel de família. Alunos que não tinham esse apoio em casa viam nas pessoas da escola um apoio para seus con-�litos familiares. Viveram ali dias inesquecíveis. Uma oportunidade para crescer nas várias dimensões da vida: na maneira de tratar as pessoas, no incentivo para encarar e vencer novos desa�ios e como ser humano que precisa ouvir e ser ouvido. Os alunos construíram amizades verda-deiras, laços e valores que o tempo não faz desaparecer, nem desgastar. Naquele lugar, sentimentos bons como alegria, amor e amizade foram postos a prova. Ali, as pessoas se mostravam como realmente eram. Não havia como ninguém usar máscaras por tanto tempo e os disfarces, logo caíam.

Assim foi a vida no Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernam-bucano nos anos de 2004, 2005 e 2006. Ali, nada era monótono e cada dia trazia consigo um desa�io. São dias que �icarão eternizados na vida de quem os viveu, assim como nos livros que registram as memórias dos estudantes e professores do passado e seu período áureo na edu-cação pernambucana.

O Ginásio Pernambucano ainda estava vivo. Com ambientes dife-rentes, professores diferentes, alunos diferentes, mas com a mesma essência e objetivo: ser uma escola referência com ensino público de qualidade.

Page 73: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O último ano e a despedida73

(Capítulo VI)

A despedida

Era março de 2006. O ano não havia começado como os anteriores, 2004 e 2005. A última etapa havia chegado e restavam apenas nove meses para que os primeiros resultados fossem revelados.

Os abraços, cumprimentos e as conversas sobre as novidades das férias acabaram na primeira semana. Nos dias seguintes, uma preocu-pação passeava livremente por todos os ambientes do Ginásio. Subia as escadas, entrava nas salas, sentava no pátio, almoçava no refeitório: o vestibular era o motivo deste sentimento e durante todo aquele ano, o centro das atenções seria ele.

Todos sonhavam em ingressar na universidade, concluir o ensino superior e conquistar um bom emprego. Não apenas sonhavam, ha-viam registrado isso logo no primeiro dia de nossas aulas, naqueles pedacinhos coloridos de papel. Essa era a meta e fariam de tudo para alcançá-la.

Com as aulas interdisciplinares, os grupos e as o icinas, eles haviam aprendido muito. As atividades desenvolvidas trouxeram resultados para a melhoria na qualidade de vida deles e de suas famílias. Porém, o CEEGP, como o próprio nome sugere, era experimental. Uma escola que estava tentando construir através da experimentação um modelo de educação em busca de resultados. Claro que as o icinas, as PD (Par-te Diversi icada) e grupos, produziram bons frutos. Mas os resultados deveriam ser muito mais do que ter uma visão ambiental consciente, a inal, eles iriam enfrentar os vestibulares da vida e as provas exi-giriam resultados diferentes.

Os estudantes tinham a consciência de que sozinhos não podiam consertar o mundo. Era a conhecida história de que uma andorinha só

Page 74: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência74

não faz verão. Mas, se cada um �izesse sua parte, muita coisa iria mu-dar e isso ninguém questionava. Esse tipo de conhecimento era im-portante, porém, não era su�iciente. As avaliações externas as quais se submeteriam não exigiriam apenas isso e a escola estava ali para, além de prepará-los para a vida, levá-los a ter condições de executar os seus projetos de vida e a ter um futuro pro�issional de sucesso que para ser alcançado, trazia consigo os exigentes processos seletivos.

Fazer as provas dos vestibulares das instituições mais concor-ridas do Estado estava presente em quase todos os projetos de vida construídos. E o corpo docente sabia que era necessário focar nisso.

A rotina mudou, as aulas interdisciplinares foram reavaliadas, as lições começaram a ser mais intensas e os testes viraram verdadeiros simulados das provas do vestibular. O modelo do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) também passou a ser uma preocupação constante. As aulas eram verdadeiros cursinhos, os horários de estu-dos foram diminuídos e as agendas foram reorganizadas. O projeto pedagógico, em virtude do compromisso com os nossos resultados, foi revisto.

A cada semana, novas provas eram aplicadas. Era necessário cor-rer contra o tempo para suprir todas as carências existentes. Apesar dos esforços, eles ainda eram estudantes com muitas necessidades de aprendizagem, vítimas da banalização e do desprezo historicamente dedicados à educação pública do País. O modelo de ensino inicial do CEEGP era excelente, mas se aplicado em outro contexto e num tempo maior. Os processos de ensino requeriam mais tempo e em apenas três anos de Ensino Médio, era impossível colher os resultados posi-tivos esperados.

As necessidades dos estudantes eram imensas e a escola deveria apresentar resultados em curto prazo. Para isso, as mudanças vieram. Mas, ainda que alterações tenham sido realizadas, o CEEGP não era uma instituição de ensino comum pois havia um forte compromisso em educar os estudantes para a vida . Os 4 Pilares da Educação no-meados pela Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura/UNESCO, ou seja, Aprender a Conviver, Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer e Aprender a Ser, estavam presentes todos

Page 75: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O último ano e a despedida75

os dias na vida de toda a comunidade escolar e isso fez com que cada desa�io, con�lito ou problema resolvido tornasse o CEEGP uma escola diferente e tão importante quanto foi no passado.

Além das aulas nas salas, os professores organizavam “aulões” que aconteciam no auditório, com todas as turmas reunidas. Na verdade, essas aulas se destinavam à resolução das questões de provas de ves-tibulares realizados nas principais universidades do País.

Nos primeiros dias de aula de 2006 foi realizada uma pesquisa com os estudantes para saber quais eram os cursos pretendidos. Poucos optavam pelos cursos da Área de Exatas e isso demonstrava que os estudantes, em virtude das de�iciências nas disciplinas dessa área, se achavam incapazes de ingressar em cursos que exigissem competên-cias em cálculo. Nesse momento, além dos esforços para prepará-los para as provas, teve inicio o processo de resgate da auto-estima dos jovens.

- Eles não demonstravam interesse nos cursos da Área de Exatas porque se sentiam incapazes de ser aprovados. Quando isso foi iden-ti�icado, começamos a incentivá-los e assim surgiram as propostas de premiação do Presidente do ICE, Dr. Marcos Magalhães, em reconheci-mento aos esforços daqueles que decididos a enfrentar os cursos dessa área, fossem aprovados, explica Thereza Barreto.

Estudar numa Universidade na Espanha... Receber bolsas de es-tudo...Ganhar um prêmio em dinheiro.... Essas eram as propostas do idealizador do CEEGP: - o estudante que obtivesse a maior nota no ves-tibular das Universidades públicas, UFPE ou UPE, receberia o prêmio em dinheiro; os 10 primeiros colocados em cursos da Área de Exatas aprovados na UFPE, receberiam as bolsas para estudar durante 5 anos na Universidad de Valladolid, na Espanha e os 3 primeiros colocados em cursos da mesma área na UNICAP, receberiam bolsas de estudos para os seus cursos nesta Universidade privada. Não se falava em outra coisa e um grande número de estudantes decidiu enfrentar o desa�io e se preparar para prestar vestibular para as Engenharias, das quais, Civil e Química eram as mais procuradas.

Até chegarem os dias das provas, a rotina tornou-se ainda mais can-

Page 76: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência76

sativa. Além dos “aulões”, também foram oferecidas aulas de reforço, das 19h às 21h, com professores com experiência em cursinhos pre-paratórios, com quem eram revisados os conteúdos e apresentadas as famosas “dicas de vestibular”. Na mesma época, alguns estudantes foram selecionados para fazer parte do Rumo à Universidade, curso oferecido pelo Governo do Estado para que os estudantes das escolas da rede pública sem condições de pagar um curso preparatório, tives-sem acesso a um reforço com foco no vestibular.

As aulas do Rumo à Universidade aconteciam ao longo dos dias de sábado e domingo no colégio Cônego Rochael de Medeiros, escola per-tencente ao Instituto de Educação de Pernambuco que �icava próximo ao CEEGP.

Até o dia das provas do vestibular, a rotina constava de estudar no CEEGP o dia inteiro, assistir às aulas do cursinho à noite, e, nos �ins de semana, ir para o Rumo, como eles chamavam. E o esforço valeu a pena. Os estudantes do novo Ginásio Pernambucano provaram que eram mesmo capazes. Mesmo com todas as di�iculdades que enfrenta-ram antes e depois de entrarem na escola, eles conseguiram.

Nos dias de realização das provas do vestibular os professores es-tavam tão apreensivos quanto os estudantes. Uns acompanharam os estudantes nas escolas onde fariam suas provas, desejaram boa sorte e permaneceram do lado de fora, torcendo. Assim que viam uma de suas “crias” saindo do local de prova, ia abraçá-la e saber como tinha se saído. Assim �izeram durante os dois dias de provas da primeira fase da UFPE e das provas da UPE.

Quando o resultado da primeira fase foi publicado, a felicidade e a expectativa tomaram conta das pessoas do CEEGP. Professor Rober-to não conseguia disfarçar o nervosismo. Alguns como Renato e Gil, tinham alcançado notas altas, mas outros não e isso gerou grande apreensão em todos.

Até o dia da segunda fase, a correria continuava e a rotina era a mesma: aulas, aulões, cursinhos e Rumo. Depois de alguns dias, che-gou a hora da decisão.

Page 77: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O último ano e a despedida77

Uma grande quantidade de estudantes submeteu-se à última etapa do vestibular no bloco G da Universidade Católica de Pernambuco, e quando chegaram lá, encontraram a professora Socorro, que já os aguardava. Como uma mãe nervosa, a professora não escondia a ex-pectativa.

Ficaram um tempo conversando sobre vários assuntos e depois ela os abraçou, desejando boa prova e os estudantes entraram no prédio. Foram horas de uma espera que parecia não ter �im. Quando viu os primeiros “feras” saindo do local de prova, o coração voltou a acelerar e, toda vez que o porteiro abria o portão, ela levantava a cabeça para ver se era um de seus estudantes.

Depois de algum tempo, os estudantes começaram a sair, um por um. No rosto, a expressão do cansaço e de expectativa pois ainda não podiam dizer que tinham a sensação de dever cumprido, o que aconteceu alguns dias depois.

O resultado chegou: vitória para uns, decepção para outros. Nem todos foram aprovados. Dos 240 estudantes que �izeram o exame, 190 foram aprovados em uma das três maiores universidades públicas de Pernambuco. Todos estavam felizes e mesmo aqueles que não pas-saram, vibraram com a conquista de seus colegas.

Renato conquistou um dos prêmios, pois obteve a maior nota da escola, com o 5º lugar geral no curso de Engenharia Civil da UFPE, além de garantir sua bolsa para a Espanha com mais nove colegas.

Com os resultados dos vestibulares, veio a despedida e a festa de formatura. Foi uma noite incrível, com uma linda apresentação de Tango e homenagens aos professores. Mas até o último dia, eles se recusavam a acreditar que não mais sentariam na roda, nem ouviriam as reclamações do Seu Carlos e de Dona Luda, mandando irem para as salas de aula.

- Até o último dia, a �icha não tinha caído. Eu sabia que não iria mais pas-sar o dia inteiro na escola, mas até o último dia procurava não pensar nisso. Quando professor Durval marcou a última aula e leu para a gente o poe-ma Saudades, de Fernando Pessoa, foi que percebi que realmente o CEEGP

Page 78: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência78

não faria mais parte de meu presente, que os anos inesquecíveis que passei naquele escola agora seriam apenas boas lembranças. Uma fase de apren-dizado para um futuro que viria, recorda Leandro.

O professor Marcos Durval sabia o quanto estava sendo doloroso para os estudantes acreditarem que o período da escola tinha acaba-do, que cada um tinha a responsabilidade de continuar escrevendo sua história e por isso os reuniu, os fez sentar e leu o poema. A cada estrofe lida, os olhos dos estudantes iam �icando mareados e aos pou-cos estavam chorando. Não um choro de despedida breve, mas de uma re�lexão sobre a vida. Depois de recitar, o professor deu um último conselho aos seus estudantes:

- Meninos, tudo o que vocês construíram aqui não pode ser esquecido. Corram atrás dos objetivos de vocês. Vocês podem ir muito longe e eu acredito em vocês.

Era tudo o que eles precisavam ouvir.

Com um aperto no coração, as oito turmas se reuniram cada uma em uma sala diferente, e foram trocar as últimas palavras como es-tudantes do CEEGP. Ninguém tinha coragem de iniciar o discurso de adeus. Quando o mais corajoso pedia a vez, a palavra não conseguia ser ouvida. A voz embargada era logo interrompida pela lágrima que caía fazendo todos os seus colegas caírem em prantos também.

Construíram uma família ali dentro. Foram tantos momentos. Relembraram as brigas, as discussões, as alegrias, o nervosismo, as apresentações, as expectativas em torno dos resultados das provas, bem como as aulas interdisciplinares e os passeios.

Os três anos haviam passado rápido. Agora eles eram adultos e continuariam a escrever suas histórias fora da escola, mas levariam consigo os valores que aprenderam. Eram de fato jovens preparados para a vida.

Assim como o antigo Ginásio deixou um legado de pessoas impor-tantes para Pernambuco, o CEEGP entregou ao Estado, dezenas de fu-turos pro�issionais competentes, boas pessoas dotadas de bons valores

Page 79: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O último ano e a despedida79

e capazes de fazerem as melhores escolhas.

A maioria de seus primeiros ex-estudantes iniciou o ensino supe-rior. Mesmo aqueles que não conseguiram ser aprovados nos vestibu-lares em 2006, continuaram tentando e conseguiram ser aprovados nas tentativas dos anos seguintes. Alguns conseguiram vagas em boas faculdades privadas através das suas excelentes notas obtido no ENEM graças ao Programa Universidade para Todos, o PROUNI, idealizado pelo Governo Federal.

O CEEGP passou a existir de fato. Tinha provado que o que real-mente pode mudar o futuro do País é o investimento na educação. Que um sonho pode se tornar realidade desde que se acredite e se invista nele.

A partir do CEEGP mais Escolas em Tempo Integral foram criadas e em julho de 2008 o seu modelo de ensino foi transformado em política pública por Lei Estadual. Novas escolas nasceram não apenas em Per-nambuco, mas também em Estados como Piauí, Sergipe, Ceará e Rio de Janeiro, oferecendo a oportunidade a centenas de jovens de serem pro-tagonistas de sua própria história.

Alunos do terceiro ano com Thereza na última semana de aula em 2006

FOTO DE ARQUIVO DO CEEGP

Page 80: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência80

Turma G na aula da saudade

Renato em seu último dia no Brasil com sua mãe Rosemery e seu pai Carlos

ARQUIVO PESSOAL

ARQUIVO PESSOAL

Page 81: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes81

(Capítulo VII)

O Ginásio Pernambucano-

recortes

A história

Situado às margens do Rio Capibaribe, na Rua da Aurora, o Ginásio Pernambucano foi criado em 1825. Inicialmente com o nome de Liceu Providencial de Pernambuco, recebeu vários nomes como: Ginásio Pernambucano (1855) e Instituto Benjamim Constant (1893). Em 1942, voltou a ser chamado de Ginásio Pernambucano, mas logo de-pois mudou novamente para Colégio Estadual de Pernambuco. Por im, em 1947 adotou de initivamente o nome de Ginásio Pernambu-cano, tornando-se uma das instituições públicas mais importantes do Estado e atualmente, a 2ª escola mais antiga em funcionamento no Brasil.

Diversos nomes de destaque no cenário político, cultural, artísti-co e empresarial de Pernambuco passaram por suas salas: Ariano Suassuna (escritor, dramaturgo); Agamenon Magalhães (político, ex-governador); Amaro Quintas (historiador, professor); Augusto Lucena (político, ex-prefeito do Recife); Celso Furtado (economis-ta); Claudionor Germano (cantor e compositor); Clarice Lispector (escritora); Eraldo Gueiros Leite (político, ex-governador); Epitácio Pessoa (político, ex-presidente da República); Eurilo Duarte (jor-nalista); Joaquim Francisco (político); Liberato Costa Junior (políti-co); Valdemar de Oliveira (médico e teatrólogo); Marcos Magalhães (engenheiro, empresário) e tantos outros que juntos e em momentos históricos distintos, izeram parte da história da educação pública de qualidade em Pernambuco.

Page 82: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência82

No passado, o acesso ao Ginásio Pernambucano era disputado por aqueles que buscavam excelência em educação. Ali, dezenas de famí-lias pleiteavam uma vaga para que seus �ilhos pudessem estudar. A escola pública era valorizada e havia razão para isso, pois elas tinham os melhores professores e seus resultados eram notáveis.

A proposta

Mas no passado, a educação pública não era acessível para uma grande parte da população. O Brasil precisava encarar o desa�io de ampliar as vagas para todos e ao mesmo tempo garantir investimen-tos para assegurar qualidade. Mas isso não aconteceu e assim as esco-las públicas foram perdendo o prestígio e qualidade. As famílias com melhores condições �inanceiras começaram a procurar os colégios particulares para que seus �ilhos pudessem ter um ensino de quali-dade. E a maioria da população, agora com acesso à escola, já não po-diam usufruir de sua qualidade.

O Ginásio Pernambucano não resistiu a esse cenário. Aos pouco foi se desestruturando e sua história �icou parada no tempo, sendo apenas uma memória. O prédio foi abandonado em 1998 por risco de desabamento e seus alunos foram transferidos para a antiga Escola de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco localizada na Rua do Hospício, no bairro da Boa Vista no Recife.

Muitas pessoas passavam pelas ruínas do antigo edi�ício todos os dias. No entanto, um de seus ex-alunos, Marcos Magalhães, um em-presário e naquele momento Presidente da Philips para a America Latina e Caribe, �icou inconformado com o que presenciou ao passar em frente à escola onde estudou e iniciou a construção dos alicerces da formação que o levou a construir uma trajetória bem sucedida. Ele iniciou assim um movimento empresarial junto a outras pessoas e ins-tituições que assim como ele, estavam mobilizados por um elevado compromisso de co-responsabilidade social e deu inicio ao longo e necessário processo de restauração da edi�icação e de todo o acervo mobiliário, bem como da Biblioteca e do Museu de História Natural da belíssima edi�icação da Rua da Aurora.

Ele conseguiu. Empresas como a Construtora Odebrecht, CHESF, ABN AMRO Bank e Philips se engajaram e puseram a mão na massa

Page 83: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes83

para reerguer o Ginásio Pernambucano. Depois de dois anos e meio de reforma, o GP voltou a ter a estrutura de uma escola. Mas, enquanto a recuperação do prédio estava em curso, eles se perguntavam “como restaurar um prédio tão importante e não restabelecer sua educação exemplar também?”. Ciente desta realidade, Marcos Magalhães criou o ICE - Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação e estabelecendo parceria com Governo do Estado de Pernambuco, deu início ao nasci-mento do modelo inovador em conteúdo, método e gestão que elevou novamente o Ginásio Pernambucano à sua condição referência em educação pública de excelência.

Os escolhidos

Depois da reforma, chegou a hora de selecionar os estudantes que teriam o privilégio de reinaugurar o que um dia havia sido a mais im-portante instituição de ensino público do país. Trezentos e vinte jo-vens foram os selecionados e seus nomes eram:

Adaías Micael Duarte Santos

Adda Mira Barros Mery

Adria Kelly Simões Torreão

Adriana Martins dos Santos

Adriano Alves dos Santos

Agda Tamiris Pereira de Lucena

Alan Jorge de Souza Fonsêca

Alba Vanessa Batista de Oliveira

Alessandra Sales Ramos

Alice Paula Lucio de Araújo

Alicya Júlia Florêncio da Silva

Aline da Rocha Viriato

Aline Maria da Silva

Aline Pereira da Silva

Page 84: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência84

Aline Xavier Lôbo

Alison Américo Gonçalves de Lira

Allan Devid Santos da Silva

Alvinete Silva do Nascimento

Alyne Dias de Luna

Amanda Cristina da Costa Guimarães

Amanda Filgueira de Sá Silva

Amanda Marília Siqueira

Amanda Priscila da Silva Costa

Amanda Priscilla Santos Silva

Amanda Regina da Silva Ferreira

Amauri Monteiro da Silva Filho

Ana Renata Pedrosa Alves

André Luiz Silva Araújo

André Severino de Melo

Andréa Maria da Silva

Andreia Salles Marques

Andressa Rosa de Lima

Andreza Kelly Simões Torreão

Anielle Cavalcanti de Lira

Anthony Tayrony Pereira da Silva

Anyse Carolyne de Jesus Rocha dos Santos

Ariane Maria de Oliveira

Arlem Caroline de Santana Alves

Arnaldo Guilherme Ribeiro

Page 85: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes85

Artur Rodrigues de Lima

Augusto César Chagas de Vasconcelos

Augusto Ricardo Alcântara Bandeira de Melo

Aurenita de Souza Cavalcanti Neta

Betânia Pereira Barros

Brianna Tamires de Figueredo Cunha

Brivaldo Francisco G. Junior

Bruno Adams Bezerra de Oliveira

Bruno da Silva Costa

Bruno Felipe de Oliveira Pinto

Bruno Ferreira da Silva

Camila Barbosa Gadelha

Carla Tatiane Pereira da Silva

Carlos Diego Siqueira da Silva

Carlos Hendrick da Silva Oliveira

Cassia Coutinho da Silva

Cinthia Lilian de Arruda

Claúdia Cristina Sales do Monte

Cláudia Menezes Silva

Cláudia Renata da Silva Santos

Crislane Rodolfo da Silva

Cristiane Ferreira da Silva

Cristiano Marcelino dos Santos

Daiana Roberta Pessôa da Silva

Daluza Priscila Oliveira Pinto

Dalvanira Pereira da Silva

Page 86: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência86

Daniel Alves da Silva

Daniel Matos Brizeno Filho

Daniela Leite da Cruz

Daniele Bonifácio de Freitas

Dayanne Sangiorgy de Sá Andrade

Débora Bertino de França

Deymeson Severino da Silva Paulo

Deyvson Barreto Simões da Silva

Dhouane Penaforte da Silva

Diego Alves Rodrigues

Douglas de Paula Siqueira e Silva

Douglas Pereira de Oliveira

Drielly da Silva Mendonça

Elaine Cristina da Silva

Elaine Cristina Pereira da Silva

Elaine Lafaiete de Carvalho

Elayne Batista de Oliveira

Eliabe Ferreira de Barros

Eliene Leonor Pereira da Silva

Elis Cristina Araujo Soares

Elivan Duda Saldanha

Eliziane de Oliveira Belchior

Eloá Daniel de Souza Ferreira

Emmanuel Barbosa Guimarães

Endrios Alves de Santana

Erico André da Silva

Page 87: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes87

Evandro Galdino de Aguiar Junior

Eveline Ferreira de Souza

Evellyn Christina dos Santos

Fabiola Campos Costa

Felipe Daniel da Silva Arruda

Félix Randson Matos de Souza

Fellipe da Silva Lima

Fernando Henrique Prado de Lima

Filipe Quirino Alves

Francicley Santana dos Santos

Gabriela Arruda dos Santos

Gabriela Maria de Oliveira

Gebson Ricardo Santana

Geisiane Galvão da Silva

Geizon Ribeiro da Silva

Genival Fernando da Silva Junior

Gerlane Cristina Gomes de Souza

Gilderley Gomes Monteiro da Silva

Gisélia Marques dos Santos

Giselly Basilio de Andrade

Gisely Paloma Viana de Aguiar

Gisleyde Bezerra Menezes

Glaucia da Silva César

Gleice Alves da Costa

Graceanne Pereira da Silva

Graziele Patrícia Bezerra

Page 88: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência88

Halyson Alves Pereira

Hayanna Adllei Santos de Arruda

Heloisa Maria da Silva

Heltner Nascimento Silva

Helvia Priscila Barreto Montenegro

Hortência Leal da Silva

Igor Gomes Santos

Ilka Cristina de Souza

Illa Karen Carvalho de Moura

Indira Verçosa de Melo

Inês Maria Ferreira

Ingrid Dayane de Souza Oliveira

Iris Meyse Pereira Barros

Isabela Tavares Cavalcanti

Ismaela Iracema da Silva

Itamires Victor do Nascimento

Izabela Eugênia Soares Santos

Jadson Klebyo de Souza Ribeiro

Jailine Martins de Lima Vital

Jamerson Carlos de Lima

Janaina Maria da Silva

Jaziane Almeida Souza Jordão

Jeckson de Andrade Silva

Jefferson Elias de Figueirêdo

Jenifer Cézar Barbosa de Souza

Jenniffer Darlle Ribeiro da Silva

Page 89: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes89

Jercica Ferreira da Silva

Jéssica Francine Miranda de Andrade

Jéssyca Aleluia de Mendonça

Jhonatas Delackan Muniz Xavier de Barros

Joana Santos de Oliveira

Johnatan Phillipy Gandhe S. dos Santos

José Adams da Silva

José Filipe Bastos Lima

José Guilherme Lira Francisco

José Paulo Soares de A. Neto

Joseane Maria da Silva

Joselmo Santos de Santana

Josimara Liz Mendonça de Souza

Joyce Gabriela Pereira

Juliana da Silva Sotero

Juliana Karine da Silva

Juliana Paula Barros de Andrade

Juscilene Waleska Silva Souza

Kadhija Latara Nascimento e Freitas

Karla Cristiane Gomes da Silva

Karla Danielly Silva Souza

Kátia Cilene da Costa Silva

Katyane Regina de Santana Rodrigues

Keite Keli da Silva Santana

Keylla Walesca da Silva Santiago

Kilma Andreza dos Santos

Page 90: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência90

Kilma Tamires Nunes Pereira

Lailla Cammila Melo Silva

Laís Santos Gonçalves

Laise Aline Martins dos Santos

Laise de Sousa Elias

Laíza Salsa Siqueira

Leandro de Melo Silva

Leandro Gleyson Rodrigues da Silva

Leila Monteiro Crisóstomo

Leon Henrique Araújo Bezerra

Lidiane Carla dos Santos

Lidiane Costa da Silva

Lilia Ferreira da Silva

Liliane Cristina Claudino Gomes

Lizandra Maria de Lira

Lucicleide de Mercês Alves

Luiz Fernando Silva Azevedo

Luiz Otávio Siqueira da Silva

Luiz Phillipi da Silva Marcel

Vitor Cavalcanti M. Santiago

Marcela Cizina da Silva

Marcelo Eliezer Xavier dos Santos

Marcelo Francisco Matos

Márcia Pinto Ribeiro

Marcio Inácio de Oliveira

Sergio Ferreira da Rocha

Page 91: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes91

Marcos Paulo Bezerra da Silva

Maria Clécia da Silva

Maria Elidiana Lopes da Silva

Maria Helena Honorato dos Santos

Maria Steffani dos Santos

Maria Tereza Siqueira de França

Mariana Malta Leandro

Marileide Carneiro Gomes

Marrielle Luziaria Ru�ino Xavier

Martiene da Silva Santos

Mayane Batista da Silva

Mayara Ketten da Silva

Maykon Alcântara Alves dos Santos

Mercês Estrela da Silva Costa

Micael Pires da Silva

Mikaella Maria de Vasconcelos

Monaliza Raabe Alves de Freitas

Mônica Carla da Silva Castro

Monica Cristina Pereira da Silva

Monique Marry Andrade Lima

Natalênia Maria Ferreira de Souza

Natally Costa de Vasconcelos

Nataly da Cunha Ferreira

Nataly Santana do Nascimento

Nathalia Raphaela Pessôa Vaz Curado

Page 92: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência92

Nathállia Maria Luiz de França

Nicole Adelino Santos

Olga Lucena Izidoro Silva

Paula Silva de Souza

Paulo Ricardo de Souza Barros

Plínia Manuella de Santana Maciel

Pollyana Conçeição Santos de Deus

Pollyanna Anjuly dos Santos

Priscila do Nascimento Silva

Priscila Evaristo de Carvalho

Priscila Gomes Ribeiro da Silva

Priscilla Cardoso Beltrão

Rafael Leandro da Silva

Rafaela Pereira da Silva

Rafaelen Myrelly da Silva Farias

Rafaelle Carorina da B. David Lima

Rafaelle Hevelin Rêgo Barros Lacerda

Raiza Elizabeth Lima dos Santos

Rallyson Danilo de Souza

Raphaela Isis Alves de Sousa

Rebecca Alves Tenório

Regina Carmem Silva de Oliveira

Relian Soluamar Franklin de Andrade

Renata Alves dos Santos

Renata Georgia Soares dos Santos

Renato Gonzaga Luckwu

Page 93: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes93

Ricardo Tiburcio dos Santos

Roany Rennan Feitosa de M. Gonçalves

Roberta Alves dos Santos

Roberto Carlos Silva dos Santos

Robson Gomes da Silva

Robson Raphael Cavalcanti Albuquerque

Rodrigo Costa Nascimento

Romilda Juliana de Santana

Ronaldo José do Nascimento Júnior

Rosangela Rodrigues da Silva

Roseane Cristina de Mendonça

Roseane da Silva Santos

Rosimery Claudino da Silva

Ruana Adreelly Gomes

Samuel Barbosa da Silva

Sandrielle Watuse Ferreira da Silva

Sarah Alves Teixeira

Sarah Keilla Oliveira Campos

Sérgio Felipe Pereira Lopes

Silvana Ramos Galvão da Silva

Simone Andrade da Silva

Stevam Gabriel Alves

Suely Alves do Nascimento

Sueyne Macila de Lima Soares

Sunamita Silva da Anunciação

Taciana Andrade de Abreu

Page 94: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência94

Taitiane Mayara Tavares dos Santos

Tamíres Botelho da Natividade

Tamires dos Santos Silva

Tamires Silva dos Santos

Taynan Carla da Silva

Taynara de Lurdes Almeida e Silva

Tayza Mirella de Santana

Thacilene Matias Alves Santos

Thaís Thiane Wanderley Cavalcanti

Thamiris de Lima Mafra

Thayna Katharyne Pereira Alves

Thays Fernanda da Silva

Thiago de Souza Mendes

Thiago Silva de Araújo Bezerra

Tilane Caroline da Silva Correia

Page 95: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes95

Valciene Ru�ino da Silva

Vanessa Maia e Silva

Vanessa Patricia Medeiros de Arruda

Vanessa Silva de Lima

Vaniela Oliveira Gomes da Silva

Veruscka Amélia Marinho dos Reis

Victor Costa da Silva

Virgínia de Souza Castilho

Viviam Farias Brandão

Vivian Baião Ferreira

Viviane Carlos de Lima

Wanessa Fernanda Silva

Wanessa Geralberto Silva do Nascimento

Wanessa Salustiano Mendes

Wellington Antônio da Silva

Wirginia Alves Barbosa Cavalcanti da Silva

Xênia Roberta Pessôa da Silva

O Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação -ICE

Criado em 2000, o Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação - ICE surgiu a partir de uma união entre empresas privadas para restaurar o edi�ício do histórico Ginásio Pernambucano, que embora tivesse sido reconhecido pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Órgão do Ministério da Cultura que tem a missão de preservar o patrimônio cultural brasileiro, estava em estado de degradação.

Page 96: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência96

Conseguindo concluir a reforma, veio a concepção de um novo modelo de escola que faria o Ginásio Pernambucano voltar a ser exemplo de escola pública de qualidade em todo o país. Esse modelo tem como principal dife-rença a introdução de inovações em conteúdo da ação educativa, métodos pedagógicos e�icazes de ensino e de aprendizagem e gestão dos processos meio e �im da atividade institucional. O modelo criado pelo ICE chama-se Escola de Ensino Médio em Tempo Integral e tem como meta a formação de jovens autônomos, solidários e competentes a partir de tecnologias e metodologias integradas a um novo jeito de ver, cuidar e sentir a juventude.

Com uma escola renascida e uma estrutura que oferecia todo o conforto necessário, o modelo foi posto em prática através do Ginásio Pernambu-cano que funcionou como escola experimental durante os anos de 2004 a 2006. Seus excelentes resultados se consolidaram e o modelo foi trans-formado em política pública, dando vida a mais de 100 escolas no Estado de Pernambuco e se estende por outros Estados brasileiros, a exemplo do Piauí, Sergipe, Ceará e Rio de Janeiro. É assim que o ICE vem contribuindo para elevar os níveis da educação publica brasileira em parceria com as Secretarias de Educação, oferecendo aos jovens educação de excelência através de professores capacitados e avaliados que recebem premiação pelos resultados de seus trabalhos, bem como investimento na sua for-mação continuada; tempo integral para os estudantes e toda a equipe de educadores; integração com a família e a comunidade e permanente aper-feiçoamento dos processo de gestão, dentre outras inovações.

Esse é um exemplo concreto de que com investimento, co-responsabi-lidade social e vontade política, a educação pública no País pode gerar re-sultados impressionantes, formando gerações de jovens determinados a mudar o Brasil.

* informações extraídas do site do ICE-Brasil: www.icebrasil.org.br

Page 97: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes97

Doutor Marcos Magalhães, o idealizador do CEEGP

Page 98: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência98

INDIRA VERÇOSA DE MELO

O Ginásio Pernambucano depois da reforma

Page 99: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes99

ARQUIVO PESSOAL

Page 100: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

Relatos de uma experiência100

Page 101: Relatos de uma experiência - icebrasil.org.bricebrasil.org.br/wp-content/uploads/2017/05/Livro-9.pdf · não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as

O Ginásio Pernambucano - recortes101