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Relatório de realização de atividades Produtor Cultural Tibério César Macêdo Tabosa CPC nº 3190/12

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Relatório de realização de atividades

Produtor Cultural

Tibério César Macêdo Tabosa

CPC nº 3190/12

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Apresentação Este documento apresenta ao Governo do Estado de Pernambuco, por meio do Sistema de Incentivo à

Cultura Fundarpe/Funcultura, os resultados da pesquisa fomentada pelo projeto cultural Mapeamento

do Artesanato em Fibra no Litoral de Ponta de Pedras - Goiana - PE, inscrito sob o número 1907/15,

realizado entre junho de 2016 e abril de 2017.

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Agradecimentos Agradecemos inicialmente ao FUNCULTURA, pelo incentivo à pesquisa em artesanato neste projeto, e a todos aqueles que compartilharam gentilmente conosco suas memórias e relatos, fontes de informação imprescindíveis para a registro desta história: Maria Celina de Barros Carneiro – ex-diretora do Sesi Ponta de Pedras.

Juarez Vieira de Souza – pescador e mestre-artesão.

Lourenço Luna – mestre-artesão.

José Carlos Luna (Zezinho) – artesão.

Maria Adélia Tavares Luna – artesã e liderança do grupo Artesanato Cana-brava.

Nelzia Maria Pereira da Silva – mestre-artesã e instrutora.

Gilvanea Ferreira de Melo (Vaninha) – artesã

Manoel Bandeira dos Santos (Neco) – pescador e artesão.

Geilzon Pereira da Silva (Anun) – cortador e preparador de cana-brava

Norma Maria de Souza – ex-funcionária da Comar

Liliane Oliveira da Silva – coordenadora pedagógica do Senac/PE

Guiomar Albuquerque – gerente regional da mata norte do Senac/PE

Maria Fátima Gomes – gestora do projeto de artesanato, turismo e economia criativa do Sebrae/PE.

Ana Maria Andrade – coordenadora do Laboratório O Imaginário da UFPE.

Virgínia Cavalcanti – coordenadora do Laboratório O Imaginário da UFPE.

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Sumário

Apresentação .............................................................................................................................................. 2

Agradecimentos.......................................................................................................................................... 3

Sumário ...................................................................................................................................................... 4

Objetivo ...................................................................................................................................................... 7

Equipe Técnica ............................................................................................................................................ 8

Apresentação dos Pesquisadores ............................................................................................................... 9

Metodologia da Pesquisa ......................................................................................................................... 10

Estrutura Metodológica ................................................................................................................. 10

Análise Histórica ............................................................................................................................ 11

Técnicas de Pesquisa ................................................................................................................. 12

Coleta de documentos ............................................................................................................... 12

Entrevistas ................................................................................................................................. 13

Definição dos Entrevistados ....................................................................................................... 13

Observação direta...................................................................................................................... 14

Captura de Sons, Imagens ......................................................................................................... 14

Bases Teóricas da Pesquisa ...................................................................................................................... 15

Referências do IPHAN .................................................................................................................... 15

Referencial Cultural ................................................................................................................... 16

Categorias do INRC IPHAN ........................................................................................................ 16

Inventário Participativo do IPHAN ............................................................................................. 18

Apropriação Crítica de Recomendações do INRC e IP do IPHAN ................................................ 18

Contextualização – Goiana ....................................................................................................................... 20

Histórico .................................................................................................................................... 20

Área e População ....................................................................................................................... 20

Economia .................................................................................................................................. 21

Indicadores ................................................................................................................................ 21

Turismo ..................................................................................................................................... 22

Música ....................................................................................................................................... 22

Cinema ...................................................................................................................................... 22

Artesanato ................................................................................................................................. 22

Festas Populares ........................................................................................................................ 22

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Contextualização – Ponta de Pedras ........................................................................................................ 23

Histórico .................................................................................................................................... 23

Economia .................................................................................................................................. 23

Localização e População ............................................................................................................ 23

Turismo ..................................................................................................................................... 23

Trajetória do artesanato em cana-brava .................................................................................................. 24

1. Apresentação dos envolvidos .......................................................................................................... 25

Seu Juarez ..................................................................................................................................... 25

Lourenço e Zezinho ....................................................................................................................... 27

Neco .............................................................................................................................................. 29

Anun .............................................................................................................................................. 30

Nelzia ............................................................................................................................................ 31

Vaninha ......................................................................................................................................... 32

Adélia ............................................................................................................................................ 33

2. Artesanato em fibra de Cana-brava ................................................................................................. 35

Trançado ....................................................................................................................................... 35

Repasse da técnica ......................................................................................................................... 37

Etapas de Produção ....................................................................................................................... 40

Corte da cana ............................................................................................................................. 40

Raspagem .................................................................................................................................. 41

Trançado ................................................................................................................................... 42

Arremate ................................................................................................................................... 43

Ferramentas .................................................................................................................................. 43

Covo .............................................................................................................................................. 45

Pesca ............................................................................................................................................. 48

Peças ............................................................................................................................................. 51

Criatividade ................................................................................................................................... 54

Cana-brava .................................................................................................................................... 54

Local de extração ....................................................................................................................... 55

Corte ......................................................................................................................................... 56

Tipos .......................................................................................................................................... 57

Preços ........................................................................................................................................ 58

Sustentabilidade ........................................................................................................................ 58

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Diferenças e transformações .......................................................................................................... 59

Mercado ........................................................................................................................................ 60

Significados ................................................................................................................................... 61

Mestres .......................................................................................................................................... 62

Perspectivas................................................................................................................................... 62

3. Relações institucionais ..................................................................................................................... 64

Sesi ................................................................................................................................................ 64

Comar ............................................................................................................................................ 66

Fenearte ........................................................................................................................................ 68

Artesanato Cana-Brava .................................................................................................................. 69

UFPE/Laboratório O Imaginário ..................................................................................................... 72

Sebrae ........................................................................................................................................... 74

Senac ............................................................................................................................................. 75

Linha do Tempo ........................................................................................................................................ 78

Análise do Resultado da Pesquisa ............................................................................................................ 79

Divulgação ................................................................................................................................................ 81

Conclusões ................................................................................................................................................ 84

Bibliografia ................................................................................................................................................ 85

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Objetivo A proposta deste projeto cultural foi de mapear o artesanato em fibra de cana-brava praticado no

litoral de Ponta de Pedras, localizado em Goiana - PE. A pesquisa se refere à história do trançado a

partir dos principais eventos emblemáticos ocorridos ao longo do tempo, através da memória de

mestres artesãos e de suas técnicas tradicionais de produção.

A ação visou:

Identificar os artesãos emblemáticos, reconhecidos como mestres entre seus pares e cuja

obra seja representativa da tradição do trançado em fibra de cana-brava;

Registrar a história da técnica;

Registrar os modos de fazer tradicional;

Contribuir para a preservação e continuidade dos saberes e fazeres da localidade

Disponibilizar as informações para o público em geral e pesquisadores do assunto;

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Equipe Técnica

Produtor Executivo

Tibério César Macêdo Tabosa

Pesquisadores

Laboratório O Imaginário

Erimar José Dias e Cordeiro

Virgínia Pereira Cavalcanti

Novos Rumos: Consultoria, Facilitação de Processos e Pesquisas

Tibério César Macêdo Tabosa

Colaboradores

Ana Carolina dos Reis Silva

Ana Maria Queiroz de Andrade

Danyelle do Nascimento Marques

Felipe Rodrigues Soares

Vinícius Simões Botelho

Manuela Roberta dos Santos Pinto

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Apresentação dos Pesquisadores

Laboratório O Imaginário

O Laboratório de pesquisa e design O Imaginário é vinculado à Universidade Federal de

Pernambuco [Departamentos de Design e de Cultura], formado por professores, estudantes e

técnicos de diversas áreas do conhecimento, que atuam com foco no design como

instrumento a serviço da sustentabilidade ambiental, econômica e social. Quando direcionado

à produção artesanal, as ações do laboratório visam contribuir para firmar a atividade

artesanal enquanto meio de vida sustentável, através de intervenções que respeitem os

valores culturais das comunidades produtoras de artesanato.

Com atuação na localidade desde o ano de 2003, desenvolveu uma série de ações junto aos

artesãos e outros parceiros, para definir uma estratégia de abordagem que fortalecesse a

produção artesanal do Artesanato Cana-Brava.

Novos Rumos: Consultoria, Facilitação de Processos e Pesquisas

A Novos Rumos é uma empresa constituída em 2015 que tem por objetivo social realizar

atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas de ciências sociais e humanas, assim

como a prestação de serviços de assessoria e consultoria voltadas ao campo da economia

criativa, cultura e artes. A empresa assume a experiência e o portfólio de serviços executados

pelo seu sócio proprietário, Tibério Tabosa.

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Metodologia da Pesquisa

A metodologia de abordagem selecionada para esta pesquisa foi a dialética, uma vez que é

considerada conveniente para o estudo da realidade social, pois fornece as bases para uma

interpretação mais dinâmica e totalizante da realidade (DEMO, 1995). A dialética considera que a

pesquisa sobre fenômenos e fatos sociais precisa necessariamente considerar o contexto de entorno,

como os condicionantes históricas, políticas, econômicas e sociais.

Como métodos de procedimento, foram adotados o histórico e o estudo de caso. O método histórico

se debruça sobre o estudo de acontecimentos e processos do passado para inferir sobre o panorama

atual. No caso dessa pesquisa, a reconstituição da história do litoral de Ponta de Pedras é fundamental

para compreender o movimento social de transformação da atividade artesanal na localidade, inclusive

sobre questões de gênero, decorrentes do envolvimento de mulheres na atividade e a formação do

novo grupo. A linha do tempo foi estruturada por meio das informações levantadas em documentação,

observações em campo e depoimentos orais. A memória histórica contemplou período entre 1940 e os

dias atuais.

O estudo de caso foi utilizado para circundar os fatos e fenômenos, neste caso, a comunidade artesã

do litoral de Ponta de Pedras – Goiana-PE. O Estudo de Caso se caracteriza pela capacidade de lidar

com uma completa variedade de evidências - documentos, artefatos, entrevistas e observações (YIN,

2001). Neste recorte específico, a pesquisa lida com fatos do passado e eventos contemporâneos

observados e registrados através de observações diretas e entrevistas.

Estrutura Metodológica Para cada meta, estão descritas as ações, estratégias e técnicas de pesquisa.

Meta 1 - Levantamento dos principais mestres e artesãos (pelo menos 03 – três) e suas técnicas

tradicionais

Etapa 01 - Rastrear os principais mestres da história do artesanato em fibra do litoral de Ponta

de Pedras, especificamente formadores e membros do Centro Cultural José Romualdo

Maranhão;

Etapa 02 - Identificar a origem de suas técnicas tradicionais de produção;

Etapa 03 - Selecionar os mestres que contribuíram para a formação da história do lugar;

Tipos e estratégias de pesquisa:

Pesquisa bibliográfica (livros, artigos e periódicos especializados);

Pesquisa documental (Arquivos, instituições, etc.);

Pesquisa de campo (observação direta e entrevistas).

Meta 2 - Registro da história de constituição do espaço em documento digital (áudio e vídeo)

Etapa 04 - Levantar a história dos mestres e seu legado;

Etapa 05 - Registrar, por meio de registro oral e por imagem, as histórias dos mestres e do

lugar;

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Tipos e estratégias de pesquisa:

Pesquisa ou estudo de campo (observação direta e entrevistas);

Registro em áudio e vídeo;

Meta 3 - Registro das formas das técnicas e fazer tradicional em fibra de cana-brava em documento

digital (áudio e vídeo)

Etapa 06 - Levantar através de registro oral e por imagem as técnicas de produção artesanal

dos mestres e seu legado;

Etapa 07 - Registrar o fazer artesanal e suas técnicas de produção;

Tipos e estratégias de pesquisa:

Pesquisa ou estudo de campo;

Registro fotográfico e em vídeo;

Pesquisa-ação (análise da tarefa).

Meta 4 - Disponibilização das informações para o público em geral e pesquisadores do assunto

Etapa 08 - Sistematização das informações;

Etapa 09 - Redação do relatório;

Etapa 10 - Disponibilização do relatório em formato digital.

Tipos e estratégias de pesquisa:

Modelagem do sistema de informação;

Formatação do documento.

Análise Histórica Segundo Freitas (2006), história oral é um método de pesquisa que utiliza a técnica de entrevista e

outros procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da experiência humana. Sua

principal técnica de coleta de dados é a entrevista de história oral, de onde se obtém depoimentos dos

entrevistados.

Segundo Vergara (2008), algumas das principais características das entrevistas de história oral são as

seguintes:

Permite reconstituir redes de relação, padrões de socialização, trajetórias de instituições, de

comunidades e de indivíduos (a pesquisa em foco, considera o artesanato em fibra de cana-

brava e suas transformações ao longo da cadeia de criação, produção, disseminação,

distribuição, consumo e fruição);

Privilegia a recuperação do vivido, conforme concebido por quem viveu;

Requer do pesquisador experiência e conhecimento prévio sobre a temática ou a história de

vida do entrevistado, na medida em que o resultado da entrevista é construído pelo

entrevistador e pelo entrevistado. Além disso, exige sensibilidade para captar temas

emergentes, que podem ser relevantes para os propósitos da pesquisa;

Há o risco do entrevistado evitar determinados temas, em virtude de seu depoimento estar

sendo gravado.

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Os entrevistados foram selecionados através da técnica da “bola de neve”, onde partindo de um

universo pré-definido de entrevistados, é possível construir uma rede de indicações sucessivas até que

ter a saturação/repetição de indicações, fechando assim, o circuito das entrevistas. Estes entrevistados

em seus distintos papéis (artesãos, mestres, coletores de cana-brava, pescadores que utilizam ou

utilizaram covos, representantes de instituições envolvidas direta ou indiretamente com o uso e as

transformações da cana-brava) ao contarem um pouco de si, do local, de suas histórias, das formas de

fazer, organizar e colaborar e dos relatos das transformações e das utilizações ocorridas com a fibra da

cana-brava ao narrar suas lembranças; não estão apenas construindo suas memórias particulares, mas

a memória coletiva do lugar, da matéria prima, das técnicas, do universo (do mundo, do território, dos

lugares) e dos grupos sociais aos quais pertence ou pertenceram.

Essa articulação entre a memória individual e coletiva é explicada por Halbwachs (1990), que entende a

memória como resultado da relação dos indivíduos em seus grupos sociais. Ao invés de estudar a

memória em si, isolando o indivíduo e colocando-o cada vez mais distante do social, Halbwachs

propõe-se a analisar os “quadros sociais”. A lembrança individual passa a estar relacionada com os

grupos e instituições às quais o indivíduo pertence ou pertenceram, dentre esses, a família, a classe

social, a escola, a igreja e o trabalho.

Diante disso, o que se percebe é que quando lembramos é porque os outros nos fazem lembrar, pois

na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, é refazer, reconstruir, repensar, ressignificar com

imagens e ideias de hoje as experiências do passado. Pinezi et al (2014) considera que a menor

alteração do ambiente atinge a qualidade da memória e amarra a memória da pessoa à do grupo; e,

ainda, que a linguagem é o instrumento decisivamente socializador da memória.

Como fatos e fenômenos importantes, a prática da pesquisa e a validação contínua junto aos

entrevistados ao longo do processo com entrevistas e reuniões, permitiu considerar os fatos

relevantes, os principais atores sociais individuais ou coletivos envolvidos, os impactos e resultados, o

portfólio de produtos decorrentes, as contradições, os problemas enfrentados, os modos de

transformação da fibra da cana-brava: coleta, criação de artefatos, modos de fazer, formas de

organização, técnicas utilizadas e o acesso ao mercado (interno e externo).

Técnicas de Pesquisa Para a realização das ações realizadas na pesquisa de campo foram utilizadas algumas técnicas de

pesquisa: coleta de documentos/artefatos históricos, entrevistas utilizando o processo da “bola de

neve”, observação direta e captura de sons e imagens.

Coleta de documentos Fonte de coleta restrita a documentos sendo de suma importância ao estudo de caso, pois pode ser útil

a todos os tópicos e assumir muitas formas: revistas, jornais, relatórios internos, folders, cartas,

memorandos, fotografias, entre outros. Os documentos adquiridos auxiliaram no processo de

aquisição das informações e imagens sobre os aspectos culturais, enfocando a história.

Dentro do método de procedimento histórico utilizado nesta pesquisa, foi feita uma pesquisa

bibliográfica (livros, artigos e publicações acadêmicas) e documental (base de dados do Laboratório O

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Imaginário, internet, arquivos de instituições), como defendido por CAUDE (2001). De posse desta base

foram realizadas entrevistas semiestruturadas; o objetivo foi a construção de um espaço de valorização

das narrativas dos entrevistados.

Entrevistas Definida como um procedimento interrogativo trata-se do encontro entre entrevistado e

entrevistador, para obter informações sobre determinado assunto. Para estas entrevistas, foram

utilizados questionários/check lists e gravações de som (imagens em alguns casos) para suporte da

etapa da análise de conteúdo.

Foi estabelecida uma estrutura de perguntas de forma a conduzir uma entrevista semiestruturada e

um roteiro de gravações, conciliando locais mais adequados e horários disponíveis dos entrevistados.

As entrevistas com os mestres em atuação ou aposentados (selecionados por escolha entre seus pares)

formaram a linha-mestra desta pesquisa, contando os seus envolvimentos com a fibra cana-brava e a

trajetória profissional de cada um (biografia, técnicas, organização do trabalho, significados atribuídos

ao trabalho, a formação de novos artífices, o portfólio de produtos etc.), cruzando marcos históricos

em comum e elencando as diferenças e as contradições.

Foi perguntado a todos os entrevistados qual a visão de futuro que tinham, para si e para o trançado

com cana-brava. Além dos mestres, também foram entrevistadas outras pessoas envolvidas na cadeia

produtiva do artesanato com a fibra cana-brava de hoje e do passado.

Definição dos Entrevistados A partir da fase de documentação foram definidos os mestres atuais e do passado no manejo da fibra

cana-brava em suas diversas aplicações artesanais – covos, peças utilitárias e decorativas. A definição

dos próximos entrevistados se deu de forma natural pelas indicações do processo “bola de neve” e na

medida do aprofundamento sobre a cadeia de criação, produção e consumo do uso da fibra de cana-

brava.

Para a definição dos mestres, a pesquisa seguiu o que recomendam Fisher e Soares (2010), que

afirmam que estes se caracterizam por possuir os conhecimentos e as técnicas necessárias para a

produção, preservação e repasse das artes e ofícios enraizados no cotidiano de sua comunidade, sendo

reconhecido no local onde vivem e por outros setores culturais.

Com base nos depoimentos dos artesãos e pelo cruzamento de referências, foram entrevistados

quatro mestres: Zezinho, Lourenço, Nelzia e Juarez (reconhecido como precursor da atividade),

fazendo registro de suas histórias, portfólio de artefatos, técnicas, ferramentas e organização da

produção.

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Observação direta Conduz à observação realizada diretamente no local investigado, sendo útil para fornecer informações

adicionais. A observação direta esteve presente em todos os momentos da pesquisa junto à

comunidade, auxiliando no registro das informações de cada etapa.

Captura de Sons, Imagens Ao longo do processo de pesquisa foram realizadas entrevistas, em que foram registradas por meio de

fotos, vídeos e gravações de áudio, sempre com a autorização dos entrevistados. Estes registros

permitem a realização de leituras das experiências vividas, dos conflitos, das representações e dos

imaginários. Além disso, a captura dos audiovisuais foi frequente, não apenas como registro dos

trabalhos de campo, mas também como formas alternativas de construção de narrativas sensíveis

sobre o universo cultural investigado. (BAUER, 2008).

O autor Canevacci (2001), baseado nas imagens e nos sons, propõe a construção de uma metodologia

que dê conta das “biografias culturais” dos lugares e dos atores sociais que os habitam ou frequentam.

Por sua vez, Martins (2008) elabora por meio de suas leituras imagéticas, uma reflexão metodológica

que aponta indícios de relações e representações sociais que articulam atores sociais e seus

repertórios, passados e presentes.

As pesquisas e levantamentos foram validados pela equipe de pesquisa, considerando os

entrevistados, investidos de seus diversos papéis ao longo de todo o processo, por meio do confronto

entre as informações prestadas durante as entrevistas.

Nos registros de produção de artefatos artesanais históricos durante a entrevista foi solicitado que os

mestres executassem o passo a passo ou alguma etapa (no caso dos idosos) do processo produtivo, e

quando disponíveis, coletamos peças emblemáticas para registro fotográfico. Em todos os casos a

equipe de pesquisadores fez a observação e o registro cuidadosos e comentados dos modos de fazer e

suas respectivas técnicas, assim como o processo de coleta e processamento da fibra cana-brava.

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Bases Teóricas da Pesquisa

Referências do IPHAN Para a formatação de um check list para a pesquisa histórica se tomou como base, com as reservas

devidas, conteúdo do INRC (Inventário Nacional das Referências Culturais) e do IP (Inventários

Participativos) do IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que foram submetidos

a uma triagem crítica de adequação ao objeto de pesquisa. Considerando que não se busca o

reconhecimento de um patrimônio e sim a utilização de referências culturais induzidas por significados

como elementos inspiradores de novas visões para o mapeando da produção artesanal com fibra da

cana-brava no litoral de Ponta de Pedras.

A diferença fundamental em relação ao enfoque operacional do IPHAN é que essa pesquisa histórica

trata de uma matéria prima na forma primária como se apresenta na natureza e de sua transformação

por agentes sociais em artefatos específicos, imersos no mundo da cultura, em uma cadeia produtiva

pré-definida, e não com a identificação e registro de manifestações ou artefatos culturais com

relevância para uma comunidade, de acordo com a necessária avaliação comunitária, de que trata a

essencialmente a patrimonialização, foco dos trabalhos do IPHAN.

O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) MinC IPHAN (2000) é uma metodologia de

pesquisa desenvolvida pelo IPHAN que objetiva auxiliar na produção de conhecimento e

diagnósticos sobre os domínios da vida social (artefatos, linguagens e manifestações culturais) aos

quais são atribuídos sentidos e valores que constituem referências de identidade para os grupos

sociais.

O INRC do IPHAN estabelece que apreender referências culturais significativas para um determinado

grupo social pressupõe não apenas um trabalho de pesquisa, documentação e análise, como também a

consciência de que possivelmente se produzirão leituras, versões do contexto cultural em causa,

diferenciadas e talvez até contraditórias – já que dificilmente se estará lidando com uma comunidade

homogênea. Reconhecer essa diversidade não significa que não se possa avaliar, distinguir e

hierarquizar o saber produzido. Haverá sempre referências que serão mais marcadas e/ou

significativas, seja pelo valor material, seja pelo valor simbólico envolvido.

Por outro lado, bens aparentemente insignificantes podem ser fundamentais para a construção da

identidade social de uma comunidade, de uma cidade, de um grupo étnico, etc. (FONSECA, 2000)

O processo de trabalho do INRC pressupõe etapas, a saber: Levantamento Preliminar – definição da

área a ser inventariada, sua subdivisão em Localidades; Reunião e Sistematização das Informações de

fontes primárias e secundárias disponíveis.

Objetiva-se, então, levantar a bibliografia disponível, a exemplo de livros, revistas, jornais, catálogos,

redes sociais, fotos e vídeos. Este material pode estar disponível em centros culturais, bibliotecas,

museus, instituições e em entrevistas.

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Os conceitos-chave desta pesquisa são:

Formas de Expressões Culturais (musicais, lúdicas, plásticas, cênicas etc.)

Patrimônio Material e Imaterial (definido pelo IPHAN em 2000)

Virada Epistemológica (Introdução do conceito de referências culturais na constituição de

1988, com foco na democratização)

Dinâmica Cultural (dicotomia entre manter e transformar com vistas a sobrevivência)

Continuidade e Ruptura das Tradições (características e práticas esquecidas ou retomadas)

Perspectiva Transversal: Pela consideração das Chaves (Inclusão, exceção, exclusão e

transformação)

Os Bens culturais são portadores de ação, memória, identidade, referência cultural e

visualização imagética do objeto e das manifestações.

Dimensão Patrimonializável do Artefato/ Manifestação Cultural é a dimensão pública da

cultura, “realidades” que os grupos sociais explicitam. E, de certo modo

ostentam marcando simbolicamente diferenças indicativas de suas identidades.

As Representações são práticas discursivas.

Referencial Cultural São edificações e são paisagens naturais. São também as artes, os ofícios, as formas de expressão e os

modos de fazer. São as festas e os lugares a que a memória e a vida social atribuem sentido diferenciado:

são consideradas como as mais belas, são as mais lembradas, as mais queridas. São fatos, atividades e

objetos que mobilizam a gente mais próxima e que reaproximam os que estão longe, para que reviva o

sentimento de participar e pertencer a um grupo, de possuir um lugar.

Em suma, referências são objetos, práticas e lugares apropriados pela cultura na construção de sentidos

de identidade. São o que popularmente se chama de “raiz” de uma cultura.

Para as operações de desempenho e visita ao campo, são observadas as seguintes características

principais:

Formas de comunicação e sociabilidade (o grupo de pessoas e a coletividade são envolvidos).

Narrativas e discursos (as diferentes versões em conflito no processo de significação)

Dimensão patrimonial (as referências culturais e seus significados)

Lugares de ocorrência (as formas como o território é utilizado e valorizado)

Edificações referenciais (as utilizadas no dia a dia, nas crenças e nas atividades de trabalho).

Categorias do INRC IPHAN

Celebrações

Incluem-se os principais ritos e festividades associados à religião, à civilidade, aos ciclos do calendário,

etc. São ocasiões diferenciadas de sociabilidade, envolvendo práticas complexas com suas regras

específicas de distribuição de papéis, a preparação e o consumo de comida, bebidas, a produção de um

vestuário específico, a ornamentação de determinados locais, o uso de objetos especiais, a execução de

música, orações, danças etc. São atividades que participam fortemente da produção de sentidos

específicos de lugar e território.

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Formas de Expressão

São formas não linguísticas de comunicação associadas a determinado grupo social ou região,

desenvolvidas por atores sociais (individuais ou grupais) reconhecidos pela comunidade e em relação às

quais o costume define normas, expectativas, padrões de qualidade etc. Ex: O cordel, a cantoria, a

xilogravura, a cerâmica figurativa do vale do Jequitinhonha etc. São levantados/reconhecidos não as

linguagens em abstrato, mas o modo como elas são postas em prática por determinados executantes.

Ofícios e Modos de fazer

Atividades desenvolvidas por atores sociais (especialistas) reconhecidos como conhecedores de

atividades e matérias-primas que identifiquem um grupo social ou uma localidade. Refere-se à produção

de objetos e à prestação de serviços que tenham sentidos práticos ou rituais, indistintamente. Os modos

de fazer mão são levantados/reconhecidos em abstrato, mas através da pratica de determinados

executantes.

Muitos objetos são de uso cotidiano e podem estar nas casas, nas ruas, na escola, nos locais de culto.

Podem servir como instrumentos de trabalho, utensílios domésticos, objetos decorativos ou adquirir

sentidos específicos. Nesse processo, são utilizadas matérias-primas, técnicas e conhecimentos

tradicionais compartilhados pelo grupo.

Equipamentos profissionais, como barcos, carroças, ferramentas de artesãos, podem ser fortemente

associados aos grupos sociais que os utilizam, ou a uma época em que foi muito importante. Por isso,

acabam ganhando um valor especial, mesmo que já nem sejam utilizados. Por vezes, os objetos também

podem ser criados com intenção artística sem qualquer finalidade utilitária. Em geral, ao se chamar um

objeto de “artístico” se quer dizer que ele já foi pensado com uma preocupação de provocar os sentidos,

proporcionando experiências agradáveis, como admiração, encanto ou ainda outras reações, como

espanto, surpresa, indignação etc. Ex. Pinturas de Cândido Portinari, as peças de barro de Vitalino e os

grafites urbanos.

Edificações

Em diversos casos, estruturas de pedra e cal estão associadas a determinados usos, a significações

históricas e de memória ou às imagens que se tem de determinados lugares. Essas representações se

tornam bens de interesse diferenciado para determinados grupo sociais, muitas vezes

independentemente de sua qualidade arquitetônica ou artística. Nesses casos, além dos aspectos físico-

arquitetônicos, são relevantes do ponto de vista do patrimônio as representações sociais a elas

associadas, nas narrativas que conservam a seu respeito, eventualmente os bens móveis que eles

abrigam, determinados usos que neles se desenvolvem. Esta categoria integra tanto edifícios

emblemáticos, como outros de significação mais localizada.

Lugares

Toda atividade humana produz sentido de lugar. Alguns territórios, ou parte deles, podem ter

significados especiais. Esses significados costumam estar associados à forma como o território é utilizado

ou valorizado por um certo grupo de pessoas; são as experiências dessas pessoas que dão sentido

especial ao lugar. São espaços apropriados por práticas e atividades de natureza variadas (Ex.: trabalho,

comércio, lazer, religião, política, etc.). Essa densidade diferenciada quanto a atividades e sentidos

obrigados por esses lugares constitui a sua centralidade ou excepcionalidade para a cultura local,

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atributos que são reconhecidos e tematizados em representações simbólicas e narrativas. Do ponto de

vista físico, arquitetônico e urbanístico, esses lugares podem ser identificados e delimitados pelos

marcos e trajetos desenvolvidos pela população nas atividades que lhes são próprias. Eles podem ser

conceituados com lugares focais da vida social de uma localidade. Pode ser um rio, uma praça, uma

construção, um bosque, ou mesmo um conjunto desses elementos (uma paisagem inteira).

Inventário Participativo do IPHAN O Inventário Participativo (IP) do IPHAN, outra fonte de referência para esta a pesquisa, é uma

plataforma simplificada do INRC. É de acesso livre e tem como objetivos principais fomentar no leitor a

discussão sobre o patrimônio cultural, assim como, estimular que a própria comunidade busque

identificar e valorizar suas referências culturais.

Apropriação Crítica de Recomendações do INRC e IP do IPHAN Para a esta pesquisa, foram utilizadas as seguintes recomendações do IPHAN:

Cabe aos pesquisadores informar aos envolvidos na pesquisa, durante todo o processo de

trabalho, a que se destinam as informações levantadas, quais os direitos envolvidos neste

processo e quais os benefícios decorrentes do trabalho.

O objetivo principal desta pesquisa é construir um mapeamento dos fatos, acontecimentos e

resquícios (de lugares ou edificações) e das pessoas envolvidas com o objeto de pesquisa

Os entrevistadores e pesquisadores devem buscar conhecer o máximo possível sobre o objeto

de estudo antes de visitar os lugares, as instituições e as pessoas que vão participar ou ajudar a

sua realização.

A entrevista servirá para compreender a relação do entrevistado com o objeto da pesquisa.

Deve-se buscar questões importantes, como: a idade com que a pessoa se envolveu com o

objeto da pesquisa; como era o objeto da pesquisa na época em que ela a conheceu; quais

foram às transformações pelas quais passou ao longo dos anos.

Logo ao início das entrevistas, é necessário solicitar ao entrevistado a autorização para a

veiculação de sua entrevista. Também deve ser assinado um termo de autorização de uso de

imagem.

Deve-se respeitar as particularidades quanto aos tempos de fala de cada entrevistado.

Quando o assunto é cultural, principalmente, não existe apenas uma versão sobre as coisas e

os fatos. As pessoas podem ter diferentes informações sobre o mesmo objeto de estudo e,

dependendo das suas relações (posicionamento econômico, ideológico ou de poder) com o

objeto de estudo, podem ter até versões contraditórias. Quanto mais informações e versões

forem obtidas, mais profundo será o conhecimento sobre o objeto de estudo e a sua relevância

para as pessoas, os seus significados atribuídos, seus papéis sociais e a sua importância para a

comunidade.

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Entrevistar pessoas de diferentes idades. Jovens, adultos e idosos podem revelar informações

sobre as transformações do objeto de estudo.

Buscar entrevistar várias pessoas (que desempenham ou desempenharam vários papéis) sobre

o mesmo objeto de estudo, para obter diversas opiniões, historias, significados e funções

atribuídas ao seu objeto de estudo (IPHAN, 2000, 2016; com adaptações pelos pesquisadores).

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Contextualização – Goiana Histórico O município foi habitado, antes da presença dos brancos “civilizados”, pelos índios Tabajaras e Caetés,

tendo iniciado seu processo de colonização provavelmente em 1534, que inicialmente se localizou no

lote doado pelo Rei de Portugal a Pero Lopes de Souza, fazendo parte da Capitania de Itamaracá, como

sua capital. Mais tarde, por incorporação, uma das cidades mais importantes da Capitania de

Pernambuco.

Durante o século XIX, as atividades comerciais do município tiveram grande importância devido ao

movimento do seu porto fluvial, construído para pequenas e médias embarcações, a cerca de 9

quilômetros da costa, por onde eram escoadas as mercadorias oriundas do interior do estado.

A denominação do município aparece pela primeira vez em 1952 - nos catálogos da Companhia de

Jesus, como aldeia de Gueena. Em 1606, no mesmo documento a grafia foi modificada para Goyana e

depois Goiana.

Em tupi a palavra Goiana significa “gente estimada”, conforme afirmam alguns estudiosos. Alguns

filólogos divergem e dizem ter o significado de “mistura ou parente”, já o Frei Vicente de Salvador,

1927 definiu como sendo “porto ou ancoradouro”.

Área e População O município tem aproximadamente 445,814 km², o que representa 0,45% da área do estado de

Pernambuco e densidade demográfica de 150,72 habitantes/km². As percentagens da população por

faixa etária e sexo com o comparativo ao estado são apresentados na Figura 1. O município se divide

em distritos: a sede (centro de Goiana) e as áreas litorâneas, Ponta de Pedras e Tejucupapo.

Figura 1. Distribuição Populacional do Município e do Estado

Fonte: IBGE 2010 e representação gráfica dos Pesquisadores, 2016

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A esperança de vida ao nascer é de 71,7 anos, 2,14% menor que a esperança do Estado de Pernambuco

e 5,24% menor que a esperança de vida do Brasil. As percentagens do grau de escolaridade por faixa

etária e o comparativo ao estado são apresentados na Figura 2.

Figura 2. Segmentação de escolaridade do Município e do Estado Fonte: IBGE 2010 e representação gráfica dos Pesquisadores, 2016

Economia Goiana produz cimento, automóveis, vidros planos, hemoderivados, embalagens de papelão, produtos

da biotecnologia, dentre outros. Além de ter um comércio muito movimentado e com feiras livres

todos os dias, o município é destaque nas lavouras de cana-de-açúcar e coco-da-baía e é o maior

produtor de pescados do Estado. O crescimento da economia acelerou depois da criação do Distrito

Industrial.

Segundo dados do Portal da Transparência, a transferência de renda diretamente às famílias do

município atendidas pelo Programa Bolsa Família em 2010 foi de R$ 10.507.053,00, o que equivale a

17,92% do total de recursos destinados a ações governamentais no município de Goiana e 1,42% do

seu Produto Interno Bruto no referido ano. O número de pessoas beneficiadas pelo Programa neste

ano foi de 9.961 pessoas, representando 13,17% da população total do município.

Indicadores Ocupando a 14º posição no ranking dos municípios de Pernambuco, o Produto Interno Bruto (PIB) per

capita de Goiana em 2010 foi de R$ 9.765,00, o que representa 74,32% do observado no Estado. O IDH,

com seus desdobramentos, e o comparativo com relação à média do Estado, são apresentados na

Figura 3.

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Figura 3. Índice de Desenvolvimento Humano do Município e do Estado Fonte: IBGE 2010 e representação gráfica dos Pesquisadores, 2016

Turismo Goiana possui orla marítima com cerca de 18 km de extensão banhada pelo Oceano Atlântico. Suas

principais praias: Carne de Vaca, Tabatinga, Pontas de Pedra, Catuama, Barra de Catuama, Atapuz.

O Centro Histórico de Goiana possui oito igrejas tombadas pelo IPHAN, desde 1938, além de outros

prédios seculares. As principais igrejas são: Nossa Senhora dos Homens Pretos, Nossa Senhora do

Carmo/Conjunto do Carmo, Matriz do Homens Brancos. A igreja mais importante fora do centro da

cidade é a Igreja de São Lourenço em Tejucupapo, que é considerada uma das igrejas mais antigas de

Pernambuco. Outros pontos turísticos relevantes são o Restaurante Buraco da Gia, a casa de Zé do

Carmo e o Ecoparque Aparauá.

Música Possui duas bandas musicais centenárias, a Saboeira e a Curica: as mais antigas bandas da América

Latina em atividade.

Cinema Um dos prédios mais conhecidos do Município, o Cine-Teatro foi construído em 1914, porém passou

alguns anos sem funcionamento. Em 2010 foi reformado e reativado. Atualmente é um espaço

multiuso e possui capacidade para 220 pessoas.

Artesanato Zé do Carmo - destaque e reconhecimento no estado. Sua obra mais conhecida é o anjo cangaceiro.

Cestaria em Cana-brava: Cestaria Luna e Grupo Artesanato Cana-brava | Ponta de Pedras

Acessórios com conchas e mariscos: Quilombolas de São Lourenço.

Festas Populares Carnaval: Possui como principal atração os caboclinhos, sendo os grupos mais conhecidos o Caetés, o

Sete Flexas e Tabajaras. A referência singular é presença das burras de carnaval.

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Contextualização – Ponta de Pedras Histórico Inicialmente ocupada por índios, Ponta de Pedras originou-se de um dos mais antigos núcleos de

colonização da região. Em 20 de dezembro de 1963 foi desmembrada do município de Goiana, através

da Lei Estadual nº 4950 - sendo elevado à categoria de município, porém em 27 de agosto de 1964, por

decisão do Tribunal de Justiça, o município de Ponta de Pedras foi extinto e seu território

reincorporado ao município de Goiana, voltando a ser distrito – como permanece até hoje.

Economia O distrito possui uma pequena área comercial e uma rede de pousadas, além de diversos restaurantes.

O período mais lucrativo para o comércio é o verão, quando o distrito recebe um grande número de

turistas vindos principalmente de Centro de Goiana, Região Metropolitana do Recife e João Pessoa/PB.

Localização e População Ponta de Pedras está localizada no oeste do Município de Goiana, a 30km de distância do Centro de

Goiana e a 75km da capital do Estado, Recife. O distrito é o ponto extremo leste do Estado de

Pernambuco e o segundo das Américas no Oceano Atlântico. Sua população está estimada em 8.000

habitantes, conforme dados do IBGE em 2010.

Figura 4. Praça de Ponta de Pedras

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Turismo A praia de Ponta de Pedras é a mais frequentada do município, outros atrativos são as praias de Carne

de Vaca e Catuama. Recebe milhares de visitantes durante o verão e em épocas festivas, como

carnaval e final de ano. O parque ecológico Aparauá Ecoaventura também é ponto de visita de muitos

turistas.

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Trajetória do artesanato em cana-brava A história da produção de artefatos artesanais em Ponta de Pedras está intimamente ligada à produção

dos covos, armadilhas de pesca muito utilizadas na região. A história destes covos e seu trançado é

ampla e indefinida. Atribuída por alguns como herança indígena, o covo de fibra em fibra de cana-

brava é característico de Ponta de Pedras. Apesar disto, outros artefatos com o mesmo nome e função

de pesca passiva também são localizados internacionalmente em Portugal (que seria uma forma

alternativa de chegada ao Brasil), Estados Unidos e países asiáticos, como Indonésia e Filipinas, além de

outras áreas do Brasil, como Rio de Janeiro. De certo, é que todas estas ocorrências se baseiam em

localidades pesqueiras, seja para pesca de lagosta, caranguejo ou peixes. Estas diversas variações

utilizam outros formatos e/ou outros materiais. Em alguns casos, o mesmo trançado é utilizado, mas

com fibras naturais de outras matérias-primas.

O enfoque desta pesquisa é a transição deste trançado de confecção e acabamento ainda rústico,

utilizado para confecção de covos de pesca, para um trançado de acabamento mais refinado, utilizado

no artesanato de cestas e derivados. A pesquisa contemplou prioritariamente o litoral de Ponta de

Pedras, com algumas inserções nos arredores, como Tejucupapo e Povoação de São Lourenço.

Para construção da pesquisa, foram entrevistados vários conhecedores do trançado em fibra de cana-

brava, sejam pescadores, artesãos, cortadores da cana-brava e pessoas de instituições que estão ou

estiveram ligadas à cadeia produtiva do artesanato em fibra de cana-brava. Na grande maioria dos

depoimentos, a convergência das informações nos apontam Seu Juarez como o mais antigo artesão do

trançado em fibra de cana-brava para peças utilitárias, além do covo. A partir de sua história, está

estabelecida a cronologia até os dias atuais com a inserção de outros relevantes participantes desta

cadeia produtiva.

Para facilitar a compreensão de termos utilizados no decorrer deste relatório, faz-se necessário

apresentar o covo e suas partes. Um detalhamento acerca do covo está apresentado na Seção 2 –

Covo, na página 45. O covo é formado por três partes principais, em trançado de fibra de cana-brava:

O texto, que tem o “formato coração” e é usado em par. É o que faz as partes superior e

inferior do covo

O pano, uma longa faixa com o comprimento equivalente ao perímetro do texto. É o que

forma a lateral do covo

Por fim, a sanga, um cesto de formato similar a um funil. Tem a boca mais aberta que o fundo.

No traçado, o fundo é fechado; mas após a conclusão desta peça, é feito um corte. A sanga

fica na parte em que o texto faz uma entrada. É pela sanga que o peixe ou lagosta consegue

entrar, pela larga abertura; mas não consegue sair, pois a passagem é apenas o pequeno corte

mencionado.

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1. Apresentação dos envolvidos A seguir são apresentadas sucintas biografias dos personagens artesãos, pescadores e demais

envolvidos no processo de escuta desta pesquisa.

Seu Juarez Com seus 85 anos de vida, Juarez Vieira de Souza se define como o pioneiro na produção de artefatos

utilitários comerciais em trançado de fibra de cana-brava. Filho de Ponta de Pedras e pescador de

desde os oito anos, aprendeu com seu pai, Adalto, as artes da pesca e do trançado do covo. Neto de

uma alemã, teve a pele branca e a vista castigados pelo sol durante as pescarias. Primogênito entre os

oito irmãos, não teve muita educação formal, mas pescou por 70 anos, casou e manteve a família com

três filhas através da pesca, da venda de peças e da instrução de cursos de trançado.

Figura 5. Seu Juarez

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Relata que fez as primeiras peças por curiosidade, no tempo livre, por volta dos dez ou doze anos de

idade. Assume para si o pioneirismo do trançado em fibras mais bem-acabadas com aplicação em

utilitários, “coisa da cabeça”, diz. Comenta que a partir de sua produção, teve aprendizes e copiadores.

Trabalhou por aproximadamente 17 anos como instrutor desta técnica no Sesi em Ponta de Pedras.

Com o peso da idade, pondera que “o tempo muda o costume, a inteligência; a gente nunca

acompanha o tempo; o tempo anda na frente”.

Sobre a produção da primeira peça, rememora o aprendizado da técnica com seu pai, que era pescador

que utilizava covo, então teve contato com a matéria-prima e logo começou a também fazer covo. A

primeira peça de artesanato utilitário e decorativo, foi uma peça que fez por curiosidade, a qual diz que

vendeu por 10 mil réis, o que corresponderia a 10 cruzeiros à época, ou aproximadamente 21 reais dos

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dias atuais, considerando a inflação e correção monetária. Esta peça foi vendida para uma proprietária

de terras de Ponta de Pedras. Com este incentivo da venda imediata, começou a fazer e vender peças

utilitárias para os veranistas. Daí para frente, conta, foram aparecendo pessoas para comprar em

quantidade e chegou a formar um grupo. A unidade local do Sesi – Serviço Social da Indústria então o

chamou para ser instrutor, conforme será tratado mais à frente nesta pesquisa.

Figura 6. Seu Juarez trançando a cana-brava

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

A convite da equipe de pesquisa, Seu Juarez aceitou o desafio de trançar algumas palhas, cedidas pela

artesã Nelzia. Mesmo com vista cansada e com a certeza de não executar o ofício a pelo menos vinte

anos, o mestre ainda demonstrou precisão e capricho nos pontos da sua técnica. Durante a feitura da

peça, Seu Juarez fazia pequenas pausas para contar as paletas nos três sentidos em que são

emparelhadas, dizendo que é para ter certeza que está usando a mesma quantidade de paletas para

que a peça fique “por igual”. Mesmo depois de trabalhar com o trançado por mais de cinquenta anos,

não demonstra saudade do ofício e afirma, pelo peso da idade e pelas limitações da saúde, não ter

mais vontade de trançar, assim como de pescar.

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Lourenço e Zezinho Os irmãos Lourenço e José Carlos (conhecido como Zezinho) Luna nasceram, respectivamente, em

1954 e 1960.

São filhos de pescador, embora nunca tenham exercido essa profissão. Eles ajudavam com pequenos

serviços na produção do covo, auxiliando os pescadores locais, atividade que lhes gerou renda. O pai,

no entanto, não sabia fazer o covo, nem o utilizava, já que era pescador de jangada, sem adentrar no

alto-mar. Quando “se entenderam por gente”, por volta dos onze anos, foi que os irmãos começaram a

produção integral de covos, principalmente para ajudar no ganho da família, muito humilde. A família

era de cinco filhos, mas infelizmente duas das irmãs faleceram muito novas. Por vezes, apenas a

pescaria do pai era em quantidade insuficiente para sustentar da família. O pai dos irmãos faleceu em

1983, no mar, quando Lourenço tinha 29 anos.

Figura 7. Irmãos Luna, Lourenço (esq.) e Zezinho (dir.)

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Diferente de outros artesãos, que começaram a aprender o trançado por influência dos pais, os irmãos

ficavam vendo os pescadores fazerem seus covos, foram se aproximando e pedindo para aprender. No

trançado do covo, uma parte difícil é a montagem da primeira “estrela”; a partir deste primeiro ponto,

o trançado vai sendo feito. Os fazedores de covos então faziam uma parte da peça e deixavam o

restante para os novos aprendizes. Com dificuldade, os irmãos foram praticando e se aperfeiçoando na

técnica. Para a produção de covos e sangas, recebiam as paletas prontas para trançar e outras pessoas

vendiam. Eles então perceberam que só executavam uma pequena parte do processo, por conseguinte

recebiam pouco dinheiro. Foi nesse momento que começaram a tentar fazer um cesto: fizeram

diversas tentativas até chegar no resultado que queriam. Isso aconteceu quando Lourenço tinha quinze

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anos. Fez três cestos com alça e conseguiu vende-los. Este modelo ainda é produzido pelo artesão em

sua linha de produtos.

Hoje em dia não fazem mais covos, apenas as peças de artesanato utilitário. No entanto guardam um

covo como peça de referência, para ilustrar a história do trançado para os compradores mais curiosos.

Uma curiosidade contada por Lourenço sobre o início de sua produção é sobre um senhor, da própria

área de Ponta de Pedras, que lhe fez um pedido de trinta peças utilitárias. Ainda que este cliente não

tivesse feito o pagamento antecipado, assumiu risco e todas as peças foram produzidas. No entanto, o

homem não foi buscar o pedido e Lourenço, chateado com o ocorrido, disse a sua mãe que iria

queimar as peças. Em sua paciência, ela disse: “não queime, deixe aí; seu trabalho é bonito e você

ainda vai viver dele”. Lourenço, chateado, parou de produzir cestas e voltou a produção de covos de

pesca. Algum tempo depois, uma veranista ficou sabendo das cestas e foi na casa de Lourenço. Elogiou

o trabalho e pediu que levasse na casa dela dias depois, porque receberia alguns parentes e queria

presenteá-los. Lourenço levou o material como combinado e vendeu todas as cestas; comenta então

que o dinheiro que teve em mãos naquele momento era muito maior que o apurado com a produção

de covos. Desde então teve maior entusiasmo pela produção de artesanato utilitário, confirmando o

que sua mãe havia lhe sido dito.

Os irmãos Lourenço e Zezinho trabalham em conjunto a mais de quarenta anos. Atribuem a

convivência pacífica à complementaridade das personalidades: Zezinho é o tranquilo e Lourenço é o

agitado da produção. Citam que em toda família surgem os atritos e desavenças, mas sempre

terminam por se entender. Ambos têm suas produções individuais que vendem em apoio mútuo, mas

também tem algumas peças que são feitas em conjunto pelos dois irmãos.

Figura 8. Catálogo da XIV Fenearte, uma das oportunidades em que foi homenageado como mestre

Fonte: Cortesia de Lourenço, 2016

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Lourenço já teve alguns registros em mídias impressa e televisiva, mas dá maior valor às suas

participações como mestre presente na Alameda dos Mestres da Fenearte, em quatro ocasiões: de

2013 a 2016.

Neco Manoel Bandeira dos Santos, ou Neco, nasceu em nove de novembro de 1968. Trabalhou praticamente

a vida inteira com pesca e a produção de covo, exceto por um período de cerca de oito anos em que foi

pintor e montador industrial de estruturas metálicas no polo automotivo que se instalou em Goiana,

em meados da década de 2010. Mesmo envolvido na pesca, também foi capacitado e trabalhou no

Centro de Mamíferos Aquáticos-CMA, em Itamaracá, auxiliando em pesquisas biológicas e

oceanográficas.

Figura 9. Neco apresentando sua história

Fonte: Acervo O Imaginário, 2016

O aprendizado com o trançado foi, em conjunto com a pesca, aprendendo com seu pai. Começou a

fazer covos em miniatura, para decoração. O menor que relata foi um de 10 cm, contemplando todas

as partes de um covo tradicional. Chegou a exportar estas miniaturas, mas hoje em dia só faz sob

encomenda, não dispondo de nenhuma amostra no decorrer da pesquisa. Se orgulha de dizer que é

capaz de fazer covos de quaisquer formatos e tamanhos.

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Figura 10. Neco e sua esposa, Teca Fonte: Acervo O Imaginário, 2016

Anun Geilzon Pereira da Silva, mais conhecido pelo apelido de Anun, trabalha hoje com o corte da cana-

brava, fornecendo as palhetas para os fazedores de covos e para os artesãos. Anun já lida com esta

matéria-prima a quase trinta anos, confeccionando malhas de covos, fornecendo para diversos

pescadores. Se orgulha em afirmar ter sido capaz de fazer seis pareias (covo mais simples, de formato

quadrado) por dia, no período em que esteve em Pitimbu, na Paraíba.

Figura 11. Entrevista com Anun

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

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Apesar da prática com a cana-brava, não faz a montagem final do covo tradicional do lugar, que

demanda amarrações e madeiras estruturais. Por esta falta de prática, diz que nunca tentou fazer as

peças utilitárias de artesanato, tal como Juarez ou Lourenço. Hoje em dia, concilia as atividades da

cana-brava com a banca de caldo de cana, que mantém vizinha ao cemitério de Ponta de Pedras.

Nelzia Nelzia Maria Pereira da Silva é filha de pescador de rede, à beira-mar, ou seja, aquele que não vai ao

alto-mar. Apesar disso, nunca foi pescadora e teve uma pequena vivencia inicial com a cana-brava,

fazendo os arremates das sangas para um artesão que fazia covos.

Figura 12. Nelzia (em pé) orientando sobre o corte da paleta

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Começou verdadeiramente a trabalhar com o artesanato por volta dos dezesseis anos, quando foi

trabalhar com os irmãos Zezinho e Lourenço, que à época forneciam peças em quantidade para

atender a cooperativa Comar. Os irmãos tinham uma pequena equipe de produção para atender esta

demanda, contando com quase dez pessoas, incluindo os próprios irmãos e algumas artesãs.

A parceria de trabalho de dez anos com os irmãos terminou quando os pedidos da Comar ficaram mais

escassos antes de serem encerrados. Na ausência de demanda que justificasse manter um grupo de

artesãos contratados, os irmãos Luna concentraram a produção em torno de si e alguns poucos

familiares.

Foi nesta ocasião que surgiu a oportunidade de Nelzia trabalhar no Sesi, em 1992, permanecendo lá

até o fechamento da unidade, em 1997. O instrutor do grupo de aprendizado ainda era Seu Juarez e a

coordenadora era Dona Celina. Nelzia ficou no grupo de produção e após pouco tempo, Seu Juarez

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pediu para sair à Dona Celina, dizendo que iria “trabalhar apenas para São Pedro”, sendo

exclusivamente pescador. Com a saída de Juarez, a coordenadora ofertou o cargo de instrutor à Nelzia,

que naquele momento recusou, tamanha a responsabilidade. Nelzia então relata que outra pessoa foi

apresentada ao grupo como nova instrutora, fato que o grupo então não aceitou, com argumentos de

que Nelzia seria a mais qualificada e hábil. Segundo relatos da artesã, para evitar maiores confusões,

ela aceitou e permaneceu como instrutora até a desativação do Sesi em Ponta de Pedras,

aproximadamente por um ano e meio.

Nesse período conheceu a então aprendiz Vaninha, que hoje é sua amiga e colega no grupo Artesanato

Cana-Brava. Este novo grupo foi formado em 2003, contando desde seu início com as presenças de

Adélia e Vaninha, sendo Lourenço o instrutor contratado. Nesta fase inicial, Nelzia não se agregou ao

grupo, se restringindo a fazer alguns moldes de peças, habilidade que poucos artesãos possuem. Ainda

que com a saída de Seu Lourenço, Vaninha tenha ficado a cargo de repassar a técnica, era à Nelzia que

recorria quando precisava de uma peça nova, a qual ainda não tinha o molde. Foi com a insistência do

grupo que Nelzia finalmente passou a integrar o grupo, em 2010.

Vaninha Gilvanea Ferreira de Melo é uma jovem artesã de Ponta de Pedras. Vaninha, como é mais conhecida,

sempre teve a família ligada à pesca: seus pais trabalharam com a pesca e, por conseguinte, tiveram

bastante contato com a cana-brava. Seu pai sabia fazer trançado do covo, enquanto que a mãe, Dona

Lêu, não tinha facilidade para isso; no entanto era habilidosa para fazer a etapa de desbaste das

paletas. Apesar deste histórico, Vaninha só começou a lidar com a cana-brava por volta dos doze anos

de idade quando começou o aprendizado no Sesi instalado em Ponta de Pedras, conciliando as aulas

regulares com o artesanato, época em que teve Nelzia como instrutora. Só depois que teve esta

experiência, começou a fazer os arremates de sanga.

Figura 13. Dona Lêu (esq.) e Vaninha (dir.)

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2006

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Logo que entrou no Sesi, Vaninha e sua irmã Lili (Gilveli Ferreira de Melo Silva), tentaram fazer o

artesanato de renda de bilro, mas não se identificaram e migraram para a turma de cestaria. Após o

aprendizado, em cerca de dois anos, Vaninha passou para o grupo de produção do Sesi, que fazia as

peças para comercialização, onde ficou até a unidade de Ponta de Pedras ser desativada.

Sem o suporte do Sesi, ficou algum tempo sem produzir, quando então foi convidada por Seu Lourenço

para ajudar na produção. Tinha à época dezenove anos e ficou apenas cerca de um ano. Acredita que

foi chamada numa situação de sobrecarga de serviço temporária dos irmãos Zezinho e Lourenço; tão

logo o pedido foi fechado, não havia demanda que justificasse ter uma pessoa a mais na equipe,

essencialmente familiar.

Vaninha carregou toda esta bagagem de conhecimento quando, em 2003, foi iniciado um novo grupo

de artesãs em trançado de fibra de cana-brava, através da parceria entre O Imaginário e o Sebrae, no

casarão da beira-mar. Esta experiência prévia, diante de um grupo de pessoas que não tinha

experiência com o trançado, levou Vaninha a ser a monitora do novo grupo.

Atualmente, é membro do Grupo Artesanato Cana-Brava, frequenta o casarão para as reuniões do

grupo, e concentra a produção em casa, principalmente por causa de Pedrinho, seu filho de três anos

de idade. Em casa, tem hábito de trabalhar na parte da tarde, após os afazeres domésticos.

Adélia Maria Adélia Tavares Luna tem 46 anos de idade, tempo em que é residente de Ponta de Pedras.

Apesar desta vivência em uma área com forte tradição pesqueira, nunca foi pescadora e até

confidencia que tem medo do mar. Nunca teve contato com o covo antes de 2002, quando apenas

fazia o arremate de sanga para as pessoas que faziam os covos de pesca. Aprendeu o trançado de

utilitários através das oficinas do Sebrae, cujo instrutor era Seu Lourenço, com o suporte de outras

artesãs com maior experiencia. Uma delas era Josi, trabalhou no grupo de produção do Sesi. Adélia

credita a ela seu aprendizado de forma direta.

Figura 14. Adélia e seus produtos em exposição Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2006

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O sobrenome “Luna”, comum entre Adélia, Zezinho e Lourenço, é por parte do esposo de Adélia,

Orlando Luna, que é primo de Lourenço e já trabalhou no grupo dos irmãos. Adélia e Orlando casaram

a cerca de vinte e dois anos, mesma idade da filha mais velha, Gleice. Antes do seu envolvimento com

artesanato, cuidava dos afazeres da casa e dos três filhos do casal, mas já tinha um senso de

empreender, fazendo pequenas vendas de comidas na praia ou de outros produtos na localidade.

Atualmente define a si própria como artesã do grupo produtivo Artesanato Cana-Brava.

Sobre a relação familiar, Adélia relata o apoio do marido à sua iniciativa, inclusive, Orlando ajuda em

atividades como montagem de estande em feiras de artesanato ou auxiliando a loja do grupo. Ao

contrário da maioria dos maridos e pescadores da localidade, Orlando é favorável ao trabalho feminino

e da contribuição adicional na renda da família. Este cenário positivo e pouco observado na localidade,

segundo a artesã, é o mais vivenciado pelas integrantes do grupo Artesanato Cana-Brava, formado em

sua maioria por mulheres que são filhas ou esposas de pescadores, refletindo uma saudável inserção

da mulher no âmbito profissional.

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2. Artesanato em fibra de Cana-brava O artesanato envolve diversas perspectivas que precisam ser explicitadas para facilitar a compreensão:

Trançado Seu Juarez diz que o trançado usado na feitura de covo e de artesanato utilitário é o mesmo, no

entanto, a produção de peças decorativas e utilitárias é feita com maior refinamento, com a paleta

mais polida, fina e flexível. Fazer a peça inicial, chamada de molde, é uma tarefa difícil. Apenas os que

são considerados mestres sabem fazer a peça molde. Os demais artesãos tecem suas peças cobrindo

um molde com as paletas, copiando as posições e ângulos entre as paletas.

Figura 15. Trançado com a fibra de cana-brava Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2006

Dos artesãos citados, apenas Juarez, Lourenço, Zezinho e Nelzia sabem fazer a peça inicial, também

chamado de “tirar a peça do chão”. Nelzia, que aprendeu com Lourenço, disse que começou a fazer

moldes como um desafio posto por seu mestre, como uma autoafirmação de que era capaz para

merecer o nome de artesã. Esta primeira cesta “tirada do chão” é guardada por Nelzia até hoje.

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Figura 16 – Primeiro peça feita inteiramente por Nelzia Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Nelzia relata que numa cesta oval, não se conta a quantidade de palhetas na malha; já para produzir

uma peça de fundo redondo, a quantidade tem que ser ímpar. Essa contagem é feita pelos furos no

fundo da peça. Hoje, é a única do grupo Artesanato Cana-brava capaz de fazer o molde.

Figura 17 – Peça servindo de molde para reprodução

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014

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Nenhum artesão entrevistado atribuiu um nome específico à técnica do trançado, limitando a chamar

apenas de trançado. O único a atribuir um nome é Neco, que chamou de trançado de “troque”, pois

existe a paleta guia e a paleta que vai sendo colocada por cima e por baixo, sendo trocada de posição

no decorrer da atividade. O mesmo Neco conta que seu avô fazia peças que não eram covos, mas

também não eram consideradas artesanato, eram cestos para vender o peixe, como um tipo de

embalagem. Também fazia o caçuá, cestos para colocar no lombo de animais de carga para levar

peixes. Cita que uma variação do mesmo ponto foi usada para revestir garrafas de uma cachaça

industrial, mas a fibra usada era a palha de carnaúba. A tela ou o traçado de cana-brava também é

mencionada como “malha” por alguns artesãos, como o próprio Anun.

Estas peças que usavam a mesma palha e mesmo trançado já eram uma derivação do covo, mas os

artesãos entrevistados não consideravam artesanato, o que as coloca numa posição de transição.

Neste cenário é inconclusivo afirmar que Seu Juarez foi o primeiro a produzir o artesanato como é

conhecido hoje, embora seja comum esta fala entre os artesãos e pescadores. Anun cita um

contemporâneo de Juarez, chamado Josias, falecido há poucos anos, que também trabalhava com

artesanato, mas acredita que este tenha começado depois de Juarez.

Sobre o processo de aprendizagem, Vaninha relata que a parte mais difícil para ela mesma foi a etapa

de desbaste da palheta, que calejava os dedos. Quando teve oportunidade de ser instrutora,

juntamente com Nelzia e Adélia, percebia também nas artesãs novatas a mesma dificuldade. Relato

parecido com o Adélia, que comenta o medo inicial de manejar as facas para fazer os cortes e das

farpas de cana que poderiam furar a pele. Ainda assim, até hoje, a posição de trabalho mais recorrente

é com o artesão sentado no chão, com suas paletas ao lado e a faca sempre ao alcance.

Repasse da técnica A técnica de trançado para produção de objetos artesanais de cunho decorativo e utilitário com as

características de Ponta de Pedras foram repassadas por pessoas diferentes, desde que Seu Juarez

começou esta produção, a mais de setenta anos. O próprio Juarez comenta que já ensinou em algumas

cidades litorâneas, como Cabo, Goiana (centro) e Itamaracá, além de Pontas de Pedras. Também

repassou a técnica por muito tempo durante a fase em que foi instrutor no Sesi de Ponta de Pedras.

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Figura 18 – Repasse da técnica de trançado

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014

Outra pessoa que foi um grande formador de novos artesãos foi Lourenço, juntamente com seu irmão

Zezinho. Apesar de começarem com a produção sozinhos, sentiram a necessidade de formar um grupo

durante a época dos pedidos da Comar, no começo da década de 1980. Este grupo de pessoas era

formado principalmente por mulheres, com algum grau de parentesco. Lourenço conta uma história

que ilustra a questão da capacidade de produção e a quantidade de artesãos envolvidos: “a esposa de

Dr. Lúcio veio do Sul e pediu para Zezinho fazer 500 cestas porta-vinho; apesar de que ganharia um

bom dinheiro, ele sabia que não conseguiria fazer e demoraria cerca de um ano para concluir a

produção”. Foi nesta época que Nelzia aprendeu, fazendo parte do grupo dos irmãos.

Outro momento de treinamento de novos artesãos, capacitados por Lourenço e Zezinho, foi em 2003,

junto ao grupo reunido pelo Sebrae e pelo Laboratório O Imaginário. Os irmãos participaram como

instrutores, mas por diferenças da visão de futuro para o grupo, preferiram continuar trabalhando

sozinhos, independente do grupo, que mais tarde veio a se firmar como Artesanato Cana-brava.

No grupo de Lourenço, trabalham atualmente apenas Zezinho e seus familiares, como a esposa

Marleide e com algum apoio ocasional do filho Charles; ambos aprenderam com Zezinho. Charles, que

hoje está com 20 anos, comenta um pouco do aprendizado e de como esta nova geração enxerga o

artesanato: aprendeu a técnica por volta dos dez anos e mesmo tendo convivido com paletas e

trançados a vida inteira, atualmente é funcionário de uma padaria e está esperando uma oportunidade

nas indústrias que têm se instalado na região de Goiana. Vê valor na tradição do artesanato, mas

encara a realidade financeira como impeditiva. Comenta que a renda do artesanato é lenta, vinculada à

participação em feiras e necessidade de pedidos, sem um valor fixo. Comparativamente, diz que o

trabalho em empresa paga de imediato, enquanto que o artesanato recebe posteriormente às etapas

de produção e venda. Coloca que estas duas situações se complementam, o dinheiro de agora e o do

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futuro. Quanto à produção, diz não ter a mesma paciência que o pai e o tio, mas quando é preciso,

ajuda na feitura das peças.

Por sua vez, Marleide foi aprendendo pela convivência e se entusiasmando pelo rendimento que

passou a ter, ainda que trabalhando em casa. As peças produzidas sob o nome da Cestaria Luna, têm

participação em diferentes escalas entre Marleide, Zezinho e Lourenço e esta diferença se reflete

também na remuneração que cada um recebe. Zezinho entende que a questão de gênero e

empoderamento familiar se fortalecem quando a esposa e o filho recebam o equivalente à produção

do artesanato feito pela família.

Lourenço vê o ato de repassar o conhecimento como uma atribuição inerente ao conceito de mestre.

Ele tem uma visão de longo prazo do treinamento: vê como um fortalecimento da técnica, que se torna

mais conhecida e demandada. Também encara o grupo Artesanato Cana-Brava como um aliado

ocasional, não um inimigo ou concorrente. Diz que por diversas vezes recebeu pedidos de clientes que

o grupo, por algum motivo, não pôde atender. No entanto, conta que alguns artesãos que conhece

preferem não ensinar as técnicas de produção para não se prejudicar com novos concorrentes.

Nelzia também tomou gosto pela atividade de ensinar e trabalhar com o artesanato em fibra de cana-

brava. Foi instrutora no Sesi, onde ensinou para várias pessoas, dentre as quais, Vaninha e Lili.

Posteriormente, foi instrutora novamente, ao lado de Vaninha e Adélia, em cursos fomentados pelo

Funcultura e pelo O Imaginário em 2015. Nelzia chama atenção para a participação de homens e

mulheres, na época do Sesi, em que ambos os gêneros participavam, com uma predominância

masculina. Contudo, quem seguia na atividade eram basicamente as meninas. Atribui isso à falta de

paciência para “essas coisas de artesanato”. Considera que as malhas de covos são bem abertas, sendo

de produção mais rápida, ao passo que os cestos do artesanato são bem menores, com produção mais

lenta.

A artesã Vaninha participou da formação do grupo Artesanato Cana-Brava, sendo a instrutora

substituta, depois da saída de Lourenço e novamente, no referido curso promovido em 2015. As

práticas que trouxeram mais pessoas para o artesanato foram as produções em escala comercial,

realizadas pelo Sesi e pela Comar. Nestas práticas, cada artesão fazia sua peça, que era paga num prazo

curto; atualmente os pedidos feitos por lojistas e a produção para feiras e eventos são primeiramente

produzidos, para após a entrega serem pagos. Vaninha aponta que as pessoas que poderiam aprender

a técnica para aumentar a capacidade de produção se desinteressam por esta dinâmica de pagamento,

mais lenta.

Adélia Tavares aprendeu a técnica na fundação do grupo Artesanato Cana-Brava, onde permanece até

hoje. Já teve oportunidade de ser instrutora no curso promovido pelo O Imaginário em 2015 e

novamente em 2016, com a organização das turmas organizadas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem

do Comércio - Senac/PE. Adélia vê com preocupação para a sustentabilidade da tradição do artesanato

em fibra de cana-brava as questões de escassez da matéria-prima e novos artesãos em formação. Nas

oportunidades de ensinar a técnica, sempre teve facilidade no ensino, desde a preparação das paletas à

montagem da peça, mas assume dificuldade em fazer a primeira peça de um novo modelo, o chamado

molde. Esta tarefa ainda é tida como uma característica dos mestres, os quais cita Nelzia, Lourenço e

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Juarez. Apesar de ter ensinado às filhas, elas não se interessaram em assumir uma posição na produção

do artesanato.

Etapas de Produção As etapas de produção, desde o beneficiamento até o acabamento da peça, são descritas por Adélia e

Neco, e são organizadas em corte da cana, raspagem, trançado e arremate.

Corte da cana Os locais de corte da cana estão ficando mais raros. Brotando próximo a áreas molhadas, como mangues

e córregos, a cana-brava é desbravada pelos cortadores, pescadores e alguns artesãos. A produção do

corte é medida em unidades de mil varas de cana cortadas, o chamado milheiro. Descontado o tempo

de deslocamento, em um dia de trabalho, é possível cortar um milheiro, geralmente com duas pessoas

trabalhando. O processo inclui adentrar na área, abrindo caminho pelo mato e pelas folhas da cana. A

cana é escolhida, desprezando as varas muito verdes, curtas, finas ou com “rabo de tatu” (quando as

seções da cana ficam muito próximas). No próprio local de corte, ocorre um primeiro beneficiamento,

visando não transportar material inútil: as folhas da cana são raspadas com o facão e as extremidades

da vara são cortadas e deixadas. Uma ou mais canas são abertas, similar a etapa de tirar as paletas, para

fazer uma fita e amarrar as varas em feixes para o transporte. Os irmãos Lourenço e Zezinho fizeram um

corte de cana em pequena escala para fins de registro desta pesquisa.

Figura 19 – Corte da cana-brava, preservando a raiz

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

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A seguir da etapa de corte da vara, vem o corte longitudinal, dividindo a longa vara em 4 ou 8 partes, a

depender da espessura da vara. Cada uma destas partes irá originar uma paleta para ser trançada. Esta

etapa é feita com a faca, com a mão fazendo curtos e rápidos movimentos laterais, para vencer a

resistência dos gomos da cana, que são mais duros. Anun conta que um dos riscos durante o corte da

cana é ela estar “bichada”, pois durante o corte a faca não flui como o esperado e isso pode causar

acidentes.

Tomando uma média de que cada vara de cana-brava resulta em seis paletas, o milheiro cortado resulta

em aproximadamente seis milheiros de paletas, para fazer o artesanato. Como a paleta de covo é mais

grossa, essa quantidade se reduz. Anun vendia o milheiro de paletas para o artesanato, à época da

pesquisa, por R$ 100, mas já com o intuito de elevar este valor. Esta baixa rentabilidade, os riscos

envolvidos e a escassez de locais com cana-brava farta e acessível, tem reduzido drasticamente a

quantidade de pessoas dispostas ao serviço. A maioria dos pescadores e fazedores de covos tem feito

seus próprios cortes (quando não migram para a tela plástica), assim como os artesãos da Cestaria Luna.

Anu é um dos únicos que ainda faz este serviço para as artesãs do Artesanato Cana-brava.

Raspagem A partir da etapa de raspagem é possível perceber a diferença entre o tratamento da cana a ser usada

para covo ou para o artesanato. A cana, já segmentada nestas paletas rústicas, ainda tem umidade, o

que pode ocasionar o mofo. Adélia informa que o controle da secagem é feito por ela: a palha precisa

de um dia inteiro de sol para secar e precisa esfriar antes de ser manejada. Tradicionalmente, as paletas

são amarradas em feixes e colocadas em pé. À medida que sejam necessárias, são retiradas do feixe para

umedecer e “passar”. Este é o verbo usado para a etapa de retirar o miolo da cana (também chamado

de bucha), assim como a camada de cera na superfície da cana. Nesta fase de passar também ocorre o

“emparelhamento” da cana. O corte inicial deixa a paleta com as laterais não paralelas. O

emparelhamento é deixar a paleta na largura e espessura adequadas para a função. As paletas do

trançado são mais rígidas; já as paletas de acabamento são mais finas e feitas com a vara de cana mais

verde. Para iniciar a etapa de passar a paleta, elas são envoltas num pano umedecido, para que a fibra

absorva um pouco de água e torne-se mais fácil de processar. Adélia conta que se passar mais paletas

do que vai usar, é arriscado que as paletas escureçam e fiquem impróprias para o artesanato.

Figura 20 – Corte das folhas da cana-brava

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

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Como a secagem depende do sol, no período chuvoso a produção fica mais limitada e a etapa de

passar é fracionada entre mais pessoas para agilizar a produção, sempre em pequenas quantidades. A

paleta de covo envolve menos raspagem após o corte inicial, pois precisa ser resistente e não carece de

tanto esmero, ao contrário das paletas de artesanato, que precisam ficar uniformes entre si, para que

o resultado da produção fique harmonioso.

Trançado O trançado geralmente é de peças com formato de cesto, então a feitura do trançado é iniciada pela

“estrela” do centro do fundo do cesto. A simetria entre estas primeiras seis paletas irá determinar se a

sequência de estrelas ficará uniforme. À medida que o fundo do cesto é construído para os lados, o

artesão determina o momento de parar e faz uma dobra na paleta, invertendo a direção o cesto

começa a ter parede lateral. Esta lateral também é crescida até o ponto em que é encerrada e a peça

começa a ser arrematada. Uma das características do bom artesanato é avaliado pelo tratamento das

emendas entre as paletas. Uma peça bem executada tem as emendas imperceptíveis, escondidas

sempre na paleta que corre por baixo no ponto. É admirável no trabalho de Ponta de Pedras quando o

artesão escolhe a paleta com o comprimento justo, sabendo que a emenda ficará onde deseja.

Figura 21 – Iniciando o trançado

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Os cestos são medidos pela quantidade de paletas usadas e pela espessura da paleta. Também podem

existir pontos mais abertos ou fechados, mas isso geralmente é uma proporcionalidade da espessura

da fibra usada. Cesto grandes, como o roupeiro, usam de 50 a 60 paletas.

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Arremate A finalização da peça consiste no corte das paletas usadas na lateral do cesto e a ocultação das pontas

por dentro das demais paletas. A peças podem também ter um reforço na borda, geralmente quando a

peça terá uma tampa. Também pode ser usado um aro de fibra trançado para formar um “pé” na peça,

de modo que o fundo do cesto não fique em contato direto com o chão ou a mesa.

Figura 22 – Finalizando a peça, com a paleta de acabamento

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Outra etapa do acabamento das peças é cortar os “pelos” da cana-brava. No decorrer do trançado,

fiapos do corpo fibroso da paleta se desprendem, ao que resulta numa peça com vários fiapos que são

cortados com a ponta da faca ou com uma tesoura. Nelzia conta que era comum fazer essa apara dos

fiapos passando a peça pela chama de uma bacia com álcool. Contudo, bastava uma desatenção para a

peça queimar demais, e posteriormente se percebeu que esse processo deixava a peça mais ressecada

e quebradiça a longo prazo. Apesar de ser um vegetal fibroso, a cana-brava não é tão facilmente

inflamável, pois ainda tem bastante umidade.

Seu Juarez compara todo o trabalho que é necessário para o artesanato, mas ignorado para o covo. Diz

que basta tirar o miolo que se tem a palha já pronta para fazer o covo. Via de regra, o mesmo artesão

executa as etapas de raspagem ao arremate, não havendo divisão de atividades entre outras pessoas.

Ferramentas Seu Juarez descreve as ferramentas usadas na feitura do artesanato. Os relatos dos demais

entrevistados deixam claro que praticamente não houveram mudanças: são necessários apenas uma

faca e um tecido grosso, como uma lona ou pedaço de algodão cru ou jeans. Seu Juarez diz que estas

são as ferramentas necessárias, ressalvando que para cortar a cana-brava é preciso de um facão.

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Figura 23 – Raspagem da paleta sobre um pedaço de jeans

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Lourenço assume a invenção da uma composição de ferramentas que ajudam na produção em maior

quantidade, apelidada de “máquina” de beneficiar a paleta: um arranjo simples de um banquinho de

madeira, com duas facas fincadas na distância pretendida da largura da paleta, auxiliada por uma

terceira faca no topo, segurada com a mão para a raspagem do miolo, garantem um padrão de paletas

com a mesma largura, ao mesmo tempo em que faz a raspagem da camada de cera. Zezinho diz que

esse arranjo de facas garante a mesma “bitola” nas paletas e agilidade na produção. Na necessidade de

um trabalho mais delicado, basta ajustar a distância entre as facas ajustando para uma nova bitola.

Figura 24 – Arranjo de facas para padronizar as paletas

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

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Covo A origem mais comumente aceita é que o covo veio dos índios, sendo de uso comum em Ponta de

Pedras a mais de um século. Embora exista a ocorrência deste artefato com variações de forma e

matérias-primas utilizadas no trançado no Brasil e no exterior, esta peça produzida com a fibra de

cana-brava e com este trançado é aceita como tradicionalmente oriunda de Ponta de Pedras. Tanto

que são enviados para praias próximas, tais como Cabedelo (PB), Itamaracá (PE) e até Natal (RN).

O covo é composto por duas faces planas, chamadas de texto; uma longa peça chamada de pano, que

faz a lateral da peça montada e circunda toda o perímetro das faces; e a sanga, um tipo de cone, preso

no pano que é por onde o peixe consegue entrar em busca da isca. A sanga funciona como um funil,

que facilita a entrada do peixe ou lagosta em busca da isca, mas impede a sua saída. Estas partes são

feitas com a fibra da cana-brava e montadas com estroncas de madeira para sustentar o conjunto,

amarrados com cipós. O covo fica no fundo do mar, suspenso pelos “sapatos”, que são as armações de

madeira (travessão), para que a tela não rasgue ao roçar nas pedras do fundo do mar.

Figura 25 – Covo de pesca tradicional

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2004

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Figura 26 – Sanga do covo de pesca

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2017

A forma final do covo tradicional é chamado por Neco de formato coração. Anun menciona também

um outro formato de covo, chamado de pareia. É o covo quadrado, chamado de “pareia”, formado por

duas partes e a sanga, então, acredita-se, que o nome pareia vem de par. Neco cita que o covo é

medido pela quantidade de furos no centro da face, sendo então chamado, por exemplo, de covo de

26 furos. Já Anun diz que classifica o covo pela quantidade de paletas usadas. Diz que o mais comum

era o covo 24, que eram 12 paletas em cada texto. Atualmente, comenta, o mais comum é um covo

menor, o 21. Anun ainda alerta que não se pode trabalhar com paletas verdes para o covo, porque o

covo iria se desgastar rapidamente, apodrecendo.

Figura 27 – Outra perspectiva do covo

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2004

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Sobre a capacidade de produção, Neco diz que consegue fazer o trançado das partes do covo de cana-

brava em apenas uma manhã de trabalho, sob sua árvore sombreira. Neco é, de certa forma, uma

exceção, já que ele mesmo é pescador, trançador das partes do covo, montador de covo e artesão.

Muitas pessoas produzem apenas a sanga, como Adélia, Nelzia, Vaninha, Lourenço e Zezinho. Outros,

como Anun, apenas fazem as partes, mas não a montagem final. Ele se gaba de fazer uma sanga

pequena em poucos minutos, e diz que ainda existe quem faça mais rápido. Apesar da maioria dos

fazedores de covos seres homens, Anun ainda cita pelo menos uma mulher que fazia, chamada Dida;

que hoje está aposentada. Sobre os valores cobrados, Anun diz que uma sanga é vendida por R$ 2,50

para quem vai montar o covo.

Um covo consegue juntar cerca de 40 quilogramas de pescado, sendo lançado ao mar e recolhido com

intervalo médio de dois dias. Um covo de cana-brava dura cerca de seis meses em uso constante nas

condições abrasivas do mar. Neco cita os pescados mais comuns capturados pelos covos nas águas de

Ponta de Pedras, tais como saramunete, biquara, budião, piraúna, cioba, dentão, sapuruna, peixe-gato,

ariacó e garajuba.

Figura 28 – Formato mais simples de covo, utilizando tela plástica

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Um concorrente do covo é a marambaia, que usa a caixa de metal de geladeiras descartadas e tela de

plástico. Lourenço sequer considera a marambaia como covo. Pela facilidade de produção e baixo

custo, esta alternativa tem se tornando cada vez mais comum. Outra variante é a mesma estrutura de

covo de madeira, mas com a tela plástica industrializada no lugar da cana-brava.

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Neco, que já trabalhou em parceria com o Ibama, diz que o covo é sustentável, uma vez que permite a

peixes muito pequenos escapar da armadilha, ou mesmo serem triados durante a retirada dos covos

da água. Já o covo de tela que tem o ponto muito fino, pega tudo. Os órgãos de controle não fazem a

fiscalização adequada, já que usar a tela seria proibido por esta questão de sustentabilidade. Diz que

existe um limite mínimo para a abertura da tela, mas sem fiscalização, não é obedecido. Faz uma

comparação de que é rápido de fazer uma centena de covos, feitos de ferro e tela plástica, enquanto

para ter o covo de cana-brava é preciso ter um produtor e encomendar com 3 ou 4 meses antes. Neco

se orgulha em dizer que o covo de cana-brava foi usado em todo brasil para pegar lagosta por mais de

30 anos e que o Brasil já foi o maior produtor de lagosta no mundo. Chegou a pescar lagostas grandes,

de cauda de 13 centímetros com até 1,5kg. Isto hoje está ameaçado pela pesca predatória feita com a

tela de plástico.

Figura 29 – Neco e a montagem de um covo

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Pesca Para falar de covo, a pesca é um assunto inevitável. Seu Juarez, que tanto foi pescador quanto artesão,

comenta que já trabalhou com pesca de camarão e siri de beira-mar, depois currais de peixes e então

com jangada de lagosta. Já chegou a pegar 500 kg de lagosta, de seis a oito sacos, com a jangada quase

virando por conta do peso. Jura que não é história de pescador e diz que a lagosta antigamente não

tinha interesse comercial. Hoje a pesca desenfreada impede pegar quantidades tão grandes. Diferencia

o tipo de pesca feita com o covo, que é usado tanto para peixe quanto para lagosta. Covo com sanga

estreita é para peixe, já o de sanga larga é para lagosta. Sua produção de covos era para uso próprio e

também para vender nas praias vizinhas de Itamaracá (PE) e Cabedelo (PB).

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Figura 30 – Barcos na praia de Ponta de Pedras Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

O covo é submergido no mar e hoje, já se usa o GPS para marcar sua posição. Antigamente a posição

era marcada com referências visuais, depois se passou a utilizar boias, mas isso também sinalizava para

outros pescadores que, mal-intencionados, roubavam a carga. Com o GPS, somente o pescador sabe a

posição de seus covos. A retirada da carga de peixes, chamada de “despescagem” é feita no próprio

barco, lançando novamente os covos ao mar, mudando de posição se o aproveitamento for pouco,

como diz Anun.

Os covos são lançados ao mar em lotes, formando correntes de dezenas de covos presos uns aos

outros e permanecem imersos no mar por cerca de dois dias fazendo a captura dos peixes. Para a

despesca, Neco conta que ao chegar na coordenada indicada, vira o barco e lança a garatéia, um tipo

de âncora que irá prender em algum dos covos da cadeia e poderá puxar todos para bordo do barco. A

cadeia de covos tem duas garatéias, uma em cada ponta da corda para que os covos permaneçam na

posição. As garatéias impedem o conjunto de se deslocar, mas dentro do limite da corda, os covos

ficam livres.

A possibilidade de mergulhar para buscar os covos é remota, pois a profundidade é superior a 30

metros, chegando ao um limite de até 60 metros, o que é perigoso para mergulho. Só se faz isso

quando as correntes marítimas deslocam os covos e após várias tentativas não se consegue fixar a

garatéia com sucesso.

Figura 31 – Garatéia, também conhecida como “aranha”

Fonte: Divulgação internet, 2016

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Seu Juarez conta que não existe problema em ir para o mar na lua nova ou cheia, mas que na maré

baixa as pescarias são melhores. A dificuldade é quando ocorre a ressaca do mar, com fortes ondas, o

que dificulta o trajeto do barco.

A pesca com covo é o que se chama de pesca passiva, utilizando armadilha de peixe, em que é

colocada no mar e retirada algum tempo depois. Outras formas de pesca também são praticadas em

Ponta de Pedras, chamadas de pesca ativa, como rede, vara ou linha, em que o pescador faz a retirada

imediata do peixe da água Neco comenta que o covo produzido com fibra de cana-brava e estrutura de

madeira tem uma vida útil de cerca de seis meses.

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Peças O portfólio das peças de produção artesanal em fibra de cana-brava de Ponta de Pedras sofreu pouca

variação ao longo do tempo. Muitas das peças que eram confeccionadas no grupo do Sesi, nas décadas

de 1970 e 1980, ainda são produzidas, ainda que tenha havido grade agregação de valor, notadamente

na década de 2010. Destas peças, entre as mais aceitas no tempo de produção intensa do Sesi, Seu

Juarez lista a pãozeira, fruteira, cesta, bolsa e cesta de café da manhã. A peça mais fácil, principalmente

para os iniciantes, era a cestinha de aniversário, pequena. De uma forma geral, as peças maiores

sempre eram mais difíceis de produzir.

Neco disse já ter produzido até berço com o mesmo trançado, e também peças mais complexas, como

fruteira e luminária. Um outro artefato mencionado, ainda que esteja em desuso, é um quadrado

plano de trançado para usar dentro da panela de barro quando do preparo das refeições, de modo que

gorduras ou verduras não se impregnassem no fundo da panela. Com essa referência, comenta que o

trançado em fibra de cana-brava aguenta a temperatura do fogão.

A peça que se tornou característica da Cestaria Luna, dos irmãos Lourenço e Zezinho, foi a boleira, ou

coberta de bolo. Feita com um trançado fino, ainda assim sentiram a necessidade de colocar um tule

para proteger de insetos. Hoje, a coberta tamanho grande custa sessenta reais; mesmo valor do prato,

feito com um outro tipo de amarração da cana-brava. Outros tamanhos da mesma peça custam R$

50,00 e R$ 40,00. A peça é venda garantida, especialmente na Fenearte, inclusive da rodada de

negócios, em que são vendidas para lojistas.

Figura 32 – Coberta de bolo, com prato, da Cestaria Luna

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Para Nelzia, a peça mais desafiadora é uma luminária de grandes dimensões com duas telas de

trançado encaixadas. A peça, que é confeccionada com as paletas bem finas e o ponto em tamanho

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normal, pode durante a montagem ficar irregular, demandando refazer o trabalho para ficar com a

qualidade esperada.

Figura 33 – Luminária de difícil execução, segundo Nelzia

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2015

Nelzia é também a única pessoa do grupo Artesanato Cana-Brava capaz de fazer o molde, também

chamada de peça inicial ou também como “tirar a peça do chão”. Além do molde, somente Nelzia faz a

trança. Diferentemente do trançado padrão, que utiliza seis paletas, organizadas em três pares, a

trança utiliza somente quatro, duas para estruturar e duas para arrematar. Esta trança era muito usada

nas peças do Sesi para funcionar como pé das peças. Atualmente o grupo Artesanato Cana-Brava utiliza

elementos em coco como pés nos cestos. Confidencia que nem mesmo Zezinho sabe fazer a trança

com perfeição, apenas Lourenço.

Uma outra peça com enorme dificuldade de produção é o baú quadrado. Nelzia diz que o ponto deste

tipo de trançado permite fazer peças arredondadas. Para fazer quadrados, é necessário montar placas

e arrematar corretamente, de uma forma diferente da usada em cestos redondos. Lourenço tem um

modelo de cobridor de bolo com formato similar ao baú citado por Nelzia.

Figura 34 – Cesto baú, formado a partir de placas

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2013

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A evolução das peças produzidas pelo grupo Artesanato Cana-Brava é retratada por Adélia. No início do

grupo, trabalhavam com roupeiros e pãozeiras. Hoje a pãozeira ganhou um forro, que melhora a

apresentação e funcionalidade do produto. Agregaram a produção de luminárias, de teto e de mesa,

que são de grande aceitação no mercado. Adélia diz ter uma preferência pela luminária de mesa, pois

tem boa aceitação, utiliza pouca matéria-prima e gera uma melhor margem de lucro. A luminária foi

concebida com a base em madeira. Com a agregação da produção em papel reciclado no grupo , a

base começou a ser feita neste material, o que foi positivo ao grupo, que deixou de comprar a base a

um marceneiro e passou a produzir a peça internamente ao grupo.

Figura 35 – Luminária cápsula, com bases em madeira e em papel

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014

Apesar de Lourenço ter sido o instrutor do grupo, as peças do Artesanato Cana-Brava e da Cestaria

Luna adquiriram características distintas. As peças do grupo sempre estão com a palha ao natural e

muitas vezes tem os acessórios em coco ou tecido; já as peças dos irmãos Luna contam com o

acabamento em verniz e utilizam a cana-brava como única matéria-prima. Apesar da concorrência

direta, não fazem exatamente as mesmas peças.

De sua época no Sesi, Vaninha conta que as peças mais recorrentes eram a cesta de café da manhã, a

fruteira e o roupeiro. Já na atual fase do grupo Artesanato Cana-Brava, são as pãozeiras e cestos altos,

além das luminárias. Apesar do tamanho, diz ser mais fácil e rápido fazer o roupeiro alto, se

comparado com a luminária de mesa, que tem a malha fechada. O grupo reconhece e capitaliza a

valorização das peças com a incorporação de elementos em tecido, coco e papel reciclado.

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Figura 36 – Amostra do acervo de peças do grupo Artesanato Cana-Brava

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Criatividade As peças mais antigas foram produzidas por Seu Juarez e pelos irmãos Luna, dando origem a peças

consideradas clássicas, como o roupeiro e a cesta de piquenique. Sobre a inovação e o

desenvolvimento, Adélia conta que quando o grupo Artesanato Cana-Brava iniciou, eram produzidas

exatamente as peças mais tradicionais, mas com a ajuda dos designers do Imaginário, conseguiram

criar conjuntamente peças novas, como as luminárias. A artesã entende que aconteceu um processo

de apropriação: inicialmente os designers traziam esboços que eram discutidos e as artesãs produziam;

à medida que esta relação se estreitou, as artesãs passaram a desenvolver peças e os designers faziam

apenas o ajuste de algum detalhe. Essa parceria resultou, posteriormente, na incorporação de novos

materiais na produção do grupo, como o tecido, papel reciclado e coco, que foram atrelados à fibra.

Por sua vez, Nelzia diz que tomava as propostas sugeridas pelos designers do Laboratório O Imaginário

como desafios, mesmo achando alguma ideia inviável, fazia o teste. Alguns resultados até ficaram

satisfatórios e tinham competitividade no mercado, mas eram de difícil execução.

Para os irmãos da Cestaria Luna, a chave do sucesso na Fenearte é ter as peças clássicas e as

novidades. Sempre tem em seu estande as peças que os tornaram conhecidos, mas sempre

apresentam novas opções de peças. Dizem ter “mil ideias na cabeça”, mas se concentram em produzir

as peças que geram dinheiro para se manterem. Zezinho fala que a produção de cestas surgiu a partir

da sanga, quando pensaram em produzir uma peça que pudessem armazenar algo, como ovos ou

verduras. A pedido dos clientes foram fazendo novas peças. Assume que os clientes ensinam muito no

desenvolvimento das peças.

Cana-brava O ofício de covos e artesanato tem origem na cana-brava. Espécie abundante da região de Ponta de

Pedras, tal como a cana-de-açúcar, mas diferentemente desta, não tem usos de interesse comercial,

como produção de álcool ou açúcar. Zezinho sintetiza que é uma planta nativa, da vegetação da beira

de rio e de mangue. As plantações de usinas removeram as vegetações tradicionais, ao mesmo tempo

em que leis ambientais resguardam as áreas ao redor de mangues, reduzindo a área de cana-brava que

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podem ser cortadas. Sobre o plantio e crescimento da cana-brava, quem explica é Neco: na retirada da

vara, é feito um corte na base da cana-brava, mas sem afetar a raiz; de seis a doze meses, a cana-brava

brota e já está em ponto de ser cortada novamente. Para plantar, faz-se um sulco na terra e planta a

vara inteira, deitada; de cada gomo nasce uma nova vara de cana-brava.

Local de extração Diante da redução dos locais mais acessíveis para retirada da cana-brava, cada artesão e pescador deu

seu jeito de ter acesso a esta matéria-prima. Seu Juarez comenta que tirava a cana no próprio distrito

de Ponta de Pedras, na povoação de São Lourenço, nas terras do antigo engenho Massaranduba e

também em áreas do estado vizinho, na Paraíba. Neco já usa seu barco de pesca para ir na Ilha de

Itamaracá cortar a cana-brava para seus artesanatos e covos; em outros tempos, fazia o mesmo em

Maceió. Já Anun comenta que corta em Massaranduba, na ilha de Itapessoca (em Tejucupapo) e na

Povoação de São Lourenço. Comenta que, quando não tem condições de ir, existe a opção de comprar

o milheiro de varas das cidades de Igarassu ou Itapissuma. Adélia, Nelzia e Vaninha não fazem o corte

diretamente, mas geralmente solicitam a Anun. Vaninha também comenta que vem tentando negociar

o corte com um rapaz chamado “Paquete”, que é esposo de sua tia Neide, para ver se ele faz esse

serviço em Massaranduba.

Figura 37 – Cana-brava brotando a partir da raiz preservada

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Um ponto comum entre todos os depoimentos, é que a cana-brava cresce em áreas próximas ao rio,

mangue ou mesmo algum braço de mar. Neco afirma que antes era comum os donos das terras onde

havia a cana-brava, cobrarem pelo acesso para extração. Hoje já não existe esta cobrança. Zezinho

conta que a maioria dos donos de terra veem a cana-brava como um estorvo, um capim sem interesse

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comercial e sobre o qual não há necessidade de ter vigias ou proteção. Então, quem quiser cortar a

cana-brava estará fazendo um favor.

Corte O ponto em que a cana-brava está boa para ser cortada nem é verde, nem madura, é inchada. Este o

resumo que Seu Juarez faz. Já a visão de Neco é quanto às folhas; a cana-brava está pronta para o corte

quando estão douradas. A cana-brava está disponível em qualquer época do ano, não existe safra ou

sazonalidade. Por estar em áreas molhadas, no período chuvoso o acesso fica mais lamacento, isso é

uma dificuldade de trajeto, mas não de indisponibilidade da planta. O corte da cana-brava é feito na

base da vara, de modo a não prejudicar a raiz e permitir que brote novamente: dizem que a cana é

brava mesmo!

Anun comenta que o serviço de adentrar na mata para cortar a cana geralmente é feito por duas

pessoas. Tanto pela velocidade e produtividade do corte quanto pela segurança dos envolvidos.

Zezinho descreve que mesmo sob a sombra, a mata fechada e o sol durante o dia inteiro tornam o

trabalho bastante cansativo, principalmente por causa do calor. O ritmo de um dia de trabalho de uma

dupla de cortadores é próximo a um milheiro de varas cortadas e desfolhadas. Zezinho diz que esta é

uma quantidade necessária para ter um corte produtivo e que gere algum dinheiro.

O trabalho de cortar é “puxado”, como diz Anun. Sem horário de começar ou terminar, com uma

alimentação improvisada e com a foice para cortar e raspar as varas, com risco de cortar a mão ou

perfurar um dedo, e ainda de infecionar a ferida. Alerta que quem tem diabetes não pode fazer esta

atividade, inclusive teve um conhecido seu que faleceu em decorrência de uma ferida deste tipo. Anun

conta ainda que de toda a atividade de produção da cana-brava, a pior é o corte.

Figura 38 – Transporte da cana-brava recém cortada

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Anun diz que o ritmo desta atividade é intenso. Intercala etapas de corte com a raspagem das folhas,

de centena em centena. A alimentação é improvisada, sem muito tempo de descanso, visando

conseguir um milheiro de cana-brava por dia. O trajeto de volta deste material é descrito por Zezinho,

que informa ser inviável o acesso para carro, sendo muitas vezes utilizada a canoa para cruzar o

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mangue ou rio, fazer o corte e os feixes de cinquenta varas e retornar. O restante do transporte é feito

com carroça de tração animal para levar tudo até o local de trabalho.

Durante as entrevistas, surgiram poucos nomes de quem faz atualmente o corte. Além dos já

referenciados Anun e Zezinho, poucos são os que fazem o corte da cana-brava, principalmente com o

tratamento mais refinado para o artesanato. Foram citados Eufrásio, Zé Rosa e Geraldo, mas todos

aparentemente já pararam com este serviço. Em atividade foi comentado apenas o pescador Paquete.

Vaninha se preocupa com esta baixa oferta de cortadores e o impacto disso para continuidade do

grupo Artesanato Cana-brava, composto basicamente por mulheres. Durante a pesquisa, não foi citada

nenhuma mulher que tenha exercido a atividade de corte da cana-brava.

Tipos Aos olhos de um leigo, as varas de cana-brava são todas iguais. Contudo, quem conhece do ofício

diferencia o tipo de cana-brava e sua finalidade. Neco demonstra sua experiência ao afirmar que a

cana para fazer o covo é a mais madura e para artesanato, é a cana mais verde. A cana muito velha,

plantada em terra “fraca” forma o rabo de tatu, com a vara fina e com os gomos muito próximos. A

vara boa para qualquer dos usos é a que tem os gomos espaçados, pois o nó é um ponto de fragilidade

para a quebrar da paleta. Anun seleciona a cana-brava para o corte pelo olhar, sabendo que as varas

mais altas e claras são melhores, tanto para o covo quanto para o artesanato.

Figura 39 – Comparativo entre a cana-brava rabo de tatu e a ideal para o trançado

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Durante a fase corte, o cortador faz uma certa avaliação sobre cortar as canas maduras, mas também

algumas mais verdes, sabendo que precisará de paletas mais flexíveis, próprias para o acabamento.

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Adélia diz que em um milheiro, é bom ter uma proporção de oitocentas palhetas rígidas, maduras, para

fazer o cesto e cerca de duzentas paletas mais finas, verdes e flexíveis para o acabamento e arremate.

Raramente deixa de se aproveitar alguma paleta, depois de tanto trabalho. Apenas as que tiverem

manchas são descartadas.

O único uso que Neco disse conhecer da cana-brava, exceto para o covo ou artesanato, era que

antigamente as folhas da cana eram trituradas e misturadas à ração dos bichos, como um fortificante,

o que já não se faz atualmente. Ademais disso, a cana-brava não tinha nenhuma outra utilidade

conhecida na região.

Preços Os preços da cana-brava variam de acordo com o estado de beneficiamento. Neco comenta que,

atualmente, um milheiro de varas inteiras custa cerca de R$ 400 reais. Como cada vara resulta em

cerca de seis paletas, estes quatrocentos reais renderiam seis milheiros de paletas, depois de

processadas. Neco corta e processa as próprias paletas, sem comprar ou vender a ninguém.

Para a Cestaria Luna e o grupo Artesanato Cana-Brava, Anun vende o milheiro de paletas que ainda

precisam ser refinadas para o trabalho de cestos. Este milheiro foi vendido a R$ 100 das últimas vezes,

mas Anun diz que este valor não tem remunerado o serviço satisfatoriamente. O preço do milheiro de

varas citado por Neco é confirmado por Anun. Em algumas situações, por agilidade na aquisição ou

redução de esforço, Anun compra o lote de mil varas de cana-brava ao custo de quatrocentos reais,

adquirindo em Pontas de Pedra, Igarassu ou Itapissuma. Nestes casos, o material é deixado de canoa

na beira da praia ou do mangue e ainda existe um frete da carroça para levar até o local onde Anun

ainda vai passar as paletas. Este frete lhe é cobrado na faixa de trinta reais por quinhentas varas. Esta é

sua justificativa em querer aumentar o valor do milheiro de paletas. O milheiro de varas custando R$

460, resultando em seis milheiros de paletas para vender a R$ 100 reais, implica numa remuneração de

R$ 140 reais pelo serviço de passar as seis mil paletas. O valor que pretende cobrar em ocasiões futuras

é de R$ 120 pelo milheiro de paletas. Estima que este serviço de passar este montante de paletas lhe

toma entre quatro e cinco semanas. Adélia comenta que entre 2015 e 2016 o valor deste milheiro de

paletas subiu paulatinamente de setenta, para oitenta e para cem reais.

Zezinho prefere ele mesmo fazer o corte, quando é possível. A alternativa de comprar o milheiro de

varas de cana-brava lhe custa entre trezentos e quatrocentos reais. Diz que com um ajudante, são

necessários dois dias para cortar o milheiro de varas para levar para casa e começar a passar. Compara

que o cortador recebe quando entrega o material, enquanto o artesão só receberá depois que passar

as paletas, fizer os cestos e vender.

Sustentabilidade Ainda que a cana-brava seja fácil reprodução, o seu corte acima da raiz, é o suficiente para que se

tenha a sua plena recuperação para o novo corte em cerca de seis meses. Os locais de corte da mesma

ao longo do tempo vêm escasseando.

A dificuldade de obtenção da matéria-prima foi um consenso entre as pessoas entrevistadas nesta

pesquisa. Seu Juarez diz que muitas áreas em que se obtinha o material, foram desmatadas para

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cultivo de roçados familiares ou para ocupação industrial. Apesar dessa dificuldade, a extinção da

planta não é algo que Anun enxergue como possibilidade. A facilidade com que a cana brota é um dos

motivos para se chamar cana “brava”. Outro ponto levantado é que o local mais propício para a boa

cana-brava é na beira de mangue, que tem pouca atratividade como terreno para exploração

imobiliária.

A dificuldade de acesso à cana-brava e a falta de pessoas para cortar é uma preocupação constante

para Adélia e as demais artesãs do grupo Artesanato Cana-Brava. Elas acreditam que a solução

adequada seria um terreno cedido pela prefeitura para abastecer os artesãos e também os fazedores

de covos.

Outro agravante é comentado por Zezinho. Como as áreas de cana são beiras de mangue, é o mesmo

local em que os catadores de caranguejo e guaiamum trabalham. Para acessar seu material, acabam

por queimar as plantas do acesso, o que afeta diretamente a cana-brava, que queimada perde a

resistência e boa aparência para o artesanato.

O manejo da cana-brava vem sendo feito ao longo do tempo, conforme constatado na presente

pesquisa, de forma não-planejada ou predatória, na medida em que nunca foi tratada como um bem

comum para o coletivo de utilizadores.

A ocupação pelos proprietários de terra de áreas naturais da cana-brava, o que caracteriza uma

ilegalidade viabilizada pela falta de fiscalização dos responsáveis por esse controle ecológico, uma vez

que estas áreas de beiras de rios e mangues deveriam ser resguardadas.

A situação descrita ameaça a continuidade da produção artesanal com a fibra da cana-brava e a cadeia

de efeitos resultantes é a necessidade de coletar a matéria-prima em locais a cada vez mais distantes e

de difícil acesso, o que tem gerado a redução do número de pessoas envolvidas profissionalmente na

coleta das varas, o que acarreta o aumento dos custos das paletas.

Apesar das adversidades relatadas, a crise de disponibilidade força a união dos envolvidos em busca de

uma solução sustentável para a coleta e manejo da matéria-prima, na medida em que o problema seja

enfrentado pelos artesãos de forma coletiva, com o apoio dos poderes municipal e estadual.

Diferenças e transformações Cada artesão, em seus distintos tempos com o trabalho do trançado, comenta as mudanças que

perceberam em algum aspecto da produção artesanal com a fibra de cana-brava.

Adélia percebe uma maior diferença nas peças produzidas na época em que começou, meados de 2003

e os artefatos produzidos mais de uma década depois. Considera que houve uma melhora na

qualidade, na diversidade de modelos e nas matérias-primas acessórias utilizadas. No começo de sua

produção, as peças se resumiam a cestos de formatos variados, feitos unicamente com a fibra de cana-

brava. A artesã comenta que agregaram outros materiais como o tecido, a serigrafia, o coco e o papel

reciclado com o apoio da equipe do Imaginário. Hoje em dia, Adélia percebe uma diferença clara entre

as peças do grupo Artesanato Cana-Brava e as peças da Cestaria Luna, dando ênfase no design de suas

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luminárias e cestos de pão com forro de tecido estampado e sempre mantendo as paletas de fibra ao

natural. Os irmãos Luna trabalham com o artesanato desde o início da mesma forma, inclusive com o

uso de verniz sobre as paletas. Adélia entende que esta diferença não é um problema, pois ainda que

esteja vizinha à Cestaria Luna em alguma feira, os clientes de cada grupo são distintos. Também

enxerga a evolução em busca de novas peças, ano após ano, como diferencial de venda; esta

renovação do portfólio de produtos é algo que só começou de forma consistente nos últimos anos.

Figura 40 – Peças com tecido, coco e uso de serigrafia

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2014

Vaninha enxerga que o trabalho permanece inalterado, mas com pequenas melhorias. Um exemplo

citado foi a peça roupeiro, produzida desde o tempo do Sesi até hoje. Comenta que esta peça antes

tinha a malha bem mais fechada; atualmente é mais aberta. Diz que mudou pela facilidade de

transporte, possibilitando que um cesto entre no outro, reduzindo o volume. Sobre o acabamento, cita

algumas diferenças. O término da peça, o acabamento da “boca” do cesto, era feito com três voltas

com a paleta; os artesãos de hoje fazem com uma volta só. Somente quando a peça tem tampa, é que

são feitas duas voltas. Outra mudança no acabamento foi o verniz sobre a palha, que em sua produção

não tem mais. Quando estava no grupo de aprendizado do Sesi, era comum passar a peça pela chama

de uma bacia com álcool, para queimar e os “pelos” das peças, as pequenas e finas aparas da fibra

trançada. Quem não sabia fazer este processo terminava por queimar as palhas das peças e depois se

entendeu que este processo tirava o brilho natural da cana-brava. E hoje a peça é vendida em um

estado mais natural, sem queimar ou envernizar. Diz que a peça envernizada fica feia, amarelada e

ressecada com o passar do tempo.

Mercado O histórico de comercialização de artefatos artesanais em trançado de cana-brava em Ponta de Pedras

remonta, aparentemente, à produção iniciada por Seu Juarez. Num dia que não foi para o mar, fez um

cesto bem-acabado, com paleta fina e flexível, com acabamento em verniz. A dona do engenho

Massaranduba, Dona Anitinha, foi a sua primeira compradora. Com o apurado de 10 cruzeiros,

imaginou que aquele seria uma boa fonte de renda. Afirma que naquela época não tinha visto

nenhuma cesta de trançado. Chegou a fazer vendas em grandes volumes para o Sesi e também para

outros comerciantes, como o dono de uma padaria, que comprou um lote de 200 cestas para fazer

conjuntos de natal.

Os irmãos Luna fazem um comparativo do ganho entre o covo e o artesanato. Num dia de trabalho, era

possível produzir dois covos grandes por dia, que poderiam ser vendidos ao preço unitário de quinze

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reais. Neste mesmo intervalo, Lourenço era capaz de produzir dez cestas, ainda sem o acabamento,

que são vendidas hoje a cerca de 50 reais. Ambos trabalham sempre juntos, mas o irmão mais

conhecido é Lourenço, que se dispõe a ir em feiras e eventos para apresentar o trabalho, dentro e fora

do Estado. Outra vitrine da Cestaria Luna é o Centro de Artesanato de Pernambuco, que tem resultado

em boas vendas, desde sua inauguração em 2012, garantindo uma renda quase que constante para a

dupla.

No grupo Artesanato Cana-Brava é feita a distribuição de peças de maior e menor valor agregado entre

todas as artesãs. O grupo conta hoje com um box no Mercado Público de Ponta de Pedras, além de

também expor sua produção no Centro de Artesanato de Pernambuco, presença anual na Fenearte,

além de atender ao longo do ano uma carteira de clientes espalhados pelo país.

Figura 41 – Estande na XVI Fenearte

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2015

Significados A cana-brava tem uma importância marcante na vida de todos os envolvidos nas entrevistas desta

pesquisa. Neco atribui seu sustento à planta, dizendo que é sua fonte de renda e sua profissão.

Entende que ele é o autor do covo produzido e isso lhe dá uma autoridade sobre o material que

confecciona. Se orgulha de seus covos em miniatura e que foram levados para Portugal e Canadá,

mostrando a cultura de Ponta de Pedras. Este mesmo sentimento de vida construída com o sustento

da planta é transmitido por Seu Juarez, que diz ser a produção artesanal importante para

complementar a renda da pesca. Anun diz que o trançado em cana-brava mantém a tradição, a história

e a identidade de Ponta de Pedras, além de ser fonte de renda.

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Para Lourenço, a importância do trançado é a possibilidade de dar condições de sobrevivência aos seus

artesãos. Devido à limitação de sua perna, agradece a Deus ter lhe mostrado a opção do artesanato.

Seu irmão, Zezinho, também cita a geração de renda para si e sua família como grande importância do

trançado em fibra na sua vida.

Para as mulheres, o impacto da cana-brava vai além da geração de renda. Nelzia sente orgulho em ter

sido professora desta técnica na fase em que trabalhou no Sesi, pois participou de vários treinamentos,

viajou para outras cidades e ajudou outras pessoas a aprender um ofício. O trabalho, além de uma

fonte de renda, é uma satisfação pessoal. Adélia conta que fazer parte do grupo foi uma transformação

em sua vida. A antes dona de casa aprendeu a fazer as peças, se comunicar com clientes, organizar a

produção, gerenciar materiais e ferramentas para o grupo e até mesmo ensinar o que aprendeu para

outras pessoas. Vaninha, mais discreta, afirma que o artesanato é uma forma de trabalho e geração de

renda além da pesca ou marisco.

Mestres Lourenço diz que se considera mestre no artesanato em fibra pela qualidade no trabalho; e diz que

também é valorizado pelo trabalho artesanal na comunidade e em eventos que participa. Sobre este

esmero na produção, Lourenço faz uma citação: “o trabalho é um dever de cada dia quando ele é feito

com prazer e alegria; se você não tem prazer no que você faz, não tem alegria, você faz de todo jeito”.

Seu irmão Zezinho também se considera mestre, pelo trabalho que desenvolve, pelo reconhecimento e,

principalmente, pelo conhecimento acumulado sobre os modos de fazer. Sua esposa Marleide se

considera uma artesã, mas não mestre. Essa definição reserva para o artesão de cana-brava que faz a

peça sem precisar da peça inicial para replicar. Os irmãos Luna também já foram reconhecidos,

principalmente em feiras de artesanato. Esta divulgação lhes rendeu algumas inserções em jornais,

revistas e televisão. A mais antiga que conseguiu guardar data de 2002.

Nelzia também considera Lourenço um mestre, principalmente por ter sido ele a lhe ensinar a técnica,

assim como ter dado continuidade ao que Seu Juarez iniciou e por já trabalhar a muito tempo. Já Adélia,

que aprendeu com Lourenço e aperfeiçoou com Nelzia, credita a esta o status de mestre. O critério usado

por Adélia é que Nelzia é antiga nessa área e ajudou tanto os alunos do Sesi quanto do Artesanato Cana-

Brava. Além do fato de que Nelzia consegue fazer a peça sem o molde, o que Adélia chama de “tirar do

chão”.

Lourenço e Nelzia também são referenciados por Vaninha como mestres no artesanato em fibra. Ela diz

que Nelzia consegue fazer a peça inicial e, também, é ágil na produção. Talvez pela idade, Vaninha diz

não poder afirmar que Seu Juarez seja mestre, pois nunca o viu trabalhando.

Os demais entrevistados são unânimes em atribuir a Seu Juarez a condição de mestre. Adélia e Nelzia

lhe conferem este título por Seu Juarez ter começado a fazer os cestos com o trançado do covo. Sobre

Seu Juarez, Lourenço e Zezinho respeitam o fato de que ele foi o primeiro que aprendeu e fazia peças

bonitas, no entanto, seu trabalho infelizmente teve pouca divulgação.

Perspectivas

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63

Para Neco, o futuro da pesca com o covo em fibra de cana-brava é finito. Os pescadores estão usando

cada vez mais as telas plásticas para fazer covos e as marambaias e, por isso, a cultura deste trançado

está sendo perdida. Diz não existir interesse dos jovens em aprender, por falta de perspectiva. Conta

ainda que o pescador já foi mais valorizado na sociedade. Atualmente, com a implantação de indústrias

na região, o ofício tem menos merecimento. Vaninha também vê com preocupação o futuro desta

técnica, neste caso, pela dificuldade de acesso à matéria-prima. Apesar desta dificuldade, reconhece o

avanço na divulgação do artesanato feito em fibra de cana-brava desde o apoio do Imaginário, quando

comparado à época do Sesi.

A visão de Anun é mais positiva, imaginando que este trançado para produção de artesanato tende a

aumentar. Fala isso baseado nas boas vendas da Fenearte, comentadas pelos grupos de Adélia e

Lourenço nos anos recentes. E este sucesso repercute na cadeia produtiva, com Anun processando

paletas. Neste cenário, acredita que existe sim a formação de novas pessoas na atividade, que deve

continuar fortalecendo a cultura local.

Adélia também acredita que o trançado não deve desaparecer, tanto para a pesca quanto para o

artesanato. Para as armadilhas de pesca, deveria existir uma fiscalização do Ibama para o controle do

tamanho da tela, seja plástica ou de fibra. Adélia acha um desserviço o pescador utilizar a tela plástica

quando existe a cultura tradicional da pesca artesanal com o covo de paleta. Esta prática prejudica

também o artesanato de cesto, à medida que desestimula o corte da cana e desconstrói a referência

cultural. A maior dificuldade é o acesso à planta, problema para o qual sugere a criação de um plantio

para atender artesãos e pescadores.

Na família Luna, a visão de futuro é diversificada. Lourenço imagina continuar com a atividade

enquanto for possível. Zezinho, como pai de três jovens, trabalha e educa para que os filhos saibam

fazer o artesanato, assim como estejam preparados para empregos que requisitem qualificação

técnica, como as indústrias. No futuro de longo prazo, acredita que não existam novas pessoas

interessadas nesta atividade de trançado. Um dos motivos é a relação de tempo entre produzir e

receber o dinheiro. Este é o argumento de Charles, filho mais velho de Zezinho: o artesão precisa

produzir para uma feira com até seis meses de antecedência para faturar na feira. Já o encanto do

emprego formal é o dinheiro certo no dia certo, depois de uma jornada de trabalho fixa.

Zezinho comenta que existe um paradoxo entre produção e mercado, que poderia se uma grande força

ao artesanato, ou um grande fracasso. Por algumas vezes, empresas como Tok&Stok buscaram vender

as peças em fibra de cana-brava, mas requisitavam quantidades grandes demais para qualquer dos

grupos conseguirem atender. Ainda que houvesse a junção de esforços, demandaria o treinamento de

novas pessoas, além da necessidade de muita cana-brava para as paletas, e o fluxo de pagamento

adotado pela empresa coloca toda esta possível estrutura que seria montada em risco. Deste modo,

estas negociações com a Tok&Stok nunca prosperaram.

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3. Relações institucionais No desenvolvimento da tradição de trançado de cana-brava em peças comerciais de artesanato

utilitário e decorativo, algumas instituições tiveram grande importância, seja na reunião de pessoas

para produção, no apoio ao repasse da técnica, no desenvolvimento de produto, no acesso aos

mercados compradores e outras atividades. Algumas das pessoas que foram entrevistadas

comentaram sobre as instituições às quais estiveram ou estão ligadas, bem como citam as

intervenções de outras entidades, o que auxilia no cruzamento das informações coletadas.

Sesi Por volta da década de 40, o Sesi - Serviço Social da Indústria se instalou em Ponta de Pedras e

permaneceu como um importante centro formador por cerca de cinquenta anos. Maria Celina de

Barros Carneiro, mais conhecida como Dona Celina, narra a história do Sesi em Goiana a partir de sua

própria biografia, que inicia com o aluguel da casa de sua família para a Sede da Instituição. Tendo

atuado como professora, coordenadora e diretora, trabalhou no Sesi durante 34 anos e só deixou a

instituição, quando do seu fechamento em abril de 1997.

Figura 42 – Dona Maria Celina de Barros Carneiro

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Segundo conta Dona Celina, tendo como superintendente o Paulo Freire (na ocasião, ainda iniciando a

sua carreira com educador) , o Sesi se estabeleceu em Goiana para fomentar a indústria pesqueira, no

entanto, ao iniciar as atividades encontrou uma realidade diferente, pautada na pesca em escala

artesanal. A alternativa encontrada foi o investimento em educação da população local. Oferecia tanto

o ensino fundamental para crianças, que ia até a oitava série; quanto a capacitação técnica para jovens

e adolescentes. As técnicas artesanais ensinadas eram a renda de bilro e o trançado em fibra de cana-

brava.

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O Sesi, na época, instituiu uma lógica de formação, produção e comercialização de artefatos artesanais.

Havia o grupo de aprendizagem, voltado às crianças e iniciantes na técnica; o grupo de produção, com

os adolescentes e adultos com vistas à feitura das peças para venda; e as lojas da Casa da Indústria no

Recife e outras cidades do Estado, que escoavam a produção em fibra de Ponta de Pedras e outras

unidades produtivas do Sesi. Para instrutores do grupo de aprendizagem em fibra de cana-brava, que

funcionavam no período da manhã com aproximadamente 20 alunos por turma, foram contratados

primeiro o Seu Juarez e a seguir, Nelzia. Cada artesão capacitado poderia participar do grupo de

produção, que funcionava durante todo o dia, e a remuneração era realizada de acordo com sua

produção. Toda a produção era transportada para as lojas da Casa da Indústria e comercializada.

Para Dona Celina, foi de fundamental importância o papel do Sesi para a formação e disseminação do

trançado em fibra de cana-brava em Ponta de Pedras. Representou para a comunidade, a possibilidade

de gerar renda e ter uma alternativa de formação profissional, além da pesca artesanal.

Figura 43 – Sede do Sesi em Ponta de Pedras/ Goiana na década de 70

Fonte: Cortesia de Dona Celina, 2016

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Figura 44 – Fachada atual do imóvel alugado pelo Sesi na década de 70

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

Comar A instituição Comar - Cooperativa Mista Artesanal do Recife Limitada, chegou a Ponta de Pedras no

início da década de 80 por meio de pesquisa nos mapas da pobreza do estado e da conversa com os

moradores da região. A Comar tinha por objetivo a promoção do artesanato, a promoção de cursos

sobre a produção artesanal e a execução da comercialização das peças produzidas pelos seus grupos

de associados. A Comar funcionava no bairro de Dois Unidos, no Recife; local do escritório, da

produção de peças e móveis em madeira, assim como central da comercialização de produtos em loja

própria.

Figura 45 – Dona Norma

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

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A cooperativa comercializava a produção dos associados para Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e

para o Exterior – através do Movimento Popular das Famílias, para países como Suíça, Japão, Holanda,

Inglaterra e França. A Comar tinha representantes comerciais no Rio de Janeiro e em São Paulo.

O Movimento Popular das Famílias – MPF foi criado a partir do interesse que o artesanato despertou

no mercado europeu, especialmente na Suíça. Representantes do movimento moravam no Recife e se

revezavam a cada dois anos. Eram responsáveis por realizar os treinamentos técnicos com os artesãos,

principalmente na produção de peças e móveis em madeira. A ajuda do MPF à Comar encerrou quando

o movimento entendeu que a Comar tinha condições de se manter sozinha.

O Projeto de cooperação entre o Movimento Popular das Famílias e a Cooperativa Mista Artesanal do

Recife fortaleceu as ações junto aos municípios. As funcionárias da Comar realizavam pesquisas em

mapas e perguntando a moradores dos municípios as atividades artesanais realizadas, mapeavam as

opções de matéria-prima e possibilidades de aproveitamento. Após pesquisa, elaboravam curso de

artesanato de acordo com cada município e faziam a seleção de cerca de 20 pessoas para realizar os

cursos.

O treinamento era realizado por Orlando e Ema (sua esposa). Das 20 pessoas selecionadas, 01 era o

monitor do curso e responsável por repasse da técnica ao restante do grupo. Todas as pessoas que

participavam do curso recebiam uma ajuda de custo, sendo o monitor com um valor diferenciado. A

Comar só trabalhava com grupos, em sua maioria, formados para a realização do curso de artesanato.

Após o término dos cursos, os artesãos formados eram associados à Comar.

Mensalmente era realizado o acompanhamento de cerca de 20 municípios. As visitas eram realizadas

por Norma e Neli, que entregavam aos grupos os pedidos realizados por clientes e recolhiam as peças

que já haviam sido produzidas sob encomenda. Norma Maria de Souza trabalhou na Comar por cerca

de 16 anos. As encomendas de peças eram repassadas apenas aos artesãos associados. Além disso, a

Comar fazia sugestões de modelos de peças aos artesãos, de acordo com tendências de mercado e os

pedidos realizados por clientes.

Quando Norma e Neli chegaram a Ponta de Pedras, conheceram Seu Juarez e a seguir conheceram

Lourenço e após, Zezinho (seu irmão). A Comar formou no local um grupo misto de 20 pessoas, a

maioria homens, porque sabiam trançar covos de pesca e que tinham experiência na produção de

trançado de covos feitos em cana-brava. Todos receberam ajuda de custo durante o curso. O monitor

escolhido foi Seu Juarez e as reuniões de produção aconteciam na sua casa. Segundo Norma, antes da

formação do grupo, os moradores do local só produziam covos de pesca. Após o término do curso, os

20 participantes foram associados à Comar e começaram imediatamente a comercializar suas peças.

No entanto, os irmãos Zezinho e Lourenço formaram um grupo próprio, época em que trabalharam

com Nelzia. Foram associados à cooperativa e produziam e vendiam peças através desta instituição.

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Figura 46 – Carteira de Lourenço como associado da Cooperativa datada de 1981

Fonte: Cortesia de Zezinho, 2016

As peças vendidas pelo grupo tinham um bom acabamento e eram envernizadas. Peças como a

pãozeira e o cesto começaram a ser produzidas pelo grupo nesta época. Norma relata que, dentro de

Pernambuco, não haviam produtos semelhantes, apenas em outros estados. O processo de formação

de preço e a venda das peças era feito pela Comar que considerava a matéria-prima utilizada, mão de

obra do artesão, além do percentual de remuneração da Comar. A Comar também era responsável por

captar clientes, registrar e repassar os pedidos aos artesãos, além de transportar as peças produzidas

do artesão até o cliente. Além disso, fazia o controle de qualidade das peças produzidas por todos os

vinte municípios acompanhados. Todas as peças produzidas pelos artesãos eram direcionadas ao

espaço da Comar, onde eram expostos para vendas e escoados para os clientes.

Fenearte A Feira Nacional de Negócios do Artesanato, realizada anualmente desde o ano 2000 no Centro de

Convenções de Pernambuco, é a maior feira de artesanato da américa latina e visa disponibilizar a

venda direta de artesãos produtores para o público consumidor. Atualmente com cerca de oitocentos

estandes, a Feira é organizada em setores para artesãos do Estado, de outros estados do país e até de

outros países. Organizada pelo Governo de Pernambuco, através da AD/Diper, faz parte da política

pública intitulada Programa do Artesanato de Pernambuco – PAPE, que contempla também o Centro

do Artesanato de Pernambuco e o Fórum do Artesanato de Pernambuco.

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Figura 47 – Entrada da XVI Fenearte, em 2015

Fonte: Divulgação/internet, 2015

A Feira nunca deu apoio direto a nenhum artesão, com exceção daqueles homenageados na sua

entrada, a Alameda dos Mestres, os quais não pagam pelo estande e ainda recebem apoio no

transporte, estadia e alimentação durante os onze dias de realização. Mesmo assim, é justo considerar

que para o artesão, a possibilidade de ter um espaço na feira lhe é de grande ajuda, pois ademais das

fortes vendas no período, ainda existe a divulgação do trabalho e, ocasionalmente, pedidos e

encomendas para atendimento ao longo do ano que são frutos desta exposição.

Lourenço já esteve na Alameda dos Mestres por quatro vezes, até 2016 e considera o evento como de

fundamental importância para a divulgação de seus trabalhos. Compara a expectativa da Feira com o

plantio de cana-de-açúcar, em que se espera o ano inteiro para poder cortar e moer para produzir

álcool e açúcar.

O grupo Artesanato Cana-Brava também está presente na Fenearte, desde 2006, inicialmente

ocupando um espaço cedido no estande do Armazém Sebrae; e a partir de 2011, passa a ter um

estande próprio para expor e comercializar seus produtos.

Artesanato Cana-Brava O grupo produtivo teve início em 2003, através da iniciativa do Sebrae, que identificou no artesanato

em fibra de cana-brava, apresentado pelos irmãos Zezinho e Lourenço nas feiras, uma oportunidade de

mercado. As primeiras conversas aconteceram em 2002, provocadas pelo Sebrae, mas em 2003 com a

mobilização do Laboratório O Imaginário, o grupo de fato começou a se estruturar.

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As pessoas que se interessaram em participar eram majoritariamente, mulheres, que não trabalhavam

fora de casa, curiosas em saber como era fazer o artesanato, e tinham uma expectativa de retorno

financeiro mais imediato. A constatar a realidade da atividade artesanal, algumas participantes

desistiram, mas um grupo, que acreditou no artesanato, fez surgir o grupo Cestaria Cana-Brava

(primeiro nome do grupo), conta Adélia.

Ao longo dos anos, com o apoio de parcerias, o grupo fez oficinas com capacitação que foram além do

trançado, envolvendo costura, serigrafia e o beneficiamento do coco. O apoio recebido para a

organização da produção e a comercialização de produtos foram igualmente importantes para o

fortalecimento do grupo.

Figura 48 – Marcas das duas identidades assumidas pelo grupo, em 2003 e 2011

Fonte: Cortesia de Zezinho, 2016

A principal matéria prima é a cana-brava que, transformada em paletas, é recebida já tratada e

distribuída entre as artesãs que individualmente tem a responsabilidade de manter a fibra em bom

estado. A partir daí a produção é distribuída por Adélia entre as artesãs, de acordo com os pedidos dos

clientes. Cada artesã produz suas peças e ao concluí-la entrega para Adélia, que confere junto com as

artesãs a qualidade e a adequação ao pedido do cliente. A embalagem do pedido é feita pelas artesãs

em conjunto.

Muito embora disponham de espaços para abrigar a produção, no Cento Cultural José Romualdo

Maranhão, em muitos casos existe a preferência de trançar em casa, pois é possível trabalhar a noite e

dar conta dos serviços domésticos, afirma Maria Adélia.

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Figura 49 – Centro Cultural José Romualdo Maranhão

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2012

A gestão dos recursos oriundos da comercialização (principalmente a Fenearte e lojistas de Porto de

Galinhas, Rio de Janeiro e São Paulo) é dividida entre o pagamento do artesão, o gasto com o material

e um percentual que é revertido para o grupo. É possível observar que os produtos feitos da cestaria,

em função da matéria prima, remuneram melhor o artesão se comparado aos produtos que utilizam o

tecido e a serigrafia.

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Figura 50 – Troféu do Prêmio Sebrae Top100 de Artesanato, em 2012

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2012

A construção pela Prefeitura de Goiana de um espaço (Cento Cultural José Romualdo Maranhão,

comumente chamado de casarão) para abrigar as artesãs em 2006; a participação do grupo na

Fenearte, por meio de seus próprios recursos; além de premiações como nas três últimas edições do

Prêmio TOP100 Sebrae de Artesanato são apontadas como conquistas do Artesanato Cana-Brava,

declara Maria Adélia.

UFPE/Laboratório O Imaginário Em se tratando de Artesanato, a ação do Sebrae em Ponta de Pedras tem início quanto a venda

produtos dos artesãos Zezinho e Lourenço, nas mais importantes feiras de artesanato do país, chama a

atenção. Segundo Adélia, Roberta Muniz, técnica do Sebrae, em conversa com o artesão Zezinho em

2002, foi informada da prática do trançado em Ponta de Pedras e iniciou as conversas com a população

local. Identificado o interesse e potencial da atividade, o setor de promoção do artesanato do Sebrae, à

época representado por Fátima Gomes, entrou em contato com o Laboratório O Imaginário da UFPE

que, na época 2003, era denominado Projeto Imaginário Pernambucano, para elaborar um projeto

específico para Ponta de Pedras.

A contratação do Imaginário Pernambucano para elaborar e implementar o projeto de incremento a

atividade da cestaria em Ponta de Pedras iniciou com o recrutamento de pessoas interessadas em

aprender o trançado. Um grupo formado prioritariamente por mulheres, esposas e filhas de

pescadores, participaram de oficinas, ministradas pelos irmãos Zezinho e Lourenço, para aprendizagem

da técnica. Dentre as mulheres, duas se destacam: uma pela capacidade de liderança - Adélia, outra

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pela intimidade com o trançado – Vaninha, que já trabalhava para os irmãos Luna, segundo relato das

coordenadoras do Imaginário - Ana Andrade e Virgínia Cavalcanti.

Ao final das oficinas, os irmãos Luna foram convidados a participar do grupo, entretanto não

aceitaram, argumentando que as novas artesãs não tinham domínio suficiente e que não gostariam de

comprometer a qualidade de seus produtos. Os irmãos preferiam contar com as esta nova força de

trabalho na Cestaria Luna, confeccionando os cestos a partir de moldes pré-estabelecidos e fazendo os

acabamentos. Esta opção não foi aceita pelo grupo de artesãs, pois o Sebrae havia lhes mostrado a

potencialidade do empreendedorismo e elas queriam então um negócio próprio. Nesse momento ficou

claro para o Imaginário que teriam que tratar também das questões de gênero, afirmam as

coordenadoras.

Se por um lado a decisão dos mestres deixou o grupo inseguro, com pouca prática, naturalmente se

reduzindo em função da perda de interesse de algumas mulheres, por outro lado, a recusa desafiou um

pequeno grupo, que sob a liderança de Adélia e com auxílio de Vaninha, que já trabalhava para os

irmãos e se incumbiu de ajudar no aperfeiçoamento do trançado do grupo produtivo que se formava.

A maioria das mulheres que faziam parte do grupo eram casadas, mães de família, de idades variadas e

apenas Vaninha era solteira. Ao grupo, posteriormente se juntaria Nelzia, que já havia participado dos

trabalhos com cestaria no SESI e que sabia construir moldes.

Com o domínio da técnica, o desafio seguinte foi competir com os produtos vindos da China, com

preço muito baixo. A agregação de valor foi a estratégia que permitiu a inclusão de outros materiais

como o tecido, o coco, a madeira, dentre outros, assim como a incorporação de homens ao grupo.

Oficinas de costura, oficina de estamparia, técnicas de beneficiamento de coco permitiram a criação de

novos produtos com maior competitividade e valor agregado.

Entre os anos 2003 e 2008, a parceria com o Imaginário/UFPE teve desdobramentos, dentre eles a

adesão da Prefeitura Municipal de Goiana, que viabilizou a construção de um espaço no Centro

Cultural José Romualdo Maranhão para abrigar o grupo, que se intitulou inicialmente Cestaria Cana-

Brava, passando com a inclusão dos novos materiais e produtos, a se denominar Artesanato Cana-

Brava.

Ao longo dos anos, as parcerias foram tomando formatos diversos em função do enfoque das

instituições. Para garantir o apoio ao grupo, o Imaginário concorreu a editais e viabilizou ações que

auxiliam o grupo até o presente momento. O investimento no grupo é justificado pelo seu potencial, já

reconhecido em premiações como o Prêmio de Artesanato TOP 100, na repercussão dos seus produtos

em feiras de artesanato como a Fenearte, no papel que hoje o grupo desempenha junto à comunidade

local e, principalmente, no esforço de empreender o seu próprio negócio, segundo afirmam as

coordenadoras do Laboratório O Imaginário.

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Sebrae Foi através do Sindicato dos Artesãos que o Sebrae Pernambuco se aproximou do artesanato,

representado principalmente por artesãos que frequentavam as feiras do setor; contudo a visão da

instituição a respeito do artesanato foi se transformando a medida em que a começou a interagir com

a Universidade Federal de Pernambuco, por meio do Laboratório O Imaginário. Foi rompido o

paradigma da dicotomia design e artesanato, com as experiências de intervenção de design no

artesanato realizadas em Conceição das Crioulas, por meio de projetos de extensão universitária,

afirma Fátima Gomes, Gestora do Projeto de Artesanato, Turismo e Economia Criativa do Sebrae.

Figura 51. Equipe de pesquisa com Fátima Gomes (ao centro)

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

A experiência exitosa em Conceição das Crioulas chamou a atenção para o potencial do trabalho em

fibra e ao mesmo tempo demonstrou um modelo de intervenção com ações multidisciplinares e um

olhar mais abrangente na relação produto, território, comunidade e mercado. Ao perceber a

possibilidade de apoiar o trabalho artesanal em fibra, tirando proveito da experiência bem-sucedida de

Conceição das Crioulas e reconhecendo o potencial do trabalho com a fibra de cana-brava feito em

Goiana, mais precisamente, por dois artesãos em Ponta de Pedras, o Sebrae decidiu apoiar o

desenvolvimento da atividade na localidade.

Fátima aponta que ao iniciar o trabalho em Ponta de Pedras, a situação era a seguinte: dois artesãos

faziam a cestaria e contratavam as mulheres artesãs para atividades específicas quando recebiam

encomendas, portanto não havia um grupo, e o portfólio de produtos dos irmãos Luna era bastante

conservador, apenas cestos em tamanhos variados. A necessidade de mobilizar pessoas e realizar

oficinas para ensinar técnicas era imediata, esta última contou com o suporte dos artesãos Luna que

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foram remunerados pelo Sebrae para capacitar o novo grupo formado. A partir das oficinas foi

possível, ao longo de alguns meses, estabelecer um grupo, formado por mulheres que eram

majoritariamente esposas ou filhas de pescadores.

A ação do Imaginário, de acordo com a expectativa contratada, resultou num trabalho de intervenção

de design no artesanato nos moldes do realizado em Conceição das Crioulas, com acompanhamento

das atividades por parte do Sebrae. Ana Andrade aponta que com o decorrer do tempo, foi possível

observar que mesmo com mudanças de gestão na prefeitura ou mesmo no direcionamento do Sebrae,

significando a redução de alguns apoios, o grupo produtivo continuava articulado, atento para as

necessidades do mercado, buscando alternativas de sustentabilidade, mas principalmente, marcando

seu espaço como protagonista no seu território.

A relação design/artesanato se mostrou eficiente e respeitosa, promovendo a criatividade das artesãs

e incorporando novos materiais para ampliar o diálogo com o mercado. As rodadas de negócio

promovidas pelo Sebrae são exemplos dessa realização e do caráter empreendedor do grupo,

representado na figura de Adélia, que vem atuando desde então, demonstrando conhecimento,

habilidade, altivez e autonomia do grupo no diálogo com parceiros e clientes.

Para o Sebrae, relata Fátima, a experiência com a cana-brava em Ponta de Pedras é indicada como um

caso de sucesso e uma referência para o artesanato em fibra do estado de Pernambuco.

Senac O Senac - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, chegou a Ponta de Pedras em 2016,

contratado pelo Governo do Estado, por meio do Programa Chapéu de Palha. O Senac tem como

objetivo oferecer soluções em educação profissional reconhecidamente eficientes pelas empresas do

setor e oferece cursos de Formação Inicial e Continuada, Educação Profissional Técnica de Nível Médio

e de Nível Superior, além de ações extensivas, como workshops, congressos e palestras.

Figura 52. Entrevista com Liliane Oliveira - Senac

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2016

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Instituído pelo Governo do Estado de Pernambuco, o programa Chapéu de Palha foi criado para

combater os efeitos do desemprego decorrentes da entressafra da cana-de-açúcar e da fruticultura

irrigada, das condições adversas para a pesca artesanal e da situação de emergência das famílias

desabrigadas. O programa contribui para as áreas de Educação, Saúde, Cidadania, Habitação,

Infraestrutura e Meio Ambiente no campo, gerando renda, reforço alimentar, capacitação e melhoria

da qualidade de vida da população afetada.

O cadastro, a seleção e a inclusão dos beneficiários são de responsabilidade da Secretaria de

Planejamento e Gestão de Pernambuco: uma vez atendidos os requisitos, é efetuado o cadastramento

no programa. O benefício é pago no período da entressafra da cana-de-açúcar e da fruticultura

irrigada, durante quatro meses por ano. Um dos condicionantes ao benefício é a participação em um

dos cursos promovidos pelo Programa Chapéu de Palha.

No apoio aos pescadores, inicialmente o Governo do Estado havia selecionado os municípios de Goiana

e Itamaracá, através de um total de 10 cursos que incluíam, entre outros, cestaria, estamparia em

camisas, embalagens artesanais e material reciclado. No entanto, segundo Liliane Oliveira da Silva -

Coordenadora Pedagógica e Guiomar Albuquerque - Gerente Regional da Mata Norte, uma das

funções do SENAC é a identificação das especificidades e potencialidades locais. Por isso, em Ponta de

Pedras, a fibra de cana-brava foi mapeada como uma matéria-prima portadora de história e de

potencialidades para o desenvolvimento do artesanato local.

A instrutora local contratada foi a artesã Adélia, membro e líder do Grupo Artesanato Cana-Brava que

funciona no Centro Cultural José Romualdo Maranhão, em Ponta de Pedras. Antes de iniciar o curso,

Adélia foi capacitada em empreendedorismo e também aprendeu a trançar com outros materiais como

o jornal. Nos distritos de Ponta de Pedras e Tejucupapo foram formadas em torno de 60 pessoas em

cestaria com fibra de cana-brava, sisal e jornal. As técnicas de sisal e jornal foram ensinados por outras

instrutoras. Para realização do curso, foi realizada a compra de cerca de mil paletas para desenvolver

as técnicas, fornecidas por Anun.

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Figura 53 – Adélia e com o certificado emitido pelo Senac/Programa Chapéu de Palha

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2017

A proposta inicial era que os beneficiários do Programa Chapéu de Palha fizessem a capacitação, no

entanto, em função da dificuldade de preencher as turmas com pescadores e marisqueiras, familiares e

parentes puderam participar também. O processo incluía uma etapa de convencimento e a seguir uma

introdução ao empreendedorismo, para só então ministrar a técnica propriamente dita. Ao final, foi

realizada uma feira na própria localidade para divulgação do resultado final. O curso teve caráter social

e profissionalizante com 30 horas de duração e utilizou recursos didáticos diversos em função do baixo

grau de escolaridade dos participantes, um grupo misto, com homens e mulheres. Segundo Guiomar,

não existe previsão de refazer a capacitação em Ponta de Pedras, no entanto, é visível o sucesso do

projeto, inclusive com depoimentos de ex-alunos que passaram a empreender e ter uma outra fonte

de renda.

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Linha do Tempo Os marcos históricos citados pelos entrevistados foram compilados na Figura 54, de modo a facilitar o

entendimento sobre os diversos protagonistas pesquisados.

Figura 54 – Linha do tempo da produção em fibra de cana-brava (1942-2003)

Fonte: Os pesquisadores, 2017

Figura 55 – Linha do tempo da produção em fibra de cana-brava (2003-2016)

Fonte: Os pesquisadores, 2017

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Análise do Resultado da Pesquisa No objetivo de garantir o acesso ao público dos resultados da pesquisa, o material documentado e

registrado foi apresentado em primeira mão para os artesãos em fibra de cana-brava de Ponta de

Pedras, os demais entrevistados neste processo e também a autoridades, como representantes da

Prefeitura Municipal de Goiana, Sebrae, Senac e da Fundarpe/Funcultura. Posteriormente, este

relatório ficará disponível também na página do Laboratório O Imaginário para consulta pública.

A Oficina de Análise do Resultado da Pesquisa ocorreu em 17 de abril de 2017, no Centro Cultural José

Romualdo Maranhão, local onde está a Oficina do Grupo Produtivo Artesanato Cana-Brava. A oficina

contou com a apresentação dos objetivos da pesquisa, um vídeo resumo dos depoimentos e o relatório

com as memórias da produção artesanal em fibra cana-brava. Ao término deste documento consta a

ata de presença.

Figura 56. Encontro de apresentação dos resultados da pesquisa

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2017

Figura 57. Encontro de apresentação dos resultados da pesquisa

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2017

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Figura 58. Encontro de apresentação dos resultados da pesquisa

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2017

Figura 59. Principais agentes do processo pesquisado (Nelzia, Lourenço, Seu Juarez e Anun)

Fonte: Acervo Laboratório O Imaginário, 2017

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Divulgação Como parte da divulgação das ações empreendidas, foram veiculadas informações sobre a realização

da pesquisa e da oficina de análise do resultado da pesquisa nas redes sociais do Laboratório O

Imaginário e do grupo Artesanato Cana-Brava. As publicações foram associadas com os marcadores de

artesanato, Governo do Estado e Secretaria de Cultura/Fundarpe e Funcultura.

Figura 60 – Página do Facebook do Artesanato Cana-Brava

Fonte: Os pesquisadores, 2017

Figura 61 – Página do Facebook do Laboratório O Imaginário

Fonte: Os pesquisadores, 2017

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Figura 62 – Postagem de Instagram

Fonte: Os pesquisadores, 2017

Figura 63 – Postagens sobre o andamento da pesquisa

Fonte: Os pesquisadores, 2017

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Figura 64 – Postagens sobre o andamento da pesquisa e convite para apresentação

Fonte: Os pesquisadores, 2017

Figura 65 – Postagens sobre o andamento da pesquisa e convite para apresentação

Fonte: Os pesquisadores, 2017

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Conclusões Esta pesquisa apresenta os resultados do mapeamento do artesanato em fibra de cana-brava no litoral

de Ponta de Pedras. Trata-se de uma pesquisa histórica suportada por ampla documentação e pelos

depoimentos dos envolvidos ao longo do tempo em todas as etapas da cadeia produtiva artesanal em

fibra de cana-brava, desde a criação, passando pela produção, distribuição, comercialização e consumo

dos artefatos.

Esse registro histórico tem grande significado para a produção atual e futura dos artesãos envolvidos com a cana-brava no litoral de Ponta de Pedras e áreas circunvizinhas. Parte do princípio de que, sem conhecimento sobre o passado, não se pode produzir hoje e no futuro artefatos plenos de significados, o que justifica a apropriação de valor agregado no mercado regulado pela economia criativa. O mapeamento histórico ora realizado abre perspectiva para uma nova iniciativa focada nos registros dos hábitos e fazeres dos mestres-artesãos e na captura de um amplo repertório de artefatos produzidos hoje e no passado, com o objetivo da formação de um acervo acessível a todos física e virtualmente como base para as produções futuras de significados. A iniciativa do FUNCULTURA em incentivar a pesquisa abre perspectiva para elaboração de trabalhos similares em outras produções artesanais do amplo espectro da produção cultural pernambucana. A memória compilada e registrada da produção artesanal em fibra de cana-brava será difundida através do presente relatório com auxílio das redes sociais com seu reconhecido e a cada vez mais ampliado alcance para o público de especialistas, demais interessados no tema e o público em geral, consumidores atuais ou potenciais da produção artesanal com reconhecido valor agregado, justificado pelo reconhecimento de significados de forma consciente ou inconsciente. Finalmente, e como registro estratégico à pesquisa, fica evidenciada a necessidade imediata do acompanhamento pelos diversos interessados das iniciativas em processo de ações coletivas dos artesãos e dos poderes estadual e municipal, visando a sustentabilidade da matéria prima cana-brava, como ação essencial para salvaguarda da manifestação cultural artesanato em cana-brava no litoral de Ponta de Pedras – Goiana, PE.

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