reforma política deve escapar do maniqueísmo fácil
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Reforma política deve escapar domaniqueísmo fácilPor Fernando Limongi
Dilma reabriu o debate sobre a reforma eleitoral. Na noite de sua vitória, Dilma
afirmou que esta será uma das prioridades de seu governo. Nada mais paradoxal: os
vencedores não estão contentes com as regras do jogo eleitoral. Mas o fato é que
ninguém está. Não é exagero afirmar que a bandeira da reforma eleitoral une todas as
correntes políticas, do PT ao PSDB, passando pela coalizão PSB-Rede e boa parte da
opinião pública. Poucos discordam: a reforma política é urgente e necessária.
Porque baseada em uma convicção forte, arraigada e longeva, a defesa da reformadispensa referências a medidas concretas. Dilma, por exemplo, não disse nada sobre o
conteúdo da reforma. É assim com todos que a defendem, Aécio e Marina incluídos. Ao
longo de suas campanhas ambos não foram além de referências vagas ao tema. O
tucano falou em abolir a reeleição para a presidência, mas quando forçado a dizer
quando ela seria aplicada, saiu pela tangente. Marina se enredou na sua defesa da nova
política, sem apresentar medidas concretas.
O que se defende não é uma mudança qualquer. O que se defende é mais do que um
simples aprimoramento deste ou daquele aspecto. Por isto mesmo, é desnecessário
especificá-la. A reforma política, precedida de artigo definido e com grifo, tem que ser
algo profundo, radical. Trata-se, diz-se amiúde, sem se dar conta do mau gosto da
expressão, da mãe de todas as reformas. As expectativas depositadas nesta tal de
reforma política não são pequenas.
Construída desta forma, a campanha ganhou um estatuto mítico. A reforma eleitoral
virou uma entidade ou coisa do gênero. Mas não passa de um mote: é preciso mudar
porque muita coisa está errada. Obviamente, ninguém pode ser contra uma reforma
capaz de nos livrar de todo os males, amém. Quem não quer ficar mais próximo do
paraíso?
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O debates sobre reforma eleitoral têm sido marcados por sua ambiguidade. E é
justamente esta ambiguidade que lhe confere vitalidade e longevidade. O apelo em
favor das reformas é sempre renovado. Sarney, Collor, Fernando Henrique, Lula e
Dilma a defenderam. PT a defendeu quando na oposição e no governo. O mesmo se deu
com o PSDB. Mas as razões para defendê-la e os objetivos perseguidos nunca foram osmesmos. O rótulo permanece, assim como as expectativas. Há algo, portanto, no termo,
na retórica da reforma política, que lhe garante sucesso.
Todos que a defendem recorrem ao mesmo argumento: a contraposição entre a
realidade e o esperado, entre uma vontade popular corrompida, produzida sob a
operação das regras vigentes e a verdadeira vontade, aquela que seria observada se
estas distorções fossem eliminadas. Como o argumento é invariante, como todos
arrolam evidências para confirmar os defeitos da realidade política, estas vão se
acumulando, sedimentando o teor e a veracidade da denúncia. Todos acreditam
piamente que está tudo errado porque todos afirmam o mesmo.
Eleições têm este caráter mágico. Permitem que todos projetem suas expectativas, que
cada um imagine quais seriam seus resultados caso fossem disputadas como deveriam.
Mais que isto, eleições permitem que estas expectativas sejam contraditórias, que se
queira, ao mesmo tempo, que elas garantam que sejamos governados pelos mais
capazes e por iguais. Como afirma Bernard Manin, eleições, como Janus, têm duas
faces, uma aristocrática e a outra democrática. Esta ambiguidade lhe confere uma força
incomum.
A retórica da reforma política retira sua força destas expectativas inconciliáveis. Todos
a defendem porque acreditam que serão os ganhadores se as distorções vigentes forem
eliminadas. Todos raciocinam da mesma forma: meus adversários foram eleitos porque
beneficiados por meios escusos e corruptos. Se não todos, pelo menos uma parte dos
eleitos não atende os critério mínimo para ocupar postos de representação, quer porque
não reúnem as qualidades necessárias para o exercício de seus cargos, quer por não
serem suficientemente identificados com aqueles que o elegeram.
Cada um acredita ter a fórmula mágica que, se adotada, garantiria a expressão da
verdadeira vontade popular, isto é, daquela em que a representação nacional se veria
livre daqueles que, no entender do analista, não deveriam ter obtido o apoio popular.
Se escaparmos deste tipo de raciocínio, concluiremos que não existe a reforma política.
Existem reformas políticas, no plural. Na realidade, pensar em termos de reforma
política já contém um certo exagero, posto que se assume que existiria um conjunto de
medidas logicamente encadeadas que, se adotadas, trariam consigo uma alteração
radical da realidade política, alterando comportamentos e estratégias. As modificações
possíveis têm alcance bem mais limitado e pedestre. Não que sejam inócuas e
destituídas de sentido. Não são. Mas é necessário reconhecer que toda e qualquer
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modificação da legislação eleitoral produzirá ganhadores e perdedores, contentará uns
e descontentará outros.
Não há soluções fáceis nem modelo a ser copiado. Não é exagerado afirmar que não
existe país no mundo satisfeito com suas leis eleitorais. O paradoxal é que, muitas
vezes, o país A vê B como seu modelo, enquanto B quer caminhar na direção de A. É
meio como aquele famoso poema de Drummond sobre quem amava quem. Por algum
tempo, o Banco Mundial vendeu a ideia de que a representação proporcional com lista
aberta era o melhor modelo, o mais propício para impedir a corrupção. Pois é, por um
tempo, o Banco Mundial amava o Brasil e queria que todos copiassem o nosso modelo.
Nenhuma das discussões em curso, como o financiamento público das campanhas,
representa uma novidade. Não foram poucas as reformas políticas feitas ao longo da
história brasileira. Aliás, o Brasil, ao contrário do que se pensa, sempre esteve na
vanguarda das inovações no que tange a legislação eleitoral. Por exemplo, o Brasil foium dos primeiros países do mundo a passar o controle do processo eleitoral à Justiça
Eleitoral.
Quem conhece a história das reformas eleitorais sabe que nenhum dos problemas de
fundo comporta solução fácil. Tome-se como exemplo a criação do Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral, que data dos anos sessenta, cujo objetivo era neutralizar a
influência do poder econômico nas eleições. O acesso franqueado à TV gera novas
necessidades. Os programas precisam ser produzidos e isto custa dinheiro.
Paradoxalmente, porque partidos têm garantido amplo e livre acesso à TV, ascampanhas brasileiras se tornaram extremamente caras.
Este é apenas um exemplo. Vários outros poderiam ser citados. O essencial é ter claro
que não há panaceia ou solução definitiva. Insistir na defesa de uma reforma sem
conteúdo e objetivos pouco contribui. Fugir do maniqueísmo fácil e um pouco de
realismo seria um bom começo.
Fernando Limongi é professor de ciências políticas na Universidade de São
Paulo e pesquisador do Cebrap
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