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Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística Edição Temática em Sustentabilidade Vol. 4 no 2 - Agosto de 2014, São Paulo: Centro Universitário Senac ISSN 2179474 X © 2014 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte portal de revistas científicas do Centro Universitário Senac: http://www.revistas.sp.senac.br e-mail: [email protected] Reflexos Sociais da Atuação de Espaços Participativos: o Caso do Conselho da Cidadania de Belterra-PA Social Reflections of the Action of Participatory Spaces: the Case of Citizenship Council from Belterra - PA Gabriela Torquato Fernandez, Manuela Lourenço do Amaral Malheiros, Patrícia Thomé de Souza Prette, Graziela Azevedo Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas – EAESP-FGV Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas – GVCES [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] Resumo. O presente artigo tem o objetivo de compreender “se e como o desenho institucional de espaços participativos reflete em seu poder de atuação na sociedade” a partir do estudo de caso sobre o Conselho da Cidadania de Belterra, no estado do Pará, buscando analisar a contribuição do formato institucional desse espaço participativo para o empoderamento da população. Para tanto, foi realizada breve revisão bibliográfica, além da coleta de dados primários e secundários. O Conselho da Cidadania pode ser avaliado como um importante espaço participativo da região, construído com a função de ser um espaço de deliberação, por meio do qual a população pode ter a oportunidade de participar da vida pública. O engajamento dos cidadãos surge como potencial instrumento para que o governo possa trabalhar de forma mais democrática, visando à melhoria da qualidade de vida, já que parte das questões públicas surge a partir da demanda da própria população. Palavras-chave: Conselho da Cidadania, participação, empoderamento, deliberação, espaços participativos, desenho institucional, mini-público. Abstract. This paper aims to understand "whether and how the institutional design of participatory spaces reflects in its power to act through society" from the case study of the Citizenship Council of Belterra, Pará State, investigating the contribution of the institutional format of this participatory space for the empowerment of the population. In this sense, a brief literature review was performed, in addition to collecting primary and secondary data. The Citizenship Council can be evaluated as an important public space in the region, built with the function of being a space of deliberation, whereby the population may have the opportunity to participate in public life. The citizen engagement emerges as a potential instrument for the government to work more democratically, aiming to improve the quality of life, as part of public affairs arises from the demands of the population. Key words: Council of Citizenship, participation, empowerment, deliberation, participation spaces, institutional design, mini-public.

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Artigo publicado na Revista Iniciação - edição temática em Sustentabilidade Vol. 4, nº2, Ano 2014 Publicação Científica do Centro Universitário Senac - ISSN 2179-474X Acesse a edição na íntegra! http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistainiciacao/?page_id=13 Autores: Gabriela Torquato Fernandez, Manuela Lourenço do Amaral Malheiros, Patrícia Thomé de Souza Prette e Graziela Azevedo Resumo. O presente artigo tem o objetivo de compreender “se e como o desenho institucional de espaços participativos reflete em seu poder de atuação na sociedade” a partir do estudo de caso sobre o Conselho da Cidadania de Belterra, no estado do Pará, buscando analisar a contribuição do formato institucional desse espaço participativo para o empoderamento da população. Para tanto, foi realizada breve revisão bibliográfica, além da coleta de dados primários e secundários. O Conselho da Cidadania pode ser avaliado como um importante espaço participativo da região, construído com a função de ser um espaço de deliberação, por meio do qual a população pode ter a oportunidade de participar da vida pública. O engajamento dos cidadãos surge como potencial instrumento para que o governo possa trabalhar de forma mais democrática, visando à melhoria da qualidade de vida, já que parte das questões públicas surge a partir da demanda da própria população. Palavras-chave: Conselho da Cidadania, participação, empoderamento, deliberação, espaços participativos, desenho institucional, mini-público.

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Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística Edição Temática em Sustentabilidade Vol. 4 no 2 - Agosto de 2014, São Paulo: Centro Universitário Senac ISSN 2179474 X © 2014 todos os direitos reservados - reprodução total ou parcial permitida, desde que citada a fonte portal de revistas científicas do Centro Universitário Senac: http://www.revistas.sp.senac.br e-mail: [email protected]

Reflexos Sociais da Atuação de Espaços Participativos: o Caso do

Conselho da Cidadania de Belterra-PA

Social Reflections of the Action of Participatory Spaces: the Case of

Citizenship Council from Belterra - PA

Gabriela Torquato Fernandez, Manuela Lourenço do Amaral Malheiros, Patrícia Thomé de Souza Prette, Graziela Azevedo

Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas – EAESP-FGV

Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas – GVCES

[email protected], [email protected], [email protected],

[email protected]

Resumo. O presente artigo tem o objetivo de compreender “se e como o desenho

institucional de espaços participativos reflete em seu poder de atuação na sociedade”

a partir do estudo de caso sobre o Conselho da Cidadania de Belterra, no estado do

Pará, buscando analisar a contribuição do formato institucional desse espaço

participativo para o empoderamento da população. Para tanto, foi realizada breve

revisão bibliográfica, além da coleta de dados primários e secundários. O Conselho da

Cidadania pode ser avaliado como um importante espaço participativo da região,

construído com a função de ser um espaço de deliberação, por meio do qual a

população pode ter a oportunidade de participar da vida pública. O engajamento dos

cidadãos surge como potencial instrumento para que o governo possa trabalhar de

forma mais democrática, visando à melhoria da qualidade de vida, já que parte das

questões públicas surge a partir da demanda da própria população.

Palavras-chave: Conselho da Cidadania, participação, empoderamento, deliberação,

espaços participativos, desenho institucional, mini-público.

Abstract. This paper aims to understand "whether and how the institutional design of

participatory spaces reflects in its power to act through society" from the case study

of the Citizenship Council of Belterra, Pará State, investigating the contribution of the

institutional format of this participatory space for the empowerment of the population.

In this sense, a brief literature review was performed, in addition to collecting primary

and secondary data. The Citizenship Council can be evaluated as an important public

space in the region, built with the function of being a space of deliberation, whereby

the population may have the opportunity to participate in public life. The citizen

engagement emerges as a potential instrument for the government to work more

democratically, aiming to improve the quality of life, as part of public affairs arises

from the demands of the population.

Key words: Council of Citizenship, participation, empowerment, deliberation,

participation spaces, institutional design, mini-public.

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1. Introdução

Ao longo da história da região Norte do Brasil, aspectos como o crescimento

demográfico, a estrutura fundiária e, principalmente, as próprias características e

desafios da vida cotidiana das populações que vivem em locais de intensa relação com

a floresta, muitas vezes isoladas ou com difícil acesso à infraestrutura de centros

urbanos, estimularam o surgimento de conflitos envolvendo questões sociais

relacionadas à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Isso fez com que estes

passassem a se organizar em associações, comunidades e grupos que representassem

os interesses de pessoas com pensamentos, condições ou sonhos em comum. A partir

disso, floresce um posicionamento perante o governo e a sociedade e, com o

desenvolvimento dessa estrutura de representação, criaram-se espaços de

participação, em que um grupo é capaz de ser ouvido e lutar para o atendimento de

suas necessidades, contribuindo, por fim, para o desenvolvimento local,

empoderamento e participação social, conceitos discutidos ao longo do presente

trabalho.

Localizada a oeste do estado do Pará, ao Norte do Brasil, Belterra conta, de acordo com

o censo 2010, com 16.318 habitantes – com população estimada para 2013 de 16.808

-, com uma área municipal delimitada em 4.398km², a qual se distingue em área rural

(90%) e área urbana (10%). A área rural divide-se em FLONA (Floresta Nacional do

Tapajós – 70%), Área de Preservação Ambiental do Aramanai (APA - 10%) e uma última

área rural, fora das áreas de preservação (trecho da BR – 163 – 10%). Ainda prevalece

sobre a região o controle de terras por parte de poucos habitantes (30% da área sob o

comando de 25 famílias), explorando, principalmente aspectos agropecuários. A

principal atividade comercial da região é a agricultura, acompanhada da pecuária e

práticas extrativistas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007; IBGE, 2010).

Observa-se, a partir desta breve descrição, a peculiaridade apresentada pelo município

de Belterra em relação às características amazônicas, inseparáveis de sua formação

particularmente urbana e rural concomitantes. Em casos como este, muitas vezes a

definição do que é um meio urbano em comparação com um meio majoritariamente

rural pode não ser tão esclarecido, assim como Abramovay observa:

O acesso a infraestruturas e serviços básicos e um mínimo de

adensamento são suficientes para que a população se torne

“urbana”. Com isso, o meio rural corresponde aos remanescentes

ainda não atingidos pelas cidades e sua emancipação social passa

a ser vista — de maneira distorcida — como “urbanização do

campo” (ABRAMOVAY, 2000, p. 2).

A região de Belterra demonstra características urbanas mais centralizadas em

determinada área do município, margeando a avenida principal da cidade, sendo que,

ao se afastar desta, predomina o aspecto rural, com estradas de terra, campos

(desmatados, muitas vezes, para o cultivo da soja) e floresta amazônica. Muitas famílias

vivem às margens do Rio Tapajós, compondo comunidades ribeirinhas que ainda estão

sob a jurisdição municipal de Belterra, assim como aquelas que estabeleceram moradias

às margens da BR-163. Observa-se então a influência de grandes distâncias que se

formaram ao longo da história do município a partir de sua delimitação geográfica,

caracterizando um território distinto:

Ao aliar grandes distâncias geográficas, significativas

dificuldades de locomoção das pessoas e frágeis desempenhos

de políticas públicas e iniciativas do governo local, muitas regiões

amazônicas se caracterizam pelo que se denomina aqui por

“território esfacelado”. (AZEVEDO, 2012, p. 40)

Como ferramenta para que o município de Belterra não se tornasse um “território

esfacelado”, completamente influenciado pelas distâncias, falta de informação e acesso

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às pessoas que ali viviam e vivem, surge o Plano Diretor de 2007 e a consequente

criação do Conselho da Cidadania, de forma que a população obtivesse uma alternativa

para que suas opiniões e críticas pudessem ser ouvidas de alguma forma,

caracterizando uma participação social potencialmente mais ativa.

A forma como a história regional impactou na organização da população local, bem

como o cenário amazônico em que vivem, devem ser considerados no contexto deste

trabalho, visto que desde então, as pessoas carregam em si a herança da cultura local

e seus costumes – aspectos relevantes na organização social dos dias de hoje. Dessa

forma, percebe-se que a cultura pode servir como uma vertente de análise muito

importante para a compreensão das atitudes dos cidadãos e sua capacidade de

organização e preocupação com a vida social como um todo, capazes de pensar, na

maioria das vezes, não só em si mesmos, mas em sua família e nos grupos aos quais

pertencem. Muitas de suas atitudes e desejos em relação ao âmbito social são

consequências do cenário em que viveram e continuam a viver, sendo o

desenvolvimento local um produto almejado que encontrou no plano diretor municipal

de 2007 uma oportunidade de ser mais especificamente trabalhado.

Considerado por diversos autores como parte relevante e, por alguns autores, até como

quase sinônimo da tão almejada sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, o

desenvolvimento local se baseia na valorização e melhoria das relações em nível local,

tomando a perspectiva de que estes impactos positivos no micro são o caminho para

alcançar grandes avanços em termos de desenvolvimento da sociedade como um todo,

considerando aspectos sociais, econômicos e ambientais. E tal olhar para o local vem

acompanhado de maior preocupação em oportunizar situações de participação,

articulação e engajamento da sociedade para o empoderamento de grupos, como no

caso do surgimento de Conselhos.

Estes espaços participativos podem ser construídos com a função de deliberação, por

meio do qual as pessoas podem ter a oportunidade de participar da vida pública,

defendendo os interesses do grupo que representam. O engajamento dos cidadãos

surge, assim, como potencial instrumento para que o governo possa trabalhar de forma

mais democrática, ressoando questões públicas que surgem a partir da demanda da

própria população.

É a partir desse cenário que o presente artigo se fundamenta, com o objetivo geral de

pesquisar, analisar e compreender como questão de pesquisa: “se e como o desenho

institucional de espaços participativos reflete em seu poder de atuação na sociedade”.

Para tanto, o trabalho aborda o caso do Conselho da Cidadania de Belterra, no estado

do Pará, buscando analisar a contribuição do formato institucional desse espaço

participativo para o empoderamento da população. Em 2007, Belterra foi premiada com

o selo Cidade Cidadã, conferido pela Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara

dos Deputados, em razão de ter sido um dos municípios com melhor experiência na

elaboração participativa de seu Plano Diretor (MINISTÉRIO DA CIDADE, 2007), situação

em que o Conselho da Cidadania exerceu papel central. Apesar de considerado

importante tema de pesquisa, o julgamento sobre o real impacto e efetividade do

Conselho extrapola os limites deste trabalho e não será, portanto, discutido.

O conteúdo do trabalho está estruturado em cinco seções além desta introdução. A

próxima seção trata de uma breve revisão bibliográfica acerca do referencial teórico

relacionado à pesquisa, que é seguida por uma seção que apresenta a metodologia

utilizada no preparo, coleta e análise dos dados de pesquisa. A quarta seção relata

aspectos relevantes sobre o objeto de estudo, o Conselho da Cidadania de Belterra,

enquanto a quinta seção traz considerações sobre esse Conselho à luz da pergunta de

pesquisa e das contribuições teóricas de Archon Fung acerca das escolhas de desenho

institucional de mini-públicos. Por fim, a última seção relata as principais reflexões e

considerações finais sobre a pesquisa.

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2. Referencial teórico

Tanto no âmbito do escopo do tema da pesquisa em sustentabilidade a respeito da

“participação social para o empoderamento”, como principalmente, da pergunta mais

específica referente à constituição, atuação e contribuição do Conselho da Cidadania de

Belterra para o empoderamento da população local, percebem-se três conceitos

principais a serem compreendidos para este artigo: participação, empoderamento e

desenvolvimento local. É acerca de tais temas que a breve revisão bibliográfica a seguir

é apresentada.

No que tange à participação civil, consideram-se fundamental as contribuições de Pedro

Roberto Jacobi, tido como referência ao se tratar de assuntos relacionados à

sustentabilidade, ciências sociais e conciliação entre o poder público e populações de

determinados locais. Em sua obra “Reflexões sobre as possibilidades de inovação na

relação poder público-sociedade civil no Brasil”, Jacobi relaciona a ampliação da

cidadania ativa e a atuação dos órgãos públicos brasileiros, analisando como poderia

ser e como são, de fato, a relação entre esses dois atores políticos. Reflete-se sobre as

práticas participativas, as quais podem funcionar como ferramentas para se atingir uma

nova qualidade de cidadania, abrindo desde a gestão pública à participação da

sociedade civil como forma de controlar e fiscalizar as ações do Estado, além de poder

se revelar como força indutora de novas políticas sociais (JACOBI, 2001).

Observa-se, em sua obra, a expansão do associativismo civil a partir de duas origens

principais: crises econômicas e a perplexidade causada pela institucionalização, sendo

cada vez mais comum observar sua existência, principalmente, em municípios

brasileiros mais restritos e de menor porte, onde uma organização populacional é,

teoricamente, mais simples. Entretanto, atualmente, percebe-se um déficit de

participação civil somado à volatilidade eleitoral, fazendo com que a organização de

associações para a defesa de uma determinada causa seja, muitas vezes, desacreditada

e desestimulada (JACOBI, 2001).

Segundo o autor, a população é quem cria as condições para influenciar a dinâmica de

funcionamento de um órgão do Estado, garantindo, desta forma, a participação das

diferenças e uma “estatização da sociedade” (ou “socialização do Estado”), visando,

mesmo que indiretamente, uma atualização dos princípios ético-políticos da

democracia. A cidadania deve ser um dos fatores pelo qual lutam as organizações,

buscando construir as identidades dos sujeitos sociais, a constitucionalização dos

contextos em que vivem, mostrando e atendendo às necessidades expressas por seus

componentes, podendo até mesmo, redefinir gestões públicas. Deve haver ainda, uma

motivação social concreta, baseada em uma institucionalização da relação

Estado/Sociedade, capaz de questionar o status quo, fiscalizar, controlar e sugerir

mudanças na administração pública (JACOBI, 2001).

Em suma, o autor demonstra que a participação social corresponde a um processo

contínuo de democratização da vida municipal, isto é, de redefinição entre o público e

o privado, por meio da redistribuição do poder em favor dos sujeitos sociais que

geralmente não têm acesso, de modo a favorecer a equanimidade social. Portanto, a

participação civil permite aumento da possibilidade de representar a pluralidade de

interesses da sociedade e favorecimento da qualidade e equidade das políticas públicas

(JACOBI, 2001).

De modo complementar ao conceito de participação civil, a antropologia moderna muito

tem estudado a respeito do empoderamento, do termo em inglês empowerment. Para

Maria Da Glória Gohn (2004), a mobilização da sociedade civil na esfera pública torna

a comunidade “protagonista de sua própria história”. Segundo a autora, “o local gera

capital social quando gera autoconfiança nos indivíduos de uma localidade, para que

superem suas dificuldades. Gera, junto com a solidariedade, coesão social, forças

emancipatórias, fontes para mudanças e transformação social” (GOHN, 2004, p.24).

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Já Laverack e Wallerstein (2001), outros estudiosos do empoderamento, afirmam que

o empowerment é mais bem concebido e avaliado como um processo contínuo, com os

participantes passando do nível de fortalecimento pessoal ao desenvolvimento de

pequenos grupos de apoio, de organizações comunitárias, parcerias e finalmente à ação

política. Isto é, o empoderamento se caracteriza por um processo no qual as pessoas

vão além da participação, resultando em influências nas decisões públicas por meio de

deliberações, como apresentado por Archon Fung (LAVERACK; WALLERSTEIN, 2001;

FUNG, 2003).

Assim, para o empoderamento é preciso haver o exercício da deliberação através de

associações que, segundo Francisco Oliveira, têm como função negociar com o governo.

As associações criam dessa forma espaços participativos, como um “sistema paralelo,

parapolítico, que aglutina mais que os partidos políticos e a partir do qual se estrutura

ação política” (OLIVEIRA, 1990, p. 55).

Estes “novos espaços participativos” (CORNWALL; COELHO, 2004), segundo Vera

Schattan P. Coelho e Andrea Cornwall (2007, p.1):

Também são, em muitos aspectos, espaços intermediários,

condutores para negociação, informação e intercâmbio. Podem

ser providos por ou para o Estado, apoiado em configurações por

meio de garantias legais ou constitucionais e considerado por

atores estatais como o espaço em que os cidadãos e seus

representantes são convidados a participar. No entanto, eles

também podem ser vistos como espaços conquistados por

demandas da sociedade civil para inclusão. Alguns são fugazes,

eventos únicos de consulta; outros são instituições

regulamentadas com presença mais duradoura na paisagem da

governança.

Este tipo de espaço público para participação no Estado é observado em Belterra, sendo

reconhecido ainda como um caso de sucesso justamente pelas características de sua

institucionalização e mobilização da população. Por meio de maior engajamento de

atores de destaque na sociedade foi possível evoluir ainda mais, tendo estes a

motivação de passar para outras pessoas o significado de se participar de espaços como

o Conselho da Cidadania para que seus próprios interesses fossem levados em

consideração pelos órgãos municipais de administração.

Os Conselhos são uma das modalidades para o exercício da

cidadania. Cumpre destacar, entretanto, que a participação da

sociedade civil não pode, nunca, se resumir à participação nos

espaços dos conselhos ou outros criados na esfera pública. (...)

ela deverá advir de estruturas participativas organizadas

autonomamente na sociedade civil. O chamado trabalho de base

é fundamental para alimentar e fortalecer a representação

coletiva nos colegiados da esfera pública. Essa esfera pública não

pode ser vista como um degrau superior, que surgiu para

eliminar ou superar formas e níveis de mobilização e organização

que existiram na sociedade brasileira nos anos 1970/80, pois

esta é uma visão etapista, linear e evolutiva (GOHN, 2004).

A efetividade e as especificidades da participação civil, entretanto, segundo o autor da

Universidade de Harvard, Archon Fung, depende de uma série de elementos que irão

caracterizar o conceito denominado de desenho institucional. De acordo com Kiser e

Ostrom, o desenho institucional é definido por um conjunto de “regras utilizadas para

determinar quem e o que está incluído em situações de decisão, como se estrutura a

informação, quais as ações que podem ser tomadas e em que sequência, e como as

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ações individuais serão agregadas e transformadas em decisões coletivas” (ap. LEVI,

p.80).

Em seu artigo “Recipes for Public Spheres: Eight Insitucional Design Choices and Their

Consequences”, Fung discorre sobre as oito principais escolhas do desenho institucional

de um espaço participativo, bem como suas consequências e impactos para os

resultados obtidos em diferentes âmbitos. O artigo sistematiza e simplifica a análise

acerca do conceito de desenho institucional, de maneira complementar às análises e

abordagem desenvolvidas pela autora Lígia Helena Hahn Luchmann em seu texto “O

desenho institucional dos Conselhos Gestores” (FUNG, 2003; LÜCHMANN, 2008).

Pode-se considerar ambos os posicionamentos como referência em razão de suas

peculiaridades, o primeiro devido à sistematização da análise de espaços participativos

em um trabalho, o segundo devido à consideração de Conselhos Gestores e da

profundidade do desenvolvimento dos aspectos, apresentados em linguagem clara e

objetiva (FUNG, 2003; LÜCHMANN, 2008).

Lígia Lüchmann discorre sobre os fatores considerados determinantes para a

implementação (virtuosa) de experiências de democracia deliberativa, visto que a

participação da sociedade civil por si só não garante a reversão de uma lógica de poder

em direção ao aprofundamento da democracia (LÜCHMANN, 2008).

A autora destaca a importância da influência de fatores como:

os aspectos históricos; a qualificação dos atores participantes; o

acesso à informação; a motivação dos atores à participação; as

características dos procedimentos de operacionalização e

princípios do espaço participativo (participação e tomada de

decisão); a heterogeneidade e grau de representatividade dos

atores; a organização da sociedade civil; os recursos disponíveis;

o comprometimento político; as ações de implementação,

acompanhamento e sustentação de práticas de gestão

democrática; a garantia do pluralismo, igualdade e liberdade; a

capacidade das instituições de empoderar os atores sociais; a

importância da existência de espaços e mecanismos

participativos diversos; as decisões sobre localidade, tempo e

frequência do processo deliberativo; os impactos da legalidade e

obrigatoriedade de dados espaços participativos; entre outros

(LÜCHMANN, 2008).

Destaca-se ainda o trabalho de Velásquez (1999), o qual comenta a respeito do tripé

de elementos centrais ao controle social de gestão pública: estrutura de oportunidade

política (opções oferecidas por um sistema político); constituição de identidades sociais

(grau de articulação, heterogeneidade, rede de relações sociais e tradição associativa);

e motivação.

Com relação à estruturação da sociedade civil, Archon Fung apresenta a definição de

mini-público, o qual segmenta milhares em grupos menores, conscientemente

organizados em deliberações públicas, e os quais, segundo o autor, representam o

esforço mais promissor de engajamento civil e deliberação pública, sendo estes

heterogêneos, múltiplos e capazes de deliberar acerca dos mais diversos temas (FUNG,

2003).

Como anteriormente citado, Fung (2003) sistematiza as escolhas a respeito do desenho

institucional em oito principais: tipos de minipúblicos; recrutamento e seleção de

participantes; temas e escopos das deliberações; estilos de deliberações; interação e

recorrência; objetivos; empowerment; e monitoramento.

Por meio do referencial acima citado é possível melhor compreender a correlação entre

a participação e o empoderamento, e também, alguns de seus principais impactos para

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os cidadãos envolvidos. No âmbito coletivo é possível analisar as consequências desse

aumento de participação, motivação, ação e empoderamento, isto é, do impacto dos

indivíduos de certa região na tomada de decisão dos órgãos e instituições públicas,

especialmente no que se refere à política pública. Dessa forma, por melhor compreender

suas necessidades e impactos das ações discutidas, as consequências da participação e

empoderamento abrangem também o desenvolvimento local.

Este desenvolvimento, entretanto, não possui mais a abordagem tecnicista, atrelada

exclusivamente ao desenvolvimento econômico e descomprometido com os impactos

nos atores da localidade. Segundo Oliveira (2002), este desenvolvimento se dá por meio

da emergência da necessidade de “capacidade efetiva de participação da cidadania”, a

qual resgata a ágora grega,

posto que a forma democrática representativa é insuficiente para

dar conta da profunda separação entre governantes e

governados na escala moderna (...) O desenvolvimento local

poderia criar um lócus interativo de cidadãos, recuperando a

iniciativa e a autonomia na gestão do bem comum (OLIVEIRA,

2002, p.14).

De forma complementar, Martins (2002) afirma que o diferencial do desenvolvimento

local não está “em seus objetivos (bem-estar, qualidade de vida, endogenia, sinergias

etc.), mas na postura que atribui e assegura à comunidade o papel de agente e não

apenas de beneficiária do desenvolvimento” Martins (2002, p.2).

Observa-se que a gestão do bem comum pode ser realizada a partir de uma maior

participação da população frente a aspectos público municipais, em que há uma maior

preocupação em se estabelecer decisões que influenciem no desenvolvimento local da

região, de forma que essas acompanhem as necessidades sociais, promovendo

resultados significativos, além de serem monitoradas de forma que permitam a

perpetuação da satisfação dos cidadãos que ali vivem.

Partindo dos conceitos supracitados, procurou-se delinear os instrumentos de pesquisa

e método para análise dos dados, apresentados na seção a seguir.

3. Metodologia

Investigar é uma forma de relatar o mundo e a pesquisa social é

tanto um produto social para relatar quanto um produtor de

relatos; uma maneira de contar - e produzir - o mundo. A

pesquisa nasce da curiosidade e da experiência tomados como

processos sociais e intersubjetivos de fazer uma experiência ou

refletir sobre uma experiência (SPINK, 2003, p. 26).

Como metodologia para este trabalho, procurou-se realizar a pesquisa em campo de

maneira a possibilitar certo grau de convivência com a realidade local, buscando

entender da melhor forma possível o modo de vida cultivado por seus habitantes, bem

como seus costumes, crenças, hábitos e comportamento. Reconheceu-se a importância

do pesquisador aprender a se atentar à própria cotidianidade, reconhecendo que é nesta

que são projetados e negociados os sentidos; e aprender a fazer isso como parte

ordinária do próprio cotidiano, não como um pesquisador participante e muito menos

como um observador distante. Buscou-se, em outras palavras, conhecer o outro e

realizar trocas diversas, para se ter uma visão mais objetiva, conhecer seus pontos de

vista e de onde falam; ou seja, uma subjetividade construída intersubjetivamente

(SPINK, 2008, p. 71-72).

Dentro deste “tumulto conflituoso de argumentos parciais, de artefatos e

materialidade”, preza-se pela utilização de instrumentos variados de pesquisa, a fim de

“nos localizar psicossocialmente e territorialmente mais perto das partes e lugares mais

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densos das múltiplas interseções e interfaces críticas do campo-tema onde as práticas

discursivas se confrontam” (SPINK, 2003, p. 36).

Observou-se que o presente estudo poderia se desenvolver sob uma ótica qualitativa,

estruturado como um estudo de caso, método que procurará enfrentar uma situação

tecnicamente diferenciada em que existirão muito mais variáveis, de acordo com Yin

(2010).

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, importantes como uma espécie de guia

para o diálogo com esses atores locais, no qual há um roteiro como base a ser seguido,

contendo perguntas-chave (anexo 1). Spink (2008, p.72) afirma que, ao contrário dos

métodos planejados em que se delineia a priori um roteiro de entrevista com perguntas

sobre um tema previamente acordado e operacionalmente definido, um pesquisador, no

cotidiano, frequentemente se utiliza de conversas espontâneas em encontros situados.

Pelo fato de a pesquisa envolver diversos grupos de atores, foi necessário adequar o

roteiro de pesquisa às particularidades de cada um deles, realizando perguntas mais

específicas e, assim, maximizando a qualidade e aproveitamento dos dados obtidos.

Dessa forma, elaborou-se um roteiro voltado às figuras ligadas ao próprio Conselho da

Cidadania e aos indivíduos relacionados à Prefeitura Municipal de Belterra e outro para

ser aplicado às lideranças comunitárias ou outros órgãos e pessoas indiretamente

ligados ao Conselho.

Procurou-se estabelecer uma conversa informal, construindo um ambiente agradável,

no qual fosse transmitida confiança. Inicialmente eram explicadas as intenções e

objetivos do trabalho, bem como o tema da pesquisa para que todos estivessem

alinhados quanto às suas expectativas. Foram consideradas também determinadas

observações feitas pelos entrevistados, mesmo que estas não estivessem diretamente

relacionadas às perguntas ou à própria pesquisa permitindo também que estes fizessem

perguntas aos membros do grupo, de maneira coletiva ou individual.

Vale ressaltar que foram realizadas reuniões a fim de analisar a qualidade das

informações obtidas, percepções gerais sobre as entrevistas, pesquisa e vivência,

possíveis melhorias em relação ao roteiro de entrevistas, ao modo como as entrevistas

eram conduzidas, e até ao rumo da pesquisa como um todo. Dessa forma, com a

contínua análise do trabalho realizado foi possível aperfeiçoar cada vez mais a pesquisa

que estava sendo realizada, bem como dar espaço aos aprendizados e reflexões sobre

a experiência.

Nos casos em que foi preciso se locomover até uma comunidade específica que, por

vezes só era possível o acesso por meio de barco ou caminhonete, era necessária a

articulação de um esquema de transporte, normalmente conduzido com o apoio das

lideranças comunitárias. Estes foram peças chaves, não só no mapeamento dos atores

principais para a pesquisa, mas também ao informá-los antecipadamente das intenções

do trabalho. Esse detalhe se mostrou muito importante como um ato de “pedir licença”

por entrar naquela comunidade e, muitas vezes, na própria casa das pessoas. Esta foi

uma parte integrante do compromisso ético das pesquisadoras na realização do projeto

de pesquisa, durante as entrevistas e mais ainda, em todo o período no campo.

Para enriquecer a pesquisa e torná-la mais realista quanto ao panorama social do

município de Belterra, procurou-se captar opiniões diferentes sobre o Conselho da

Cidadania, com a inclusão na agenda de lideranças comunitárias, moradores de todos

os distritos do município e representantes dos diversos grupos ali presentes, além de

membros do Conselho da Cidadania e do governo municipal, contemplando um total de

37 entrevistas.

Além das entrevistas semiestruturadas, outro instrumento de pesquisa utilizado foi a

observação direta, com a participação em quatro reuniões comunitárias, a partir de uma

abordagem que considera o conceito e importância de cotidiano e de micro lugares.

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Fez-se importante também a coleta de dados secundários a partir, principalmente, da

análise de documentos, tais como: revistas e jornais locais; ata de reuniões do Conselho

da Cidadania; documentos de divulgação e comunicação das decisões deste conselho;

blog do Conselho da Cidadania; e qualquer peça de comunicação em geral que se

demonstrou potencialmente hábil a oferecer um conhecimento diversificado sobre o

objeto de pesquisa (YIN, 2010, p. 128-132).

A partir da coleta de informações por meio dos instrumentos acima explicitados, o

método de análise de dados utilizado para lidar com a pergunta de pesquisa foi a análise

de conteúdo, forma clássica que permite analisar qualquer tipo de dados de material

textual, inclusive entrevistas estruturadas e semiestruturadas (FLICK, 2009). Ao se

coletar os dados, foi preciso classificá-los de forma a categorizar os tipos de respostas

para que pudessem ser considerados adequadamente na compreensão do caso à luz da

pergunta de pesquisa colocada (BELL, 2008).

Ao declarar os pesquisadores parte de um campo-tema, foi demonstrada a convicção

ética e política de que, de maneira análoga a psicólogos sociais, fosse possível contribuir

e estar disposto a discutir a relevância de sua contribuição com qualquer indivíduo e

em quaisquer circunstâncias.

Temos algo a contribuir porque temos um mínimo de

disciplinariedade que inclui a vontade de discutir entre nós a

validade daquilo que fazemos – como também fazem entre si os

especialistas em transplantes de coração, os cozinheiros, os

jardineiros, os pedreiros e os presidentes. Somos somente uma

parte de uma ecologia de saberes, cada uma das quais partindo

de um ponto distinto e pensando que tem algo a contribuir

(SPINK, 2008, p. 76).

Assim, foi por meio da metodologia descrita, bem como da breve revisão bibliográfica

apresentada, que se conduziu a análise do caso do Conselho da Cidadania de Belterra,

buscando contemplar os objetivos da pesquisa.

4. O Caso do Conselho da Cidadania de Belterra

De acordo com a forma como essa região do Brasil sofreu seu povoamento e exploração,

bem como a partir de informações obtidas nas entrevistas realizadas com atores locais,

percebe-se a emergência de um sentimento de união social frente às dificuldades

enfrentadas. Não por acaso é comum encontrar “comunidades” e grupos organizados

em várias partes do município, muitas vezes isolados e muito distantes do centro

urbano. Em vista da grande dimensão territorial do município, foram estabelecidas

grandes áreas de intervalo entre as concentrações de pessoas, tanto entre o urbano e

o ambiente rural de floresta, quando entre as populações residentes neste meio rural

amazônico, formando comunidades. Em geral, nestes locais vivem pequenos

aglomerados de pessoas, que se organizam coletivamente para efetivar o

funcionamento de atividades básicas necessárias à sua sobrevivência, como por

exemplo, a obtenção de comida, água e saneamento básico.

Para além de um contexto geográfico e ambiental específico, com fortes traços da

Amazônia, e do contexto de desenvolvimento econômico e social muito particular, é

possível apontar especificidades que marcam os valores, a cultura e o dia a dia

da população que vive na região.

Com área superior à do município de São Paulo, Belterra possui 4.398km², sendo que

apenas 10% deste território consistem em área urbana e zona de expansão urbana,

(IBGE, 2010). Formalmente essas regiões são divididas em sete distritos, incluindo a

sede que corresponde à área considerada urbana, como mostra a Figura 1.

Figura 1: Mapa dos distritos e comunidades do município de Belterra-PA.

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Fonte: FASE, 2006.

O Conselho da Cidadania de Belterra, associação criada em 2007, fundado como um

órgão consultivo e deliberativo durante o processo de elaboração do Plano Diretor

Participativo trata especialmente de demandas e prioridades para gestão do orçamento

municipal, visando promover debates entre a população e gestores públicos, sobre

diversas temáticas, as quais beneficiem todos os cidadãos. Há discussões, por exemplo,

sobre a gestão e planejamento do município, incluindo questões relacionadas à

educação, saúde, infraestrutura, criação de das políticas públicas, como política urbana,

territorial e habitacional, visando o desenvolvimento local, econômico e social.

É composto por integrantes da sociedade civil e do poder público, representando 70%

e 30% do total, respectivamente, com mandatos de dois anos. É atualmente composto

por 27 integrantes, dos quais 10 provêm do poder público municipal. Dentre estes, há

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a participação, conforme observado por meio da participação em algumas reuniões, de

líderes comunitários e representantes de diversas associações, cada qual defendendo

os interesses do grupo que fazem parte. Apresentam-se líderes de comunidades

localizadas tanto às margens da BR-163, quanto do Rio Tapajós, além de representantes

de associações como a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e

Educacional), Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Federação da FLONA Tapajós, entre

outros.

No primeiro Congresso da Cidadania, realizado em 2007, ocasião na qual diversos

segmentos da sociedade foram convidados a participar e contribuir, foi realizada uma

votação a fim de selecionar um grupo de segmentos e organizações que representassem

a sociedade civil e governo e, desta forma, caracterizassem o Conselho Executivo. Este é responsável por realizar as principais discussões, além de tomar as decisões que

impactem toda a estrutura do Conselho da Cidadania em si, e que são posteriormente

levadas ao Conselho Distrital, para validação, constituindo uma estrutura que visa

facilitar e otimizar a tomada de decisão. Este Congresso acontece a cada 2 anos,

momento no qual nova eleição e reflexão e revisão dos resultados e do planejamento.

As deliberações do Conselho da Cidadania acontecem, em geral, a cada 15 dias, durante

as reuniões do Conselho Executivo, a fim de monitorar as decisões tomadas e fazer

devida revisão e ajustes que se façam necessários para alcance dos objetivos visados.

A fim de capilarizar a participação e representação da população e de diferentes distritos

e regiões do município, foi criado o Conselho Distrital no início de 2012, como parte da

estratégia do Conselho da Cidadania. Para selecionar os participantes deste conselho,

cada comunidade, através de uma assembleia convocada pela associação comunitária,

elegeu delegados de maneira proporcional aos participantes da reunião, tendo a

comunidade direito a um novo delegado a cada dez presentes. Estes delegados

representam suas comunidades e, agrupados com os diversos representantes do distrito

ao qual pertencem, têm como principais atribuições discutir os interesses mútuos do

distrito e representá-lo frente ao Conselho Distrital, que posteriormente leva tais

demandas ao Conselho da Cidadania.

Nas reuniões quinzenais promovidas pelo Conselho Executivo, são realizadas discussões

mais rotineiras e cotidianas, enquanto que nas Assembleias dos Conselhos Distritais são

tratados assuntos mais estratégicos e relevantes frente a um maior número de

participantes.

Vale ressaltar que as assembleias e reuniões são abertas a toda a população,

restringindo apenas o direito ao voto e dando preferência de fala aos delegados e

representantes oficiais do Conselho. Entretanto, a participação do público civil é

amplamente estimulada, como por meio da expressão de suas opiniões e críticas. De

acordo com seus principais dirigentes, os participantes da sessão de discussão e/ou

apresentação de propostas, não só podem como devem, se manifestar caso tenham

alguma opinião sobre o assunto em questão, levantando a mão e demonstrando a

vontade de contribuir com seu pensamento.

De acordo com o Chefe de Gabinete da prefeitura, com relação ao processo de discussão

por parte dos distritos, cada um elege prioridades, que são analisadas e orçadas no

âmbito do Conselho da Cidadania. Para verificar quantas e quais prioridades poderão

ser devidamente atendidas. Este processo conta, também, com votações abertas com

participação democrática. As decisões são tomadas pelos delegados eleitos por distrito

durante o Congresso da Cidadania (realizado a cada 2 anos pelo Conselho da

Cidadania). Ao final desse período é realizado um balanço para se constatar se a medida

foi ou não implementada. De acordo com atores locais, o resultado das discussões

decorrentes do Congresso também proporciona elementos para o planejamento da

atuação das secretarias municipais e de Câmara dos Vereadores.

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5. O caso do Conselho da Cidadania de Belterra e a literatura

Para o embasamento da pesquisa, foram levadas em consideração as obras literárias

apresentadas no referencial teórico, que tratam de assuntos relacionados ao tema em

questão, sendo o texto “Recipes for Public Spheres: Eight Institutional Design Choices

and their Consequences”, de Archon Fung, o principal pilar de análise. Em seus escritos,

Fung discorre sobre oito pontos principais que influenciam o desenho institucional

presente nas sociedades contemporâneas e em sua estrutura de organização. Nesta

seção, o Conselho da Cidadania é analisado à luz dos oito pontos citados por Fung, com

o intuito de analisar, de maneira mais sistêmica, o desenho institucional do Conselho

da Cidadania de Belterra (FUNG, 2003).

Visão e tipo de minipúblico

De acordo com Fung, minipúblicos funcionam como associações de influência social e

trabalham na reforma do pensamento ao invés de escolher formas revolucionárias de

solucionar problemas sociais. Em Belterra houve, após a elaboração do Plano Diretor

municipal (realizado em 2007), a implementação do Conselho da Cidadania, um espaço

voltado à participação popular, com vistas a engajar o senso crítico da sociedade e

estimular a participação civil na vida pública do município, como maneira de “reformar”

o pensamento social sobre os aspectos públicos que estão no entorno de seus

habitantes. Com isso, a cidade ganhou o prêmio de Cidade Cidadã, a partir do

desenvolvimento do Conselho da Cidadania, em que se previa a criação de condições

coerentes para que os cidadãos formassem e articulassem opiniões a partir de

deliberações e conversações, funcionando como um conselho consultivo e deliberativo

participativo, que se pode relacionar ao conceito de minipúblico apresentado por Fung.

Percebe-se que, apesar da participação ativa de alguns cidadãos relevantes no

município e do conhecimento desta entidade por grande parcela dos moradores da

região local, boa parte da população ainda desconhece a existência do Conselho da

Cidadania assim como muitos, mesmo sabendo de sua presença, não se sentem

beneficiados por qualquer tipo de atividade desenvolvida pelo espaço. Houve relatos em

que cidadãos disseram que já tinham “ouvido falar” na instituição, entretanto, nunca

haviam se defrontado com algo realizado por este, enquanto outros entrevistados

apontaram que, no início de sua atividade, o Conselho se mostrava mais ativo, porém,

gradualmente, foi diminuindo sua presença no cotidiano local.

Quem? Recrutamento e seleção dos participantes

A estruturação do Conselho da Cidadania em Conselho Distrital possibilita afirmar que

o Conselho segue muito próximo aos pontos que Fung (2003) ressalta em seu texto,

aqui usado como modelo. De maneira complementar, primeiramente, todos podem

participar das Assembleias e reuniões realizadas, respeitando o princípio da equidade.

Fung (2003), entretanto, levanta um contraponto deste modelo, ao qual se refere como

voluntarismo, em que, apesar do participante ser movido pela motivação pessoal em

participar, pode-se privilegiar atores com melhores condições socioeconômicas, como o

acesso a meios de comunicação e de transporte, como visto no caso de Belterra.

A solução para tal questão, proposta por Fung, é também observada no modelo do

Conselho da Cidadania, em que, por meio de reuniões nas diferentes comunidades e

localidades do município, são escolhidos representantes e debatidos temas relevantes

para cada localidade, dentro do contexto do Conselho Distrital, de modo a democratizar

a participação dos diferentes segmentos da sociedade.

Além disso, impactando em outra temática levantada por Fung, quanto ao problema

das disparidades no acesso a recursos e ao impacto deste nos resultados do Conselho,

faz-se importante ressaltar que a Prefeitura Municipal, por meio da Secretaria de

Planejamento, se responsabiliza pelos recursos financeiros necessários para a

alimentação e locomoção dos participantes da reunião – elemento que poderia ser

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impedir significativamente para a viabilidade da participação de diversas lideranças,

visto que há limitações com relação aos locais mais distantes e aos altos custos de

locomoção. Por exemplo, há locais em que apenas o transporte hidroviário é possível,

pela inexistência ou precariedade das estradas. Entretanto, às vezes não há

embarcações do porte necessário para as viagens requeridas, ou não há dinheiro para

arcar com os custos do combustível. Sem contar, é claro, com o tempo investido, que

significa menor período de trabalho para geração de renda.

O quê? Assunto e escopo das deliberações

A partir da formação de minipúblicos, uma sequencia ou um grupo de temas é

cuidadosamente selecionado para ser discutido dentro de suas deliberações. Com o

Conselho da Cidadania não é diferente. Visto que a instituição compõe um local em que

se procura a participação populacional sobre questões públicas, são realizadas reuniões

com indivíduos do próprio Conselho e cidadãos representativos como forma de se

discutir temáticas municipais que envolvem a vida social como um todo. De acordo com

o chefe de gabinete da cidade de Belterra, são discutidos no Conselho da Cidadania

assuntos relacionados à infraestrutura municipal tais como a pavimentação de vias, a

estrutura para a existência de água encanada, o fornecimento de máquinas para a

realização de obras em geral, a construção de escolas, postos médicos e hospitais, entre

outros, ou seja, temáticas que, de uma forma abrangente, envolvem política, segurança

civil, educação e saúde.

Já no Conselho Distrital, órgão de menor porte, elaborado pelas populações presentes

nos distritos que compõem todo o município de Belterra, são discutidas questões de

âmbito mais local, referentes também à saúde, segurança e educação de seus

habitantes. Tal Conselho foi formado a partir da demanda originada pelos belterrenses,

principalmente devido à grande proporção territorial e à crítica em relação à falta de

infraestrutura do município, alguns dos principais motivos identificados pelos atores

locais que impediam a ampla participação social no Conselho da Cidadania e

dificultavam ao poder público municipal realizar uma administração mais coerente com

as necessidades da população local.

Como? Modo de deliberação

Nas reuniões do Conselho da Cidadania a participação do público civil, e não apenas dos

representantes, é amplamente estimulada, tanto para expressar suas opiniões, como

críticas. Entretanto, em algumas das entrevistas realizadas com lideranças da sociedade

civil, alguns afirmaram que nas reuniões somente os dirigentes poderiam falar, estando

alguns indivíduos ali presentes apenas para ouvir, em relevante ponto de oposição às

características fundantes do Conselho.

Em Assembleia realizada pelo Conselho da Cidadania em julho de 2012, acompanhada

nos termos da elaboração deste trabalho, houve a participação de dirigentes do

Conselho bem como de líderes comunitários e representantes de associações locais.

Observou-se que, nesta assembleia, qualquer indivíduo, fosse ele do Conselho da

Cidadania ou da sociedade civil, poderia expressar livremente sua opinião em qualquer

momento da reunião, falando de seu próprio assento ou indo até a frente de todos os

expectadores. Vários participantes demonstraram vontade de participação e expressão

crítica das atitudes tanto do governo quanto do próprio Conselho, defendendo os

interesses sociais municipais e também de suas respectivas associações.

Consequentemente, pôde-se constatar a liberdade de expressão de ideias fornecida

àqueles que demonstram engajamento pelas questões públicas municipais.

Nas tomadas de decisões, segundo os dirigentes do Conselho, são realizadas votações

que contam com a participação de conselheiros e civis, de forma a se estabelecer uma

determinação à base do “bem comum”, uma das formas de decisão propostas por Fung.

Quando? Recorrência

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As deliberações promovidas pelo Conselho da Cidadania ocorrem, em geral, a cada 15

dias, durante as reuniões do Conselho Executivo, como forma de realizar sua

manutenção e o monitoramento das decisões. É realizada, duas vezes ao ano, a

Assembleia Geral, em que participam não só membros do Conselho, mas também

líderes comunitários, representantes de determinadas associações municipais e

representantes de instituições de maior porte que apoiam e influenciam as decisões

locais, como por exemplo, a FASE e a Federação da FLONA Tapajós. As Assembleias são

reuniões abertas ao público, representando a participação democrática também citada

por Fung. Especialmente no caso das assembleias, estas não são suficientes para

atender a todas as demandas do munícipio. Entretanto, o aumento de sua recorrência

é dificultado pela falta de recursos para viabilizar a locomoção até o local da reunião,

pelos custos e pela distância, em muitos casos. Além disso, por serem voluntários, a

participação acarreta na perda de dias de trabalho, o que compromete ainda mais o seu

engajamento de maneira mais recorrente.

Por quê? Interesses em jogo (stakes)

Uma discussão do minipúblico se torna muito mais interessante a partir do momento

em que seus integrantes se mostram interessados pelo assunto a ser tratado, além de

possuírem interesse naquilo em que vai se basear a deliberação. Archon Fung considera

atitudes como esta como “hot deliberation”, ou seja, uma deliberação em que se

percebe grande motivação e vontade das pessoas em participar e discutir. No Conselho

da Cidadania se procura despertar essa motivação tanto em seus membros quanto nos

potenciais participantes de suas reuniões e população como um todo, com vistas a

florescer na sociedade local o senso crítico político e o poder de reivindicação por seus

direitos. De acordo com o chefe de Gabinete, tem-se o desejo de se estimular o senso

político da sociedade a partir da própria composição do Executivo do Conselho da

Cidadania, em 30% por membros do governo e 70% da sociedade civil

Em geral, as pessoas que participam do Conselho, mais especificamente no caso dos

representantes da sociedade civil, possuem uma motivação pessoal muito grande,

apesar de muitas vezes possuírem pouco ou nenhum conhecimento mais específico e

teórico, ou até mesmo, não saberem ler e escrever. Isso porque acreditam que o

Conselho seja um meio efetivo de serem ouvidos e poderem participar das decisões

políticas. Dessa forma, acreditam e lutam pela efetivação dos anseios dos grupos que

representam, a defesa de ações e medidas que promovam melhorias a seus problemas

e o atendimento de necessidades básicas, a exemplo de saúde e educação.

Empowerment

Um dos objetivos pelo qual o Conselho da Cidadania foi criado é o de trazer a população

para as discussões das ações públicas, e também promover a organização desta de

maneira a atender as suas demandas e estabelecer prioridades para o orçamento

público do município. Neste tópico, Fung (2003) afirma que um minipúblico é

empoderado apenas se os resultados das deliberações, ou seja, o que é decidido no

Conselho é capaz de influenciar as decisões públicas.

De fato, muitas das decisões do governo estão baseadas nas discussões que acontecem

nesse espaço. O próprio orçamento do governo municipal, que segue o modelo de

Planejamento e Orçamento Participativo é coordenado pelo Conselho, refletindo o poder

de influência que este tem nas decisões públicas. Muitas destas são direcionadas por

meio dos resultados das discussões feitas dentro do Conselho, com a participação da

sociedade civil. Entretanto, por outro lado, muitas dessas ações discutidas e decididas

não são implementadas pelo governo, e nem ao menos é fornecido à população

qualquer justificativa quanto à situação do encaminhamento das medidas que deveriam

ser tomadas.

Monitoramento

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Segundo Fung (2003), haver participantes que avaliem as discussões a respeito da

qualidade do que esta sendo realizado durante o processo de implementação, agrega

importantes benefícios. O primeiro benefício se relaciona com o aprendizado público, no

qual as pessoas adquirem experiência e aprendem que tipo de decisão possui maior

probabilidade de funcionar, dadas certas condições, numa espécie de escola para

cidadania. O outro benefício se refere à possibilidade de accountability do governo,

estimulando o aperfeiçoamento de políticas públicas.

Na experiência de Belterra, o que houve com a criação do Plano Diretor e do Conselho

da Cidadania foi uma mudança de cultura para uma sociedade civil mais participativa

nas discussões das políticas públicas. A população passou a cobrar mais

veementemente o que deseja e, de certa forma, a ajudar a prefeitura a priorizar as

políticas a serem implementadas. Em meio a isso, surgiu também a discussão de que

esta não só deve assumir o papel de reivindicadora, como também a responsabilidade

de fiscalizar o governo durante o processo de implementação de suas obras, como

também sugere Fung. Dessa forma, foram mencionadas tentativas de estruturação de

uma comissão fiscalizadora para as obras. Tanto o modelo de fiscalização por distrito

como por obra. não tiveram sucesso significativo, em razão do excesso de trabalho que

o Conselho da Cidadania chamou para si com o acúmulo de muitas responsabilidades,

que deveria não só eleger, mas também analisar as avaliações feitas pelas comissões

das obras da prefeitura.

É possível dizer, baseando-se em Fung, que o baixo nível de efetivação em termos de

implementação dos resultados das discussões feitas pelo Conselho pode estar

relacionado a essa falta de fiscalização da sociedade civil sobre as obras do governo. É

complicado afirmar que é a única razão, afinal, a prefeitura trabalha dentro de

limitações de orçamento e não tem como realizar tudo, por isso se priorizam ações.

Contudo, mais da metade dos entrevistados relatou situações nas quais as obras não

foram realizadas seguindo o devido padrão de qualidade ou ao menos terminadas. Além

disso, outros poucos afirmaram que pressionaram o governo e com certo esforço

conseguiram que essas falhas fossem corrigidas nas suas respectivas comunidades.

Desse modo, estes benefícios mencionados por Fung ainda precisam ser trabalhados

não só pela prefeitura municipal em relação à accountability, mas também, e

principalmente, pela sociedade belterrense, que é o principal agente estimulador disso

e a maior beneficiária dos resultados efetivos.

6. Considerações finais e reflexões

Reforçando a importância de ouvir a população para a tomada de decisão como um

caminho para a mudança, a solução desenvolvida com a construção do Conselho da

Cidadania tem se mostrado uma boa escolha. Não apenas pelo prêmio recebido como

Cidade Cidadã, mas é evidente a mudança que o instrumento agrega àqueles que nele

participam, como relatado por diversas pessoas o grande aprendizado que adquirem ao

conhecerem outras pessoas, seus diferentes pontos de vista, dificuldades e

necessidades, permitindo o contato com realidades outras, abrindo portas para o

conhecimento de outros modos de vida, ampliando sua visão de mundo.

Além disso, percebe-se que a participação em um órgão como este desperta a crença e

a confiança em si mesmo, no poder de agir, de transformar e de contribuir, e acima de

tudo, no potencial que, individualmente e juntos, possuem de contribuir com a

superação de problemas e com a transformação daquela realidade. Este

empoderamento é muito importante para a autoestima dos participantes,

representando uma ferramenta também para contagiar outras pessoas a fim de terem

esperança, de se mobilizarem e de lutarem por um futuro melhor. Somente com esta

força será possível transformar a realidade. Dessa forma, é possível despertar o que há

de melhor em cada ser, o respeito e o amor, a fé e a esperança de construir melhores

condições de vida, contribuindo para o bem-estar de todos.

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Por outro lado, o desenho institucional do Conselho em questão, conforme a análise

apresentada na seção anterior, possui algumas falhas e oportunidades não exploradas

que prejudicam seu desempenho e as perspectivas de sua perpetuidade. A comunicação

apresenta-se como uma importante ferramenta para o sucesso do Conselho da

Cidadania, por exemplo. É por meio desta que a mobilização poderá ser ampliada, que

a população terá conhecimento desta grande oportunidade, saberá como participar e

saberá seu papel, e poderá acompanhar a execução das propostas e os resultados

alcançados. A comunicação é também essencial para o melhor alinhamento de objetivos

e papéis, para a construção das propostas, políticas públicas e decisões a serem

tomadas, além do relacionamento entre a população e autoridades públicas. Entretanto,

atualmente não há qualquer meio oficial para divulgação das reuniões, propostas

debatidas e resultados alcançados, muito menos para a mobilização e conscientização

das oportunidades e importância da participação no Conselho.

Deve-se considerar também que não é apenas a comunicação que dificulta o

acompanhamento da execução das decisões. O modelo planejado para organizar tal

função foi prejudicado pela existência de apenas voluntários como membros do

Conselho, sem recursos ou fundos financeiros para apoiar sua atuação. Desta forma,

não há dinheiro, tempo e conhecimento técnico e de gestão suficientes para

acompanhar, fiscalizar e averiguar o andamento do que foi planejado. Vale ressaltar

que tal condição prejudica o funcionamento do Conselho de maneira geral.

Mesmo quando se obtêm um consenso que agrade às necessidades da população, o

governo local tem grande dificuldade em executar o almejado em razão da ausência de

profissionais capacitados, ainda mais em dadas especialidades técnicas, para realizar

devido planejamento e articulação das ações e políticas. A precariedade do sistema de

ensino da região prejudica também a formação dos participantes do Conselho da

Cidadania, impactando na sua capacidade de tomar decisões conforme requerido. Como

exemplo, pode-se citar a dificuldade de pensar mais a longo prazo e de forma mais

sistêmica.

Essa discussão sobre o poder de avaliação da população caracteriza também uma briga

política entre partidos que apoiam e valorizam a participação popular nas decisões

políticas, e aqueles que acreditam que não se deva dar tamanha liberdade àqueles que

não possuem o discernimento correto para determinado nível de decisão de âmbito do

orçamento municipal, por exemplo. Estes últimos argumentam ainda que o

consentimento com interesses da população, em certa medida, é apenas justificado pelo

desejo de satisfazer a população a curto prazo, e mascarar atitudes desonestas,

argumento este também utilizado contra quem prefere distanciar a população das

decisões.

A diferença politica também abrange diferentes visões sobre a teoria de

desenvolvimento aplicada no planejamento da cidade, sobre o nível de condições e

facilidades de uma grande metrópole que devem ser incorporadas a um município como

Belterra. Como exemplo pode-se citar a energia elétrica, fundamental para facilitar a

comunicação por meio de aparelhos móveis e a própria conservação de alimentos. Por

outro lado, permite acesso à transmissão de informações e realidades muito distantes

do viável à população local, a exemplo de programas de televisão. Estes geram uma

ambição por alcançar um estilo de vida incompatível com a realidade regional. Muitos

jovens, inclusive, são estimulados a se mudarem para grandes centros urbanos em

busca desse sonho de vida, mas acabam sendo marginalizados em razão da falta de

capacitação.

O nível de desenvolvimento impacta nos meios para ativação da atividade econômica e

geração de renda, os quais estão diretamente ligados à preservação do ecossistema

animal e vegetal. Por outro lado, o quanto a sustentabilidade desses recursos deve se

sobrepor ao direito desses cidadãos de ter acesso a melhores condições de vida também

está em pauta.

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Da mesma forma, uma melhor condição de vida, atrelada ao acesso a novas tecnologias,

serviços e produtos, está diretamente ligada à mudança do estilo de vida da região, o

qual muitas vezes não está de acordo com as respectivas condições. Como exemplo

pode-se citar a preocupação de certos indígenas sobre a chegada de produtos

industrializados. Apesar de trazerem novas opções e oportunidades nutricionais de

grandes cidades, estes trazem consigo a necessidade de utilização de mais recursos,

além da geração de resíduos, com os quais a região não está preparada para lidar. Da

mesma forma, os conhecimentos culturais de cultivo e de relacionamento com a

natureza ao redor são também afetados.

Por fim, percebe-se a necessidade de que as figuras públicas do município de Belterra

a favor do funcionamento do Conselho da Cidadania, bem como dos participantes deste

órgão, atentem para o aperfeiçoamento dos pontos mencionados anteriormente sobre

a adequação de seu desenho institucional, e especialmente, para a ampliação e

abrangência de sua atuação, de forma a não privilegiar uma parcela populacional, mas

sim, atender a toda a região municipal que necessita de uma forma geral, de melhor

infraestrutura, qualificação em aspectos da saúde, segurança e educação, de maneira

a se respeitar os direitos de cada cidadão em relação às suas condições de vida.

Sugere-se, pois, a complementação do presente estudo com avaliações mais detalhadas

e mensurações mais precisas do real impacto do Conselho da Cidadania, e das medidas

tomadas por este, para o munícipio e sua população. Com isto, será possível avaliar a

importância e impacto de cada aspecto do desenho institucional para que este possa

ser melhor reformulado.

Dessa forma, espera-se que o caso do Conselho da Cidadania seja um exemplo de

espaço participativo para inspirar a construção de outras ferramentas como esta em

outras localidades, e que auxilie na reflexão sobre os níveis e características de

desenvolvimento e de construção de políticas públicas em municípios com dificuldades

semelhantes.

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Anexos

1- Roteiro de entrevistas

a. Anexo 1a - Roteiro de entrevista semi-estruturada com membros do CC

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A pessoa e a cidade

1- Como é viver em Belterra? Sempre morou aqui?

2- O que o senhor faz aqui?

3- Idade

Perfil associativista

4- Conte um pouco sobre sua relação com o Conselho

5- Você representa(va) então qual instituição? Desde quando?

6- Faz parte de outros grupos ou associações?

7- Como foi a criação desses grupos? Eles existem desde quando?

8- Como foi que começou a participar?

Perfil do Conselho

9- Como foi a criação do conselho? Quem coordenou o processo? Tem lei de criação?

Quando foi isso?

10- Quem faz parte do Conselho? Sempre foram essas organizações? Isso muda? O

governo municipal faz parte?

11- Como é a escolha das organizações que fazem parte do Conselho?

12- Qual a relação do Conselho com as comunidades rurais? Há representantes das

comunidades no Conselho? Como foram escolhidos?

13- Com que freqüência o Conselho se reúne? Quem articula/marca a reunião?

Pauta e discussões

14- Qual o papel do Conselho? O que o Conselho faz?

15- Quais os principais temas discutidos no Conselho? Quem propõe a pauta?

16- Tem algum outro tema que deveria ser discutido?

Decisão e encaminhamentos

17- Como são as reuniões? Todos falam? Alguém coordena a reunião?

18- Tomam decisões nas reuniões? Como é o processo de tomada de decisão? É

votação? É consenso?

19- As decisões são divulgadas? Como?

20- Como é o encaminhamento dos resultados das discussões? Quais são os caminhos?

Isso chega até o governo municipal? Como?

21- Tem alguma decisão do Conselho que foi implementada? Quem implementou?

22- Quais os maiores desafios para implementar as decisões tomadas no âmbito do

Conselho?

Avaliações

23- Como o senhor percebe a atuação do Conselho?

24- Qual a relação do Conselho com o Plano Diretor? E hoje? Existe um papel de

monitoramento?

24- Como o senhor entende o papel do conselheiro?

b. Anexo 1b - Roteiro de entrevista semi-estruturada com lideranças

comunitárias e representantes de associações comunitárias

A pessoa e a cidade

1- Como é viver em Belterra? Sempre morou aqui?

2- O que o senhor faz aqui?

3- Idade

Perfil associativista

4- Aqui o senhor de algum grupo ou associação?

5- Como foi a criação desses grupos? Eles existem desde quando?

6- Como foi que começou a participar?

7- Há outros grupos ou associações na comunidade?

8- Esses grupos são formalizados?

9- Quem faz parte desses grupos? Qualquer morador pode participar?

10- Com que freqüência esses grupos se reúnem? Quem articula/marca a reunião?

11- Conte os principais assuntos discutidos nos grupos.

Relação com o Conselho e avaliações

12- Conte um pouco sobre sua relação com o Conselho: fez/faz parte? Quando?

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Iniciação - Revista de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística - Vol. 4 no 2 - Agosto de 2014 Edição Temática em Sustentabilidade

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13- Tem alguma relação entre a associação que faz parte e o Conselho?

14- Como o senhor percebe a atuação do Conselho? O que o senhor acha do Conselho?

15- Como vocês ficam sabendo do que acontece no Conselho?

16- Como o senhor entende o papel do conselheiro?