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REGIMES APLICADOSÀ GESTÃO DAS AGUAS

NO BRASIL(CONVERGÊNCIA NA

DIVERSIDADE)

Francisco José Lobato da CostaOscar de Moraes Cordeiro Netto

Paulo Roberto Soares Júnior

Brasília, 15 de fevereiro de 2004

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 2

INDICE

1. INTRODUÇÃO: OBJETIVO DOS ESTUDOS E NOTAS METODOLÓGICAS 3

2. BREVE CARACTERIZAÇÃO REGIONAL E HIDROLÓGICA DO BRASIL 6

3. CONTEXTO NACIONAL DE REFORMAS 9

4. O NOVO SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS 134.1 Breve Histórico 134.2 A Formulação Geral do Modelo Nacional 14

5. QUADRO INSTITUCIONAL PARA A GESTÃO DAS ÁGUAS 175.1 Atores Públicos (Estatais) 175.2 Atores Privados e Concessionários de Serviços 175.3 Fatores Externos 235.4 A Articulação entre Atores 24

6. DESCRIÇÃO GERAL DOS ESTUDOS DE CASO 296.1 Motivações para a Escolha 29

a. O Ceará como Referência ao Semi-Árido 29b. A Aposta da ANA na Bacia do Paraíba do Sul 30

6.2 O Caso do Ceará 336.3 O Caso do Paraíba do Sul 35

7. ANÁLISE DE DESEMPENHO DOS REGIMES 377.1 A Metodologia de Avaliação 377.2 As Escalas de Avaliação 387.3 Os Resultados Obtidos 41

8. CONCLUSÕES E POSSÍVEIS RESPOSTAS PARA QUESTÕES METODOLÓGICAS 558.1 Impactos Econômicos do SINGRH 558.2 Impactos Sociais do Sistema 578.3 Impactos Ambientais do Sistema 58

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 3

O presente documento tem por objetivo proceder auma análise descritiva de regimes aplicados à gestãodas águas no Brasil, avaliando, preliminarmente, aspotencialidades, dilemas e conseqüências das reformasem curso no País.

Entende-se por regime o conjunto que abrangedesde as idéias e os conceitos que instruem a consoli-dação de uma base jurídico-legal até a organizaçãoadministrativa de instituições e de instrumentos deatuação, no âmbito do gerenciamento de recursos hídri-cos, conferindo a essa área condições de governabilida-de, ou seja, a faculdade de formular diretrizes, definir eacompanhar a consecução de objetivos e metas, parti-cularmente quando respaldada por mecanismos de par-ticipação e de pactuação de acordos junto aos atoressociais envolvidos, estabelecendo uma efetiva gover-nança na gestão das águas.

A avaliação pretendida neste texto insere-se no con-texto do Projeto Geral “Fortalecimiento de lasInstituciones para la Gestión Integrada de los RecursosHídricos. Análisis Comparativo de la ExperienciaLatinoamericana”, que compreende estudos similares emoutros países da região, conduzido pela Global Wa t e rPartnership - GWP, em cooperação com a ComissãoEconômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL.

Ainda que realizadas individualmente em cada país,as análises previstas foram efetuadas sob diretrizes e cri-térios uniformes, de modo a propiciar não só uma ava-liação comparativa entre as experiências, como tambéma identificação de elementos comuns.

A análise específica do caso brasileiro concorrerápara “conocer en qué medida o a través de qué compo-nentes o configuraciones institucionales este régimen seacerca (o se aleja) al cumplimiento de los principios deDublín”, assim como identificar os fatores subjacentes,que permitem promover ou inibir o êxito de reformas ede compromissos, ou avaliar os custos de transação quedevem ser considerados.

O marco metodológico adotado se apóia na teoriados regimes (institucionalidade) e na cibernética (estu-dos de suas conexões e controles). O entendimento éque, basicamente, os sistemas de gestão de recursoshídricos se concebem como regimes regulatórios, maisprecisamente como um conjunto de sistemas com basesdiversificadas (setoriais e regionais, entre outras), comcomplexas relações institucionais e de controle entreeles2.

Considerou-se, neste estudo, que o sistema degestão de recursos hídricos poderia ser avaliado a partirda consideração de três tipos de sub-sistemas e da inte-ração entre eles: um sub-sistema de alocação (como sedecide o uso da água), um sub-sistema de administração(como se controla o uso da água) e uma variedade desub-sistemas de aproveitamento (como se usa a água).

Cada um desses sub-sistemas pode ser entendido apartir da consideração das componentes principais deum típico Sistema de Controle: um Diretor (componen-te por meio do qual se estabelecem metas e priorida-des); um Detector (componente por meio do qual seobserva e se monitora o estado do sistema) e umCorretor (por meio do qual se influi sobre o sistema paramudar seu estado). Mais proximamente aos sistemasinstitucionais, esses componentes correspondem àsfunções de definição de políticas, monitoramento eimplementação / correção de rumos.

A partir dessa caracterização de um sistema degestão de recursos hídricos e em se adotando ummesmo grupo de critérios de avaliação, pode-se não sómelhor promover uma avaliação de desempenho do(s)regime(s) de recursos hídricos e de identificação de suasfalhas, como também comparar regimes em países econtextos diferentes.

No âmbito desse marco conceitual e dessa aborda-gem metodológica, a análise do caso brasileiro foidesenvolvida, conforme se discute nos capítulos descri-tos sumariamente a seguir.

Primeiramente, no Capítulo 2, o documento apre-senta uma breve caracterização regional do país, cen-trada em aspectos hidrológicos, fisiográficos e de ocu-pação do território nacional, permitindo inferênciassobre a natureza dos principais problemas relacionadosaos recursos hídricos.

Na seqüência, no Capítulo 3, busca-se situar o con-texto geral de reformas empreendidas pela sociedadebrasileira, tendo a Constituição de 1988 como maior

1. INTRODUÇÃO: OBJETIVO DOS ESTUDOS E NOTAS METODOLOGICAS1

1 As Notas Metodológicas foram baseadas nas disposições da“Proposición de términos de referencia para la 1ª Etapa:Análisis de las Instituciones y de las Reformas para laGestión Integrada de los Recursos Hídricos, a nivel depaís”, proposição essa que foi complementada e modifica-da pelo texto de H. Peña T., intitulado “PropuestaMetodológica para Proyecto Regímenes”.

2 O conceito de controle não se refere ao sentido do poderhierárquico ou de obrigação, mas denota mecanismos queinfluem sobre os resultados de processos e sobre a direçãodas mudanças desses resultados.

referência do processo de evolução institucional doPaís. Nesse ambiente de reformas, concomitante atransformações no próprio contexto internacional, nota-damente em decorrência do processo de globalizaçãoeconômica, o País empreendeu a sua Reforma doAparelho de Estado, com rebatimentos importantes noque tange aos preceitos e à organização que vieram aser adotados na gestão do meio ambiente e, em parti-cular, no que concerne aos recursos hídricos.

O Capítulo 4 tem foco na nova Lei Nacional dasÁguas, sancionada em 1997. A partir de seus fundamen-tos, objetivos e diretrizes gerais de ação, pretende-se ana-lisar a pertinência da tradução dos princípios de Dublinpara a realidade brasileira, não somente em termos deconceitos - que permanecem amplamente aceitos -, mas,sobretudo, na concepção não só de um sistema institucio-nal, como também de instrumentos de gestão capazes deassegurar a aplicabilidade desse sistema.

O Capítulo 5 promove a análise do SistemaNacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos(SINGRH), incluindo a caracterização dos atores parti-cipantes do processo de gestão, envolvendo atorespúblicos e privados. Apresentam-se, também, nessecapítulo, alguns dos fatores externos suscetíveis deinterferir na articulação entre os atores do SINGRH.

Dadas as dimensões continentais do país e reconhe-cida a sua organização federada, o documento exploraalguns dos principais dilemas enfrentados na imple-mentação do SINGRH, segundo duas perspectivas:- (i) apartir das possibilidades e limites inerentes ao desem-penho da máquina administrativa do Governo Federal,contexto onde se insere com destaque a recente criaçãoda Agência Nacional de Águas (ANA); e, (ii) sob a óticada implementação de sistemas estaduais de gerencia-mento de recursos hídricos, que, embora alinhados emgeral com o marco legal da Lei Nacional, são estrutura-dos para fazer frente a especificidades regionais, o queresulta em desafios ponderáveis e concomitantes decoordenação e de respeito à autonomia federativa. Daía necessidade de, para os fins deste trabalho, mesmoque sob o marco de um “regime geral”, considerar asvariantes de “regimes específicos”, decorrentes de pecu-liaridades locais observadas no país.

Foram dois os casos específicos analisados. Em pri-meiro lugar, foi analisado o modelo desenvolvido pelo

Estado do Ceará, próprio aos problemas de escassezhídrica recorrente no Semi-Árido brasileiro e, por con-seqüência, com potencial de aplicação aos demais esta-dos dessa região. Em segundo lugar, como prioridadedefinida pelo Governo Federal, particularmente pelaANA, analisaram-se os avanços que estão sendo obtidosna bacia do rio Paraíba do Sul, na busca de um exem-plo paradigmático de sucesso na implementação donovo sistema de gerenciamento.

O Capítulo 6 apresenta, assim, a descrição geral dosestudos de caso, discutindo as motivações para essasescolhas e apresentando uma primeira análise dos siste-mas de gestão dos recursos hídricos, a partir da identifi -cação dos componentes principais (Diretor, Detector eCorretor).

O Capítulo 7 traz um refinamento dessa análise,uma vez que se promoveu uma avaliação dos dois casosde estudo, em nível de sub-sistemas (de alocação, deadministração e de aproveitamento). Esse procedimentoincluiu uma descrição e uma análise de cada sub-siste-ma, uma avaliação de desempenho, com base em umamesma escala numérica (de 1 a 5), adotada pelos dife-rentes estudos desenvolvidos (no Brasil e em países daAmérica do Sul). Procedeu-se, também, à identificaçãode possíveis falhas desses regimes, causadas por insufi-ciências do Aparelho de Estado, da estrutura do própriosistema institucional proposto, das instituições que ocompõem ou dos instrumentos de gestão que se aplicaou se pretende aplicar.

Finalmente, no Capítulo 8, são apresentadas con-clusões do estudo, evidenciando-se possíveis respostaspara questões metodológicas.

Na medida em que as reformas no Brasil estão empleno curso, sem o recuo necessário para avaliaçõesdefinitivas, era inevitável que o trabalho incorporasseum certo viés especulativo, com predominância de ava-liações prospectivas (portanto, com poucas evidênciasquantitativas). Muito provavelmente, o processo realfuturo estará sujeito a avanços e retrocessos ao longodos próximos anos, o que indica a conveniência deassumir uma atitude de respeito à diversidade de camin-hos alternativos e de flexibilidade para eventuais ajustesna base legal, hoje vigente.

Em resumo, o que se pode obter do documento é:

• A avaliação da efetividade das reformas em curso,com base em alguns dos critérios de desempenhoindicados pelos Termos de Referência do ProjetoGeral3, assim como a indicação da direção dasmudanças reais propiciadas pelo novo sistema degerenciamento das águas no Brasil.

• A identificação do contexto institucional associadoàs mudanças em curso.

• A indicação de medidas potenciais que poderiamser tomadas para melhorar o desempenho e reduzir

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3 Dentre os indicadores de desempenho descritos nos Termosde Referência do Projeto Geral, devem aplicar-se com maispropriedade ao caso brasileiro aqueles relativos à Consultae Participação, Gestão Integrada e Holística e Indicadoresde Qualidade e Sustentabilidade de Serviços Ambientais.Quanto aos demais, são próprios a avaliações específicasdo Setor de Saneamento (Abastecimento de Água eEsgotamento Sanitário) que, no Brasil, detém matriz deorganização institucional distinta, embora articulada com ada área de recursos hídricos.

os riscos de falhas do sistema, do Estado, das insti-tuições e dos instrumentos pretendidos.

Finalizando essa discussão introdutória, faz-senecessário ressaltar que este documento buscou repro-duzir, na seqüência dos capítulos, a própria evolução da

abordagem metodológica que ocorreu durante o estu-do. Em um primeiro momento, privilegiava-se uma aná-lise global do regime de recursos hídricos a partir dacaracterização de seus componentes. Em um segundomomento, complementou-se essa análise com a consi-deração de sub-sistemas de gestão de recursos hídricos.

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Com área da ordem de 8,5 milhões de km2, é de seesperar que o Brasil apresente grande diversidade regio-nal, climática e de condições hidrológicas. Em suaResolução 32, de 15/10/2003, o CNRH - ConselhoNacional de Recursos Hídricos instituiu a DivisãoHidrográfica Nacional, delimitando 12 regiões hidro-gráficas, conforme ilustrado na Figura 1.

Adota-se aqui, no entanto, um recorte geográficodistinto, que leva em conta as características homogê-neas de clima, de hidrografia, de desenvolvimentoregional, de organização institucional e, especialmente,da natureza dos problemas relativos aos recursos hídri-cos. Esse recorte, apresentado na Figura 2 e detalhado aseguir, mostra-se mais adequado para discutir a questãode “regimes”, objeto do presente estudo.

Região Amazônica

A Amazônia (clima equatorial úmido) é a região bra-sileira de maior abundância em recursos hídricos, reu-nindo cerca de 70% das disponibilidades nacionais,que somam algo como 38.000 m3/hab.ano. Essas dis-ponibilidades decorrem tanto da população rarefeita eda precipitação média regional de 2.460 mm, quantodas dimensões da bacia do rio Amazonas e de seus prin-

cipais afluentes, não somente em território nacional(com disponibilidades de 169.870 m3/s), como tambémnos países de montante (Venezuela, Colômbia, Peru eBolívia, responsáveis por aportes de outros 89.000m3/s).

Bacia do Alto Paraguai e Pantanal

A bacia do Alto Paraguai (clima tropical continental)drena a chamada “planície pantaneira”, maior wet-landdo Planeta, o que lhe confere elevada importânciaambiental, notadamente pela singularidade dos ecossis-temas que abriga e pelas interações indissociáveis des-ses com a dinâmica regional dos recursos hídricos,caracterizada pelo represamento e longa retenção daságuas, pela redução nos fluxos de jusante e pela eleva-da importância da sazonalidade (dimensão das cheias eduração dos períodos de estiagem), em uma regiãoonde são relativas as disponibilidades hídricas, deriva-das de precipitação média anual de 1.370 mm.

Cerrados do Brasil Central

A região do bioma denominado “Cerrados” se refe-re a uma extensa superfície que ocupa grande parte doplanalto central do território brasileiro (clima tropical

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2 . BREVE CARACTERIZAÇÃO REGIONAL EHIDROLOGICA DO BRASIL

Figura 1

Divisão Hidrográfica Nacional (Resolução CNRH 32, de 15/10/2003)(CNRH, 2004 - http://www.cnrh-srh.gov.br/)

continental), espraiando-se sobre os estados deTocantins, Goiás, sul do Pará, nordeste do Mato Grosso,Minas Gerais, norte de São Paulo e oeste da Bahia,caracterizada por uma precipitação média da ordem de1.660 mm anuais, sujeita a variações sazonais impor-tantes (períodos pronunciados de chuvas intensas eestiagens severas com 4 a 5 meses de duração), o quecausa situações sazonais de redução relativa da dispo-nibilidade de recursos hídricos.

Semi-Árido Brasileiro

O Semi-Árido brasileiro (clima semi-árido) estende-se pelos estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe,Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte,Ceará e Piauí. Caracteriza-se pela escassez de recursoshídricos, com precipitação anual média na casa dos 900mm, chegando próxima a 400 mm, no interior daParaíba, com elevada variabilidade na distribuiçãoespacial e temporal de chuvas na região (sazonalidadeinter-anual), acompanhada, em boa parte da região, porlimitações nas possibilidades de aproveitamento deáguas subterrâneas (salinidade da água e armazena-mento em fraturas).

Litoral e Zona da Mata do Nordeste Brasileiro

Esta faixa costeira do nordeste ocidental e oriental(clima tropical marítimo), localizada nos trechos pereni-zados a jusante dos principais cursos d’água que se ori-ginam no Semi-Árido, conta com precipitações médiasde 1.120 mm. Todavia, a elevada concentração litorâ-nea da população regional, notadamente em regiões

metropolitanas costeiras, acaba por comprometer suasdisponibilidades hídricas, pela conjugação de poluiçãourbana (esgotos domésticos, disposição de resíduos sóli-dos e descargas industriais não tratadas) e cheias perió-dicas, amplificadas pela impermeabilização crescentedo solo nas cidades.

Sul e Sudeste Urbano

As regiões Sul e Sudeste (climas tropical e sub-tropi-cal) contam com boa disponibilidade de água, razoa-velmente bem distribuída ao longo do ano, comocorrência esporádica de eventos críticos de expressãoeconômica (enchentes e estiagens). A precipitaçãomédia anual é da ordem de 1.350 mm. Igualmente, ahidrografia natural não apresenta maiores obstáculos àsatividades humanas, distribuindo-se entre uma faixamais estreita, com vertente atlântica, e outra, com maiorextensão territorial, afluente às bacias do Prata-Paraná edo São Francisco.

Zona Costeira do Sul e do Sudeste

Excluídas as regiões metropolitanas de Vitória (ES),Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Joinville (SC), PortoAlegre (RS) e, em parte, também Florianópolis (SC),todas lindeiras ao mar e com enquadramentos típicosdas demais metrópoles do país, os problemas da zonacosteira do Sul e do Sudeste reproduzem as deficiênciasde infra-estrutura sanitária recorrentes na malha urbanado país, todavia, com uma peculiaridade notável:- redu-zida população residente e elevado fluxo sazonal, o queimplica em alternância de ociosidade e sobrecarga

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Figura 2

Brasil - Regiões Naturais(Adaptado de IBAMA, 2004 - http://www.ibama.gov.br/)

sobre tal infra-estrutura, além de problemas para seufinanciamento, quer no aporte de capital quer para finsde operação e manutenção.

Sul e Sudeste Rural

Graças às suas características hidrometeorológicasfavoráveis (climas tropical e sub-tropical), com precipi-tação média de 1.350 mm, bem distribuída ao longo doano, além da ocorrência de solos de relativa fertilidade,os estados do Sul e Sudeste contam com uma agricultu-ra moderna, dinâmica e competitiva, mesmo em esta-dos onde são restritas as práticas de irrigação. A pro-dução é diversificada entre grãos (soja, milho e trigo),café, cana-de-açúcar, algodão e fruticultura.

Uma primeira avaliação

Não obstante a sua dimensão continental e diversi-dade regional, o Brasil tem avançado na construção deum Sistema Nacional de Gerenciamento de RecursosHídricos contornando os riscos de dispersão em inicia-tivas locais díspares e descoordenadas. Percebe-se, tam-

bém, que a matriz comum, estabelecida pela LeiNacional n º 9.433/97, tem servido como substrato àsiniciativas estaduais no campo da gestão das águas.

Todavia, essa aparente uniformidade guarda dife-renças importantes que precisam ser explicitadas edebatidas até que se determinem seus desdobramentospráticos, em especial para os fins do estudo em questão.Assim, em adição à identificação de característicasgerais de seu “regime”, é preciso investigar a proprieda-de das estratégias institucionais que estão sendo utiliza-das no Brasil, em cada região, para implementar omodelo institucional pretendido. Para além da corretaformulação de um modelo, que sempre corre o risco deser apenas conceitual, é preciso conferir tradução amuitos dos conceitos que hoje são “amplamente acei-tos” sobre a gestão dos recursos hídricos.

Sob esse aspecto, é fundamental avaliar a adequaçãodo modelo geral (“regime”) e de seus instrumentos institu-cionais às peculiaridades regionais (convergência nadiversidade de “regimes”), em termos da eficácia dessemodelo frente aos problemas que se apresentam.

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O Brasil está organizado na forma de uma RepúblicaFederativa, composta por 26 (vinte e seis) estados, peloDistrito Federal e cerca de 5.600 (cinco mil e seiscen-tos) municípios (Figura 3).

O marco legal regente dessa organização federati-va é a Constituição de 1988, que redefiniu as relaçõesentre os três níveis de Poder (União, estados e muni-cípios), avançando de modo substantivo em termos derespeito à autonomia local. Cabe observar que asdimensões continentais do país recomendam níveisregionais de governo, cuja origem remonta à estraté-gia de colonização empregada pela CoroaPortuguesa, baseada na concessão de capitanias here-ditárias, precursoras dos estados federados. Sob esseaspecto, é importante notar que a História Nacionalfoi freqüentemente marcada por períodos nos quaispreponderou a forte e centralizadora presença daUnião, de modo que a construção de um verdadeirofederalismo persiste como diretriz a ser efetivamenteconsolidada no presente.

Especificamente, no que concerne aos recursoshídricos, a Constituição estabelece as águas como benspúblicos, passíveis de utilização mediante a obtençãode outorgas de direitos de uso. A emissão de outorgas éprerrogativa exclusiva do Poder Público, conferindo aoutilizador simples direito de uso, sendo as águas inalie-náveis.

Cumpre observar que os corpos hídricos possuemdois domínios, sendo da União rios que drenam mais deum estado ou país ou definam fronteira entre estados oucom outros países. São de domínio estadual os rios quetenham nascente e foz circunscritos ao território de umúnico estado. As águas subterrâneas são de domínioestadual. Passam a ser de domínio federal as águas dereservatórios construídos pela União, ainda que em riosde domínio estadual. Não há dominialidade municipaldos corpos hídricos.

Por outro lado, serviços públicos que utilizam osrecursos hídricos possuem distintas titularidades (poder

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3. CONTEXTO NACIONAL DE REFORMAS

Figura 3

Divisão Política do Brasil (IBGE, 2004 - http://www.ibge.gov.br)

de conceder autorização para a prestação de serviçospúblicos). A geração de energia hidrelétrica tem aUnião como Poder Concedente. Os municípios são titu-lares dos serviços de saneamento básico (água potável eesgotamento sanitário, além da coleta de lixo).

Essas observações são relevantes na medida em quea governabilidade e a governança relativas à gestão dosrecursos hídricos guardam dependência decisiva dograu de cooperação entre os diferentes níveis deGoverno (a bacia hidrográfica constitui territóriocomum à União, aos estados e aos municípios), assimcomo entre os diversos setores usuários. Torna-se essen-cial, por conseqüência, assegurar a devida coordenaçãoregulatória entre a gestão das águas e a da prestação deserviços, com atenção particular para o saneamentobásico.

Para a análise do caso brasileiro, duas grandes refor-mas recentes merecem destaques:- a Reforma doAparelho de Estado e a nova Lei das Águas.

A Reforma do Aparelho de Estado foi consubstanciadapela Emenda Constitucional nº 19 aprovada em 04 dejunho de 1998, tendo, como motivações, objetivos con-comitantes de aumentar a eficiência da máquina públicae de conferir maior publicização às ações e decisõespúblicas, no sentido de propiciar maior transparência econhecimento ao público (foco no cliente-cidadão).

A matriz de ordenamento dessa Reforma estrutura-se, de um lado, a partir da identificação do que seriamas atividades exclusivas do Estado4 e quais poderiam serclassificadas como não-exclusivas5, porém, onde oEstado mantém determinada atuação. De outro lado, amatriz identifica formas de propriedade (estatal, públicanão estatal e privada) e de administração (burocráticaou gerencial) de tais atividades. Decorrem dessa matrizas diretrizes de adequação do Aparelho de Estado noBrasil, que podem ser assim resumidas:

• Manutenção da natureza estatal e da administraçãoburocrática (carreira pública) para os órgãos enca-rregados de definir políticas públicas.

• Manutenção da natureza estatal e adoção de meca-nismos de administração gerencial para os serviçosexclusivos.

• Criação de entidades de natureza pública não-esta-tal, administradas de modo gerencial, para serviçosde interesse público não-exclusivos.

• Privatização de atividades destinadas à produçãopara o mercado, dentre outras formas de “devoluçãoà sociedade de funções que lhe são próprias e oEstado concentrou ao longo dos anos”.

As conseqüências dessa Reforma são importantes,notadamente na criação de:

• Agências Executivas e Regulatórias, autarquias emregime especial, dotadas de autonomia gerencial efinanceira, estabilidade de quadros dirigentes eindependência decisória (como órgãos permanentesde Estado e não de governos episódicos).

• Organizações Sociais Autônomas (OS), entidadescivis de direito privado, com maior flexibilidadegerencial e operacional, inicialmente constituídas apartir de entidades públicas com limitações paradesempenho competitivo devido a desvantagens emface de entidades privadas na oferta de serviços não-exclusivos.

• Organizações da Sociedade Civil de InteressePúblico (OSCIP), entidades de direito privado, pas-síveis de credenciamento frente ao setor públicopara a oferta de serviços não-exclusivos (Lei Federalnº 9790/99).

Cumpre ressaltar que os institutos das OSs e dasOSCIPs apesar de, aparentemente, indicarem a mesmaidéia, não se confundem. Com efeito, pode-se distingui-las com base na comparação apresentada no Quadro 1.

Para ambos os casos, as relações com essas novasentidades serão regidas pelos Contratos de Gestão oupelos Termos de Parceria. Objetiva-se, com esses instru-mentos, superar a tradição burocrática de acompanharprocessos (procedimentos legais e administrativosempregados), substituindo-a por mecanismos de contra-tualização de objetivos e aferição de resultados:- planosde trabalho, com metas e indicadores de desempenhosão os regentes da atuação de tais entidades.

A análise da estrutura geral dos Contratos de Gestãoou dos Termos de Parceria permite constatar que elessuperam os convênios tradicionais, com larga vanta-gem, sob a perspectiva de maior rigor no controle socialsobre a efetividade e a eficácia da aplicação de recursospúblicos, propiciando, por outro lado, maior flexibilida-de executiva (Quadro 2). Sob esse último aspecto, essesinstrumentos aproximam-se dos contratos administrati-vos convencionais.

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4 As atividades exclusivas de Estado são compostas de seunúcleo estratégico (Legislativo, Judiciário, Presidência,cúpula dos Ministérios, economia e moeda) e de serviçosexclusivos (polícia, regulação, fiscalização, fomento e segu-ridade social básica).

5 Inserem-se nessa categoria serviços não exclusivos (seg-mentos não básicos dos serviços de educação, saúde, pes-quisa, atividades culturais e outras) e a produção para omercado, mediante empresas estatais.

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- As OSs têm matriz na Emenda Constitucional nº 19, com origem endógena ao Poder Público, sendo consti-tuídas, em regra geral, a partir de órgãos públicos previamente existentes, que conferem base para a criaçãode entidades de direito privado, necessariamente permanecendo o Estado em sua estrutura institucional.

- As OSs, portanto, vão ao encontro das teses de privatização do Direito Público, i.é., transferem conceitos doDireito Privado ao campo pertencente do Direito Público:- é o Estado quem lidera e determina a sua constituição.

- A criação de uma OS, por força dos dispositivos da Emenda nº 19, exige legislação específica. - Nas OSs, continua relevante o conjunto de prerrogativas e, em conseqüência, de responsabilidades do Estado, que

mantém sobre elas grande ingerência, em particular no que concerne à sua sustentação financeira, cabendo mencio-nar outras formas de apoio estatal, como sede física e seção de quadro de pessoal, ainda que por tempo determinado.

- Cabe destacar que permanecem públicos os bens a serem geridos, sendo transferidas às OSs somente as açõese atividades próprias à gestão, mediante instrumento próprio, que estabelece objetivos, metas e indicadoresde desempenho a serem alcançados:- os denominados Contratos de Gestão.

- Portanto, as OSs nascem com e para os objetivos previstos em seu Contrato de Gestão, não se admitindo des-tacar do Estado uma entidade que foi tornada de direito privado, sem o respectivo Contrato de Gestão.

- Por seu turno, as OSCIPs têm origem exógena ao Aparelho de Estado, apresentando-se ou sendo convidadaspelo Poder Público para a realização de ações e atividades de interesse público, constituindo parcerias quesão consubstanciadas em instrumento jurídico próprio, traduzindo-as em projetos específicos, necessaria-mente acompanhados dos respectivos planos de trabalho:- os denominados Termos de Parceria.

- Em razão de tal origem exógena, não compete ao Estado comandar ações e atividades de OSCIPs, que atuam “com” oPoder Público, mas não por ele determinadas, ou seja, não é o Estado que prepondera (no sentido do exercício do Poder)em seu Conselho de Administração, embora dele possa participar, somente quando e se assim for conveniente.

- As OSCIPs vão ao encontro das teses de publicização do Direito Privado, i.é., transferem conceitos do Direito Públicoao campo pertencente ao Direito Privado: são entidades privadas, criadas espontaneamente na sociedade civil.

- Em ambos os instrumentos jurídicos (Contratos de Gestão e Termos de Parceria) que encerram o vínculo entreo Poder Público e tais entidades de direito privado, é indispensável a presença de objetivos, metas e indica-dores de desempenho, estabelecidos sobre planos de trabalho.

- Ambos os instrumentos possuem estrutura bastante similar, abrigando mecanismos descentralizados de gestãoe aplicação de recursos públicos, garantida a publicização e priorizado o controle de resultados, em que pesemenor grau de liberdade das OSs, muitas vezes constrangidas a utilizar procedimentos públicos de seleção econtratação de pessoal e de bens, serviços e obras.

- Numa palavra, as OSCIPs traduzem, a princípio, iniciativas privadas que se aproximam do Poder Público e de suasregras. São entes privados que, por atuarem em áreas típicas do setor público, podem por esse ser financiados, uma vezque atuam em prol do interesse público sem retorno econômico. Já as OSs seriam, salvo melhor juízo, entidades priva-das sem fins lucrativos, criadas pelo Poder Público, à sua feição, para gerir patrimônio que continuará a ser público.

Quadro 1

Comparativo de OSs e OSCIPs

Quadro 2Estrutura Geral de Contratos de Gestão ou Termos de Parceria

I Finalidade social, objetivos e metas, com seus res-pectivos planos de ação anual, prazos de conse-cução e indicadores de desempenho, que devemestar associados a objetivos e metas das políticaspúblicas às quais se vincula o instrumento.

II Demonstrativos de compatibilidade dos planos deação anual com os respectivos planejamentoorçamentário, cronograma e sistemática de opera-cionalização.

III Identificação de fontes de recursos.IV Responsabilidades dos signatários em relação ao

cumprimento dos objetivos e metas definidos,inclusive no provimento de meios e recursos orça-mentários e financeiros necessários à consecuçãodos resultados propostos.

V Caracterização dos recursos humanos, materiais,tecnológicos e outros, a serem providenciadospelos entes contratantes, visando à eficiência e efi-cácia da execução contratada.

VI Medidas legais e administrativas a serem adotadaspelos signatários e partes intervenientes, com afinalidade de assegurar autonomia de gestão orça-mentária, financeira, administrativa e operacional.

VII Critérios, parâmetros e fórmulas, sempre que pos-sível quantificados, a serem considerados na ava-liação do seu desempenho.

VIII Penalidades aplicáveis à entidade e aos seus diri-gentes, relacionadas ao descumprimento de obje-tivos e metas contratados, bem como a eventuaisfaltas cometidas.

IX Instrumentos de publicidade e controle social.X Normas e procedimentos para os processos de

aquisição de bens, serviços e obras, manutençãode registros contábeis, fiscalização, controle eprestação de contas.

XI Condições para sua revisão, renovação e rescisão.XII Embasamento legal.XIII Vigência.

Para os fins do presente documento, é importantedestacar que a disponibilidade desses novos institutos,trazidos pela Reforma da administração pública noBrasil, ganha particular importância quando se analisa opotencial de sua aplicabilidade à gestão dos recursoshídricos, como será comprovado mais adiante.

Mais ainda, quando se delimita o campo de atuaçãoda gestão dos recursos hídricos, separadamente de seussetores usuários, sem deixar de manter as articulaçõesdevidas, constata-se que a gestão do meio ambiente e ado desenvolvimento regional são supervenientes à dosrecursos hídricos, assim como os usuários são setoresintervenientes na gestão das águas.

Nada impede esforços no sentido de que tarifas seto-riais incorporem a maior parcela possível das externalida-des ambientais por esses setores geradas, como no caso doReino Unido, por exemplo, onde não existem previsõesde precificação dos recursos hídricos. Todavia, para oBrasil, tendo o modelo de gestão da França como referên-cia, a opção clara é pelo reconhecimento de que muitasdas externalidades positivas (benefícios coletivos) relacio-nadas aos serviços intervenientes com a área de recursoshídricos não são captadas somente pelo setor específico,mas são amplamente refletidas na esfera regional. O caso

exemplar é o do tratamento de esgotos domésticos urba-nos, em que os benefícios ambientais e os benefícios aufe-ridos por populações a jusante não são captados pelastarifas dos serviços.

Nessa perspectiva, a gestão dos recursos hídricosnão se confunde com a regulação dos setores usuários,mas com ela deve se articular (mediante uma adequadacoordenação regulatória). Por exemplo, a naturezapública ou privada de prestadores de serviços de abas-tecimento de água e coleta de esgotos pode interessar agestão dos recursos hídricos quando é considerada a efi-ciência na utilização do recurso natural água, seja emtermos dos volumes captados e das perdas físicas nossistemas de distribuição, seja no grau de remoção dascargas poluidoras. É perfeitamente possível, portanto,que um operador privado eventualmente atue, sob aperspectiva da gestão ambiental, de modo mais próxi-mo ao interesse público, do que uma companhia esta-tal. A área de recursos hídricos não detém - e não devedeter - instrumentos de interferência sobre questões quesão intrínsecas aos setores usuários (estrutura tarifária daprestação de serviços, por exemplo), contudo, devedesenvolver articulações que lhe permitam consideraras interfaces e as externalidades ambientais dos setoresusuários.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 12

A Figura 4 sintetiza a perspectiva adotada no Brasil.

4.1 Breve histórico6

Até início do século XX, o aproveitamento da águano Brasil se dava, essencialmente, por iniciativa dosagentes privados para a irrigação ou para o abasteci-mento público. Vigorava de forma absoluta o modelo depropriedade conjunta terra-água, sendo virtualmenteausente o papel de regulação do poder público.

Com a evolução de tecnologia, que permitiu um usomais intenso da água, de seu potencial energético e umaconseqüente maior geração de cargas poluidoras, assimcomo a implantação de obras de engenharia de maiorporte, passou a ser mais necessário uma ação de geren-ciamento.

O Código de Águas, estabelecido pelo DecretoFederal 24.643, de 10 de julho de 1934, foi a primeiratentativa de regular o aproveitamento da água. EsseCódigo, julgado inovador para a época, já assegurava ouso gratuito de qualquer corrente ou nascente de água,para as primeiras necessidades da vida, permitindo atodos usar de quaisquer águas públicas, conformando-se com os regulamentos administrativos. Era impedida aderivação das águas públicas para aplicação na agricul-tura, indústria e higiene, sem a existência de concessão,no caso de utilidade pública, e de autorização nosoutros casos. Em qualquer hipótese, dava-se preferênciaà derivação para abastecimento das populações.

A administração dos problemas de recursos hídricos,levando-se em conta os limites de uma bacia hidrográfica,não foi, historicamente, uma tradição no Brasil. Até osanos 70 do século passado, as questões de recursos hídri-cos eram sistematicamente consideradas a partir de pers-pectivas próprias aos setores usuários das águas, ou segun-do políticas específicas de combate aos efeitos das secas edas inundações. A exceção foi a criação, ao final dos anos40, da Comissão do Vale do São Francisco, com uma pro-posta de desenvolvimento integrado dessa bacia.

Os grandes projetos hidráulicos e as políticas derecursos hídricos eram concebidos pelos próprios seto-res usuários: programa de geração de energia hidrelétri-ca, plano nacional de saneamento, programas nacionaisde irrigação, programas de transportes hidroviários eoutros. Esses programas foram implantados a partir dos

anos 40, com forte participação estatal, sobretudo daárea federal. Alguns estados, das regiões Sul e Sudeste,mais ricos em potencial hidrelétrico, como São Paulo,Minas Gerais e Paraná, também criaram suas própriasempresas de produção de energia.

A partir dos anos 70, no entanto, a ocorrência desérios conflitos de uso da água começou a suscitar dis-cussões, nos meios acadêmico e técnico-profissional,sobre como minimizar os problemas decorrentes. Osconflitos envolviam não só diferentes setores usuários,como também os interesses de unidades político-admi-nistrativas distintas (estados e municípios). Nesse perío-do, o poder se achava muito concentrado na área fede-ral, tendo partido justamente de técnicos do GovernoFederal a iniciativa de se criarem estruturas para gestãodos recursos hídricos por bacia hidrográfica.

Nesse campo, uma primeira experiência significati-va foi a assinatura, em 1976, do Acordo entre oMinistério das Minas e Energia e o Governo do Estadode São Paulo para a criação do Comitê do Alto Tietê,cujo objetivo era o de buscar, a partir da operação dasestruturas hidráulicas existentes para produção de ener-gia, melhores condições sanitárias nas bacias dos riosTietê e Cubatão, no Estado de São Paulo.

Deve-se registrar que, no período de 1976-83, impor-tantes decisões foram tomadas durante a vigência desseAcordo, entre as quais a reforma de barragens e a definiçãode regras operativas de reservatórios, objetivando controlede cheias e abastecimento de água de Região Metropolitanade São Paulo. A partir de 1983, o Comitê do Alto Tietê dimi-nui seu ritmo de atuação, coincidindo com o período dedemocratização do País, em que ocorre maior descentrali-zação, com ganho de maior poder por parte dos estados eperda de influência do nível federal no processo.

Datam desse período, de maior centralização admi-nistrativa, as iniciativas conduzidas pelo ComitêEspecial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas -CEEIBH, constituído conjuntamente pelos Ministériosde Minas e Energia e do Interior, que resultaram nacriação de mais de 10 comitês de rios federais, combase na Portaria Interministerial nº 90, de 25 de marçode 1978. O CEEIBH teve como objetivo principal “aclassificação dos cursos de água da União, o estudointegrado e o acompanhamento da utilização racionaldos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos riosfederais, o aproveitamento múltiplo dos cursos d’água ea mitigação de conseqüências nocivas à ecologia daregião”. A partir de 1979, foram criados mais de dezcomitês, com destaque para os das bacias hidrográficas

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4. O NOVO SISTEMA NACIONAL DEGERENCIAMENTO DE RECURSOS HIDRICOS

6 Fontes: Barth (1999); Tucci et al. (no prelo); Pagnoccheschi(2000).

dos rios Paraíba do Sul, São Francisco, Doce, Grande,Mogi-Guaçu e Paranapanema7.

Esses comitês eram essencialmente integrados peloPoder Público, com a participação exclusiva de técni-cos do Estado. A inserção de municípios e da sociedadecivil organizada era praticamente inexistente. Com oprocesso de democratização e descentralização verifi-cado no país a partir de meados dos anos 80, essescomitês virtualmente paralisaram suas atividades, per-manecendo em funcionamento, até recentemente, ocomitê do rio São Francisco - CEEIVASF8.

A partir do processo de redemocratização no Brasile da nova Constituição, de 1988, que deu maiorespoderes para estados e municípios, assiste-se, hoje, nopaís, a uma nova etapa no processo de gestão dos recur-sos hídricos.

Novas organizações foram criadas, fruto tanto da evo-lução do quadro político-institucional, quanto da evoluçãoda natureza dos próprios problemas de recursos hídricos,que passaram a ser mais complexos e a demandar umamaior participação direta da sociedade para sua solução.

Em 1991, é aprovada a lei de recursos hídricos doEstado de São Paulo. Nesse mesmo ano, o governo fede-ral encaminha ao legislativo o primeiro projeto de leicriando o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e defi-nindo a Política Nacional de Recursos Hídricos. Algunsestados, como Ceará, São Paulo e Rio Grande do Sul,avançaram bastante na implementação de seus sistemasde gestão das águas.

A tramitação do projeto de lei federal prossegue,com ocorrência de debates, seminários e audiênciaspúblicas. Como marco do reconhecimento político daimportância da área de recursos hídricos, é criado, em1995 o Ministério do Meio Ambiente, dos RecursosHídricos e da Amazônia Legal, com uma Secretaria deRecursos Hídricos.

É apresentado pelo Legislativo, em fevereiro de1996, um substitutivo ao projeto de lei original, no qualse incorpora uma proposição mais flexível de gestão dasbacias hidrográficas, propiciando contemplar as diversi-dades regionais do país.

Finalmente, votada pela Câmara e pelo Senado, foipromulgada a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997,

que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos ecriou o Sistema Nacional de Gerenciamento deRecursos Hídricos. Essa lei culminou um longo proces-so de avaliação das experiências de gestão de recursoshídricos e de formulação de propostas. Trata-se de ummarco histórico, de grande significado e importânciapara a gestão dos recursos hídricos no Brasil.

4.2 A formulação geral do modelonacional

Existem poucas controvérsias a propósito do modelofrancês ser a principal fonte de inspiração dos sistemas ins-titucionais que se encontram em implementação noBrasil, seja a conformação geral delineada pela LeiNacional n º 9.433/97, sejam as variações sobre o temaaplicadas pelos estados, à luz de suas especificidadesregionais. Com efeito, a formação de comitês de bacia ede agências de água adquiriu uma força simbólica de talordem, que alguns consideram a possibilidade da gestãosocial participativa ‘substituir’ o aparato estatal de coman-do-e-controle, delegando-se a colegiados regionais (oscomitês), sob a vigilância da sociedade organizada, a pró-pria concessão de outorgas de direito de uso da água.

Todavia, sem prejuízo da popularidade do modelofrancês, “não é certo que as razões históricas e políticasque levaram à sua criação e desenvolvimento na Françasejam bem conhecidas”9. Vale sempre lembrar que aFrança é um país unitário, sem a estrutura federada estabe-lecida no Brasil. Por outro lado, a administração públicabrasileira se porta, tradicionalmente, de forma centralizadae burocrática, ainda herança do período colonial do País.

O fato é que, inversamente à França, onde convivem oprincípio de um Estado Nacional Unitário e o extremo res-peito às comunas locais, no Brasil Federado a presença dosmunicípios nos processos de tomada de decisão foi sempreacanhada, até muito recentemente, mesmo em serviçossob sua titularidade, caso notável do saneamento1 0.

Seguramente, esse é um dos principais desafios avencer na implementação de um Sistema Nacional deGerenciamento de Recursos Hídricos, capaz de venceruma tradição centralista e burocrática, rumo a umagestão regida pelo princípio da subsidiariedade.

Em sua formulação geral, existe relativa similaridadeentre a legislação nacional e a grande maioria das leisestaduais vigentes, relativas aos sistemas de gerencia-mento de recursos hídricos. Com efeito, em todas, épossível identificar três blocos principais, cujos conteú-dos podem ser assim sintetizados:

• Fundamentos, objetivos e diretrizes gerais de ação,que expressam conceitos “amplamente aceitos”relativos a: visão abrangente dos problemas; usos

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7 Kettelhut et al.. “A experiência brasileira de implementaçãode comitês de bacias hidrográficas”, 1998.

8 Tucci et al.. “Gestão da Água no Brasil”, no prelo.9 Barraqué, B., in “Les Agences de L’Eau Francaises: Un

Modèle Pour le Brésil?” - apresentado no IV DiálogoInteramericano das Águas - Foz do Iguaçu, Set. 2001.

10 É reconhecido que o Plano Nacional de Saneamento (PLA-NASA), pela via da restrição ao crédito, submeteu os muni-cípios (concedentes) aos interesses das companhias esta-duais (concessionárias), controladas pelos governos dosestados.

múltiplos dos recursos hídricos; água como recursoescasso dotado de valor econômico; articulação eintegração com outros setores, uso da bacia hidro-gráfica como unidade de planejamento e gestão;gestão descentralizada e participativa; dentre outros.

• Um modelo institucional, composto de um colegiadodeliberativo superior (Conselho Nacional e seuscorrespondentes nos estados); colegiados regionaisdeliberativos a serem instalados nas unidades de pla-nejamento e gestão (os Comitês de Bacia); e, as instân-cias executivas das decisões dos colegiados regionais(as agências de água ou de bacia hidrográfica).

• Um conjunto de instrumentos de gestão composto:dos planos nacional e estaduais de recursos hídricos ede planos de bacias hidrográficas; enquadramento doscorpos d’água em classes, sinalizando objetivos de

qualidade a serem alcançados quando da implantaçãodos planos de bacia; outorga pelo direito de uso daágua, como instrumento de regulação pública (estatal)de uso, tornada compatível com os objetivos social-mente estabelecidos nos planos e respectivos enqua-dramentos; cobrança pelo direito de uso de recursoshídricos, sinalizando que a água tem valor econômicoe que sua disponibilidade corresponde a um preçosocial (público); e, sistemas de informações de recur-sos hídricos, onde estão reunidos, consistidos e dispo-níveis dados de oferta (disponibilidades), de demandas(cadastros de usuários) e sistemas de apoio à decisão.

Em termos de suas composição e competênciasbásicas, as instâncias decisórias do SINGRH estão assimestruturadas:

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11 Segundo a Lei Nacional nº 9.433/97 e Resolução nº 05 doCNRH

Instâncias Decisórias do Composição (11) eSINGRH Competências Básicas

Conselho Nacional de Composição (total de 57 membros):Recursos Hídricos (CNRH) -29 representantes da União.

-10 representantes dos estados (Conselhos Estaduais).-12 representantes de setores usuários de recursos hídricos.-6 representantes de entidades da sociedade civil organizada.Competências básicas:-Dispor as diretrizes gerais e políticas regentes do Sistema.-Aprovar a constituição de comitês de bacia.-Arbitrar eventuais conflitos entre comitês de bacia e entre Conselhos -Estaduais de Recursos Hídricos.-Aprovar e acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos.-Aprovar critérios gerais para a concessão de outorgas de direitos de uso de recursos hídricos e para a cobrança pelo uso da água.

Comitês de Composição (total de membros variável):Bacias Hidrográficas -Até 40% de representantes dos Poderes Públicos.

-Até 40% de representantes de setores usuários das águas.-Pelos menos 20% de representantes da sociedade civil.Competências básicas:-Arbitrar conflitos de uso de recursos hídricos.-Aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica.-Propor aos Conselhos Nacional e Estadual os usos insignificantes a serem isentos da obrigatoriedade de outorga pelo direito de uso da água.-Propor valores e estabelecer mecanismos para a cobrança pelo uso da água.

Agências de Composição:Bacias Hidrográficas -variável segundo diferentes alternativas institucionais, atualmente em curso:

• Empresa pública de economia mista (Ceará).• Autarquias públicas regionais (Rio Grande do Sul).• Organização social autônoma - OS (Paraíba do Sul).• Organizações da sociedade civil de interesse público - OSCIPs.Competências básicas:-Atuar como secretaria executiva do respectivo comitê.-Manter cadastro de usuários e balanço atualizado das disponibilidades hídricas.-Efetuar, mediante delegação do outorgante, a cobrança pelo uso da água.-Elaborar o Plano de Recursos Hídricos, para aprovação do respectivo comitê de bacia.-Promover estudos e analisar planos, projetos e obras a serem financiados à conta da cobrança pelo uso da água.

Quadro 3Estrutura Geral do SINGRH

No que concerne às relações entre as instânciasinstitucionais referidas e, mais detidamente, quanto aoprocesso decisório esperado do Sistema, pode-se sinte-tizá-lo, segundo o esquema da Figura 5.

Figura 5

Relações Institucionais no Âmbito do SINGRH

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Conselho Nacional de Recursos Hídricos

Arbitra eventuais conflitos

Conselhos Estaduais de RecursosHídricos

Formulampolíticas ediretrizesgerais

Comitês de Bacias Hidrográficas

Deliberam sobre a Bacia HidrográficaAprova Plano de Recursos Hídricos da

Bacia

Atuam como Secretaria ExecutivaElaboram proposta do Plano da BaciaOperam arrecadação da CobrançaMantêm sistema de informações(disponibilidades e demandas)

Agências de BaciasHidrográficas

Para que se possa caracterizar a diversidade dos ato-res em jogo, recorre-se à seguinte tipologia: a) AtoresPúblicos (Estatais) e b) Atores Privados eConcessionários de Serviços.

5.1 Atores públicos (estatais)

No âmbito da União

• Organismos federais com responsabilidades direta-mente estabelecidas sobre a gestão ambiental e ados recursos hídricos (Ministério do Meio Ambientee suas instituições vinculadas - Secretaria deRecursos Hídricos, Agência Nacional de Águas eInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis);

• Ministérios federais, representantes de setores usuá-rios (Minas e Energia; Cidades; Integração Nacional;Agricultura, Pecuária e Abastecimento;Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;Aqüicultura e Pesca e Transportes);

• Demais ministérios e secretarias federais, integrantesda área econômica ou responsáveis por políticasespecíficas ou regionais (Fazenda, Planejamento,Educação, Ciência e Tecnologia, Saúde, Justiça,Cultura e Relações Exteriores).

No âmbito dos estados

• Órgãos estaduais com responsabilidades diretamen-te estabelecidas sobre a gestão ambiental e dosrecursos hídricos (Secretarias de Meio Ambiente eRecursos Hídricos e autarquias a elas vinculadas);

• Secretarias e organismos representantes de setoresusuários (desenvolvimento urbano, saneamento,

indústria, agricultura, transportes e outros).Na esfera municipal

• Secretarias de meio ambiente e organismos de pla-nejamento urbano.

5.2 Atores privados econcessionários de serviços

Usuários de Recursos Hídricos12

• Concessionários de serviços de abastecimento deágua potável, coleta e tratamento de esgotos;

• Concessionários de geração de hidroeletricidade;• Prefeituras municipais responsáveis por inter-

venções de drenagem, saneamento e de coleta e dis-posição final de resíduos sólidos;

• Indústrias, com captações diretas ou com lançamen-to de efluentes em corpos hídricos;

• Produtores agropecuários, com captações para finsde irrigação ou dessedentação de rebanhos ou,ainda, com lançamento de dejetos;

• Operadores de transporte hidroviário e demais usuá-rios de pesca, lazer e turismo.

Representantes da Sociedade Civil

• Entidades de ensino e de pesquisa;• Entidades técnico-profissionais ou de representação

de classe;• O rganizações não-governamentais de defesa do

meio ambiente.

Mais propriamente quanto às características derecursos disponíveis, capacidade e cultura institucional,é importante destacar as seguintes observações sobre osprincipais atores:

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5. QUADRO INSTITUCIONAL PARA A GESTÃO DAS AGUAS

Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Secretaria de Recursos Hídricos (SRH)

• Responsáveis pelo estabelecimento das políticas de Governo para os recursos hídricos, em articulação com oCNRH, colegiado do qual a SRH é Secretaria Executiva.

• À SRH compete a proposição do Plano Nacional de Recursos Hídricos, para cuja elaboração deve contar como apoio da ANA.

• Em termos executivos, a SRH, a exemplo de outras entidades da administração direta do Estado, convive comlimitações inerentes à burocracia pública, tais como contingenciamento de recursos orçamentários e adoção decritérios de natureza política para alocação de recursos e para escolha de dirigentes e quadros.

12 Na perspectiva do esquema mostrado na Figura 4 deste documento, o conceito clássico de usuário de recursos hídricos é conferidoa todo agente, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que altere, em termos quantitativos ou qualitativos, o regimenatural dos corpos hídricos, estando em decorrência de tal alteração sujeito à obtenção de outorga de direito de uso desses recursosh í d r i c o s .

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Agência Nacional de Águas (ANA)

• Instituída nos moldes de uma autarquia em regime especial, a ANA conta com independência decisória, esta-bilidade de seus dirigentes (sabatinados pelo Senado Federal) e relativa autonomia financeira, mas é, também,alvo de contingenciamento de recursos orçamentários.

• Suas principais atribuições institucionais são: (i) a concessão de outorgas em corpos hídricos de domínio fede-ral (instrumento de regulação ambiental); e, (ii) a implementação (executiva) do Sistema Nacional deGerenciamento de Recursos Hídricos.

• Outras observações e o histórico de sua criação recente, constam do item seguinte deste documento.• Tanto o MMA/SRH, quanto a ANA, caracterizam-se por uma perspectiva de atuação territorial abrangente,

com base nas macro-bacias nacionais, com poucos instrumentos de tratamento de questões locais (problemasde cheias e de controle de poluição), para as quais devem contar com a cooperação de competências dosâmbitos estadual e municipal, notadamente quanto ao planejamento do uso e da ocupação do solo.

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)

• A importância do IBAMA para o SINGRH decorre, particularmente, de suas responsabilidades de licencia-mento e fiscalização de fontes poluidoras, bem como, de administração de parques nacionais e de outras áreasde conservação ambiental;

• Sob a perspectiva dos princípios de Dublin, cabe ressaltar a necessidade de articulação entre o SINGRH e oSISNAMA - Sistema Nacional de Meio Ambiente, cujas diretrizes e políticas apresentam interfaces relevantescom os recursos hídricos, já que exerce o IBAMA a Secretaria Executiva do CONAMA - Conselho Nacionalde Meio Ambiente;

• Assim sendo, torna-se importante e conveniente uma estreita articulação do IBAMA com a ANA, para os finsde otimização das estruturas e meios de fiscalização, em particular, quando se considera a implementação daoutorga de direitos de uso de recursos hídricos com a finalidade de diluição de efluentes domésticos e indus-triais e no enquadramento dos corpos hídricos em classes, segundo os usos preponderantes da água.

Ministérios Responsáveis por Políticas Setoriais em Recursos Hídricos

Em termos do papel que exercem no âmbito da política de recursos hídricos, três ministérios responsáveis porpolíticas setoriais na área de recursos hídricos merecem destaque particular:

• O de Minas e Energia, em razão da significativa capacidade institucional desenvolvida pelas entidades rela-cionadas com a geração hidrelétrica no país, historicamente dominante quanto às atribuições de alocação dasdisponibilidades hídricas e, no presente, principal fonte de arrecadação para a conta da cobrança pelo uso daágua, estabelecida pelo percentual de 0,75% das receitas tarifárias auferidas por certas categorias de usinas dopaís.

• O Ministério das Cidades, criado em 2003, em decorrência das demandas para os serviços de saneamentoambiental, de prioridade estabelecida pela Lei Nacional nº 9.433/97, serviços esses cuja prestação padece degrandes dificuldades decorrentes de sua complexa matriz institucional, que parte da titularidade municipal dosserviços de saneamento, envolve os estados que dominam companhias estaduais e regionais, principais pres-tadoras desses serviços, até atingir a esfera federal, onde se estruturam as linhas de financiamento para siste-mas de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos.

• O Ministério da Integração Nacional, responsável pela formulação e condução da política nacional de irri-gação, pela formulação e condução da política de desenvolvimento nacional integrada; pela formulação dosplanos e programas regionais de desenvolvimento; pela defesa civil; pelas obras contra as secas e de infra-estrutura hídrica, e pela ordenação territorial.

No que concerne aos demais setores usuários (indústria, agropecuária e outros), ganha maior relevância aatuação direta de entidades representativas desses setores, conforme descrito mais adiante.

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Demais Ministérios e Secretarias Federais

• Os ministérios da área econômica desempenham seus papéis na elaboração dos orçamentos anual e pluria-nual (Planejamento) e na gestão do Tesouro Nacional (Fazenda), junto ao qual são depositados recursos pró-prios ao SINGRH.

• Cabe registrar a existência de gestões no sentido de constituição de um Fundo Nacional de Recursos Hídricos,com a finalidade de segregar os valores oriundos da cobrança pelo uso da água das demais fontes de arreca-dação fiscal da União, de modo a descaracterizar a cobrança como mero imposto adicional, possibilitandodificultar o seu contingenciamento orçamentário e garantir a aplicação dos recursos de forma exclusiva emintervenções na própria bacia arrecadadora.

• Ainda dentre os demais ministérios cabe menção particular para o de Ciência e Tecnologia, que administra oFundo Setorial de Recursos Hídricos, destinando aportes significativos para a pesquisa e desenvolvimento tec-nológico da área.

Secretarias Estaduais de Meio Ambiente e Recursos Hídricos e Órgãos Vinculados

• No âmbito dos estados, as Secretarias responsáveis exercem sua atuação por meio de órgãos vinculados, emgeral autarquias, sejam essas dirigidas genericamente às questões de meio ambiente, quando englobam licen-ciamento ambiental e concessão de outorgas de direito de uso da água, ou especializadas na gestão dos recur-sos hídricos.

• As capacidades institucionais desses organismos estaduais são extremamente variadas no País, guardandoalguma proporção com os padrões de desenvolvimento socioeconômico dos próprios estados, ou seja, emgeral mais capacidade nas regiões Sul e Sudeste, com redução relativa para as demais regiões, salvo exceções,caso notável do Ceará.

• Em decorrência, são também variáveis as formas e os graus de cooperação ou de delegação que a ANA e oMMA/SRH podem estabelecer com os estados, com vistas ao equacionamento de problemas concernentes aosrecursos hídricos.

• Teoricamente, as competências de gestão de corpos hídricos de domínio federal podem ser delegadas aos esta-dos, em suas funções básicas de monitoramento, fiscalização, concessão de outorgas e implementação dacobrança pelo uso da água.

• De todo modo, é importante registrar que é recente a instalação de órgãos estaduais especializados na gestãode recursos hídricos, ainda prevalecendo a cultura dominante em entidades responsáveis pelo licenciamentoambiental, em geral, marcadas pela ótica do Comando e Controle, sem a mesma perspectiva de interação enegociação social, exigida para o estabelecimento de condições de governabilidade e de governança nagestão das águas.

Secretarias Estaduais e Organismos de Setores Usuários

• No contexto estadual, as secretarias representantes de setores usuários, de maior relevância para a gestão dosrecursos hídricos, são aquelas relacionadas com o desenvolvimento urbano, em geral também responsáveispela infra-estrutura sanitária, muitas vezes, tendo as companhias estaduais de saneamento básico como vin-culadas.

• A par de suas atribuições quanto ao planejamento regional, essas secretarias constituem espaços privilegiadosde articulação com os municípios, sob cuja responsabilidade encontram-se as competências de legislar sobreo uso e a ocupação do solo, variável fundamental para a adequada gestão dos recursos hídricos.

• Quanto aos demais setores usuários (indústria e comércio, agricultura, transporte e outros), reproduzindo overificado no âmbito federal, a atuação setorial é mais fortemente marcada por organismos de representaçãodireta desses setores, como será descrito mais adiante.

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Prefeituras e Secretarias Municipais de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Urbano

• No que concerne aos municípios, é preciso considerar, de início, o seu duplo papel: (i) de um lado, comoPoder Público, as prefeituras exercem funções de regulação ambiental, mediante secretarias específicas, inclu-sive com algumas atribuições de licenciamento (quando delegadas pelos estados) e, com grande relevância,nas competências exclusivas de disciplinar o uso e a ocupação do solo; (ii) de outro lado, a atuação munici-pal pode caracterizar uso de recursos hídricos, sempre que outorgas de direito sejam exigidas para intervençõesem drenagem e na disposição de resíduos sólidos, sem contar o fato de que os municípios detêm a titularida-de dos serviços de saneamento básico, para os quais são, igualmente, necessárias outorgas de uso e lança-mento.

• Considerando-se que o Brasil tem mais de 5.600 (cinco mil e seiscentos) municípios e, ainda, em face da enor-me diversidade regional do país, é de se esperar que as prefeituras municipais apresentem distintas capacida-des institucionais e diferentes potencialidades para atuar junto aos sistemas de gerenciamento de recursoshídricos.

• Com efeito, é possível contar com a excelência do planejamento urbano desenvolvido em cidades comoCuritiba, por exemplo, assim como deparar-se com a absoluta necessidade de apoio (técnico, financeiro eadministrativo) de cidades inseridas no Semi-Árido brasileiro, que abrigam contingentes rurais atingidos pelassecas.

• A capacidade institucional instalada, contudo, nem sempre é determinante, sendo importante lembrar casoscomo o de São Paulo, onde a gravidade dos problemas decorrentes de cheias urbanas, originadas a partir dacontínua impermeabilização do solo, acaba tornando obrigatória uma atuação cooperada entre o Governo doEstado e as prefeituras dos municípios inseridos na Região Metropolitana (inclusive o da Capital), dadas a mag-nitude e a complexidade dos investimentos necessários.

Concessionários de Saneamento

• Por ordem de importância, a lista de usuários deve iniciar pelos concessionários de serviços de saneamentobásico, aí incluídos o abastecimento de água potável, a coleta e o tratamento de esgotos domésticos, sejamtais serviços executados por empresas estaduais de economia mista, serviços municipais autônomos, conces-sionários privados ou, ainda, diretamente pelas municipalidades.

• Essas diferentes formas de prestação de serviços - que podem abranger, de um lado, empresas do porte daCompanhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), com cerca de 20 mil empregados e fatu-ramento anual da ordem de US$ 1,0 bilhão, e, de outro, departamentos municipais com poucos funcionáriose operação subsidiada mediante transferências federais - estão espalhadas por quase todas as bacias hidrográ-ficas do país, acompanhando a densidade e a estruturação espacial da malha urbana nacional, implicando nacaptação de vazões expressivas e no lançamento de esgotos não-tratados ou com elevadas cargas residuais13.

• Seja pelo caráter estatal predominante dos prestadores de serviço, que operam sem a devida regulação seto-rial, seja pela garantia legalmente estabelecida de prioridade para o abastecimento humano, muitas vezes,esses serviços não atendem aos requerimentos necessários para as outorgas de direito de uso de recursos hídri-cos, caracterizando desperdício na utilização das reservas de água (índices elevados de perdas nos sistemasde distribuição), além de constituir a principal fonte de poluição ambiental urbana do país14.

• Por essas razões, torna-se vital proceder a uma inserção orgânica e articulada do setor saneamento junto aoSINGRH, sinalizando com a possibilidade dos planos de bacia constituírem instrumentos importantes para ofinanciamento de intervenções do interesse desse setor, até pelo fato de a cobrança pelo uso da água incidirdiretamente sobre as tarifas de prestação de serviços, o que a fará certamente ser repassada aos consumidoresfinais.

13 O atendimento da população urbana do país com serviços de abastecimento de água supera os 90%. Por outro lado, estima-seque apenas 20% dos esgotos coletados recebam o tratamento adequado, sendo que o índice de cobertura com essas redes nãochega a 50% da população urbana residente.

14 Algo como 90% da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) em rios e córregos urbanos são devidos aos esgotos lançados innatura.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 21

15 De modo geral, um número reduzido de grandes unidades responde pela parcela mais significativa das outorgas de captação e,bem assim, pela carga potencial poluidora. Na Região Metropolitana de Curitiba, por exemplo, as 50 maiores indústrias aten-dem por 92% da vazão diretamente captada dos copos hídricos e por 93% da carga poluidora potencial.

Concessionários de Geração Hidrelétrica

• Outro setor usuário de grande relevância é constituído pelos operadores de usinas hidrelétricas, responsáveispor cerca de 92% da energia elétrica gerada no Brasil.

• Essas usinas apresentam maior concentração nas regiões Sul e Sudeste, onde se localiza a parte mais expressi-va do parque industrial brasileiro, sendo operadas por empresas estatais, pertencentes à União ou aos gover-nos dos estados, e por um número crescente e significativo de empreendedores privados.

• No presente, o setor de hidroeletricidade é responsável pela principal fonte de financiamento do sistema derecursos hídricos, recolhendo aportes à conta de compensação pelas áreas alagadas por reservatórios, acolhi-da nos termos da Lei Federal nº 9.984/2000, com “pagamento pelo uso da água”, o que confere aos represen-tantes do setor assento e peso relativo ponderável junto aos conselhos e comitês de bacias.

• Para além da importância conferida por sua contribuição financeira, cabe lembrar que o setor elétrico foi, his-toricamente, responsável pela outorga de uso da água em rios de domínio da União e pela gestão dos dadosbásicos e informações sobre as disponibilidades hídricas do país, sustentando os custos e administrando a redehidrometeorológica nacional, instrumento vital para as ações previstas no âmbito do SINGRH.

Prefeituras municipais

• Conforme já salientado, os municípios podem ser caracterizados como usuários de recursos hídricos, sempre queempreenderem ações de drenagem, disposição de resíduos sólidos ou prestarem diretamente serviços de saneamentobásico, requerendo, para tais intervenções, a obtenção de outorgas de uso da água ou de lançamento de efluentes.

Indústrias

• Por seu turno, o setor industrial pode assumir a condição de consumidor de serviços de saneamento, quandofor abastecido por redes de fornecimento de água potável e de coleta de efluentes, ou caracterizar-se comousuário específico ao captar a água diretamente ou ao lançar despejos nos corpos hídricos.

• Na medida em que a produção industrial agrega valor significativo aos seus produtos pelos recursos hídricosque utiliza como insumo, é lícito esperar desse setor maior capacidade de pagamento pelo direito de uso daágua, a ponto de permitir que o SINGRH estabeleça formas de subsídios para o atendimento, por meio de pla-nos de bacia hidrográfica, de outros segmentos com menor potencial de contribuição, caso notável de serviçosde saneamento básico para populações de menor renda ou de financiamento de boas práticas para pequenosprodutores agropecuários.

• Com efeito, muitas das externalidades ambientais positivas associadas a processos de despoluição (por exem-plo, tratamento de esgotos ou de dejetos animais) repercutem amplamente sobre os usuários da bacia hidro-gráfica, podendo retornar às indústrias na forma de redução de sua matriz de custos de tratamento das águascaptadas, antes comprometidas pela ação de terceiros.

• O que concerne às características do setor industrial, pode-se distinguir, grosso modo, três sub-setores distintos: (i) As grandes unidades industriais, de modo geral, interessadas no bom gerenciamento das disponibilidadeshídricas, por conseqüência, com atitude positiva quanto à instalação do SINGRH e, até mesmo, favoráveis aopagamento pelo uso da água, desde que tal ônus implique em benefícios potenciais e na garantia de acesso aesse insumo produtivo15.(ii) Indústrias de médio porte, com atitudes diferenciadas frente ao Sistema, muito em função de seu padrão tecno-lógico, sendo que as mais avançadas, algumas dotadas de certificação ISO 14.000, operam na perspectiva de plenalegalidade em face dos requerimentos do licenciamento ambiental e das outorgas de recursos hídricos.(iii) Um universo amplo e diversificado de pequenas e micro-indústrias, perante o qual serão necessárias ações con-tinuadas de cadastramento, convencimento e capacitação, com a finalidade de sua inserção junto ao SINGRH.

• Resta observar que, em termos de sua inserção institucional e representatividade, o setor industrial é bastantebem organizado, por intermédio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e das Federações Estaduais daIndústria, sempre com participação formal e elevado peso relativo junto aos conselhos e comitês.

• Conforme já salientado, os municípios podem ser caracterizados como usuários de recursos hídricos, sempreque empreenderem ações de drenagem, disposição de resíduos sólidos ou prestarem diretamente serviços desaneamento básico, requerendo, para tais intervenções, a obtenção de outorgas de uso da água ou de lança-mento de efluentes.

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Produção Agropecuária

• A exemplo de outros países, a agricultura constitui o maior demandante de recursos hídricos no Brasil, comvistas à irrigação de cultivos que, no total, cobrem mais de 3,1 milhões de hectares.

• O recurso à irrigação pode ser observado tanto em estados como o Rio Grande do Sul (cerca de 1,0 milhão dehectares irrigados, a maior parte com arroz por inundação), quanto no Semi-Árido brasileiro, em projetosdesenvolvidos pelo Estado e pela iniciativa privada.

• Em adição, deve-se considerar o uso de recursos hídricos para fins de dessedentação de animais e de dispo-sição de dejetos animais, segundo práticas que implicam em graves problemas ambientais localizados, caso dacriação de suínos no oeste de Santa Catarina, para cujo equacionamento, seguramente, será necessário contarcom subsídios externos ao setor.

• Em termos das características desse segmento usuário, cabe mencionar o número expressivo de pequenos emédios produtores agropecuários, com baixa capacidade de contribuição ao Sistema, muito provavelmente aserem enquadrados como isentos da obrigatoriedade de obtenção de outorgas e, por conseqüência, dacobrança pelo uso da água.

• Por outro lado, é possível identificar um número relativamente reduzido de grandes proprietários rurais, emdecorrência da reconhecida concentração fundiária do país, com empreendimentos sofisticados e de capitalintensivo, tanto na criação de rebanhos quanto em cultivos de exportação (soja, principalmente), perante osquais será preciso persistência e algum enfrentamento político no sentido de fazê-los respeitar os condicio-nantes de natureza ambiental relacionados à utilização de recursos hídricos, não somente com vistas à otimi-zação de sistemas de irrigação, mas, também, para o manejo adequado dos solos e para incentivo a práticascorretas de aplicação de pesticidas e fertilizantes.

• No que concerne à sua inserção institucional junto ao SINGRH, os produtores agropecuários se fazem repre-sentar por intermédio da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), bem como mediante federações esta-duais e organizações de cooperativas, sempre com peso político respeitável.

• Todavia, há um importante trabalho continuado a ser efetuado junto ao universo dos pequenos e médios agri-cultores, no sentido da difusão de boas práticas.

Transporte Hidroviário e demais usuários de Pesca, Lazer e Turismo

• Em relação ao transporte hidroviário, cabe o registro de conflitos localizados com operadores, associados aosusos múltiplos das águas, como nos casos: da Hidrovia Paraná - Tietê, por ocasião da crise energética; depotenciais impactos ambientais no ecossistema Pantanal; da ausência de eclusas em barramentos de usinashidrelétricas no rio Paranapanema, dentre outros. Contudo, a representatividade e a expressão nacional dessesetor usuário é bastante reduzida quando comparada com os demais.

• Observação similar pode ser feita quanto aos usuários de pesca, lazer e recreação, todos com representaçõesdifusas, muito localizadas e desprovidas do poder de contribuição ao Sistema, o que confere elevado peso ins-titucional aos outros setores referidos.

Entidades de Ensino e Pesquisa

• No que tange à representação de entidades da sociedade civil junto ao SINGRH, cabe mencionar a partici-pação de universidades, publicas e privadas, além de fundações e centros de pesquisa que lhes são vincula-dos, detentores de conhecimento técnico-científico relevante para a boa gestão dos recursos hídricos.

• A atuação dessas entidades ocorre tanto diretamente, mediante assentos em conselhos e comitês de bacia,quanto pela elaboração de estudos, pesquisas e projetos, financiados com recursos do Fundo de Ciência eTecnologia (CT-Hidro) ou no contexto da elaboração dos planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas.

• Cabe ressaltar o papel de equilíbrio que tais instituições exercem junto ao Sistema, na medida em que confe-rem argumentação técnica a debates intensos, travados nos comitês e conselhos, de um lado pela perspectivada produção (usuários) e, de outro, pelas preocupações preservacionistas de organizações não-governamen-tais de defesa do meio ambiente.

Em adição ao universo diversificado dos atores jácaracterizados, cabe fazer menção a outros atores oufatores externos ao SINGRH, que, por sua dimensão erelevância contextual, podem implicar em interferên-cias significativas sobre o funcionamento e as delibe-rações concernentes à gestão dos recursos hídricos noBrasil.

5.3 Fatores externos

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Entidades Técnico-Profissionais ou de Representação de Classe

• Um segundo segmento importante, de representação da sociedade civil, é constituído por entidades técnico-profissionais ou de representação de classe, sendo importante mencionar: a Associação Brasileira de RecursosHídricos (ABRH), a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), a Associação Brasileirade Águas Subterrâneas (ABAS), os Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura (CREAs), ordens, institutose sindicatos de advogados, engenheiros, economistas e outros organismos de classes.

• Essas entidades, a exemplo de universidades e institutos de pesquisa, conferem credibilidade técnica e equilí-brio ao funcionamento do SINGRH, reunindo conhecimentos específicos e experiência decorrente de décadasde atuação, na maioria das vezes com elevado grau de representatividade regional e articulação nacional16.

Relevância regional da problemática das Secas no Semi-Árido Brasileiro

• De modo recorrente, o problema das populações flageladas por eventos críticos de secas no Semi-Árido bra-sileiro obriga a ações emergenciais por parte do Governo Federal, uma boa parte delas de cunho assistencia-lista (frentes de trabalho, carros-pipa e outras), sempre com a aplicação de recursos vultosos, caracterizando oque historicamente ficou conhecido como “ a indústria da seca”, à qual se associam interesses políticos pon-deráveis, capazes de imprimir interferências indesejáveis junto ao SINGRH, a exemplo da tentativa, já efetua-da, de destinação ao Semi-Árido de recursos arrecadados à conta da cobrança pelo uso da água nas demaisregiões do Brasil.

Peso Específico e Capacidade Institucional do Setor Hidrelétrico

• Na medida da sua elevada agregação de valor às disponibilidades hídricas, acrescida da capacidade institu-cional instalada, o setor hidrelétrico reúne potencial capaz de fazer valer os seus interesses frente aos demais,não obstante a legislação brasileira conter, em seus fundamentos, o uso múltiplo das águas. De fato, essa capa-cidade ficou demonstrada no contexto da recente crise energética brasileira (2001), em parte decorrente deeventos meteorológicos extremos, que resultaram em escassez de recursos hídricos, em particular nas regiõesSudeste e Nordeste.

Organizações Não-Governamentais de Defesa do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos

• Por fim, é importante destacar o papel exercido por ONGs de defesa do meio ambiente e dos recursos hídri-cos, constituindo um universo extremamente diversificado, que engloba entidades de natureza quase pessoal,muitas bastante aguerridas em suas convicções, até organismos de caráter internacional, dotados de conheci-mento, meios e recursos significativos.

• De modo geral, o papel exercido por essas entidades, com assentos assegurados nos conselhos e comitês queintegram o SINGRH, é o de vigilância e denúncia sobre práticas e situações ambientalmente desconformes.

16 A ABRH, por exemplo, tem mais de 25 anos de existência, realizando congressos, encontros e simpósios nacionais, esses últi-mos a cada 2 anos.

5.4 A articulação entre atores

Vencida a caracterização de atores (estatais, não-estatais e fatores externos), o esquema apresentado naFigura 5 busca sintetizar o conjunto de funções e inte-rações mais relevantes de cada um dos segmentos quecompõem o SINGRH, classificados nos termos da legis-lação, em Poder Público (União, estados e municípios),Usuários de recursos hídricos (saneamento, energia,indústria, agropecuária, drenagem e outros) e SociedadeCivil organizada.

A implementação do Sistema Nacional deGerenciamento de Recursos Hídricos pretende definirum ambiente institucional favorável para a negociaçãoe o acordo social (do tipo ganha-ganha), sem descuidarda indispensável manutenção do enforcement ambien-tal.

Como eventuais perdedores, pode-se listar os usuá-rios de quaisquer atividades que se mantenham à mar-gem do processo de gestão, com práticas ambiental-mente desconformes. Para esses e, também, para ospequenos usuários dispersos e informais, cabe anotar aincidência onerosa da burocracia e dos controles que se

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Crise Fiscal do Aparelho de Estado

• Por fim, como fator externo capaz de gerar modificações e instabilidade no SINGRH, cabe anotar a crise fis-cal do Aparelho de Estado no Brasil, com gravidade a ponto de levar governos estaduais e, mesmo, alguns seto-res da União, a proceder à apropriação das receitas geradas a partir da cobrança pelo uso da água, com a fina-lidade de gerar superávit primário na balança de pagamentos. Trata-se, portanto, de aplicação bastante distor-cida do financiamento exclusivo de intervenções de melhoria da qualidade ambiental das bacias arrecadado-ras, ferindo os conceitos políticos regentes desse instrumento de gestão.

Recente Consolidação Institucional do País, em particular, do Sistema Nacional de Gerenciamento de Hídricos

• O Brasil constitui um bom exemplo de volatilidade institucional, com grande flexibilidade para adoção deexperiências inovadoras no campo da administração pública, todavia, com situações recorrentes de retroces-sos e desconstruções, notadamente por ocasião da troca de governos, o que pode implicar em modificaçõesno modelo institucional previsto pela Lei Nacional nº 9.433/97, complementado pela Lei Federal nº 9.984/00,de criação da ANA, antes mesmo da implementação executiva do SINGRH.

Poder Público= atuando com as funções de regulação ambiental, definidor de políticas públicas, estabelecendo diretrizes gerais do SINGRH e arbitrando eventuais conflitos.

União: MMA/SRH. ANA e IBAMAEstados: Secretarias e órgãos estaduais correlatosPrefeituras Municipais: Secretarias de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano

Figura 5

Mapa das Funções e da Interação entre Atores em Relação ao Regime de Gestão das Águas no Brasil

Fatores Externos Intervenientes

Interação no âmbito do SINGRH

Sociedade Civil= embasamento técnico e científi-co, representação de órgãos profis-sionais e de classe, além devocação específica para o exercícioda vigilância social.

Usuários= funções de proposição e imple-mentação executiva de valores decobrança e dos planos de bacia,além da operação de sistemas deinformação.

tornam necessários ao gerenciamento das disponibilida-des hídricas, notadamente, no que concerne a cadastrose informações que orientam a concessão de outorgas.

Como ganhadores, inscrevem-se todos os usuárioscom interesses em assegurar disponibilidade hídrica,pela via da obtenção de outorgas, assim como os atoressociais (dos setores usuários e da sociedade civil) quesejam desonerados pela mitigação de externalidadesambientais negativas, a partir da implementação dosplanos de bacia hidrográfica. Relativamente à cobrançapelo uso da água, há convicção de que seus valoressejam fixados em patamares mais baixos do que osbenefícios ambientais propiciados por seus investimen-tos.

Pode-se anotar, também, como ganhadores, osextratos populacionais de menor renda, que maissofrem com as desconformidades ambientais, em parti-cular em favelas e enclaves nas grandes cidades eregiões metropolitanas, caso os planos de bacia con-templem os subsídios esperados para solução dessassituações.

Para concluir a caracterização do SINGRH, énecessário abordar os principais riscos e possíveis falhasdo Sistema.

Em primeiro lugar, cabe indagar sobre a possibilida-de de captura dos processos e das instâncias decisóriaspor setores usuários dotados de poder econômico oupor grupos políticos hegemônicos.

Com efeito, particularmente no âmbito dos Comitêse Agências de Bacias, nos quais ocorrem funções denatureza executiva, exatamente para as quais os usuá-rios reúnem maior habilitação, é possível que setoresusuários se tornem preponderantes.

Esse risco pode ser mitigado, contudo, pela atuaçãodecidida dos comitês, na medida em que lhes cabe aaprovação das propostas efetuadas pelas agências. Poroutro lado, as agências de bacia deverão operarmediante Contratos de Gestão ou Termos de Parceria,celebrados com os órgãos estatais responsáveis pelagestão dos recursos hídricos (ANA e seus correlatos nosestados), devendo esses instrumentos de cooperaçãoserem dotados dos mecanismos de regulação adequa-dos ao controle social das agências.

Para tanto, paralelamente à implementação doSINGRH, torna-se indispensável proceder ao fortaleci-mento das funções públicas de regulação ambiental ede recursos hídricos, particularmente por intermédio deações e programas voltados às entidades estaduais, tare-fa que compete e deve ser do interesse estratégico daUnião, da Agência Nacional de Águas e dos Estados.

Por fim, há um risco adicional para o SINGRH casoos comitês de bacia derivem, ou para uma posição de

mera contestação da atuação do(s) Governo(s), tal comose fossem ONGs capturadas pela militância de grupospolíticos hegemônicos, ou, no extremo oposto, casovenham a ser dominados pela burocracia pública,dependentes de verbas e subsídios, caracterizandobraços políticos de governos.

Contudo, o que se espera é uma posição equilibra-da dos comitês, que devem atuar como espaços institu-cionais para a gestão compartilhada das águas, tal comoconvém a um Sistema de Gestão pautado pela busca dagovernabilidade com governança.

Vencida a caracterização geral, deve-se ressaltar queessa aparente uniformidade, prevista pelo SINGRH,guarda diferenças importantes que precisam ser explici-tadas e debatidas até que se determinem seus desdobra-mentos práticos. A começar pelo verdadeiro significadode muitos dos conceitos “amplamente aceitos”, cuja tra-dução reclama aprofundamentos capazes de levá-los auma efetiva aplicação prática. Uma das dificuldades,por exemplo, é a diretriz da descentralização associadaao princípio federativo do país e do questionamentosobre como devem ser exercidas as prerrogativas dedomínio federal em muitos dos principais cursos d’águado país.

As diferenças persistem, também, no entendimentosobre os limites e possibilidades dos instrumentos degestão, sem que exista compreensão clara estabelecidasobre alguns pontos, tais como:

• A abordagem, o conteúdo dos Planos e a divisão deencargos entre os planos Nacional e estaduais derecursos hídricos e desses em relação aos planos debacia hidrográfica.

• A interação, pela via do enquadramento, entre obje-tivos da gestão ambiental e os de recursos hídricos.

• A integração entre os processos de licenciamentoambiental e a concessão de outorgas (eventualmen-te, ainda, de uso e ocupação do solo), envolvendoas diferentes perspectivas de padrões de emissão ede capacidade de suporte dos corpos receptores.

• A responsabilidade devida (ou possível, em termosjurídicos) dos comitês de bacia quanto ao procedi-mento (estatal e indelegável) de outorga de direitosde uso da água.

• Os encargos das agências de bacia no que concerneà cobrança pelo direito de uso de recursos hídricose administração e manejo das receitas auferidas(envolvendo, inclusive, questões sobre a posse dosativos financiados com recursos da cobrança).

• As relações entre as funções da cobrança, comofonte de arrecadação ou de incentivo à mudança decomportamento.

• Os problemas de natureza operacional e tecnológi-ca, por exemplo, aqueles relativos à sistemática deintegração e troca de dados entre os sistemas deinformação gerados pelas bacias, estados e peloGoverno Federal (ANA), com dificuldades inerentes

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à consistência e à compatibilidade de formatos, lin-guagens, sistemas e equipamentos.

Essas diferenças se replicam nos modelos institucio-nais, revelando o imperativo de adequação da gestão àsdiversidades física, biótica, institucional e culturalobservadas em um país de dimensões continentaiscomo o Brasil.

Sob esse aspecto, o presente documento debruça-sesobre dois estudos de casos, decorrentes da naturezadiversa dos problemas a enfrentar, sem prévio juízo devalor a respeito de suas validades. São apenas diferen-tes, porém legítimos em suas iniciativas de instalação desistemas de gestão de recursos hídricos. Caracteriza-se,assim, o “regime geral” da gestão das águas no Brasil,como a convergência na diversidade de “regimes espe-cíficos”, adequados às diversidades regionais de umpaís continental.

Na formulação geral anteriormente caracterizada, o“regime” brasileiro define um processo decisório de res-ponsabilidades compartilhadas, segundo um modelo ins-titucional descentralizado e participativo. O poder regu-latório do Estado permanece (e, de certa forma, é fortale-cido) mediante a prerrogativa exclusiva de emissão deo u t o rgas de direito e de fiscalização do uso de recursoshídricos (comando-e-controle). Aos comitês e respectivasagências de bacia hidrográfica (entidades operacionais,instituídas como secretarias executivas dos comitês) sãoreservadas, principalmente, a definição de planos deintervenções e a aprovação de valores para a cobrançapelo uso de recursos hídricos (precificação da água comorecurso natural), enquanto mecanismo de financiamentodos planos e sustentação do sistema de gerenciamento(adoção de instrumentos econômicos de gestão).

Esse Sistema está em pleno processo de implemen-tação no país. Excetuando-se um estado da regiãoNorte, todos os demais já aprovaram sua legislação derecursos hídricos, à luz da Lei n º 9.433/97.

No contexto de mudanças pelas quais passa o país,é importante notar que o SINGRH consubstancia a apli-cabilidade da Reforma do Aparelho de Estado, o quepode ser atestado:

(i) Pela atuação do Ministério do Meio Ambiente e desua Secretaria de Recursos Hídricos, integrantes donúcleo estratégico do Estado, na definição de políti-cas públicas respaldadas em deliberações doConselho Nacional de Recursos Hídricos, onde têmassentos representantes dos estados federados, deusuários e da sociedade civil.

(ii) Pela recente criação da Agência Nacional de Águas(ANA)17 nos moldes de uma autarquia em regime

especial, com funções executivas (implementar oSistema) e regulatórias (emitir outorgas e fiscalizarusos em corpos hídricos de domínio federal).

(iii) Pela adoção das alternativas de OSs ou OSCIPs naconstituição de agências de bacias hidrográficas(que celebrarão Contratos de Gestão ou Termos deParcerias com o Poder Público), propiciando asdesejadas flexibilidade e eficiência na execução deatividades não-exclusivas de Estado, notadamentequando se tratar de ações de cunho operacional (aimplementação de planos de bacias hidrográficas,por exemplo).

Verifica-se que, para além de suas especificidades,as reformas do Aparelho de Estado e da Gestão dasÁguas têm por objetivo alcançar melhores condições degovernabilidade (no sentido do desempenho doAparelho de Estado) e de governança (na interação coma sociedade), mediante a adoção de um modelo institu-cional de maior transparência, com participação sociale compartilhamento de responsabilidades, maiores inte-gração e cooperação entre níveis de governo e com asociedade civil, além da adoção de instrumentos deincentivo econômico.

As motivações e as novas perspectivas com acriação da Agência Nacional de Águas

Não obstante suas características descentralizadorase os canais disponíveis para a participação da socieda-de civil e dos usuários de recursos hídricos junto aoSistema, o fato é que a inexistência de avanços impor-tantes no período subseqüente à promulgação da LeiNacional permitiu identificar a necessidade de umaatuação mais firme do Governo no sentido da imple-mentação do SINGRH. Assim, cumpre reconhecer quea iniciativa para a criação da Agência Nacional deÁguas (ANA) decorreu, essencialmente, do reconheci-mento da complexidade e das dificuldades inerentes àimplementação do Sistema Nacional de Gerenciamentode Recursos Hídricos (SINGRH), como resposta institu-cional efetiva para esse e outros problemas nessecampo.

Com efeito, após a promulgação da Lei Nacional nº9.433/97, não se confirmaram as expectativas de que oscomitês, apenas pelo mero advento da Lei, surgissem eadquirissem dinâmica como que espontaneamente,bem como, de que os estados passassem a se estruturarpara fins de concessão de outorga e para arrecadaçãovia cobrança pelo uso da água.

Ademais, os encargos da regulamentação da LeiNacional não se completaram, sem embargo dosesforços da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), doMinistério do Meio Ambiente, alçada à condição deSecretaria Executiva do Conselho Nacional de RecursosHídricos (CNRH), objeto do decreto do Executivo,publicado sobre a matéria. É certo que houve, na época,

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17 Lei nº 9984, de 18 de julho de 2000.

iniciativas desenvolvidas em favor do chamado“decretão”, que reunia, em peça única, todos os princi-pais aspectos considerados essenciais para conferir sus-tentação aos instrumentos e às instâncias decisórias doSINGRH. Tais iniciativas, contudo, não prosperaram.

Pode-se argumentar que a própria instalação doCNRH teria implicado em delegação dos encargos deregulação ao Conselho e às suas câmaras técnicas. Comefeito, nota-se que muitas das resoluções aprovadaspelo CNRH cobrem, ao menos em parte, algumas daslacunas existentes na regulamentação da Lei Nacional.Todavia, há controvérsias sobre o acerto de se promo-ver, exclusivamente via CNRH, o complexo detalha-mento operacional do Sistema Nacional, a tempo e comunidade técnica e jurídica exigidas, vencendo os limitespróprios a colegiados, dos quais se espera, essencial-mente, a definição de diretrizes e políticas gerais.

Cabe reconhecer que, ainda hoje, persistem indefi-nições sobre aspectos importantes ao funcionamento doSINGRH, parte deles inseridos no Projeto de Lei nº1.616, que sofre longa e indeterminada tramitação noCongresso Nacional. Para além das lacunas da regula-mentação, a mera existência de visões divergentes sobrea condução do processo revela problemas na distri-buição de competências e atribuições institucionais,entre CNRH, SRH e ANA, ainda não claramente estabe-lecidas.

Como consenso, contava-se, à época, com a per-cepção de que o SINGRH precisava de uma entidademotora mais potente, dotada da necessária estabilidade,com autonomia decisória, independência financeira eagilidade operacional18, capaz de pôr em marcha oSistema Nacional, inclusive no que tange à cooperaçãoe ao apoio aos estados federados, na compreensão deque o SINGRH deva ser considerado integrado, sem dis-tinção de corpos d’água de domínios federal e estadual.De fato, sem embargo das iniciativas que vinham sendolevadas a cabo pela Secretaria de Recursos Hídricos,são reconhecidas as dificuldades operacionais deórgãos da administração direta, sempre amplificadaspor amarras burocráticas, demandas políticas e limi-tações de quadros de pessoal.

Portanto, tendo como missão primordial implemen-tar o SINGRH, inclusive no que tange à sua regulamen-tação operativa - que ainda está por vir -, a ANA foi cria-da em julho e instalada em dezembro de 2000, tendo osnomes de seus diretores sido submetidos à aprovaçãopelo Senado Federal.

Provavelmente, o principal desafio encerrado pelacriação da ANA se refere à inexistência, no âmbito doGoverno Federal, de instituição que a tenha antecedido.Com efeito, se a Agência Nacional de Energia Elétrica(ANEEL) pôde apoiar-se, ao menos em parte, nos qua-dros, estrutura e procedimentos do extintoDepartamento Nacional de Águas e Energia Elétrica(DNAEE), a ANA nasce com o encargo de estabelecercultura e rotinas novas, anteriormente só parcialmentedesenvolvidas em poucos estados, com destaques paraSão Paulo (Departamento de Águas e Energia Elétrica -DAEE) e Paraná (Superintendência de Desenvolvimentodos Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental -SUDERHSA).

Não bastasse esse desafio, logo em sua partida, aAgência e seus dirigentes foram instados a exercer papelcentral em decisões concernentes à crise de energia de2001 - marcada pela baixa disponibilidade hídrica emreservatórios, com tarefas associadas com a moderação deconflitos de usos múltiplos -, como também, a participarem iniciativas de ordenamento institucional do setor sane-amento, sem que contassem com a estrutura minimamen-te necessária para dar conta, simultaneamente, de sua pró-pria instalação e das outras tarefas que lhe foram postas.

Sob o aspecto de sua própria estruturação, cumprereconhecer que a montagem de uma agência de âmbitonacional, com duplos encargos, regulatórios (outorga) eexecutivos (instalar o SINGRH), não se constitui emtarefa trivial, nem pode ser levada a cabo seguindomeros exemplos ou modelos prontos para serem sim-plesmente transpostos à realidade brasileira. Antesdisso, os temas do planejamento institucional merecemtratamento especializado, para que se responda, demodo consistente, a perguntas-chave, tais como:

• Qual a missão da entidade?• Qual o seu “ambiente institucional”, o seu público-

alvo e quem são os seus principais interlocutores eparceiros?

• Qual a estratégia institucional para tal interlocução,dirigida à montagem do SINGRH, e que instrumen-tos devem (ou podem) ser utilizados para consubs-tanciar os acordos necessários?

• Como relacionar-se com os Sistemas Estaduais deGerenciamento de Recursos Hídricos (SEGRH’s), emdistintos estágios de desenvolvimento institucional,alguns mais avançados do que a União?

• Definida a estratégia institucional, qual a estruturaorganizacional que melhor responde às demandasde atuação decorrentes de tal estratégia?

• Em face da estrutura organizacional adotada, comodefinir rotinas e procedimentos adequados, inte-grando critérios e decisões com os estados, tambémdetentores de dominialidade dos corpos hídricos?

Evidentemente, as respostas às indagações feitas nãosão triviais uma vez que essas questões estão inseridasem processos dinâmicos em que, cotidianamente, aten-

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18 Sob esse aspecto, a ANA insere-se junto aos esforços doGoverno Federal para a modernização do Aparelho deEstado no Brasil, dos quais derivaram as AgênciasReguladoras hoje existentes (Telecomunicações, Petróleo,Energia Elétrica, Vigilância Sanitária e outras).

der o urgente toma espaço e tempo do que é estratégi-co. Certamente, algumas das questões formuladas nãoestão, ainda, respondidas sendo que a resposta a partedelas demandará maiores prazos de maturação.

Não obstante, o caminho já trilhado é promissor, par-ticularmente quando se verifica que, no plano tático, aANA logrou, na avaliação de muitos, marcar presença ap a r t i r, por exemplo, do “Programa Nacional deDespoluição de Bacias Hidrográficas”, baseado no con-ceito inovador de pagar pelo resultado final do tratamen-to de esgotos domésticos (remoção de cargas poluidoras),subsidiando a amortização de aportes de capital empre-gado na construção de estações de tratamento, sob requi-sitos de prévia existência de comitês e de respectivas deli-berações em favor da implantação da cobrança pelo usoda água na bacia hidrográfica do empreendimento.

Foi igualmente julgada promissora a iniciativa daANA de sinalizar concretamente suas diretrizes de

descentralização, objetivando delegar competências eatribuições a Governos Estaduais (para outorga, fisca-lização, monitoramento e cobrança pelo uso daá g u a )1 9.

Merece registro, também, o sucesso obtido pelaANA nas negociações, empreendidas em conjunto como Governo do Ceará, que resultaram na cobrança pelaágua bruta utilizada em cultivos agrícolas de maiorvalor agregado, bem como, na substituição de culturascom irrigação intensiva por outras com menor demandapor recursos hídricos.

Naturalmente, é possível aprofundar, em muito, asobservações sobre a Agência Nacional de Águas, mere-cedora de documento de análise específica. Contudo,para os fins a que se destina o presente trabalho (carac-terização e análise do “regime” aplicado à gestão daságuas no Brasil), os registros apresentados são aqui jul-gados suficientes.

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19 A delegação de atribuições e competências pode ser con-substanciada mediante Convênio de Integração, tendocomo objetivo a gestão de bacias, independentemente dosdomínios dos corpos d’água que as compõem.

Para os fins deste trabalho, mesmo que sob o marcode um “regime geral”, foi necessário considerar asvariantes de “regimes específicos”, decorrentes de pecu-liaridades regionais observadas no país. Foram dois oscasos específicos analisados: o modelo desenvolvidopelo Estado do Ceará e a bacia do Paraíba do Sul.

Apresentam-se, neste capítulo, tanto uma descriçãogeral dos estudos de caso, justificando-se as escolhas,quanto uma primeira análise dos sistemas de gestão dosrecursos hídricos, a partir da identificação dos compo-nentes principais (Diretor, Detector e Corretor).

6.1 Motivações para a escolha

Contando com o modelo geral anteriormente expos-to, aceito pela ampla maioria dos atores envolvidos, osdesafios concernentes à implementação do SistemaNacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos pas-sam a ser aqueles da passagem do modelo teórico àimplementação efetiva, para o qual dois tipos de variá-veis são as mais relevantes:

(i) Primeiramente, o enfrentamento das limitações ine-rentes à organização administrativa e ao ordena-mento jurídico brasileiro, em muitos casos aquémdas intenções e requerimentos trazidos pela LeiNacional n º 9.433/97, como também, pelas legis-lações estaduais correlatas; e,

(ii) A adequação do modelo geral às especificidadesinstitucionais e culturais de cada região de um Paíscom dimensões continentais, o que exige, sobretu-do, uma atitude de grande flexibilidade e respeito àdiversidade, tais como especificadas pela própriaLei Nacional n º 9.433/97.

Esse processo de adequação regional, em plenocurso no Brasil, pode ser ilustrado pelos estudos de casoque seguem.

a) O Ceará como Referência ao Semi-Árido

Sem chegar a detalhes específicos, o primeiroestudo de caso é conformado pela experiência doCeará, marcada pela busca de um modelo próprioao Semi-Árido brasileiro. Em grande parte de seupercurso, apoiado por sucessivas operações de cré-dito com o Banco Mundial, o modelo adotado noCeará pode ser assim caracterizado:

• Atividade de administração de estoques de águareservados em açudes, dada a escassez decorren-te da irregularidade plurianual das precipitações,da baixa capacidade de armazenamento da águano solo e da elevada evapotranspiração presenteno Semi-Árido.

• Decisão de alocação de água para usos múltiplos,respaldada em decisões socialmente negociadasem colegiados de usuários (associações de utiliza-dores dos açudes, principalmente), tendo comosuporte à decisão o traçado de curvas de operaçãode reservatórios que oferecem, a partir das reser-vas existentes, projeções e estimativas relativa-mente confiáveis para as disponibilidades, emhorizontes de curto e médio prazos.

• Transporte de água bruta a longas distâncias, ven-cendo os limites das bacias hidrográficas, paraatendimento aos maiores centros de demanda, emespecial para a Região Metropolitana deFortaleza, onde se concentram as grandes deman-das de consumo industrial e doméstico.

• Tarifação dos serviços de reservação, transporte edistribuição de água bruta aos usuários industriaise à concessionária de saneamento, com larga dife-renciação entre preços unitários, da ordem de R$0,73/m3 aos primeiros e R$ 0,03/m3 ao segundo,caracterizando subsídio cruzado em favor doabastecimento doméstico20.

• Adoção de mecanismos de negociação entre seg-mentos de usuários, de modo a permitir alteraçõesna alocação das disponibilidades hídricas, parafins de aumento na eficiência de uso (setores commaior valor agregado efetuam pagamentos parasubsidiar a redução ou suspensão de atividades -irrigação, em particular - dos utilizadores commenor capacidade de pagamento).

• Promoção do associativismo local de pequenosusuários, com vistas a facilitar os processos denegociação relativos à alocação das disponibili-dades hídricas.

O modelo é baseado na atuação de uma agên-cia estatal única -a Companhia de Gerenciamento

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6. DESCRIÇÃO GERAL DOS ESTUDOS DE CASO

20 A cobrança foi implantada em dezembro de 1996, comredução da renda auferida pelo setor de saneamento, trans-ferindo encargos da Concessionária de Saneamento para aentidade de recursos hídricos, propiciando ganhos de efi-ciência operacional e redução dos custos de disponibili-zação de água bruta, não obstante a mencionada reduçãodas receitas gerais.

de Recursos Hídricos (COGERH)-, com ação sobretodo território estadual, na medida em que operapara além das bacias hidrográficas mediante a inter-ligação de sistemas de açudes e adutoras, comencargos relativos à manutenção e à operação des-ses sistemas. Permanecem com a Secretaria deRecursos Hídricos as competências próprias aoEstado, notadamente quanto à concessão de outor-gas e à sistemática de fiscalização, devendo-se men-cionar a existência complementar de uma entidadecom especialização na construção de obras civis (aSuperintendência de Obras Hídricas - SOHIDRA) eoutra para coleta, sistematização, análise e difusãode dados hidrometeorológicos (a FundaçãoCearense de Meteorologia e Recursos Hídricos -FUNCEME). Atualmente, a COGERH aufere arreca-dação mensal da ordem de R$ 1,0 milhão, partesubstantiva da qual cobre despesas operacionaiscom sistemas de reservação e transporte de águabruta.

Cumpre anotar, ainda, que permanecem pen-dentes problemas de remuneração e estabilidadedos quadros de pessoal da Companhia, parte delesmantidos por programas de cooperação financiadosno contexto das operações de crédito vigentes entreo Banco Mundial e o Estado do Ceará, sendo dacompetência do Governo Estadual determinar deque modo será conferida a desejada sustentabilida-de de sua Companhia de Gerenciamento deRecursos Hídricos, pela via de elevação dos preçosda água bruta aduzida ou mediante o aporte de sub-sídios do Tesouro Estadual.

Cabe o registro de que o modelo cearense tempermitido ao Estado tornar neutras eventuais res-trições (desvantagens competitivas) decorrentes deincertezas associadas às disponibilidades hídricas.Com locutor definido e de competência estabeleci-da (COGERH), os investidores industriais contratamfornecimento de água bruta, admitindo preços uni-tários mais elevados em troca de níveis adequadosde garantia. Nesse caso, o pagamento ao Estadoimplica na obtenção de direitos, contratualmenteestabelecidos, portanto, podendo gerar demandasjudiciais de ressarcimento, caso as variáveis emquestão recaiam sobre a eventual inabilidade geren-cial do Estado. Minutas desses contratos estão pre-sentemente em desenvolvimento.

Esse modelo - em grande medida creditado àestabilidade das políticas estaduais e cujo pragma-tismo na busca de resultados tem conferido ao Cearáelevado reconhecimento em todo país -, reúnepotencial que respalda a sua adoção, observados osajustes devidos, por quase todos os demais estadoscom áreas no Semi-Árido (Rio Grande do Norte21,Paraíba, Pernambuco e Alagoas, além de parteimportante do território da Bahia), com as seguintesexceções:

• De porções da Bahia dotadas de reservas sub-terrâneas importantes, além das áreas lindeiras aorio São Francisco, sem considerar as especificida-des de natureza institucional que conferemimportância ao papel das Casas de RecursosNaturais (CRNs), como estruturas de apoio ao sis-tema de gerenciamento de recursos hídricos emimplementação naquele estado.

• A experiência, porvir, da Agência de Regulaçãode Águas, Irrigação e Saneamento - AAGISA, emetapa inicial de implantação na Paraíba, englo-bando, na mesma entidade, as funções de gestãode recursos hídricos e regulação de setores usuá-rios e de contratos de concessão para a prestaçãode serviços de abastecimento de água potável,coleta e tratamento de esgotos domésticos.

• O caso de Sergipe, estado com pequena dimensãoterritorial para os padres brasileiros e dotado deextensa rede de adutoras (cerca de 4mil km), comadução de águas captadas no trecho de jusante dorio São Francisco e distribuídas a montante desuas principais bacias, caracterizando a possívelconvivência de uma Superintendência Estadual deGestão de Recursos Hídricos e de organizaçõesautônomas (comitês e agências) em algumas desuas bacias hidrográficas (rio Sergipe, particular-mente).

b) A Aposta da ANA na Bacia do Paraíba do Sul22

Espalhada em 55.500 km2, a bacia do Paraíbado Sul cobre parte de três importantes Estados brasi-leiros: São Paulo (13.900km_; 25% da área), Rio deJaneiro (20.900km_; 38%) e Minas Gerais(20.700km_; 37%). Os 39 municípios paulistas, 53fluminenses e 88 mineiros da bacia formam um dosmais expressivos espaços econômicos do país, ocu-pado por cerca de 3% da população brasileira e res-ponsável por cerca de 12% do PIB nacional.

Além de fornecer água para a população urba-na da bacia (4.852.971 habitantes; IBGE/2000), o rioParaíba do Sul abastece quase toda população daRegião Metropolitana do Rio de Janeiro, ou seja,cerca de 8,5 milhões de pessoas, por meio da trans-posição de vazão desse vale para a bacia do rioGuandu, na vertente atlântica. Outrossim, o fato deo rio se desenvolver paralelamente à Via Dutra, eixo

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21 Deve-se destacar o incentivo à constituição de associaçõese comunidades de usuários - que somam mais de 115 noestado - como a principal característica própria ao RioGrande do Norte.

22 Com base em texto de Paulo Canedo de Magalhães, inseri-do no documento “Elementos para uma Estratégia deGerenciamento de Recursos Hídricos no Brasil: Áreas deCooperação com o Banco Mundial”, Banco Mundial, noprelo.

rodoviário que interliga as maiores MetrópolesNacionais, São Paulo e Rio de Janeiro, acabou pordar notoriedade às cidades ribeirinhas, trazendo,portanto, riqueza e prosperidade à região.

Foi essa importância econômica e estratégicaque motivou o Governo Federal a criar, no final dosanos 70, a primeira semente da gestão das águas, o“Comitê Especial de Estudos Integrados de BaciasHidrográficas” (CEEIBH) e o “Comitê Executivo deEstudos Integrados do Vale do Paraíba do Sul” (CEEI-VAP), que tinha uma função meramente consultivanas ações de recuperação ambiental promovidas pelaadministração pública brasileira. Apesar do esforço doC E E I VAP e de sua contribuição na identificação e pro-posição de ações corretivas, ao longo de mais de umadécada, o Vale não recebeu o necessário apoio políti-co, nem o investimento devido para implementar asmedidas que foram propostas.

Somente em 1992, em decorrência de umaexperiência na bacia do rio Doce, teve início a“Cooperação França-Brasil”, para a bacia do rioParaíba do Sul. Essa Cooperação, ao longo de seussete anos, realizou amplo trabalho de atualização,aquisição e sistematização de dados relacionadosaos recursos hídricos da bacia, sobretudo aquelesrelativos à qualidade da água e à poluição deco-rrente da atividade industrial.

Ao final de 1994, o Estado de São Paulo criouo “Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba doSul e da Serra da Mantiqueira” (CBH-PSM) paraimplementar a gestão das águas estaduais dessabacia, no território paulista.

Em meados de 1996, com o amadurecimentodos conceitos de gestão das águas, o governo fede-ral criou, por decreto presidencial, em dezembro, onovo “Comitê para Integração da Bacia Hidrográficado Rio Paraíba do Sul” (CEIVAP), constituindo-se noprimeiro passo efetivo da implantação de um novoparadigma de gestão pública no País. Iniciava-se aío novo processo descentralizado e participativo degestão das águas, que foi legalmente implantadomediante a aprovação da Lei 9.433/97. Mais recen-temente, foi também criado o “Comitê das Baciasdos Rios Muriaé e Pomba”, afluentes do Paraíba doSul, ambos com dominialidade federal.

Embora a instância colegiada para a gestão dabacia do Paraíba do Sul seja o CEIVAP, a atuaçãodos vários comitês, dos consórcios intermunicipais ede outras organizações similares denotam o nível deassociativismo e de interesse que a sociedade dovale do Paraíba vem apresentando com relação aosseus recursos hídricos.

Concomitantemente, com a criação do CEI-VA P, o Governo Federal implementou, com crédi-

tos tomados junto ao Banco Mundial, o Wa t e rQuality and Pollution Control Project, conduzidono âmbito da extinta Secretaria de Política Urbanado Ministério do Planejamento e Orçamento, emconvênio com os Estados do Rio de Janeiro e SãoPaulo. Tal projeto foi responsável por uma série deestudos visando à elaboração de um Programa deInvestimentos para a recuperação ambiental dabacia, desenvolvido com financiamento do BIRD.Similarmente, o Programa de Investimento relativoà parte mineira da bacia foi posteriormente elabo-rado como parte de outra iniciativa, denominada“Projeto Preparatório para o Gerenciamento dosRecursos Hídricos no Paraíba do Sul”, esse condu-zido com recursos de cooperação do Governoj a p o n ê s .

Os estudos e projetos resultantes dessesProgramas, executados no período 1996 - 1999, evi-denciaram os inúmeros e sérios problemas ambien-tais da bacia decorrentes do uso predatório e des-controlado de seus recursos naturais. Apesar de setratar de uma região razoavelmente próspera, inú-meros problemas de infraestrutura vêm afetando aqualidade das águas fluviais. O setor saneamento,por exemplo, é responsável por maior parte dapoluição encontrada nas águas do Paraíba do Sul.Apenas 58% da população têm seus esgotos coleta-dos e menos de 5% os têm tratados. A disposiçãodos resíduos sólidos urbanos constitui-se, também,em grande problema. Mais de 53% dos resíduoscoletados são dispostos em “lixões” e quase sempreem locais inadequados e sem a segregação dos resí-duos patogênicos. Bueiros e riachos são obstruídospor carreamento de lixo e entulho, causandoretenções de escoamento e cheias.

No setor industrial, são produzidos quase 30milhões de toneladas/ano de resíduos. Embora osmaiores produtores de resíduos classes I e II (resí-duos perigosos e resíduos não-inertes, respectiva-mente) estejam sob controle, não é pequeno onúmero de indústrias que, sem a devida fiscali-zação, fazem uma disposição inadequada de seusrejeitos. Não menos impactantes ao meio ambientesão a ocupação inadequada do solo, a erosão pro-vocada por desmatamentos, bem como os assorea-mentos que incrementam as danosas conseqüênciasdas cheias do Paraíba do Sul e de seus afluentes.

Todos esses fatos, com reflexos negativos paraa saúde pública e ao meio ambiente, afligem apopulação da bacia e precisam ser imediatamenterevertidos com ações institucionais, estruturais enão-estruturais, que foram estimadas em cerca deR$ 3,0 bilhões. Os estudos mostraram, também, serfactível o financiamento total desses investimentoscom os recursos provenientes da “cobrança pelo usoda água” já a partir do quarto ano de sua imple-mentação.

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Motivado por esses estudos, dentre suas ativida-des ao longo do exercício de 2002, o CEIVAP delibe-rou pela aprovação da cobrança pelo uso das águas nabacia, cuja arrecadação está em pleno início ao longodo primeiro semestre de 2003, sendo calculada poruma fórmula simplificada que abrange, prioritaria-mente, os usuários do setor de saneamento e do setorindustrial. Essa deliberação do Comitê da Baciaencontra-se respaldada por igual aprovação noConselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH),conferindo grande legitimidade ao início da cobrança.

Por seu turno, a Agência Nacional de Águas,com jurisdição limitada aos corpos hídricos federais,promoveu, também em 2002, a celebração deconvênios de integração com os estados de SãoPaulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, com o objeti-vo de que as outorgas e as respectivas cobrançassejam feitas de forma coordenada e conjunta.

Em complemento, o CEIVAP e, na seqüência, oConselho Nacional de Recursos Hídricos, aprova-ram a criação da Agência de Águas da Bacia, cons-

tituindo e instalando o seu Conselho deAdministração, presidido por um representante dosetor usuário da indústria. A Agência encontra-se emprocesso de constituição, dentre as alternativas deuma Organização Social Autônoma (OS) ou de umaO rganização da Sociedade Civil de InteressePúblico (OSCIP), figuras previstas pela ReformaAdministrativa do Aparelho de Estado, devendo serfisicamente implantada ao longo de 2004, assim queos estudos sobre a sua estrutura organizacionalforem ultimados, sob o patrocínio da ANA. Em feve-reiro de 2004, foi editada uma Medida Provisória(MP 165), que permite a criação de uma associaçãocivil sem fins lucrativos, capaz de estabelecer con-trato de gestão com a ANA, com interveniência doCEIVAP. A associação criada recebeu o nome deAGEVAP - Associação Pró-Gestão das Águas daBacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul.

Esses fatos e eventos demonstram que a imple-mentação do Sistema de Gerenciamento de RecursosHídricos na Bacia do Paraíba do Sul constitui priori-dade vital para a ANA, tanto em razão de sua

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ATORES PÚBLICOS FUNÇÃOGoverno do Estado do Ceará Responsável pela concessão de outorgas de direitoe Secretaria de Recursos Hídricos de uso da água.Companhia de Gerenciamento de Responsável pelo processo de alocação de água Recursos Hídricos - COGERH em função das demandas e pela operação dos

sistemas físicos (açudes, adutoras e canais), a partir de informações sobre disponibilidade de água.

Superintendência de Obras Hídricas - SOHIDRA Especializada na execução de obras hidráulicase intervenções estruturais.

Fundação Cearense de Meteorologia e Responsável pela operação da rede hidrometeorológicaRecursos Hídricos - FUNCEME e pela previsão climatológica.

ATORES PRIVADOS FUNÇÃOComitês de Bacia Hidrográfica (em fase de organização) Colegiados vinculados à Secretaria de Recursos

Hídricos, ainda em fase de instalação.Associações de Usuários (em geral, pequenos irrigantes) Interlocutores da COGERH no processo de alocaçãoCompanhia Estadual de Saneamento temporal e setorial das disponibilidades de água Indústrias (de modo a superar os períodos de estiagem).Grandes Projetos de IrrigaçãoONGs de Defesa do Meio Ambiente Presença e participação prevista nos Comitês, para

que os objetivos ambientais sejam considerados no processo.

Quadro 4Matriz Institucional - Caso do Ceará

(1) Por se tratar de região no Semi-Árido, com riosintermitentes, com as bacias hidrográficas estaduaiscom pouca disponibilidade de água e com possibili-dade de transposições entre bacias, o modelo doCeará derivou para uma Agência única no Estado, queadministra um sistema interligado de açudes e aduto-r a s .

(2) Esse contexto de escassez hídrica reclama pre-sença mais efetiva do Estado para mediar conflitos eatenuar o poder econômico dos grandes usuários,inclusive mediante subsídios pagos por esses para a

subsistência de produtores rurais dispersos (pequenosi r r i g a n t e s ) .

(3) O fato de o Ceará ter suas fronteiras com osoutros Estados definidas, quase que exclusivamente, pordivisores de água faz com que a dominialidade dos cur-sos d’água seja preponderantemente estadual, o quefacilitou a implementação do modelo no Ceará, dada aausência de conflitos de uso da água com outrosEstados. O único curso d’água importante de domínioda União é o rio Poti, que tem suas nascentes no Estadodo Ceará e se dirige para o Estado do Piauí.

importância no contexto nacional, quanto pela possi-bilidade de consubstanciar um exemplo paradigmáti-co a ser replicado em outras bacias do país. Não poroutras razões, os esforços da ANA vêm sendo acom-panhados de estudos complementares, de modo asubsidiar futuros aprimoramentos nos procedimentosde outorga e de cobrança no Paraíba do Sul, confor-mando quase que um laboratório para a consolidaçãode métodos e processos de gestão de recursos hídri-c o s .

6.2 O Caso do ceará

Apresentam-se, a seguir, nos Quadros 4 e 5, deforma esquematizada, as matrizes institucional e defunções referente ao caso do Ceará. A Figura 6 ilustra asbacias hidrográficas do Estado.

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COMPO- FUNÇÕES RESPOSTASNENTES

Objetivos / • Objetivo principal da gestão é promover a alocação das limitadaspadrões / disponibilidades hídricas, em especial para vencer períodos de estiagem.condições • As atividades estão praticamente circunscritas à garantia de quantidade de água.de serviços • A eficiência da atividade está vinculada a: informações meteorológicas,

curvas cota-volume dos açudes e modelos de simulação para apoio às decisões de alocação temporal e setorial das disponibilidades.

Regras de alocação • Em conformidade com a Constituição Federal, as águas são de domínio público,de recursos não vinculadas a terra. Toda utilização requer outorga de direito de uso,

emitida pelo Estado.Princípios de • Interação entre FUNCEME (fornece informações), COGERH (administra e Coordenação gerencia as disponibilidades) e SOHIDRA (implementa intervenções segundo

prioridades identificadas pela COGERH e Comitês).• Interação entre COGERH e usuários, de modo a obter respaldo social no processo de alocação.

DIRETOR • Interação entre usuários; acordos e negociações para resolução de conflitos e compensações de perdas.

Principios de • Usuários que se sintam prejudicados no processo conduzido pelaConsulta / COGERH podem recorrer: (i) ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos;Resolução de (ii) à instância judicial.ConflitosOs recursos com • Tarifação dos serviços de reservação, transporte e distribuição de água brutaos quais contam aos usuários industriais e à concessionária de saneamento, com largaas instituições diferenciação entre preços unitários, caracterizando subsídio cruzado em

favor do abastecimento doméstico.• Adoção de mecanismos de negociação entre segmentos de usuários, de modo a permitir alterações na alocação das disponibilidades hídricas, para fins de aumento na eficiência de uso (setores com maior valor agregado efetuampagamentos para subsidiar a redução ou suspensão de atividades - irrigação, em particular - dos utilizadores com menor capacidade de pagamento).

Princípios • Participação dos usuários no processo de alocação.Regulatórios • Publicização das informações e dos instrumentos de apoio à decisão.Princípios • O domínio da água é do Estado do Ceará, em articulação com a ANA eJurisdicionais a SRH quando estiverem em questão corpos hídricos de domínio federal.Monitoramento • Base de dados essencialmente quantitativa (a relativa autonomia financeira físico da COGERH lhe tem permitido iniciar atividades voltadas à qualidade e à

proteção de ecossistemas relevantes, em especial, nas proximidades da Região Metropolitana de Fortaleza).

D E T E C TO R • Existe monitoramento, fiscalização e publicidade, conforme descrito anteriormente.

Monitoramento • Existem sistemas de fiscalização, interna e externa, exercidos pela presençapara fazer da sociedade civil nos Comitês e associações de usuários.cumprir as regras • As decisões de alocação são discutidas em reuniões públicas.

Quadro 5Matriz de Funções - Caso do Ceará

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COMPO- FUNÇÕES RESPOSTASNENTES

Comportamento • As entidades inseridas no Sistema de Gestão apresentam uma razoável D E T E C TO R organizacional aproximação com os objetivos iniciais atribuídos ou com os quais foram criadas.

comparado com os objetivosGestão e provisão • O Estado dispõe de um sistema de açudes, canais e adutoras de água bruta, do serviço operado pela COGERH.

CORREC- Implementação • A alocação de direitos de uso é anualmente negociada.TOR das regras • Direitos alocados são formalizados mediante as outorgas de direitos de uso

Consulta / concedidas. Os setores de saneamento e indústria pagam, sendo que aResolução dos indústria subsidia o saneamento. O pagamento dos irrigantes encontra-se emConflitos processo de negociação.

Figura 6

Estado do Ceará - Bacias Hidrográficas (FUNCEME, 2004 - http://www.funceme.br)

6.3 O Caso do paraíba do sul

Nos Quadros 6 e 7, são apresentadas as matrizes institucio-nal e de funções referente ao caso do Paraíba do Sul. O mapapolítico-administrativo da Bacia é apresentado na Figura 7.

(1) Na região Sudeste (Paraíba do Sul), os problemasmais relevantes são de controle de poluição e de inun-dações. As bacias têm disponibilidade de água, nãoobstante a possibilidade de transposições para finalida-des específicas. Assim, é possível instituir sistemas degestão seguindo o modelo clássico da Lei Nacional nº9.433/97.

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ATORES PÚBLICOS ATORES NÃO-PÚBLICOSGoverno Federal Comitê de Integração da Bacia do Paraíba Ministério do Meio Ambiente - MMA do Sul (CEIVAP)Secretaria de Recursos Hídricos - SRHAgência Nacional de Águas - ANAGovernos EstaduaisSecretarias do Meio Ambiente e de Recursos HídricosPoder Outorgante Estadual

• DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica - SP; Agência da Bacia do Paraíba do Sul• IGAM - Instituto Mineiro de Gestão das Águas - MG; AGEVAP• SERLA - Superintendência Estadual de Rios e Lagoas - RJ

Prefeituras Municipais Entidades da Sociedade Civil

Quadro 6Matriz de Análise Comparativa: O Caso do Paraíba do Sul

Quadro 7Matriz de Análise Metodológica - Caso do Paraíba do Sul

C O M P O N E N T E S FUNÇÕES RESPOSTASObjetivos / padrões / • Pactuar com os usuários formas de (i) administrar conflitos e condições de serviço (ii) viabilizar financeiramente intervenções com vistas à melhoria das

disponibilidades hídricas.• O sistema tem como principal instrumento a cobrança pelo direito de uso dos recursos hídricos, de modo a induzir os usuários a internalizarem em seus custos as externalidades decorrentes da apropriação dos recursos hídricos, propiciando melhoria da eficiência de sua utilização (redução das captações e dos lançamentos de cargas poluidoras).

Regras de alocação • Em conformidade com a Constituição Federal, as águas são de de recursos domínio público, não vinculadas a terra, ou seja, toda utilização

requer outorga de direito de uso.• O Paraíba do Sul envolve quatro domínios: da União e dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Princípios • Estados e União devem convergir sobre procedimentos comuns. de Coordenação Órgãos outorgantes dos estados devem articular-se com a ANA.

• Comitês são colegiados que permitem a interação entre a União, DIRETOR estados e municípios, e desses com os usuários e com a sociedade civil.

• Os usuários são incentivados a constituírem associações. As organizações da sociedade civil são incentivadas a participar dos Comitês de Bacia.

Princípios de Consulta / • As instâncias de decisão são os Comitês. Pode-se recorrer das Resolução de Conflitos decisões dos Comitês junto aos Conselhos Estaduais e junto ao

Conselho Nacional de Recursos Hídricos.• Pode-se, também, recorrer ao Judiciário.

Os recursos com os • A ANA foi recentemente instituída (2001) e encontra-se em processo quais contam as de instalação.instituições • Os órgãos estaduais (DAEE-SP; IGAM-MG e SERLA-RJ)

apresentam situações muito distintas em termos de capacitação, quadros técnicos e demais recursos. De modo geral, deverão sofrer processos de modernização e fortalecimento institucional.

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Princípios Regulatórios • No caso da Região Sudeste, os Comitês garantem a participação dos usuários e da sociedade civil com amplo acesso às informações.• No que concerne à sustentabilidade financeira, estima-se que os recursos próprios da cobrança poderão cobrir entre 30 % e 40 % das demandas de investimentos nas bacias hidrográficas.

Princípios Jurisdicionais • ANA - autoridade de âmbito federal.• Órgãos Estaduais - autoridade no respectivo estado.• Comitês/Agências - autoridade na bacia hidrográfica.• Decisões dos Comitês podem ser questionadas junto aos Conselhos Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos.

Monitoramento físico • Monitoramento implica em esforços conjuntos da ANA e dos órgãos estaduais.• São Paulo apresenta boa base de informações sobre qualidade e

DETECTOR quantidade de recursos hídricos. Minas Gerais encontra-se próximo dessa situação e o Rio de Janeiro apresenta maiores precariedades.

Monitoramento para • Existem dois níveis de fiscalização: Fiscalização do uso, a ser fazer cumprir as regras exercida pela ANA, IBAMA e órgãos estaduais conjuntamente.

• Fiscalização das decisões tomadas emanadas dos Comitês, a ser exercida pelos usuários e pela sociedade civil.

Comportamento • As Agências de Bacia celebrarão Contratos de Gestão com o organizacional Poder Público, regidos por metas, objetivos e respectivos indicadores comparado com os de desempenho (adimplência no pagamento da cobrança pelo uso objetivos da água, percentual de investimento realizado, resultados do combate

à poluição - indicadores de OD, DBO e outros-, caracterizando controle de resultados, ao invés do acompanhamento de processos burocráticos).

Gestão e provisão • No Brasil, a gestão dos recursos hídricos não se confunde com ados serviços / gestão da oferta de serviços de água potável e de esgotamento sanitário.

CORRETOR Implementação das • Os indicadores de eficiência, a serem desenvolvidos ao longo dosregras próximos anos, quando do funcionamento do sistema, serãoConsulta / Resolução relacionados com a melhoria das disponibilidades hídricas naturais dos Conflitos em quantidade e qualidade.

Figura 7Bacia do Paraíba do Sul (ANA, 2004 - http://pbs.ana.gov.br)

Uma vez descritos os dois casos de estudo e ava-liando-se, de forma global o funcionamento do regimede recursos hídricos, procede-se aqui a um refinamentoda análise. Promove-se uma avaliação dos dois casos deestudo, em nível de sub-sistemas (de alocação, de admi-nistração e de aproveitamento), com base em metodo-logia pré-definida para o conjunto de estudos de regi-mes (Peña, H. T., 2003 - Propuesta Metodológica paraProyecto Regímenes).

Esse procedimento incluiu uma descrição e umaanálise de cada sub-sistema, uma avaliação de desem-penho, com base em uma mesma escala numérica (de 1a 5), assim como a identificação de possíveis falhas des-ses regimes.

Após detalhamento da metodologia e apresentaçãodos critérios e da escala de análise, procede-se à ava-liação dos regimes do Ceará e do Paraíba do Sul.

7.1 A metodologia de avaliação

A análise se centrará nos sub-sistemas. Para cada umeles, haverá uma primeira descrição do regime (comoopera o sub-sistema) e a confecção de uma matriz deavaliação.

Para o caso do sub-sistema de alocação, busca-se,em um primeiro momento elucidar as seguintesquestões:

• Critérios de outorga: objetivos explícitos ou implíci-tos e de resolução de conflitos.

• Quem ou o que decide outorgar (atores e forçasexternas).

• Quem demanda a outorga, quanto e como é deman-dado (atores e

• O que é outorgado (características da concessão).• Como é aplicada a outorga (análise técnica, dados,

participação, etc.).• Fiscalização e monitoramento das outorgas.• Resolução de conflitos

O desempenho desse subsistema deve levar em con-sideração critérios de:

• Efetividade• Eficiência• Eqüidade social

• Qualidade ambiental• Participação• Gestão integrada

Esse desempenho foi avaliado em uma escala de 1 a5, sendo, por princípio, 1 o pior desempenho e 5, omelhor. Para se proceder a essa avaliação, definiram-se,para cada critério, dois cenários: um correspondente aomelhor desempenho e outro ao pior desempenho sob ocritério em questão. A partir de avaliações da equipe doestudo e de consulta a especialistas em questões degestão das águas no Brasil ou a participantes dos siste-mas de gestão do Ceará e do Paraíba do Sul, atribuiu-seuma nota para cada critério.

No caso do sub-sistema de administração, promove-se, inicialmente, uma caracterização, com base nosseguintes tópicos:

• Quem administra?• Quem financia a operação?• Quem decide investir? • O que se entrega?• Quais são os critérios de operação?• Como se aplica?• Fiscalização/correção• Resolução de conflitos

O desempenho do sub-sistema é avaliado com baseem critérios de:

• Efetividade: verificar se existem direitos insatisfeitospor falta de infraestrutura ou de organização, tanto emtermos de quantidade total quanto de distribuição(falta de oportunidade), analisando, especificamente,períodos e locais sujeitos a secas periódicas.

• Eficiência: identificar e quantificar as perdas do sis-tema (eficiência física). Detectar os conflitos existen-tes, analisar os custos administrativos, operacionaise de infraestrutura.

• Equidade social: verificar se existe exclusão social,identificando causas e efeitos e observando a distri-buição de custos entre atores distintos,

• Qualidade ambiental: verificar se existe ou se é res-peitada a demanda ambiental, com caracterizaçãode impactos ambientais, especialmente os relacio-nados ao controle de poluição da água.

• Participação social: identificar a presença efetivados usuários na administração.

• Gestão integrada: verificar se são observados usosmúltiplos e a interação entre os recursos hídricossuperficiais e subterrâneos.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 37

7. ANÁLISE DE DESEMPENHO DOS REGIMES

A avaliação do desempenho se dá da mesma formaque para o sub-sistema de alocação.

Os sistemas de aproveitamento consideram as ativi-dades de cada setor usuário. Avaliam-se, caso sejampertinentes para o regime em questão, os setores indus-trial , agrícola, de saneamento e de geração de energia.

Na descrição do regime, busca-se saber, comoopera, na prática, o aproveitamento da água, em cadasetor usuário, considerando:

• Quem define requisitos, critérios e normas• Quem define como a água é usada, quantitativa e

qualitativamente.• Quem decide onde e quanto investir, mostrando

possíveis financiamentos e subsídios.• Quem realiza a fiscalização e o monitoramento.• Quem promove a resolução de conflitos.

A avaliação do desempenho se dá da mesma formados outros sub-sistemas. A Avaliação deve ser efetuadaa partir da perspectiva do princípio do “bom uso” daoutorga. Os critérios adotados foram:

• Efetividade: verificar se são alcançados os objetivosdefinidos à ocasião da demanda da outorga.

• Eficiência: avaliação dos custos econômicos e dasperdas físicas.

• Equidade: verificar se existe déficit de produtividadepor falta de meios ou recursos e se existe distri-buição eqüitativa de custos e benefícios entre atoresdistintos

• Qualidade ambiental: avaliar se há impactosambientais importantes (contaminação, drenagem,salinização)

• Participação: avaliar se o usuário ou o consumidorfinal participação das decisões que lhes interessam.

No caso dos sistemas de aproveitamento, a análisepode-se processar sob a ótica do primeiro usuário daágua (no caso da irrigação, por exemplo) ou do usuá-rio/cliente, como é o caso do saneamento.

7.2 As escalas de avaliação

Como já salientado, o desempenho é avaliado emuma escala de 1 a 5, sendo, por princípio, 1 o piordesempenho e 5, o melhor. Foram construídos, assim,os cenários extremos para os três tipos de sub-sistemaspara cada critério (Quadros 8, 9 e 10).

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 38

Quadro 8Sub-Sistema de Alocação - Cenários de Desempenho

Critério Maior Nota (5) Menor Nota (1)i E f e t i v i d a d e Maior porcentagem possível de Pequena porcentagem de satisfação às demandas.

demanda atendida. Eventuais Há muitas demandas insatisfeitas por falta de acessocondicionantes físicos, geográficos ou do usuário aos mananciais (limitações físicas,institucionais não limitam o acesso do geográficas e institucionais).usuário ao recurso hídrico.

i i E f i c i ê n c i a Os usuários se submetem aos A maior parte dos usuários não se submete aos procedimentos administrativos para procedimentos de outorga e boa parte daqueles queanálise dos pleitos de outorga, acatando se submetem não obtém satisfação no processo.seus resultados. Esses procedimentos são Os processos são demorados, os critérios nãorápidos e criteriosos, buscando maximizar são explícitos e não se busca maximizar o ganho ganhos coletivos e minimizar custos e coletivo nem minimizar o custo social.conflitos sociais.

iii Eqüidade O sistema não privilegia classses O sistema é excludente. Alguns dos critérios desocial específicas de usuários. Os procedimentos concesssão privilegiam classes específicas de usuários.

para submissão de um pedido de outorga Os procedimentos para submissão de pedidossão acessíveis a todos, de forma indistinta favorecem determinadas categorias de usuários.e os critérios adotados incorporam objetivos de eqüidade social.

iv Qualidade Os critérios e procedimentos de outorga Os critérios ambientais para conservação eambiental levam em consideração condições preservação de ecosssitemas são totalmente

ambientais para conservação de desconsiderados nos procedimentos de outorga.ecossistemas, com a necessidade de se manterem níveis mínimos de vazões em cursos d’água.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 39

Critério Maior Nota (5) Menor Nota (1)v Partici- Há mecanismos que permitem a O sitema é burocrático e refratário à participação

pação participação dos usuários no sistema de dos usuários. A concessão das outorgas se dá semconcessão das outorgas. Há instâncias a a partticipação dos usuários. Não há instâncais que podem recorrer os usuários contra administrativas de recorrência contra decisões dodecisões tomadas no âmbito do sistema sistema de concessão das outorgas.de concessão.

vi Gestão O sistema considera a possibilidade de O sistema privilegia a alocação para certos tipos deintegrada ocorrência de usos múltiplos para a água, uso da água, não dispondo de procedimentos para

dispondo de ferramentas para avaliação da avaliação das demandas, no tempo e no espaço, melhor alocação, no tempo e no espaço, dos diferentes usos da água, nem permitindo uma entre os diferentes usos da água, análise integrada entre mananciais superficiais eintegrando as disponibilidades dos subterrâneos.mananciais superficiais e subterrâneos.

Quadro 9Sub-Sistema de Administração - Cenários de Desempenho

Critério Maior Nota (5) Menor Nota (1)i E f e t i v i - É mínima a ocorrência de falhas na satisfação Existe um número importante de outorgas não

d a d e para outorgas concedidas. Não há ação satisfeitas por falta de estrutura ou de organizaçãoespeculativa ou ociosidade de uso em do sistema de administração ou é muito significativooutorgas concedidas. A estrutura o número de outorgas não utlizadas ou mantidasadministrativa acompanha, no tempo e no com fins especulativos.espaço, o uso da água previsto nas outorgas.

i i E f i c i ê n - Os custos para operacionalização/ São elevados os custos administrativos dec i a administração do sistema são mínimos. manutenção e operação do sistema. Existem

Não se verificam perdas físicas importantes perdas físicas na distribuição de água, havendo(sistemas hidráulicos/ naturais) ou o não- outorgas ocisoas e conflitos generalizados. Éaproveitamento de direitos (outorgas reduzido o quociente entre quantidade de águaocisoas). Não há conflitos de uso. É elevado outorgada e quantidade de água utilizada.o quociente entre quantidade de água outorgada e quantidade de água utilizada.

i i i E q ü i - A administração do sistema não privilegia A operacionalização e a administração dasd a d e classes específicas de usuários. Os critérios outorgas favorecem grandes usuários, grupossocial de acompanhamento das outorgas são políticos ou grupos econômicos específicos.

explícitos. Existem mecanismos de acompanhamento, controle social e participação dos usuários na administração.

iv Quali- O sistema de administração de outorgas O sistema de administração não promovedade promove avaliação periódica, no tempo e avaliação ambiental, não havendo registro deambien- no espaço, das condições ambientais dos condições ambientais dos ecossistemas afetadostal ecossistemas afetados pelos usos da água. pelo uso da agua. Não há padrões ambientais

Há padrões definidos de rejeitos, de usos definidos para uso da água, lançamento de rejeitosda água e de qualidade ambiental. ou qualidade ambiental.

v P a r t i c i - Há mecanismos que permitem a participação O sistema é burocrático e refratário à participaçãop a ç ã o dos usuários no sistema de administração de dos usuários. A operacionalização e a administração

outorgas. Há instâncias a que podem das outorgas se dão sem participação dos usuários.recorrer os usuários contra decisões tomadas Não há instâncias administrativas de recorrência

contrano âmbito do sistema de administração das decisões do sistema de administração das outorgas.outorgas.

vi Gestão O sistema de administração de outorga O sistema de administração acompanha de formainte- dispõe de meios para acompanhar, no diferenciada os diferentes usos da água,grada tempo e no espaço, o uso da água e o privilegiando um uso em detrimento de outro.

lançamento de efluentes, em mananciais O sistema não dispõe de ferramentas para superfificais e subterrâneos, do conjunto acompanhamento dos termos da outorga, no tempo de usuários. e no espaço, nem considera a integração entre

mananciais superficiais e subterrâneos.

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Quadro 10Sub-Sistema de Aproveitamento - Cenários de Desempenho

Critério Maior Nota (5) Menor Nota (1)i Efetividade O uso da água é maximizado pelo setor Pequena porcentagem de satisfação às demandas.

usuário. Não há condicionantes físicos, Há muitas demandas insatisfeitas por falta de acessogeográficos ou institucionais que limitam o do usuário aos mananciais (limitações físicas,acesso do(s) usuário(s) à água ou ao(s) geográficas e institucionais).serviço(s) prestados por esses(s) usuário(s).

ii Eficiência Os custos para aproveitamento da água são São elevados os custos de manutenção e operação mínimos. Não se verificam perdas físicas do aproveitamento. Existem perdas físicas naimportantes (sistemas hidráulicos/ naturais). distribuição de água, havendo desperdícios eNão há conflitos entre usuários/clientes do conflitos generalizados. É reduzido o quocientemesmo setor. É elevado o quociente entre entre quantidade de água derivada e quantidadequantidade de água derivada e quantidade de água utilizada.de água utilizada.

iii Eqüidade O uso da água do aproveitamento não O uso da água do aproveitamento favorecesocial privilegia classes específicas de usuários. grandes usuários, grupos políticos ou grupos

Existem mecanismos de acompanhamento, econômicos específicos.controle social e participação por parte dos usuários/clientes no aproveitamento.

i v Q u a l i d a d e O setor usuário promove avaliação O setor usuário não promove avaliação dosambiental sistemática e periódica dos efeitos efeitos ambientais de suas atividades. Não há

ambientais de suas atividades. Há procedimentos definidos para uso da água, reúsocertificação ambiental ou procedimentos de efluentes e lançamento de rejeitos. Adefinidos para uso da água, reúso de legislação ambiental não é respeitada.efluentes e lançamento de rejeitos.

v Participação Há mecanismos que permitem a A administração do aproveitamento é refratária à participação dos usuários/clientes na participação dos usuários/ clientes. Não háadministração do aproveitamento. Há instâncias administrativas de recorrênciainstâncias a que podem recorrer os contra decisões do responsável pelo aproveitamentousuários/ clientes contra decisões tomadas ou pelo setor usuário.pelo responsável pelo aproveitamento ou setor usuário.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 41

7.3 Os resultados obtidos

Os Quadros a seguri apresentam os resultados daaplicação da metodologia para o caso de Ceará e doParaíba do Sul.

a) O Caso do Ceará

Quadro 11Sistema de Alocação/Regimes Ceará

RegimesCaracterísticas Função Nível

Federal Estaduali Quais Director Leis Federais Leis Estaduais

critérios de Resoluções do CNRH Plano Estadual de Recursos Hídricosalocação? Dispositivos do Plano Nacional Resoluções do Conselho Estadual

Deliberações da ANA Deliberações do Órgão Gestorii Quem Efector ANA (cursos d’água domínio da União Órgão Gestor Estadual

decide? -obras construídas c/verbas da União) ANEEL (aproveitamento hidrelétrico)ANEEL (aproveitamento hidrelétrico)

iii Quem Efector Empresas (usos industrial e comercial) Empresas (usos industrial e comercial)demanda? Particulares (usos domésticos) Particulares (usos domésticos)

Prestadores serviços de saneamento Prestadores serviços de saneamentoPequenos irrigantes Pequenos irrigantesProjetos de irrigação Projetos de irrigaçãoAssociações de usuários Associações de usuários

iv O que se Efector Autorização Autorizaçãoentrega? Concessão Concessão

(volume ou vazão derivável, podendo (volume ou vazão derivável, podendovariar ao longo do ano, durante um variar ao longo do ano, durante umperíodo de “n” anos) período de “n” anos)

Autorização p/construção de açudesv Como se Efector Cadastro de usuários da bacia Cadastro de usuários da bacia

aplica? Séries hidrometeorológicas Séries hidrometeorológicasModelos de balanço hídrico Vazões regularizadasModelos de avaliação Modelos de balanço hídrico(quantidade/qualidade) Modelos de avaliação

(quantidade/qualidade)vi Corretor/ ANA ANA/Órgão Gestor Estadual

Fiscalização Detector IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais IBAMA/Órgão Ambiental EstadualANEEL (aproveitamento hidrelétrico) ANEEL (aproveitamento hidrelétrico)Ministério da Saúde (abastecimento) Ministério da Saúde (abastecimento)

vii Resolução Corretor/ ANA Órgão Gestor Estadualde conflitos Detector Conselho Nacional Recursos Hídricos Associação de usuários

Ouvidoria da União Comitês Estaduais de BaciaMinistério Público/Tribunais Conselho Estadual de Rec. Hídricos

Ouvidoria do EstadoMinistério Público/Tribunais

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 42

Quadro 12Sistema de Alocação/Desempenho Ceará

DesempenhoCritério Desempe Maior Nota (5) Menor Nota (1)

-nho globali Efetividade 3 Maior porcentagem possível de deman Pequena porcentagem de satisfação

da atendida. Eventuais condicionantes às demandas. Há muitas demandasfísicos, geográficos ou institucionais insatisfeitas por falta de acesso do usuárionão limitam o acesso do usuário ao aos mananciais (limitações físicas, recurso hídrico. geográficas e institucionais).

ii Eficiência 3 Os usuários se submetem aos A maior parte dos usuários não se submeteprocedimentos administrativos para aos procedimentos de outorga e boa parteanálise dos pleitos de outorga, daqueles que se submetem não obtémacatando seus resultados. Esses satisfação no processo. Os processos sãoprocedimentos são rápidos e demorados, os critérios não são explícitoscriteriosos, buscando maximizar e não se busca maximizar o ganho coletivoganhos coletivos e minimizar custos nem minimizar o custo social.e conflitos sociais.

iii Eqüidade 3 O sistema não privilegia classses O sistema é excludente. Alguns dos critériossocial específicas de usuários. Os de concesssão privilegiam classes

procedimentos para submissão de um específicas de usuários. Os procedimentospedido de outorga são acessíveis a para submissão de pedidos favorecemtodos, de forma indistinta e os critérios determinadas categorias de usuários.adotados incorporam objetivos de eqüidade social.

iv Qualidade 2 Os critérios e procedimentos de Os critérios ambientais para conservação eambiental outorga levam em consideração preservação de ecosssitemas são totalmente

condições ambientais para desconsiderados nos procedimentos conservação de ecossistemas, com a de outorga.necessidade de se manterem níveis mínimos de vazões em cursos d’água.

v Partici- 3 Há mecanismos que permitem a O sitema é burocrático e refratário àpação participação dos usuários no sistema participação dos usuários. A concessão das

de concessão das outorgas. Há outorgas se dá sem a partticipação dosinstâncias a que podem recorrer os usuários. Não há instâncais administrativasusuários contra decisões tomadas no de recorrência contra decisões do sistemaâmbito do sistema de concessão. de concessão das outorgas.

vi Gestão 2 O sistema considera a possibilidade O sistema privilegia a alocação para certosintegrada de ocorrência de usos múltiplos para tipos de uso da água, não dispondo de

a água, dispondo de ferramentas para procedimentos para avaliação dasavaliação da melhor alocação, no demandas, no tempo e no espaço, dostempo e no espaço, entre os diferentes diferentes usos da água, nem permitindousos da água, integrando as uma análise integrada entre mananciaisdisponibilidades dos mananciais superficiais e subterrâneos.superficiais e subterrâneos.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 43

Quadro13Sistema de Administração/Regimes Ceará

RegimesCaracterís. Função Nível

Federal Estaduali Quem Director ANA Órgão Gestor Estadual

administra? DNOCS COGERHANEEL (aproveitamento hidrelétrico) SOHIDRAIBAMA/Órgão Ambiental Estadual ANEEL (aproveitamento hidrelétrico)Defesa Civil Federal IBAMA/Órgão Ambiental Estadual

Defesas Civis Estadual e Municipaisii Quem Director Orçamento da União (ANA e MIN) Orçamento do Estado

financia a DNOCS Cobrança pelo Uso da Águaoperação? Bancos Multilaterais Bancos Multilaterais

iii Quem Director ANA Governo Estadualdecide DNOCS Órgão Gestor Estadualinvestir? Ministérios Bancos Multilaterais

Bancos Multilateraisiv O que se Efector Grupos Técnicos de Acompanhamento Grupos Técnicos de Acompanhamento

entrega? Operadores de barragens FUNCEMECOGERH

v Quais são Efector Luta contra a seca Luta contra a secaos critérios Respeito aos critérios de outorga Respeito aos critérios de outorgade operação? Minimização de conflitos - uso da água Minimização de conflitos - uso da água

Controle de poluição acidental Controle de poluição acidentalvi Como se Cadastro de usuários da bacia Cadastro de usuários da bacia

aplica? Efector Séries hidrometeorológicas Séries hidrometeorológicasModelos de balanço hídrico Modelos de balanço hídricoModelos/previsões climatológicos Modelos/previsões climatológicosRede hidrometeorológica - Tempo real Rede hidrometeorológica - Tempo realRadar e satélites Radar e satélites

vii Fiscalização Corretor/ ANA ANA/correção Detector IBAMA/Órgão Ambiental Estadual IBAMA/Órgão Ambiental Estadual

Ministério da Saúde (abastecimento)v i i i Resolução Corretor ANA Órgão Gestor Estadual

de conflitos Detector Conselho Nacional Recursos Hídricos Comitê Estadual de BaciaTribunais Conselho Estadual Recursos Hídricos

Tribunais

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 44

Quadro14Sistema de Administração/Desempenho Ceará

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)i Efetividade 3 É mínima a ocorrência de falhas na Existe um número importante de outorgas

satisfação para outorgas concedidas. não satisfeitas por falta de estrutura ou deNão há ação especulativa ou organização do sistema de administraçãoociosidade de uso em outorgas ou é muito significativo o número deconcedidas. A estrutura administrativa outorgas não utlizadas ou mantidas comacompanha, no tempo e no espaço, fins especulativos.o uso da água previsto nas outorgas.

ii Eficiência 3 Os custos para operacionalização/ São elevados os custos administrativos deadministração do sistema são mínimos. manutenção e operação do sistema.Não se verificam perdas físicas Existem perdas físicas na distribuiçãoimportantes (sistemas hidráulicos/ de água, havendo outorgas ocisoas enaturais) ou o não-aproveitamento conflitos generalizados. É reduzido ode direitos (outorgas ocisoas). Não há quociente entre quantidade de águaconflitos de uso. É elevado o quociente outorgada e quantidade de água utilizada.entre quantidade de água outorgada e quantidade de água utilizada.

iii Eqüidade 3 A administração do sistema não A operacionalização e a administraçãosocial privilegia classes específicas de das outorgas favorecem grandes usuários,

usuários. Os critérios de grupos políticos ou grupos econômicosacompanhamento das outorgas são específicos.explícitos. Existem mecanismos de acompanhamento, controle social e participação dos usuários na administração.

iv Qualidade 2 O sistema de administração de O sistema de administração não promoveambiental outorgas promove avaliação avaliação ambiental, não havendo registro

periódica, no tempo e no espaço, de condições ambientais dos ecossistemasdas condições ambientais dos afetados pelo uso da agua. Não há padrõesecossistemas afetados pelos usos da ambientais definidos para uso da água,água. Há padrões definidos de lançamento de rejeitos ou qualidaderejeitos, de usos da água e de ambiental.qualidade ambiental.

v Participação 3 Há mecanismos que permitem a O sistema é burocrático e refratário àparticipação dos usuários no sistema participação dos usuários. Ade administração de outorgas. Há operacionalização e a administraçãoinstâncias a que podem recorrer os das outorgas se dão sem participaçãousuários contra decisões tomadas no dos usuários. Não há instânciasâmbito do sistema de administração administrativas de recorrência contradas outorgas. decisões do sistema de administração das

outorgas.vi Gestão O sistema de administração de O sistema de administração acompanha de

integrada 2 outorga dispõe de meios para forma diferenciada os diferentes usos daacompanhar, no tempo e no espaço, água, privilegiando um uso em detrimentoo uso da água e o lançamento de de outro. O sistema não dispõe deefluentes, em mananciais superfificais ferramentas para acompanhamento dose subterrâneos, do conjunto de termos da outorga, no tempo e no espaço,usuários. nem considera a integração entre

mananciais superficiais e subterrâneos.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 45

Quadro 15Sistema de Aproveitamento - Saneamento / Regimes Ceará

RegimesCaracterís. Função Nível

Federal Estadual/Municipali Quem Director Leis federais Leis Estaduais

determina Ministério das Cidades IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduaisrequerimentos? Ministério da Saúde Cias. Estaduais de Saneamento

ANA Leis Orgânicas MunicipaisIBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais Administrações Municipais

ii Quem Director Ministério das Cidades Cias. Estaduais de Saneamentodetermina Ministério da Saúde Administrações Municipaiscomo se usa? ANA

ABNT - Ass. Bras. Normas TécnicasCEF - Caixa Econômica Federal

iii Quem decide Efector Ministério das Cidades Administrações Estaduaisinvestir? Ministério da Saúde Cias. Estaduais de Saneamento

Quem assegura Ministério da Integração Nacional Administrações Municipaissubsídios? ANA Operadores privados

CEF - Caixa Econômica Federal Bancos MultilateriasBancos Multilaterais

iv Fiscalização Corretor Ministério das Cidades Órgãos Reguladores Estaduais/correção Detector Ministério da Saúde Auto-regulação - Cias. Estaduais

ANA Órgãos Reguladores Municipaisv Resolução Corretor Ouvidoria da União Órgãos Reguladores Estaduais

de conflitos Detector Ministério Público/Tribunais Ouvidoria das Cias. EstaduaisOuvidoria dos EstadosÓrgãos Reguladores MunicipaisOuvidorias MunicipaisMinistérios Públicos/Tribunais

Quadro 16Sistema de Aproveitamento - Saneamento / Desempenho Ceará

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)i Efetividade 3 O uso da água é maximizado pelo Pequena porcentagem de satisfação às

setor usuário. Não há condicionantes demandas. Há muitas demandas insatisfeitas físicos, geográficos ou institucionais por falta de acesso do usuário aosque limitam o acesso do(s) usuário(s) mananciais (limitações físicas, geográficas eà água ou ao(s) serviço(s) prestados institucionais).por esses(s) usuário(s).

ii Eficiência 2 Os custos para aproveitamento da São elevados os custos de manutenção eágua são mínimos. Não se verificam operação do aproveitamento. Existemperdas físicas importantes (sistemas perdas físicas na distribuição de água,hidráulicos/ naturais). Não há havendo desperdícios e conflitosconflitos entre usuários/clientes do generalizados. É reduzido o quociente entremesmo setor. É elevado o quociente quantidade de água derivada eentre quantidade de água derivada e quantidade de água utilizada.quantidade de água utilizada.

iii Eqüidade 2 O uso da água do aproveitamento O uso da água do aproveitamento favorecesocial não privilegia classes específicas de grandes usuários, grupos políticos ou

usuários. Existem mecanismos de grupos econômicos específicos.acompanhamento, controle social e participação por parte dos usuários/clientes no aproveitamento.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 46

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)iv Qualidade 2 O setor usuário promove avaliação O setor usuário não promove avaliação dos

ambiental sistemática e periódica dos efeitos efeitos ambientais de suas atividades. Nãoambientais de suas atividades. Há há procedimentos definidos para uso dacertificação ambiental ou água, reúso de efluentes e lançamento deprocedimentos definidos para uso da rejeitos. A legislação ambiental não éágua, reúso de efluentes e respeitada.lançamento de rejeitos.

v Participação 2 Há mecanismos que permitem a A administração do aproveitamento éparticipação dos usuários/clientes na refratária à participação dos usuários/administração do aproveitamento. clientes. Não há instâncias administrativasHá instâncias a que podem recorrer de recorrência contra decisões doos usuários/ clientes contra decisões responsável pelo aproveitamento ou tomadas pelo responsável pelo pelo setor usuário.aproveitamento ou setor usuário.

Quadro 17Sistema de Aproveitamento - Irrigação / Regimes Ceará

RegimesCaracterís. Função Nível

Federal Estadual/Municipali Quem Director Leis federais Leis Estaduais

determina Ministério das Cidades IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduaisrequerimentos? Ministério da Saúde Cias. Estaduais de Saneamento

ANA Leis Orgânicas MunicipaisIBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais Administrações Municipais

ii Quem Director Ministério das Cidades Cias. Estaduais de Saneamentodetermina Ministério da Saúde Administrações Municipaiscomo se usa? ANA

ABNT - Ass. Bras. Normas TécnicasCEF - Caixa Econômica Federal

iii Quem decide Efector Ministério das Cidades Administrações Estaduaisinvestir? Ministério da Saúde Cias. Estaduais de SaneamentoQuem assegura Ministério da Integração Nacional Administrações Municipaissubsídios? ANA Operadores privados

CEF - Caixa Econômica Federal Bancos MultilateriasBancos Multilaterais

iv Fiscalização/ Corretor Ministério das Cidades Órgãos Reguladores Estaduaiscorreção Detector Ministério da Saúde Auto-regulação - Cias. Estaduais

ANA Órgãos Reguladores Municipaisv Resolução Corretor Ouvidoria da União Órgãos Reguladores Estaduais

de conflitos Detector Ministério Público/Tribunais Ouvidoria das Cias. EstaduaisOuvidoria dos EstadosÓrgãos Reguladores MunicipaisOuvidorias MunicipaisMinistérios Públicos/Tribunais

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 47

Quadro 18Sistema de Aproveitamento - Irrigação / Desempenho Ceará

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)i Efetividade 3 O uso da água é maximizado pelo Pequena porcentagem de satisfação às

setor usuário. Não há condicionantes demandas. Há muitas demandas físicos, geográficos ou institucionais insatisfeitas por falta de acesso do usuárioque limitam o acesso do usuário ao aos mananciais (limitações físicas, recurso hídrico. geográficas e institucionais).

ii Eficiência 2 Os custos para aproveitamento da São elevados os custos de manutenção eágua são mínimos. Não se verificam operação do aproveitamento. Existemperdas físicas importantes (sistemas perdas físicas na distribuição de água,hidráulicos/ naturais). Não há havendo desperdícios e conflitos conflitos entre usuários do mesmo generalizados. É reduzido o quocientesetor. É elevado o quociente entre entre quantidade de água derivada equantidade de água derivada e quanti quantidade de água utilizada.dade de água utilizada.

iii Eqüidade 2 O uso da água do aproveitamento O uso da água do aproveitamento favorecesocial não privilegia classes específicas de grandes usuários, grupos políticos ou

usuários. Existem mecanismos de grupos econômicos específicos.acompanhamento, controle social e participação por parte dos usuários no aproveitamento.

iv Qualidade 2 O setor usuário promove avaliação O setor usuário não promove avaliação dosambiental sistemática e periódica dos efeitos efeitos ambientais de suas atividades. Não

ambientais de suas atividades. Há há procedimentos definidos para uso dacertificação ambiental ou água, reúso de efluentes e lançamento deprocedimentos definidos para uso da rejeitos. A legislação ambiental não é água, reúso de efluentes e respeitada.lançamento de rejeitos.

v Participação 3 Há mecanismos que permitem a A administração do aproveitamento éparticipação dos usuários na refratária à participação dos usuários/ administração do aproveitamento. clientes. Não há instâncias administrativasHá instâncias a que podem recorrer de recorrência contra decisões daos usuários/ clientes contra decisões administração do aproveitamento.tomadas pela administração do aproveitamento.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 48

b) O Caso do Paraíba do Sul

Quadro 19Sistema de Alocação/Regimes Paraíba do Sul

RegimesCaracterís. Função Nível

Federal Estaduali Quais critérios Director Leis Federais Leis Estaduais (MG/RJ/SP)

de alocação? Resoluções do CNRH Resoluções do Conselhos EstaduaisDispositivos dos Planos Nacional/ Deliberações dos Comitês EstaduaisBacia Deliberações dos Órgãos GestoresDeliberações do Comitê de Bacia Plano Estadual (SP)Deliberações da ANA

ii Quem decide? Efector ANA Órgãos Gestores EstaduaisANEEL (aproveitamento hidrelétrico) ANEEL (aproveitamento hidrelétrico)

iii Quem Efector Empresas (usos industrial e comercial) Empresas (usos industrial e comercial)demanda? Particulares (usos domésticos) Particulares (usos domésticos)

Prestadores serviços de saneamento Prestadores serviços de saneamentoIrrigantes IrrigantesGeradoras de energia elétrica

iv O que se Efector Autorização Autorizaçãoentrega? Concessão Concessão

(volume ou vazão derivável, podendo (volume ou vazão derivável, podendo variar variar ao longo do ano, durante um ao longo do ano, durante um períodoperíodo de “n” anos) de “n” anos)

v Como se Efector Cadastro de usuários da bacia Cadastro de usuários da baciaaplica? Séries hidrometeorológicas Séries hidrometeorológicas

Modelos de balanço hídrico Modelos de balanço hídricoModelos de avaliação Modelos de avaliação (quantidade/qualidade)(quantidade/qualidade)

vi Fiscalização Corretor/ ANA ANA/Órgão Gestor EstadualDetector IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais

ANEEL (aproveitamento hidrelétrico) ANEEL (aproveitamento hidrelétrico)Ministério da Saúde (abastecimento) Ministério da Saúde (abastecimento)

vii Resolução de Corretor/ ANA Órgãos Gestores Estaduaisconflitos Detector Comitê de Bacia Comitês Estaduais de Bacia

Conselho Nacional Recursos Hídricos Conselhos Estaduais de Rec. HídricosOuvidoria da União Ouvidoria dos EstadosMinistério Público/Tribunais Ministérios Públicos/Tribunais

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 49

Quadro 20 Sistema de Alocação/Desempenho Paraíba do Sul

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)i Efetividade 3 Maior porcentagem possível de Pequena porcentagem de satisfação às

demanda atendida. Eventuais demandas. Há muitas demandascondicionantes físicos, geográficos insatisfeitas por falta de acesso do usuárioou institucionais não limitam o aos mananciais (limitações físicas,acesso do usuário ao recurso hídrico. geográficas e institucionais).

ii Eficiência 3 Os usuários se submetem aos A maior parte dos usuários não se submeteprocedimentos administrativos para aos procedimentos de outorga e boa parteanálise dos pleitos de outorga, daqueles que se submetem não obtémacatando seus resultados. Esses satisfação no processo. Os processos sãoprocedimentos são rápidos e demorados, os critérios não são explícitos ecriteriosos, buscando maximizar não se busca maximizar o ganho coletivoganhos coletivos e minimizar custos nem minimizar o custo social.e conflitos sociais.

iii Eqüidade 3 O sistema não privilegia classses O sistema é excludente. Alguns dos social específicas de usuários. Os critérios de concesssão privilegiam classes

procedimentos para submissão de um específicas de usuários. Os procedimentospedido de outorga são acessíveis a para submissão de pedidos favorecemtodos, de forma indistinta e os determinadas categorias de usuários.critérios adotados incorporam objetivos de eqüidade social.

iv Qualidade 2 Os critérios e procedimentos de Os critérios ambientais para conservação eambiental outorga levam em consideração preservação de ecosssitemas são totalmente

condições ambientais para desconsiderados nos procedimentos deconservação de ecossistemas, com a outorga.necessidade de se manterem níveis mínimos de vazões em cursos d’água.

v P a r t i c i p a ç ã o 2 Há mecanismos que permitem a O sitema é burocrático e refratário à participação dos usuários no sistema participação dos usuários. A concessão dasde concessão das outorgas. Há outorgas se dá sem a partticipação dosinstâncias a que podem recorrer os usuários. Não há instâncais administrativasusuários contra decisões tomadas no de recorrência contra decisões do sistema deâmbito do sistema de concessão. concessão das outorgas.

vi Gestão 3 O sistema considera a possibilidade O sistema privilegia a alocação para certosintegrada de ocorrência de usos múltiplos para tipos de uso da água, não dispondo de

a água, dispondo de ferramentas para procedimentos para avaliação das avaliação da melhor alocação, no demandas, no tempo e no espaço, dostempo e no espaço, entre os diferentes diferentes usos da água, nem permitindousos da água, integrando as uma análise integrada entre mananciaisdisponibilidades dos mananciais superficiais e subterrâneos.superficiais e subterrâneos.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 50

Quadro 21Sistema de Administração/Regimes Paraíba do Sul

RegimesCaracterís. Função Nível

Federal Estaduali Quem Director ANA Órgãos Gestores Estaduais

administra? ANEEL (aproveitamento hidrelétrico) ANEEL (aproveitamento hidrelétrico)IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais IBAMA/Órgãos Ambientais EstaduaisDefesa Civil Federal Defesas Civis Estaduais e Municipais

ii Quem financia Director Orçamento da União (ANA e ANEEL) Orçamento dos Estadosa operação? Compensação Financeira Setor Elétrico Compensação Financeira Setor Elétrico

Cobrança pelo Uso da Água Empresas elétricas (barragens)Empresas elétricas (barragens) FEHIDRO (SP)Bancos Multilaterais Bancos Multilaterais

iii Quem decide Director ANA e ANEEL Governos Estaduaisinvestir? Ministérios Órgãos Gestores Estaduais

Bancos Multilaterais Bancos MultilateraisPrefeituras Municipais

iv O que se Efector Grupos Técnicos de Grupos Técnicos de Acompanhamentoentrega? Acompanhamento Operadores públicos - canais/polders

Operadores privados de barragens Operadores privados de barragensv Quais são os Efector Controle de enchentes Controle de enchentes

critérios de Controle de poluição Controle de poluiçãooperação? Controle de poluição acidental Controle de poluição acidental

Respeito aos critérios de outorga Respeito aos critérios de outorgaMinimização de conflitos Minimização de conflitos - uso da água- uso da água

vi Como Efector Cadastro de usuários da bacia Cadastro de usuários da baciase aplica? Séries hidrometeorológicas Séries hidrometeorológicas

Modelos de balanço hídrico Modelos de balanço hídricoModelos de avaliação Modelos de avaliação (quantidade/qualidade)(quantidade/qualidade)Rede hidrometeorológica - Tempo realRadar e satélites

vii Fiscalização/ Corretor/ ANA ANAcorreção Detector IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais

ANEEL (aproveitamento hidrelétrico) ANEEL (aproveitamento hidrelétrico)Ministério da Saúde (abastecimento)

viii Resolução de Corretor ANA Órgão Gestor Estadualconflitos Detector Comitê de Bacia Comitê Estadual de Bacia

Conselho Nacional Recursos Hídricos Conselho Estadual Recursos HídricosTribunais Tribunais

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 51

Quadro 22Sistema de Administração/Desempenho Paraíba do Sul

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)i Efetividade 2 É mínima a ocorrência de falhas na Existe um número importante de outorgas

satisfação para outorgas concedidas. não satisfeitas por falta de estrutura ou deNão há ação especulativa ou organização do sistema de administração ouociosidade de uso em outorgas é muito significativo o número de outorgasconcedidas. A estrutura administrativa não utlizadas ou mantidas com finsacompanha, no tempo e no espaço, especulativos.o uso da água previsto nas outorgas.

ii Eficiência 2 Os custos para operacionalização/ São elevados os custos administrativos deadministração do sistema são manutenção e operação do sistema. Existemmínimos. Não se verificam perdas perdas físicas na distribuição de água,físicas importantes (sistemas havendo outorgas ocisoas e conflitoshidráulicos/ naturais) ou o não- generalizados. É reduzido o quociente entreaproveitamento de direitos (outorgas quantidade de água outorgada e quantidadeocisoas). Não há conflitos de uso. de água utilizada.É elevado o quociente entre quantidade de água outorgada e quantidade de água utilizada.

iii Eqüidade 3 A administração do sistema não A operacionalização e a administração dassocial privilegia classes específicas de o u t o rgas favorecem grandes usuários, grupos

usuários. Os critérios de políticos ou grupos econômicos específicos.acompanhamento das outorgas são explícitos. Existem mecanismos de acompanhamento, controle social e participação dos usuários na administração.

iv Qualidade 2 O sistema de administração de O sistema de administração não promoveambiental outorgas promove avaliação avaliação ambiental, não havendo registro

periódica, no tempo e no espaço, de condições ambientais dos ecossistemasdas condições ambientais dos afetados pelo uso da agua. Não há padrões ecossistemas afetados pelos usos da ambientais definidos para uso da água,água. Há padrões definidos de lançamento de rejeitos ou qualidaderejeitos, de usos da água e de ambiental.qualidade ambiental.

v Participação 2 Há mecanismos que permitem a O sistema é burocrático e refratário àparticipação dos usuários no sistema participação dos usuários. Ade administração de outorgas. Há operacionalização e a administraçãoinstâncias a que podem recorrer os das outorgas se dão sem participação dos usuários contra decisões tomadas no usuários. Não há instâncias administrativasâmbito do sistema de administração de recorrência contra decisões do sistema de das outorgas. administração das outorgas.

vi Gestão 3 O sistema de administração de O sistema de administração acompanha deintegrada outorga dispõe de meios para forma diferenciada os diferentes usos da

acompanhar, no tempo e no espaço, água, privilegiando um uso em detrimentoo uso da água e o lançamento de de outro. O sistema não dispõe deefluentes, em mananciais superfificais ferramentas para acompanhamento dose subterrâneos, do conjunto de termos da outorga, no tempo e no espaço,usuários. nem considera a integração entre

mananciais superficiais e subterrâneos.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 52

Quadro 23

Sistema de Aproveitamento - Saneamento / Regimes Paraíba do Sul

RegimesCaracterís. Função Nível

Federal Estadual/Municipali Quem Director Leis federais Leis Estaduais

determina Ministério das Cidades IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduaisrequerimentos? Ministério da Saúde Cias. Estaduais de Saneamento

ANA Leis Orgânicas MunicipaisIBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais Administrações Municipais

ii Quem Director Ministério das Cidades Cias. Estaduais de Saneamentodetermina Ministério da Saúde Administrações Municipaiscomo se usa? ANA

ABNT - Ass. Bras. Normas TécnicasCEF - Caixa Econômica Federal

iii Quem decide Efector Ministério das Cidades Administrações Estaduaisinvestir? Ministério da Saúde Cias. Estaduais de SaneamentoQuem assegura Ministério da Integração Nacional Administrações Municipaissubsídios? ANA Operadores privados

CEF - Caixa Econômica Federal Bancos MultilateriasBancos Multilaterais

iv Fiscalização/ Corretor Ministério das Cidades Órgãos Reguladores Estaduaiscorreção Detector Ministério da Saúde Auto-regulação - Cias. Estaduais

ANA Órgãos Reguladores Municipaisv Resolução Corretor Ouvidoria da União Órgãos Reguladores Estaduais

de conflitos Detector Ministério Público/Tribunais Ouvidoria das Cias. EstaduaisOuvidoria dos EstadosÓrgãos Reguladores MunicipaisOuvidorias MunicipaisMinistérios Públicos/Tribunais

Quadro 24

Sistema de Aproveitamento - Saneamento / Desempenho Paraíba do Sul

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)i Efetividade 4 O uso da água é maximizado pelo Pequena porcentagem de satisfação às

setor usuário. Não há condicionantes demandas. Há muitas demandas insatisfeitasfísicos, geográficos ou institucionais por falta de acesso do usuário aos que limitam o acesso do(s) usuário(s) mananciais (limitações físicas, geográficas eà água ou ao(s) serviço(s) prestados institucionais).por esses(s) usuário(s).

ii Eficiência 2 Os custos para aproveitamento da São elevados os custos de manutenção eágua são mínimos. Não se verificam operação do aproveitamento. Existem perdasperdas físicas importantes (sistemas físicas na distribuição de água, havendohidráulicos/ naturais). Não há desperdícios e conflitos generalizados.conflitos entre usuários/clientes do É reduzido o quociente entre quantidade demesmo setor. É elevado o quociente água derivada e quantidade de água utilizada.entre quantidade de água derivada e quantidade de água utilizada.

iii Eqüidade 3 O uso da água do aproveitamento O uso da água do aproveitamento favorece social não privilegia classes específicas de grandes usuários, grupos políticos ou

usuários. Existem mecanismos de grupos econômicos específicos.acompanhamento, controle social e participação por parte dos usuários/clientes no aproveitamento.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 53

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)iv Qualidade 2 O setor usuário promove avaliação O setor usuário não promove avaliação dos

ambiental sistemática e periódica dos efeitos efeitos ambientais de suas atividades.ambientais de suas atividades. Há Não há procedimentos definidos para uso dacertificação ambiental ou água, reúso de efluentes e lançamento deprocedimentos definidos para uso da rejeitos. A legislação ambiental nãoágua, reúso de efluentes e é respeitada.lançamento de rejeitos.

v Participação 2 Há mecanismos que permitem a A administração do aproveitamento éparticipação dos usuários/clientes refratária à participação dos usuários/ na administração do aproveitamento. clientes. Não há instâncias administrativas Há instâncias a que podem recorrer de recorrência contra decisões doos usuários/ clientes contra decisões responsável pelo aproveitamento ou pelotomadas pelo responsável pelo setor usuário.aproveitamento ou setor usuário.

Quadro 25

Sistema de Aproveitamento - Geração de Energia / Regimes Paraíba do Sul

RegimesCaracterís. Função Nível

Federal Estadual/Municipali Quem Director Leis federais Leis Estaduais

determina Ministério das Cidades IBAMA/Órgãos Ambientais Estaduaisr e q u e r i m e n t o s ? Ministério da Saúde Cias. Estaduais de Saneamento

ANA Leis Orgânicas MunicipaisIBAMA/Órgãos Ambientais Estaduais Administrações Municipais

ii Quem Director Ministério das Cidades Cias. Estaduais de Saneamentodetermina Ministério da Saúde Administrações Municipaiscomo se usa? ANA

ABNT - Ass. Bras. Normas TécnicasCEF - Caixa Econômica Federal

iii Quem decide Efector Ministério das Cidades Administrações Estaduaisinvestir? Ministério da Saúde Cias. Estaduais de SaneamentoQuem assegura Ministério da Integração Nacional Administrações Municipaissubsídios? ANA Operadores privados

CEF - Caixa Econômica Federal Bancos MultilateriasBancos Multilaterais

iv Fiscalização/ Corretor Ministério das Cidades Órgãos Reguladores Estaduaiscorreção Detector Ministério da Saúde Auto-regulação - Cias. Estaduais

ANA Órgãos Reguladores Municipaisv Resolução Corretor Ouvidoria da União Órgãos Reguladores Estaduais

de conflitos Detector Ministério Público/Tribunais Ouvidoria das Cias. EstaduaisOuvidoria dos EstadosÓrgãos Reguladores MunicipaisOuvidorias MunicipaisMinistérios Públicos/Tribunais

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 54

Quadro 26

Sistema de Aproveitamento - Geração de Energia / Desempenho Paraíba do Sul

DesempenhoCritério Desempe

-nho global Maior Nota (5) Menor Nota (1)i Efetividade 4 O uso da água é maximizado pelo Pequena porcentagem de satisfação às

setor usuário. Não há condicionantes demandas. Há muitas demandas insatisfeitas físicos, geográficos ou institucionais por falta de acesso do usuário aosque limitam o acesso do usuário ao mananciais (limitações físicas, geográficas erecurso hídrico. institucionais).

ii Eficiência 4 Os custos para aproveitamento da São elevados os custos de manutenção eágua são mínimos. Não se verificam operação do aproveitamento. Existemperdas físicas importantes (sistemas perdas físicas na distribuição de água, hidráulicos/ naturais). Não há havendo desperdícios e conflitosconflitos entre usuários do mesmo generalizados. É reduzido o quociente entresetor. É elevado o quociente entre quantidade de água derivada e quantidadequantidade de água derivada e de água utilizada.quantidade de água utilizada.

iii Eqüidade 3 O uso da água do aproveitamento O uso da água do aproveitamento favorecesocial não privilegia classes específicas de grandes usuários, grupos políticos ou grupos

usuários. Existem mecanismos de econômicos específicos.acompanhamento, controle social e participação por parte dos usuários no aproveitamento.

iv Qualidade 3 O setor usuário promove avaliação O setor usuário não promove avaliação dos ambiental sistemática e periódica dos efeitos efeitos ambientais de suas atividades.

ambientais de suas atividades. Não há procedimentos definidos para usoHá certificação ambiental ou da água, reúso de efluentes e lançamentoprocedimentos definidos para uso da de rejeitos. A legislação ambiental não éágua, reúso de efluentes e respeitada.lançamento de rejeitos.

v Participação 2 Há mecanismos que permitem a A administração do aproveitamento éparticipação dos usuários na refratária à participação dos usuários/ administração do aproveitamento. clientes. Não há instâncias administrativasHá instâncias a que podem recorrer de recorrência contra decisões da os usuários/ clientes contra decisões administração do aproveitamento.tomadas pela administração do aproveitamento.

Antes de apresentar conclusões e respostas possíveispara as questões metodológicas propostas ao presenteestudo, é preciso sublinhar algumas ressalvas importan-tes, decorrentes das características próprias à imple-mentação do SINGRH no Brasil:

• A primeira diz respeito ao recente início de imple-mentação de um Sistema complexo, pautado pelaconstrução de consensos e de parcerias com a socie-dade civil, o que, por conseqüência, demandarálongo prazo esperado para a sua maturação. EsseSistema deverá apresentar estágios distintos deavanço e de sucesso em diferentes regiões e baciashidrográficas do Brasil, nos próximos anos.

• Sendo assim, algumas das indagações constantesdos Termos de Referência ainda não são aplicáveisao caso brasileiro, simplesmente por não terem sidoatingidos os estágios de implementação do Sistema.

• A segunda refere-se à ressalva de que a metodologiaproposta aos estudos, e mais especificamente, osindicadores de desempenho não são sempre apro-priados à opção conceitual e institucional adotadano Brasil, que separa a área de recursos hídricos dequestões institucionais do setor de saneamento, con-siderando a prestação de serviços de abastecimentode água potável e de coleta e tratamento de esgotoscomo um dos setores usuários das águas.

• Essa opção conceitual e institucional - que difere emmuito, por exemplo, da perspectiva adotada noReino Unido- implica na operacionalização de umnovo instrumento econômico, a cobrança pelo usoda água, que, somente em 2003, teve início efetivona bacia do Paraíba do Sul, ou seja, as informaçõesa respeito ainda são incipientes.

• Nesse sentido, não se pode confundir a cobrançaefetuada desde 1997 no Ceará, com base na tari-fação de serviços de reservação, adução e alocaçãode água bruta - portanto, praticamente similar àstarifas de serviços de saneamento ou de perímetrosirrigados, baseadas em contabilidades de custosincorridos -, com a precificação do recurso naturalágua, cuja base de cálculo é, por vezes, intangível enão envolve fluxos financeiros diretos.

• Com efeito, sabe-se que as metodologias de valo-ração dos recursos naturais (preços hedônicos,avaliações contingentes, custos evitados e outras)são muito sensíveis às hipóteses de trabalho ado-tadas e apresentam margens de variação bastante

significativas. De fato, é possível obter maior pre-cisão na avaliação de externalidades quando ofoco é constituído por um programa de inter-venção específico, em uma determinada baciahidrográfica, da qual se conhecem (ou se pesqui-sam) os dados e as informações necessárias paratais valorações, sempre permeadas por variáveiss u b j e t i v a s .

• Todavia, quando a intenção é proceder à avaliaçãoinstitucional de um Sistema de Gerenciamento, quetem jurisdição em todo território de uma Nação, nãoé trivial responder sobre quais os custos e os bene-fícios reais envolvidos.

Não obstante as ressalvas apresentadas, é possívelavançar em algumas das indagações propostas, confor-me se discute a seguir.

8.1 Impactos econômicos do SINGRH

É conhecida a contribuição da “água” para odesenvolvimento nacional?

Poder-se-ia melhorar a contribuição da “água”para a promoção do desenvolvimento nacional?Como?

Uma publicação recente do Banco Mundial23 con-tém, em seu Anexo I, algumas “Evidências sobre aRelevância Econômica das Externalidades Relacionadasaos Recursos Hídricos no Brasil”.

Essas evidências dizem respeito a problemas deco-rrentes do desempenho deficiente no gerenciamentodas águas no país, estando relacionados, por exemplo a:custos sociais impostos pela poluição de corpos hídri-cos (doenças de veiculação hídrica, gastos adicionaiscom tratamento das águas e outros); crise recente deracionamento de energia pela falta de disponibilidadehídrica em reservatórios; degradação de solos e perdasprovenientes de seu manejo inadequado; baixa eficiên-cia de sistemas de irrigação; cheias urbanas, em parti-cular na Regiões Metropolitanas; custos de oportunida-de associados à adoção do transporte fluvial; e,depressão de atividades pelas secas recorrentes noSemi-Árido brasileiro.

Em adição, o Banco Mundial acaba de finalizar estu-do sobre “As Externalidades Sociais Relacionadas àIrrigação no Semi-Árido do Brasil”, contendo números

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 55

8. CONCLUSÕES E POSSIVEIS RESPOSTAS PA R AQUESTÕES METODOLOGICAS

23 Lobato da Costa, Francisco José - Estratégias deGerenciamento dos Recursos Hídricos no Brasil: Áreas deCooperação com o Banco Mundial, Banco Mundial,abril/2003.

mais precisos de benefícios e custos envolvidos em pro-jetos de irrigação (estudos de caso) desenvolvidos a par-tir da década de 1970.

Estimativas dessa ordem, contudo, não são triviais erevestem-se de caráter extremamente genérico, servindopara conferir suporte ao setor em suas demandas pormaior atenção e espaço nas decisões envolvendo prio-ridades de governo.

Parece mais factível esperar que, no âmbito de cababacia hidrográfica, por ocasião da elaboração dos pla-nos de recursos hídricos, sejam efetuados estudos e ava-liações socioeconômicas mais específicas. É importanteconsiderar que avaliações mais sistemáticas sobre a“contribuição da água para o desenvolvimento nacio-nal” exigiriam esforços metodológicos importantes,além de informações sistematizadas, quase nunca dis-poníveis.

Quão eficiente é a prestação de serviços de mane-jo integrado da água?

Existem economias de escala ou de aglomeração?

No momento, a alocação de água entre os diversossetores e entre os usuários é feita mediante a outorga dedireitos de uso, concedida, em quase todos os casos, porordem de submissão de solicitação. Com o novo SistemaNacional, pretende-se que os comitês se constituamcomo espaços de negociação, respaldando socialmenteas decisões de alocação, com base em estudos previstosnos planos de bacia. Esse processo, no entanto, ainda nãose iniciou na maior parte das bacias brasileiras.

No Estado do Ceará, existe uma alocação mais efi-ciente das disponibilidades hídricas, com base em simu-lações de comportamento de curvas de cota-volume dosreservatórios e açudes. Essas curvas permitem a cons-trução de diferentes cenários, submetidos à negociaçãosocial com os usuários. Esse processo de alocação, social-mente respaldado, tende a ser reproduzido nos demaisestados do Semi-Árido brasileiro. No presente, todavia, aalocação a que se procede não conta com o subsídio deavaliações econômicas, que permitiriam considerar amaximização dos benefícios esperados.

Ainda, no Ceará, o sistema interligado de reservaçãoe adução de água a longa distância, em particular nadireção da Região Metropolitana de Fortaleza, caracte-riza economia de escala e de aglomeração. Outrosestados, a exemplo do Rio Grande do Norte, encon-tram-se a caminho de consolidar um estoque de infra-estrutura hidráulica em condições de assegurar econo-mias de escala similares.

No que concerne ao país como um todo, o sistemanacional de geração de hidroeletricidade constituiexemplo notável de economia de escala e de aglome-ração, dadas as interligações existentes entre os sistemasSul/Sudeste e Norte/Nordeste.

Avaliam-se as intervenções públicas, diretas e indi-retas, em termos dos benefícios e custos reais?

Avaliações dessa natureza são efetuadas por ocasiãode programas de investimento, notadamente quandoempréstimos internacionais estão envolvidos. Análisesmais simplificadas (capacidade de endividamento e decontrapartida dos tomadores) são empregadas pelas fon-tes tradicionais de financiamento interno, como a CaixaEconômica Federal e o BNDES.

Avaliações de benefícios econômicos associadosaos usos dos recursos hídricos envolvem questões meto-dológicas não triviais. Deve-se atentar, também, queaqui não se estão considerando avaliações de investi-mentos específicos ao setor saneamento ou ao setor irri-gação, que são mais comumente realizadas.

Arrecadam-se fundos suficientes para o manejoadequado dos recursos hídricos?

À exceção das receitas tarifárias próprias aos setoresusuários (geração de energia, saneamento, irrigação), aárea de recursos hídricos no Brasil sempre foi financia-da a partir de receitas gerais do Estado. O novo modelopretende constituir uma fonte própria de receita basea-da na cobrança pelo uso da água e lançamento deefluentes.

Estudos preliminares, no entanto, sinalizam que arecuperação integral de custos das intervenções previs-tas nos Planos dificilmente será alcançada pelos valoresda cobrança pelo uso da água e lançamento de efluen-tes. As estimativas atuais apontam um percentual próxi-mo a 35% da demanda de investimentos como índicefactível de financiamento via cobrança. A implemen-tação dos Planos pressupõe investimentos a serem assu-midos pelos próprios setores usuários, como tambémaporte de recursos públicos orçamentários.

O sistema de arrecadação é uma ferramenta paratornar o uso mais eficiente?

A resposta é positiva. Houve casos em que a meranotícia de início de arrecadação da cobrança pelo usoda água, ainda em início de implementação, motivouinvestimentos do setor privado no sentido de reduzircaptações, racionalizar consumos e mitigar as descargasresiduais.

No que concerne ao setor saneamento, caracterizadocomo um monopólio natural, cabe estabelecer a adequa-da coordenação regulatória, de modo a evitar que ospreços da cobrança sejam simplesmente repassados aosconsumidores finais, notadamente nos casos de sistemascom perdas físicas acima de índices razoáveis.

Tem o Sistema ferramentas para realocar águasmelhorando a produtividade de uso com baixos custosde transação?

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 56

Uma experiência desse tipo no Brasil foi exercitadarecentemente no Ceará, quando cultivos de maior valoragregado se comprometeram a remunerar financeira-mente agricultores de subsistência, em troca de dispo-nibilidades hídricas em período de escassez. A expe-riência, julgada como bem sucedida, deverá ser repeti-da e aperfeiçoada, além de ser aplicada em outros esta-dos e áreas do país.

Tem os usuários incentivos para melhorar a eficiên-cia econômica do emprego da água?

A implementação da cobrança pelo uso da águadeverá constituir o principal incentivo econômico paramelhor emprego dos recursos hídricos.

Em que direção evolui o Sistema, em termos dedesenvolvimento econômico? Por que?

Com o início da cobrança pelo uso da água na baciado rio Paraíba do Sul e com a difusão do sistema doCeará pelos demais estados do Semi-Árido brasileiro,pode-se esperar que o SINGRH caminhe no sentido derelativa sustentabilidade financeira. Não se espera plenaautonomia de recursos fiscais, na medida em que asexternalidades negativas acumuladas, em particular opassivo ambiental do setor de saneamento, demandaminvestimentos significativos.

Todavia, vencido o passivo ambiental, em uma pers-pectiva de longo prazo (acima de 20 anos), é possívelque os comitês e agências de bacia hidrográfica operemseus planos de recursos hídricos com certa autonomia.

8.2 Impactos sociais do sistema

Há monopolização na apropriaçãodos recursoshídricos? A quem favorece?

Até o início dos anos 1990, o setor elétrico exerciadomínio na utilização dos recursos hídricos sob tutelada União, sendo responsável pela concessão de outor-gas. O novo sistema institucional altera esse quadro, eli-minado a dependência da gestão das águas no Brasil asetores usuários.

Existe sistema de resolução de conflitos acessível atodos os usuários?

Sim. A organização prevista para os conselhos(nacional e estaduais), comitês e agências de bacia per-mitirá o acesso de todos os setores usuários às decisõesde alocação das disponibilidades hídricas. Contudo, épreciso considerar que o peso institucional dos setoresainda dependerá, em alguma medida, de sua própriacapacidade de articulação e de organização de suasdemandas.

Existem subsídios cruzados entre distintos gruposde usuários? A quem favorece?

Existem subsídios em favor da pobreza? São efeti-vos?

As respostas a essas questões ainda não estão com-plemente estabelecidas. Todavia, é razoável esperar queos setores que agregam mais valor à água paguempreços unitários superiores àqueles com maior interessesocial (as indústrias poderão subsidiar serviços de sane-amento urbano), tal como já ocorre com os preços uni-tários praticados no Ceará.

Nesse caso, o favorecimento será dirigido aos usuá-rios de pequenos volumes, tanto em razão de menorespreços unitários, quanto pela eventual isenção dessesda cobrança pelo uso da água (a isenção decorrerá desua classificação como usos insignificantes).

Ainda a esse propósito, cabe mencionar o caso dalegislação do Paraná, que estabelece isenção para cap-tações destinadas à produção agropecuária, como umaforma de estabelecer subsídio a esse setor.

Que grupos socioeconômicos são mais beneficia-dos pelo Sistema?

Em princípio, a arquitetura institucional e o proces-so decisório previsto no SINGRH propiciam um equilí-brio de poder entre grupos de usuários no âmbito doSistema. Somente a experiência, contudo, poderá com-provar a efetividade do Sistema quanto a problemas decapturas e favorecimentos específicos.

Que grupos se encontram marginalizados?Existem mecanismos de participação? São abertos ou

restritos, seja em termos de usuários ou de ingressos?

Em princípio, o SINGRH contempla a participaçãode todos. Cabe notar, no entanto, que os setores que tra-dicionalmente contam com níveis mais elevados deorganização ou de maior expressão econômica tendema ocupar espaços estratégicos de conselhos, comitês eagências de bacia, fazendo valer suas posições.

É da competência do setor público (MMA/SRH,ANA e correlatos nos estados) promover a capacitaçãoe a mobilização dos demais segmentos, em particularde organizações da sociedade civil, para fins de eqüi-dade da representação junto ao SINGRH.

Cabe notar que os planos de bacia devem contem-plar o desenvolvimento de programas específicos decapacitação e de educação, para os quais deverão serfranqueados espaços para a participação dos segmentossociais menos capacitados para a gestão integrada derecursos hídricos.

Existem grupos de influência privilegiada? Como seexteriorizam?

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 57

No atual estágio de implementação do SINGRH, osgrupos que predominam são aqueles dotados de maioresníveis de informação, com ordenamento institucional jáconsolidado ou com maior possibilidade de mobilizaçãode recursos e competência. Pode-se citar, dentre eles, ogrupo da geração de energia e o segmento industrial,ambos dotados de organização de âmbito nacional e comcapacidade ponderável de mobilização de recursos.

Muitas vezes, esses setores fazem valer a represen-tação de seus interesses junto ao Legislativo Federal,interpondo, sempre que possível, emendas na regula-mentação do SINGRH ou exercendo pressões junto aosórgãos públicos responsáveis pela gestão. Decorre daí aimportância de assegurar à coordenação do Sistema aindispensável independência decisória, a partir demedidas como, por exemplo, a estabilidade do quadrode diretores da ANA.

Em que direção evolui o SINGRH em termos deeqüidade social? Porque?

Somente a dinâmica de funcionamento do Sistema,por ocasião dos processos decisórios em conselhos,comitês e agências de bacia, poderá comprovar se aarquitetura proposta para o SINGRH alcançará muito oupouco êxito quanto à eqüidade social necessária àgestão das águas no Brasil.

No momento, cabe assumir uma perspectiva positi-va quanto a essa questão, na medida do elevado grau departicipação e descentralização decisória previstos pelaarquitetura institucional do Sistema.

8.3 Impactos ambientais do sistema

Existem externalidades ambientais? São positivasou negativas?

Existem externalidades ambientais, não somentedecorrentes dos processos de alocação específica ausuários de recursos hídricos, como de resto, pela utili-zação da água pelos diversos setores usuários. Para osaneamento, por exemplo, cabe referência ao enormepassivo ambiental dos esgotos lançados in natura, cujoequacionamento exige doses maciças de investimento.

Conforme já citado, publicação recente do BancoMundial24 contém, em seu Anexo I, algumas “Evidênciassobre a Relevância Econômica das ExternalidadesRelacionadas aos Recursos Hídricos no Brasil”.

Mais do que a identificação, a quantificação dasexternalidades ambientais exige esforços metodológicosnão triviais, além de pesquisa de dados e informações,nem sempre disponíveis.

Quais são as externalidades irreversíveis já produ-zidas?

As principais externalidades negativas associadasaos recursos hídricos no Brasil estão relacionadas àscaracterísticas do processo de urbanização experi-mentado pelo país. Com efeito, a rede urbana apre-senta elevado grau de concentração (taxa de urbani-zação de 81%, chegando a mais de 90% na regiãoSudeste), com as regiões metropolitanas reunindomais de 50% da população residente nas cidades bra-sileiras. Nesse processo, as famílias de menor rendaforam relegadas a ocupar fundos de vale, áreas derisco e encostas, sem que houvesse a contrapartida daadequada infra-estrutura sanitária. Em decorrência, émuito elevado o passivo ambiental urbano, comreversão possível somente à custa de vultuosasinversões continuadas, em horizonte de, no mínimo,20 a 30 anos.

Há situações, contudo, em que o comprometimentoda qualidade de água de mananciais pode ser conside-rado definitivo, em particular quando se refere ao esgo-tamento ou à poluição de aqüíferos subterrâneos. Ascidades de Recife e, mesmo, São Paulo, são exemplosdesse caso.

É sustentável o manejo dos recursos hídricos?Porque?

Existe um marco institucional (formal e informal)que assegure o manejo sustentável? Porque?

O objetivo maior do novo Sistema Institucional,objeto da Lei Nacional nº 9.433/97, complementadapela Lei nº 9.984/2000, é o manejo sustentável dosrecursos hídricos, em seus aspectos ecológicos, econô-micos e de eqüidade social. As condições objetivas desustentabilidade, todavia, somente serão conferidaspelo funcionamento efetivo do Sistema, em cada baciahidrográfica específica.

Em que direção evolui o Sistema? Porque?

O SINGRH está em pleno processo de implemen-tação. A Lei Nacional existe há pouco mais de seis anos.A Agência Nacional de Águas foi instalada somente apartir de janeiro de 2001. Cabe aguardar os resultadosdo processo, os quais, muito provavelmente, não serãouniformes.

REGIMES APLICADOS À GESTÃO DAS ÁGUAS NO BRASIL (CONVERGÊNCIA NA DIVERSIDADE) Página 58

24 Lobato da Costa, Francisco José - Estratégias deGerenciamento dos Recursos Hídricos no Brasil: Áreas deCooperação com o Banco Mundial, Banco Mundial,abril/2003.