relações familiares tipificadas no código civil

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Relações Familiares tipificada no Código Civil Características das relações familiares Importa conhecer as características das relações familiares, de modo a podermos refletir se existirão outras além das relações tipificadas no código civil. 1) Caráter duradouro (≠perpétuo): os "estados de família": tendem a perdurar-se no tempo, gerando verdadeiros estados da pessoa (estado de casado, filho, parente, afim, adotado). Porque assim é, necessidade de registo civil obrigatório, de modo a ser feita fé pública/segurança e certeza jurídicas. 2) Caráter relativo : Em princípio são oponíveis apenas ao sujeito passivo da relação familiar (filhos exercem direitos aos pais, cônjuges entre si). Exceções à oponibilidade a terceiros: certos familiares do falecido podem exigir e opor a terceiros direitos resultantes da relação jurídica familiar pelos danos patrimoniais e não patrimoniais ocorridos em caso de morte ou lesão corporal (art.495º) (um acórdão do Tribunal da Relação do Porto considerou lesada uma mulher de um homem que sofreu acidente de viação e ficou impotente, tendo esta também sido indemnizada pelo responsável pelo acidente, em virtude do seu estado de “casada”); nos termos do art.493º/3 e art.496º, CC; 3) Fragilidade de Garantia : Os direitos familiares têm uma garantia mais frágil que a dos direitos de crédito, pois não existiria uma sanção organizada para o não cumprimento dos deveres respetivos- as regras gerais da execução específica ou da responsabilidade civil não são aplicáveis a estas relações. Exceções: art.1792º, filhos retirados dos pais (dada a consagração constitucional da inseparabilidade dos filhos dos pais, entre outros). 4) Natureza de poderes funcionais mais do que direito subjetivos : Não são direitos subjetivos propriamente ditos, mas poderes funcionais, poderes-deveres, e como tais irrenunciáveis, indisponíveis, etc. É patente no caso das responsabilidades parentais, sendo estas exercidas sempre no interesse do filho e não dos seus progenitores (daí que se tenha abandonado a

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Direito da Família

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Page 1: Relações Familiares Tipificadas No Código Civil

Relações Familiares tipificada no Código Civil

Características das relações familiaresImporta conhecer as características das relações familiares, de modo a podermos refletir se existirão outras além das relações tipificadas no código civil.

1) Caráter duradouro (≠perpétuo): os "estados de família": tendem a perdurar-se no tempo, gerando verdadeiros estados da pessoa (estado de casado, filho, parente, afim, adotado). Porque assim é, necessidade de registo civil obrigatório, de modo a ser feita fé pública/segurança e certeza jurídicas.

2) Caráter relativo: Em princípio são oponíveis apenas ao sujeito passivo da relação familiar (filhos exercem direitos aos pais, cônjuges entre si). Exceções à oponibilidade a terceiros: certos familiares do falecido podem exigir e opor a terceiros direitos resultantes da relação jurídica familiar pelos danos patrimoniais e não patrimoniais ocorridos em caso de morte ou lesão corporal (art.495º) (um acórdão do Tribunal da Relação do Porto considerou lesada uma mulher de um homem que sofreu acidente de viação e ficou impotente, tendo esta também sido indemnizada pelo responsável pelo acidente, em virtude do seu estado de “casada”); nos termos do art.493º/3 e art.496º, CC;

3) Fragilidade de Garantia: Os direitos familiares têm uma garantia mais frágil que a dos direitos de crédito, pois não existiria uma sanção organizada para o não cumprimento dos deveres respetivos- as regras gerais da execução específica ou da responsabilidade civil não são aplicáveis a estas relações. Exceções: art.1792º, filhos retirados dos pais (dada a consagração constitucional da inseparabilidade dos filhos dos pais, entre outros).

4) Natureza de poderes funcionais mais do que direito subjetivos: Não são direitos subjetivos propriamente ditos, mas poderes funcionais, poderes-deveres, e como tais irrenunciáveis, indisponíveis, etc. É patente no caso das responsabilidades parentais, sendo estas exercidas sempre no interesse do filho e não dos seus progenitores (daí que se tenha abandonado a denominação "poder paternal" e tendo sido substituída por responsabilidades parentais).

Relações Familiares tipificadas no Código CivilA noção jurídica de família contém-se, implicitamente, no art 1576º que, sem grande rigor, considera "fontes das relações jurídicas familiares" o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção. Este preceito peca no rigor técnico, uma vez que mistura fontes com relações. Corrigindo e sistematizando o preceito deste artigo:

Relações Familiares Fontes das Relações FamiliaresVínculo Conjugal/ Relação Matrimonial Casamento

Parentesco ProcriaçãoAfinidade Casamento + Existência de Real Parentesco

Vínculo Adotivo/ Relação de Adoção Ato de adotar (independentemente de laços de sangue)

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Relação Matrimonial/Vínculo conjugal (será estudada depois com maior detalhe)Casamento enquanto ato, através de um contrato celebrado que pretende estabelecer uma plena comunhão de vida e que visa a constituição da família. O conservador deve informar os nubentes dos deveres a que se estão a vincular. E o casamento como estado de casado como relação jurídica familiar.

ParentescoSão as que se estabelecem entre pessoas que têm o mesmo sangue, quer por descenderem umas das outras (pais e filhos, avós e netos), quer por provirem de um progenitor comum (irmãos, primos) (1578º).

Relação mais importante de parentescoAs relações de filiação são de longe e sem dúvida as mais importantes das relações de parentesco. Dos vários efeitos destas relações o mais significativo é o chamado poder paternal (1877º e ss), sendo este o conjunto de poderes e deveres que a lei atribui ou põe aos pais para regerem as pessoas e os bens dos filhos menores

ContagemAs relações de parentesco são muito numerosas e, na realidade, muito diversas. Há parentes mais próximos e mais distantes e o direito não o ignora, pois dá às várias relações de parentesco efeitos diferentes. O parentesco conta-se por linhas e por graus.

Contagem por linhas (1580º)- Linha reta: quando um dos parentes descende do outro (pais e filhos, avós e netos). A linha reta pode ainda ser descendente ou ascendente (1580º, nº2), consoante a encaramos num sentido ou noutro.- Linha colateral: quando, embora não descendam um do outro, provêm de um progenitor comum (irmãos, primos). As relações entre irmãos podem ter efeitos diferentes, consoante sejam parentes só numa das linhas paternal (consanguíneos) ou maternal (uterinos) ou das duas (irmãos germanos). Estes últimos têm melhores direitos, relevantes em termos sucessórios (2146º).

Contagem por graus (1581º)- Na linha reta: Há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor (pais e filhos são parentes em 1ºgrau, avós e netos em 2º)- Na linha colateral: Os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos r descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum (tios e sobrinhos são parentes em 3º grau, primos direitos em 4º).

Limites do parentesco (1582º)Salvo disposição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau na linha reta, mas só até ao 6º grau na linha colateral. São raras as disposições que, em contrário ao limite posto neste artigo, dão relevância às relações de parentesco na linha colateral para além do 6º grau (ex: 2042º). Pelo contrário, são

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numerosos os casos em que a lei retinge ainda mais a relevância do parentesco (Ex relativo à sucessão legítima: 2133º, nº1, alínea d)

Efeitos jurídicos relevantes do parentesco- Efeito Sucessório: Quer na sucessão legitimária (2157º, pela ordem do 2133º), como na legítima (2133º);- Obrigação de alimentos, que a lei impõe a determinados parentes: descendentes, ascendentes, irmãos e tios, pela ordem indicada no art 2009º;- Obrigação de exercer a tutela, sendo esta uma forma subsidiária de suprir a incapacidade dos menores (1931º)- Limitações/Restrições à capacidade jurídica:

- Impedimento dirimente (não admite dispensa) relativo (aos nubentes entre si) à celebração do casamento (1602º): Não podem contrair casamento entre si os parentes na linha reta (1602º, alínea a), nem os parentes em segundo grau na linha colateral (irmãos) (1602º, alínea b). - Impedimento impediente (admite dispensa nos termos do art 1609º) (1604º): Não podem contrair casamento os parentes em 3º grau na linha colateral (1604º, alínea c)

AfinidadeA afinidade não é, como o parentesco, uma relação de sangue. Pode definir-se como o vínculo jurídico familiar que liga um dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge (art.1584º) (cunhados, enteados) (só haverá relação de afinidade se o cônjuge tiver parentes). É ainda importante perceber que afinidade não gera afinidade (compadres, concunhados- pai e tio manel-, padrasto e mulher do enteado não são afins).A fonte da afinidade, ou das várias relações de afinidade, é, pois, o casamento, começando a partir do momento deste (não opera para trás, não é retroativa). Mas a afinidade cessará igualmente quando se dissolve o casamento que lhe deu origem (caída a causa, também cai o efeito). A verdade é que a afinidade não cessa pela dissolução do casamento por morte, mas já cessa em caso de divórcio (art.1585º). É uma relação meramente social.

Contagem"A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco" (1585º)

Efeitos jurídicos relevantes da afinidade(menos extensos do que os do parentesco)- Inexistência de capacidade sucessória legal (se bem que podem ser herdeiros testamentários claro) (2133º)- Não gera obrigação de alimentos, com exceção da madrasta ou padrasto, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste (2009º, nº1, al f). - Obrigação de exercer tutela pode recair sobre os afins, nos termos do art 1931º, nº1 e 1952º, nº1. - Restrições à capacidade sucessória: O art 1602º, alínea c considera a afinidade em linha reta (igual contagem à dos parentes) um impedimento dirimente relativo à celebração do casamento. Ver também artigos 1809º, al a) e 1866º, alínea a.

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Crítica do regime: A está casada com B . B tem um filho, C. Se A e C se apaixonarem e quiserem casar, só podem casar se A se divorciar de B (deixando assim de ser afins no 1º grau da linha reta). Se por acaso B morrer, então A e C já não se podem casar. Por um lado percebe-se o porquê da afinidade não cessar com a dissolução do casamento por morte, por outro gera incongruências em termos de impedimentos.

Relação de Adoção/ Vínculo AdotivoO art.1586º dá a noção de adoção: é o vínculo que, à semelhança da filiação natural mas, in dependentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos arts 1973º e ss. Por oposição ao parentesco natural, que é o verdadeiro parentesco, a adoção é, assim, um parentesco legal, criado à semelhança daquele.A lei admite duas modalidades de adoção:

- Adoção plena: Reflete, de forma plena, uma relação de filiação, sendo, por isso, irrevogável. Adotado passa a ter efeitos sucessórios;- Adoção restrita: Normalmente constitui uma fase antes da adoção plena, em que se mantém o vínculo da família natural do adotado e atribui-se ao adotante as responsabilidades parentais. Há, porém, divergências quanto a direito sucessório (art.1999º). Este tipo de adoção pode ser convertida em adoção plena, se estiverem preenchidos os requisitos (art.1977º, nº2). Mas, não é necessário haver adoção restrita antes da adoção plena, podendo verificar- se esta logo num primeiro momento.

Qualquer que seja a modalidade de adoção, esta pode ainda ser conjunta ou singular, conforme seja feita por um casal (duas pessoas casadas ou que vivam em união de facto, excluindo os casais homossexuais) ou por uma pessoa, casada ou não casada.