relatório final sobre relações comerciais entre a distribuição

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Relatório Final sobre Relações Comerciais entre a Distribuição Alimentar e os seus Fornecedores Autoridade da Concorrência Outubro 2010

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  • Relatrio Final

    sobre

    Relaes Comerciais entre a

    Distribuio Alimentar e

    os seus Fornecedores

    Autoridade da Concorrncia

    Outubro 2010

  • Relaes Comerciais entre a Distribuio Alimentar e os seus Fornecedores (Relatrio Final)

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    Autoridade da Concorrncia (AdC) Avenida de Berna, n. 19

    1050-037 Lisboa

    Telefone: 217902000

    Fax: 217902096

    E-mail: [email protected]

    Website: www.concorrencia.pt

  • Relaes Comerciais entre a Distribuio Alimentar e os seus Fornecedores (Relatrio Final)

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    ndice

    Sntese Conclusiva Global ...................................................................................... 5

    1. Recomendaes ......................................................................................... 19

    2. Introduo e Enquadramento do Relatrio ...................................................... 31

    3. Antecedentes ............................................................................................. 45

    4. Sector da Distribuio ............................................................................... 109

    5. Sector do Aprovisionamento ....................................................................... 215

    6. Marcas da Distribuio (MDD) e Estratgias de Preos dos GGR ....................... 357

    7. Anlise das Prticas Comerciais entre Fornecedores e GGR ............................. 413

    8. Repercusses do Recente Aumento do IVA ................................................... 455

    Anexo 1 Elementos recolhidos ......................................................................... 457

    Anexo 2 Teoria econmica sobre poder de compra e conceitos relacionados ........... 475

    Anexo 3 Marcas da distribuio (MDD) e estratgias de preos dos GGR ................ 517

    Anexo 4 Anlise das estatsticas de MDD de dois GGR ......................................... 569

    Anexo 5 - Anlise da evoluo dos preos na produo .......................................... 657

    ndice de Tabelas ............................................................................................. 665

    ndice de Grficos ............................................................................................ 679

    ndice Remissivo a Captulos e Seces ............................................................... 687

    Glossrio ......................................................................................................... 691

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    Sntese Conclusiva Global

    Enquadramento internacional

    1. A recente evoluo dos mercados agrcolas, aos nveis internacional e europeu,

    observada desde o segundo semestre do ano de 2006 e caracterizada por uma

    grande volatilidade dos preos de produtos base (commodities) do sector

    alimentar, agudizou as preocupaes sobre a evoluo das relaes comerciais

    entre os grupos da distribuio alimentar e os seus fornecedores, bem como o

    alegado desequilbrio de poderes negociais entre as duas partes.

    2. Uma parte significativa do debate actual, a nvel da Comisso Europeia (CE) e

    dos diferentes Estados Membros, em torno das relaes comerciais entre a

    distribuio alimentar e os seus fornecedores, resulta das perspectivas geradas

    pela reforma da PAC (Poltica Agrcola Comum) de 2003 a efectivar-se at

    2013 agravadas, em parte, pelo perodo de forte volatilidade dos preos

    internacionais de diversos produtos base do sector alimentar, observado no

    recente trinio de 2006-2008. Neste contexto, tem-se verificado a diminuio de

    incentivos produo, que tm suscitado preocupaes de diversos quadrantes.

    3. A reforma da PAC de 2003 tem como objectivo concluir o processo de

    liberalizao do sector agrcola na Unio Europeia (UE), com a abolio definitiva

    do regime de quotas e do mecanismo de preos de interveno e com a reduo

    progressiva do sistema de ajudas directas ao investimento at 2013. A

    liberalizao definitiva deste sector poder tornar alguns mercados agrcolas,

    especficos a determinados Estados Membros, mais permeveis ao nvel dos

    preos, capacidade produtiva, incentivos produo e/ou condies de venda

    ao poder de compra crescente dos distribuidores e forma como este influencia

    o funcionamento dos mercados de aprovisionamento.

    4. Paralelamente, a evoluo dos preos dos bens alimentares, os diferenciais entre

    os preos ao produtor e os preos ao consumidor associado a um conjunto de

    prticas comerciais seguidas pela grande distribuio alimentar, e as diversas

    questes ao nvel da produo, aprovisionamento e distribuio de produtos

    alimentares, tm vindo a preocupar as instncias comunitrias, nomeadamente,

    o Parlamento Europeu e a Comisso.

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    5. Assim, em Dezembro de 2008, a CE publicou um relatrio intercalar sobre

    Preos dos gneros alimentcios na Europa1, tendo estabelecido um roteiro que

    identifica as orientaes chave para as aces polticas a tomar. Em Outubro de

    2009, numa Comunicao relativa ao Melhor funcionamento da cadeia de

    abastecimento alimentar na Europa2, a Comisso apresentou iniciativas polticas

    concretas em consonncia com esse roteiro. Mais recentemente, em Julho de

    2010, a CE publicou o Relatrio de monitorizao do mercado de retalho3, em

    linha com a nova abordagem de monitorizao do mercado preconizada na

    Comunicao de 2007 sobre Um mercado nico para a Europa do sculo XXI4.

    6. A Comisso identificou trs prioridades transversais comuns a toda a cadeia de

    abastecimento alimentar a serem prosseguidas pelos diferentes Estados

    Membros. As prioridades incidem sobre (i) a promoo das relaes sustentveis

    e baseadas no mercado entre as partes interessadas da cadeia de abastecimento

    alimentar, (ii) o aumento da transparncia ao longo da cadeia para incentivar a

    concorrncia e aumentar a sua resistncia volatilidade dos preos, e (iii) a

    promoo da integrao e a competitividade da cadeia europeia de

    abastecimento alimentar em todos os Estados Membros.

    7. Neste contexto, as questes relacionadas com o poder de compra crescente dos

    Grandes Grupos Retalhistas (GGR) junto dos fornecedores, tm vindo a merecer

    especial ateno e a ser objecto de diversas anlisesa nvel Comunitrio, por

    parte da CE, incluindo a Direco Geral de Concorrncia (DG COMP) e a Direco

    Geral de Agricultura e do Desenvolvimento Rural (DG AGRI), e por parte de

    diversos Estados Membros, nomeadamente, ao nvel das vrias autoridades da

    concorrncia e dos Ministrios da Agricultura. Estas anlises visam equacionar

    1 Cf. COM CE (2008) 821 final de 9.12.2008. 2 Cf. Comunicao CE relativa ao Melhor funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar na

    Europa, COM(2009) 591, de 28.10.2009. 3 Cf. Report from the Commission to the European Parliament, the Council, the European Economic and

    Social Committee and the Committee of the Regions: Retail market monitoring report Towards more efficient and fairer retail services in the internal market for 2020 Bruxelas COM(2010) 355 final, de 5.07.2010 e Documento de Trabalho CE anexo, On Retail Services in the Internal Market Accompanying document to the Report on Retail Market Monitoring: "Towards more efficient and fairer retail services in the Internal Market for 2020", Bruxelas SEC(2010) 807, da mesma data.

    4 Cf. COM CE (2007) 724 final de 20.11.2007.

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    um conjunto de solues que compaginem o processo de integrao europeia e a

    criao de um mercado nico com a reforma da PAC de 2003.

    8. Por sua vez, a Autoridade da Concorrncia de Portugal (AdC) vem

    acompanhando, com uma participao activa no seio da European Competition

    Network (ECN), i.e. Rede Europeia da Concorrncia, os desenvolvimentos das

    anlises da CE e de outros Estados Membros.

    Normativo e cdigos de conduta relevantes

    9. A forte expanso dos GGR face ao comrcio tradicional e face aos fornecedores

    foi motivo da implementao de diversas regulamentaes no sector a fim de

    promover algum reequilbrio de foras de mercado entre estes operadores.

    10. Por um lado, existem restries ao nvel do licenciamento das unidades (lojas)

    dos GGR e ao nvel dos seus horrios de funcionamento (fecho dos

    hipermercados ao Domingo, que um Decreto-Lei recentemente aprovado em

    Conselho de Ministros, mas ainda no publicado, permite ultrapassar mediante

    autorizao camarria). Estas restries visam, nomeadamente, a proteco do

    comrcio tradicional, mas no claro o efeito que a restrio dos horrios de

    funcionamento tem tido nesse sentido.

    11. Por outro lado, as relaes entre os GGR e os seus fornecedores esto, em

    parte, reguladas pela legislao nacional relativa a prticas (individuais)

    comerciais restritivas (ex vi Decreto-Lei n. 370/93, de 29 de Outubro com a

    redaco que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n. 140/98, de 18 de Maio, doravante

    designadas por PCR), em especial, no que respeita s suas normas de venda

    com prejuzo e de prticas negociais abusivas.

    12. Na apreciao das prticas decorrentes das relaes comerciais entre os GGR e

    os seus fornecedores dever-se-o distinguir: (i) as que podem ser enquadradas

    no mbito da lei nacional da concorrncia (Artigos 4., 6. e 7. da Lei n.

    18/2003, de 11 de Junho, doravante LNC) e/ou do Tratado sobre o

    Funcionamento da UE (TFUE)5 (Artigos 101. e 102.), caso se demonstre a

    5 O TFUE, aprovado pelo Tratado de Lisboa, substituiu o ento Tratado CE (Tratado que institui as

    Comunidades Europeias, tal como aprovado pelo Tratado de Roma).

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    afectao sensvel da concorrncia; (ii) as que podem ser enquadradas no

    mbito das prticas (individuais) comerciais restritivas (PCR); e (iii) as que,

    embora possam espelhar, por exemplo, um desequilbrio de foras negociais

    entre as duas partes, no constituem per se indcios de ilcito jusconcorrencial,

    nos termos da LNC ou do TFUE, ou uma PCR, de acordo com a legislao citada.

    13. Grande parte do tipo de prticas analisadas no presente Relatrio tem difcil

    enquadramento em termos da LNC ou do TFUE. Em particular, exemplo desta

    dificuldade, a comparao entre o tipo de apreciao de ACN (ou de acordos de

    compra em geral) a priori pro-competitivos e de acordos de venda, a priori

    anti-competitivos (ex vi artigo 5. da LNC e/ou artigo 101., n. 3, do TFUE).

    14. Convm igualmente ter presentes dois pontos:

    (i) A legislao nacional de concorrncia no tem uma finalidade

    redistributiva, pelo que certas prticas que ocorrem entre fornecedores

    e distribuidores no mbito das suas relaes comerciais, decorrentes,

    nomeadamente, de um poder de compra acrescido por fora de um

    certo grau de concentrao, ou pela expanso de MDD, no sero

    enquadradas nos objectivos da LNC; e

    (ii) A legislao relativa s PCR6 visa assegurar a proteco dos

    concorrentes e/ou consumidores, aplicando-se independentemente da

    ocorrncia, ou no, de uma afectao sensvel da concorrncia. Em

    particular, esta legislao procura promover o equilbrio e a

    transparncia das relaes entre agentes econmicos.7

    15. Assim, levanta-se a questo de saber que prticas no abrangidas pela LNC

    podero ser consideradas PCR e, caso no o sejam, se devero e podero ser

    objecto de medidas de carcter regulamentar e/ou de natureza legislativa.

    6 Em particular, no que concerne a aplicao de preos ou de condies de venda discriminatrios, vendas

    com prejuzo, recusa de venda de bens ou de prestao de servios e prticas negociais abusivas. 7 A fiscalizao do cumprimento da legislao relativa s PCR, incumbe Autoridade de Segurana

    Alimentar e Econmica (ASAE) e a instruo e deciso dos respectivos processos, bem como a aplicao das respectivas coimas, cabe AdC, nos termos da legislao em vigor. De referir que A ASAE tem por misso a avaliao e comunicao dos riscos na cadeia alimentar, bem como a fiscalizao e preveno do cumprimento da legislao reguladora do exerccio das actividades econmicas nos sectores alimentar e no alimentar, designadamente, Fiscalizar o cumprimento das obrigaes legais dos agentes econmicos., nos termos do Decreto-Lei n. 274/2007, de 30 de Julho, artigo 3. n. 1 e n. 2 alnea s).

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    16. Finalmente, h ainda a possibilidade das relaes entre os GGR e os seus

    fornecedores serem objecto de auto-regulao, como acontece com o Cdigo de

    Boas Prticas Comerciais estabelecido entre a CIP (Confederao da Indstria

    Portuguesa) e a APED (Associao Portuguesa de Empresas de Distribuio), em

    Julho de 1997.

    Enfoque do presente Relatrio

    17. O presente Relatrio tem como principal enfoque os bens alimentares de grande

    consumo e as relaes comerciais entre os GGR e os seus fornecedores no

    sector da distribuio alimentar.

    18. Por seu turno, a caracterizao comparativa entre os sectores da distribuio e

    do aprovisionamento permite obter uma estimativa dos poderes de mercado

    relativos dos GGR e dos seus fornecedores, em particular, atenta a forte

    expanso dos GGR. Esta anlise ser complementada pela descrio e

    apreciao, no mbito das atribuies da AdC, dos principais tipos de prticas

    comerciais (contratuais e extra-contratuais) entre os GGR e os seus

    fornecedores.

    19. A distribuio o sector de actividade que inclui um conjunto de funes tendo

    em vista a aquisio de bens alimentares aos fornecedores (eventualmente

    integrados a montante na produo) a fim de revend-los aos consumidores

    finais. composta, grosso modo, por dois estdios de actividade: (i) um estdio

    a montante do comrcio por grosso que inclui cooperativas grossistas,

    cadeias grossistas e operadores grossistas de menor dimenso (em alguns

    casos, atomizados) , sendo este o fornecedor tradicional do pequeno retalho

    tradicional (v.g., mercearias, drogarias, padarias e pastelarias, talhos, peixarias

    e os mercados locais), bem como de grande parte do canal HORECA (Hotis,

    Restaurantes e Cafs) e (ii) o estdio a jusante do comrcio a retalho.

    20. O comrcio a retalho inclui: (i) o referido canal HORECA, que se abastece junto

    do comrcio por grosso e, em alguns casos, directamente, e crescentemente, no

    sector do aprovisionamento; (ii) o retalho tradicional, atomizado; (iii) as cadeias

    retalhistas de menor dimenso e de mbito regional; e (iv) os grandes grupos

    retalhistas (GGR), aqui definidos pelas principais cadeias retalhistas cuja rede de

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    lojas, de pequeno a grande formato (minimercados, supermercados e

    hipermercados), se estende (potencial ou efectivamente) a todo o territrio

    nacional.

    21. Actualmente, existem nove GGR em Portugal Continental (mbito geogrfico do

    presente Relatrio), que operam no ramo alimentar sob as insgnias: (i) Aldi; (ii)

    Auchan (que opera no ramo alimentar sob as insgnias Po de Acar e

    Jumbo); (iii) Dia%/Minipreo (Dia), do Grupo Carrefour e que opera em rede

    de pequenas lojas sob as insgnias Dia e, nomeadamente, Minipreo; (iv) El

    Corte Ingls (doravante ECI, de insgnia Supercor); (v) E. Leclerc; (vi) ITMI

    ou Os Mosqueteiros (que opera sob as insgnias Ecomarch e Intermarch

    e soba insgnia Netto no segmento hard discount ou discount8); (vii)

    Jernimo Martins (doravante JM, de insgnias grossista Recheio e retalhista

    Pingo Doce, de formato do tipo supermercado e que tem vindo a substituir a

    anterior insgnia de hipermercados Feira Nova); (viii) Modelo Continente, do

    anterior Grupo Sonae Distribuio (doravante MC, de insgnias hipermercados

    Continente e supermercados ou lojas de menor dimenso Modelo, Modelo

    Bonjour e Modelo 24 M24 lojas de pequena dimenso localizadas, em

    grande parte, junto dos postos da petrolfera Galp); e (ix) Lidl (Grupo Schwarz).

    22. Os nove GGR detinham, em 2008, uma quota de cerca de 85% do valor total de

    vendas no retalho alimentar, com os dois maiores grupos representando uma

    quota conjunta de cerca de 45% deste total. O valor total de vendas no retalho

    alimentar ascendia, segundo estimativas da AdC, a cerca de 12.154,0 M

    (milhes de euros) em 2008, representando cerca de 7,3% do PIB. Este valor

    registou um aumento de cerca de 30% em relao ao ano de 2004, de 9.345,6

    M a esta data (cerca de 6,5% do PIB nesse ano). Refira-se, igualmente, que o

    conjunto dos nove GGR empregou, no ano de 2008, cerca de 57.000

    colaboradores dos quais cerca de 39.000 no conjunto dos dois principais GGR

    8 Entende-se por discount a distribuio no retalho caracterizada pela venda de produtos a muito baixo

    preo, em que muitos desses produtos so produtos da marca da distribuio (MDD, marcas do distribuidor ou marcas brancas), i.e., produtos fabricados ou fornecidos por uma empresa, e vendidos sob a insgnia de outra empresa. Os hard discount correspondem, usualmente, s lojas que vendem exclusivamente produtos MDD, tal como no caso do Grupo Aldi em Portugal. Atento o facto de as duas designaes se confundirem por vezes, adoptaremos no presente Relatrio a designao nica de discount.

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    , um aumento de cerca de 63% face ao valor do ano de 2004, de cerca de

    35.000 colaboradores9.

    23. Os principais produtos abrangidos pela aqui considerada actividade de

    distribuio so os denominados produtos de grande consumo, que podem ser

    subdivididos entre: (i) os produtos de grande consumo no duradouros

    usualmente, designados por fast moving consumer goods (FMCG)10, na venda

    a retalho e no aprovisionamento -, que constituem o principal cabaz de bens

    comercializado nas lojas de formato supermercado (lojas entre 400 e 2500

    m2), e que englobam os bens alimentares de consumo corrente (produtos de

    mercearia, lcteos, carne, pescado e hortofrutcolas), bem como os produtos de

    higiene pessoal e de drogaria e bazar; e (ii) os produtos de grande consumo

    duradouros, que englobam, por exemplo, electrodomsticos, artigos de casa e

    jardim, artigos de desporto e vesturio.11 Os FMCG representam cerca de das

    despesas de consumo nos supermercados.

    24. Conforme referido, o presente Relatrio tem como principal enfoque os bens

    alimentares de grande consumo. Todavia, atento o muito elevado nmero e

    variedade de bens alimentares comercializados pelos GGR, a presente anlise

    cinge-se a uma amostra destes bens, a saber: produtos lcteos (leite UHT,

    iogurtes, queijos e manteigas), arroz, massas alimentcias, farinhas lcteas e de

    uso culinrio, cereais de pequeno-almoo, bolachas, produtos de gordura vegetal

    (leos, azeites e margarinas), hortofrutcolas, as bebidas no alcolicas de alta

    rotao (guas, refrigerantes e sumos e nctares, excluindo cerveja no

    alcolica), e os cafs e sucedneos. 9 Cf. Newsletter da APED, n. 57 Ranking 2008, Maio-Junho 2009, disponvel em

    http://www.aped.pt/Media/content/182_1_G.pdf. Refira-se que estes valores relativos ao nmero de colaboradores correspondem a estimativas conservadoras, atento o facto de as mesmas no contemplarem os Grupos ITMI e E. Leclerc e Aldi. Para efeitos de dimenso, em termos de nmero de colaboradores, poder-se-o dar como exemplos o Grupo JM com cerca de 25000 colaboradores (2009) o grupo Auchan com cerca de 8000 (2008) e o Dia%/Minipreo com cerca de 4000 (2009).

    10 A literatura anglo-saxnica utiliza a expresso groceries para designar este cabaz de produtos na

    distribuio alimentar. Tambm o INE e o IAPMEI englobam no cabaz alimentar produtos de higiene pessoal e os produtos de drogaria e bazar, representando este o principal cabaz de produtos comercializados nos supermercados (vide Captulo 4 infra). Por seu turno, a designao alternativa de FMCG considerada neste Relatrio utilizada por diversas entidades do sector, incluindo a Centromarca e a Nielsen (v.g., Scan Trends, Nielsen, n. 6, Setembro de 2009, p. 3).

    11 Contudo, a rea de negcio dos GGR estende-se para alm da comercializao destes produtos, por

    exemplo, a servios de reparao automvel e venda a retalho de combustveis lquidos rodovirios (gasleos e gasolinas) em postos de abastecimento.

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    25. O enfoque do Relatrio nestes produtos justifica-se: (i) pela importncia que tm

    no oramento das famlias, sendo que as respectivas categorias representam

    cerca de 40% do consumo familiar em bens de grande consumo no duradouros

    (i.e. no principal cabaz de produtos comercializados nos supermercados); (ii)

    pelas anlises, actualmente, em curso, aos nveis comunitrio e de diversos

    Estados Membros sobre o sector alimentar em geral, suscitadas pelos efeitos da

    recente crise que afectou o sector no trinio 2006-2008; e (iii) pelo facto de

    grande parte destes produtos ou das respectivas matrias-primas serem objecto

    de interveno ao abrigo da PAC.

    Questes relevantes suscitadas pela evoluo dos GGR

    26. Os GGR assumem-se, hoje, como verdadeiros porteiros (gatekeepers, na

    terminologia anglo-saxnica) no acesso dos produtos da indstria

    transformadora alimentar e especializada ao consumidor final. O crescente

    poder de mercado destes Grupos na venda a retalho e enquanto clientes da

    indstria de aprovisionamento tem contribudo para uma perda progressiva do

    poder de venda da indstria face ao poder de compra destes Grupos na

    determinao do nvel de preos ao longo da cadeia de valor, da produo ao

    aprovisionamento e na venda a retalho ao consumidor final.12

    27. Este novo paradigma, com um poder de compra crescente dos GGR face a uma

    oferta outrora caracterizada por um maior grau de concentrao relativo,

    potencia tenses ao nvel das relaes comerciais entre fornecedores e

    distribuidores.

    28. Anlises anteriores revelaram que a centralizao de compras e a integrao

    vertical de alguns GGR originam preos mais baixos na aquisio dos diversos

    bens por estes grupos. Os ganhos da decorrentes tendem a ser repercutidos

    favoravelmente nos consumidores, verificando-se assim o pass-through, ainda

    que parcial, dos resultados do poder de compra dos GGR para os consumidores.

    12 Sobre as relaes comerciais entre fornecedores e a distribuio, recomenda-se a leitura do recente

    Documento de Trabalho da Comisso Europeia, On Retail Services in the Internal Market Accompanying document to the Report on Retail Market Monitoring: Towards more efficient and fairer retail services in the Internal Market for 2020, SEC(2010)807, de 5 de Julho 2010. Vide, em particular o Captulo 2: The upstream markets.

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    29. Em paralelo com a expanso dos GGR na venda a retalho, a procura destes

    Grupos tem vindo a aumentar de forma considervel no aprovisionamento de

    FMCG face aos demais clientes, em especial, face aos canais grossista e

    HORECA. De igual modo, estes Grupos desenvolveram diferentes estratgias de

    forma a melhorar as suas condies de aquisio i.e., de forma a aumentar o

    seu poder de compra face aos seus fornecedores a fim de melhorarem a sua

    competitividade na venda ao pblico entre eles e face ao remanescente do

    comrcio.

    30. Todavia, e como referido, atenta a sua expanso, os GGR revelam-se,

    actualmente, verdadeiros porteiros de acesso ao mercado (consumidor final)

    dos MDI (produtos de marca da indstria fabricante), salvo no caso das bebidas

    no alcolicas, onde o canal HORECA constitui um importante canal de

    escoamento. No entanto, no possvel concluir, com base numa anlise

    econmica e jurdica, que a rede de distribuio dos GGR possa ser considerada

    uma infra-estrutura essencial stricto sensu para escoamento dos MDI dos

    fornecedores, mesmo no caso em que existe concorrncia dos MDD.

    31. Sem prejuzo destas consideraes, no despiciendo salientar-se que a

    expanso actual dos MDD e o reforo tendencial do grau de concentrao dos

    GGR, no aprovisionamento e na venda a retalho podem suscitar preocupaes

    quanto a possveis efeitos futuros desta expanso dos GGR e dos seus MDD,

    quer sobre a indstria de aprovisionamento, quer no que respeita aos efeitos de

    pass-through para o consumidor final. Actualmente, os MDD representam 29%

    das vendas em valor de FMCG, dos quais apenas 2,2% correspondem a fabrico

    prprio.

    32. Nestes termos, no obstante as novas Orientaes CE relativas s restries

    verticais colocarem maior nfase no poder de venda dos fornecedores do que no

    poder de compra dos GGR, este ltimo poder assumir um peso relativo

    suficientemente significativo no futuro para deixar de ser visto como um poder

    de mercado a priori pro-competitivo, como acontece actualmente.

    33. A anlise do presente Relatrio sugere que o poder de compra relativo dos GGR

    face ao poder de venda dos fornecedores depende da existncia (ou no) de um

    canal alternativo dos fornecedores para escoamento dos seus produtos, do grau

    de concentrao dos GGR na procura no aprovisionamento, da expanso dos

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    MDD e do grau de recurso, efectivo ou potencial, a aquisies no exterior pelos

    GGR, em especial, de MDD.

    34. No conjunto dos bens alimentares analisados, com excepo das bebidas no

    alcolicas de alta rotao e dos cafs e sucedneos, verifica-se que os GGR se

    assumem como verdadeiros porteiros de chegada destes produtos ao

    consumidor final. Representam, na maioria dos produtos, mais de 2/3 da

    respectiva procura para aprovisionamento. Assim, existe uma tendncia para

    que o poder de compra dos GGR se contraponha a prazo ao poder de venda

    relativo dos fornecedores, sendo esta situao j caracterstica do sector dos

    hortofrutcolas (hortcolas e frutos) no perodo 2004-2008.

    35. Assim, e conforme referido, embora o poder de compra actual dos GGR possa

    ser visto como um contrapoder ao poder de venda dos fornecedores, em

    aparente beneficio para o consumidor final pelo menos nos bens onde se

    verificam efeitos de pass-through a evoluo a prazo deste poder de compra

    susceptvel de intensificar as tenses nas relaes comerciais entre estes Grupos

    e os seus fornecedores, nos casos em que existem poucos canais alternativos

    aos GGR para os fornecedores escoarem os seus produtos (MDI).

    36. Por seu turno, a crescente oferta por parte dos GGR de produtos com a sua

    marca comercializados em exclusividade nas suas lojas (MDD), em concorrncia

    com os produtos da indstria (MDI), tem consequncias de natureza

    concorrencial, de eficincia econmica e em termos do bem-estar do

    consumidor.

    37. O desenvolvimento de MDD pode ser encarado como o resultado de uma

    estratgia competitiva dos GGR com dois objectivos principais: (i) melhorar a

    respectiva posio concorrencial na compra e na venda e (ii) fidelizar os clientes.

    Os resultados das anlises efectuadas at data indicam que o aumento das

    vendas dos MDD tende a resultar num efeito de expanso do mercado, quer por

    democratizar o consumo de produtos com um elevado grau de substituibilidade

    com os MDI, quer por oferecer um produto cujo preo mais baixo que o dos

    MDI comparveis.

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    Principais preocupaes com as prticas comerciais dos GGR

    38. Como se referiu j, algumas das prticas comerciais eventualmente identificveis

    como problemticas no mbito das relaes contratuais entre distribuidores e

    fornecedores podero no revestir uma natureza que se coadune com a

    aplicao de legislao de defesa da concorrncia, ou com legislao tendente

    proteco/promoo de boas prticas comerciais. H prticas que so

    susceptveis de enquadramento no mbito das PCR, nomeadamente ao abrigo

    dos artigos sobre Venda com prejuzo e Prticas negociais abusivas, e estas

    devero continuar a merecer toda a ateno das autoridades. Mas existem

    tambm muitas prticas que s sero susceptveis de tutela noutras sedes.

    39. Da anlise realizada, e em consonncia com anlises similares realizadas em

    outros pases da Unio Europeia, verificou-se que as preocupaes identificadas

    pela AdC no se enquadram estritamente nas proibies da LNC (artigos 4., 6.

    ou 7.).

    40. Como efeito, no se afigura que as disposies presentes nos contratos

    analisados tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de

    forma sensvel a concorrncia (artigo 4.).

    41. Por outro lado, no resultam indcios da prtica de uma explorao abusiva de

    uma posio dominante, atendendo a que nenhuma das partes (ao nvel dos

    GGR) parece deter uma posio dominante no sentido legal e tcnico do termo

    (artigo 6.).

    42. Igualmente, ainda que possam existir fornecedores que se relacionem

    comercialmente com apenas um GGR, no evidente que no existam

    alternativas que lhes sejam equivalentes. Apesar da importncia de que o canal

    de distribuio assegurado pelos GGR se revela para o escoamento de certas

    categorias de produtos do fornecedor at ao consumidor final, no deixam de

    haver alternativas, nomeadamente entre os prprios GGR, via canal HORECA,

    comrcio tradicional e/ou lojas prprias, ou mesmo atravs da exportao.

    Assim, no se recolheram indcios de dependncia econmica de fornecedores

    relativamente aos GGR (artigo 7.).

    43. Contudo, estas consideraes no afastam o facto da anlise conduzida aos

    mltiplos contratos celebrados entre distribuidores e fornecedores revelar um

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    desequilbrio negocial entre as duas partes, com preponderncia para os

    primeiros.

    44. Foram identificadas quatro reas onde o desequilbrio negocial entre

    distribuidores e fornecedores se parece manifestar de forma mais acentuada: (i)

    imposio unilateral de condies (i.e., negociao de contrato-tipo); (ii)

    descontos e outras contrapartidas; (iii) penalizaes; e (iv) prazos de

    pagamento.

    45. Quanto primeira, imposio unilateral de condies, a definio e cristalizao

    prvia das condies gerais pelo distribuidor e a margem negocial

    consideravelmente reduzida conferida ao fornecedor nas condies especficas,

    tornam o comprador a figura que dita as regras.

    46. No que concerne rea de descontos e outras contrapartidas, o seu recurso

    resulta dos usos do comrcio, pelo que a sua aplicao enquanto tal em sede

    de relaes comerciais entre distribuidores e fornecedores, no dever suscitar

    preocupaes de princpio. Poder-se-, contudo, questionar no s o valor do

    desconto aplicvel em determinada transaco comercial, mas tambm as

    justificaes apresentadas para aplicao do mesmo desconto ou efeitos que da

    possam resultar.

    47. A rea das penalizaes tem implicaes, de uma forma ou de outra, em todas

    as restantes componentes inerentes relao contratual entre os dois agentes

    econmicos, sendo que, conforme resulta da anlise realizada aos mltiplos

    instrumentos contratuais, apenas sobre uma das partes in casu, o fornecedor

    se encontra prevista a aplicao de penalizaes decorrentes do contrato.

    48. Finalmente, a rea dos prazos de pagamento, nas suas vrias componentes, tem

    constitudo uma preocupao transversal aos vrios pases da UE e s prprias

    Instituies Comunitrias. Apresenta essencialmente dois tipos de problemas: (i)

    imposio contratual, por parte dos distribuidores, de prazos demasiados longos,

    sobretudo, para o caso de produtos com prazos de validade limitados e (ii)

    atrasos no pagamento (mora e, eventualmente, incumprimento contratual). Um

    Decreto-Lei recentemente aprovado em Conselho de Ministros, mas ainda no

    publicado, impe maiores exigncias nesta matria. e poder resolver muitas

    das questes pendentes.

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    Repercusso do aumento do IVA

    49. Igualmente no mbito do presente Relatrio, feito um breve enquadramento

    do recente aumento, em um ponto percentual, dos trs escales de taxas de

    IVA, para os actuais 6%, 13% e 21%, em particular na sequncia da inteno

    manifestada por alguns GGR de no fazer repercutir sobre o consumidor estes

    aumentos das taxas de IVA e da eventualidade daqueles aumentos virem a ser

    repercutidos sobre os fornecedores nomeadamente, sob forma de um desconto

    adicional.

    50. Dos elementos remetidos AdC pelos GGR e por um conjunto representativo de

    fornecedores, no resultaram indcios suficientes de que os GGR tenham

    repercutido sobre os seus fornecedores o aumento de um ponto percentual das

    taxas de IVA, a partir do 30 de Junho de 2010, na sequncia da entrada em

    vigor da Lei n. 12-A/2010, de 30 de Junho.

    Recomendaes

    51. Tendo por base a anlise efectuada de uma realidade to complexa como a que

    consta do presente Relatrio e o enquadramento jurdico relevante, nacional e

    europeu, a AdC apresenta um conjunto de Recomendaes no sentido de

    promover uma cultura de concorrncia, o equilbrio e a transparncia entre

    agentes econmicos e uma actuao eficaz das entidades com responsabilidades

    na matria.

    52. Todas as Recomendaes devem ser devidamente enquadradas no mbito do

    debate sobre as questes agro-alimentares e da grande distribuio que tem

    vindo a ter lugar ao nvel da Unio Europeia, nomeadamente no contexto dos

    trabalhos do Conselho Europeu, da Comisso Europeia e do Parlamento Europeu.

    53. As Recomendaes apresentadas de forma mais detalhada no Captulo

    seguinte do presente Relatrio incidem sobre vrias reas de actuao, das

    quais se destacam as seguintes:

    (i) Promover uma cultura de concorrncia que permita aprofundar o

    processo de auto-regulao, atravs da reactivao do Cdigo de Boas

    Prticas CIP/APED de 1997, ou da efectivao de um novo Cdigo de

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    Conduta, que contribua para melhorar as condies contratuais e/ou

    extracontratuais que regem as relaes comerciais entre produtores e

    distribuidores.

    (ii) Analisar a oportunidade de regulamentar as prticas comerciais

    problemticas no mbito das relaes contratuais entre fornecedores e

    distribuidores, que no sendo enquadrveis no mbito da legislao de

    concorrncia ou do regime jurdico das PCR, tambm no se afiguram

    susceptveis de resoluo atravs da auto-regulao entre distribuidores

    e fornecedores.

    (iii) Reforar a recolha, tratamento e difuso de informao estatstica sobre

    preos ao longo da cadeia de abastecimento alimentar, complementada

    pela correspondente informao estatstica de quantidades, a fim de

    permitir um melhor conhecimento do assunto por todas as partes

    interessadas e uma eventual interveno atempada das autoridades

    competentes na deteco de eventuais distores da concorrncia e/ou

    dos preos ao longo da cadeia de valor.

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    1. Recomendaes

    54. Na apreciao das prticas decorrentes das relaes comerciais entre os GGR e

    os seus fornecedores, e atentas as atribuies da AdC, dever-se-o distinguir

    trs situaes:

    (i) As que podem ser enquadradas no mbito da lei nacional da

    concorrncia (Lei n. 18/2003, de 11 de Junho, LNC, nos seus artigos

    4., 6. e 7.) e/ou do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da UE13,

    nos seus artigos 101. e 102.), caso se demonstre a afectao sensvel

    da concorrncia;

    (ii) As que podem ser enquadradas no mbito das prticas (individuais)

    comerciais restritivas (ex vi Decreto-Lei n. 370/93, de 29 de Outubro,

    com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n. 140/98, de 16 de

    Maio, doravante PCR); e

    (iii) As que, embora possam espelhar v.g., um desequilbrio de foras

    negociais entre as duas partes, no constituem per se indcios de ilcito

    jusconcorrencial, nos termos da LNC ou do TFUE, ou PCR, de acordo

    com a legislao citada.

    55. No que concerne a legislao nacional de concorrncia, haver que ter presente

    que a mesma no tem uma finalidade redistributiva, pelo que certas prticas que

    ocorrem entre fornecedores e distribuidores no mbito das suas relaes

    comerciais, decorrentes, nomeadamente, de um poder de compra acrescido por

    fora de um certo grau de concentrao, ou pela expanso de MDD, no sero

    enquadrveis nos objectivos da LNC.

    56. Quanto legislao relativa s PCR14, o seu objectivo o de assegurar a

    proteco dos concorrentes e/ou consumidores, aplicando-se

    independentemente da ocorrncia, ou no, de uma afectao sensvel da

    13 O TFUE, aprovado pelo Tratado de Lisboa, substituiu o ento Tratado CE (Tratado que institui as

    Comunidades Europeias, tal como aprovado pelo Tratado de Roma). 14 Em particular, no que concerne a aplicao de preos ou de condies de venda discriminatrios, vendas

    com prejuzo, recusa de venda de bens ou de prestao de servios e prticas negociais abusivas.

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    concorrncia. Em particular, esta legislao procura promover o equilbrio e a

    transparncia das relaes entre agentes econmicos.15

    57. Assim, para as prticas no abrangidas pela LNC ou que no possam ser

    consideradas PCR, mas que, ainda assim, suscitem preocupaes de equilbrio

    entre as partes envolvidas, haver que equacionar se devero ser objecto de

    medidas de carcter regulamentar, de natureza legislativa ou de auto-regulao.

    58. Tendo por base a anlise efectuada e vertida neste Relatrio, a Autoridade da

    Concorrncia, ao abrigo das atribuies e dos poderes de regulamentao que

    lhe so conferidas, respectivamente, pelo artigo 6., n. 1, alneas b) e f) e pelo

    artigo 7., n. 4, alnea b), dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.

    10/2003, de 18 de Janeiro, apresenta uma conjunto de recomendaes no

    sentido de promover uma cultura de concorrncia, o equilbrio e a transparncia

    entre agentes econmicos16 e uma actuao eficaz das entidades com

    responsabilidades na matria.

    59. Todas as recomendaes devem ser devidamente enquadradas no mbito do

    debate sobre as questes agro-alimentares e da grande distribuio que tem

    vindo a ter lugar ao nvel da Unio Europeia, nomeadamente no contexto dos

    trabalhos do Conselho Europeu, da Comisso Europeia e do Parlamento Europeu.

    60. Mais concretamente, deste conjunto de Recomendaes destacam-se trs: (i)

    promover uma cultura de concorrncia que permita aprofundar o processo de

    auto-regulao, atravs da reactivao do Cdigo de Boas Prticas CIP/APED de

    1997, ou da efectivao de um novo Cdigo de Conduta, que contribua para

    melhorar as condies contratuais e/ou extracontratuais que regem as relaes

    comerciais entre produtores e distribuidores (seco 1.1); (ii) analisar a

    oportunidade de regulamentar as prticas comerciais problemticas no mbito

    das relaes contratuais entre fornecedores e distribuidores, que no sejam

    15 A fiscalizao do cumprimento da legislao relativa s PCR, incumbe Autoridade de Segurana

    Alimentar e Econmica (ASAE) e a instruo e deciso dos respectivos processos, bem como a aplicao das respectivas coimas, cabe AdC, nos termos da legislao em vigor. De referir que A ASAE tem por misso a avaliao e comunicao dos riscos na cadeia alimentar, bem como a fiscalizao e preveno do cumprimento da legislao reguladora do exerccio das actividades econmicas nos sectores alimentar e no alimentar, designadamente, Fiscalizar o cumprimento das obrigaes legais dos agentes econmicos., nos termos do Decreto-Lei n. 274/2007, de 30 de Julho, artigo 3. n. 1 e n. 2 alnea s).

    16 Vide Prembulo do Decreto-Lei n. 140/98, de 16 de Maio, que altera o Decreto-Lei n. 370/93, de 29

    de Outubro.

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    susceptveis de ser enquadrveis no mbito da legislao de concorrncia ou do

    regime jurdico das PCR, e que no se afigurem de possvel resoluo atravs de

    auto-regulao (seco 1.2); e (iii) reforar a recolha, tratamento e difuso de

    informao estatstica de preos ao longo da cadeia de abastecimento alimentar,

    complementada pela correspondente informao estatstica de quantidades, a

    fim de permitir um melhor conhecimento do assunto por todas as partes

    interessadas e uma eventual interveno atempada das autoridades

    competentes na deteco de eventuais distores da concorrncia e/ou dos

    preos ao longo da cadeia de valor (seco 1.3). Para alm destas trs

    Recomendaes, a AdC apresenta ainda um conjunto de mais seis

    recomendaes complementares (seco 1.4).

    1.1. Recomendao relativa a um Cdigo de Conduta

    61. O primeiro tipo de recomendaes, dirigida especialmente CIP, APED e

    Centromarca enquanto associaes mais representativas das partes envolvidas,

    diz respeito necessidade de reactivar o Cdigo de Boas Prticas CIP/APED de

    1997 ou adoptar um novo Cdigo de Conduta.

    62. O objectivo seria o de promover uma cultura de concorrncia atravs de um

    efectivo processo de auto-regulao que permita contribuir para melhorar as

    condies contratuais e/ou extracontratuais que regem as relaes comerciais

    entre produtores e distribuidores. Este Cdigo incluiria, entre outros aspectos,

    uma mecanismo de resoluo de conflitos, a eventual criao de um Provedor,

    e princpios a observar em contratos-tipo, no aplicao retroactiva de

    penalizaes, gesto do espao de prateleira e prazos de pagamento.

    63. As dificuldades sentidas no relacionamento entre produtores/fornecedores e a

    grande distribuio, levaram a CIP e a APED a elaborar um Cdigo de Boas

    Prticas Comerciais, assinado em 17 de Julho de 1997. Nesse documento foram

    estabelecidos uma srie de princpios, de regras e de procedimentos que os

    respectivos associados, sem prejuzo da sua prpria liberdade contratual,

    deveriam observar nas suas relaes comerciais.

    64. Para supervisionar e dinamizar a aplicao desta auto-regulamentao, a CIP e

    APED criaram a CPAA - Comisso Permanente de Avaliao e Acompanhamento

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    do Cdigo de Boas Prticas Comerciais, constituda por dois representantes de

    cada parte subscritora e por uma personalidade independente, escolhida por

    acordo entre as partes, que preside Comisso.

    65. No obstante a existncia deste Cdigo, a verdade que a sua aplicao no

    tem correspondido s expectativas, o que sugere a sua reactivao ou

    substituio por um novo Cdigo.

    1.1.1. Criao de um mecanismo de resoluo de disputas

    66. Um Cdigo de Conduta no vinculativo, dependendo a aderncia das prticas

    contratuais e extracontratuais aos seus princpios da vontade das partes e da

    relao entre os seus poderes negociais.

    67. Assim, e no obstante ser importante a preservao do princpio da liberdade

    contratual entre as partes, a credibilidade e eficcia de um Cdigo de Conduta

    depender no s de uma contnua actividade de avaliao e acompanhamento

    da aplicao do Cdigo, mas tambm da criao de um mecanismo de

    arbitragem e resoluo de disputas, cuja deciso vincule as partes.

    1.1.2. Eventual criao da funo de Provedor

    68. Por outro lado, a prpria actividade de monitorizao do Cdigo dever ser

    sustentada num poder efectivo de recolha de informao junto das partes sobre

    a aplicao efectiva do mesmo, nomeadamente em matria de resoluo de

    disputas.

    69. Uma comisso tipo CPAA reforada ou um Provedor deveria ter capacidade

    para assegurar uma monitorizao eficaz da observncia das regras do Cdigo e

    das recomendaes e decises adoptadas ao seu abrigo, nomeadamente:

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    (i) Prazos de pagamento contratualizados e efectivamente praticados, bem

    como o seu rcio17, por cada GGR junto de cada um dos seus

    fornecedores;

    (ii) Descontos praticados ao longo de cada ano civil por cada GGR junto dos

    seus fornecedores, a sua magnitude e a sua justificao, em particular

    no caso de descontos retroactivos;

    (iii) Penalizaes aplicadas aos diferentes fornecedores pecunirias e no

    pecunirias (v.g., retiradas de linha, cessao de contrato, ).

    70. Uma comisso tipo CPAA reforada ou um Provedor deveria ainda ter por

    misso publicar, anualmente, um ndice de cumprimento do Cdigo de Conduta,

    por parte dos vrios GGR e dos vrios fornecedores, com base nas prticas

    contratuais e extracontratuais efectivamente verificadas e necessariamente

    reportadas.

    71. No cumprimento da sua misso, uma comisso tipo CPAA reforada ou um

    Provedor deveria igualmente assegurar que a natureza confidencial das

    informaes no ser violada, e que sero reforados os critrios de

    independncia dos membros da comisso no exerccio das suas funes.

    1.1.3. Elaborao de um documento-modelo

    72. Seria, igualmente, relevante que se ponderasse a elaborao e adopo de um

    documento-modelo definindo as condies-tipo de qualquer contrato envolvendo

    uma relao de fornecimento.

    73. Este documento-modelo conteria e centralizaria os termos das clusulas que,

    actualmente, so comuns a todos os contratos de fornecimento utilizados pelas

    vrias insgnias (indstria e GGR), tendo como objectivo a promoo do

    equilbrio e da transparncia na negociao das condies contratuais entre os

    agentes econmicos, in casu, entre fornecedores e distribuidores.

    17 Por rcio de pagamento entende-se o quociente entre o prazo de pagamento efectivo e o prazo

    contratualizado. Por exemplo, se este ltimo de 30 dias e o prazo efectivo de 45 dias, o rcio acaba por ser igual a 1,5. Rcios superiores a 1 deveriam ser apenas a excepo.

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    74. Respeitando o princpio da liberdade contratual, a definio das condies

    especficas inerentes a cada relao de fornecimento deveria manter-se como

    prerrogativa das partes.

    75. Ainda assim, aquando da celebrao de um contrato, seriam respeitadas regras

    comuns, previamente aceites e definidas por ambas as partes como sendo as

    mais adequadas e equitativas.

    76. O documento-modelo, ou contrato-tipo, incluiria uma definio do conjunto de

    direitos e deveres das partes, a validade do contrato, disposies gerais sobre

    facturao, descontos, incumprimento, devolues, embalagens, penalizaes,

    prazos e condies de entrega, nvel de servio e cessao do contrato.

    1.1.4. No aplicao retroactiva de penalizaes

    77. A excluso da aplicao de penalizaes retroactividade dos efeitos do

    contrato, incumbindo a uma comisso tipo CPAA reforada ou a um Provedor

    averiguar eventuais casos de aplicao retroactiva de penalizaes.

    1.1.5. Gesto do espao de prateleira

    78. A obrigatoriedade de justificao atempada pelo GGR, junto do fabricante e com

    conhecimento a uma comisso tipo CPAA reforada ou a um Provedor, da

    retirada de linha de um seu MDI, ou de uma reduo significativa do seu espao

    de prateleira.

    1.1.6. Prazos de pagamento

    79. A definio consensual de regras relativas a prazos de pagamento, sendo vrias

    as alternativas possveis, tais como:

    (i) Definio de um prazo supletivo;

    (ii) Fixao de um prazo mximo;

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    (iii) Fixao de intervalos para prazos mnimos e prazos mximos. A

    significativa ultrapassagem dos prazos de pagamento contratualizados,

    por parte dos distribuidores, pode colocar vrios fornecedores numa

    situao financeira delicada, em especial quando sobre o fornecedor

    impendem obrigaes de pagamento aos seus prprios fornecedores

    (v.g., de matria prima).

    80. Por outro lado, no caso dos produtos hortofrutcolas, o seu grau de perecibilidade

    obriga a um escoamento mais clere no retalho, o que se afigura pouco

    compatvel com a durao de prazos de pagamento equiparveis aos dos

    restantes produtos menos perecveis e sobretudo, com ultrapassagem destes

    prazos, quando se tem em considerao a sua rpida comercializao pelo

    retalhista e recebimento do respectivo PVP.

    81. O Decreto-Lei, recentemente aprovado em sede de Conselho de Ministros, de 2

    de Setembro de 2010, que define prazos mximos de pagamento a micro e

    pequenas empresas, no mbito de contratos de compra e venda ou de

    fornecimento de bens alimentares destinados ao consumo humano, vai neste

    sentido e enquadra-se no mbito das orientaes comunitrias para o

    estabelecimento de medidas de luta contra os atrasos no pagamento das

    transaces comerciais (Directiva 2000/35/CE).

    82. Note-se, por fim, que competir Autoridade de Segurana Alimentar e

    Econmica (ASAE) a fiscalizao da aplicao do diploma, devendo esta

    apresentar um relatrio anual sobre os controlos efectuados.

    1.2. Recomendao relativa regulamentao de

    prticas comerciais

    83. O segundo tipo de recomendaes, dirigida ao Governo, visa analisar a

    oportunidade de uma eventual regulamentao de prticas comerciais que tm

    sido apresentadas como problemticas pelos agentes econmicos no mbito das

    suas relaes contratuais, em particular entre fornecedores e distribuidores, e

    que no sendo susceptveis de ser enquadrveis no mbito da legislao de

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    concorrncia nem do regime jurdico das PCR, tambm no se mostram viveis

    de ser resolvidas atravs de um Cdigo de Conduta.

    84. Para o efeito, o Governo dever ponderar a hiptese de criar uma Comisso

    constituda por representantes dos Ministrios responsveis pelas reas da

    Economia e da Agricultura e Pescas, das associaes mais representativas do

    sector (nomeadamente, CIP, APED e Centromarca) e da ASAE, com mandato

    para a elaborao e apresentao de propostas de regulamentao. As propostas

    resultantes beneficiariam muito do trabalho conjunto deste tipo de entidades.

    85. O objectivo desta Recomendao consiste em (a) promover e fomentar a anlise

    e o debate, em sede prpria, ou seja, entre as entidades dotadas de

    responsabilidades e/ou de know-how no sector, das diversas opes susceptveis

    de melhorar o estado actual de uma realidade to complexa como a analisada no

    presente Relatrio, e (b) propor as solues mais aconselhveis. De facto, o

    tratamento desta realidade no se coaduna com a adopo de regulamentao

    cuja elaborao no se fundamente num conhecimento completo dos assuntos

    em causa ou que tenha alta probabilidade de produzir efeitos contrrios aos

    desejados, antes exige propostas amadurecidas e susceptveis de gerar

    resultados bem sucedidos a mdio e longo prazo.

    86. Tal como referido na seco 7.3 (Captulo 7 infra), uma anlise mais

    pormenorizada aos mltiplos contratos entre fornecedores e distribuidores,

    permitiu identificar quatro reas onde se tm verificado, com maior premncia,

    prticas ilustrativas de um desequilbrio entre as partes nas suas relaes

    comerciais, a saber: (i) imposio unilateral de condies (i.e., negociao de

    contrato-tipo); (ii) descontos e outras contrapartidas; (iii) penalizaes; e (iv)

    prazos de pagamento.

    87. Todavia, sem prejuzo de algumas das prticas enquadrveis naquelas quatro

    reas poderem, ainda assim, no revestir uma natureza que se coadune com o

    regime jurdico relativo a PCR, tutelado pelo Decreto-Lei n. 370/93, de 29 de

    Outubro, com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n. 140/98, de 16 de

    Maio, no deixam, no entanto, de poder ser consideradas luz de princpios que

    regem as boas prticas comerciais. Assim, um aperfeioamento deste regime

    jurdico permitiria num primeiro momento, e sempre salvaguardando os

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    princpios de liberdade contratual e de livre iniciativa econmica alargar ou

    clarificar disposies onde estas prticas se poderiam enquadrar.

    88. Num segundo momento e, novamente, sempre salvaguardando os princpios

    de liberdade contratual e de livre iniciativa econmica , uma das opes a

    equacionar seria a preparao de um novo enquadramento jurdico que tutele as

    relaes entre GGR e seus fornecedores, a ser desenvolvido de acordo com um

    calendrio realista, mas exigente, de forma a no protelar no tempo situaes

    inibidoras de investimento em inovao e de um so desenvolvimento econmico

    dos vrios agentes ao longo da cadeia de valor do sector alimentar.

    1.3. Recomendao relativa a informao estatstica

    de preos

    89. O terceiro tipo de recomendaes, dirigida ao Governo, diz respeito

    necessidade de reforar a recolha, tratamento e difuso de informao

    estatstica de preos ao longo da cadeia de abastecimento alimentar,

    complementada pela correspondente informao estatstica de quantidades.

    90. A anlise da evoluo dos preos de retalho de bens de consumo corrente

    dificultada pela ausncia de informao relativa aos preos praticados pelos GGR

    e, nomeadamente, pelo comrcio tradicional, que apresenta um elevado grau de

    atomizao e em que a informao estatstica ainda mais escassa.

    91. A falta de estatsticas regulares, abrangentes e detalhadas, constitui um dos

    maiores obstculos monitorizao e eventual interveno das entidades

    pblicas competentes. De facto, revela-se essencial assegurar um maior

    conhecimento de informao estatstica de preos ao longo da cadeia de

    abastecimento alimentar para permitir um eficaz acompanhamento do sector.

    92. De facto, no passado estes preos foram objecto de uma monitorizao regular

    (em periodicidade mensal) pela extinta Direco Geral do Comrcio e

    Concorrncia (ex-DGCC)18, tendo esta actividade cessado j na anterior Direco

    18 Cf. Bens de Consumo Corrente, Boletim de Preos, DGCC.

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    Geral da Empresa (DGE)19 hoje Direco Geral das Actividades Econmicas

    (DGAE) em Maio de 2005.

    93. Actualmente, apenas a Associao Portuguesa para a Defesa dos Consumidores

    (DECO) efectua semelhante monitorizao de preos, com periodicidade

    semestral, embora esta seja apenas disponibilizada sob forma de ndices de

    comparao de preos entre cadeias, inter- e intra-cidades (incluindo algumas

    cidades espanholas desde o ano de 2008).20

    94. Para alm dos levantamentos de preos pela DECO, existem estatsticas de

    ndices de preos no consumo do Instituto Nacional de Estatstica (INE)

    desagregados por produtos e categorias de produtos. Todavia, estes ndices

    agregam diversos tipos de retalho, no separando entre os GGR e o comrcio

    tradicional e/ou entre os prprios GGR21, mas apenas entre a classificao

    geogrfica NUT II (Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve no Continente)22.

    95. Nestes termos, revela-se ser de elevada importncia equacionar a criao de um

    Observatrio de Preos, com funes de recolha, tratamento e difuso de

    informao estatstica, nos moldes preconizados pela CE, sobre preos e

    quantidades, incluindo as funes semelhantes s anteriormente

    desempenhadas pela ex-DGCC, discriminando entre insgnias dos GGR e entre

    estas e o comrcio tradicional.

    96. Alis, conforme supra referido, a CE sublinhou, recentemente, a relevncia da

    constituio de tais observatrios ao nvel dos diversos Estados Membros com o

    objectivo de monitorizar os preos ao longo da cadeia de valor, produo

    aprovisionamento retalho, de forma a promover uma maior transparncia do

    sector. 19 A DGE substituiu a DGCC aquando da constituio da AdC, em Maro de 2003, tendo sido, por sua vez,

    substituda pela DGAE em Abril de 2007 (cf. Decreto Regulamentar n. 56/2007, de 27 de Abril). 20 V.g., DECO Proteste n. 294, de Setembro de 2008, bem como os Comunicados DECO

    http://www.deco.proteste.pt/supermercados/supermercados-poupe-ate-940-euros-no-carrinho-s572371.htm e http://www.deco.proteste.pt/supermercados/o-supermercado-mais-barato-perto-de-si-s531041.htm.

    21 Embora se desconhea a forma como a recolha de informao efectuada, bem como o tipo e nmero

    de lojas consideradas e a respectiva extenso geogrfica. 22 As NUT (Nomenclaturas de Unidades Territoriais para fins estatsticos) designam as sub-regies

    estatsticas em que se divide o territrio de cada Estado Membro da UE, incluindo Portugal (ex vi Decreto-Lei n. 204/2002, de 5 de Novembro e Regulamento CE n. 1059/2003, de 26 de Maio).

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    97. Assim, a recolha, tratamento e difuso deste tipo de informao teria como

    principal objecto, para alm de permitir um bom conhecimento estatstico destas

    actividades por todos os agentes de mercado, permitir, igualmente, a deteco

    de eventuais distores da concorrncia e/ou dos preos ao longo da cadeia de

    valor, podendo promover uma eventual interveno atempada pelas entidades

    competentes (cf. Comunicao CE, de 28.10.2009, cit.).

    98. A deciso de atribuir a misso de Observatrio de Preos nos moldes

    preconizados pela CE a uma determinada instituio uma deciso poltica, com

    base nos critrios que forem considerados relevantes para o efeito e na

    necessidade de afectar a correspondente dotao oramental.

    1.4. Recomendaes Complementares

    99. A AdC entende ainda dever formular as seguintes recomendaes:

    (i) Que se confira renovada importncia fiscalizao e aplicao da

    legislao sobre PCR (em particular, os artigos 3. Venda com prejuzo

    e 4.-A Prticas negociais abusivas), bem como da nova legislao

    sobre prazos de pagamento, acentuando o trabalho conjunto que a

    ASAE e a AdC tm vindo a desenvolver na matria;

    (ii) Que o Governo considere medidas adicionais susceptveis de promover a

    criao de unidades comerciais de pequena/mdia dimenso em

    mercados locais, especialmente vocacionadas para o comrcio retalhista

    alimentar, bem como a proteco de certos produtos como

    Denominaes de Origem Protegida e/ou Indicaes Geogrficas23 luz

    da legislao sobre propriedade industrial, designadamente do Decreto-

    23 A grande diferena entre uma denominao de origem e uma indicao geogrfica reside no tipo de

    ligao que ter que existir entre as qualidades ou as caractersticas do produto e o meio natural da sua origem. A relao mais estreita nas denominaes de origem e do que nas indicaes geogrficas. No caso da denominao de origem, a tipicidade do produto uma consequncia do meio geogrfico, ou seja, as caractersticas e qualidades especficas do bem devem-se, no apenas a factores humanos, mas tambm s condies naturais ligadas ao meio fsico. neste meio que tem que ocorrer a produo, a transformao e a elaborao do produto. Diversamente, no caso da indicao geogrfica, no se exige uma ligao to forte entre as qualidades do produto e o respectivo meio natural, bastando que a tipicidade ou a reputao do bem possa ser atribuda a essa origem. A deve ocorrer, pelo menos, a produo, a transformao ou a elaborao do produto. Para mais informao consultar o site: http://www.marcasepatentes.pt/index.php?section=1.

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    Lei n. 36/2003, de 5 de Maro (que aprova o Cdigo da Propriedade

    Industrial), na sua verso alterada pela Lei n. 16/2008, de 1 de Abril24;

    (iii) Que seja analisado, por um consultor independente financiado pelas

    associaes mais representativas de distribuidores e fornecedores, o

    impacto sobre o bem-estar social da introduo no retalho de produtos

    look alike e copycats, sem prejuzo da sua eventual anlise luz do

    Decreto-Lei n. 57/2008, de 26 de Maro, relativo a prticas comerciais

    desleais; e

    (iv) Que as prticas comerciais relacionadas com estes produtos sejam

    objecto de uma particular monitorizao e fiscalizao, eventualmente

    subsumvel ao Decreto-Lei n. 57/2008, de 26 de Maro, relativo a

    prticas comerciais desleais, e/ou luz da legislao sobre propriedade

    industrial, designadamente para evitar a ocorrncia de situaes

    eventualmente subsumveis ao instituto jurdico de concorrncia desleal

    dos GGR com os seus fornecedores de marca.

    (v) Que o Governo analise a possibilidade de dar prioridade assim que for

    aprovada a proposta actualmente em discusso nas instncias europeias

    transposio para a ordem jurdica nacional da prxima Directiva da

    Comisso e do Parlamento Europeu sobre prazos de pagamento de

    transaces comerciais, que dever suceder Directiva 2000/35/CE, de

    29 de Junho.

    (vi) Finalmente, e em consonncia com a necessidade de enquadrar bem as

    solues nacionais no contexto europeu, a AdC recomenda que a nvel

    parlamentar, interministerial e das entidades pblicas com

    responsabilidades na matria, haja um acompanhamento actuante junto

    das instituies da Unio Europeia que se ocupam dos assuntos

    relacionados com a cadeia agro-alimentar e a grande distribuio.

    24 A instruo dos processos por contra-ordenao, prevista no Cdigo da Propriedade Industrial, cabe no

    mbito de competncia da ASAE. Compete ao conselho de administrao do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) decidir e aplicar as coimas e as sanes acessrias previstas neste Cdigo, no mbito das suas atribuies previstas no Decreto-Lei n. 132/2007, de 27 de Abril.

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    2. Introduo e Enquadramento do Relatrio

    100. Diversas questes tm sido suscitadas sobre um conjunto de problemas no

    mbito das relaes comerciais entre os grupos da distribuio alimentar

    (grossista e retalhista) e os seus fornecedores, nomeadamente quanto

    possibilidade de condicionamento das margens comerciais da indstria de

    aprovisionamento e/ou da produo agro-alimentar e de amplificao de

    eventuais assimetrias no ajustamento dos preos ao nvel do circuito produo

    aprovisionamento retalho.

    101. Em paralelo, vrias tm sido as notcias veiculadas pela imprensa dando conta

    de algumas prticas comerciais impostas pelos GGR aos seus fornecedores e

    consideradas abusivas e das eventuais repercusses deste tipo de prticas

    sobre a sade econmica (sustentabilidade econmico-financeira) da indstria

    fornecedora, assim como, em relao a alguns bens, da produo agrcola

    nacional.

    102. Em causa estar a alegao recorrente, nomeadamente em perodos de crise

    econmica, da existncia de um desequilbrio de poderes negociais entre os GGR

    e os seus fornecedores, decorrente de um crescente poder de mercado destes

    Grupos no comrcio a retalho e na procura nos mercados de aprovisionamento,

    bem como das especificidades subjacentes a este tipo de relaes comerciais.

    Evoluo recente dos preos

    103. A anlise da evoluo recente dos preos recebidos pelos produtores agrcolas

    relativamente aos preos pagos pelo consumidor de produtos alimentares e da

    generalidade dos bens e servios consumidos, pode contribuir para a

    caracterizao da cadeia de valor dos produtos alimentares.

    104. Em particular, o Grfico 1 infra apresenta a evoluo dos ndices de preos na

    produo dos produtos agrcolas (IPPA), do ndice de preos no consumidor dos

    bens alimentares (IPCA) e do ndice de preos no consumidor harmonizado

    (IPCH), que representa a evoluo dos preos na generalidade dos bens e

    servios, entre 2005 e o segundo trimestre de 2010.

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    Grfico 1 Evoluo trimestral do IPC de produtos alimentares, IPCH e IPP de produtos

    agrcolas (1 trimestre de 2005 a 2 trimestre de 2010)

    Fonte: ndice de preos no consumidor de produtos alimentares (IPCA) e ndice de preos no consumidor

    harmonizado (IPCH) OCDE (www.oecd.org/), ndice de preos na produo de produtos agrcolas (IPPA)

    INE/Eurostat (www.ec.europa.eu/eurostat).

    105. Este Grfico mostra que os preos no consumidor dos produtos alimentares, dos

    restantes bens e servios e da produo agrcola apresentam, at meados de

    2008, uma tendncia crescente, fruto da presso da procura deste tipo de bens

    que se verificou nos mercados internacionais. Depois, at ao ltimo trimestre de

    2009, enquanto o nvel de preos geral tendeu a estabilizar, os preos no

    consumidor e na produo dos produtos agrcolas decrescem e tornam a subir

    ligeiramente no primeiro caso, e para os nveis mais elevados de 2008 no

    segundo.

    106. Apesar das semelhanas acima descritas, uma anlise mais detalhada da

    evoluo nos ndices de preos, permite concluir:

    (i) Enquanto a evoluo dos preos no consumidor se revela relativamente

    moderada, os preos no produtor apresentam uma maior volatilidade,

    alternando perodos de subidas bruscas com descidas da mesma

    Indice

    s de

    preo

    s 20

    05=1

    00

    IPCAIPCHIPPA

    2005:1 2006:1 2007:1 2008:1 2009:1 2010:1

    9510

    010

    511

    011

    5

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    magnitude, como atesta o perodo compreendido entre meados de 2007

    e incio de 2009.

    (ii) Em praticamente todo o perodo, os preos pagos ao produtor crescem

    mais rapidamente que os preos pagos pelo consumidor dos produtos

    alimentares. Isto significa que nos nveis a jusante na cadeia dos

    produtos alimentares, o crescimento dos preos na produo foram

    apenas parcialmente passados ao consumidor. Como exemplo deste

    comportamento nos preos, no ltimo trimestre de 2009 os preos na

    produo registaram a maior subida no perodo.

    (iii) Regra geral, o diferencial mdio entre o ndice de preos dos bens

    alimentares no consumidor e o ndice de preos na produo agrcola

    inferior em perodos de descida nestes preos. Isto sugere que os preos

    no consumidor apresentam uma maior presso para a descida do que

    para a subida.

    (iv) Esta tendncia para um menor crescimento nos preos dos bens

    alimentares no consumidor reflecte-se, tambm, no facto do seu

    crescimento ser sempre inferior ao da generalidade dos bens e servios.

    De facto, a partir de 2009 os dois ndices apresentam trajectrias

    distintas, tendo o preo dos produtos alimentares contribudo,

    substancialmente, para a estabilidade do ndice de preos no

    consumidor.

    107. Da anlise efectuada conclui-se que a elevada volatilidade dos preos no

    produtor dos produtos agrcolas, que foi menos sentida nos preos pagos pelo

    consumidor, estar em parte associada aos perodos em que o preo mdio das

    commodities tem sido mais elevado.

    Enfoque do Relatrio

    108. A anlise conduzida pela AdC, constante do presente Relatrio, teve como

    objectivo estudar a evoluo, na ltima dcada, das referidas relaes

    comerciais entre os grupos da distribuio alimentar e os seus fornecedores.

    Teve em considerao, no s o impacto que tal evoluo poder ter tido, e

    poder continuar a ter, no bem-estar dos consumidores mas, tambm, a sua

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    contextualizao nos recentes desenvolvimentos do sector na Unio Europeia,

    incluindo a reforma da PAC.

    109. O presente Relatrio tem como principal enfoque os bens alimentares de grande

    consumo alimentares, bem como as relaes comerciais entre os GGR e os seus

    fornecedores no sector da distribuio alimentar. A caracterizao comparativa

    entre os sectores da distribuio e do aprovisionamento permite obter uma

    estimativa preliminar dos poderes de mercado relativos dos GGR e dos seus

    fornecedores, em particular, atenta a forte expanso dos GGR face ao declnio do

    retalho tradicional, excepo do canal HORECA. Esta anlise ser

    complementada pela descrio e apreciao, no mbito das atribuies da AdC,

    dos principais tipos de prticas comerciais (contratuais e extra-contratuais) entre

    os GGR e os seus fornecedores.

    110. No exerccio dos seus poderes de superviso e de regulamentao, tal como

    definidos nos seus Estatutos, e em resultado da presente anlise e das suas

    concluses, a AdC recomenda vrias medidas de carcter regulamentar e

    comportamental que podero promover um reequilbrio de poderes negociais

    entre os GGR e os seus fornecedores, contribuindo para um melhor

    relacionamento entre estas duas partes bem como para a manuteno de uma

    diversidade da oferta de produtos alimentares com repercusso positiva sobre o

    bem-estar dos consumidores.

    Legislao relevante

    111. A legislao relevante na apreciao das prticas decorrentes das relaes

    comerciais entre os GGR e os seus fornecedores exige que se distingam trs

    situaes: (i) as prticas que podem ser enquadradas no mbito da lei nacional

    da concorrncia (ex vi nos artigos 4., 6. e 7. da Lei n. 18/2003, de 11 de

    Junho, doravante LNC) e/ou do TFUE (artigos 101. e 102.), apenas caso se

    demonstre que afectam sensivelmente a concorrncia, condio sine qua non

    para o enquadramento jusconcorrencial; (ii) as prticas que podem ser

    enquadradas no mbito das PCR (ex vi Decreto-Lei n. 370/93, de 29 de

    Outubro com as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei n. 140/98, de 16 de

    Maio); e (iii) as prticas que, embora possam espelhar um desequilbrio de

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    foras negociais entre as duas partes, no constituem indcios de ilcito

    jusconcorrencial, nos termos da LNC, ou prticas individuais comerciais

    restritivas (PCR).

    Cadeia de valor

    112. A anlise das relaes entre a distribuio e os fornecedores exige que se tenha

    presente a cadeia vertical (i.e., a cadeia de valor) do sector alimentar.

    113. A cadeia de valor do sector alimentar inclui trs principais estdios de

    actividade: (i) o estdio mais a montante da produo; (ii) o estdio intermdio

    da indstria transformadora e do aprovisionamento, podendo as respectivas

    empresas estarem (ou no) integradas a montante na produo ou serem elas

    mesmo produtoras (v.g., o caso dos frescos, incluindo os hortofrutcolas frescos,

    as carnes e o pescado fresco); e (iii) a actividade a jusante da distribuio, in

    casu, alimentar.

    Produo

    114. Na ptica do presente Relatrio e de uma forma simplificada, entende-se por

    produo o primeiro estdio da cadeia de valor a montante da indstria

    transformadora, ainda que esta seja negligencivel (como, por exemplo, no caso

    de alguns produtos frescos).

    115. O sector da produo agrcola tem sido, frequentemente, considerado como

    sendo o elo mais fraco da cadeia de valor dos bens alimentares. A volatilidade

    a que os preos dos bens agrcolas tm estado geralmente sujeitos e que

    acarreta um risco acrescido para o sector, em geral, e para as decises de

    investimento, em particular, aliada ao crescente poder de mercado que agentes

    econmicos a jusante do circuito detm, tem, aparentemente, colocado os

    produtores agrcolas numa posio de alguma fragilidade.

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    Aprovisionamento

    116. O aprovisionamento constitui o estdio seguinte da cadeia de valor.

    Compreende todos os mercados, distinguidos por produto, que abastecem as

    empresas da distribuio alimentar de bens de consumo corrente no

    duradouros. Em geral, este sector situa-se ao nvel intermdio entre as

    actividades a montante da produo e a jusante da distribuio.

    117. As empresas de aprovisionamento so, usualmente, designadas por

    fornecedores. De uma forma simplificada, os fornecedores podem ser

    produtores caso vendam directamente distribuio (tal como no caso dos

    hortofrutcolas e dos produtos frescos em geral) ou empresas transformadoras,

    podendo estas estarem integradas a montante na produo (v.g., o caso da

    Lactogal nos lcteos). Em rigor, esta designao de fornecedores engloba

    eventuais intermedirios no transporte de mercadorias, da produo e/ou da

    indstria de transformao distribuio.

    Distribuio

    118. Por fim, a distribuio o sector de actividade que inclui um conjunto de

    funes tendo em vista a aquisio de bens alimentares aos fornecedores

    (eventualmente integrados a montante na produo) a fim de revend-los aos

    consumidores finais. composta, grosso modo, por dois estdios de actividade:

    (i) um estdio a montante do comrcio por grosso que inclui cooperativas

    grossistas, cadeias grossistas e operadores grossistas de menor dimenso (em

    alguns casos, atomizados) , sendo este o fornecedor tradicional do pequeno

    retalho tradicional (v.g., mercearias, drogarias, padarias e pastelarias, talhos,

    peixarias e os mercados locais), bem como de grande parte do canal HORECA

    (Hotis, Restaurantes e Cafs) e (ii) o estdio a jusante do comrcio a retalho.

    119. O comrcio a retalho inclui: (i) o referido canal HORECA, que se abastece junto

    do comrcio por grosso e, em alguns casos, directamente, e crescentemente, no

    sector do aprovisionamento; (ii) o retalho tradicional, atomizado; (iii) as cadeias

    retalhistas de menor dimenso e de mbito regional; e (iv) os grandes grupos

    retalhistas (GGR), aqui definidos pelas principais cadeias retalhistas cuja rede de

    lojas, de pequeno a grande formato do tipo minimercados, supermercados

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    (super[s]) e hipermercados (hiper[s]), se estende (potencial ou efectivamente)

    a todo o territrio nacional.

    120. Actualmente, existem nove GGR em Portugal Continental (mbito geogrfico do

    presente Relatrio), que operam no ramo alimentar sob as insgnias: (i) Aldi; (ii)

    Auchan (que opera no ramo alimentar sob as insgnias Po de Acar e

    Jumbo); (iii) Dia%/Minipreo (Dia), do Grupo Carrefour e que opera em rede

    de pequenas lojas sob as insgnias Dia e, nomeadamente, Minipreo; (iv) El

    Corte Ingls (doravante ECI, de insgnia Supercor); (v) E. Leclerc; (vi) ITMI

    ou Os Mosqueteiros (que opera sob as insgnias Ecomarch e Intermarch

    e soba insgnia Netto no segmento hard discount ou discount25); (vii)

    Jernimo Martins (doravante JM, de insgnias grossista Recheio e retalhista

    Pingo Doce, de formato do tipo supermercado e que substituiu recentemente a

    anterior insgnia de hipermercados Feira Nova); (viii) Modelo Continente, do

    anterior Grupo Sonae Distribuio (doravante MC, de insgnias hipermercados

    Continente e supermercados ou lojas de menor dimenso Modelo, Modelo

    Bonjour e Modelo 24 M24 lojas de pequena dimenso localizadas, em

    grande parte, junto dos postos da petrolfera Galp); e (ix) Lidl (Grupo Schwarz).

    121. Os nove GGR detinham, em 2008, uma quota de cerca de 85% do valor total de

    vendas no retalho alimentar, com os dois maiores grupos representando uma

    quota conjunta de cerca de 45% deste total. O valor total de vendas no retalho

    alimentar ascendia, segundo estimativas da AdC, a cerca de 12.154,0 M

    (milhes de euros) em 2008, representando cerca de 7,3% do PIB. Este valor

    registou um aumento de cerca de 30% em relao ao ano de 2004, de 9.345,6

    M a esta data (cerca de 6,5% do PIB nesse ano). Refira-se, igualmente, que o

    conjunto dos nove GGR empregou, no ano de 2008, cerca de 57.000

    colaboradores dos quais cerca de 39.000 no conjunto dos dois principais GGR

    25 Entende-se por discount a distribuio no retalho caracterizada pela venda de produtos a muito baixo

    preo, em que muitos desses produtos so produtos da marca da distribuio (MDD, marcas do distribuidor ou marcas brancas), sendo os MDD produtos fabricados ou fornecidos por uma empresa e vendidos sob a insgnia do distribuidor. Os hard discount correspondem, usualmente, a lojas que vendem exclusivamente produtos MDD, tal como no caso do Grupo Aldi em Portugal. Atento o facto de as duas designaes se confundirem por vezes, adoptaremos no presente Relatrio a designao nica de discount.

  • Relaes Comerciais entre a Distribuio Alimentar e os seus Fornecedores (Relatrio Final)

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    , um aumento de cerca de 63% face ao valor do ano de 2004, de cerca de

    35.000 colaboradores26.

    122. Os principais produtos abrangidos pela aqui considerada actividade de

    distribuio so os denominados produtos de grande consumo, que podem ser

    subdivididos entre: (i) os produtos de grande consumo no duradouros

    tambm, designados por fast moving consumer goods (FMCG)27, na venda a

    retalho e no aprovisionamento -, que constituem o principal cabaz de bens

    comercializado nas lojas de formato supermercado (lojas entre 400 e 2500

    m2), e que englobam os bens alimentares de consumo corrente (produtos de

    mercearia, lcteos, carne, pescado e hortofrutcolas), bem como os produtos de

    higiene pessoal e de drogaria e bazar; e (ii) os produtos de grande consumo

    duradouros, que englobam, por exemplo, electrodomsticos, artigos de casa e

    jardim, artigos de desporto e vesturio.28

    123. Conforme referido supra o presente Relatrio tem como principal enfoque os

    bens alimentares de grande consumo. Todavia, atento o muito elevado nmero e

    variedade de bens alimentares comercializados pelos GGR, a presente anlise

    cinge-se a uma amostra destes bens, a saber: produtos lcteos (leite UHT,

    iogurtes, queijos e manteigas), arroz, massas alimentcias, farinhas lcteas e de

    uso culinrio, cereais de pequeno-almoo, bolachas, produtos de gordura vegetal

    (leos, azeites e margarinas), hortofrutcolas, as bebidas no alcolicas de alta

    rotao, e os cafs e sucedneos.

    26 Cf. Newsletter da APED, n. 57 Ranking 2008, Maio-Junho 2009, disponvel em

    http://www.aped.pt/Media/content/182_1_G.pdf. Refira-se que estes valores relativos ao nmero de colaboradores correspondem a estimativas conservadoras, atento o facto de as mesmas no contemplarem os Grupos ITMI e E. Leclerc e Aldi. Para efeitos de dimenso, em termos de nmero de colaboradores, poder-se-o dar como exemplos o Grupo JM com cerca de 25000 colaboradores (2009) o grupo Auchan com cerca de 8000 (2008) e o Dia%/Minipreo com cerca de 4000 (2009).

    27 A literatura anglo-saxnica utiliza a expresso groceries para designar este cabaz de produtos na

    distribuio alimentar. Tambm o INE e o IAPMEI englobam no cabaz alimentar produtos de higiene pessoal e os produtos de drogaria e bazar, representando este o principal cabaz de produtos comercializados nos supermercados (vide Captulo 4 infra). Por seu turno, a designao alternativa de FMCG considerada neste Relatrio utilizada por diversas entidades do sector, incluindo a Centromarca e a Nielsen (v.g., Scan Trends, Nielsen, n. 6, Setembro de 2009, p. 3).

    28 Contudo, a rea de negcio dos GGR estende-se para alm da comercializao destes produtos, por

    exemplo, a servios de reparao automvel e venda a retalho de combustveis lquidos rodovirios (gasleos e gasolinas) em postos de abastecimento.

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    124. O enfoque do Relatrio nestes produtos justifica-se: (i) pela importncia que tm

    no oramento das famlias, sendo que as respectivas categorias representam

    cerca de 40% do consumo familiar em bens de grande consumo no duradouros

    (i.e., no principal cabaz de produtos comercializados nos supermercados); (ii)

    pelas anlises, actualmente, em curso, aos nveis comunitrio e de diversos

    Estados Membros sobre o sector alimentar em geral, suscitadas pelos efeitos da

    recente crise que afectou o sector no trinio 2006-2008; e (iii) pelo facto de

    grande parte destes produtos ou das respectivas matrias-primas serem objecto

    de interveno ao abrigo da PAC.

    125. A natureza multi-servios (de diversas reas de negcio) e multi-produtos dos

    GGR, em conjunto com o elevado poder de compra destes Grupos junto dos seus

    fornecedores e com a localizao de parte das suas lojas (mormente, as de

    menor dimenso), em concorrncia directa com o comrcio tradicional, tem

    constitudo um srio desafio a este ltimo tipo de comrcio e, por conseguinte,

    ao canal grossista, fornecedor de referncia do comrcio tradicional.

    126. Os GGR assumem-se, hoje, como verdadeiros porteiros (gatekeepers, na

    terminologia anglo-saxnica) no acesso dos produtos da indstria

    transformadora alimentar e especializada ao consumidor final. Contudo, o

    crescente poder de mercado destes