crianÇas em situaÇÃo de rua e relaÇÕes familiares em... · brasileiras, crianças,...

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO ESTADO DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL THAÍS NARA ALVES MORAIS CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA E RELAÇÕES FAMILIARES FORTALEZA 2014

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Page 1: CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA E RELAÇÕES FAMILIARES EM... · brasileiras, crianças, adolescentes e adultos são considerados sujeitos de direitos, independentemente de gênero

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO ESTADO DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

THAÍS NARA ALVES MORAIS

CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA E RELAÇÕES FAMILIARES

FORTALEZA 2014

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THAÍS NARA ALVES MORAIS

CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA E RELAÇÕES FAMILIARES

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à aprovação da Coordenação do Curso de Ciências Sociais do Centro de Ensino Superior do Estado do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Serviço Social. Orientadora: Prof.ª Ms. Valney Rocha Maciel.

FORTALEZA 2014

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THAÍS NARA ALVES MORAIS

CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA E RELAÇÕES FAMILIARES

Trabalho de Conclusão de Curso como pré-requisito para obtenção do título de bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FAC, tendo sido aprovado pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: _____/_____/__________

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Professor Thiago de Souza Oliveira

____________________________________________________ Professora Esp. Gabriela Brilhante Rabelo

____________________________________________________ Professora Ms. Valney Rocha Maciel (Orientadora)

FORTALEZA 2014

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer a Deus por estar me concedendo a

oportunidade de ter uma formação profissional.

Dedico este trabalho especialmente à minha família, que sempre me apoiou

nessa trajetória de quatro anos e meio de formação acadêmica, excepcionalmente a

minha mãe, Maria Alves Siqueira, que, durante esses anos, esteve comigo e me

incentivou a ir até o fim. Sou muito grata a você, mãe!

Dedico também às minhas avós, in memoriam, que tiveram um papel essencial

em minha criação: Maria Divino de Lima e Maria Alves de Lima. Eternas saudades!

Dedico com muito amor e carinho também às minhas amigas da faculdade, Nara

Gonçalves de Lima Carlos, Ester Barros Albuquerque, Débora Maria Rodrigues, Maria

Christiane e Marizeth Santhiago, pois tenho certeza de que nossa amizade irá perdurar

por muitos anos.

Dedico também aos meus amados e queridos amigos de infância, pois não é

qualquer pessoa que tem a sorte de ter amigos como vocês: João Nathan Pereira Diniz,

Fabrícia Fernandes Diniz, Ana Rita Pereira Martins e Álvaro Diniz.

Não poderia deixar de dedicar também, claro, à minha melhor amiga, Márcia

Giovanna de Lima Martins, com quem tenho as maiores e melhores crises de risos.

Adoro você, amiga!

Dedico também aos meus amigos da época do colégio, dos quais guardo

recordações maravilhosas, apesar de estarmos há anos sem contato: Amanda

Guimarães, Ana Flávia, Davi Braga e Amanda Pérmila.

Dedico também ao meu amigo virtual Luca Guidone, por quem já tenho um

enorme carinho, apesar de morarmos a 7.000 km de distância e nos conhecermos há

pouco tempo. “Tu mi piaci molto, mio gattinho mozzarello!”

Dedico também a todos os professores que tive durante o curso, especialmente

à professora Walney Rocha Maciel, por ter aceitado o convite de ser minha orientadora.

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Dedico também às supervisoras que tive na época de estágio no CRAS, pois sou

muito grata pelos momentos de aprendizagem que tive com Marana Aguiar, Fernanda

Karla, Gilda Aquino, bem como com os demais profissionais da equipe multiprofissional.

Dedico também às assistentes sociais do IJF que me acompanharam durante o

mês em que estagiei na instituição: Viviane, Fátima Martins, Fátima Dote e Nora.

Obrigada pelo aprendizado adquirido no estágio na área da Saúde.

Dedico também a todos os meus colegas de classe pelos momentos de discussão

e compartilhamento de ideias.

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“O sucesso nasce do querer, da determinação e persistência

em se chegar a um objetivo. Mesmo não atingindo o alvo,

quem busca e vence obstáculos, no mínimo, fará coisas

admiráveis."

(José Alencar)

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RESUMO

Em todo o país, crianças vivenciam a situação de rua: vagam, pedem esmolas ou

moram nas ruas das cidades em condições sub-humanas. Trata-se de um público

desassistido pelos demais órgãos competentes, visto que, nas normatizações gerais

brasileiras, crianças, adolescentes e adultos são considerados sujeitos de direitos,

independentemente de gênero e de cor da pele, assegurados na Constituição Federal e

no Estatuto da Criança e do Adolescente. O presente estudo busca investigar quais os

elementos que levam as crianças a vivenciarem a situação de rua, bem como a relação

com seus familiares, expondo dados estatísticos sobre a realidade desses indivíduos. A

escolha do tema deveu-se à curiosidade de conhecer a realidade desses sujeitos, a fim

de obter respostas significativas sobre o contexto social destes. A pesquisa de campo é

de cunho qualitativo e foi realizada no Terminal do Siqueira, na cidade de Fortaleza-CE.

Os resultados obtidos indicam que o principal motivo que leva as crianças a

vivenciarem a situação de rua é a condição financeira.

Palavras-chave: Infância. Família. Exclusão social. Pobreza. Políticas públicas. Situação de rua.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BB Banco do Brasil

CEF Caixa Econômica Federal

CONDECA Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente

CRAS Centro de Referência da Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado em Assistência Social

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IJF Instituto Doutor José Frota

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

ONU Organização das Nações Unidas

PAIF Programa de Atenção Integral à Família

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PNAS Política Nacional de Assistência Social

PNPR Política Nacional Para População em situação de rua

PSB Proteção Social Básica

PSE Proteção Social Especial

SDH Secretaria dos Direitos Humanos

SGD Sistema de Garantia de Direitos

SUAS Sistema Único de Assistência Social

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................09

1 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RUA E DE SEU MEIO

FAMILIAR........................................................................................................................12

1.1:Breve contexto histórico............................................................................................12

1.2 Realidade brasileira mostrada nos últimos anos.......................................................20

1.3 Crianças que vivenciam a situação de rua: quem são, o que fazem e como

vivem?.............................................................................................................................23

2 A QUESTÃO SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS DE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO

RUA.................................................................................................................................30

2.1 Políticas, programas, serviços e planos que atuam no contexto da

criança.............................................................................................................................30

2.2 Política Nacional para a População em Situação de

Rua...........................................31

2.3 Política Pública de Assistência

Social........................................................................35

2.4 Serviço de Convivência e Fortalecimento de

Vínculos..............................................38

2.5 Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil...........................................................39

2.6 Estatuto da Criança e do

Adolescente........................................................................40

2.7 Conselho

Tutelar........................................................................................................42

2.8 Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência

Comunitária........................................................................42

3 METODOLOGIA...........................................................................................................44

3.1 Métodos, técnicas e caracterização do local da

entrevista.........................................44

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3.2 Caracterização do local da

entrevista.........................................................................45

3.3 Relatos e características dos

entrevistados...............................................................48

3.4 Análise das entrevistas..............................................................................................51

CONSIDERAÇÕES

FINAIS.............................................................................................55

REFERÊNCIAS...............................................................................................................58

ANEXO............................................................................................................................61

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INTRODUÇÃO

Crianças em situação de rua são um grave problema social que afeta não só

o Brasil, mas também diversos países da América Latina e do mundo. Atualmente, mais

de 20.000 crianças vivenciam a situação de rua no Brasil, um número bastante

exacerbado. “Todas as pessoas que passam veem essas crianças, mas elas são

invisíveis. Elas não existem.” (UNICEF, 2006, p. 52).

O motivo de ocorrer a evasão familiar é devido ao contexto emocional e

econômico em que essas crianças vivem. A violência e a pobreza manifestam-se na

vida desses indivíduos, causando a degradação dos valores familiares, visto que a ida

para as ruas apresenta-se como uma alternativa de sobrevivência e de procura por

liberdade.

Este trabalho faz uma breve abordagem da história da infância, mostrando

que a criança encontrada nas ruas de hoje é fruto de um processo histórico de ausência

de políticas públicas de proteção à infância. Para tanto, apresenta quando e como

surgiram as iniciativas da sociedade civil para lutar pelos direitos de crianças em

situação de rua, junto com dados estatísticos de estudos feitos pelo Brasil, os quais

revelam a existência de uma diversidade, considerando-se as diferentes regiões do

país. Discute, ainda, os diversos estereótipos e terminologias que permeiam a vida

desses indivíduos, bem como caracteriza o cotidiano e o modo de vida das crianças em

situação de rua.

O objetivo geral do presente trabalho consiste em investigar os elementos

que levam as crianças a vivenciarem a situação de rua, e os objetivos específicos são:

investigar a relação das crianças com sua família, analisar o contexto social desses

indivíduos e investigar as distorções que esse problema social pode acarretar no

desenvolvimento das crianças.

Para o embasamento teórico deste trabalho, foram utilizadas as ideias de

Philippe Ariès (1981), que trata a infância como uma construção social. Segundo Ariès

(1991), o ambiente simbólico instituído para a infância é decorrência de transformações

ocorridas nos espaços público e privado, que configuraram novos papéis para o Estado.

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No que diz respeito à criança em situação de rua e diante de uma pesquisa

de campo, foram utilizados os estudos de Koller, Neiva-Silva e Morais (2010).

A pesquisa de campo foi realizada no Terminal do Siqueira, na cidade de

Fortaleza-CE. Foram entrevistadas 05 crianças (02 do sexo masculino e 03 do sexo

feminino). A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, tendo como técnica de pesquisa

a entrevista semiestruturada. Os principais autores que a fundamentaram foram Minayo

(1996), Martinelli (1999) e Lakatos (2001).

Salienta-se também aqui Koller, Neiva-Silva e Morais (2010) com a leitura

realizada sobre aspectos metodológicos nas pesquisas com crianças e adolescentes

em situação de rua. As orientações que continham para pesquisadores que

começavam a trabalhar com esses indivíduos foram relevantes no momento de ir a

campo e realizar as entrevistas. Conforme afirma Koller, Neiva-Silva e Morais (2010,

p.116),

[...] quando os pesquisadores podem ser confundidos com alguém querendo explorar a criança, deve-se ter elementos suficientes que provem a filiação institucional, assim como o objetivo do trabalho. Camisetas da universidade, pastas ou cartão de identificação além de autorizações para o desenvolvimento do estudo, ajudam a esclarecer a procedência dos integrantes da equipe de pesquisa. Além disso, deve-se sempre evitar estar sozinho com a criança ou adolescente que está sendo entrevistado em lugares escuros e de pouca movimentação. Sugere-se que para ir a campo (rua), deve-se estar pelo menos em dupla e, mesmo que ambos estejam realizando entrevistas, que possam

estar em locais que um membro possa acompanhar visualmente o outro.

O trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro descreve as relações

das crianças em situação de rua com seu meio familiar. No tópico “Breve contexto

histórico”, explana-se brevemente sobre o contexto social e histórico em que surgiram

as iniciativas da sociedade civil para com os direitos das crianças em situação de rua,

contextualizando ainda a situação econômica brasileira na década de 1980. Destaca-se

também que, após o processo de redemocratização brasileira, ocorreu a promulgação

da Constituição Federal e, logo em seguida, a emergência do Estatuto da Criança e do

Adolescente, documentos oficiais que afirmam que as crianças e os adolescentes são,

antes de tudo, sujeitos de direitos sob a responsabilidade tripartite: família, Estado e

sociedade.

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O tópico seguinte, “Realidade brasileira mostrada nos últimos anos”, traz

dados estatísticos acerca da realidade desses indivíduos com suas famílias em

diversas regiões do país.

O tópico “Crianças que vivenciam a situação de rua: quem são, o que fazem

e como vivem?” é iniciado com citações do autor Philippe Ariès (1981) sobre a infância

e, logo em seguida, são diferenciadas as expressões “crianças de rua” e “crianças na

rua”, segundo a UNICEF. Nesse tópico, também se expõe a caracterização do cotidiano

e dos modos de vida desses sujeitos.

O segundo capítulo, “Políticas, programas, serviços e planos que atuam no

contexto da criança”, elenca os programas e serviços existentes em defesa dos direitos

de crianças e adolescentes.

O terceiro capítulo descreve a metodologia empregada neste trabalho. A

pesquisa de campo, como já relatado, foi realizada no Terminal do Siqueira com

crianças de faixa etária de 07 a 12 anos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com

entrevista semiestruturada cujo resultado revelou que a falta de recursos materiais é o

principal elemento que leva as crianças a sair de casa e que a relação com suas

famílias era estável e harmônica.

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1 CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE

RUA E DE SEU MEIO FAMILIAR

1.1 Breve contexto histórico

Para fazer uma análise aprofundada sobre crianças em situação de rua, de

antemão, é preciso conhecer o contexto social e histórico do Brasil nos últimos anos,

bem como os principais elementos que fazem com que ocorra a evasão familiar.

Em relação ao contexto social e histórico desses indivíduos, percebe-se que

foi a partir da redemocratização social brasileira que surgiram as primeiras iniciativas da

organização da população de rua, contrariando as práticas que antes eram

desenvolvidas (assistencialistas, caritativas, filantrópicas). No final dos anos 1970 até

os anos 1980, eclodiram os movimentos sociais, impulsionando a luta pela

redemocratização do país e opondo-se ao regime ditatorial. Nesse momento, os

brasileiros buscavam a ampliação e a efetivação dos seus direitos como cidadãos, bem

como a participação na cena política (BRASIL, 2011).

Segundo Impelizieri (1995, p.15),

na década de 80, a questão das crianças de rua no Brasil assumiu dimensões que a trouxeram ao centro da atenção internacional e das preocupações nacionais: o contingente de crianças e adolescentes nas ruas dos grandes centros aumentou a olhos vistos; paralelamente, avultaram-se os casos de violência praticados contra meninos e meninas de rua, a ponto de se configurar um quadro de franco extermínio. Em contrapartida, os anos 80 testemunharam também a mobilização de parcelas da sociedade brasileira em solidariedade à infância e à adolescência na rua.

Entretanto, grupos de todas as classes sociais foram à luta por melhores

condições de moradia, saúde, educação, igualdade de direitos etc. Esse mesmo

período foi caracterizado como “década perdida”, pois o Brasil apresentava uma grande

dívida externa e os indicadores econômicos resultaram em crescimento zero, o que

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teve por consequência a agudização da questão social, em que as taxas de

desemprego e a procura por acesso a saúde, educação e assistência social eram

latentes. Foi nesse contexto de desigualdade crescente e de emergência de

movimentos sociais que se começou a questionar o porquê da existência de crianças e

adolescentes em situação de rua.

De acordo com Oliveira (2004), a visibilidade social de meninos e meninas

em situação de rua, sobretudo no cenário da política social, deve-se principalmente ao

trabalho realizado por educadores sociais. De acordo com o autor,

foi a partir dessas tensões entre os que buscavam negar a gravidade da situação e os que denunciavam como escândalo, a partir do incômodo que as crianças e os jovens de rua passaram a representar, e deflagrado por tragédias pessoais, como assaltos e crimes contra a vida, que se desenvolveu uma sensibilidade social que propiciou a busca de soluções institucionais. Os governos passaram a ter de oferecer respostas para a vergonha que constituía a multidão de crianças e adolescentes perambulando pelas ruas das grandes capitais do país. (p.32).

Segundo o autor, foi a partir do processo de modernização e urbanização no

país que esse problema social tornou-se mais visível e vulnerável. E, a partir do

momento em que as expressões da questão social tornaram-se mais nítidas, houve a

forte exploração do trabalho infanto-juvenil, fazendo com que crianças e adolescentes

passassem a utilizar a rua como espaço de trabalho, convivência e moradia.

No Brasil, durante um longo período do século XX, prevalecia a crença de

que, para crianças oriundas de famílias pobres,

o aprendizado de uma profissão o mais cedo possível era a solução tanto para a redução de pobreza dessas famílias, uma vez que a criança passaria a contribuir para o orçamento da casa, quanto para se evitar o ingresso desses sujeitos na marginalidade. (ALBERTO, apud KOLLER; NEIVA-SILVA; MORAIS, 2010, p.270).

Esse fato é consequência de que

as famílias alijadas das mínimas condições de vida sofrem um processo de exclusão social que, por sua vez, favorece o desequilíbrio das relações e o esgarçamento dos laços familiares. (GOMES; PEREIRA, apud NEIVA-SILVA; MORAIS; KOLLER, 2010, p. 120).

Contudo, para os autores, a pobreza material apresenta-se como o ponto

crucial para a evasão familiar, fragilizando os vínculos e fazendo com que a criança

procure um novo espaço de convivência.

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A legislação brasileira vigente reconhece e preconiza a família como lugar

essencial e privilegiado para o desenvolvimento integral dos indivíduos. Para Sarti

(1999, p.100),

a família é o lugar onde se ouvem as primeiras falas com as quais se constrói a autoimagem e a imagem do mundo exterior. É onde se aprende a falar e, por meio da linguagem, a ordenar e dar sentido às experiências vividas. A família, seja como for composta, vivida e organizada, é o filtro através do qual se começa a ver e a significar o mundo. Este processo que se inicia ao nascer prolonga-se ao longo de toda a vida, a partir de diferentes lugares que se ocupa na família.

Portanto, segundo a autora, a família é o lugar essencial de apoio mútuo. É

onde há laços de afeto, carinho, solidariedade. E, referindo-se às famílias desprovidas

de recursos materiais, a mesma autora ainda afirma que, ao longo da trajetória de vida

desses indivíduos, acontecem rupturas, gerando a saída destes de suas famílias devido

ao alto índice de vulnerabilidade.

[...] as famílias pobres dificilmente passam pelos ciclos de desenvolvimento doméstico, sobretudo pela fase de criação dos filhos, sem rupturas, o que implica alterações muito frequentes nas unidades domésticas. (Sarti, 2003, p. 28).

Assim, somente a partir da década de 1980, houve uma mobilização da

sociedade civil contra o trabalho infantil. O Plano e o Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil são resultados dessa mobilização. O Plano define trabalho infantil

como:

atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 anos, independentemente da sua condição ocupacional. (BRASIL, 2004, p. 09).

É interessante ressaltar que, no ano de 1988, após diversas reivindicações

da população brasileira, ocorreu a promulgação da Constituição Federal, conhecida

também como Constituição Cidadã, pois, pela primeira vez, veio assegurar os direitos

da população, afirmando que é direito de todos e dever do Estado, formando-se o tripé

da seguridade social brasileira, constituído por 03 políticas: saúde, previdência e

assistência. Em seguida, em 1990, emergiu o ECA (Estatuto da Criança e do

Adolescente), no qual crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos,

sob a responsabilidade tripartite: família, sociedade e Estado.

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Ainda na década de 1980, com apoio do Fundo das Nações Unidas para a

Infância – UNICEF, projetos de atendimentos a crianças e adolescentes em situação de

rua foram desenvolvidos em diferentes cidades por organizações da sociedade civil.

Esses projetos constituíram a base da formação em Movimento Nacional de Meninos e

Meninas de Rua – MMMMR1, em 1985. Na mesma direção, ainda, a Pastoral do Menor

realizou, de 1981 a 1992, a Semana Ecumênica do Menor, que reuniu

aproximadamente mil pessoas na defesa dos “meninos de rua” e na organização da

luta por direitos de cidadania para esse segmento. (BRASIL, 2011).

Em 1989, a ONU aprovou a Convenção dos Direitos da Criança, colocando-a

como sujeito de direito e como cidadão privilegiado, dentro do princípio da proteção

integral, e o Brasil, já em 1990, como decorrência de discussões em âmbito nacional,

aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente de acordo com essa nova orientação

(CONDECA, 1996).

A luta dos movimentos sociais pela cidadania resultou em direitos inscritos

nos artigos 5º e 6º da Constituição Brasileira de 1988.

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança. (BRASIL, 1988).

Retomando as décadas anteriores, ocorreram diversas mudanças no mundo

do trabalho: o capitalismo foi marcado por crises cíclicas; na década de 1930, houve

uma grande queda econômica, gerando acúmulo de mercadorias e exército industrial

de reserva, visto que o desemprego inerente ao modo de produção capitalista

aumentou em número bem mais elevado, tornando-se, então, mais nítido. No entanto,

as estratégias que foram lançadas para o enfrentamento dessa crise foram

compromissos surgidos por sujeitos políticos, econômicos e sociais em torno do padrão

de acumulação fordista e do modo de regulação keynesiano e beveridgiano. O

1 O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua tem por objetivo a defesa dos direitos e da

infância. É um movimento de natureza política, social e cultural. Nasceu como expressão de um movimento histórico muito particular do processo de formação da cidadania brasileira: a luta democrática contra o autoritarismo. Naquele momento, ganhava expressão e articulação de grupos de educadores de rua, de pessoas engajadas em diversos programas de atendimento a crianças e adolescentes nas diversas regiões do país e técnicos de instituições oficiais que desenvolviam, desde o início dos anos 1980, as expectativas conhecidas como alternativas comunitárias de atendimento a meninos e meninas de rua.

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resultado dessas estratégias foi o crescimento prolongado da economia e a intervenção

do Estado na área social fazendo a formação do Estado Social, após a Segunda Guerra

Mundial.

Sobre isso, Lopes da Silva (2006, apud POCHMANN, 2002, p. 13), diz que:

No pós-guerra, foram observados sinais de redução dos níveis de pobreza e de melhoria no perfil de distribuição de renda, como resultado direto de um padrão sistêmico de integração social. Em outras palavras, este padrão promoveu um conjunto de condições favoráveis ao mundo do trabalho, por meio da presença de um quase pleno emprego, do desenvolvimento do Estado de bem-estar social e da forte atuação dos sindicatos e partidos políticos comprometidos pelos trabalhadores.

Como foi mencionado no parágrafo anterior, o modelo de produção

capitalista é marcado por crises e, na década de 1970, foi afetado por uma crise que

atingiu todo o sistema. As taxas de inflação aumentaram absurdamente, a crise

financeira e do mercado internacional também se fizeram presentes, a regressão

econômica veio junto mais uma vez com o desemprego, o baixo crescimento

econômico e a baixa lucratividade. Contudo, o padrão de acumulação

fordista/keynesiano teve seu desfecho no fim dos anos 1970.

Nesse contexto, surge o toyotismo, que veio para romper com o modelo

fordista, caracterizado como modelo de produção flexível, que tem a flexibilidade como

ponto central. Segundo Tonet (2009, p. 109), “[...] o aumento da taxa de lucro só

poderia ser obtido por meio de uma enorme intensificação da exploração dos

trabalhadores”. Tal exploração resultou em concorrência entre os capitalistas, trazendo

sérias consequências para o meio social e laboral como degradação de direitos sociais

e trabalhistas. No entanto, Tonet ainda reitera que tais consequências afetam todas as

dimensões da vida humana:

política, direito, ciência, filosofia, educação, arte valores religião, ecologia, psicologia, relações sociais, vida pessoal e familiar, são profundamente afetadas por essa crise nos fundamentos materiais da sociedade. E estas dimensões, por sua vez, retornam sobre a crise material estabelecendo-se um processo reflexivo em que todas elas interferem tanto na matriz como entre si.” (TONET, 2009, p. 109).

De acordo com Tonet (2009), a crise do capitalismo leva à regressão do

trabalho formal por conta do incremento de novas tecnologias, pois exigem

trabalhadores com experiência na produção. E o resultado disso é o aumento do

desemprego, que tem como consequência o trabalho informal, crescendo a

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precarização do trabalho, com a degradação de direitos trabalhistas. Contudo, com a

precariedade do trabalho e o trabalho informal, uma grande massa da população fica

sem acesso a riqueza material e a necessidades básicas, tornando a questão social2

mais aguda.

Então, esses indivíduos excluídos pelo modelo social vigente ficavam à

mercê das políticas de transferência de renda, jogados à margem do desenvolvimento e

do acesso a bens e serviços, sendo que uma parte dessa população sentiu-se mais

afetada pela exclusão do modelo de produção, passando a buscar as ruas dos grandes

centros urbanos como espaço de moradia e sobrevivência.

A questão da população em situação de rua deve, portanto, ser compreendida em suas múltiplas determinações, ou seja, há uma multiplicidade de fatores que conduzem a essa situação, incluindo, desde fatores estruturais, como ausência de moradia e inexistência de trabalho e renda, até fatores relacionados à ruptura de vínculos familiares e infortúnios pessoais, como perda dos bens. (BRASIL, 2011).

Em relação à exclusão social, o termo “exclusão” vem sendo discutido pela

sociedade com muita frequência, todavia há a ausência de políticas públicas visando à

inclusão social das crianças, oriundas de famílias menos favorecidas e que têm a

crucial realidade de estarem inseridos nos benefícios sociais oferecidos pelo Estado. A

fragilização dos vínculos familiares é um forte fator para o processo de exclusão de

crianças.

[...] a exclusão social manifesta-se crescentemente como um fenômeno transdisciplinar, que diz respeito tanto ao não acesso a bens e serviços básicos, como a existência de segmentos sociais sobrantes de estratégias restritas de desenvolvimento econômico, passando pela exclusão dos direitos humanos, de seguridade social e segurança pública, da terra, do trabalho e da renda suficiente. (CAMPOS, 2004, p. 33).

De fato, a rua proporciona às crianças experiências diferenciadas, que não

são similares às das crianças que vivem sob a proteção de uma família ou mesmo às

daquelas que frequentam diariamente a escola. Os vários estímulos que a rua

apresenta exigem que a criança esteja atenta e preparada para manter sua integridade

2 “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe

operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão.” (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p. 77).

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física e sua sobrevivência. De acordo com a Política Nacional para a População em

Situação de Rua, trata-se de um

Grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios etc.), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para

pernoitar.” (BRASIL, 2009).

De acordo com Hutz e Koller (1997, apud CARRAHER et al.,1985, p. 183-

184), crianças trabalhadoras de rua podem ter uma aprendizagem natural da

Matemática, que a escola não é capaz de propiciar. Além de habilidades matemáticas,

outros aspectos cognitivos foram avaliados, como o nível de julgamento moral. Barreto

(1991) verificou que o raciocínio moral de crianças de rua, quando comparado ao de

crianças de mesma idade que vivem com suas famílias, não difere significativamente.

Koller (1994) também verificou que crianças em situação de rua que não frequentam

escolas raciocinam pró-socialmente no mesmo nível que crianças escolares da mesma

faixa etária. Ou seja, conforme concluem Koller e Hutz (1996, p.14), "o viver na rua não

impede o desenvolvimento de valores e não gera deficiências morais específicas em

crianças e adolescentes".

Muitas vezes, essas crianças são dadas como indivíduos invisíveis, pois

ficam isoladas da sociedade, sem proteção, e sofrem preconceitos de toda ordem.

Muitos, quando veem uma criança na rua, acreditam que se trata apenas de uma

criança mal-educada, e não percebem que os direitos dessa criança foram violados e

que ela necessita da intervenção do Estado, pois consta no Estatuto da Criança e do

Adolescente que as crianças são, antes de tudo, sujeitos de direitos que devem contar

com a prioridade absoluta das políticas e dos planejamentos socioeconômicos.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Artigo 4º,

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar. (BRASIL, 1990).

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Como descreve o Artigo 4º3, a família é citada como a primeira instituição a

efetivar os direitos básicos da criança e do adolescente. Isso ocorre porque a família é

diretamente responsável pelo desenvolvimento da criança; além disso, na maioria dos

casos, é dentro do âmbito familiar que ocorrem as maiores expressões de violação de

direitos, violência, conflitos e negligência.

Para Azevedo (apud GUERRA, 2005), a negligência é umas das

modalidades de violência doméstica contra crianças e adolescentes (as outras são

violência física, sexual e psicológica), sendo a violência doméstica entendida como:

[...] todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (GUERRA, 2001, p. 32).

Portanto, a negligência é caracterizada quando os responsáveis pelas

crianças não conseguem suprir as necessidades básicas destas. Afirma-se, ainda, que

a negligência se apresenta como uma violência diferente das outras, visto que não é

caracterizada pela ação dos agressores, mas sim pela omissão. A negligência surge,

muitas vezes, diante de uma situação desfavorável econômica e social que leva à

degradação dos valores familiares, fazendo com que haja conflitos familiares e fuga.

Dessa forma, a responsabilidade por crianças e adolescentes é do Estado e

da família: a família tem obrigação de se esforçar ao máximo para a plena formação

cognitiva das crianças; em caso de omissão por parte da família, a criança será

entregue a uma família substitutiva, conforme consta no ECA, em seu Artigo 28.

A falta de incentivo governamental em educação é notável, assim como o

despreparo do poder público para conviver com menores em situação de rua. Diversos

são os motivos que podem tornar o Estado omisso diante dessa situação, como: falta

de recursos, má administração de recursos, corrupção ou, até mesmo, falta de vontade

política para lidar com o caso.

3 O Artigo 4º reforça a participação direta e indireta dos adultos com os cuidados básicos das crianças e

dos adolescentes, não somente responsabilizando-se pela sua proteção, mas principalmente, tratando-os como primazia no que se refere ao seu desenvolvimento.

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É necessário que não só o Estado mas também a sociedade tenham a

consciência de que uma criança que se encontra em situação de rua fica exposta a

abusos de todas as ordens, sofrendo também déficit cognitivo, impedindo que, no

futuro, possa exercer alguma atividade que não seja degradante, como pedir esmolas,

ou criminosa. “sendo grande, eu me vejo sendo uns dos maiores traficantes da cidade,

mas já pensei em ser doutor sim, mas ser jogador de futebol é bem melhor”. (Fala de

um dos entrevistados – Tizianno Ferro).

1.2 Realidade brasileira mostrada nos últimos anos

Trazendo à tona dados estatísticos referentes a crianças em situação de rua,

pesquisas feitas em Porto Alegre e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da

Presidência da República revelam dados bastante interessantes referentes a esses

indivíduos e a seu meio familiar.

Um estudo sobre o perfil das crianças e dos adolescentes em situação de

rua na Grande Porto Alegre (2008), em que 825 jovens foram entrevistados, indicou

que 94,4% dos participantes afirmaram ter mãe e 81,5% disseram que esta fazia parte

da família. Em relação à figura paterna, 77,4% afirmaram ter pai, mas apenas 48,8% o

consideram como parte de sua família. Outra figura citada por 42,9% foi o padrasto,

uma vez que 24,2% moram com este e 10,9% o consideram como membro de sua

família. Destaca-se a referência aos irmãos: 98,8% dos participantes indicaram a

existência deles e 77,4% os consideram parte da família. O estudo evidenciou que

apenas 8,9% da população total investigada não possuem contato com a família. Esse

resultado reforça a ideia de que a maioria das crianças que vive em situação de rua

possui adultos responsáveis e estabelece contato, efetivo ou esporádico, com essas

pessoas que consideram parte de sua família. (FURTADO; GEHLEN; Silva, 2004, apud

PALUDO; KOLLER, 2008, p.44).

Como se observa no parágrafo anterior, crianças que frequentam o espaço

da rua têm suas respectivas famílias, mas, por motivos econômicos ou sociais, chegam

a deixar seus lares para residirem nas ruas. A fuga pode ser motivada pelo medo ou

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por desentendimentos familiares, fazendo as crianças procurarem outro espaço de

convivência; por sinal, o único espaço que estas encontram é a rua, sendo expostas a

criminalidade, marginalizações, violência e tráfico. Gomes e Pereira (apud KOLLER;

NEIVA-SILVA; MORAIS, 2010) constataram que a miserabilidade econômica tem sido o

fator que mais contribui para a fragilidade dos vínculos familiares.

Para esses autores, não se pode culpabilizar as famílias pela saída dos filhos

para conviverem na rua; o que precisa ser feito é investir em medidas protetivas que

buscam prevenir e evitar a saída para as ruas sem perder o foco em fortalecer os

vínculos familiares. Para isso, emergiu em 2006 o Plano Nacional de Promoção,

Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e

Comunitária, que será aprofundado no próximo capítulo.

No Brasil, dados de 2009 mostram que, segundo a Secretaria Nacional de

Direitos Humanos da Presidência da República (2009), 24 mil meninos e meninas vivem

em situação de rua. Os motivos são por discussão com os pais (32,3%), violência

doméstica (30,6%) e uso exaustivo de álcool e drogas (30,4%). A Pesquisa Nacional

sobre a População em Situação de Rua identificou, nas 71 cidades onde foi realizada,

um contingente de 31.922 pessoas adultas em situação de rua e reuniu informações

que permitiram compor o perfil e a dinâmica dessa população.

Na Pesquisa Anual sobre a Vivência de Crianças e Adolescentes em

Situação de Moradia nas Ruas de Fortaleza (2007, apud ABREU, 2009), o modelo de

família mais citado entre os entrevistados foi o modelo monoparental, com destaque

para a presença da mãe. E, na pesquisa Crianças e Adolescentes em Situação de Rua

em João Pessoa (2008, apud ABREU, 2009), 71% das crianças e adolescentes

entrevistados diziam morar com a mãe, enquanto o percentual dos que afirmavam

morar com o pai ficou em torno dos 47%.

Abdelgalil, Gurgel, Theobald e Cuevas (apud CALDEIRA; RIBEIRO;

CARVANO, 2010) investigaram as características das famílias que viviam nas ruas da

cidade de Aracaju, em Sergipe. A pesquisa, realizada no ano de 2002, encontrou

famílias em sua maioria monoparentais chefiadas por mulheres, constituídas em média

por seis membros. Em somente 23% dos casos, o pai biológico vivia com a família e,

em muitas famílias, os pais estavam desempregados.

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Referindo-se à realidade das crianças em situação de rua com sua família,

são diversos fatores que fazem com que ocorra a evasão familiar, como a situação de

pobreza, desemprego, monoparentalidade, famílias com grande número de filhos,

violência (agressões verbais, físicas e situações de abuso sexual), dependência

química de parentes e/ou da própria criança ou adolescente, e morte de algum familiar

importante com quem a criança ou o adolescente era vinculado. (MORAIS; NEIVA-

SILVA; KOLLER, 2010).

Em diversos estudos, os dados levantados na América Latina mostram que

uma conjugação de fatores conduz crianças e adolescentes às ruas,

predominantemente fatores combinados de natureza econômica e psicossocial. Entre

os fatores mais significativos, são apontados: “a) necessidade de contribuir para o

orçamento familiar, devido à falta de recursos financeiros; b) conflitos familiares; c) uma

associação entre ambos”. (RIZZINI, 1995, p.73).

De acordo com Morais; Paludo; Koller (2010, p. 180),

um levantamento epidemiológico em 27 capitais brasileiras com 2807 crianças e adolescentes em situação de rua verificou divergências nas relações estabelecidas com as suas famílias de acordo com a região do país. Um alto percentual (80%) nas principais capitais do Norte e Nordeste relataram morar com suas famílias, sendo diferente apenas em Maceió. As regiões Sudeste e Centro-Oeste revelaram índices inferiores, cerca de 20% a 50%, sendo São Paulo a capital com percentual mais baixo do país (7,1%).

Entretanto, como foi relatado nos dados, isso mostra a heterogeneidade

desses indivíduos que vivenciam a situação de rua, visto que os aspectos culturais e

econômicos influenciam no que foi afirmado anteriormente. Nessa pesquisa de campo

qualitativa realizada em Fortaleza, verificou-se que todos os entrevistados

frequentavam a escola e mantinham relações com suas famílias, todavia, o motivo que

os fazia vivenciar a situação de rua era a situação econômica.

De acordo com o mapeamento das ações de ONGs voltadas para o

atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua no município do Rio de

Janeiro, realizado pela rede Rio Criança, em 2007:

A categoria crianças e adolescentes em situação de rua é definida a partir do

modo como as crianças e adolescentes inserem-se nas ruas, resultando em

diferentes status, que vão evidenciar suas práticas cotidianas e desvendar

identidades. A situação de rua se apresenta de forma complexa e heterogênea,

sugerindo categorias distintas de crianças nas ruas: trabalhadores, pedintes,

perambulantes, moradores, refugiados, “turistas”, com menor ou maior grau de

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contato com comunidades e familiares. Os parâmetros que diferenciam essa

categoria são de difícil identificação, já que muitas vezes encontramos uma

“movimentação” de uma categoria a outra (Rede Rio Criança, 2007, p.16).

Assim, são diversos os motivos que levam uma criança a vivenciar a situação

de rua e são inúmeras as expressões da questão social que giram em torno da

realidade desses indivíduos. Dentre essas expressões, a pobreza e a violência têm

predominância relevante no que se diz respeito à evasão familiar.

Segundo pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome – MDS –, no período de agosto de 2007 a março de 2008, o número

de pessoas que estavam em situação de rua no Brasil era de 50.000 (BRASIL, 2008) e,

nesse mesmo período, no município de Fortaleza, era de 1.701 pessoas (BRASIL, 2008

apud ALVES; ALBUQUERQUE, 2012).

Nessa pesquisa, também constam algumas características do perfil da

população em situação de rua no município de Fortaleza, as quais seriam:

84,5% homens, a maioria (56,3%) na faixa entre 25 e 44 anos, pardos (53,8%) e pretos (24,8%). A maior parte (89,7%) dorme nas ruas, embora tenha atividade laborativa como catador de material reciclável (24,6%), flanelinha (21,8%) ou vendas (7,2%). Somente 15% são pedintes. (BRASIL, 2008, apud ALVES; ALBUQUERQUE, 2012).

A Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua identificou que

a maioria da população costumava dormir na rua (69,6%), sendo que apenas cerca de

20% preferia dormir em instituições. Buscavam as instituições de acolhimento para

higiene pessoal e necessidades fisiológicas, embora 1/3 tomasse banho na própria rua

e uma pequena minoria buscasse a casa de amigos ou parentes para cuidar da higiene

pessoal. (BRASIL, 2011).

Conforme a pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua

(2008), “a população em situação de rua não é incluída nos censos demográficos

brasileiros e de outros países, fundamentalmente, porque a coleta de dados dos censos

é de base domiciliar”. Trata-se de uma população sem visibilidade social, pois os

órgãos responsáveis por realizar pesquisas, como o IBGE, não oferecem pesquisas

específicas sobre a população em situação de rua.

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1.3 Crianças que vivenciam a situação de rua: quem são, o que fazem

e como vivem?

Para começar a caracterizar esses indivíduos, é necessário compreender o

que significa a infância, nas palavras de Philippe Ariès (1981), que trata a infância como

uma construção histórica e social, relatando como as crianças eram tratadas nos

séculos passados.

Segundo Ariès (1981), ao discutir infância como uma construção social,

deve-se considerar que, até o século XVI e XVII, as crianças eram tratadas com

liberdades grosseiras e brincadeiras indecentes, pois se acreditava que, se as crianças

fossem muito pequenas, esses gestos não teriam consequências, sendo encarados

apenas como brincadeiras. O historiador ainda argumenta que:

durante o século XVII, a longa duração da infância, tal como aparecia na língua comum, provinha da indiferença que se sentia então pelos fenômenos propriamente biológicos: ninguém teria a ideia de limitar a infância pela puberdade. A ideia de infância estava ligada à ideia de dependência [...]. Só se saía da infância ao se sair da dependência, ou, ao menos, dos graus mais baixos da dependência. (ARIÈS, 1981, p.11).

Ariès (1981) faz uma crítica bastante inquietadora no que diz respeito à arte

medieval do século XII, que era fortemente marcada pela religiosidade. Os quadros dos

pintores clássicos da época mostravam que as crianças não eram pintadas em forma

de tamanho pequeno e, nas pinturas, as crianças apareciam desnudas e com músculos

iguais aos de um adulto.

A arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse a incompetência ou a falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo”. (ARIÈS, 1981, p.17).

Segundo Ariés (1981), no século XV, surgiram dois tipos de representação

da infância, “o retrato e o putto4”, os quais não eram modelos de retratos iguais aos de

uma criança. Ariès destaca que:

ninguém pensava em conservar o retrato de uma criança que tivesse sobrevivido e se tornado adulta ou que tivesse morrido pequena. No primeiro

4 Putto (putti, no plural) é um termo que, no campo das artes se refere a um menino nu, quase sempre de

sexo masculino e representado frequentemente com asas.

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caso, a infância era apenas uma fase sem importância, que não fazia sentido fixar na lembrança; no segundo caso, o da criança morta, não se considerava que essa coisinha desaparecida tão cedo fosse digna de lembrança: havia tantas crianças cuja sobrevivência era tão problemática. (ARIÈS, 1981, p.21).

Percebe-se, então, que, naquela época, o sentimento de amor materno não

existia. O autor ainda destaca que a família era social, e não sentimental. Não havia

sequer um sentimento de afeto pelas crianças. Era comum as crianças falecerem muito

pequenas; era comum, também, na Idade Média, as famílias mais pobres entregarem

seus filhos para outras famílias criarem.

Segundo Ariès (1981), foi somente no século XVII que surgiu uma literatura

pedagógica destinada aos pais e aos educadores.

De fato, foi nessa época que se começou realmente a falar na fragilidade e na debilidade da infância. Antes, a infância era mais ignorada, considerada um período de transição rapidamente superado e sem importância. (p.85).

Nesse contexto, as mudanças com relação ao cuidado com a criança só

ocorreram mais tarde, no século XVII, com a interferência dos poderes públicos e com a

preocupação da Igreja em não aceitar passivamente o infanticídio.

Preservar e cuidar das crianças seria um trabalho realizado exclusivamente pelas mulheres, no caso, as amas e parteiras, que agiriam como protetoras dos bebês, criando uma nova concepção sobre a manutenção da vida infantil como se a consciência comum só então descobrisse que a alma da criança também era imortal. (ARIÈS, 1981, p. 61).

A partir do século XVII, as famílias passaram a acompanhar as crianças

nesse processo de mudança, e a escola passou a incubir aos novos educadores a

tarefa da educação formal na nova formação da criança. Como se pode observar, a

imagem social da criança começa a ganhar visibilidade a partir das transformações das

relações sociais. Segundo Kramer (1987), ainda no que se refere a esse novo

sentimento:

o sentimento moderno de infância corresponde a duas atitudes contraditórias que caracterizam o comportamento dos adultos até hoje: uma considera a criança ingênua, inocente, graciosa e é pela “paparicação” dos adultos, e outra surge simultaneamente à primeira, mas se contrapõe a ela tomando a criança como um ser imperfeito e incompleto, que necessita da moralização e da educação feita pelos adultos. (1987, p.18).

Nos séculos passados, não havia uma noção coletiva sobre a infância.

Naquela época, acreditava-se que a criança não tinha personalidade e era incapaz de

expressar seus sentimentos e pensamentos. A mortalidade infantil era alta e as

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crianças que haviam superado as doenças infantis passavam a vivenciar as mesmas

situações que os adultos: estavam presentes em festas e atuavam no campo de

trabalho. Nessa época, as atividades lúdicas misturavam-se com as atividades laborais,

levando as crianças a passarem da infância diretamente para a vida adulta, sem a

vivência da adolescência. A infância não era percebida como construção social, era

invisível e não ocupava lugar na sociedade: [...] “e até o fim do século XIII, não existem

crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho

reduzido”. (ARIÈS, 1981, p. 18).

Concepções sobre a infância variam historicamente. Atualmente, o

significado da palavra “infância” vem sendo designado em duas categorias: escola e

família. Sarmento (2001, p. 04) reitera que,

junto com a emergência da escola de massas, a nuclearização da família e a constituição de um corpo de saberes sobre a criança, a modernidade elaborou um conjunto de procedimentos configuradores de uma administração simbólica da infância.

O autor refere-se às normas que são impostas às crianças, os locais que

devem frequentar, bem como os cuidados e os sentimentos que são relacionados com

a vida e a educação destas.

A infância é hoje reconhecida como condição e direito das crianças. Elas

são, tanto quanto os adultos, cidadãs, e, nesse sentido, precisam de amparo, de

cuidados e de educação. Ter infância é direito de toda criança, direito de brincar, ir à

escola, ser cidadã, falar, expor seus pensamentos e expressar seus sentimentos

(BRASIL, 2010).

Entretanto, percebe-se que a realidade brasileira de algumas crianças não

condiz com as normatizações que são impostas pela sociedade civil. Muitas crianças

encontram-se com seus direitos violados, estão expostas nas ruas, pedindo esmolas,

lavando vidros de carros, vendendo doces, mendigando ou trabalhando como

recicladoras de lixo para garantir seu próprio sustento e, até mesmo, de sua família.

Para começar a explicar quem são as crianças que se encontram em

situação de rua, é preciso saber o significado das expressões “criança de rua” e

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“criança na rua” 5 . No ano de 1989, o Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF) afirmou que a expressão “criança de rua” refere-se à criança que tem

vínculos familiares débeis (quando os têm), e tem na rua o seu hábitat principal,

substituindo a família como fator essencial de crescimento e socialização, e encontra-se

exposta a riscos consideráveis e específicos. Já a expressão “criança na rua” refere-se

à criança que mantém o vínculo familiar e usa a rua para realizar atividades destinadas

a garantir o seu sustento.

No entanto, independentemente do tempo que as crianças permanecem nas

ruas, ou se elas possuem ou não laços familiares, ou mesmo se vivem nas ruas, o

trabalho é uma estratégia de sobrevivência para esses indivíduos.

Para Bulla,

de uma forma geral, as pessoas em situação de rua apresentam-se com vestimentas sujas e sapatos surrados, denotando a pauperização da condição de moradia na rua, no entanto, nos pertences que carregam, expressam sua individualidade e seu senso estético. (2004, apud PRATES, 2004, p. 113-114).

Dizem as autoras que a perda de vínculos familiares – decorrente do

desemprego, violência, perda de algum ente querido, perda de autoestima, alcoolismo,

drogadição, doença mental, entre outros fatores – é o principal motivo que leva as

pessoas a morarem nas ruas. São histórias de rupturas sucessivas e que, com muita

frequência, estão associadas ao uso de álcool e drogas, não só pela pessoa que está

na rua, mas pelos outros membros da família.

Diversos estereótipos são dados a esses indivíduos no que se refere ao

ambiente de rua, como “meninos de rua”, “trombadinhas”, “ladrões”, “maloqueiros”,

entre outros e, na maioria das vezes, eles são rotulados como delinquentes e

criminosos. Segundo Koller e Hutz (1996), a terminologia “crianças em situação de rua”

é a mais adequada, pois essa população é bastante heterogênea e utiliza o espaço da

rua em diferentes momentos e com objetivos diversos6.

5 “[...] os termos ‘criança de rua’ e ‘criança na rua’ foram criados para delimitar as trajetórias (idas e

vindas) e enfraquecer a ideia predominante (e pejorativa) de que se trata de pessoas de rua, que não têm outra característica senão o fato de pertencer às ruas da cidade” (GIORGETTI, 2006, p. 20). Essa denominação tem por mérito a importância dada à história de vida de cada criança, ‘respeitando suas individualidades e a dinâmica intrínseca de suas realidades de vida’.” (PALUDO; KOLLER, 2008). 6 É interessante destacar que, antes da promulgação do ECA no Brasil, em 1990, é que passam a existir

a definição e a lei das terminologias “criança” e “adolescente”, pois antes eram chamados de menores.

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Ricardo Lucchini (2010, apud RIZZINI; CALDEIRA; CARVANO) observou

que inicialmente a rua é vista pela criança como um espaço de autonomia e liberdade.

Com o tempo, ela começa a alternar as percepções de liberdade e privações, e, em

uma etapa posterior, ocorre um processo de desilusão da criança para com a rua, que

pode resultar em tentativas de buscar alternativas de vida. Para o autor, a criança não é

um elemento a mais no espaço da rua, mas é o espaço da rua que faz parte do mundo

da criança.

De acordo com Neiva-Silva, Koller e Morais (2010), a rua caracteriza-se

como

sendo toda via ou espaço público externo, incluindo-se avenidas, praças, parques, estacionamentos, jardins, feiras, calçadas, assim como todo espaço público ao redor de instituições ligadas ao comércio, alimentação, lazer, transporte, desporto, saúde, e religião, dentre outros. (p.51).

Conforme Neiva-Silva, Koller e Morais (2010), há diversas formas de

estabelecer vínculos com a rua:

para algumas crianças, a vinculação com a rua pode estar restrita à brincadeira, enquanto, para outros, a rua é lugar de moradia, trabalho e de uso de drogas. Para algumas crianças, o tempo de permanência na rua é o turno inverso ao da escola, enquanto, para outras, esse tempo é de 24 horas. (p. 55).

Durante a pesquisa de campo no Terminal do Siqueira, constatou-se que as

crianças entrevistadas afirmaram estudarem pelo período da manhã e, nos turnos da

tarde e da noite, ficavam nas ruas, à procura de comida e de esmolas.

Conforme já foi exposto, crianças em situação de rua formam uma categoria

heterogênea devido às particularidades e às diversidades que permeiam suas vidas.

Segundo Lucchini (2003), vários fatores explicam a diversidade dessas trajetórias

pessoais, pois há aspectos comuns que marcam o linguajar, o modo de ser, de vestir-se

e as leis de vida na rua, as quais Oliveira (2004) define como “subcultura de rua”7.

O mesmo autor afirma que isso diz respeito a um mundo de significados e de

ações mútuas, que inclui a:

7 O uso do termo “subcultura de rua”, de acordo cm Oliveira (2004), não indica uma relação de

inferioridade, mas que uma determinada cultura está contida ou contextualizada em culturas mais abrangentes. Assim, a “subcultura de rua” no Brasil seria parte de um contexto cultural maior e estaria contida na cultura brasileira em geral.

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maneira como as pessoas da rua se portam, se vestem, se apresentam perante o mundo, incluindo seu comportamento corporal, suas maneiras de socializar-se, de falar e de exercer suas atividades cotidianas, inclusive de comer, brincar

e se relacionar com os “de fora”. (2004, p.35)

Segundo Koller, Neiva-Silva e Morais (2010, p. 272), “o trabalho é a atividade

mais comum em que são encontradas as crianças em situação de rua”. Para Cervini e

Burger (apud Koller, Neiva-Silva e Morais, 2010), nas famílias chefiadas por mulheres,

há uma maior probabilidade de saída das crianças para o trabalho, o que pode ser

explicado por elas serem mais mal remuneradas, mais vulneráveis a crises econômicas

e ainda estarem sob a incumbência do cuidado da família.

Para Escorel (1999, p.17), “a população de rua se distingue entre uma

minoria de grupos familiares que está na rua, e a maioria homens sós, que andam em

grupo, em dupla ou sozinhos, para os quais a família está distante e é apenas

referência”. Para a autora, a população em situação de rua consiste no rompimento dos

vínculos familiares.

De acordo com Sebes (1992, apud BURSZTYN, 2003, p. 152), “a população

em situação de rua são aqueles que estão nas ruas circunstancialmente,

temporariamente e permanentemente, ou entre os que estão na rua e os que são da

rua”. Já para Rodrigues e Silva (1999, apud BURSTZYN, 2003, p. 153), “a população

em situação de rua é o conjunto daqueles que vivem permanentemente nas ruas, que

dependem de atividade constante que implique ao menos um pernoite semanal na rua”.

Para Sebes, a população de rua é caracterizada por idas e vindas. Já para

Rodrigues e Silva, a população de rua se caracteriza por aqueles que têm o espaço da

rua como moradia e trabalho.

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2 A QUESTÃO SOCIAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS DE CRIANÇAS EM SITUAÇÃO

RUA

2.1 Políticas, programas, serviços e planos que atuam no contexto da criança

Em todas as capitais brasileiras, encontram-se crianças e adolescentes que

fazem das ruas o seu principal espaço de vida. Cada vez mais, acentua-se o fato de

que a trajetória que levou essas crianças e adolescentes para as ruas apresenta

grandes variações: trata-se de diferentes experiências de vida desde a chegada à rua,

além do impacto que essa experiência de rua tem sobre o seu desenvolvimento físico,

psicológico e social.

O olhar sobre essas crianças e adolescentes como um problema continua

presente. Ainda hoje, predominam respostas inadequadas e pouco eficientes por parte

do poder público, representadas pelas operações de controle urbano e de recolhimento

de crianças e adolescentes das ruas. Tais ações violam seus direitos humanos,

previstos em diversos Artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990).

Como já exposto no capítulo anterior, diversos são os fatores que fazem com

que ocorra a evasão familiar, bem como o surgimento das primeiras iniciativas da

sociedade civil para com os direitos de crianças e adolescentes. Tais iniciativas

resultaram em medidas direcionadas aos cuidados com esses indivíduos, o que

resultou na promulgação do ECA, assegurando direitos a crianças e adolescentes e

afirmando, ainda, que são considerados, antes de tudo, sujeitos de direitos.

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Com a efetivação do ECA, surgem as políticas públicas para garantir a

efetivação dos direitos, o bem-estar social e a cidadania de crianças e adolescentes.

Para Potyara (2008), política pública é:

uma estratégia de ação pensada, planejada e avaliada, guiada por uma racionalidade coletiva, na qual tanto o Estado como a sociedade desempenham papéis ativos”. [...] portanto, política pública implica sempre, e simultaneamente, intervenção do Estado, envolvendo diferentes atores (governamentais e não governamentais), seja por meio de demandas, suportes ou apoios, seja mediante o controle democrático”. (p. 96).

No entanto, pode-se dizer que política pública é a política de todos, que

constitui algo que compromete tanto o Estado quanto a sociedade civil. Ocorre quando

a sociedade está presente no poder de decisão e mantém controle sobre seus atos e

decisões do governo.

Entretanto, é interessante destacar o processo de amadurecimento do

governo brasileiro no que se refere às políticas públicas para a população em situação

de rua. Em 2009, houve a aprovação da Política Nacional para a População em

Situação de Rua, destacando o compromisso assumido pelo Governo Federal e o papel

dos movimentos sociais, bem como a sociedade civil, para com os direitos das pessoas

em situação de rua.

2.2 Política Nacional para a População em Situação de Rua

Diversas são as políticas e os programas destinados a atender a crianças e

adolescentes em risco ou com direitos violados. E, dentro desse enfoque, na

perspectiva de assegurar, efetivar e orientar a construção e a execução de políticas

públicas para esses indivíduos, foi instituída, em 2009, a Política Nacional para a

População de Rua, visando garantir o direito de acesso às políticas públicas. A política

para a população em situação de rua define seu público-alvo como:

Grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, cemitérios etc.), áreas degradadas (galpões e prédios

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abandonados, ruínas etc.) e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para

pernoitar. (Brasil, 2009).

A Política Nacional estabelece princípios, diretrizes e ações estratégicas,

possibilitando a inclusão e a reintegração da população em situação de rua na

sociedade e no convívio familiar, garantindo pleno acesso aos direitos postos na

Constituição Federal de 1988. Além da igualdade e equidade, tem como princípios:

I – Promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; II – Respeito à dignidade do ser humano, sujeito de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais; III – Direito ao usufruto, permanência, acolhida e inserção na cidade; IV – Não discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, nacionalidade, atuação profissional, religião, faixa etária e situação migratória; V – Supressão de todo e qualquer ato violento e ação vexatória, inclusive os estigmas negativos e preconceitos sociais em relação à população em situação de rua. (BRASIL, 2009).

Tem como diretrizes:

I – Implementação de políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal, estruturando as políticas de saúde, educação, assistência social, habitação, geração de renda e emprego, cultura e o sistema de garantia e promoção de direitos, entre outras, de forma intersetorial e transversal, garantindo a estruturação da rede de proteção às pessoas em situação de rua; II – Complementaridade entre as políticas do Estado e as ações públicas não estatais de iniciativa da sociedade civil; III – Garantia do desenvolvimento democrático e de políticas públicas integradas para promoção das igualdades sociais, de gênero e de raça; IV – Incentivo à organização política da população em situação de rua e à participação em instâncias de controle social na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, assegurando sua autonomia em relação ao Estado; V – Alocação de recursos nos Planos Plurianuais, Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias Anuais para implementação das políticas públicas para a população em situação de rua; VI – Elaboração e divulgação de indicadores sociais, econômicos e culturais sobre a população em situação de rua. (BRASIL, 2009).

Os objetivos da PNPR são:

I – Assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda; II – Garantir a formação e a capacitação permanente de profissionais e gestores para atuação no desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais, transversais e intergovernamentais direcionadas às pessoas em situação de rua; III – Instituir a contagem oficial da população em situação de rua;

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IV – Produzir, sistematizar e disseminar dados e indicadores sociais, econômicos e culturais sobre a rede existente de cobertura de serviços públicos à população em situação de rua; V – Desenvolver ações educativas permanentes que contribuam para a formação de cultura de respeito, ética e solidariedade entre a população em situação de rua e os demais grupos sociais, de modo a resguardar a observância aos direitos humanos; VI – Incentivar a pesquisa, produção e divulgação de conhecimentos sobre a população em situação de rua, contemplando a diversidade humana em toda a sua amplitude étnico-racial, sexual, de gênero e geracional, nas diversas áreas do conhecimento; VII – Implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de rua. (BRASIL, 2009).

Diante das ações estratégicas, são pautados nos direitos humanos: trabalho

e emprego, assistência social, educação, segurança alimentar e nutricional, saúde e

cultura. Conforme afirma a política,

constitui desafio para toda a sociedade brasileira, tanto para os gestores governamentais quanto para a sociedade civil, devendo as mesmas serem detalhadas em programas, planos e projetos dos Ministérios e órgãos, contendo estratégias e mecanismos de operacionalização. (BRASIL, 2009).

De acordo com a Política, as ações dos direitos humanos devem incluir:

I – Capacitação dos operadores de direito do Estado (especialmente da força policial) quanto aos direitos humanos, principalmente àqueles concernentes à população em situação de rua, incluindo nos cursos de formação conteúdos sobre o tema; II – Fortalecimento da Ouvidoria para receber denúncias de violações de Direitos Humanos em geral, e especialmente dos direitos das populações em situação de rua; III – Responsabilização e combate à impunidade dos crimes e atos de violência que têm essa população como público-alvo, ampliando, assim, a possibilidade de que a rua seja um espaço de maior segurança; IV – Oferta de assistência jurídica e disponibilização de mecanismos de acesso a direitos, incluindo documentos básicos, às pessoas em situação de rua, em parceria com os órgãos de defesa de direitos. (BRASIL, 2009).

Em relação a trabalho e emprego:

I – Inclusão da população em situação de rua como público-alvo prioritário na intermediação de emprego, na qualificação profissional e no estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada e com o setor público para a criação de novos postos de trabalho; II – Promoção de capacitação, qualificação e requalificação profissional da população em situação de rua; III – Incentivo às formas cooperadas de trabalho no âmbito de grupos populacionais em situação de rua; IV – Garantia de acesso por parte da população em situação de rua a seus direitos trabalhistas e à aposentadoria, entre outros. (BRASIL, 2009). No que se refere à assistência social: I – Estruturação da rede de acolhida, de acordo com a heterogeneidade e diversidade da população em situação de rua, reordenando práticas

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homogeneizadoras, massificadoras e segregacionistas na oferta dos serviços, especialmente os albergues; II – Produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social acerca da população em situação de rua; III – Inclusão de pessoas em situação de rua no Cadastro Único do Governo Federal para subsidiar a elaboração e implementação de políticas públicas sociais. IV – Assegurar a inclusão de crianças e adolescentes em situação de trabalho na rua no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. (BRASIL, 2009).

Sobre a educação:

I – Promoção da inclusão das questões de igualdade social, gênero, raça e etnia nos currículos, reconhecendo e buscando formas de alterar as práticas educativas, a produção de conhecimento, a educação formal, a cultura e a comunicação discriminatórias, especialmente com relação à população em situação de rua; II – Constituição de grupos de estudo que discutam maneiras de a educação ser feita em meio aberto, sem necessidade de deslocamento até as escolas; III – Oferta regular de educação de jovens e adultos, especialmente no que se refere à alfabetização, com facilitação de ingresso em sala de aula em qualquer época do ano; IV – Oferta de incentivos à assiduidade escolar para a população em situação de rua, tais como uniformes e materiais escolares gratuitos, facilitação do transporte de ida e volta da escola, fornecimento de alimentação, entre outras. (BRASIL, 2009).

Referindo-se à segurança alimentar e nutricional:

I – Promoção do direito à segurança alimentar e nutricional da população em situação de rua, por meio de restaurantes populares. (BRASIL, 2009).

Quanto à saúde:

I – Garantia da atenção integral à saúde das pessoas em situação de rua e adequação das ações e serviços existentes, assegurando a equidade e o acesso universal no âmbito do Sistema Único de Saúde, com dispositivos de cuidados interdisciplinares e multiprofissionais;

II – Fortalecimento das ações de promoção à saúde, à atenção básica, com ênfase no Programa Saúde da Família sem Domicílio, incluindo prevenção e tratamento de doenças com alta incidência junto a essa população, como doenças sexualmente transmissíveis/AIDS, tuberculose, hanseníase, hipertensão arterial, problemas dermatológicos, entre outras;

III – Fortalecimento das ações de atenção à saúde mental das pessoas em situação de rua, em especial aqueles com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas, facilitando a localização e o acesso aos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS I, II, III e AD);

IV – Instituição de instâncias de organização da atenção à saúde para a população em situação de rua nas três esferas do SUS; entre outros. (BRASIL, 2009).

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E, por fim, sobre a cultura:

I – Promoção de amplo acesso aos meios de informação, criação, difusão e fruição cultural, especialmente por parte da população em situação de rua;

II – Desenvolvimento da potencialidade da linguagem artística como fundamental no processo de reintegração social das pessoas em situação de rua. Neste sentido, promoção de atividades artísticas especificamente voltadas para esta população, tais como aulas e prática de teatro, literatura e artesanato;

III – Promoção de ações e debates de ressignificação da rua, deixando de retratá-la como um simples lugar de passagem e passando a percebê-la como palco de encontros, diálogos e construção de identidades;

IV – Apoio a ações que tenham a cultura como forma de inserção social e construção da cidadania, etc. (BRASIL, 2009).

A Constituição Federal estabelece, em seu Artigo 5º, a igualdade de todos os

cidadãos brasileiros perante a Lei e a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade. No Artigo 6º, lê-se que

são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).

2.3 Política Pública de Assistência Social

A Política Pública de Assistência Social representa a luta da sociedade civil

para com seus direitos enquanto cidadão.

a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) busca incorporar as demandas presentes na sociedade brasileira no que tange à responsabilidade política, objetivando tornar claras suas diretrizes na efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado. (BRASIL, 2004).

A Política Pública de Assistência Social tem como objetivos:

Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e/ou especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem; Contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural; Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2004).

Percebe-se, então, que a política de assistência social tem seu foco centrado

na categoria família, afirmando que é responsabilidade do Estado prover os mínimos

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sociais aos seus indivíduos, pois, segundo a PNAS, “é no cotidiano da vida das

pessoas que os riscos e as vulnerabilidades se constituem”. (BRASIL, 2004).

No ano seguinte, em 2005, ocorreu a implementação do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome (MDS). O SUAS tem o objetivo de garantir políticas públicas para a

população que se encontra em situação de vulnerabilidade. Seu modelo de gestão é

descentralizado e participativo, e tem como prioridade a ampliação de serviços,

programas, projetos e benefícios voltados para as famílias e para os indivíduos que

deles necessitam.

O SUAS materializa o conteúdo da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS):

a Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que prevê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (BRASIL,1993).

A Política de Assistência Social que institui o SUAS define-se em dois

patamares de proteção social: a básica e a especial.

A proteção social básica fica sob a responsabilidade dos Centros de

Referência da Assistência Social (CRAS). Como exposto na PNAS, são considerados

serviços de proteção básica aqueles que têm a família como unidade de referência,

ofertando um conjunto de serviços locais que visam à convivência, à socialização e ao

acolhimento de famílias cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos,

assim como a promoção de sua integração ao mercado de trabalho. (MDS, 2004).

A proteção social especial fica sob a responsabilidade dos Centros de

Referências Especializados em Assistência Social (CREAS). Como exposto na PNAS,

buscam proteger famílias e indivíduos em situação de direitos violados em

consequência de abandono, maus tratos, abuso sexual, cumprimento de medidas

socioeducativas, situação de rua, entre outros.

Em 1993, o Congresso Nacional aprovou a LOAS, que regulamentou os

Artigos 203 e 204 da Constituição Federal, “reconhecendo a Assistência Social como

política pública, direito do cidadão e dever do Estado, além de garantir a

universalização dos direitos sociais”. Posteriormente, a LOAS recebeu alteração para a

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inclusão da obrigatoriedade da formulação de programas de amparo à população em

situação de rua, por meio da Lei nº 11.258/05, de 30 de dezembro de 2005.

Em seu Artigo 1º, a LOAS afirma que:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (BRASIL, 2001, p. 06).

Portanto, a política de assistência social deve prestar amparo a todos os

indivíduos, principalmente a crianças e adolescentes carentes, como consta no Inciso II

do Capítulo 02 da LOAS, independentemente de contribuição de raça ou gênero. Cabe

enfatizar que:

A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando

ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais. (BRASIL, 2001, p. 07).

No entanto, a inserção no tripé de Seguridade Social passou a ter um caráter

de política de proteção social, articulando com as demais políticas setoriais, voltadas à

garantia de direitos sociais. Para Giovanni (apud YASBEK, 1998, p. 10),

constituem sistemas de proteção social as formas para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio e as privações

– às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas que as sociedades.

Segundo a Política Nacional para a População em Situação de Rua, cabe à

política de assistência social o desenvolvimento de serviços, programas e projetos para:

Proporcionar o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios previdenciários e assistenciais e aos programas de transferência de renda, na forma da legislação específica; Criar meios de articulação entre o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema Único de Saúde para qualificar a oferta de serviços; Adotar padrão básico de qualidade, segurança e conforto na estruturação e reestruturação dos serviços de acolhimento temporários; Implementar centros de referência especializados para atendimento da população em situação de rua, no âmbito da proteção social do Sistema Único de Assistência Social. (Brasil, 2011).

Dessa forma, a relação que as pessoas em situação de rua mantêm com a

Proteção Social Especial (PSE) é na perspectiva de construir novos projetos e

trajetórias de vida, visando à saída das ruas para que possam ser considerados sujeitos

de direitos na sociedade brasileira.

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O Estado tem a função de garantir os direitos dos usuários, não podendo

omitir-se diante desse relato, pois é de sua responsabilidade proporcionar e garantir

acesso aos serviços oferecidos pela assistência social, assim como a outros serviços

públicos. A assistência social, como política de proteção social, tem como princípio

“garantir a todos que dela necessitam, e sem contribuição prévia, a provisão dessa

proteção”. (BRASIL, 2004).

Em 2009, houve a aprovação da Tipificação Nacional de Serviços

Socioassistenciais, que representou um grande avanço para a realização da oferta de

ações a pessoas em situação de rua. Tal tipificação estabeleceu parâmetros para a

oferta de serviços socioassistenciais de PSE de média e alta complexidade

direcionados a diversos públicos, dentre os quais a população em situação de rua.

(BRASIL, 1988).

2.4 Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

Segundo a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009,

p.10), o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Crianças e

Adolescentes de 06 a 15 anos tem como foco:

a constituição de espaço e convivência, formação para a participação e cidadania, desenvolvimento do protagonismo e da autonomia das crianças e adolescentes, a partir dos interesses, demandas e potencialidades dessa faixa etária. As intervenções devem ser pautadas em experiências lúdicas, culturais e esportivas como formas de expressão, interação, aprendizagem, sociabilidade e proteção social. Inclui crianças e adolescentes com deficiência, retirados do trabalho infantil ou submetidos a outras violações, cujas atividades contribuem para ressignificar vivências de isolamento e de violação de direitos, bem como propiciar experiências favorecedoras do desenvolvimento de sociabilidades e da prevenção de situações de risco social.

Percebe-se que o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

organiza-se de modo a ampliar trocas culturais e vivências, fortalecendo vínculos

familiares e incentivando a socialização e a convivência comunitária. A oferta do

serviço ocorre em espaços que podem ser unidades públicas e/ou privadas sem fins

lucrativos, desde que no território de abrangência do CRAS e a ele referenciados. As

atividades com as famílias dos participantes dos núcleos são realizadas pelo Serviço de

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Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF-2010). O serviço apresenta dois eixos

iniciais: o eixo de convivência social e o eixo de participação.

A participação da criança como eixo orientado dos Serviços de Convivência

e Fortalecimento de Vínculos permite criar espaços públicos em que a criança possa

ser ouvida e exercer seu papel de ator social. Portanto, a participação social da criança

visa ao desenvolvimento da sua cidadania, resultando na potencialização de

sentimentos de segurança e pertencimento.

Segundo a Tipificação Nacional (2009), os serviços devem ser ofertados nos

territórios de vulnerabilidade e têm como objetivos gerais:

complementar o trabalho social com a família, prevenindo a ocorrência de

situações de risco social e fortalecendo a convivência familiar e comunitária;

favorecer o desenvolvimento de atividades intergeracionais, propiciando

trocas de experiências e vivências, fortalecendo o respeito, a solidariedade e

os vínculos familiares e comunitários;

promover o acesso a benefícios e serviços socioassistenciais, fortalecendo a

rede de proteção social de assistência social nos territórios, entre outros.

2.5 Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

No que se refere aos programas existentes para a criança e o adolescente,

há o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), que foi lançado no ano de

1996 e, até hoje, vem revelando sua importância no âmbito das políticas públicas de

atendimento aos diretos desses indivíduos.

O PETI é um programa de âmbito nacional que articula um conjunto de ações visando proteger e retirar crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos da prática do trabalho precoce, resguardando o trabalho na condição de aprendiz a partir de 14 anos, em conformidade com o que estabelece a Lei de Aprendizagem (10.097/2000). É um programa de natureza intergovernamental e intersetorial que pressupõe, nas três esferas de governo, a integração de um conjunto de organizações governamentais e não governamentais em torno do desenvolvimento de iniciativas, estratégias e ações voltadas ao enfrentamento do trabalho infantil. [...] O programa tem como foco inicial o enfrentamento das piores formas de trabalho infantil, tendo como público prioritário crianças e adolescentes de 07 a 14 anos de idade que estejam trabalhando em atividades consideradas perigosas, insalubres, penosas ou degradantes, com exceção para o

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atendimento de crianças com até 15 anos de idade em situações de extremo risco, referentes à exploração sexual. (Brasil, 2010).

Já a Lei da Aprendizagem (10.097) foi criada em 2000, e visa à redução do

número de desempregados e a uma maior qualificação na inserção do mercado de

trabalho, haja vista que é direcionada a jovens de 14 a 24 anos de idade, conforme se

encontra no Artigo 7º, Inciso XXXIII da Constituição Federal, que trata dos direitos

sociais: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de

qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir

de quatorze anos”. (BRASIL, 1988).

É interessante salientar que, desde a promulgação da Constituição Federal

de 1988, crianças e adolescentes são colocados como prioridade absoluta, pois, de

acordo com o Art. 227 dessa Constituição:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Após a aprovação da Constituição Federal, ocorreu a aprovação do Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA), na década de 1990, que estabeleceu

normatizações jurídicas no que diz respeito aos direitos da criança e do adolescente.

Como já mencionado no capítulo anterior, a luta pelos direitos de crianças e

adolescentes no Brasil foi marcada pela participação de movimentos sociais que se

mobilizaram em prol da garantia dos direitos desses indivíduos.

2.6 Estatuto da Criança e do Adolescente

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente,

as políticas públicas devem ser concebidas e complementadas pelo Estado e pela sociedade, respectivamente, primando pela descentralização e municipalização dos atendimentos e pelo efetivo controle social das ações desenvolvidas. (BRASIL,1990).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal. 8.069 de 1990, que

regulamentou o Artigo Constitucional 227, afirma, no Artigo 19, que

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toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre de presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Assim, considera a família como a rede de socialização primária da criança e

do adolescente, “devendo ser dadas a ela condições de cuidar e educar seus filhos em

todos os aspectos da vida social”. (CARVALHO,1995, p.190).

O Estatuto ressalta ainda no Artigo 23 que “a falta de recursos materiais não

constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder”, mas, na

existência de outro motivo que indique para a perda do poder familiar, “a criança ou o

adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser

incluída em programas de auxílio”. (BRASIL, 1990, parágrafo único).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao ser criado, não somente

estabeleceu a garantia dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, mas

estabeleceu também a criação de um Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do

Adolescente (SGD), composto por órgãos que têm como objetivo a efetivação desses

direitos. O Estatuto prevê a criação de uma rede de atendimento responsável por essa

proteção, na qual estão inseridos os Conselhos Tutelares, Delegacias especializadas,

Ministério Público, Conselhos de direitos das crianças e dos adolescentes, órgãos não

governamentais, entre outros.

Cabe ao SGD o papel de: a) potencializar estrategicamente a promoção e proteção dos direitos da infância/adolescência, no campo de todas as políticas públicas, especialmente no campo das políticas sociais; b) manter restritamente tipo especial de atendimento direto, emergencial, em linha de “cuidado integrado inicial”, a crianças e adolescentes com seus direitos ameaçados ou violados (“credores de direitos”) ou adolescentes infratores (“em conflito com a lei”). (NOGUEIRA NETO, 2006, p. 14).

Não se pode deixar de frisar que a elaboração do ECA foi o resultado da luta

da sociedade brasileira pela redemocratização do país e da defesa dos direitos das

crianças e dos adolescentes. A sociedade organizava-se de diversas formas, na maioria

das vezes por meio de movimentos sociais para expressar sua insatisfação com os

direcionamentos políticos, econômicos e sociais da Ditadura Militar de 1964, dentre eles

a ausência dos direitos civis e políticos e o agravamento das múltiplas expressões da

questão social.

O Estatuto definiu criança (até 12 anos incompletos) e adolescentes (de 12 a

18 anos), diferenciando a ambos. Foram criados mecanismos de proteção nas áreas de

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educação, saúde, trabalho e assistência social, e ficou estabelecido o fim da aplicação

de punições para adolescentes, tratados com medidas de proteção em caso de desvio

de conduta.

De acordo com Digiácomo (2010, p.20), o Estatuto da Criança e do

Adolescente, com base na Constituição Federal, impõe a todos a obrigação de respeitar

os direitos das crianças e dos adolescentes, e cada cidadão tem o dever de agir em sua

defesa, diante de qualquer ameaça ou violação.

2.7 Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar foi criado conjuntamente ao ECA, instituído pela Lei

8.069 no dia 13 de julho de 1990. É um órgão municipal responsável por zelar pelos

direitos da criança e do adolescente, e deve ser estabelecido por lei municipal que

determine seu funcionamento, tendo como base os Artigos 131 a 140 do ECA. De

acordo com o que consta no ECA, no Artigo 131: “o Conselho Tutelar é órgão

permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo

cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”. (BRASIL,1990).

De acordo com o Artigo 136, são atribuições do Conselho Tutelar:

I – atender às crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos Artigos

98 e 101, aplicando as medidas previstas no Artigo 101;

II – requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente

quando necessário;

III – representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos

direitos previstos no Artigo 220, Inciso III, da Constituição Federal.

2.8 Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Comunitária

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Em 2006, foi lançado pelo Governo Federal o Plano Nacional de Promoção,

Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Comunitária. O

objetivo do plano é fazer valer o direito fundamental de crianças e adolescentes:

crescerem e serem educados em uma família e em uma comunidade.

O Plano Nacional (2006) contempla a promoção da família a partir de ações

que buscam a superação das dificuldades vivenciadas por essa instituição e a

restauração de direitos ameaçados ou violados, sem a necessidade de afastar a

criança ou o adolescente do seu núcleo familiar de origem.

A Constituição Federal estabelece que a “família é a base da sociedade” (Art.

226) e, portanto, compete a ela, junto com o Estado, a sociedade em geral e as

comunidades, “assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus direitos

fundamentais” (Art. 227). Neste último Artigo, também especifica os direitos

fundamentais especiais da criança e do adolescente, ampliando e aprofundando

aqueles reconhecidos e garantidos para os cidadãos adultos no seu Artigo 5º. Entre

esses direitos fundamentais da cidadania, está o direito à convivência familiar e

comunitária.

O Artigo 227 da Constituição Federal deixa claro que os direitos da criança

devem ser assegurados, visando proporcionar condições de liberdade, dignidade e

cidadania. Conforme ressalta Genofre,

a família tem responsabilidade pela criação, educação, desenvolvimento e formação da criança, este núcleo de adultos responsáveis representa a esperança no exercício de ações preventivas necessárias, a base do compromisso do país com seu futuro. Pena que as políticas sociais públicas não estejam implementadas, efetivamente em todas as áreas, para suprir as deficiências da família, principalmente na área de saúde, alimentação e educação”. (GENOFRE, 1997, p. 103).

A exclusão das políticas sociais básicas também é citada por Oliveira

(OLIVEIRA; RIBEIRO, apud KOLLER; NEIVA-SILVA; MORAIS, 2006) como fazendo

parte da família de crianças e adolescentes em situação de rua. Nesse sentido, e ao

contrário do que consta no Artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que

afirma a proteção integral, a família pobre desassistida pelas políticas públicas se vê

impossibilitada de responder às necessidades básicas de seus membros.

É interessante destacar que o Plano Nacional (2006) afirma que é necessário

que as políticas públicas reforcem ações voltadas para defesa dos vínculos familiares e

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comunitários: “sendo o vínculo familiar a base para o cuidado e a socialização das

crianças e adolescentes, o apoio às famílias é essencial para garantir os seus direitos

fundamentais” (p. 48). Carvalho e Almeida (2003) atentam para a necessidade de haver

uma mudança cultural e um esforço da sociedade para desconstruir a crença de que

essas famílias são incapazes e desqualificadas para cuidar de seus filhos.

Para o Plano Nacional (2006), é na base familiar que se proporciona o

desenvolvimento físico e mental das crianças, é onde se garante a sobrevivência e os

cuidados básicos que crianças e adolescentes merecem receber. Para isso, é preciso

que os programas de atendimento às famílias sejam eficazes a fim de reconstruir a

autoestima e potencializar a família como um sistema social capaz de promover bem-

estar entre seus membros.

3 METODOLOGIA

3.1 Métodos, técnicas e caracterização do local da entrevista

Para a realização desta pesquisa, foi escolhido o método dialético, pois

compreende-se que este favorece uma aproximação com a dinamicidade e o

movimento do real, permitindo uma reflexão em que diversos elementos dialogam entre

si, em uma perspectiva de totalidade. Conforme Pedro Demo, “a dialética seria a

metodologia específica das Ciências Sociais, porque vê na história não somente o fluxo

das coisas, mas igualmente a principal origem explicativa”. (DEMO, 1987, p. 21).

O tipo de pesquisa escolhido para foi a qualitativa. Segundo Minayo (1996, p.

10), “é aquele método capaz de incorporar a questão do significado e da

intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo

essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação”.

Segundo Martinelli (1999, p.21-22),

o objetivo da pesquisa qualitativa é trazer à tona o que os participantes pensam a respeito do que está sendo pesquisado. Não é só a visão do pesquisador que é importante, mas também o que o sujeito tem a dizer em relação ao problema.

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Dessa forma, a pesquisa qualitativa é aquela que busca entender um

fenômeno específico em profundidade. Em vez de estatísticas, regras e outras

generalizações, a pesquisa qualitativa trabalha com descrições, comparações e

interpretações.

A relevância dada à entrevista como instrumento e técnica de coleta de

dados ocorreu porque, conforme explana Lakatos (2001, p. 195),

a entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto. [...] é um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social.

Já para Goode e Hatt (1969, p. 237), a entrevista “consiste no

desenvolvimento de precisão, focalização, fidedignidade e validade de certo ato social

como a conversação”. Trata-se, então, de uma conversa efetuada face a face, de

maneira metódica, proporcionando ao entrevistador e ao entrevistado, oralmente, a

informação necessária.

Lakatos (2001, p. 198) evidencia vantagens e desvantagens diante da

técnica de entrevista:

Vantagens: a) pode ser utilizada com todos os segmentos da população: analfabetos ou alfabetizados. b) Fornece uma amostragem muito melhor da população geral: o entrevistado não precisa saber ler ou escrever. c) Há maior flexibilidade, podendo o entrevistador repetir ou esclarecer perguntas, formular de maneira diferente, especificar algum significado, como garantia de estar sendo compreendido. d) Dá oportunidade para a obtenção de dados que não se encontram em fontes documentais e que sejam relevantes e significativos, dentre outros. Desvantagens: a) Dificuldade de expressão e comunicação de ambas as partes b) Incompreensão, por parte do informante, do significado das perguntas da pesquisa, que pode levar a uma falsa interpretação. c) Disposição do entrevistado em dar as informações necessárias. d) Retenção de alguns dados importantes, receando que sua identidade seja

revelada.

O tipo de entrevista adotado nesta pesquisa foi a entrevista semiestruturada,

pois, segundo Lakatos (2001, p. 197),

o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar mais

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amplamente uma questão. Em geral, as perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de uma conversação informal.

Para Minayo (2010, p. 261-262), “combina com perguntas fechadas e

abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em

questão sem se prender à indagação formulada”.

3.2 Caracterização do local da entrevista

O local escolhido para a realização da pesquisa foi o Terminal do Siqueira8,

localizado na Avenida General Osório de Paiva, nº 2955, Vila Pery, CEP 60.730-085, na

cidade de Fortaleza-CE. O local é bastante movimentado; por ser um dos maiores

terminais da capital cearense, recebe em média 163.126 pessoas por dia.

Dentro do terminal, encontra-se: caixa rápido (BB e CEF), 12 lanchonetes, 06

lojas de variedades, serviços telefônicos e farmácia popular. O Terminal do Siqueira é

considerado um dos mais violentos de Fortaleza, por ter proximidade a comunidades

carentes. Além disso, o local tem um grande número de pedintes para conseguir um

complemento na renda familiar. Nos dois últimos dias de pesquisa, presenciou-se, no

local, uma briga de gangues. O fato de o Terminal do Siqueira ser conhecido pela

presença de muitas crianças que vivenciam a situação de rua foi o principal aspecto

que levou à realização das entrevistas nesse local.

A pesquisa de campo aconteceu entre os dias 04 e 14 de junho de 2014.

Para conseguir realizar a pesquisa de campo, foram necessários 10 dias, dos quais os

05 primeiros destinaram-se somente à observação do local e dos sujeitos da pesquisa;

já os 05 últimos foram de abordagem dos sujeitos e de realização das entrevistas. Em

todos os dias foi levado um diário de campo para anotações das falas dos entrevistados

e também de outras pessoas com as quais se manteve contato (motoristas de ônibus,

vendedores ambulantes e pessoas que transitavam no local).

No primeiro dia de observação no Terminal do Siqueira, procurou-se

construir vínculos de amizade com os sujeitos da pesquisa e com alguns ambulantes

que trabalhavam no local com cumprimentos e conversas curtas. As conversas com

8 Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/etufor/siqueira#overlay>. Acesso em: 16 jun. 2014.

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essas pessoas informaram que elas conheciam várias crianças, e também indicaram o

melhor horário de entrevistar, inclusive como as abordagens deveriam ser realizadas.

Antes de se realizar uma pesquisa de campo, é importante construir vínculos

afetivos com as pessoas do local, procurando saber informações sobre o objeto de

estudo e os sujeitos da pesquisa; só depois deve-se proceder à realização de uma

abordagem, considerando os possíveis riscos. Como destacam Neiva-Silva, Koller e

Morais:

antes de começar a abordagem de qualquer participante, é imprescindível que tenhamos conhecimento da segurança do local. Algumas horas ou dias de observação serão, portanto, necessários para esse fim, especialmente se a coleta é realizada no contexto da rua. É preciso ter claro se há a presença de tráfico de drogas, se há adultos vigiando e explorando o trabalho de crianças na área, se existe o transito de policiais etc. (2010, p. 116).

As pesquisas de campo costumam apresentar algumas dificuldades e riscos.

No caso desta pesquisa, no momento da coleta de dados, houve a interrupção de

pessoas externas, que diversas vezes se aproximavam e observavam com olhos

bastante fixos; em outros momentos, sentaram-se ao lado do entrevistador e do

entrevistado. Quando isso acontecia, a entrevista era interrompida e era perguntado ao

entrevistado se ele tinha conhecimento sobre seus direitos como criança. Somente 01

entrevista foi realizada sem a presença de outras pessoas, pois, nas demais vezes, as

crianças não aceitaram ficar sozinhas com o entrevistador, possivelmente devido ao

medo.

Outro problema encontrado foi a transcrição das falas dos entrevistados, pelo

fato de a coleta de dados ter sido realizada no terminal de ônibus, que é um local com

bastante barulho, o que levou à dificuldade de se compreender a fala dos entrevistados.

No entanto, o principal empecilho encontrado foi o fato de que em nenhuma das

entrevistas foi possível coletar todas as respostas, pois as crianças demonstravam

medo de responder, e outras vezes riam sem saber o que falar.

Sobre os riscos da pesquisa de campo, Neiva-Silva, Koller e Morais (2010)

afirmam que:

um risco consiste no fato de os pesquisadores serem confundidos com policiais ou integrantes do Conselho Tutelar, por exemplo, os quais estariam interessados em “investigar” e/ou denunciar o uso de drogas ou a situação de exploração sexual e comercial”. (p. 116).

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Essa situação aconteceu segundos após o término de uma das entrevistas,

quando apareceu uma adolescente e disse: “Tu é do Conselho Tutelar, né? Por que tu

não diz logo a verdade e para de enrolar esses meninos?”.

O que se pôde observar sobre as crianças que vivenciam a situação de rua

no Terminal do Siqueira foi que costumam vestir roupas sujas; muitas vezes correm e

gritam ao redor; alguns andam descalços, com cabelos despenteados e têm o corpo

bem magro, com vários arranhões e dentes amarelados.

É interessante destacar a opinião de algumas pessoas que estavam no local

sobre as crianças que vivenciam a situação de rua. Em certos momentos, logo depois

de terminar as entrevistas, algumas pessoas que estavam por perto se dirigiam-se ao

entrevistador e faziam as seguintes colocações:

Moça, você tome cuidado com esses moleques, eles parecem ser quietinhos, mas quando você menos se toca, eles te assaltam, tudo aqui é ladrão, tô cansada de ver a polícia botando pra correr uns dez de uma vez só. [Vendedora da lanchonete].

Ah, aquele ali? Aquele é o Tourão, já roubou umas 50 vezes aqui, mas ninguém faz nada com esse fi duma égua. [Motorista de ônibus].

Ei menina, tu não tem medo de falar com eles não? Olha, eles todo dia tão aqui, se der bobeira, tomam seu celular, passam o dia pedindo dinheiro, quando no final o dinheiro é todo pra droga. [Vendedor ambulante].

Minha fia, esses meninos vêm pra cá porque querem dinheiro fácil, já nasceram pra ser ruim, isso não é gente não, nasceram pra fazer o mal aos outros. [Vendedor ambulante].

Tu é do Conselho Tutelar, né? Por que tu não diz logo a verdade e para de enrolar esses meninos? [Passageira de ônibus].

Essas e outras falas foram registradas durante a construção de vínculos com

algumas pessoas do local. Como se pode observar, na visão que algumas pessoas têm

sobre esses indivíduos está presente o preconceito, e elas tendem a pensar que a

criança se encontra na situação de rua por sua própria vontade. São muitas vezes

marginalizados, e seus direitos como criança são violados, aspecto que mereceria um

olhar mais crítico sobre a realidade desses indivíduos. Cabe enfatizar também que é

preciso desmistificar o pensamento preconceituoso que a sociedade tem sobre esse

segmento populacional e pensar o porquê de uma criança encontrar-se naquela

situação, bem como os motivos que os fazem perambular pelas ruas.

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3.3 Relatos e características dos entrevistados

No dia 09 de junho, foram iniciadas as entrevistas. As duas primeiras

abordagens com as crianças não foram obtidas com sucesso, pois estas se recusaram

a conceder a entrevista. As crianças olhavam o entrevistador com desconfiança,

algumas se evadiam do local e outras fingiam que não viam o entrevistador. Algumas

perguntaram: “Tia, isso a senhora vai entregar pro Juizado de Menor?”.

Foram realizadas 05 entrevistas, com 03 indivíduos do sexo feminino e 02 do

sexo masculino. O nome dos sujeitos entrevistados e dos demais que aparecem ao

longo da pesquisa de campo foram substituídos por nomes de cantores italianos para

preservar a identidade dos informantes.

O primeiro entrevistado foi o Massimo di Cataldo, 12 anos, cursando a 5ª

série do Ensino Fundamental.

Na minha casa veve eu, minha mãe, minha avó, uma irmã pequena e outros irmãos grande, assim do tamanho da senhora.

Na minha casa não tem brigas, quer dizer, só às vezes, né, quando meus irmão mais velho brigam por causa do bagui [maconha].

Quando foi perguntado como ele achava que a sociedade se relacionava

com ele, o garoto respondeu:

Como um morador de rua, às vezes, quando peço dinheiro, dizem: vai estudar, menino! Mas eu estudo, tia, só que minha mãe não tem trabalho, não tem dinheiro, né, aí manda eu pra rua, já roubei, mas não roubo mais, só peço esmola, às vezes acho que não gostam de mim, me olham com cara ruim e às vezes se afastam e eu fico aqui, às vezes só ou com meus amigo com fome.

Em casa tem dias que não tem nada pra mim comer, sabe, aí a mãe e a vó manda eu pra rua pedir dinheiro pra comer.

Sobre seu futuro:

Queria ser um motorista de ônibus.

Durante a entrevista, a mãe da criança apareceu, deu um tapa no rosto do

menino e disse:

Vai pedir dinheiro, senão de noite tu não come, seu cão! Para de ficar aqui

perturbando a mulher.

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A criança simplesmente levantou-se e voltou a pedir esmolas pelo terminal

com um copo de plástico na mão, sem terminar de responder as perguntas.

O segundo entrevistado foi Tiziano Ferro, 11 anos, cursando a 5ª série do

Ensino Fundamental.

Foi perguntado sobre o que ele achava que a rua trazia para ele:

Perigo, tenho medo de ser preso, de morrer, todos dizem que vão me matar,

até a polícia.

Sobre sua relação com as demais crianças:

Os parceiros da rua são mais que amigos, é como diz o Massimo di Cataldo, é tudo família, a gente se ajuda sempre, nunca briga, viu, as brigas é quando a gente perturba o povo, tem uns que dão carreira na gente, oh! É mó massa! [com risos].

Foi perguntado sobre como ele pensava que seria seu futuro, ao que ele

respondeu friamente:

Sendo grande, eu me vejo sendo uns dos maiores traficantes da cidade.

A segunda entrevista também não foi realizada por completo, pois

apareceram dois adolescentes perguntando ao entrevistado:

Ei, mah, cadê o Vanutti? Galera tá doida atrás dele porque o cara roubou a

bike.

O garoto levantou-se do banco onde estávamos conversando e foi embora;

logo em seguida, os dois adolescentes, que estavam sob o efeito de drogas, puxaram

do calção do garoto o dinheiro que ele tinha, junto com um pacote de pó.

A terceira entrevistada foi a Laura Pausini, 12 anos, reside no Bom Jardim,

cursa a 5ª série do Ensino Fundamental e vivencia a situação de rua há 03 meses.

Segundo ela, o motivo pelo qual está na rua é por conta da condição financeira.

Comigo mora 03 pessoas, 04 comigo. Venho pra rua porque não tem nada pra comer em casa, meu pai já morreu, nunca nem vi ele, mas a mãe disse que mataram ele, a mãe tá presa porque foi guardar a arma do vizinho, aí a vó trabalha com reciclagem, mas ela nunca mandou eu ir pra rua não, eu vim porque um dia uma amiga chamou aí sempre levo dinheiro pra casa e vou de barriga cheia pra casa, melhor tá aqui porque eu como, em casa não, nem TV pra gente assistir não tem. Graças a Deus nunca tem briga lá em casa, nós é tudo unido, mas assim, às vezes a mãe levava homem lá pra casa, pra dormir com ela, e a vó sempre brigava, chamava ela de prostituta, e um dia pegou até um tijolo pra bater nela. Meu sonho é ser uma enfermeira e ter minha casa própria.

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A quarta entrevistada foi a Noemi, 08 anos, reside no Bom Jardim, cursa a 2ª

série do Ensino Fundamental.

Quando foi perguntado se ela é ciente dos perigos que corre estando na rua,

ela respondeu:

Sim, perigoso é! Porque os outros pode pegar a gente pra estuprar, bater, botar dentro do carro preto, levar pruma coisa bem longe que ninguém sabe onde é. Meu pai é separado da minha mãe, ele trabalha numa oficina, toda semana me dá 10 reais, aí dou todinho pra dentro de casa, minha mãe e meu padrasto trabalham de vender patinha no centro, mas eu não gosto dele, ele vive dizendo que não sou filha dele e não tem pra quê me sustentar.

Depois foi perguntado como ela achava que a sociedade se relacionava com

ela e com as demais crianças que vivenciavam a situação de rua, ao que ela

respondeu:

Ora, os outros pensa que é a mãe da gente que manda, mandam eu estudar, mas, na verdade, mulherzinha, é eu que vem pra cá pra arrumar coisa pra dentro de casa, porque lá em casa não tem nada, tem dias que durmo sem comer, às vezes alguém do terminal paga meu lanche, mas é difícil... Bora tia, tenho que conseguir dinheiro, a tia pergunta demais, ave! Olham pra gente com rabo de saia [olhos revirados], com cara ruim, pensam até que eu robo, mas eu não robo não, quem roba é aquele menino que tava sentado com a tia nesse instante aqui.

O sonho de Noemi é ser uma atriz de novela:

Quero ser uma atriz bem linda, igual à Bruna Marquezine, namorada do Neymar, jogador do Brasil.

Segundo Noemi, em sua família não havia conflitos, era uma família unida

em que só aconteciam brigas quando ela respondia ao padrasto, pois, segundo ela:

Eu não fico calada nem a pau. Toda vida que aquele gordo imundo babuçu diz ‘você não é minha filha, não tem pra que eu lhe sustentar...’, eu respondo a ele e eu falo muito, mas ele nunca me bateu não, nem em mim nem na mãe.

A quinta entrevistada foi a Giorgia, 10 anos, cursa a 5ª série do Ensino

Fundamental. Para ela, as outras crianças que também vivenciam a situação de rua são

mais que amigos, pois, pelo fato de ela passar muito tempo na rua e há anos frequentar

o terminal, já conhece muitas crianças e os demais profissionais que trabalham no local.

Em relação aos perigos a que uma criança em situação de rua pode estar

sujeita, ela diz:

Muitos homens me chamam pra sair, pra entrar dentro do carro, mas eu não vou. [...] Quando chego em casa, falo pra mãe, ela só manda eu ficar perto da

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minha irmã, mas ela é pior, fica na rua fumando maconha com os menino, e eu não gosto disso.

Sobre a relação da entrevistada com sua família, ela respondeu:

Tem nenhuma briga não, só às vezes quando vão lá em casa uns meninos atrás dos meus irmãos, eles usam drogas, aí tem que pagar, né? Sempre é confusão por causa disso.

Quando foi perguntado sobre o futuro da entrevistada, ela respondeu:

Quero ser uma delegada de polícia, é meu sonho, quero botar esses vagabundos que fumam maconha e roubam na cadeia.

3.4 Análise das entrevistas

Pode-se observar que, apesar de esses sujeitos viverem em situação de

extrema pobreza e de vivenciarem a situação de rua, essa condição não os impede de

ter sonhos e desejos. Como foi visto, em alguns relatos, as crianças têm sonhos para

quando atingirem a fase adulta, como ser enfermeira, atriz de novela, delegada,

motorista de ônibus ou jogador de futebol.

Em relação à convivência das crianças com os demais familiares e as outras

pessoas que vivenciam a situação de rua, constatou-se que, no meio familiar, não havia

conflitos entre as crianças e suas famílias, visto que os únicos conflitos mencionados

deviam-se ao uso de substâncias psicoativas, fator citado em várias falas dos

entrevistados. Com com as demais pessoas que vivenciam a situação de rua, não havia

confusões, pois todos eram amigos, conforme disse Giorgia.

Sobre o contexto social desses indivíduos, percebe-se que as expressões da

questão social, como desemprego, condições precárias de moradia, pobreza e

violência, apresentam-se como ponto crucial para a desintegração familiar. Como

resultado desta pesquisa, verifica-se que a condição financeira tem sido o forte

elemento que faz as crianças vivenciarem a situação de rua.

Dessa forma, é importante destacar a desigualdade social que se encontra

na cidade de Fortaleza. Dentre todas as capitais brasileiras, esta é considerada a que

contém mais desigualdade social, com o maior número de pessoas vivendo em extrema

pobreza.

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A maioria das crianças entrevistadas e das com que se manteve contato

relataram o modelo de família monoparental, com famílias numerosas e vulneráveis, e,

por ser caracterizada pela monoparentalidade, apenas um adulto fica responsável pela

criança e pelos demais; além disso, destacam-se a condição precária de moradia e a

falta de recursos financeiros. Esse conjunto de fatores conduz à fragilidade familiar. A

sobrecarga que é atribuída, muitas vezes, à mulher tende a tornar a rotina estressante

e vulnerável, facilitando a evasão em busca de melhores condições de vida.

Na primeira entrevista (Massimo di Cataldo, 12 anos), foi presenciado um ato

de violência sobre o entrevistado. A mãe do garoto tinha uma fisionomia de sofrimento

e estava bastante eufórica. O entrevistador teve a oportunidade de falar com ela

posteriormente, a fim de coletar o máximo de informações possíveis. Ornela, 44 anos,

mãe de Cataldo, relatou a grande dificuldade que passava com sua família em relação

à condição financeira.

Mulher, que é errado esse menino ir pra rua é, mas lá em casa não tem nada, mulher, vamo fazer o quê? Morrer de fome?

Meu marido faleceu da doença das drogas [overdose], o Massimo nem era nascido ainda, eu tava de bucho de 07 meses e ainda tinha 03 meninos para criar, tudo pequeno, e sem dinheiro, tive que me virar sozinha, lavando roupa pra conseguir um tostão.

Hoje não posso mais lavar roupa, a gente vive só do Bolsa Família (R$ 200 por mês), os menino mais grande que poderiam ajudar [...] não fazem nada, mulher, tudo que pegam é pra droga, não sei mais o que fazer, meu Deus, é tudo difícil.

Foi perguntado se ela era ciente de que seu filho corria perigo estando na

rua, ao que ela respondeu:

Sim, é perigoso, mas é aquela coisa, se ele não pedir, não come. Porque não tem nada. [...] uma vez me disseram que ameaçaram matar ele e tentaram tomar o dinheiro, isso é um perigo, né? Por isso, de vez em quando, venho pra cá, ver se tá tudo direitim com ele.

Disse ainda:

Não vejo é a hora dessa praga e da outra de 03 anos crescerem, porque você tá vendo como sou, né? Não tenho condição de cuidar nem de mim, quanto mais de menino.

Diante dos relatos de Ornela, verifica-se a sobrecarga que ela passou e

ainda passa desde quando seu marido faleceu. A família numerosa e a falta de

recursos atinge a família de todas as formas, tornando o ambiente conturbado. O

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problema de saúde, segundo ela, “veio pra acabar com tudo de vez”, pois antes recebia

um trocado a mais, e, quando adoeceu, passou a pedir esmolas.

Diante das falas dos entrevistados, observa-se que todos frequentam a

escola. O fato de vivenciarem a situação de rua não é motivo de deixarem a sala de

aula, visto que, quando era perguntado sobre a escola, todos responderam com muita

firmeza que estudavam e que gostariam de terminar os estudos.

Sobre as distorções que a vivência nas ruas pode acarretar no

desenvolvimento físico e cognitivo das crianças, pode-se destacar a presença da ideia

de uma profissão degradante, como traficante de drogas, conforme disse Tiziano:

“Sendo grande, me vejo sendo uns dos maiores traficantes da cidade”. O fato de a criança ter

falado isso reflete a vivência que ela tem na rua. Pelo fato de ainda estar em processo

de desenvolvimento, os aprendizados que tem servirão de base para o seu futuro.

Durante os dias de observação para iniciar as entrevistas, foi analisado o

comportamento das crianças. Estas aparentavam ser desinibidas e destemidas, visto

que, como foi relatado no primeiro capítulo por alguns autores, a vivência e o trabalho

na rua não influenciam no desenvolvimento desses indivíduos. Para Aptekar (1996), a

vida nas ruas, ao invés de levar a um retardo no desenvolvimento cognitivo das

crianças, facilita o desenvolvimento.

Portanto, segundo o autor, pelo fato de trabalharem nas ruas, a necessidade

de desenvolver a linguagem para falar com as pessoas e, até mesmo, de arquitetar

estratégias de sobrevivência pode levá-los a aperfeiçoar seus aspectos cognitivos, o

que não atrapalha seu desenvolvimento.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, foi exposta uma análise sobre crianças em situação de rua,

com base na observação de suas relações com a família e dos elementos que podem

levar à evasão familiar.

O estudo sobre esses indivíduos mostrou-se interessante, principalmente por

ter significado a oportunidade de ir a campo e ter contato com esses sujeitos por meio

de uma pesquisa qualitativa, o que possibilitou a reflexão sobre o contexto social de

suas vidas. Houve algumas dificuldades na realização da pesquisa, uma vez que se

tinha em mente realizá-la com o Projeto Ponte de Encontro, junto com educadores

sociais que realizam abordagem de rua na cidade de Fortaleza, mas alguns entraves

levaram à escolha de outro local de pesquisa.

A experiência de poder estar frente a frente e conversar com os sujeitos da

pesquisa foi enriquecedora, pois foi possível ver de perto o modo como eles se

relacionavam entre si e como conviviam com os demais, o que foi considerado no

momento da reflexão sobre os argumentos dos autores.

É válido ressaltar o receio que em realizar as entrevistas com as crianças,

mas, antes da realização efetiva, foram feitas leituras sobre técnicas de abordagem

com a população de rua, informando como deveria ser o perfil do pesquisador e quais

os riscos que este corre ao estudar essa temática.

Os dados coletados durante as entrevistas possibilitaram compreender qual

o elemento principal que levam as crianças a vivenciar a situação de rua. Pôde-se

compreender também que, por vivenciarem essa realidade, as crianças têm uma

imagem negativa sobre como as pessoas os veem. Também notou-se que a vivência

de tal realidade não as impede de frequentar a escola nem de ter sonhos no futuro.

Durante a pesquisa de campo, foi possível perceber a forma como as

pessoas olhavam o entrevistador no momento em que se abordavam os sujeitos da

pesquisa. Os olhares eram curiosos, como se pensassem: “o que essa pessoa quer

com eles?”. Muitos vieram falar com o entrevistador após a entrevista, perguntando do

que se tratava e pedindo que se tomasse cuidado, pois “eram todos ladrões”.

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A sociedade demonstrou ter uma visão preconceituosa sobre esses sujeitos.

Para muitos, o fato de estarem na rua acontece porque querem ou por culpa da família,

que é incapaz de assegurar os direitos básicos dessas crianças. Mas, com a pesquisa

de campo realizada, constatou-se que a relação desses indivíduos com suas famílias

era harmônica e estável, e os conflitos familiares eram ocasionados apenas pelo uso de

substâncias psicoativas. Além disso, a falta de recurso material apresentou-se como o

elemento principal que os faz procurar a rua.

Há uma política pública direcionada a esse segmento populacional, mas

nota-se que esta não está efetivamente ligada às crianças, pois se sente a falta de um

olhar mais sensível sobre esses indivíduos, já que são seres em desenvolvimento e, por

possuírem famílias vulneráveis e fragilizadas com a falta de recursos materiais, acabam

indo para a rua buscar seu próprio sustento, embora, nos marcos legais brasileiros

conste que o Estado deve prover os mínimos sociais.

Com a realização da pesquisa, verificou-se que a condição financeira

influencia de maneira contundente a evasão familiar. O fato de algumas famílias

viverem em extrema pobreza reflete a desigualdade social presente na cidade, haja

vista que Fortaleza é considerada a cidade mais desigual do Nordeste e do país.

Em vários autores estudados, porém não relatados nesta pesquisa, verificou-

se que a maioria põe a violência como fator crucial para a ida às ruas. Todavia, neste

trabalho, constatou-se que nenhuma das crianças sofria violência, e a maioria

procurava o espaço da rua em busca de seu próprio sustento ou, até mesmo, do

sustento de sua família. Dessa forma, nota-se a variedade que existe em cada região

brasileira, visto que, nas regiões Sul e Sudeste, o principal motivo pela procura da rua é

a violência, enquanto nesta pesquisa de campo realizada no Nordeste do país, na

cidade de Fortaleza, verificou-se a falta de recursos materiais como fator crucial para a

evasão familiar.

A temática abordada na pesquisa pode ser aprofundada em estudos

posteriores, visando comparar a realidade de crianças que vivenciam a situação de rua

na Europa com a realidade de crianças brasileiras, por exemplo. Já se encontram em

processo de análise fatores relacionados à realização de uma pesquisa dessa natureza,

como a localização geográfica, o modo de obtenção das entrevistas, os recursos

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necessários, o idioma da coleta de dados e o estudo acerca do contexto

socioeconômico europeu. Os resultados serão publicados em forma de artigo científico,

na perspectiva de contribuir com novos estudos sobre a temática.

Sobre a profissão ligada ao Serviço Social, é válido ressaltar que o

profissional que atua com o segmento populacional em situação de rua deve ter em

mente o contexto familiar desses indivíduos, visando reinseri-los novamente na família

e em projetos e programas de fortalecimento de vínculos familiares.

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ANEXO

Questionário dirigido aos entrevistados

01. Quantos anos você tem?

02. Quantas pessoas residem com você?

03. Qual seu nível de escolaridade?

04. Há quanto tempo vivencia a situação de rua?

05. Como se caracteriza a sua relação com a família?

06. O que você acha que a rua traz para você?

07. Você considera as outras pessoas que vivenciam a situação de rua como membros de sua

família? Por quê?

08. O que a vida nas ruas ensina para você?

09. Quais suas perspectivas para a fase adulta?

10. Como você acha que a sociedade se relaciona com você?

11. Você acha que estar na rua pode fazer você correr perigo? Qual?

12. Como é sua convivência com os demais que vivenciam a situação de rua?