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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO REFLEXOS INQUISITIVOS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL THONIA JULYA DE OLIVEIRA Itajaí, 26 de novembro de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

REFLEXOS INQUISITIVOS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA (IN)

CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

THONIA JULYA DE OLIVEIRA

Itajaí, 26 de novembro de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

REFLEXOS INQUISITIVOS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA (IN)

CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

THONIA JULYA DE OLIVEIRA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor MSc. Airto Chaves Junior

Itajaí, 26 de novembro de 2010.

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AGRADECIMENTO

Primeiramente a Deus, que sempre guiou os meus passos nessa caminhada, a minha mãe, que com muito esforço me deu educação e acima de tudo me ensinou a ser honesta e persistente, e ao meu irmão que tanto amo.

Ao meu orientador, Professor e Mestre Airto Chaves Junior, por não permitir qualquer deslize pelo caminho.

Aos professores dessa Instituição, por terem me ajudado a desvendar os caminhos do Direito.

Aos meus amigos (as), Sueli, Angélica, Roberta, Suellen, Willian, Josiane, Vanessa e aos amigos que conheci no trabalho, André, Fábio, Marco, Rosângela, Geraldine, Raquel, Cláudia, Camila, Cristiane, Geórgia, Natália, Sabrina, Tiago, e a todos os amigos do 10° período A noturno e aos demais que fiz nesta caminhada.

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DEDICATÓRIA

Dedico essa obra a minha mãe, Maria Aparecida de Oliveira e meu irmão, João Pedro de Oliveira Veronez, que são o meu alicerce e para quem eu busco uma vida melhor.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 26 de novembro de 2010.

Thonia Julya de Oliveira Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Thonia Julya de Oliveira, sob o título

Reflexos Inquisitivos no Processo Penal: Uma Análise da (In) constitucionalidade do

artigo 385 do Código de Processo Penal Brasileiro foi submetida em 26 de

novembro de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

Mestre Airto Chaves Junior, advogado e Mestre Isaac Newton Belota Sabbá

Guimarães, Promotor de Justiça e aprovada com a nota...

Itajaí, 26 de novembro de 2010.

Professor Mestre Airto Chaves Junior Orientador e Presidente da Banca

Professor Mestre Isaac Newton Belota Sabb á Guimarães

Coordenação da Monografia

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ROL ABREVIATURAS E SIGLAS

CRFB/88- CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA BRASILEIRA DE 1988

CPP- CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO

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SUMÁRIO

RESUMO..........................................................................................VIII

INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ........................................ ............................................... 4

1.1 PRINCÍPIO: CONCEITO .................................................................................. 4

1.2 POR UM PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL .......... .............................. 7

1.2.1 PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DO PROCESSO PENAL ............................................. 9

1.2.2 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ........................................................ 11

1.2.3 PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ ........................................................... 13

1.2.4 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA ........................................................................ 16

1.2.5 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ....................................................................... 17

1.2.6 PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO .................................................... 19

1.2.7 PRINCÍPIO DA ISONOMIA (IGUALDADE ENTRE AS PARTES ) .................................. 21

1.2.8 PRINCÍPIO DO ESTADO DE INOCÊNCIA .............................................................. 22

1.2.9 PRINCÍPIO DA VERDADE REAL ......................................................................... 25

1.2.10 PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL OU DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO28

CAPÍTULO 2 ........................................ ............................................. 33

OS SISTEMAS PROCESSUAIS ........................... ............................ 33

2.1 O SISTEMA INQUISITIVO ............................................................................. 35

2.1.1 HISTÓRICO ................................................................................................ 35

2.1.2. CARACTERÍSTICAS ............................ ..................................................... 36

2.2 O SISTEMA ACUSATÓRIO .......................... ................................................. 37

2.2.1 HISTÓRICO ................................................................................................ 37

2.2.2 CARACTERÍSTICAS ............................. ..................................................... 38

2.3 O SISTEMA MISTO ....................................................................................... 40

2.4 OS PODERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONFORME A CF/ 88 .............. 43

2.5 PODERES INSTRUTÓRIOS DO MAGISTRADO ........... .............................. 47

CAPÍTULO 3 ........................................ ............................................. 50

REFLEXOS INQUISITIVOS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ............ ............ 50

3.1 DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DO PROC ESSO ........ 54

3.2 DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA ...... ........................... 56

3.3 DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEG AL ............. 58

3.4 DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ..... .......................... 59 3.5 O MITO DA VERDADE REAL ..........................................................................62 3.6 DA OFENÇA AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE ...... ............................ 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ................................ 69

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ...................... 72

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RESUMO

A presente pesquisa tem por objetivo analisar a essência do artigo 385 do Código de

Processo Penal Brasileiro e seus reflexos quando de sua aplicabilidade diante

daquilo que preceitua o texto constitucional. A operacionalidade processual penal,

do ponto de vista constitucional adota um modelo onde o juiz deve ser imparcial,

objetiva e subjetivamente, analisando as provas e decidindo em face delas. A

escolha do tema se deu a partir da necessidade de uma postura crítica acerca da

aplicação do processo penal brasileiro do ponto de vista infraconstitucional,

sobretudo, em detrimento dos princípios norteadores da matéria e de previsão

expressos ou implícitos na Carta da República. Ora, se o Ministério Público, que é o

titular da ação penal, o que preza e age em nome do Estado, sustenta a inocência

do réu, não está desistindo da ação, apenas está opinando conforme as provas

construídas ao longo do processo. Assim, não pode (poderia) o juiz decidir de

maneira diferente, sobretudo, condenando sem manifestação final nesse sentido por

parte do órgão acusador. Nossa Carta Magna preconiza o sistema penal acusatório

democrático e constitucional, porém, o que se observa, é que até os dias de hoje

continua-se utilizando o modelo arcaico de sistema penal inquisitivo, o que fere de

modo inaceitável as cláusulas pétreas fundamentais e os princípios de Direitos

Humanos. Neste contexto, esclarece-se que o objetivo do trabalho não é questionar

a legitimidade do Poder Judiciário, mas fazer que a justiça criminal se concretize

com mais transparência e imparcialidade possível, nos moldes do modelo

democrático que o Brasil declaradamente se propõe a sustentar.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto os reflexos inquisitivos

no processo penal brasileiro: uma análise a partir da (in) constitucionalidade do

artigo 385 do Código de Processo Penal.

O objetivo da pesquisa é apresentar aos operadores do direito

uma reflexão crítica acerca do discurso declaradamente proposto pela dogmática

processual penal, no sentido de que no Brasil, tem-se um sistema acusatório,

quando na verdade, operacionaliza-se um sistema processual inquisitivo.

O sistema acusatório, embora não previsto expressamente pela

Constituição, pois decorrente de seu regime e princípios (cf. art. 5º, §2º, da

CRFB/88), é por ela acolhido sob a égide de um processo penal garantista, que se

norteia pelos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, considerando-se a

necessidade de uma releitura constitucional do Código de Processo Penal, tem-se

que seu artigo 385, que autoriza o juiz a proferir sentença condenatória nas ações

públicas, ainda que o Ministério Público tenha pleiteado pela absolvição do acusado,

não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o que pode ser avaliado a

partir da violação ao sistema acusatório por ela adotado.

Os problemas que de início se apresentaram no desenvolver

dos trabalhos consubstanciaram-se nas seguintes indagações:

a) A operacionalidade do processo penal brasileiro sustenta um

sistema acusatório?

b) A regra do art. 385 do Código de Processo Penal Brasileiro,

que autoriza o juiz condenar ainda que o Ministério Público peça pela absolvição

encontra respaldo nos princípios constitucionais que norteiam o processo penal?

Para tanto, levantou-se as seguintes hipóteses:

a) O sistema acusatório implica a existência de um órgão

acusador distinto do órgão julgador para que seja garantida sua imparcialidade.

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Compreende-se, dessa forma, que o modelo constitucional é acusatório, em

contraste com o modelo infra-constitucional, que é nitidamente inquisitório. O

problema centrar-se-ia em qual deles dar efetiva aplicabilidade.

b) Se o Juiz editar sentença condenatória, ainda que o

Ministério Público tenha pleiteado pela absolvição, estará ele agindo sem a

necessária provocação para a atuação jurisdicional, atuando com acúmulo das

funções de acusar e julgar, característica do sistema inquisitivo, violando,

sobremaneira, o princípio do contraditório.

O relatório da pesquisa será apresentado em três capítulos.

Inicia-se o trabalho no Primeiro Capítulo tratando-se dos os princípios que norteiam

o processo penal e a função que representam frente a proteção dos direitos dos

indivíduos.

No Segundo Capítulo , o estudo resta direcionado aos

sistemas processuais existentes: inquisitivo, acusatório e misto. Analisar-se-á o

sistema adotado pela nossa Carta Magna e aquele sobre o qual recai a

operacionalidade prática processual brasileira.

No Terceiro Capítulo , avaliar-se-á alguns reflexos inquisitivos

que sustentam a prática do processo penal no Brasil. Dar-se-á maior ênfase ao

dispositivo transcrito no art. 385 (primeira parte) do Código de Processo Penal,

avaliando-se sua aplicação diante da principiologia constitucional atinente a matéria.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a

inconstitucionalidade do artigo 385 do Código de Processo Penal, visto que ofende o

sistema acusatório adotado pela Constituição Federal de 1988.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa

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Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia

é composto na base lógica Indutiva.

Com relação às categorias mais importantes a compreensão da

pesquisa, dar-se-á seus respectivos conceitos operacionais ao longo do texto,

através de notas explicativas.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7.

jurídica . 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção

ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da

pesquisa jurídica . p. 104.

3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,

Eduardo de oliveira. A monografia jurídica . 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance

temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD,

Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 62.

5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar

Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 31.

6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para

os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e

Metodologia da pesquisa jurídica . p. 45.

7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar

Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesqu isa jurídica . p. 239.

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CAPÍTULO 1

PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O PROCESSO PENAL

O Processo Penal é regido por princípios e regras que

representam fundamentos da política processual penal do Estado Democrático

Brasileiro. Neste primeiro capítulo, far-se-á um estudo acerca da expressão

“princípio”, sua importância, distinções mais significativas no que se referem às

“regras” e às “normas”, bem como também, uma análise sistematizada dos mais

importantes princípios aplicáveis ao processo penal brasileiro.

1.1 PRINCÍPIO: CONCEITO

Os princípios possuem importância fundamental para o

ordenamento jurídico e seu conceito e utilidade estão sempre envoltos em acirrados

debates.

A palavra princípio deriva do latim principium e tem variadas

acepções. Para De Plácido e Silva8, princípio significa “o começo de vida” ou o

“primeiro instante” em que as pessoas ou coisas começam a existir. Dessa forma, o

termo indica começo ou origem de qualquer coisa, ou seja, representa os requisitos

primordiais ou as normas elementares que alicerçam algo. Em outras palavras,

princípio jurídico se constitui como um elemento vital do próprio Direito. Na ausência

de princípio, o direito tornar-se desestruturado e não tem onde firmar uma base.

Maurício Antônio Ribeiro Lopes9 conceitua princípio como a

ordenação que irradia e imita os sistemas de norma, é núcleo de condensação no

qual confluem valores e bens legais. Bandeira de Mello10 segue dicção semelhante:

8 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 447. 9LOPES, Marcio Antônio Ribeiro. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e C riminais. 3

ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.30.

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[...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico, é o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

Denota-se, dessa forma, que os princípios são definidos como

juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um

conjunto de juízos. São, assim, verdades fundantes de um sistema de

conhecimento, tendo como característica principal, suas generalidades ou

abrangências. 11

Parte da doutrina, contudo, defende que os princípios são,

acima de tudo, norma jurídica. Para esta corrente, o sistema jurídico compõe-se de

normas, que por sua vez, abrangem os princípios e as regras12.

Segundo Carmen Lúcia Antunes Rocha13, os princípios

constitucionais são expressões normativas consolidadas a partir dos valores ou fins

predeterminados constitucionalmente, que se destinam a dar o máximo de

coerência, univocidade e concreção ao ordenamento jurídico fundado numa dada

Constituição. São eles que delimitam a margem de interpretação e apreciação do

texto constitucional pelo operador jurídico. Sem os princípios, o processo de

concretização da norma constitucional careceria de qualquer objetividade. As regras

constitucionais, por sua vez, estatuem preceitos normativos, tal como as regras

jurídicas infraconstitucionais, estabelecem um padrão de conduta a ser seguido pelo

cidadão diante de uma dada situação jurídica individual, que pode determinar uma

permissão, obrigação ou proibição. Devem gozar de um padrão mínimo de

10 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo: Malheiros,

1996. 11 CIOTOLA, Marcello. Princípios Gerais de Direito e Princípios Constitucionais. In Os Princípios da

Constituição de 1988 . Manoel Messias Peixinho e outros (Coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 29.

12 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da Impessoalidade. Renovar: Rio de Janeiro, São Paulo, 2001. p. 86.

13 ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública . Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 25.

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generalidade e abstração para a regulação das relações sócio-jurídicas, voltada para

o futuro e isenta de discriminações não admitidas no texto constitucional.

Lívia Maria Armentano Koenigstein Zago14·, citando Esser e

Larenz, propõe os seguintes critérios para a distinção entre princípio e regra

constitucional.

Os princípios são, pois, enfocados segundo: a) grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; as regras possuem uma abstração relativamente reduzida (Esser e Larenz). b) grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras; as regras têm aplicação direta (Esser e Larenz). c) caráter de fundamentalidade dos princípios, devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do estado de direito). d) proximidade da idéia de direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de “justiça” (Dworkin) ou na “idéia de direito” (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional (Larenz e Dworkin). e) natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando uma função normogenética fundamentante (Esser). Para Eros Roberto Grau15, os princípios possuem uma

dimensão e um peso maior do que as regras jurídicas. No entanto, inexiste uma

regra jurídica mais importante do que a outra. Havendo conflito entre elas, o peso

maior de uma invalidará a outra no ordenamento jurídico. Neste caso, é possível se

afirmar que não existem regras constitucionais de primeira, segunda ou terceira

categorias, mas tão somente regras constitucionais ou inconstitucionais, mesmo que

estejam no corpo formal da Constituição.

Dworkin diferencia princípio jurídico de regra jurídica, levando

em consideração ser muito mais complexo determinar o peso e a dimensão de um

princípio, na medida em que esses nem mesmo estabelecem as condições que

tornam a sua aplicação necessária, mas conduz o argumento em uma certa direção,

14 ZAGO, Lívia Maria Armentano Koenigstein. O Princípio da Impessoalidade. p. 87-88 15 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpre tação e crítica. 2

ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990.

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ou seja, princípio é o que é observado na aplicação da justiça em cada caso, não

precisando estar necessariamente estabelecido em uma lei ou precedente.

Para o referido doutrinador, portanto, a diferença entre

princípios e regras é de natureza lógica, sendo que ambos apontam para a decisão

a respeito de determinada obrigação judicial em um caso específico, porém

distanciam-se quanto à natureza da orientação que oferecem. 16

A partir disso, é possível afirmar que os princípios

constitucionais representam normas constitucionais hierarquicamente superiores às

regras constitucionais, por aqueles gozarem de uma dimensão axiológica e teológica

mais ampla e influente do que a destas, repercutindo sobre todo o ordenamento

jurídico-constitucional. É certo que as regras constitucionais também têm uma

dimensão axiológica e teleológica, mas esta se encontra adstrita às situações

jurídicas individuais que visa regular, não incidindo diretamente, como fazem os

princípios, sobre o sistema jurídico estatal.

Diante do que fora introduzido, passamos a ingressar no

estudo dos princípios de processo penal de índole constitucional.

1.2 POR UM PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL

Para a ideal aplicação do Direito é imprescindível que o

Processo Penal passe por uma constitucionalização, estabelecendo-se um sistema

de garantias mínimas. Como decorrência, o fundamento legitimante da existência do

Processo Penal democrático é sua instrumentalidade constitucional, ou seja, o

processo enquanto instrumento a serviço da máxima eficácia de um sistema de

garantias mínimas, ou como registra Aury Lopes Jr.17, o Processo Penal desde seu

inegável sofrimento, a partir de uma lógica de redução de danos.

16 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins

Fontes, 2002. p. 39.

17 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . Vol. 1. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 115.

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Referido autor lida com o Processo Penal desde um olhar

constitucional, buscando efetivar a filtragem que o Código de Processo Penal exige

para ter aplicação conforme a constituição.18 Nessa tarefa, existem princípios que

fundam a instrumentalidade constitucional e conduzem a uma (re) leitura de

importantes institutos do Processo Penal Brasileiro.

Além dos princípios estritamente constitucionais (princípio do

devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, do duplo grau de

jurisdição, da igualdade, da legalidade, da publicidade, do estado de inocência,

dentre outros), há os princípios que se aplicam genericamente ao processo penal,

por força de lei ordinária, de tratados, que pelo fato de não estarem previstos na

Constituição não lhes retiram suas importâncias, bastando lembrar a regra do § 2º

do artigo 5º da CRFB/88:

Art. 5º. [...] § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Destaca-se que com a EC nº. 45/04, foi acrescentado o § 3º no

art. 5º da Constituição que equipara os tratados e convenções internacionais que

versem sobre direitos humanos às emendas constitucionais, desde que devidamente

aprovados como estas são:

§ 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Dentre os princípios que regem o processo penal brasileiro,

dar-se-á maior destaque aqueles que funcionarão de sustentação às hipóteses

formuladas no início do trabalho, quais seja o princípio da necessidade do processo

penal, princípio da imparcialidade do juiz, princípio do contraditório, princípio da

ampla defesa, princípio da inércia jurisdicional e, finalmente, o questionável princípio

da verdade real.

18 Todo poder tende a ser autoritário e precisa de limites. Então, as garantias processuais

constitucionais são verdadeiros escudos protetores contra o (ab) uso do poder estatal.

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1.2.1 Princípio da necessidade do processo penal

A titularidade exclusiva por parte do Estado do poder de punir

surge no momento em que é suprimida a vingança privada19 e são implantados os

critérios de justiça. O Estado, como ente jurídico e político, avoca para si o direito (e

o dever) de proteger a comunidade e também o próprio acusado, como meio de

cumprir sua função de procurar o bem comum, que se veria afetado pela

transgressão da ordem jurídico-penal, por causa de uma conduta delitiva.

Frente à violação do bem juridicamente protegido, caberá, via

de regra20, a invocação da devida tutela jurisdicional. Neste caso, necessária se faz

a utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado - o processo penal – mediante

a atuação de um terceiro imparcial, cuja designação não corresponde à vontade das

partes e resulta da imposição da estrutura institucional, por meio do qual será

apurada a existência da infração e, caso necessário, sancionado o seu autor. O

processo penal, dessa forma, é a única estrutura que se reconhece como legítima

para imposição da pena.21

Para que possa ser aplicada a pena, não só é necessário que

exista um crime (e que seu autor seja culpável), mas também que exista

previamente o devido processo penal. A pena não só é efeito jurídico do delito,

senão que é um efeito do processo; mas o processo não é efeito do delito, senão da

necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo:

A pena depende da existência do delito e da existência efetiva

e total do processo penal, posto que, se o processo termina antes de desenvolver-se

completamente (arquivamento, suspensão condiciona, etc.) ou se não se

desenvolve de forma válida (nulidade), não pode ser imposta uma pena. Existe uma

19 Uma das grandes conquistas do direito moderno e que se revela como verdadeira garantia dos

direitos individuais é a da proibição da justiça privada ou da chamada “justiça pelas próprias mãos”. No campo penal, em nenhuma hipótese se admite a autotutela. Mesmo a legítima defesa não é caso de autotutela. Quem detém o poder punitivo penal é sempre o Estado, daí não ser possível conceber, em hipótese alguma, que o indivíduo, ao repelir a agressão injusta, esteja exercendo esse poder punitivo (In GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal . 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 44-45).

20 Diz-se via de regra porque haverá ressalva quanto as causas de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade juridicamente reconhecidas pelo Direito Penal.

21 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 23.

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íntima e imprescindível relação entre delito, pena e processo, de modo que são

complementares. Não existe delito sem pena, nem pena sem delito e processo, nem

processo penal senão para determinar o delito e impor uma pena.22

Assim fica estabelecido o caráter instrumental do processo

penal, pois ele é o caminho necessário para a imposição da pena.

Por outro lado, é necessário compreender que a função

constitucional do processo como instrumento a serviço da realização do projeto

democrático, possui viés constitucional-garantidor da máxima eficácia dos direitos e

garantias fundamentais, em especial da liberdade individual.23 Com isso, conclui-se

que a instrumentalidade do processo penal é o fundamento de sua existência, mas

com uma especial característica: é um instrumento de proteção dos direitos e

garantias individuais. É uma especial conotação do caráter instrumental e que só se

manifesta no processo penal, pois se trata de instrumentalidade relacionada ao

Direito Penal, à pena, às garantias constitucionais e aos fins políticos e sociais do

processo.

Aury Lopes Jr.24 lembra que atualmente, existe uma inegável

crise da teoria das fontes , em que uma lei ordinária acaba valendo mais do que a

própria Constituição, não sendo raros aqueles que negam a Constituição como

fonte, recusando sua eficácia imediata e executividade. Para o autor, essa recusa

deve ser constantemente combatida.

A luta é, portanto, pela superação do preconceito em relação à

eficácia da Constituição no processo penal. O processo não pode mais ser visto

como um simples instrumento a serviço do poder punitivo (Direito Penal), senão que

desempenha o papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele

submetido. E a partir daí, cabe registrar uma questão importante: o respeito às

garantias fundamentais não se confunde com impunida de. O processo penal é o

caminho para chegar-se, legitimamente, à pena. Daí por que somente se admite sua

existência quando ao longo desse caminho forem rigorosamente observadas as 22 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 24. 23 Sobre o tema: PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório : a conformidade constitucional das Leis

Processuais Penais. 4. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2006. p. 26. 24 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 9.

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regras e garantias constitucionalmente asseguradas: as regras do devido processo

legal. 25

1.2.2 Princípio do Devido Processo Legal

Dispõe o art. 5º, LIV, da Constituição que “ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

A grande maioria da doutrina registra a amplitude desse

princípio, que engloba, dentre outros, o princípio da legalidade, da ampla defesa, do

contraditório, da publicidade, do juiz natural.

Extrai-se do ensinamento de Tourinho Filho26 que a expressão

“devido processo legal” surgiu na Inglaterra, em 1215, imposta no art. 39 da Magna

Carta pelos barões feudais ao Rei João Sem Terra, visando assegurar o indivíduo

contra o exercício arbitrário do governo irrestrito limitando, desta forma, suas

práticas absolutistas. Em 1354, na primeira versão em inglês, foi utilizada em

substituição a expressão law of the land, pela primeira vez, due process of law,

tendo esta sido consagrada pelas cortes inglesas e americanas, como sucessora

daquela, com idêntico teor, consistindo no direito de não ser privado da liberdade e

de seus bens sem garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na

forma em que estabelece a lei.

José Afonso da Silva ao descrever as garantias constitucionais

individuais escreve, à luz da Constituição27:

O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º LIV). Cominado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e quando se fala em “processo”, e não em

25 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional. p. 9. 26 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal . São Paulo: Saraiva, 2003. p.

25. 27 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9 ed. São Paulo: Malheiros,

1993. p.378.

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simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais, conforma autorizada lição de Frederico Marques.

Celso Ribeiro Bastos28 anota que esse princípio se caracteriza

pela sua excessiva abrangência e quase que se confunde com o Estado de Direito.

A partir da instauração deste, todos passaram a se beneficiar da proteção da lei

contra o arbítrio do Estado. Por esta razão, o princípio se desdobra em uma série de

outros direitos, protegidos de maneira específica pela Constituição. A partir disso,

vislumbra-se a utilidade da enunciação no Texto Constitucional, pois ela tem

permitido o florescer de toda uma construção doutrinária e jurisprudencial que tem

procurado agasalhar o réu contra toda e qualquer sorte de medida que o inferiorize

ou impeça de fazer valer suas autênticas razões.

Na verdade, a garantia do due process of law é dupla. O

processo, em primeiro lugar, é indispensável à aplicação de qualquer pena,

conforme a regra nulla poena sine judicio, significando o devido processo como o

processo necessário. Em segundo lugar, o devido processo legal significa o

adequado processo, ou seja, o processo que assegure a igualdade das partes, o

contraditório e a ampla defesa. A regra vale para o processo penal, mas também é

aplicável ao processo civil no que concerne à perda de bens.29

A dupla proteção desse princípio também é lembrada por

Alexandre de Moraes30, quando registra que o:

[...] devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa [...].

Dessa forma, o inciso LV do art. 5º da CRFB/88 assegura aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o

28 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1989. 29 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal . 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47. 30 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional . 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 123.

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contraditório e a ampla defesa (duas outras garantias que serão analisadas mais

adiante), com os meios e recursos a ela inerentes. Consideram-se meios inerentes à

ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar

alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer

contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é

essencial à Administração da Justiça (CRFB/88, art. 133); e e) poder recorrer da

decisão desfavorável.

1.2.3 Princípio da Imparcialidade do juiz

Este princípio está diretamente ligado ao princípio da

igualdade, exposto no art. 5º, caput, da Constituição, e determina que todos tenham

direito ao tratamento igual perante a lei, não podendo, portanto, o juiz, exercendo

sua função de mero representante do Estado, “tomar partido”, privilegiando uma das

partes.

Segundo Tourinho Filho31, em decorrência desse princípio,

“não se pode admitir juiz parcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de dar a cada um

o que é seu, essa missão não seria cumprida se, no processo, não houvesse

imparcialidade do juiz”.

Como anotam Cintra, Grinover e Dinamarco32, o processo se

constitui como um instrumento técnico e ético onde o juiz através da imparcialidade,

assegura a justiça para as partes. O Estado, por sua vez, tem o dever de agir com

imparcialidade na solução das contendas que lhe são submetidas. Assim, somente

por intermédio da figura de um juiz imparcial haverá solução dos conflitos com

justiça.

Todavia, conforme Tourinho Filho33, nenhum juiz poderia ser

efetivamente imparcial se não estivesse livre de coações, de influências

31 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal . p.17 32 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo . 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 51-53. 33 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal . p.17-18

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constrangedoras, enfim, de ameaças que pudessem fazê-lo temer a perda do cargo.

Daí decorre as garantias conferidas à magistratura pela Constituição brasileira:

vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos (art. 95, da CRFB34)

Todavia, se houver motivo que, eventualmente, possa afetar-lhe a imparcialidade,

qualquer das partes pode excepcionar-lhe o impedimento, incompatibilidade ou

suspeição, previstos nos 112, 252 e 254, do CPP 35.

Cabe registrar, que a imparcialidade delineada pelo Código de

Processo Penal, quando trata dos institutos da suspeição e impedimento não

garantem um juiz suficientemente equidistante das partes. É necessário ter-se um

julgador realmente apto a desempenhar seu papel garantidor.

A imparcialidade do órgão jurisdicional é um princípio supremo

do processo, e como tal, imprescindível para o seu normal desenvolvimento e 34 Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; 35 Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os

peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição.

Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;

II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;

III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;

IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.

Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;

V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

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obtenção do reparto judicial justo. Daí necessário registrar a diferença entre

imparcialidade objetiva e imparcialidade subjetiva.

Conforme registra Lopes Jr. 36, a imparcialidade objetiva é

aquela vislumbrada a partir das hipóteses de suspeição e impedimento previstas na

lei processual. Dessa forma, objetivamente, caso nenhuma daquelas hipóteses

estejam presentes, será o juiz imparcial.

Por outro lado, a imparcialidade subjetiva, significa um estado

emocional, um estado anímico do julgador. A imparcialidade corresponde

exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo, por meio

do juiz, atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva. Mais do que

isso, exige uma posição de alheio aos interesses das partes na causa.

Por esta razão, cai por terra a imparcialidade (e neste caso, a

imparcialidade subjetiva), quando se atribuem poderes instrutórios (ou

investigatórios) ao juiz, pois a gestão ou iniciativa probatória é característica

essencial do sistema inquisitivo. Conforme Lopes Jr.37, essa questão destroi a

estrutura dialética do processo penal, o contraditório, a igualdade de tratamento e

oportunidades e, por derradeiro, a imparcialidade, o princípio supremo do processo.

Por isso, a imparcialidade do juiz fica evidentemente

comprometida quando se está diante de um juiz-instrutor (poderes investigatórios)

ou quando lhe atribuem poderes de gestão/iniciativa probatória.

Registra-se, dessa forma, que o princípio da imparcialidade do

juiz, nada mais é que a garantia do sistema acusatório, a existência de um juiz que

deve ter como poder apenas analisar o que foi apresentado pela acusação e pela

defesa e daí formar seu juízo de valor, sendo inadmissível, portanto, entre outros, a

atribuição de poderes instrutórios para este, pois tal poder fere absolutamente o

sistema acusatório e a garantia da imparcialidade. 38

36 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 131. 37 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 132. 38 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 430.

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1.2.4 Princípio da Ampla Defesa

Para o desenvolvimento e estrutura do processo penal, a

garantia mais importante e ao redor da qual todo o processo gravita é a da ampla

defesa, com os recursos a ela inerentes, sobre a qual convém insistir e ampliar.39

Consiste a ampla defesa na oportunidade de o réu contraditar a

acusação, mediante previsão legal de termos processuais que possibilitem a

eficiência da defesa. Ampla defesa, porém, não significa oportunidades ou prazos

ilimitados. Greco Filho40 assevera que, dentro do que a prática processual ensina, a

lei estabelece os termos, os prazos e os recursos suficientes, de forma que a

eficácia, ou não, da defesa dependa da atividade do réu, e não das limitações legais.

O réu é também obrigado a cumprir os prazos da lei, nada podendo argüir se os

deixou transcorrer sem justo motivo.

Assim, por ampla defesa pode-se entender o asseguramento

que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os

elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se

entender necessário. 41

Estes elementos possibilitam mostrar e esclarecer a verdade

dos fatos, possibilitando ao réu o acesso irrestrito ao juízo penal, obrigando o Estado

a promover a defesa do suspeito, se este não a tiver, dando-lhe defensor dativo.

Através deste princípio também é possível o juiz desconstituir o defensor, quando

este mostrar deficiência técnica na defesa do réu.

Pode-se, portanto, afirmar que a ampla defesa se realiza por

meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva e, finalmente, por qualquer

meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado. 42

Sobre estes três institutos, Eugênio Pacelli de Oliveira43

esclarece que a defesa técnica é a exigência de defensor devidamente habilitado 39 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal . 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 55. 40 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal . p. 55. 41 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional . p. 124. 42 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3 ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del

Rey, 2004. p. 25.

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nos quadros da OAB para defender o acusado em todos os atos do processo. Em

relação à autodefesa, esta se manifesta, sobretudo, no interrogatório do acusado,

mas engloba toda atividade desenvolvida em prol dos interesses defensivos. Por fim,

a defesa efetiva exige a efetiva participação do defensor do acusado no processo,

não se admitindo a ausência de manifestação da defesa nos momentos processuais

mais relevantes, como é o caso das alegações finais.

José Frederico Marques44 também contribui para a matéria:

Defesa é o direito que tem o réu ou acusado de opor-se à pretensão do autor (público ou privado), no curso do processo instaurado contra este. E como o processo tem duplo conteúdo - um processual e outro de mérito - distinguem-se duas formas de defesa: a defesa processual e a defesa de mérito. Com a primeira, o acusado procurará mostrar, quando isto couber, que é inadmissível a prestação jurisdicional pedida, por falta de algum pressuposto processual, condição da ação ou de procedibilidade; e com a segunda, tentará mostrar que inexiste o direito de punir, ou a que a acusação, no todo ou em parte, é improcedente.

Dessa forma, a ampla defesa se traduz, em termos objetivos,

englobando a instrução contraditória, em algumas soluções técnicas dentro do

processo, as quais, na verdade, tornam efetiva a garantia. Entre elas, podemos cita:

a adoção do sistema acusatório, a apresentação formal da acusação, a citação

regular, a instrução contraditória, o exercício da defesa técnica, etc.

1.2.5 Princípio do Contraditório

Previsto no art. 5º, LV, da CRFB/88 que dispõe que “aos

litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes”.

O contraditório pode ser definido como o meio ou instrumento

técnico para a efetivação da ampla defesa, e consistente praticamente em: poder

43 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. p. 326. 44 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Processual Penal. Vol. 1. São Paulo: Saraiva,

1980. p. 102-103.

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contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas que devem, se

pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção das provas,

fazendo, no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender cabíveis;

falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e termos

processuais aos quais deve estar presente; e recorrer quando inconformado.

Essas providências de defesa estão previstas como faculdades

na legislação processual e não precisa efetivar-se em todos os casos, podendo o

réu deixar, voluntariamente, de exercer as que entender desnecessárias.

Conforme Denílson Feitoza45, o contraditório e a ampla defesa

são ‘assegurados’ nos processos judiciais e administrativos, o que não significa que

tenham que ocorrer como se fossem da essência do processo.

Eugênio Pacelli Oliveira46 ensina que:

O contraditório, portanto, junto ao princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental de todo processo e, particularmente, do processo penal. E assim é porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e eqüitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal.

Para Antônio Scarance Fernandes47, no processo penal é

necessário que a informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório

pleno e efetivo. Pleno porque exige a observância do contraditório durante todo o

andamento da causa, até seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar às

partes a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária,

sendo indispensável proporcionar as partes os meios para que tenham condições

reais de contrariá-los.

45 PACHECO, Denílson Feitoza. Direito processual penal : teoria, crítica e práxis, 5° ed., rev. e atual

com emenda constitucional da “Reforma do Judiciário”. Niterói, RJ: Impetus, 2008, p. 135 46 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. p.23. 47 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3 ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003. p. 58.

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Irajá Pereira Messias48 esclarece que no contraditório reside

uma das mais importantes garantias da prova penal isenta. Da mesma forma que é

direito do Estado punir os delitos, castigando e segregando os infratores da lei penal,

chamando pra si os encargos da defesa social, é também direito do acusado de

produzir provas em exata proporção de igualdade”.

O princípio do contraditório tem como dever exercer seu papel

garantindo ao cidadão um processo igualitário entre acusado e acusador, ou seja,

que o Estado assegure pelas garantias fundamentais do individuo todos os meios de

defesa e efetiva busca de justiça.

1.2.6 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

Este princípio não está previsto no rol do bastante citado art. 5º

da CRFB/88, mas decorre do sistema constitucional.

No entanto, Greco Filho49 adverte que a estrutura do Poder

Judiciário é escalonada em graus de jurisdição, afirmando o texto constitucional em

várias passagens a competência dos tribunais para julgar “em grau de recurso”, daí

a natural consequência de que, em princípio, as decisões não devem ser únicas.

O princípio do duplo grau de jurisdição tem como principal

objetivo proporcionar a parte que não obteve satisfação de sua pretensão em

primeiro grau à possibilidade de um novo exame de seu processo por um órgão de

segundo grau, portanto, diverso do que julgou precedente. 50

Para José de Albuquerque Rocha51 este princípio assegura à

parte um novo pronunciamento da matéria submetendo as decisões dos órgãos de

primeiro grau, geralmente mais sensíveis às necessidades das mudanças sociais, a

48 MESSIAS, Irajá Pereira. Da Prova Penal. 1 ed. Campinas – SP: Bookseller, 1999.p.64. 49 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal . p. 51. 50 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo Penal. 6 ed. São Paulo: Malheiros,

2002. p.127. 51 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo Penal . p.127.

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um controle por órgãos ditos mais experientes, evitando-se as chamadas decisões

alternativas ou revolucionárias.

Conforme Cintra, Grinover e Dinamarco52:

O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade de a decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir sua reforma em grau de recurso. [...] Os tribunais de segundo grau, formados em geral por juízes mais experientes e constituindo-se em órgãos colegiados, oferecem maior segurança; e está psicologicamente demonstrado que o juiz de primeiro grau se cerca de maiores cuidados no julgamento quando sabe que sua decisão poderá ser revista pelos tribunais da jurisdição superior.

Nery Junior53 afirma que o princípio do duplo grau de jurisdição

tem íntima relação com a preocupação dos ordenamentos jurídicos em evitar a

possibilidade de haver abuso de poder por parte do juiz, o que poderia em tese

ocorrer se não estivesse a decisão sujeita à revisão por outro órgão do Poder

Judiciário.

O juiz único gera grave risco de decisão injusta, daí a

necessidade do sistema recursal; mas também é indispensável à participação do juiz

de primeiro grau, dada sua proximidade ao fato e a possibilidade de melhor aferição

da prova. O sistema ideal, portanto, é o da dupla apreciação, que, no Brasil, pode

alcançar o triplo ou quádruplo reexame, conforme a matéria, se surgir questão

constitucional. 54

Dessa forma, este princípio visa, primordialmente, a ideia de se

evitar que alguma das partes seja prejudicada pelo eventual abuso de poder do

magistrado, possibilitando àquele submeter seu intento à apreciação de outros

órgãos.

52 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo . p.74-75. 53 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos . 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 37. 54 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal . p. 51.

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1.2.7 Princípio da Isonomia (igualdade entre as par tes)

O princípio da igualdade está previsto no art. 5º, caput, da

Constituição, cujo teor transcreve-se: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção

de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes [...]”. A partir disso, é possível concluir que ainda

que subjetivamente desiguais, os cidadãos merecem igual tratamento jurídico.

O art. 10 da Declaração dos Direitos do Homem aprovada pela

Assembléia Geral das Nações Unidas de 1948, também celebra o princípio da

isonomia quando registra que:

Toda Pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal.

O art. 14, §1º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos — Pacto de Nova Iorque estabelece que “Todas as pessoas são iguais

perante os tribunais e as cortes de justiça". As implicações do postulado parecem

interessantes quando ele é posto em confronto, principalmente, com a prerrogativa

especial de função, dirigida a certas autoridades públicas e agentes políticos.

No processo, as partes, embora figurem em pólos opostos,

situam-se no mesmo plano, com iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades.

Deriva, portanto, de uma conseqüência lógica da estrutura do nosso Processo

Penal. 55

Neste contexto, embora na ação penal pública o Estado se

apresenta pelo representante do Ministério Público, a parte pública não tem maiores

poderes que a parte privada ré, o indivíduo. Ambos devem se apresentar no mesmo

plano de igualdade, com os mesmo poderes e faculdades e os mesmos deveres

processuais.

55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal . p.18.

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Para Antônio Scarance Fernandes56, a igualdade processual

manifesta-se em dois sentidos:

1º. Exigência de mesmo tratamento aos que se encontrem na mesma posição jurídica no processo, como, por exemplo, o mesmo tratamento a todos os que ostentem a posição de testemunha, só se admitindo desigualdades por situações pessoais inteiramente justificáveis e que não representem prerrogativas inaceitáveis; 2º. a igualdade de armas no processo para as partes, ou par conditio, na exigência de que se assegure às partes equilíbrio de forças; no processo penal, igualdade entre Ministério Público e acusado.

Todavia, quando se afirma que duas partes devem ter

tratamentos paritários, isso não exclui de, em determinadas situações, dar a uma

delas tratamento especial para compensar eventuais desigualdades, suprindo-se o

desnível da parte inferiorizada a fim de resguardar a paridade de armas. Este

tratamento diferenciado entre acusação e defesa, em favor desta está justificado por

outros princípios, tais como, por exemplo, o in dúbio pro reo. Essas diferenças de

tratamento entre o réu e o Ministério Público encontradas no Código de Processo

Penal não ofendem o princípio constitucional da isonomia. Não há, assim,

inconstitucionalidade quando só se permite ao réu a revisão criminal (arts. 621 a

631), não sendo possível a revisão pro societate; quando só o réu pode interpor

embargos de nulidade e infringentes (art. 609, § único), entre outras

excepcionalidades. 57

1.2.8 Princípio do Estado de Inocência

Também denominado “da presunção de inocência” ou da

“presunção de não culpabilidade”, previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição

dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória”.

A presunção de inocência apareceu pela primeira vez na

França pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1798.

56 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3 ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 46. 57 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. p. 49-50.

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Posteriormente este princípio foi reafirmado pela Declaração Universal dos Direitos

Humanos da Organização das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, que

estabelece em seu art. 10, que “todo homem acusado de um ato delituoso tem o

direito de ser presumido inocente até a sua culpabilidade tenha sido provada de

acordo com a lei”.

Este princípio também está previsto no art. 8º, I do Pacto de

São José da Costa Rica (introduzido no Brasil pelo Decreto Federal nº 678/92) que

menciona que “toda pessoa acusada de um delito tem o direito de se presuma sua

inocência, enquanto não se comprove legalmente a sua culpa”.

A presunção de inocência assegura a todo e qualquer indivíduo

um prévio estado de inocência, que pode ser afastado somente se houver prova

inequívoca do cometimento de um delito. Dessa forma, apenas será afastado o

estado de inocência com o trânsito em julgado de uma sentença penal

condenatória.58

Conforme Eugenio Pacelli de Oliveira59, afirma-se

freqüentemente que o princípio da inocência, impõe ao Estado a observância de

duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo a qual

o réu, em nenhum momento do inter persecutório pode sofrer restrições pessoais

fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e a outra, de fundo

probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à

sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação. À defesa restaria

apenas a demonstração da eventual presença de fato caracterizador de excludente

de ilicitude e culpabilidade, cuja presença fosse por ela alegada.

Badaró sustenta ainda que, atualmente, o princípio da

presunção de inocência é reconhecido como componente basilar de um modelo

processual penal que queira ser respeitador da dignidade e dos direitos essenciais

da pessoa humana. Liga-se, pois, à finalidade do processo penal, ou seja, um

58 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 284. 59 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. p. 26-27.

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processo necessário para a verificação jurisdicional da ocorrência de um delito e sua

autoria. 60

Dessa forma o acusado tem o direito de ser tratado perante a

sociedade da mesma forma que o não acusado. Não é o fato de a pessoa estar

respondendo a um processo-crime que faz merecê-la tratamento desigual.

Porém, muitas vezes os órgãos de comunicação social

demonstram ignorar a existência do princípio da presunção de inocência. É costume

ver nas revistas e noticiários informações sobre fatos e objetos de processos serem

dadas como se verdadeiras já fossem. A conseqüência de um ato como este para

um inocente pode ser devastadora e vai contra as garantias fundamentais de um

Estado de Direito Democrático.

A importância de referido princípio é revelada por Amilton

Bueno de Carvalho61, quando afirma que “o Princípio da Presunção de Inocência

não precisa estar positivado em lugar nenhum: é ‘pressuposto’ – para seguir Eros -,

nesse momento histórico, da condição humana”.

A complexidade do conceito de presunção de inocência faz

com que dito princípio atue em diferentes dimensões no processo penal. No entanto,

a essência da presunção de inocência pode ser sintetizada na seguinte expressão:

dever de tratamento. Lopes Jr.62 explica que esse dever de tratamento atua em

duas dimensões, interna e externa ao processo:

Dentro do processo, a presunção de inocência implica um

dever de tratamento por parte do juiz e do acusador, que deverão efetivamente tratar

o réu como inocente, não abusando das medidas cautelares e, principalmente, não

olvidando que a partir dela se atribui a carga de prova integralmente ao acusador

(em decorrência de tratar o réu como inocente, logo, a presunção deve ser

derrubada pelo acusador). Na dimensão externa ao processo, a presunção de

60 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. p.283-284 61 BUENO DE CARVALHO, Amilton. Lei, para que (m)? In Escritos de Direito e Processo Penal em

Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo. Alexandre Wulderlich (Coor.). Rio de Janeiro: Lumen Junir, 2001, p. 51.

62 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . 535.

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inocência impõe limites à publicidade abusiva e à estigmatização do acusado (diante

do dever de tratá-lo como inocente).

Por outro lado, o louvor a esse princípio retira a possibilidade

constitucionalmente assegurada da intervenção prisional provisória:

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. 63

Dessa forma, mesmo com a existência do princípio da

presunção de inocência, são possíveis as prisões temporárias, em flagrante e

preventiva, desde que comprovadamente necessárias e devidamente

fundamentadas pelos magistrados.

1.2.9 Princípio da Verdade Real

Este princípio recomenda às partes e ao magistrado que se

empenhem no processo para atingir a verdade real, ou seja, descobrir efetivamente

como os fatos se passaram, não admitindo ficções e presunções processuais, a fim

de permitir a justa resposta estatal.

Vale salientar que segundo a doutrina mais moderna, é

impossível alcançar a verdade real. No máximo, obtém-se a verdade processual. O

que importa observar é que nunca será possível reconstruir inteiramente o iter

criminis, porquanto parte dele se processa no mundo subjetivo, na mente do

delinqüente, sendo inalcançável pelo julgador e pelo Ministério Público, mesmo

mediante confissão.

63 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional . p. 132.

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A respeito desse princípio, Aury Lopes Jr.64 lembra a célebre

frase de Joseph Goebbels, ministro de propaganda nazista de Hitler: uma boa

mentira, repetida centenas de vezes, acaba se tornando uma verdade. No caso do

Processo Penal, torna-se uma verdade real.

Conforme referido autor, historicamente, está demonstrado

empiricamente que o processo penal, sempre que buscou uma “verdade real”,

reduziu significativamente seus limites de atuação, admitindo, inclusive, a tortura,

levando mais gente a confessar delitos não cometidos, mas também impossíveis de

serem realizados.65

Procurando desconstruir esse princípio, Geraldo Prado66

explica que se o juiz, ao valorar o complexo probatório constante dos autos, não se

convencer, suficientemente, sobre a (in) existência da conduta delitiva imputada ao

réu - numa palavra, se este é culpado ou inocente (ou seja, não tem certeza o

magistrado acerca da responsabilidade do réu quanto ao crime contra ele imputado),

terá duas alternativas:

a) o juiz, entendendo que o Ministério Público não se

desincumbiu do ônus de provar o fato penalmente relevante, isto é, não existindo

nos autos, conforme os exatos termos do art. 386, VI, do CPP, prova suficiente para

condenação, aplica o princípio in dubio pro reo, corolário da presunção de inocência

do acusado (art. 5º, inc. LVII, da CF/88), e profere uma sentença absolutória ;

b) o juiz, ancorado no art. 156, in fine, do CPP, em homenagem

ao “princípio da verdade real”, que lhe confere amplos poderes instrutórios, requer

diligências, na maioria das vezes, a fim de sanar a inércia probatória do Ministério

64 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 555. 65 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 556. 66 Geraldo Prado explica: “Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução

de meios de prova que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual, nessas circunstâncias, acaba por substituir. Mais do que isso, aqui igualmente se verificará o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto das reservas quanto ao poder do próprio juiz iniciar o processo, na medida em que o juiz fundamentará, normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao processo, por considerar importantes para o deslinde da questão. Isso acabará afastando o juiz de sua desejável posição de seguro distanciamento das partes e de seus interesses contrapostos, posição essa apta a permitir a melhor ponderação e conclusão”. In PRADO, Gerado. Sistema acusatório . A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 137.

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Público ou querelante, tendendo, com esta atitude, a prolatar uma sentença

condenatória.

Diante dessas duas opções facultadas ao juiz, é preciso

esclarecer que o princípio da presunção de inocência do acusado (art 5º, LVII, da

CF/88), além de cláusula pétrea (art. 60, §4º, I, da CF/88), é a regra de julgamento

do processo penal. Deste modo, conforme Aury Lopes Junior 67 , o juiz, sob pena de

malferir tal princípio, não poderá, no ato de julgar, ainda que haja dúvida sobre ponto

relevante, requerer diligências probatórias para saná-la.

Caso contrário, estar-se-á compactuando com uma odiosa

alteração da distribuição do ônus da prova, atribuindo-se ao acusado o ônus de

provar, acima de qualquer dúvida razoável, sua inocência. Por isso é que o artigo

156 do Código de Processo Penal deve ser interpretado conforme o mandamento

constitucional de presunção de inocência do réu.

Há três questões a serem respondidas no tocante ao elaborado

na letra “b”:

a) Argumenta-se que o objetivo do processo penal é obter a

“verdade real”, ou seja, desvendar os fatos tal qual eles aconteceram na realidade.

b) Ocorre que esse objetivo é absolutamente inalcançável,

pois o processo penal volta-se para o passado e o tempo é, por definição, irrepetível.

A verdade alcançada no processo é sempre aproximativa (uma “verdade

reconstruída"), nunca "absoluta", "substancial", "material" ou "real".

c) Por último, deve-se ter em mente que a “verdade real” é

uma criação da Inquisição, na qual se consideravam os juízes como representantes

de Deus e, portanto, infalíveis.

67 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal : Fundamentos da Instrumentalidade

Garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 179: “Ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução de incerteza (dúvida) judicial, o princípio in dubio pro reo corrobora a atribuição de carga probatória ao acusador. A única certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da materialidade, necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do contrário, em não sendo alcançado esse grau de convencimento (e liberação de cargas), a absolvição é imperativa.”.

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Por isso mesmo, o mais correto é concordar com Aury Lopes

Junior 68 no sentido de que é impossível se falar, hoje em dia, de verdade ou certeza

em ciências humanas, mas apenas em probabilidades (grande plausibilidade de que

os fatos tenham ocorrido conforme apurado no processo).

Em suma, a verdade real é sempre impossível de ser obtida.

Não só porque a verdade é excessiva, mas também porque constitui um gravíssimo

erro falar em “real” quando estamos diante de um fato passado, histórico. Isso é só

imaginário, ou seja, imaginamos que ocorreu dessa ou daquela forma. É um absurdo

equiparar o real ao imaginário. O real só existe no presente. O crime é um fato

passado, reconstruído no presente, logo, no campo da memória, do imaginário.69

1.2.10 Princípio da Persuasão Racional ou do Livre Convencimento Motivado

Pertencem as partes a iniciativa de enunciar os fatos e de

produzir as provas de suas alegações. Ao juiz cabe atribuir-lhes o valor que

merecerem, daí decidindo sobre a procedência ou improcedência do pedido. Por

mais complexa que seja a norma jurídica a ser aplicada, ou por mais complexa que

seja a situação de fato, não pode o juiz declinar da jurisdição.70

Na avaliação das provas, é possível imaginar três sistemas que

podem orientar a conclusão do juiz: sistema da livre apreciação ou da convicção

íntima, sistema da prova legal ou tarifada e sistema da persuasão racional ou do

livre convencimento motivado. Analisar-se-á cada um deles na sequência:

1.2.10.1 Sistema da livre apreciação ou íntima convicção

Conforme esse sistema, o juiz tem ampla liberdade de decidir,

convencendo-se da verdade dos fatos segundos critérios de valoração íntima,

68LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal : Fundamentos da Instrumentalidade

Garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 267. 69 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 558. 70 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal . 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 202.

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independentemente do que consta nos autos, e livre, de qualquer fundamentação do

seu convencimento. 71

O sistema da íntima convicção não é utilizado no processo

penal brasileiro, salvo por ocasião dos julgamentos em plenário, no Tribunal do Júri.

Neste caso, os jurados estão livres de qualquer fundamentação na apreciação da

prova, formando sua convicção de forma livre.

Aury Lopes Jr72. faz pontuais críticas ao sistema da íntima

convicção. Conforme o autor, neste sistema, as decisões construídas a partir dele,

despidas de qualquer fundamentação permitem a imensa monstruosidade jurídica

de ser julgado a partir de qualquer elemento, pois a supremacia do poder dos

jurados chega ao extremo de permitir que eles decidam completamente fora da

prova dos autos, ou até mesmo, decidam contra a prova. Segundo ele:

Isso significa um retrocesso ao direito penal do autor, ao julgamento pela “cara”, cor, opção sexual, religião, posição sócio-econômica, aparência física, postura do réu durando do julgamento, ou mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode recair o juízo de (des) valor que o jurado faz em relação ao réu. E tudo isso sem qualquer fundamentação. A amplitude do mundo extra-autos que os jurados podem lançar mão, sepulta qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de julgar.73

1.2.10.2 Sistema da prova legal ou tarifada

De acordo com o sistema legal ou tarifado, cada prova tem seu

peso e seu valor, ficando o juiz vinculado dosimetricamente às provas apresentadas,

cabendo-se apenas computar o que lhe foi apresentado.

Lembra Lopes Jr.74, que no sistema legal de provas, o

legislador previa a priori, a partir da experiência coletiva acumulada, um sistema de

valoração hierarquizado da prova (estabelecendo uma tarifa probatória ou tabela de

valoração das provas). Era chamado de sistema legal de provas exatamente porque

71 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal . p. 202. 72 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 547. 73 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 548-

549. 74 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 547.

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seu valor vinha previamente definido em lei, sem atentar para especificidades de

cada caso.

Conforme referido autor, salta aos olhos os graves

inconvenientes de tal sistema, na medida em que não permitia uma valoração da

prova por parte do juiz que se via limitado a aferir segundo os critérios previamente

definidos na lei, sem espaço para sua sensibilidade ou eleições de significados a

partir da especificidade do caso.

O ponto negativo desse sistema deriva, conforme a doutrina

moderna, da relatividade das provas no processo penal, de modo que nenhuma

delas tem maior prestígio ou valor que as outras, nem mesmo as provas técnicas.75

1.2.10.3 Sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz

Esse princípio regula a apreciação e a avaliação das provas

existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção. 76

Sua previsão legal encontra-se estampado no art. 157, do

Código de Processo Penal77 e impede que o Juiz possa julgar com o conhecimento

que eventualmente tenha extra-autos. Dessa forma, aquilo que não estiver dentro do

processo é como se não existisse. O juiz tem inteira liberdade para julgar os autos,

valorando as provas como bem entender, sem, contudo arredar-se do seu conteúdo.

Este princípio está intimamente ligado ao princípio da

motivação das decisões, previsto no art. 93, IX, da CRFB78 e no art. 381, III, do

CPP79. Conforme Rogério Lauria Tucci80 é:

75 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 549. 76 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo . p. 67. 77 Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produz ida em

contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Destacou-se)

78 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulida de, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (...) Grifou-se.

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mediante a motivação que o magistrado pronunciante de ato decisório mostra como apreendeu os fatos e interpretou a lei que sobre eles incide, propiciando, com as indispensáveis clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da abordagem de todos os pontos questionado e, conseqüente e precipuamente, a conclusão atingida.

Essa motivação não é aplicada somente às sentenças, mas

também a quaisquer outros atos decisórios praticados pelos magistrados, por força

de aplicação subsidiária do art. 165 do CPC, especialmente de sua última parte: “[...]

as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso”. Esta

aplicação subsidiária é permitida pelo art. 3º, do CPP que disciplina que “a lei

processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como

o suplemento dos princípios gerais de direito”. A importância desse sistema reside,

portanto, no fato de sustentar a garantia da fundamentação das decisões judiciais.

No entanto, esse livre convencimento não é tão livre assim, ao

menos no plano jurídico-processual, pois conforme registra Lopes Jr.81, fazendo

referência a Giovanni Leone, “não pode significar liberdade do juiz para substituir a

prova (e, por conseguinte, a crítica a valoração dela) por meras conjecturas ou, por

mais honesta que seja, sua opinião”.

No entanto, não nos iludimos. O autor registra que não há

como fechar os olhos para o fato de que basta uma boa retórica para mascarar a

sentença e disfarçar o que realmente ocorreu: o primado do juiz moralista sobre as

provas e fatos do processo.82

Além disso, também a motivação do juiz encontra limitação no

respeito ao nemo tenetur se detegere, na medida em que o juiz não pode decidir

contra o réu a partir do seu silêncio, ou seja, não pode presumir sua culpabilidade ou

atribuir qualquer espécie de prejuízo (desvalor) pelo exercício do direito de silencio e

79Art. 381. A sentença conterá: (...) III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar

a decisão; 80 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro . São

Paulo: Saraiva, 1993. p. 263. 81 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 549. 82 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 551.

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de não produzir prova contra si mesmo. Esse é um importante limite ao ato

decisório:

Seu convencimento deve ser formado a partir do que lhe é

trazido e não do que ele busca, pois o juiz foi ontologicamente concebido para ser

um “ignorante”, ele ignora os fatos e as provas, e isso é fundamental para a

estrutura do processo acusatório, cabendo às partes trazerem a informação e os

elementos de convicção. 83

Assim, o livre convencimento é, na verdade, muito mais

limitado do que livre, e dessa forma deve sê-lo, pois se trata de poder e no jogo

democrático do processo todo poder tende a ser abusivo. Por isso, necessita de

controle.

83 LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constit ucional . p. 551.

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CAPÍTULO 2

OS SISTEMAS PROCESSUAIS

O processo penal brasileiro está situado numa estrutura que

possui características diversas e se divide, historicamente, nos sistemas84 Inquisitivo

e Acusatório, surgindo contemporaneamente modelos que guardam características

de ambos sem que, todavia, possam ser indicados, no que se refere à estrutura,

como sistemas mistos.85

O objeto do processo é a matéria sobre a qual recai o

complexo de elementos que integram o processo não se confundindo com a causa

ou princípio, nem com o seu fim. O processo penal é regido pelo principio da

necessidade, é o meio necessário para chegar a uma pena. 86

Para Fernando da Costa Tourinho Filho87, o Direito Processual

Penal se resume no “conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação

jurisdicional do Direito Penal objetivo, a sistematização dos órgãos de jurisdição e

respectivos auxiliares, bem como a persecução penal”.

Sobre o tema leciona Aury Lopes Junior 88:

O Estado possui um poder condicionado de punir que somente pode ser exercido após a submissão ao processo penal. Então, no primeiro momento, o que o acusador exerce é um poder de proceder contra alguém, submeter alguém ao processo penal. É o poder de

84 Jacinto Nelson de Mirando Coutinho define sistema como “um conjunto de temas jurídicos que,

colocados em relação por um princípio unificador, formam um todo orgânico que se destina a um fim. É fundamental, como parece óbvio, ser o conjunto orquestrado pelo princípio unificador e voltado para o fim ao qual se destina” (In Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 16-17).

85 MORAIS DA ROSA, Alexandre; ROESLER, Claudia Rosane. O Equívoco democrático das reformas parciais do Código de Processo Penal a partir da Teoria da Legislação de Manuel Atienza. In BASTOS DE PINHO, Ana Cláudia et al (Coor.). Ciências Criminais: Articulações Críticas em Torno dos 20 anos da Constituição da República. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 21.

86 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.85 87 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . p.13 88 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit uciona l. p.89.

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submeter alguém a um juízo cognitivo. Não há lide ou conflito de interesses, até porque a liberdade do réu não constitui um direito subjetivo, mas um direito fundamental (...) não há conflito de interesses porque a lesão ao bem jurídico não gera um direito subjetivo que possa ser exercido (exigência punitiva), pois não existe punição fora do processo penal. (...) O que, sim, nasce é a pretensão acusatória, o poder de proceder contra alguém, de submeter ao juízo cognitivo.

E ainda citando Gimeno Sendra 89:

a função do processo penal não pode limitar-se a aplicar o poder de penar, pela simples razão de que também esta destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente. O processo penal constitui um instrumento neutro da jurisdição, cuja finalidade consiste tanto em atuar o poder de penar e a função punitiva, como também em declarar de forma ordinária (pela sentença), ou restabelecer pontualmente, a liberdade.

Feitas estas breves considerações sobre o conceito de

processo penal, faz-se necessário demonstrar os sistemas processuais penais

existentes.

Sobre sistema preconiza Norberto Bobbio 90:

O termo sistema é usado para indicar um ordenamento de matéria, realizado através do processo indutivo, isto é, partindo do conteúdo das simples normas com a finalidade de construir conceitos sempre mais gerais, e classificações ou divisões da matéria inteira.

Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui

um sistema, nos perguntamos se as normas que o compõe estão num

relacionamento de coerência entre si, e que condições é possível essa relação.

O Processo penal se divide, nos sistemas inquisitório e

Acusatório, surgindo contemporaneamente modelos que guardam características de

ambos, sem que, porém, possam ser considerados como sistemas mistos.91

89 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.96 90 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: UNB, 1995.p. 71. 91 ROSA, Alexandre Morais da; ROESLER, Cláudia Rosane. O Equívoco Democrático das Reformas

Parciais do Código de Processo Penal a partir da Teoria da Legislação de Manuel Atienza. Ciências Criminais Articulações Críticas em Torno d os 20 anos da Constituição da República. p. 21.

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Assim, primeiramente é necessário verificar em qual deles

melhor se amolda o processo penal brasileiro.

2.1 O SISTEMA INQUISITIVO

2.1.1 HISTÓRICO

As primeiras formas de processo inquisitório surgiram na Roma

imperial, com os procedimentos de ofício para os delicta publica, começando pelos

crimes de subversão e conspiração, em que se presumia ofendido um direito do

príncipe, baseado na detenção do acusado e na utilização de tortura para conseguir

confissão. 92

A inquisição tornou-se ainda mais violenta no processo

eclesiástico para os delitos de magia e heresia, nos quais o ofendido era Deus,

sendo então a acusação obrigatória e pública, sem admissão de incerteza na busca

da verdade, não existindo tampouco contraditório, e sendo o acusado forçado a

colaborar. O processo inquisitório depois do século XVI se difundiu em todo o

continente europeu, utilizado para todos os tipos de crimes, e organizado conforme

um complicado código de provas legais, técnicas inquisitoriais, prática de torturas,

fazendo com que durante cinco séculos a doutrina do processo penal fosse uma

espécie de ciência dos horrores. 93

O sistema inquisitivo surgiu assim, de governos ditadores, onde

não existia a possibilidade de o acusado se defender, fazendo o juiz o papel de

acusador e julgador, sem que houvesse igualdade entre as partes, e apenas fosse

imposta à pena de forma que fosse melhor para os interesses do Estado-Ditador.

92 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002. p. 453. 93 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. p. 453

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2.1.2. CARACTERÍSTICAS

O sistema inquisitório, também chamado de inquisitivo,

segundo Carlos Henrique Borlido Haddad94 “desenvolveu-se, mormente, em regimes

de tendências autoritárias, privilegiando os interesses sociais em face dos

individuais”.

Para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho95 “o ponto principal

desse sistema é o da centralização da acusação, instrução e julgamento na mesma

pessoa, configurando sua atuação como de extrema superioridade sobre o

acusado.”

De acordo com o entendimento de Luigi Ferrajoli 96:

(...) são tipicamente próprios do sistema inquisitório a iniciativa do juiz em campo probatório, a disparidade de poderes entre acusação e defesa e o caráter escrito e secreto da instrução. (...) chamarei inquisitório todo sistema processual em que o juiz procede de ofício à procura, a colheita e à avaliação das provas, produzindo um julgamento após uma instrução escrita e secreta, na qual são excluídos ou limitados o contraditório e os direitos da defesa.

Aury Lopes Júnior sustenta que o sistema inquisitório se dividia

em duas fases. A primeira, chamada de inquisição geral, estava reservada à

comprovação da materialidade e da autoria do delito, e tinha um caráter de

investigação preliminar e preparatória para a segunda fase (inquisição especial), que

se preocupava do processamento, ou seja, condenação e castigo do acusado.

Ainda, por acreditar que uma mesma pessoa pudesse exercer funções tão

antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar ao mesmo tempo, este

sistema não foi mais adotado pelos Estados democráticos de direito, havendo

resquícios do mesmo no inquérito policial brasileiro.97

94 HADDAD, Carlos Henrique Borlido. O Interrogatório no Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey,

2000.p.70-71 95 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coordenador). Crítica à teoria geral do direito

processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 59 96 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal . p. 452. 97 JUNIOR, Aury Lopes. Sistema de investigação preliminar no processo pena l. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 2003.

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Assim, no sistema inquisitório de acordo com Coutinho98 “salta

aos olhos o enfraquecimento da defesa, levando-se quase à sua inexistência.”

No sistema inquisitório existe a presença do juiz inquisidor que

detêm as três funções, quais sejam: acusar, julgar e defender. Este visando buscar

provas que sustentem seu juízo pré-concebido comete uma série de

arbitrariedades. Em suma, não há verdadeiro processo. É como bem salientou Ada

Pellegrini Grinover, citando José Frederico Marques, que “o procedimento inquisitivo

puro, antes que processo genuíno é forma auto defensiva da administração da

justiça”.99

Dessa forma, o juiz inquisidor fere profundamente os princípios

do devido processo legal, da iniciativa das partes, da imparcialidade do juiz, pois não

há um devido processo legal, bem como causa o comprometimento da

imparcialidade do julgador, representando grande perigo a um processo penal

constitucional, não podendo assim ser admitido sob pena de lastimável regressão do

sistema processual penal.

2.2 O SISTEMA ACUSATÓRIO

2.2.1 HISTÓRICO

O processo penal da antiguidade, tal como se configurou na

Grécia e na Roma republicana, tinha uma estrutura essencialmente acusatória por

causa do caráter predominantemente privado da acusação e da natureza arbitral

tanto do juiz como do juízo. É desta natureza privada, voluntária, da ação penal que

derivam, no processo romano ordinário, as características clássicas do sistema

acusatório, tais como, a discricionariedade da ação, o ônus acusatório da prova, a

98 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coordenador). Crítica à teoria geral do direito

processual penal. p. 59 99 GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório.

Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 27, p. 71-79, 1999. ; Meio de divulgação: Impresso; ISSN/ISBN: 1415400.

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natureza do processo como controvérsia baseada na igualdade das partes, a

publicidade e oralidade do debate, o papel de espectador reservado ao juiz. 100

Todavia, o sistema processual acusatório se consolidou na

Inglaterra e foi chamado primeiramente de Common Law, e tem por característica

ser o acusado parte processual em igualdade de posição com a parte adversa, que

detém a acusação, a qual, é desvinculada do órgão julgador.101

A maneira de solução de conflitos adotada na Inglaterra

afastou o direito inglês do modelo romano-canônico, pois no campo específico do

processo penal, desde o século XII aumenta a importância o júri, que substitui os

juízos de Deus. Cabia ao petty jury, composto aproximadamente por doze jurados,

instituição de julgamento, a acusação a qualquer habitante do reino, tendo em vista

que toda conduta criminal atingia a figura do rei, o que perdura até os dias de

hoje.102

Assim, observa-se que nascem à figura da ação penal popular,

bem como a postura de imparcialidade e passividade do júri, características

predominantes do sistema acusatório.

2.2.2 CARACTERÍSTICAS

O processo penal acusatório é essencialmente um processo de

partes, no qual acusação e defesa se contrapõem em igualdade de posições, e que

apresenta um juiz sobreposto a ambas. Há uma nítida separação de funções, que

são atribuídas a pessoas distintas, sendo informado pelo contraditório. E, além de

suas características históricas da oralidade e publicidade, vigoram, no processo

acusatório, o princípio da presunção de inocência, permanecendo o acusado em

liberdade até que seja proferida a sentença condenatória irrevogável.103

100 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. p. 453. 101 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coordenador). Crítica à teoria geral do direito

processual penal. p. 60. 102 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional d as Leis Processuais

Penais . p. 90 103 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da Prova no Processo Penal. p.102-103.

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Ensina Ferrajoli104:

Pode-se chamar acusatório todo sistema processual que tem o juiz com um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com a defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz, com base em sua livre convicção.

Manifesta-se Salo de Carvalho:105

No sistema processual acusatório puro o acusado é, por excelência, parte processual em igualdade de posição com a parte adversa, que detém a acusação, a qual, por sua vez, é desvinculada do órgão julgador. O processo tem como características a publicidade e a oralidade.

Sobre o tema manifesta-se Salo de Carvalho:106

É o estilo acusatório que, em contrapartida, determina um espetáculo dialético, um combate aberto, com normas claramente referentes, sobretudo, aos tribunais. Opostas as tensões em luta, desde um jogo limpo com alternância de discursos, tem-se como valor único o respeito (ético) às regras do jogo numa operação técnica, onde o processo deve ser insensível à sobrecarga ideológica, derivada da observação inquisitorial. Há, sim, um certo e necessário formalismo acusatório (...) Em suma, o estilo acusatório implica controvérsia e inclusive a incentiva, enquanto o modo inquisitório possui automatismo perfeito e nada fica ao acaso.

Uma das características mais importantes do sistema

acusatório é a perfeita separação das partes processuais, ou seja, separação entre

juiz e acusação. Tal separação representa uma condição de distanciamento do juiz

em relação às partes, bem como ter a defesa direito ao contraditório, garantia

assegurada constitucionalmente.

Neste norte, preconiza a obra do doutrinador Ferrajoli:107 “De

todos os elementos constitutivos do modelo teórico acusatório, o mais importante,

104 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. p. 452. 105 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coordenador). Crítica à teoria geral do direito

processual penal. p. 60. 106 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de.CARVALHO, Salo de (Organização). A Crise do Processo

Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal . Porto Alegre- RS: Notadez. 2006.p. 24.

107 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. p. 454.

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por ser estrutural e logicamente pressuposto de todos os outros, indubitavelmente é

a separação entre juiz e acusação.”

Também é o entendimento de Aury Lopes Jr.:108

No processo penal existem duas categorias distintas: o acusador exerce o ius ut procedatur, o direito potestativo de acusar (pretensão acusatória) contra alguém, desde que presentes os requisitos legais; e, de outro lado, esta o poder do juiz de punir. Contudo, o poder de punir é do juiz (...), e esse poder esta condicionado ao exercício integral e procedente da acusação. Ao juiz somente se abre a possibilidade de exercer o poder de punitivo quando exercido com integralidade e procedência o ius ut procedatur.

Assim, o sistema acusatório tem como ponto fundamental, ter

seus sujeitos processuais nitidamente separados, de forma que haja o contraditório

e a ampla defesa, não tendo de nenhuma maneira os direitos do réu prejudicados.

2.3 O SISTEMA MISTO

No momento de transição, diante do fracasso da inquisição e

do começo da adoção do modelo acusatório, surge, com o Código de Napoleão

(1808), o primeiro sistema misto, cuja característica primordial é a concentração dos

poderes instrutórios na figura do juiz-ator. 109

O Código termidoriano de 1795 e o Código napoleônico de

1808 deram vida ao sistema denominado “processo misto”, que nada mais é que a

junção entre os processos acusatório e inquisitório, com prevalência inquisitória na

primeira fase, dominada pela acusação pública e pela ausência de participação do

imputado e acusatório na segunda fase, caracterizada contraditório público e oral

entre acusação e defesa. 110

Porém, este não pode se configurar, pois não possui um

sistema unificador próprio. O sistema inquisitório tem como princípio regente o

inquisitivo, já o sistema acusatório tem como princípio regente o acusatório. Assim, o

108 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit uciona l, p.109 109 FLORES, Marcelo Marcante. Apontamentos sobre os Sistemas Processuais e a

Incompatibilidade (lógica) da Nova Redação do art. 156 do Código de Processo Penal com o Sistema Acusatório . Vol. 2. p. 28

110 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. p.454

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sistema considerado misto, é na realidade ou essencialmente inquisitório, com

resquícios do sistema acusatório, ou acusatório, com resquícios do sistema

inquisitório. 111

Neste norte, opina Marcelo Marcante Flores112:

Assim, não existe um principio misto, pois ocorreria a desconfiguração do sistema. Os sistemas são tipos ideais, semelhantes aos paradigmas e, portanto, não podem ser mistos; eles são informados por um princípio unificador, ou seja, na essência o sistema é sempre puro. O fato de ser misto significa ser (na essência) inquisitório ou acusatório o que está determinado pela gestão da prova.

O sistema processual penal brasileiro enquadra-se dentre

aqueles considerados mistos, com tendência inquisitória, sendo a persecução

dividida em duas fases: a primeira administrativa, em geral realizada através do

inquérito policial, tendo como objetivo fundamental recolher elementos necessários

para a propositura da ação e a segunda jurisdicional. Na primeira fase o suspeito

geralmente não participa da produção da prova, não havendo contraditório, sendo

então eminentemente inquisitório. Assim, se conclui ser o nosso sistema processual

penal essencialmente inquisitório, prejudicando a defesa e possibilitando que se faça

um prejulgamento do caso penal. 113

Nesta linha de entendimento é a presente citação:114

Insta dizer que o Código de Processo Penal pretende ser formalmente acusatório e é materialmente inquisitório. (...) Já a Constituição Federal de 1988- amparando um Estado Democrático de Direito-, (...) indicia a expressão de um sistema processual penal que respeite a separação nítida entre as funções de acusar e julgar. (...) Ademais, lembre-se que há um catálogo de direitos e garantias do cidadão/acusado/investigado a serem observados e velados pelo Judiciário, inclusive contra os interesses do Executivo. A conclusão óbvia que se chega é que a Constituição Federal está em posição

111 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coordenador). Crítica à teoria geral do direito

processual penal . p. 60 112 FLORES, Marcelo Marcante. Apontamentos sobre os Sistemas Processuais e a

Incompatibilidade (lógica) da Nova Redação do art. 156 do Código de Processo Penal com o Sistema Acusatório . p. 30

113 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coordenador). Crítica à teoria geral do direito processual penal. p. 61

114 AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. CARVALHO, Salo de (Organização). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal . p.24

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diametralmente oposta ao Código de Processo Penal; logo, abraça um evidente sistema acusatório.

Assim, se aceitarmos que a norma constitucional que assegura

ao Ministério Público privativamente o exercício da ação penal pública, garante a

todos os acusados o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, além

da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória e que

assegura o julgamento por juiz competente e imparcial, chega-se à conclusão de

que embora não dito expressamente, a Constituição da República de 1988 adotou o

sistema acusatório, inclusive com a obrigatoriedade da oralidade do processo e

publicidade, princípios inerentes ao sistema mencionado. 115

Todavia, nas palavras de Marcelo Marcante Flores:116

Portanto não basta que a Constituição Federal consagre o sistema processual penal brasileiro como acusatório. Existem em nosso código de processo penal diversos ranços e resquícios inquisitórios que contradizem o referido princípio constitucional. A separação (inicial) das funções no processo é insuficiente, devendo-se impedir que o juiz assuma uma postura ativo na busca da prova e proceda atos tipicamente acusatórios (...).

Ainda, citando Aury Lopes Junior menciona:117

São inúmeros os exemplos verificados no nosso Código de processo penal e nas leis especiais que desconfiguram o sistema acusatório. Citam-se: permitir que o juiz de ofício determine uma prisão preventiva (art. 311), uma busca e apreensão (art. 242), o seqüestro (art. 127), ouça testemunha além das indicadas (art. 196), determine diligências de oficio (art. 156), reconheça agravantes ainda que não tenham sido alegadas (art. 385), condene ainda que o Ministério Público tenha postulado a absolvição (art. 385), altere classificação jurídica do fato (art. 383), condene por ato diverso daquele constante na acusação (caput do art. 384), admita o chamado recurso de oficio (art. 574, I e II), etc. (...)

115 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional d as Leis Processuais

Penais . p. 195 116 FLORES, Marcelo Marcante. Apontamentos sobre os Sistemas Processuais e a

Incompatibilidade (lógica) da Nova Redação do art. 156 do Código de Processo Penal com o Sistema Acusatório . p. 30.

117 FLORES, Marcelo Marcante. Apontamentos sobre os Sistemas Processuais e a Incompatibilidade (lógica) da Nova Redação do art. 156 do Código de Processo Penal com o Sistema Acusatório. p.30

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A Constituição da República Federativa do Brasil deverá ser a

luz guia da atividade jurisdicional, haja vista que todo direito nasce e morre na

constituição, segue-se que os princípios constitucionais devem ser o ponto de

partida e o ponto de chegada de toda e qualquer interpretação, independentemente

da natureza da norma em questão. 118

Nesse sentido é a presente citação: 119

(...) o processo penal, como garantia, precisa ser levado a sério, sob pena de se continuar a tratar o Sistema eminentemente Acusatório delineado pela Constituição da República como uma figura decorativo-retórica de uma democracia medievo, cujos efeitos nefastos se mostram todos os dias. Por isso a necessária superação da farça do sistema inquisitório mantida pelas Reformas Parciais Irracionais. Eis o sentido da recusa: é preciso um novo Código de Processo Penal.

Por essa razão, observa-se a necessidade de consagração do

princípio acusatório como meio de humanização do processo penal moderno. É

necessário efetivar o Estado Democrático de Direito, abolindo os resquícios

inquisitoriais presentes em vários dispositivos do nosso Código de Processo Penal,

utilizando a Constituição como paradigma. O processo penal democrático necessita

do princípio acusatório. 120

2.4 OS PODERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONFORME A CF/ 88

Em relação ao acusador, este tem o poder de submeter alguém

ao processo penal, a um juízo cognitivo. 121

118 QUEIRÓZ, Paulo de Souza. Direito Penal . Introdução Crítica. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

p. 38 119 ROSA, Alexandre Morais da; ROESLER, Cláudia Rosane. O Equívoco Democrático das Reformas

Parciais do Código de Processo Penal a partir da Teoria da Legislação de Manuel Atienza. Ciências Criminais: Articulações Críticas em Torno dos 20 anos da Constituição da República . p. 25.

120 FLORES, Marcelo Marcante. Apontamentos sobre os Sistemas Processuais e a Incompatibilidade (lógica) da Nova Redação do art. 156 do Código de Processo Penal com o Sistema Acusatório . p.33

121 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit uciona l. p.97

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São responsáveis pela acusação, o Ministério Público,

conforme artigo 129, inciso I122, da Constituição Federal, artigo 24123 e 257, inciso

I124 do Código de Processo Penal e o individuo, ou quem tenha qualidade para

representa-lo, nas ações privadas, feitas mediante queixa, conforme artigo 30125 do

Código de Processo Penal.

O texto constitucional atualmente em vigor conferiu ao

Ministério Público liberdade, autonomia e independência funcional de seus órgãos, à

defesa dos interesses indisponíveis do indivíduo e da sociedade, à defesa da ordem

jurídica e do próprio regime democrático. (CRFB/88, art. 127).

Sobre a atuação do Ministério Público na esfera criminal,

ensina Hugo Nigro Mazzilli:126

Na esfera criminal, pode investigar diretamente as infrações penais, bem como tem o mister de promover em juízo a apuração dos delitos e a responsabilização dos culpados, zelando pelos interesses gerais da sociedade. Por paradoxal que possa parecer, seu mister acusatório já constitui o primeiro fator de proteção das liberdades individuais, por assegurar o contraditório na acusação e possibilitar a presença de um juiz imparcial, porque desvinculado do ônus de acusar. Agora têm assento constitucional suas atribuições de promover, com exclusividade, a ação penal pública, bem como de requisitar inquérito policial e diligências investigatórias.

Foi com o surgimento do Ministério Público, como titular da

ação, que se pôde evoluir de um sistema acusatório rígido e individualista, para uma

crescente democratização do mesmo sistema.127

122 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I - promover, privativamente, a ação

penal pública, na forma da lei; 123 Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas

dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

124 Art. 257. Ao Ministério Público cabe: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código;

125 Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

126 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988 . São Paulo: Saraiva, 1989. p.13

127 JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade . 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 23.

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A esse respeito extrai-se importante lição de v. aresto do

excelso pretório, relatado pelo eminente Ministro Celso de Melo 128:

A nova regra constitucional- 129, I- tal como juridicamente positivada, persegue objetivos claros. De um lado, traduz significativa limitação imposta ao próprio Estado, que não mais poderá, no desempenho de sua função legislativa, conferir legitimidade ativa para a ação penal pública – ressalvada a situação de inércia do Parquet – a outros órgãos, instituições e agentes. De outro lado, registra a preocupação do legislador em conferir ao réu, na esfera da persecução penal, a garantia efetiva e concreta de que será julgado por magistrado imparcial (...)

Aury Junior, citando Goldschmidt diz: 129 “No processo penal, a

pretensão acusatória (do Ministério Público ou acusador Privado) é a afirmação de

um direito judicial de penar e a solicitação que exerça esse direito.”

E completa: 130 “O direito do particular ou do Estado-acusador é

um ‘direito ao processo’, completamente distinto do poder de punir que corresponde

exclusivamente ao Estado-juiz.”

Ainda sobre a atuação do Ministério Público, se extrai da obra

de Hugo Nigro Mazzilli 131:

Nesse campo criminal, porém, ao contrário do que muitos leigos pensam, não é o promotor de justiça obrigado a acusar; tem plena liberdade de convicção e de atuação, podendo e devendo pedir a absolvição ou recorrer em favor do acusado, caso se convença da sua inocência.

Neste norte, também é o entendimento de Paulo Cezar

Pinheiro Carneiro 132:

(...) o MP, como parte na ação penal pública, não está obrigado a promove-la, única e exclusivamente, para obter a condenação do réu, mas antes sua atuação, nesta qualidade, é a de velar, usando

128 STF – HC – RTJ 133/295, apud FRANCO, Alberto Silva, STOCO, Rui (coords.), in: Código de

Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial , p. 204. 129 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit uciona l. p.106. 130 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. p.106. 131 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988 . São Paulo: Saraiva,

1989. p.12 132 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Ministério público no processo civil e penal : promotor

natural, atribuição e conflito. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.9.

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de todos os meios possíveis, pela correta aplicação da lei, tanto processual como material, que no processo se resume na obtenção de uma sentença legal e justa.

Assim, está claro que o Ministério Público é órgão encarregado

da acusação, na ação penal pública. E por acusação não deve ser entendido apenas

como oferecer denuncia em face de alguém objetivando sua acusação. Acusar

implica referir-se a uma função e ainda a um órgão, a um conjunto de atos e a um

determinado sujeito. 133

Neste norte complementa Fauzi Hassan Choukr:

(...) a cobrança pela eficácia (ou não) da repressão deve recair sobre quem deve ter a obrigação de agir, significando aqui não apenas a atribuição constitucional de promover a ação, mas sim de alimentá-la com as provas necessárias para o convencimento do julgador.

Dessa forma, conquanto seja correto que o aumento das

funções do Ministério Público signifique a comprovação de maior intervenção estatal

para a satisfação de direitos, como reflexo da publicitação do direito material, não se

pode duvidar, todavia, que o Estado - jurisdição não está agindo diretamente, pois

este deve permanecer inerte, até que seja provocado, para tal fim instituído e

vocacionado.134

Dessa forma, resta clara ser função do Ministério Público

exercer todos os atos inerentes à acusação, sendo esse papel asseverado pela

Carta Magna vigente.

Inclusive ter a função de exercer a acusação, não o impede de

se entender cabível pedir até mesmo a absolvição do réu, não cabendo ao

magistrado condenar, pois estaria assim fazendo o papel de juiz inquisidor.

Portanto, tendo em vista ser o nosso sistema processual o

acusatório, necessário se faz que a acusação e todos os demais atos inerentes a

133 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . Rio de

Janeiro: Lúmen Júris, 1999, p. 117. 134 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz . 2°. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1994, p. 23.

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esta sejam formulados por pessoa distinta do julgador, a fim de ser assegurada a

imparcialidade do órgão jurisdicional.

2.5 PODERES INSTRUTÓRIOS DO MAGISTRADO

Cabe ao juiz, de forma imparcial, analisar as provas trazidas

pela acusação e pela defesa e formar seu juízo de valor, emitindo assim a sentença.

O juiz não deve ter qualquer interesse na solução da

controvérsia que irá julgar, sendo sua função apenas decidir com base no que for

apresentado pela acusação e defesa, qual das afirmações é verdadeira e qual é

falsa.

Nas palavras de Ferrajoli 135:

É necessário em primeiro lugar que o juiz não tenha qualquer interesse privado ou pessoal na solução da causa (...) Em particular, é necessário que ele não tenha interesse acusatório, e que por isso não exercite simultaneamente as funções de acusação como inversamente ocorre no rito inquisitório e, ainda que ambiguamente, no misto. Só desse modo o processo pode preservar caráter ‘cognitivo’ (...) e não se degenerar em ‘processo ofensivo’ em que ‘o juiz se torna inimigo do réu’. Não basta, todavia, para assegurar a separação entre juiz e acusação, que no processo as funções acusatórias sejam exercidas por um sujeito diverso e distinto do juiz (...) é indispensável que o juiz não tenha funções acusatórias.

Nas palavras de Marcelo Marcante Flores 136:

A tarefa de decidir é complicadíssima. Segundo Carnelutti, nenhum homem se pensasse no que é necessário para julgar a outro homem, aceitaria ser juiz. E, no entanto, é necessário encontrar juizes. O drama do direito é este. Um drama que deveria estar presente a todos, dos juizes aos julgáveis, no momento que o processo é celebrado. Assim, pela ‘natureza humana’ do homem-juiz, conclui-se que a justiça é parcial e não pode deixar de ser resolvida na sua parcialidade. Assim, tudo o que pode ser feito é tratar de diminuir tal parcialidade.(...) A maneira de se (tentar) garantir a imparcialidade do juiz é através da consagração do princípio acusatório (...).

Nesse sentido ensina Aury Lopes Junior 137:

135 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão : teoria do garantismo penal. p. 465-466-467 136 FLORES, Marcelo Marcante. Apontamentos sobre os Sistemas Processuais e a

Incompatibilidade (lógica) da Nova Redação do art. 156 do Código de Processo Penal com o Sistema Acusatório . p. 31.

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Desde logo reforçamos que imparcialidade não tem absolutamente nada a ver com neutralidade, pois juiz neutro não existe. (...) existe um conjunto de fatores psicológicos que afetam o ato de julgar e que impedem qualquer construção que envolva a tal ‘neutralidade’. A imparcialidade é uma construção do Direito, que impõe a ele um afastamento estrutural, um alheamento (terzietá) em relação à atividade das partes (acusador e réu). Como meta a ser atingida, o processo deve criar mecanismos capazes de garanti-la, evitando, principalmente, atribuir poderes instrutórios ao juiz (...) a imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz-instrutor ou quando lhe atribuímos poderes de gestão/iniciativa probatória.

Ainda em sua lição diz138: “(...) a função do juiz é atuar como

garantidor dos direitos do acusado no processo penal.”

Também, menciona: “O perfil ideal do juiz não é como

investigador ou instrutor, mas como controlador da legalidade e garantidor do

respeito aos direitos fundamentais do sujeito passivo.”

Leciona Geraldo Prado 139:

Por isso, a acusatoriedade real depende da imparcialidade do julgador que não se apresenta meramente por se lhe negar, sem qualquer razão, a possibilidade de também acusar, mas, principalmente, por admitir que a sua tarefa mais importante, decidir a causa, é fruto de uma consciente e meditada opção entre duas alternativas, em relação às quais se manteve, durante todo o tempo, equidistante.

Ainda, citando Carnelutti, diz: “Justamente da contraposição

entre acusação e defesa, perante um juiz imparcial, surgem as condições

indispensáveis à eleição da melhor solução.”140

Extrai-se também da obra de Geraldo Prado141:

A posição equilibrada que o juiz deve ocupar, durante o processo, sustenta-se na idéia reitora do principio do juiz natural- garantia das partes e condição de eficácia plena da jurisdição- que consiste na

137 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.261 138 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional , p.261. 139 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 108. 140 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 108. 141 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 108.

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combinação de exigência da prévia determinação das regras do jogo (reserva legal peculiar ao devido processo legal) e da imparcialidade do juiz, tomada a expressão no sentido estrito de estarem seguras as partes quanto ao fato de o juiz não ter aderido a priori a uma das alternativas de explicação que o autor e réu reciprocamente contrapõem durante o processo.

Assim, o poder do juiz deve ser restrito à análise dos fatos, e

sua função se delimitar em apenas emitir um juízo de valor. Por esta razão, é

altamente criticável a atuação como juiz - inquisidor, que solicita provas e julga em

desconformidade do que é pedido pela acusação.

No próximo capítulo, será analisada a aplicabilidade daquilo

que preceitua o artigo 385 do Código de Processo Penal Brasileiro, sobretudo, a

partir da principiologia constitucional e dos dispositivos que afirmam o Sistema

Acusatório como sistema processual no Brasil.

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CAPÍTULO 3

REFLEXOS INQUISITIVOS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO

ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

De início, pode-se afirmar que nossa Constituição –

expressamente – não prevê a garantia de um processo penal orientando pelo

sistema acusatório. No entanto, Lopes Jr.142 afirma que nenhuma dúvida tem-se de

sua consagração. Para o autor, a previsão de referido sistema não decorre de “lei”,

mas da interpretação sistemática da Constituição.

Segundo referido autor, basta considerar que o projeto

democrático constitucional impõe uma valorização do homem e do valor dignidade

da pessoa humana, pressupostos básicos do sistema acusatório. Lopes Jr.143

registra que a transição do sistema inquisitório para o acusatório é, antes de tudo,

uma transição de um sistema político autoritário para o modelo democrático. Logo,

democracia e sistema acusatório compartilham uma mesma base epistemológica.

Ainda, possui a Constituição da República Federativa do Brasil

uma série de regras que desenha um modelo acusatório, tais como:

Titularidade exclusiva da ação penal pública por parte do

Ministério Público (art. 129, I);

a) Contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV);

b) Devido processo legal (art. 5º, LIV);

c) Presunção de inocência (art. 5º, LCII);

142 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p. 189. 143 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. p. 189.

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Exigência de publicidade e fundamentação das decisões

judiciais (art. 93, IX).

Essas são algumas regras inerentes ao sistema acusatório,

praticamente inconciliáveis com o inquisitório, que dão os contornos do modelo

(acusatório) constitucional.

Compreende-se, dessa forma, que o modelo constitucional é

acusatório, em contraste com o Código de Processo Penal, que é nitidamente

inquisitório.

Neste terceiro capítulo, far-se-á uma análise da violação dos

princípios constitucionalmente previstos e que servem de suporte ao sistema

acusatório na operacionalidade da sistemática processual penal. Concentrar-se-á

naquilo que dispõe o art. 385 do Código de Processo Penal, sobretudo, com relação

a sua primeira parte, que autoriza o juiz condenar o acusado ainda que o Ministério

Público tenha se manifestado pela sua absolvição.

Diz o artigo 385 do CPP, in verbis:

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. (Destacou-se)

As consequências práticas desse mandamento são inúmeras e

serão trabalhados na sequência, sempre com suporte a principiologia constitucional.

Salienta-se que o nosso Código de Processo Penal é de 1941,

ou seja, salvo algumas mudanças, sua base legal é a mesma que vigorava no

governo ditatorial de Getulio Vargas, inspirado no Código de Processo Penal italiano

do governo Mussolini, não podendo ser então utilizado em um Estado democrático,

que é o que temos, onde o que deve vigorar são os preceitos estabelecidos em

Constituição.

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Sobre o tema é a posição de Américo Bedê Freire Júnior144:

Na verdade há uma relação de prejudicial idade entre o convencimento do promotor e o do magistrado, melhor explicando: entendendo o Ministério Público pela não existência de crime, não cabe ao magistrado exercer qualquer juízo de valor sobre a existência ou não do crime, uma vez que a partir desse momento o magistrado estaria atuando de ofício, ou seja, sem acusação e em flagrante desrespeito ao sistema acusatório.

Ainda nessa linha de entendimento, observa Weber Martins

Batista145:

(...) a permissão do art. 385 deve ser reexaminada à luz dos princípios constitucionais garantidores do contraditório e da ampla defesa, pois, em muitos casos, a aplicação pura e simples da norma processual poderá causar prejuízo à defesa.

Oportuno também mencionar o entendimento de Aury Lopes

Jr.146:

O juiz tem uma nova posição dentro do Estado de Direito e a legitimidade de sua atuação não é política, mas constitucional, e seu fundamento é unicamente a intangibilidade dos direitos fundamentais. É a legitimidade democrática, fundada na garantia dos direitos fundamentais e baseada na democracia substancial.

Também merece destaque a afirmação de Norberto Bobbio147:

O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.

Dito isto, o juiz não pode condenar quando o Ministério Público

pede a absolvição do réu. Quando o juiz condena nesse caso, se torna inquisidor,

ferindo o sistema acusatório ditado pela nossa Constituição. Nem há de se

144 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. Da impossibilidade do juiz condenar quando há o ped ido de

absolvição formulado pelo ministério público. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.13, n.152, p. 19, jul. 2005.

145 BATISTA, Weber Martins. Direito penal e direito processual penal . 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 166.

146 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal : fundamentos da instrumentalidade constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 77.

147 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos . Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 24.

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argumentar de outra maneira, pois assim agindo o magistrado ataca de ofício. Além

do mais, o Ministério Público é o agente exclusivo da acusação, sendo assim, se

este entende ser o réu inocente, não cabe ao Magistrado condená-lo.

Como foi visto, existem em nosso Processo Penal, vários

princípios que devem ser seguidos, para que seja assegurada a efetiva e justa

prestação jurisdicional, com igualdade entre as partes e principalmente com a

possibilidade do contraditório e da ampla defesa.

Todavia, em análise do artigo 385 do CPP e de vários outros,

percebemos que existe no Ordenamento Jurídico Brasileiro, uma séria falha, onde

nossa Constituição Federal, dita como basilar sobre todas as outras leis, não está

sendo respeitada.

Tal entendimento ocorre tendo em vista, que se nossa Carta

Magna preconiza que haverá no processo penal a nítida separação das partes

processuais, ou seja, acolhe o sistema acusatório, assim, não pode o Código de

Processo Penal ir contra a Constituição, e permitir que o Magistrado atue

diretamente no processo, seja requisitando produção de provas, ou muito menos

acusando mesmo que a própria acusação (Ministério Público) pugne pela

absolvição.

Como já vimos, ao Magistrado cabe tão somente analisar as

provas trazidas pela acusação e defesa, e então formular seu juízo de valor,

proferindo então a sentença, absolvendo ou não o réu.

Dar poderes ao Magistrado de atuar além desse limite, fere

profundamente todos os princípios impostos em nossa Constituição, tendo em vista

que gera grande incerteza jurídica, pois não existe a garantia de o juiz estar agindo

de forma imparcial.

Sobre o tema, ensina Aury Lopes Junior148: “Considerando que

risco, violência e insegurança sempre existirão, é sempre melhor risco com garantias

processuais do que risco com autoritarismo”.

148 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit uciona l. p.56.

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Ora, que certeza jurídica há, se existe um artigo que preconiza,

que mesmo após o processo, produção de provas, oitiva de testemunhas, a

acusação entende que houve um equívoco e o réu não deve ser condenado, o

Magistrado, a parte que cabe apenas analisar o que lhe foi posto, de maneira

totalmente contrária ao que impõe a Constituição, com ares inclusive de juiz

inquisidor, condena esse réu e até mesmo pode lhe impor agravantes que não teve

nem possibilidade de se defender.

O sistema penal deve ao mesmo tempo em que tem poder

persecutório-punitivo ser limitado por uma esfera de garantias processuais e

individuais. 149

Assim, com a presença do juiz inquisidor, os princípios da

necessidade do processo, da ampla defesa, do devido processo legal, do

contraditório, da igualdade entre as partes e da imparcialidade do juiz, são

manifestamente violados, pois não há um devido processo legal com a usurpação da

função do Ministério Público (que é o titular exclusivo da ação penal pública).

3.1 DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DO PROC ESSO

Como já mencionado, o princípio da necessidade do processo

deriva do caráter instrumental do processo penal, pois ele é o caminho necessário

para imposição da pena. A função constitucional do processo possui viés

constitucional, garantidor da eficácia dos direitos e garantias fundamentais.

Assim, frente à violação do bem juridicamente protegido,

caberá ao processo penal, mediante a atuação de um terceiro imparcial e atuação

distintas das partes, proporcionar o devido processo penal e ao final impor ou não a

pena.

O processo não pode ser visto como simples instrumento a

serviço do poder punitivo, pois deve desempenhar o papel de limitador do poder e

garantidor do indivíduo a ele submetido.

149 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.56.

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O processo como instrumento da jurisdição representa uma

primeira garantia, e outras irão se operar como especialmente a imparcialidade do

juiz, o contraditório e a ampla defesa e a iniciativa da parte para a ação,

proporcionando na medida do possível à igualdade das partes. 150

Nessa perspectiva é que se observa que não pode ser

debilitada a certeza do vínculo entre Processo e Constituição, pois na essência,

Constituição e Processo Penal ligam com as questões mais importantes, quais

sejam, a proteção aos direitos fundamentais e a separação dos poderes.151

Dessa forma, o artigo 385 do CPP representa violação de tal

princípio, visto que a partir do momento que o processo penal atua no sentido de

apenas impor a vontade do Estado e “condenar” sem base constitucional, perde sua

razão de ser.

Portanto, é totalmente inaceitável a regra prevista no artigo 385

do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de o juiz condenar mesmo

que o Ministério Público tenha se manifestado pela absolvição, o que importa

evidente violação ao Princípio da Necessidade do Processo Penal, fazendo com que

a punição não esteja legitimada pelo pleno exercício da pretensão acusatória.152

Desse modo é inadmissível em um Estado Democrático de

Direito existir essa figura de juiz, que representa grande perigo a um processo penal

constitucional, não podendo assim, jamais ser admitido sob pena de profunda e

lamentável regressão do sistema processual penal.

Nessa linha de entendimento, ensina Aury Lopes Junior 153:

O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita pelo MP através do exercício da pretensão acusatória. Logo, o pedido de absolvição equivale ao não exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador esta abrindo mão de proceder contra alguém. Como conseqüência, não pode o juiz condenar, sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação, no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo.

150 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 45. 151 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 50. 152 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit uciona l. p.111. 153 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.111.

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Vale ainda frisar, que o poder judicial de condenar o culpado é

um direito potestativo, devendo existir uma sentença condenatória para que se

possa aplicar a pena, e, principalmente, necessita da existência de uma acusação.

Essa construção é imprescindível para ser efetivado o sistema acusatório previsto

em nossa Constituição.154

Portanto, claramente se observa a violação do princípio da

necessidade do processo, que menciona a necessidade da existência de uma

terceira pessoa (juiz) imparcial.

Sobre o dever do juiz de aplicar somente a lei válida, Geraldo

Prado, citando Ferrajolli 155 que a validade já não é, no modelo constitucional-

garantista, um dogma ligado à mera existência formal da lei, mas uma qualidade

contigente ligada à coerência- mais ou menos opinável e sempre submetida à

valoração do juiz- dos seus significados com a Constituição. Daí deriva que a

interpretação judicial da lei é também sempre um juízo sobre a própria lei,

relativamente à qual o juiz tem o dever e a responsabilidade de escolher somente os

significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais

substanciais e com os direitos fundamentais por elas estabelecidos.

Desse modo, necessário se faz que os magistrados

reconheçam a existência da inconstitucionalidade dos preceitos legais que vão

contra a Carta Magna e dão poderes que não cabem a um juiz que deve ser

imparcial e seguir o processo como garantidor de direito dos indivíduos.

3.2 DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

Como já mencionado anteriormente, a ampla defesa consiste

na oportunidade de o réu contraditar a acusação, mediante previsão legal de termos

processuais que possibilitem a eficiência da defesa, ou seja, é o asseguramento que

é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os

154 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.111. 155 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 51.

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elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se

entender necessário.

Nesse sentido que observamos que o artigo 385 do CPP

também viola esse princípio.

Observamos a violação no sentido de que, se a acusação em

alegações finais pugna pela absolvição do réu, a defesa em seu momento de

apresentar suas alegações não vai se manifestar contra o pedido de absolvição feito

pela acusação, visto que está coerente com seu interesse, que também é o de

alcançar a absolvição, sendo assim, prejudicado está o réu quando o magistrado

tem a possibilidade de condená-lo mesmo assim, pois não houve defesa, portanto,

prejudicada esta sua ampla defesa.

Corrobora nesse entendimento Geraldo Prado 156:

Assim, quando em alegações finais o Ministério Público pleiteia

pela absolvição do acusado o que ocorre em concreto, no processo, é que o

acusador subtrai do debate contraditório a matéria referente à análise das provas

que foram produzidas na etapa anterior e que possam ser consideradas

desfavoráveis ao réu.

E citando em resumo a posição de Santiago Martinez

complementa: “Como a defesa poderá reagir a argumentos que não lhe foram

apresentados?” 157

Nesse sentido, podemos citar a súmula n° 523 do STF : “No

processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência

só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Assim, inegavelmente observamos que a possibilidade de o

juiz condenar e reconhecer agravantes que não foram nem mesmo citadas pela

acusação constitui nulidade absoluta, visto que representa falta de defesa, pois o réu

só irá se defender do que lhe é prejudicial, não irá ir contra o pedido da acusação

156 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 117 157 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 117

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pela sua absolvição, não havendo, portanto defesa e acarretando prejuízo ao réu e

violação ao principio da ampla defesa.

Portanto, totalmente descabido existir em nosso Ordenamento

Jurídico tal dispositivo, que fere todos os princípios assegurados ao réu pela nossa

Carta Magna.

3.3 DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEG AL

Dispõe o art. 5º, LIV, da Constituição que “ninguém será

privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Como já vimos, o Devido Processo Legal significa o adequado

processo, ou seja, o processo que assegure a igualdade das partes, o contraditório e

a ampla defesa. É uma proteção ao indivíduo contra possível arbítrio do Estado.

O Devido Processo Legal é indispensável à aplicação de

qualquer pena. Deve assegurar aos acusados o contraditório e a ampla defesa, com

os meios e recursos a ela inerentes, quais sejam, ter conhecimento claro da

imputação, poder apresentar alegações contra a acusação, poder acompanhar a

prova produzida e fazer contraprova, ter defesa técnica por advogado e por fim

poder recorrer da decisão desfavorável.

É aí que se encontra a disparidade do artigo 385 do CPP, que

afronta esses meios de defesa.

Primeiramente contra ter conhecimento claro da imputação. A

partir do momento que a acusação pede pela absolvição do acusado, que imputação

existe?

O acusado possui o direito de apresentar alegações contra a

acusação, mas nesse caso o magistrado virou parte ativa no processo? Pegou para

si os poderes de acusação e julgamento. Violado se encontra o devido processo

legal e seus fundamentos.

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Também, destaca-se a possibilidade de o juiz reconhecer

agravantes que não haviam sido apresentadas no processo.

Inegavelmente ferido está o direito a ampla defesa, pois o

acusado apenas se defendeu do que constava nos autos.

3.4 DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Contraditório no processo é sinônimo de democracia, da

manifestação do exercício democrático de um poder.

O contraditório é essencial para a validade da sentença que o

juiz venha a proferir, ou seja, o juiz não pode fundamentar sua decisão condenatória

em provas ou argumentos que não tenham seguido esse princípio, sendo nula então

a sentença condenatória proferida quando a acusação pleiteou pela absolvição,

ferindo expressamente o ditame constitucional previsto no artigo 5°, LV, da

Constituição da República. 158

Nessa linha de entendimento, Aury Lopes Junior159, citando

Geraldo Prado menciona:

(...) isso não significa dizer que o juiz está autorizado a condenar naqueles processos em que o Ministério Público haja requerido a absolvição do réu, como pretende o artigo 385 do Código de Processo Penal Brasileiro.

O contraditório é imprescindível para a validade da sentença

que o juiz venha a proferir, tendo em vista que este não pode fundamentar sua

decisão condenatória em provas ou argumentos que não tenham sido objeto de

contraditório, sendo nula então a sentença condenatória proferida quando a

acusação requer pela absolvição. Essa nulidade tem como fundamento a violação

do contraditório (artigo 5°, inciso LV da Constitui ção da República).160

158 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.111. 159 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.111 160 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 116-

117.

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Assim, nas palavras de Geraldo Prado 161:

“No processo acusatório, porém, o juiz não poderá condenar o

réu diante de um requerimento/alegação final do acusador (Ministério Público ou

querelante) pela absolvição, sob pena de ofender o contraditório.”

Igualmente inadmissível é a previsão feita na última parte do

mencionado artigo, que diz que o juiz poderá reconhecer agravantes que nem

mesmo tenham sido alegadas na acusação. Nesse caso, sequer existe exercício

integral da pretensão acusatória para validar a punição. O juiz está literalmente

acusando de ofício, para poder ele mesmo condenar. Nas palavras de Aury Lopes

Junior: “Ferido de morte está, ainda, o princípio constitucional do contraditório, art.°

5°, LV, da Constituição da República.” 162

E ainda complementa: 163

Além disso, estará avocando um poder que ele, juiz, não tem e não deve ter. Ferido de morte está o sistema acusatório. Violado, ainda, o princípio supremo do processo: a imparcialidade. Como conseqüência, fulminados estão a estrutura dialética do processo, a igualdade das partes, o contraditório etc.

Ainda Aury Lopes Junior164, citando Alberto B. Binder

menciona: “A imparcialidade do julgador decorre, não de uma virtude moral, mas de

uma estrutura de atuação.” E completa: “Não é uma qualidade pessoal do juiz, mas

uma qualidade do sistema acusatório.”

Como já mencionado no decorrer do trabalho, o sistema

acusatório exige um juiz-espectador, e não um juiz-ator. Logo, devem ser

considerados inconstitucionais todos os dispositivos do CPP, como os arts. 5°, 127,

156, 209, 234, 311, 383, 385 etc., que violam as regras do sistema acusatório

constitucional. 165

161 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . 118. 162 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.111. 163 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.111. 164 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional .p.190. 165 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p. 191.

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Nessa linha de entendimento é a presente citação:166

Não importa preveja o CPP a possibilidade de o juiz alterar a imputação (mutatio libelli) ou sua definição jurídica (emendatio Libelli), pois a Constituição não o admite. Não importa preveja o CPP a possibilidade de o juiz agir de ofício na produção de prova, pois a Constituição não admite. Não importa preveja o CPP a possibilidade de o juiz condenar, ainda quando o acusador requer a absolvição pois a Constituição não o admite.

Assim, admitir qualquer dessas situações, significa dar

preferência à lei infraconstitucional, quando esta está claramente em conflito com o

texto da CF. Enfim, significa continuar com os traços inquisitivos herdados

historicamente pelo nosso sistema processual, mas que não foram acolhidos pela

nossa Carta Magna.167

3.5 O MITO DA VERDADE REAL

Argumento costumeiramente utilizado pelo senso comum para

justificar uma sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha requerido

pela absolvição, ou o reconhecimento de ofício de uma agravante, geralmente é o

precário discurso da busca pela verdade real. 168

Todavia, a verdade real como já mencionou-se, não passa de

mero mito, o que temos, portanto no processo penal é uma verdade processual,

tendente à verdade dos fatos, a cuja aproximação se volta, o mais possível, para o

alcance do necessário teor de justiça.

Sobre o tema ensina Grinover, Scarance e Magalhães169:

Se a finalidade do processo não é a de aplicar a pena ao réu de qualquer modo, a verdade deve ser obtida de acordo com uma forma

166 PINHO, Ana Cláudia Bastos de; GOMES, Marcus Alan de Melo. Impronúncia: Uma Nódoa

Inquisitiva No Processo Penal Brasileiro. Ciências Criminais: Articulações Críticas em Torno dos 20 anos da Constituição da República . Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009. p. 33.

167 PINHO, Ana Cláudia Bastos de; GOMES, Marcus Alan de Melo. Impronúncia: Uma Nódoa Inquisitiva No Processo Penal Brasileiro. Ciências Criminais: Articulações Críticas em Torno dos 20 anos da Constituição da República . p. 34.

168 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional , p.112. 169 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio

Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.128.

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moral inatacável. O método através do qual se indaga deve constituir, por si só, um valor, restringindo o campo em que se exerce a atuação do juiz e das partes. Assim entendido, o rito probatório não configura um formalismo inútil, transformando-se, ele próprio, em um escopo a ser visado, em uma exigência ética a ser respeitada, em um instrumento de garantia para o indivíduo. A legalidade na disciplina da prova não indica um retorno ao sistema da prova legal, mas assinala a defesa das formas processuais em nome da tutela dos direitos do acusado: as velhas regras da prova legal apresentavam-se como regras para a melhor pesquisa da verdade; seu valor era um valor de verdade. Hoje, bem pelo contrário, as regras probatórias devem ser vistas como normas de tutela da esfera pessoal de liberdade: seu valor é um valor de garantia. E ainda nessa linha de entendimento:

Por isso é que o termo 'verdade material' há de ser tomado em seu sentido correto: de um lado, no sentido da verdade subtraída à influência que as partes, por seu comportamento processual, queiram exercer sobre ela; de outro lado, no sentido de uma verdade que, não sendo 'absoluta' ou 'ontológica', há de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço: uma verdade processualmente válida.170

Portanto, encontra-se o entendimento de que, no seio do

processo penal, em relação à apreciação do fato ocorrido na realidade, qualifica-se

tão-somente como relativa, sendo que a conformidade absoluta entre fato e julgado

é prestante apenas como parâmetro ideal, mas utópico.

Assim, o processo penal tem como função proporcionar

maneiras para se chegar o mais perto possível do que realmente aconteceu, ou

seja, deve o julgamento aproximar-se, tanto quanto possível e na medida das forças

do processo, para adquirir o teor de justiça necessário às decisões judiciais, não

existindo, todavia, uma verdade absoluta.

Sobre o tema ensina Geraldo Prado171:

Do ponto de vista subjetivo, ninguém, nem mesmo o juiz, pode

ter a pretensão de dominar toda a realidade, de enunciar a verdade real. A atividade 170 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio

Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. p.130. 171 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório – A conformidade das leis processuais penais . p. 131.

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de busca da verdade processual deve se desenvolver de acordo com princípios

republicanos e democráticos.

Portanto, a tal verdade real, ao ser buscada fora das regras e

controles, degenera o juízo de valor e resulta em um processo penal autoritário e

irracional, inadmissível em um Estado Democrático de Direito.

Inadmissível então o que preconiza o artigo 385 do CPP, que

usando o discurso da busca da verdade real, permite na atualidade a existência da

figura de um juiz inquisidor, totalmente inaceitável em um país dito democrático.

3.6 DA OFENÇA AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

Este princípio está diretamente ligado ao princípio da

igualdade, exposto no art. 5º, caput, da Constituição, e determina que todos

tivessem direito ao tratamento igual perante a lei, não podendo, portanto, o Juiz,

exercendo sua função de mero representante do Estado, “tomar partido”,

privilegiando uma das partes.

Se a neutralidade não é possível, também não se pode abrir

mão de uma atuação equilibrada o suficiente para não comprometer a igualdade do

processo.

Assim, o juiz precisa conjugar imparcialidade possível e

capacidade técnica, independência e sujeição à lei, livre convencimento e

motivação, mas precisa, sobretudo, compreender a magnitude de sua função

constitucional e desempenhar verdadeiramente seu papel de julgador. 172

O princípio da imparcialidade está diretamente ligado com o

ideal de justiça. A partir do momento que o Estado proibiu a autotutela e limitou a

composição se fez necessário organizar a atividade jurisdicional para proteger os

direitos e liberdades asseguradas na ordem jurídica, contra as condutas vistas como

ilícitas. 173

172 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. p. 532. 173 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O Juiz Moderno diante da fase de produção de

provas: as limitações impostas pela Constituição. p. 164. Extraído de

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No exercício da atividade jurisdicional, um Órgão específico e

previamente instituído é encarregado de apreciar a alegação ou lesão ou de

ameaças de direitos, com a autoridade de quem está exercendo uma função

soberana e com a isenção jurídica indispensável à realização da justiça. 174

Essa isenção procura atribuir um mínimo de racionalidade no

exercício do poder jurisdicional, de maneira a diminuir o quanto possível a

prevalência de convicções particulares, imunizando o juiz contra o subjetivismo.175

No sistema acusatório, adotado pela nossa Constituição, para

evitar o arbítrio do Estado, se promoveu à desconcentração de poderes e atribuiu ao

Ministério Público o poder de deduzir a pretensão punitiva e de demonstrar a

responsabilidade penal, por meio de provas admitidas pelo direito. O acusado tem o

direito de participar de todas as fases do processo e promover sua defesa.

O sistema acusatório é imprescindível para o moderno

processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Ele assegura a

imparcialidade do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o

acusado, que passa de mero objeto para assumir sua posição de parte passiva do

processo penal. 176

Neste norte extrai-se da obra de Aury Lopes Junior177:

Recordemos que não se pode pensar sistema acusatório desconectado do princípio da imparcialidade e do contraditório, sob pena de incorrer em grave reducionismo. A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e sacrificada no sistema inquisitório, de modo que somente haverá condições de possibilidade da imparcialidade quando existir, além da separação inicial das funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade investigatória/instrutória. É isso que precisa ser compreendido por aqueles que pensam ser suficientes a separação entre acusação-julgador para constituição do sistema acusatório no modelo constitucional contemporâneo. É um erro separar em conceitos estaques a imensa complexidade do processo penal, fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz define o nível de eficácia do contraditório e, principalmente, da imparcialidade.

<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/efetividade_leonardo_m_marques.pdf> Acesso em 11, out. 2010.

174 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O Juiz Moderno diante da fase de produção de provas: as limitações impostas pela Constituição . p.164

175 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo de hermenêutica na tutela dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 172.

176 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.61. 177 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.61.

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Portanto, de acordo com o modelo de sistema processual

adotado pelo Brasil, o juiz deve zelar pelo regular andamento do processo, promover

a tutela dos direitos fundamentais, além de proferir a decisão final.

A observância e respeito ao sistema acusatório conduz a uma

maior tranqüilidade social, pois evita abusos do poder estatal que pode se

manifestar na figura de um juiz, nas palavras de Aury Lopes Junior, “apaixonado

pelo resultado de seu labor investigador e que, ao sentenciar, olvida-se dos

princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início

da investigação.”178

O juiz deve se posicionar eqüidistante das partes, para não

prejudicar a igualdade entre elas, demonstrando de forma inequívoca sua

independência em relação ao Órgão de acusação e sua ausência de interesse

específico no processo. 179

O acusado, no Processo Penal, encontra-se em desvantagem

em relação aos Órgãos Estatais, assim, a igualdade entre as partes somente pode

ser alcançada se existam meios que diminuam essa desigualdade. Portanto, o juiz

não pode exercer o papel reservado ao Ministério Público, sem quebrar a igualdade

entre as partes e comprometer a estrutura do sistema acusatório. 180

O Ministério Público é o agente exclusivo da acusação,

garantindo que haja a imparcialidade do juiz, submetendo sua atuação à prévia

invocação por meio de ação penal. 181

Ainda, é necessária a imparcialidade do juiz, para que haja a

garantia dos direitos fundamentais. Assim, ensina Oliveira182: “não se cuida de uma

mera relação de segurança pública x liberdade individual, mas de afirmação de

direitos fundamentais (potenciais) x direitos fundamentais (individualizado)”.

178 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.61. 179 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O Juiz Moderno diante da fase de produção de

provas: as limitações impostas pela Constituição . P.165 180 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O Juiz Moderno diante da fase de produção de

provas: as limitações impostas pela Constituição . P.166. 181 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.190. 182 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo de hermenêutica na tutela dos direitos

fundamentais. p. 99.

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Portanto, o juiz deve exercer a atividade jurisdicional com total

independência do Órgão acusador, sendo que sua decisão deve ser amparada no

devido processo legal, em total imparcialidade e igualdade entre as partes.

De acordo com o princípio da imparcialidade, o magistrado

depende da iniciativa das partes para formar sua convicção.

A principal crítica existente ao sistema acusatório é quanto à

inércia do juiz (imparcialidade), pois este deve se contentar com as conseqüências

de uma atividade incompleta das partes, devendo decidir através de um material

defeituoso que lhe foi apresentado. Esse sempre foi o argumento utilizado para

atribuir poderes instrutórios ao juiz, para este buscar a mitológica verdade real.183

Todavia, frente ao inconveniente de ter que suportar uma

atividade incompleta das partes, o que se deve fazer é fortalecer a estrutura dialética

e não destruí-la, com atribuição de poderes instrutórios ao juiz. O Estado já tem um

serviço público de acusação, deve então ocupar-se de criar e manter um serviço

público de defesa, tão bem estruturado como é o Ministério Público. É seu dever

para assim assegurar igualdade das partes no processo.184

Portanto, é necessário que o acusado tenha iguais

possibilidades dentro do processo, e não admitir a volta da era da inquisição, com

um juiz-inquisidor.

É nesse contexto que percebemos que o artigo 385 do CPP,

viola o princípio da imparcialidade, visto que se o magistrado depende da iniciativa

das partes para formar sua convicção, não poderia condenar se o Órgão acusador

pediu pela absolvição, ou mesmo reconhecer agravantes que não foram citadas no

processo, tampouco expostas ao contraditório.

Nesse sentido, ensina Aury Lopes Junior 185:

Dessa forma, pedida a absolvição pelo Ministério Público, necessariamente a sentença deve ser de extinção do feito sem julgamento do mérito (ou ao menos absolutória, considerando a lacuna legislativa), pois na verdade o acusador está deixando de exercer sua pretensão acusatória, impossibilitando assim a efetivação do poder (condicionado) de penar.

183 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.61. 184 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional . p.61-62. 185 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit ucional. p.112.

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Conforme ensina Leonardo Augusto Marinho Marques186 “essa

possibilidade compromete a estrutura do modelo acusatório, prejudicando a

imparcialidade, a simétrica paridade, o estado de inocência e o in dubio pro reo”.

E ainda complementa:

Não faria sentido a Constituição considerar o Ministério Público a instituição diretamente responsável por agir em defesa dos direitos da sociedade se essa função pudesse ser regularmente usurpada pelo Órgão Jurisdicional. A iniciativa acusatória do juiz não apenas fere o núcleo do sistema acusatório, como também compromete a garantia da imparcialidade no exercício da jurisdição penal.

Concluindo, se no processo civil o conteúdo da pretensão é a

alegação de um direito próprio, no processo penal é a afirmação de um direito

judicial de penar e a solicitação de que o Estado exerça esse direito. O acusador

tem exclusivo direito de acusar, pedindo do juiz que exercite seu poder de condenar

o culpado e executar a pena. Todavia, se o acusado deixar de exercer a pretensão

acusatória, desistindo ou pedindo a absolvição, não pode o Estado-juiz atuar o poder

punitivo, tendo em vista que este realiza seu poder de penar não como parte, mas

como juiz condicionado ao prévio exercício da pretensão acusatória, devendo ser

extinto o feito. 187

Assim, a atuação de ofício do juiz, no caso, é incompatível com

os princípios o qual decorre o sistema processual acusatório e com o atual status

constitucional dos direitos constitucionais.

Trata-se de resquício do juiz – inquisidor e do procedimento de

ofício.

O juiz desequilibra o processo ao agir de ofício indo contra a

acusação e condenando o réu mesmo se houve o requerimento do MP pela

absolvição, ou aplicando agravantes que não foram argüidas nem contraditadas ao

longo do processo.

Assim, sua imparcialidade é afetada por uma atitude

tipicamente acusatória.

186 MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O Juiz Moderno diante da fase de produção de

provas: as limitações impostas pela Constituição . p .169. 187 JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constit uciona l. p.113.

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Portanto, o órgão jurisdicional (juiz) tende a se confundir com o

órgão executivo (MP) violando a separação das partes, ou seja, violando o que

preconiza o sistema processual penal adotado pela nossa Constituição, que é o

acusatório.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa que se finaliza foi construída com o objetivo de

apresentar aos operadores do direito uma reflexão crítica acerca do discurso

declaradamente proposto pela dogmática processual penal, no sentido de que no

Brasil, tem-se um sistema acusatório, quando na verdade, operacionaliza-se um

sistema processual inquisitivo.

Os problemas formulados no início da pesquisa foram os

seguintes:

a) A operacionalidade do processo penal brasileiro sustenta um

sistema acusatório?

b) A regra do art. 385 do Código de Processo Penal Brasileiro,

que autoriza o juiz condenar ainda que o Ministério Público pela a absolvição

encontra respaldo nos princípios constitucionais que norteiam o processo penal?

Para o primeiro problema formulado, levantou-se a seguinte

hipótese: “O sistema acusatório implica a existência de um órgão acusador distinto

do órgão julgador para que seja garantida sua imparcialidade. Compreende-se,

dessa forma, que o modelo constitucional é acusatório, em contraste com o modelo

infra-constitucional, que é nitidamente inquisitório. O problema centrar-se-ia em qual

deles dar efetiva aplicabilidade.”

A partir da pesquisa, verifica-se que a hipótese em questão

restou CONFIRMADA, pois a operacionalidade processual penal, do ponto de vista

constitucional anota um modelo onde o juiz deve ser imparcial, objetiva e

subjetivamente, analisando as provas e decidindo em face delas. Todavia, nosso

Processo Penal, não acatou o sistema acusatório constitucional, e é visivelmente

inquisitório. Porém, deve-se prevalecer o que dita nossa Carta Magna, sendo

respeitado o sistema acusatório democrático e constitucional.

No que se refere ao segundo problema, registrou-se a hipótese

seguinte: “Se o Juiz editar sentença condenatória, ainda que o Ministério Público

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tenha pleiteado pela absolvição, estará ele agindo sem a necessária provocação

para a atuação jurisdicional, atuando com acúmulo das funções de acusar e julgar,

característica do sistema inquisitivo, violando, sobremaneira, o princípio do

contraditório.”

Com relação à ela, ao término da pesquisa, verifica-se que ela

também foi inteiramente CONFIRMADA, vez que o Ministério Público é o órgão

responsável do Estado de formular a acusação. Dessa forma, caso ele pleiteie pela

absolvição, o juiz deveria apenas vincular-se a ela, pois a atividade jurisdicional

deveria restringir-se a avaliação probatória. A condenação de ofício culmina por

ofender vários princípios constitucionalmente assegurados, dentre eles, o da

imparcialidade do julgador, sobretudo, quando avaliada sob a perspectiva subjetiva.

Assim, restaria também ferido o sistema acusatório, adotado pela Carta da

República, em contraposição ao sistema inquisitivo, adotado pelo Código de

Processo Penal.

Verificou-se ainda, que o processo penal brasileiro utiliza-se de

um sistema misto. No entanto, como investigado, não existe um sistema processual

misto, tendo em vista que as características de um não podem conviver

harmonicamente com as características do outro.

Assim, o sistema que vem sendo adotado no Brasil, é o

sistema inquisitório, com a figura de um juiz parcial, que participa diretamente no

processo, fazendo as vias de acusador e julgador, prejudicando todos os princípios

assegurados constitucionalmente ao individuo, e mostrando a face de um estado

ditador, com mascara de democrático.

Assim, o artigo 385 do Código de Processo Penal, como tantos

outros, esta ofendendo o sistema acusatório, visto que nesse caso o juiz passa de

parte imparcial, para atuar diretamente no processo. Assim, se a Acusação requereu

em alegações finais pela absolvição, a defesa não irá contestar tal pedido, visto que

esta a favor de seu interesse. Neste contexto, quando o juiz condena ou mesmo

impõe agravantes não pleiteadas ao longo do processo, prejudica de forma completa

a defesa de exercer o contraditório, visto que só se defende de algo que esta nos

altos e lhe é prejudicial.

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Portanto, o resultado que ocorre com a existência de

dispositivos como esses é a limitação dos direitos fundamentais e a volta a sistemas

arcaicos e ditatoriais, onde o individuo fica a mercê do Estado, proporcionando

decisões não admitidas em um país dito democrático, e ferindo completamente os

preceitos constitucionais.

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