reflexon sobre o culto moderno dos deuses fetiches - bruno latour

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  • 7/29/2019 Reflexon Sobre o Culto Moderno Dos Deuses Fetiches - Bruno Latour

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    Reflexao sobre 0 cultomoderno dos deusesfe(i)tiches

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    C o o r d e n a ~ a o EditorialIrma Jacinta Turolo GarciaAssessoria AdministrativaIrma Teresa Ana Sofialli

    C o o r d e n a ~ a o da C o l e ~ a o Filosofia e PoliticaLuiz Eugenio Vescio

    F I L O S O F I A ~ ) P O L i T l C A

    Reflexoo sobre 0 cultomoderno dos deusesfe(i)tiches

    Bruno LatourT R A D U ~ A O

    Sandra Morei.ra

    Edftor. d. Unlvlraldld, do Slgr,do C o r . ~ i o

    lIISTITUTO DE PSICOLOGIA - U f l ( l ; ~RIRLIOTECJ

    II,I

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    Nota do tradutoro original frances grafa /aitiche. Este eerma, sem equiva

    lence em portugues, condensa duas fontes etimo16gieas queapresentam, ao rnesmo tempo, fonemas quase identieos: faitadj. feito; S.m. feito, faro e fetiehe s.m. fetiche. Isto permiteque se estabele

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    Tobie Nathan e s.."ua equipe receberam-me durante tres meses em suas consultas de etnopsiquiatria. Isabelle Stengers pediu-me que viesse explicar em seu semimirio 0 efeito desta experienda, que tento definir hi alguns anos, sobre a antropologiados modernos. Philippe Pignarre propos-me acolher esra rele-xao, muito provisoria no ambito de sua cole

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    eles quase nao conseguiram realizar tal tarefa, donde esse "objeto compacto" que fala de outros objetos compactos.

    Agrade,o igualmenre aos pesquisadores do Cresal, deSaint-Etienne, por suas uteis sugest5es.

    "Diz-se que os povos de pele clara que habitam a fajxa se-tentrional do Atlantico praticam uma forma particular de cultoas divindades. Eles partem em e x p e d i ~ a o a outras n a ~ 5 e s , apropriam-se das esratuas de seus deuses, e as destroem em imensasfogueiras, conspurcando-as com as palavras 'fetiches! fetiches!',que em sua lfngua barbara parece significar ' f a b r i c a ~ a o , falsidade, mentira'. Ainda que afirmem nao possuir nenhum fetiche eter recebido apenas de si pr6prios a missao de livrar as outras naC;5es dos mesmos, parece que suas divindades sao muito poderosas. Na verdade, suas expedic;5es aterrorizam e assombramos povos assim atacados, por meio de deuses concorrentes, que eleschamamde MauDin, cujopoder parece ser cao misterioso quanto invencfvel. Acredita-se que tenham erguido varios templos eque os cultos realizados no interior dos mesmos sejam taO estranhos, assustadores e barbaros quanto os realizados no exterior.No decorrer das grandes cerimonias, repetidas de geraC;ao emg e r a ~ a o , eles destroem seus idolos a golpes de martelo; ap6s 0que, declaram-se livres, renascidos, nao tendo a partir de encao,nem ancestrais, nem mestre. Acredita-se que tirem grande beneficio destas cerimonias, pois, livres de todos os seus deuses,podem fazer, durante este periodo, tudo 0 que quiserem, combinando as forc;as dos quarro Elementos aquelas dos seis Reinos edos trinea e seis Infernos, sem se sentirem, de modo algum, responsaveis pelas violencias assim provocadas. Uma vez terminadas eais orgias, diz-se que entram em grande desespero, e que,

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    aos pes de suas estatuas destrufdas resta-lhes apenas, acreditar-seresponsaveis por tudo que aconteceu e a que chamam 'humano'au 'sujeito livre de si', au ao (oorraeio, que nao sao responsaveispo t nada, e se encontram inteiramente submetidos ao que chamam 'natureza' au 'ohjeto causa de tudo ' - os reemos se tradu-zero mal na nossa lingua. Assim, como que aterrorizados por suapropriaaudacia e para por fim ao seu desespero, restauram as divindades Mau Din que acabaram de dest!uir, oferecendo-lhesmilhares de oferendas e milhares de sacrificios, recolocando-asnos cruzamentos, protegendo-as com areas de ferro, como fazemos com 0 fundo dos toneis. Diz-se, por fim, que forjaram urndeus a sua imagem, i5tO e, como eles, ora senhor absoluto detudo que fabrica, ora inteiramente inexistente. Estes povos barbaros parecem nao compreender 0 que agir quer dizer." (Relat6rio do conselheiro Deobale, enviado aChina pela corte da Corei., na merade do ,eculo XVIII).

    Pri rteObjetos-encantados,

    objetos-feitosII

    ,1

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    :f{J:#i M ; ~ F " ; " "capitu lo IComo as modernlliftlltam fetiches entre,1ii1!hA;'di:;"b+Aaqueles cam quem entram em cantata

    A c r e n ~ a nao eurn estado mental, mas urn efeico das relac;5es entre os pavos; sabe-se disso desde Montaigne. 0 vis itan tesabe, 0 visitado acredita OU, ao contcirio, 0 visitante sabia, 0 visitado 0 faz compreender que ele acreditava saber. Apliquemoseste prinefpia ao caso dos modernos. Por todas os lugares oodelanc;am aneora, estabelecem fetiches, isto e, os modernos veem,em rodos as povos que encontram, adoradores de objetos quenao sao nada. Como tern que explicar a si peoprios a bizarria desta adorac;ao, code nada de objetivo pode sec percebido, de s supoem, entre as selvagens, urn estado mental que remeteria aoque einterno e nao ao que eexterno. Amedida em que a frentede c o l o n i z a ~ a o a v a n ~ a v a , 0 mundo se povoava de crentes. Emo-derno aquele que acredita que os outros acreditam. 0 agnostico,ao contdrio, nao se pergunta se e preciso acreditar au nao, maspar que as modernos tern tanta necessidade da c r e n ~ a para en-trar em cantata com as outros.

    A acusas-ao, pelos portugueses, cobertos de amuletos da Virgem e dos santos, c o m e ~ a na costa da Africa Ocidental, em algumlugar na Guine: os negros adoravam fetiches. Intimados pelosportugueses a responder a primeira questao: "Voces fabricaramcom suas pr6prias maos os idolos de pedra, de arg ila e de madeira que voces revereneiam?", os guineenses responderam sem hesitar que sim. Intimados a responder asegunda questio: "Esses idolos de pedra, de argila e de madeira saO verdadeiras divindades?",os negros responderam coma maiorinocencia que sim, claro,sem

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    o que, eles nao os teriam fabricado com suas pr6prias maos! Osportugueses, escandalizados mas escrupulosos, nao querendo condenarsem provas, oferecern uma iiltima chance aos africanos: "Voces nao podem dizer que fabricaram seus fetiches, e que estes sao,ao mesmo tempo, verdadeiras divindades, voces tem que escolher, oubern urn ou bern outro; a menos que, diriam indignados, vocesnao tenham miolos, e que sejam insensfveis ao prindpio de contradiC;ao como ao pecado da idolatria". Silehcio embotado dos negros que, na falta de discernimento da contradiC;ao, provam, frente ao seu embarac;o, quantos degraus os separam da plena e completa humanidade... Pressionados pelas questoes, obstinam-se arepetir que fabricaram seus fdolos e que, por conseqiiencia, osmesmos sao verdadeiras divindades. Zombarias, escarnio, aversaodos portugueses frente a tanta rna fe.

    Para designar a aberrac;ao dos negros da Costa da Guine epara dissimtllar 0 mal-entendido, os portugueses (muito cat6licos, exploradores, conquistadores, a te mesmo mercadores deescravos), teriam utilizado 0 adjetivo ftitifo, originario de feito,partidplo passado do verbo fazer, forma, figura, configura.;ao,mas tam bern artificial, fabricado, factfcio, e por fim, fascinado, encantado. 1 Desde 0 prindpio, a etimologia recusa-se,

    1. Le-se no dicionario Aurelio de pottugues as seguintes defini~ o e s (observar que em portugues ftififo vem do frances, por intermedio do presidente de Brosses):- f e i t i ~ o [de feito + i ~ o J ; 1. adj. artificial, factlcio; 2. p o s t i ~ o , falso; 3. maleficio de feiticeiros; 4. ver bruxaria; 5. ver fetiche; 6.encanto, f a s c i n ~ a o , fascinio. Proverbio. "virar 0 f e i t i ~ o contra 0feiticeiro";- feitio [de feito + io]; forma, figura, c o n f i g u r ~ a o , feic;ao;- fetiche; 1. objeto animado ou inanimado, feito pelo homem auproduzido pela natureza, ao qual se atribui pader sobrenatural ese presta culto, [dolo, manipanso; [depois, sao os mesmos significados do frances}.Observar 0 aspecto admicivel do italiano, que da ao mesmo verba/atturare 0 sencido de: 1. falsificar, adulterar; 2. faturar; 3. e n f e i t i ~ a r .

    como os negros, a escolher entre 0 que coma forma atraves dotrabalho e 0 artiffcio fahricado; essa recusa, ou hesitac;ao, conduz afascinac;ao, induz aos sortilegios. Ainda que todos os dicionarios etimol6gicos concordem sobre tal origem, a presi dente de Brosses, inventor, em 1760, da palavra "fetichismo",agrega aqui 0 fatum, destino, palavra que da origem ao substantivo fada {fee], como ao adjetivo, na expressao objeto-encantado [objet-feel.'

    Os negros daCosta Ocidenral da Africa, e mesmo os do interior das terras are a Nubia, regiao limltrofe do Egito, tern parobjeto de a d o r ~ a o algumas divindades que os europeus chamamde fetiches, termo forjado por nossos comerciantes do Senegal,sabre a palavra portuguesa Fetisso (sic), isto e, coisa encantada,ciivina ou que pronuncia oraculos; cia raiz latina Fatum, Fanum,Fari. (p.15)Qualquer que seja a raiz preferida, a escolha cominat6ria

    permanece; escolha evocada pelos portugueses e recusada pelosnegros: "Quem fala no oraculoe0 humano que articula ou 0 objeto-encantado? A divindade e real ou artificial?" - "Os dois",respondem os acusados, sem hesitar, incapazes que sao de compreender a oposiC;ao. - "E precise que voces escolham", afirmamos conquistadores, sem menor hesitac;ao. As duas rafzes da palavra indicam bern a ambigiiidade do objeto que fala, que e fabricado ou, para reunir em uma s6 expressao os dais sentidos, queJaz Ja/ar. Sim, 0 fetiche e urn fazer-falar.

    Pena que os africanos nao tenham devolvido 0 elogio. Teria sido interessante que eles perguntassem aas traficantes portugueses se eles haviam fabricado seus amuletos da Virgem ou

    2. Brosses, Charles de. Du culte des dieux/ftiches (1760), r e e d i ~ a oCorpus des reuvres de philosophie. Fayard, Paris: 1988. A etimologia de Charles de Brosses nao e retomada em nenhum outro lugar. Trata-se de uma c o n t a m i n ~ a o entre as palavras fadase fetiches?

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    se estes cafam diretamente do ceu. - "Cinzelados com arte pornossos ourives", teriam respondido orgulhosamente. - "E porisso eles sao sagrados?", ter iam entao perguntado os negros."Mas claro, benzidos solenemente na igteja Nossa Senhora dosRemedios, pelo arcebispo, na presenc;a do rei". - "Se voces reconhecem e n t a ~ , ao mesmo tempo, a transformac;ao do ouro e daprata no cadinho do ourives , e a carater sagr\do de seus [cones,par que nos acusam de contradic;ao, n6s que nao dizemos outracoisa? Para feitic;o, feitic;o e meio." - "Sacrilegio! Ninguem podeconfundir idolos a serem destrufdos com kones a serem louvados", teriam respondido os portugueses, indignados, uma segunda vez, com tanta imprudencia.

    Podemos apostar , contudo, que eles ter iam apelado a urnte6logo para livro-Ios do embarac;o no qual as rnergulhara urnpouco de antropologia simetrica. Teria sido necessaria urn sabiosutil para ensina-Ios a distinguir "latria" e "dulia". "As imagensreligiosas", teria pregado 0 te610go, "nao sao nada pa r si pr6prias,ja que apenas evocam a Iernbranc;a do modelo que deve ser, somente ele, objeto de urna adorac;ao legitima, enquanto que seusfdolos rnonstruosos seriam, segundo suas declarac;oes, as pr6priasdivindades, que voces confessarn fabricar irnpunemente." Porque se comprometer, alias, com discussOes teol6gicas com simples primitivos? Envergonhado por tergiversar, tornado por urnzelo sagrado, 0 te610go teria derrubado os idolos, queimado os fe-tiches e consagrado, em seguida, nos casebres desinfetados, a Verdadeira Imagem do Cristo sofredor e de sua Santa Mae.

    Mesmo sem a ajuda deste dialogo imaginario, compreendemos bern que os negros id6latras nao se opoem aos portugue-ses sem imagens. Vemos povos cobertos de amuletos ridicularizac outros povos cobertos de amuletos. Nao ternos de urn ladoicon6filos e do outro iconoclastas, mas de iconodlilios e maisiconodlilios. Entretanto, 0 mal-entendidopersiste, pois todos serecusam a escolher os termos que lhes sao pr6prios. Os portugueses recusam-se em hesitar entre os verdadeiros objetos de piedade e as mascaras patibulares cobertas de gordura e de sangue dossacrificios. Cada porcugues, na Costa do Ouro, e tornado pelo

    zelo indignado de Moises contra 0 veadode ouro. "Os idolos ternolhos e nao veem. ouvidos e nao escutarn. bocas e nao falam."Quanto aos guineenses, eles nao pereebem bern a diferen,a entre 0 fetiche derrubado e 0 icone eoloeado em seu lugar e espaC;O. Relativistas at/ant fa fettre, pensam que as porcugueses agemcomo eles. E justamente essa indiferenc;a, essa incompreensaoque os condena aos olhos dos portugueses. Esses selvagens naodiscernem nem mesmo a diferenc;a entre "latria" e "dulia", entreseus fetiches e os kones santos de Seus invasores; recusam-se compreender a abismo que separa a construc;ao de urn artefato feitopelo homem e a realidade definitiva daquilo que ninguem jamais construiu . Mesmo a d i f e r e n ~ a entre a transcendencia e aimanencia pareee escapar-Ihes... Como nao ve-Ios como primi-tivos, e 0 fetichismo como uma religiao primitiva,3 visto que esses selvagens persistem diabolicamente no erro?

    3. Pietz resume de m a n ; i ~ " ' ; ~ ~ ~ r ; ~ ~ e a i n v e n ~ a o do presidente deBrosses: "Fetishism was a radically novel category: it offered anatheological explanation of the origin of religion, one that accounted equally well with theistic beliefs and nontheistic superstitions;it identified religious superstition with false causal reasoningabout physical nature, making people's relation to material objects rather than to God the key question for historians of religion and mythology; and it reclassified the entire of ancient andcontemporary religious phenomema (...). In short the discoursesabout fetishism displaced the great object of Enlightenment crit icism - religion - into a causative problematic suited to its ownsecular cosmology, whose "reality principle" was the absolutesplit between the mechanistic-material realm of physical nature(the blind determnisms of whose events excluded any principleof teleological causality, that is, Providence) and the end-orientedhuman realm of purposes and desires (whose free intentionalitydistinguished its events as moral action, properly determined byrational ideals rather than by the material contingency of merelynatural beings). Fetishism was the definitive mistake of pre-enlightened mind: it superstitiously attributed intentional purposeand desire to material entities of the natural world, whileallowingsocial action to be determined by the (clerically interpreted)wills

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    Tres seculos mais tarde, no Rio de Janeiro contemporaneo,m e s t i ~ o s de negros e de portugueses obstinam-se em dizer , nomesmo tom, que suas divindades sao, ao mesmo tempo, constmfdas, fabricadas, "assentadas" e que sao, par conseqiiencia, reais.Vejamos como a antropologa Patricia de Aquino compila e traduz a tescemunho dos iniciados dos candombles:

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    of contingently personified things, which were, in truth, merelythe externalized material sites fixing people's own capricious libidinal imaginings (fancy in the language of that day)". Wil-liam Fetishism as Cultllral Discourse. Pietz, Cornell UniversiryPress, I rhaca: 1993. p. 138. (0 ferichismo era uma caregoriaradicalmente nova: oferecia uma explicac;ao ateo16gica da origemda religiao que levava em conta ranro as crenc;as tefsricas quanroas supersric;oes nao-refsricas; associava a supersric;ao religiosacom urn falso raciodnio causal sobre a natureza Hsica, fazendo darelas;:ao das pessoas com objetos mater ia is , e nao com Deus, aquestiio-chave para os historiadoresda rel igiao e da mirologia; ereclassificava todos os fenamenos religiosos antigos e contempora-neos ( .. . ). Em resumo, os discursos sobre fetichismo subsritllfram 0 grande objeto da crl ti ca i luminisra - a rdigiao - poruma problematica causativa que se adequava a sua propria cosmologia secular, cujo prindpio de realidade eraa absolura separac;ao entre a esfera material-mecanicisra cia narureza ffsica (osdeterminismos cegos cujos evenros exclufam qualquer prindpiode causalidade releo16gica, ou se ja, a Providenc ia ) e a esferahurnana de prop6sitos e desejos (cuja intencionalidade livre distinguia seus eventos como ~ a moral, propriamenre determinada pelos ideai s rac iona is e nao pela contingencia mater ia l demerosseres naturais). 0 fetichismo foi 0 eerodefinitivo da mentepre-iluminista: ele atribufa, de modo supersticioso, prop6siro edesejo intencionais as enridades mareriais do mundo natural, aomesmo tempo em que permiria gue uma ac;ao social fosse dererminada pelas vonrades (clericamente interpretadas) de coisasconringentemenre personificadas que eram, na verdade, manifestas;:oes concrecas que estabeleciam as proprias fantasias libidinosas e extravaganres das pessoas.

    . Eu fui raspado (iniciado) para Osala em Salvador mas precisel assentar Yewa (que pediu atraves da divinac;ao para ser assent a c l a ~ e mae Aninha (sua iniciadora) me mandou para 0 Rio deJaneIro porgue ja na epoca Yewa era por assim dizer urn Orisaem via de extins;:ao. Muitos ja nao conheciam mais os oro [Yoruba para palavras e ri tos] de Yewa.

    Eu sou de Oba, Oba guase que ja morreu porgue ninguemsabe assentar ela, ninguem sabe !azer, entao eu vim para ca (neste candomble) porgue agui eu fui raspada e a gente nao vai esguecer os awo [segreclos em Yoruba] para/azer ela. 4*

    o antifetichismo que repousa em nos nao pede suponar 0despudor destas frases. Escondam essa f a b r i c a ~ a o , esse jazer, quenos nao conseguirfamos ver! Como voces podem confessar de maneira tao hipocritaque e precise fabricar, assentar, situar, constroiressas divindades que se apoderam de voces e que, entretanco, Ihese s c a p ~ a m ? Voce: ignoram encao a diferen

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    Voces os manipulam furtivamente para impressionar os outros.Manipuladores das e r e n ~ a s populares, voces se junram porranro,a essa legiao de sacerdotes e de falsificadores que comp5em, aosolhos dos anticlericais, a longa hist6ria das religioes. Ou entao,se voces se deixam surpreender por suas pr6prias marionetes, eacrescentam fe aos disfarces das mesmas (ou antes, aos seus pr6prios), isto prova uma tal ingenuidade que voces e n g ~ o s s a r a o asmassas eternamente credulas e ludibriadas que formam, sempreaos olhos lucidos, a massa de manobra da hist6ria das religioes.5Da boca dos Fontenelle, dos Voltaire, dos Feuerbach, surge sempre a mesma escolha cominat6ria: "Ou bern voces mani-pulam cinicamenre as cordas, ou bern se deixam enganar". Maisingenuamente ainda: "Ou bern isso e construfdo por voces oubern everdade".6 E os adeptos raspados do candomble a insistirem tranqiiilamente: " Eu sou de Dada mas como nao se sabe fazer Dada, a gente entrega a Sango ou Osala pra eles pegarem ae a b e ~ a da pessoa"*... Enguanro os adepros designam algo gue

    5. Rejeitando a cren)a ingenua na cren)a ingenua, Paul Veynenao escapa a essa alternativa, senao fazendo de todas as culturas, criadoras demiurgicas de mundos incomensuraveis sem rela)ao entre si, e sem r e t a ~ a o com as coisas , les Grecs ont-ils crua leurs mythes? Essai stir /'imagination constittlante, Paris: LeSeuil: 1983. "Basta dar a i m a g i n a ~ a o constituinte dos homensesse poder divino de constituir, isto e, de criar sem modelo previo" (p.137). A d i f e r e n ~ a entre saber e crer, mito e razao, encontra-se abolida, mas ao pre)o de uma virada geral da imagina)ao criadora, ligada, alias, sem ambiguidade a vonrade depotencia nietzschiana. "Elas [as doutrinas miticas} provem dam e s m ~ capacidade organizacional das obras da natureza; umamore nao everdadeira nem falsa; eta e complexa" (p. 132). So-bre 0 modelo do "poder divino", que inspira os mais implacaveis anti-religiosos, ver a ultima parte.6. E a "rna fe" do "canalha" sartriano, permitindo, contudo, operar a passagem de uma escolha a outra. Veremos mais adiante 0que pensar destes argumenros.* Em portugues no original. (N.T.)

    nao e nem inteiramente auronomo nem inteiramente construldo, a n ~ i i o de eren,aguebra em duas parres essa o p e r a ~ i i o delicada, essa ponte fragillan

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    Como os moder'seus p

    eguem construiretiches

    Se aceitamos nos deixar instruir por aqueles que nao acreditam na c r e n ~ a , veremos que os mooernos nao acreditam nesta mesrna crenc;a roais do que os negros da Costa. Se os brancos acusamos selvagens de fetichismo nao sao, por isso, ingenuos antifetichisras. a acreditar seria passar de Cila a Caribde. Terfamos salvado osnegras da crenc;a - transformada agora em a c u s ~ a o feita pelosbrancos sabre algo que nao compreendiam - mas mergulharfamosos brancos em urn abismo de ingenuidade. Estes, acreditariam queos outros creem! Nos tomarfamos os broncos por negras! 0 queacabamos de fazer para os fetichistas anteriormente, precisaria secfeiro agora para os antifetichistas, enos mostrarmos do caridososcom uns como fomos com outros.

    Ora, assim como a aCllsac;ao de fetichismo nao descreve emnada a pratica dos negros da Costa, a reivindica\,ao de antifeti-chismo nao leva em conta, em absoluto, a pratica dos brancos.Por todos os lugares onde instalam suas maquinas de destruir fer iches, os brancos recome\ ,am, como os negros, a produzir osmesmos seres incertos, os quais nao saberiamos dizer se saoconstrufdos au compilados, imanentes au transcendentes. 7 Consideremos, pa r exemplo, tudo do que e capaz a objeto fetiche, acusado, entretanto, de nada fazer.

    7. Ver 0 magnifico capitulo sobre 0 martelo do escultorem Serres Michel, StatNes. Paris: F r a n ~ o i s Bourin, 1987, p. 195 s. Ao fa-l ar da Pieta, de Michelangelo, de escreve: "Os furos nos pes e

    "

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    Como definir urn antifetichista? Eaquele que acusa urn ou-tro de ser ferichisra. Qual e0 conreudo desra denuncia? 0 ferichismo, segundo a acusa

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    proje

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    Como as modernoas fatos e as fetich m-se para distinguirntudo, consegui-/o

    Por que as moclernos devem reeoerer a faemas complicadas a f im de acrecl irar na cren

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    Denuncia crltica: a farc;a eprajetadapaloator sobre urn objetoquen5a feznada

    Figura 1: a primeira denuncia critica inverte as diret;oes da crent;a, revelando, sob a f o r ~ a do objeto, a projet;ao de seu proprio trabalho porurn ator hurnano livre e automanipulado.

    13. Retorno aqui 0 argurnenro desenvolvido, de rnaneira rnaisaprimorada, por Hennion, Antoine. fa Passion musicale. Une sociofogie de fa mediation. A.-M. Paris: Metailie, 1993. p. 227 s.

    plo jogo do ator que, "na verdade", projeta sobre urn objeto inerte a forc;a de sua propria ac;ao. 13

    Poderiamos acreditar que a trabalho de denuncia terminara. Sobrio, liberado e libertado, 0 sujeito agora retoma a energiaque Ihe pertencia e recusa, as suas e o n s t r u ~ o e s imaginarias, a auronomiaque elas nunea souberam possuir. Entretanro, 0 trabalhode denuncia nao para por ai , e e retornado em seguida, mas, nooutro sentido. 0 sujeito humano livre e autBnorno se vangloria urnpouco rapido demais de ser a causa primeira de rodas as suas projec;6es e manipulac;6es. Felizmente, aqui ainda, 0 pensador critico, infatigavel, revela, desra vez, 0 trabalho da determinaC;ao sobas ilusOes da liberdade. 0 sujeito acredita-se livre, quando "naverdade" e levado de urn lado para outro.

    Objeto tornadocomo proJe

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    Creno;a ingenua na for

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    figura 3); d a se arribui um a liberdade que Ihe econcedida po rurn grande mimero de determinac;5es causais, qu e agem em despeito d o q ue iS50 the provoca, revelando-lhe, de forma complacen te , a segunda denuncia critica (parte inferior cia figura 3)Mas a s e m e l h a n ~ a entre as duas faemas de procedimento naosurpreende jamais 0 espfrito, pois 0 ohjeto-feirD, qu e s e ~ e segunda critica, provem de um a lista de solidas c ~ u s a s o b J e ~ l v a ~ ,enquanto que 0 objeta-encantado, que edenuoClado na pnmel-ca, eapenas a projec;ao de llma miscelanea de crenc;as mais oumenos vagas sabre urn substrata se m irnportancia. Inversamente, 0 sujeiro ativo que serve aprimeira denuncia se ve confiadoao papd de urn a ra r h u m an o e m revolta contra a alienar;ao, e qu ereivindica corajosameote sua plena e inteira liberdade. enquan-t o q ue aquele da seg un d a d enuncia. constituiu um a marioneted e s p e d a ~ a d a po r todas as d e t e r m i n a ~ 5 e s causais que a m e c a n ~ -zam em codos os sentidos. Co m a c o n d i ~ a o d e m a nt er u m a estrlta s e p a r a ~ a o entre a parte superiore a inferior da figura 3,a pen-samento cdtico nao tera, por ta nto, ne nhuma dificuldade empretender qu e 0 ator humane livre e autonomo crie seus p r o p ~ i o sfet iches e que , ao me smo t e mpo, seja completamente defimdopelas d e t e r f f i i n a ~ 5 e s objetivas reveladas pelas cieneias exatas ousocIals.Podemos agora chamar pa r c r e n ~ a 0 conjunto da operafao estabelecida pela figura 3. Tornamos a compreender qu e a c r e n ~ anao remere, d e m o do algUffi. a um a capacidade cognitiva. mas aum a c o n f i g u r a ~ a o complexa pela qual os modernos constroem asi proprios ao proibirem, com 0 objetivo de compreender s u ~ 5 e s , 0 retorno aos fetiches, os quais, como veremos. codavIaeles utilizarn.

    ,1A!2,WW,!i;jt;J:k1:"Wcapitulo 4Como fatos e f onfundem suasvirtudes, mes os modernos

    Portanto. a c r e n ~ a , longe de explicar as atitudes dos fetichistas, longe de justificar as adtudes dos antifetichistas, permi-te manter adistancia dois repertorios de a ~ a o opostos, e mesmocontraditorios, qu e escao encarregados de dissimular a pontotransposto, desde sempre, pela tranqliila a f i r m a ~ a o dos negrosda Costa d o O u ro . segundo a qual eles constroem aquilo que ossupera. Ora. os modernos. mesmo para produzir as ciencias exatas, nao se urilizamjamais desta d i f e r e n ~ a , sobre a qual parecem,eontudo, realmente insistir. A p ar ti r d o m om en to e m q ue sesuspende 0 aparato da c r e n ~ a , percebe-se qu e todos os cientistasfalam como os negros. condenados ao silencio, pelos portugue-ses. urn pouco rapido demais.

    Eseutemos, pa r exemplo, Louis Pasteur, urn cientista de laboratorio, defensor daquilo que edemonstravel pela prova; falar,nao de fatos e fetiehes, mas daquilo que coma forma em seu laboratorio. Ao aplicar a d e f i n i ~ a o que damos sobre a e r e n ~ a , devedamos intima-Io a escolher entre eonstrutivismo e realismo. AUbern ele construiu socialmente seus fatos e aerescenta ao repertorio do mundo apenas suas fantasias, preeoneeitos, h:ibiros e me -moria, ou bern os fatos sao reais, mas entao, ele nao os fabricouem seu laboratorio. Esta c o n t r a d i ~ a o parece tao fundamental queocupa, ininterruptamente, ha tres seculos, a filosofia das eiencias.Ora, ela ocupa muito pouco Pasteur, que se obstina, comoa born negro, a nao compreender a i n t i m a ~ a o , a nem mesmo vera dificuldade. Ele afirma, no mesmo rom que os negros, que afermento de seu

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    uma o p e r a ~ a o magica, depois dissimulada na crenlia, antes de ser,enfim, soterrada sob a rna fe?16 Nao necessariamente. Vma outras o l u ~ a o nos e oferecida, mas ela supoe 0 abandono do pensamento cdt ieo, a renuncia das n o ~ 5 e s de crenc;a, de magia, de rna fe,de autonomia, a perda desse fascinante dominio que nos transformara em modernos e, orgulhosos por se-losYo novo reperr6rio surge tao logo se contorna 0 antifetichisrna para dele fazer, nao mais 0 recurso essencial de nossa vida intelectual, mas 0 ohjeto de estudo da antropologia dos modernos.a primeiro repert6rio nos obriga a escolher entre dois sentidosda palavra faro: ele econsrruido? Eleereal? 0 segundo, acompanha Pasteur, quando ele toma por sinonimo as duas frases: "Sim,e verdade que eu 0 construi no laborat6rio", e "por conseguinte, 0fermento autonomo surge por si s6, aos olhos dos observadoresimparciais".18 Enquanto 0 reperr6rio moderno - alto da figura 4- impede que acontec;a, seja 0 que for no seu m.eio, sob a condi-

    c;ao de se prender pelos pes as piruetas da dialetica, tudo ocoereno inter ior do repertorio nao-moderno, no mOmento crucialquando Pasteur,por ter trabalhado bem, pOde deixar seu fermento, enfim autonomo e visivel, agir, alimentando-se com prazer dacultura que acabava de ser inventada para ele. Enquanto a noc;aode fato estaquebrada em duas partes no alto do diagrama, ela serve, na parte inferior, de passe para estabelecer 0 que se chama justamente por "uma s o l u ~ a o de continuidade" entre 0 trabalho hu-mano e a independencia do fermento. 0 laborat6rio aciona 0 faz-fazer. A dupla articulafao do laborar6rio de Pasreur permire aofaz-fazer de fazer-falar, reencontrando assim as duas etimologiasda palavra fetiche e da palavra fato. 0 laboratorio torna-se, se nosatrevemos a dizer, 0 aparelho de f o n a ~ a o do fermento do ;icidolitico assim como de Pasteur, da articulac;aode Pasteur e de "seu"fermento, do fermento e de "seu" Pasteur.

    RepertOrio modemoFATO .. fobricodo FATO .. nccrfabricodo

    Figura 4: 0 repert6rio moderno obriga Pasteur a esco/her entre construtivismo e realismo, 0 reperr6rio nao-moderno permite acompanhar Pasteur quando ele toma fabrica

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    Figura 5: por urn erro de manipulac;iio as "science studies" cmzam asduas denuncias e cornam visfveis suas simetrias perfeitas, suspendendo,de repence, 0 conjunro da operaljao que permitiria a crenlja na crenlja.

    21. Paradoxalmenre, as "science scudies", longe de politizar a ciencia, permitiram ver a que ponto todas as teorias do conhecimento,desde os gregos ate nossos dias, estao sob 0 jugo de t una definiljaopolfticaque obrigaaseparac;ao dos fatos e dos fetiehes. Liberadas dapolftica, as ciencias voltam a sec apaixonantes e abertas a wna des-criljao antropologica que resta ainda ser amplamente feita.

    nunci a, mas se compreende simetricamente a impotencia dosobjetos controversos, socializados, enredados em suas c o n d i ~ 6 e s(sociais?) de produc;ao, que servem de bigorna e de martelo nad e t e r m i n a ~ a o causa l das vontades humanas. A e x p l i c a ~ a o socialnao valer ia talvez nada, mas a causa lidade objetiva nao valeriamais tarnpouco. Era precise retomar tudo do zero, e escutar novamente os prop6sitos do ator comum.

    Felix culpa, que permite nao mais acreditar na d i f e r e n ~ a essencial , radical , fundadora dos fatos e dos fet iches. Mas entaO,paraque serve esta d i f e r e n ~ a se e la naopermite nem mesmo justificar a prodw;ao cienrifica?21 Porque insistir tanto sobre umad i s t i n ~ a o absoluta que nao se pode jamais aplicar? Porque elaserve ;ustarnente para completar as vantagens da pratica atraves

    ,II

    POLOOBJETO

    I: O b i e t ~ n c o n t o d o

    II.Objeto-feitoc r e n ~ o ingenua

    c r e n ~ o ingenue

    Primeiro denuncio crftico

    ./,-,.,".. ~ Segundo denuncio critica

    Felix culpadas "science studies"

    I: Ator humano livre

    II: Ator humanodetermJnado

    POLOSUJEITOompreende-se a importancia decisiva das "science studies" o u d a antropologia das ciencias. Elas agem como urn ver

    dadeiro clinamen, quebrando a simetria invisive1 que permitia acrenc;a exercer seuS direitos. 19 De fato, aO forc;ar a teoria a levarem conta a pratica dos eientis tas, a analise socia l das c ienciascombina os dois reper t6rios e for

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    das vantagens da teoria. 0 duplo repertorio dos modernos naopode ser desvendado pel. d i s t i n ~ a o dos f.ros e dos fetiches, maspela segunda d i s t i n ~ a o , mais sut il , ent re a s e p a r a ~ a o dos fatos edos fetiches, feita, reoricamente, por urn lado, e a passagem dapratica, que difere totalmente desta, p ~ outro. A , c r e ~ ~ ~ t ~ m aurn outro sentido endo: e 0 que permlte manter a dlstanCla afo rma de v ida p ra ti ca - onde se faz f azer - e as f o r m a s ~ de v i ~ ateoricas _ onde se deve escolher entre fatos e fetiches. E 0 melOde purificar indefinidamente a teoria, sem arriscar, entretanto,as conseqilencias desta purifica

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    do sujeito. Todas as duas dissimulam, na profundeza ~ suas calzes latinas 0 trabalho intenso de c o n s t r u ~ a o que permlte a verdade dos f a t ~ s como ados espiritos. Eesta verdade que precisamosdistinguir, sem acreditar, nem nas e l u c u b r a ~ 5 e s de urn sujeito psico16gico saturado de devaneios, nem na existencia exterior de objetos frios e a-hist6ricos que cairiam nos laboratorios como do ceu.Sem acreditar, tampouco, na crentia ingenua. Ao juntar as duasfontes etimo16gicas, chamaremos feei)tiche a firme certeza que permite apratica passar aac;ao, sem jamais acreditar na diferenc;a entre constrw;ao e compilac;ao, imanencia e transcendencia. 22

    Tao logo comec;amos assim a considerar a pratica, semmais nos preocuparmos em escolher entre construc;ao e verdade,todas as atividades humanas, e nao somente aquelas dos adeptosdo candomble ou dos cientistas de laborat6rio, c o m e ~ a m a falarsobre 0 mesmo passe, sobre 0 mesmo fe(i)tiche. Os romancistas") N 'nao dizem tambem que sao" levados pa r seus personagens. asoS acusamos, everdade, de rna fe, submetendo-os primeiramente aquesta-o: "Voces fabricam seus livros? Voces sao fabricadospor eles?" E eles respondem, obstinadamente, como as negros e

    22. Seria necessario acrescencar aqui 0 artefato - em urn sentidoemprestado do i ngl es - e que designa, nos laboratorios, urn pacasita, tornado erroneamence como urn novo sec - como quandoTincin(a despeito das leis da otiea!) tomou uma aranha que passeava sobre 0 telescopio do obsecvatorio poc urna estrela quea m e a ~ a v a a Tecra. Ao contrario do fato, 0 a r t e f ~ t o surp:eende,pocque descobcimos ali a ~ a humana q u a n ~ o _nao esperavamospor isso. A palavraassegura, portanco, a t r a n s l ~ a o entre a s,urpcesa dos fatos e ados fetiehes. Nao hi mais razao para abdlCar dapalavra "fetiche" comO da palavra "fato", sob pretexto de q ~ os modernos teriam acreditado na c r e n ~ a e qUlseram desaeredltar os fatos para ater-se aos fetiehes. Na verdade, ninguem ?unca acreditou nos fetiches, e eada urn preoeupou-se, astuelOsamente, com os fatos. As duas palavras eontinuam, porranto, intaetas. Como a d i f e r e n ~ a encre os fonemas "fi" e "fait" nem sempre e audfvel, poderfamos preferir "factiche", entretanco menoselegance (jactish , em ingles).

    como Pasteur, atraves de uma de suas admiraveis formulas, cujosentido corre sempre 0 risco de ser perdido: "Somos os fios denossas obras", E que nao venham nos dizer que eles estao se valendo da dialetica, e que 0 sujeito, ao se autoposicionar no objeto, revela a si proprio, alienando-se atraves dele, pois os artistas,ao zombarem do sujeito assim como do objeto, passaro justamente entre os dois, sem tocar, em nenhum momenta, nem 0 sujeito, senhor de seus pensamentos, nem 0 objeto alienante. l3 Todos aqueles que se sentaram na frente de urn tecIado de computador, sabem que tais romaneistas tinham conseiencia do q uepensavam sobre aquilo que estavam escrevendo, mas que nao sepode, por isso, confundi-Ios em urn jogo de linguagem ou imaginar que urn Zeitgeist lhes diria 0 que escrever asua propria revelia, pela excelente razao que esses manipuladores de segundacategoria nao teriam maior controle sobre tal Zeitgeist do que 0autor possui sobre a texto. Experiencia banal, rornada incompreensivel pela dupla suspeita da cririca e remetida, por esta razao, ao meio-silencio da "simples pcitica".

    Por que exigir dos negros que escolham entre a f a b r i c ~ a ohumana dos fetiches e suas verdades transcendentes, enquanto quen6s, os brancos, os modernos, jamais escolhemos, exceto se nossubmeterem a essa questao e nos f o r ~ a r e m a quebrar a passagemcontinuaque, na pcitica, acabamos de explorar?24 Em cada uma denossas atividades, aquilo que fabricamos nos supera. Do mesmo

    23. Cada pincoc poderia dizer que sua tela e"acheiropoeitos" (naofeita pe1a mao do homem), entretanto, de nao especa ingenuamente, ve-la eair do ceu inteiramente pronta.24. Expliearei, mais adiante, 0 sentido dessa ruptura, A fabriea~ a tecniea, apesar das apacencias, nao eseapa aquestao eominatoria, visto que os tecn610gos dividem-se eonsideravelmente entre os que seguem os determinismos materiais dafunfcio e os queseligam ao arbitrario do eapricho humano ou social da forma. 50-bre este dualismo ver Latour, Bruno; Lemonnier, Pierre (Org.).De la prihistoire aux missiles balistiques - !'Intelligence sociale destechniques. Paris: La Decouverte, 1994 e a displ/tatio entre os doisautores em Ethnologiefranfaise. v. XXVI, n. 1, p. 17-36 , 1996.

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    modo que os romancistas, os cientistas ou feiticeiros e os polIticossao intimados a se deitar na mesma cama de Procusto, sob pena depassarem por mentirosos. "Voces constroem a representac;ao nacional?" - "Sim, diriam eles, necessariamente e completamente." "Voces inventam, portanto, atraves da manipulac;ao, da propaganda e do conchavo, aquilo que os representados devem dizer?" "Nao, somos leis a nossos mandatos porque construimos jusramente a voz artificial que eles nao tedam sem nos." - "Eles blasfemam!", exclamariam os criticos. "Por que ternos que ouvi-Ios pormais tempo? Eles nan conseguem nem mesmo, no seu illusio, perceber suas proprias mentiras!."2$ Entretanto, do mesmo modo queos politicos, condenados ao silencio ha dois longos seculos, seacham rodos os dias, de manha:anoire, entre essa construc;ao artificial e essa verdade precisa; os cientistas, obrigados a escolherentre conStnlc;aO e verdade (ao menos nos manuais), l evam dias emuitas noites, para constmir no laboratorio a verdade verdadeira.A escolha proposta pelos modernos naose da, portanto, entre realismo e construtivismo, ela se da entre a propria esco/ha e aexistencia pratica, que nao compreende nem seu enunciado nem

    25. Pode-se ler em Bourdieu "La delegation et Ie fetichisme politique". In Choses dites. Paris: Minuit, 1987. p. 185-202, a ex-posic;ao desse desprezo pela representac;ao polftica na qual 0 antifetichismo e levado ao seu limite extremo. "0 misterio do ministerio s6 pode agir caso 0 ministro dissimule sua usurpac;ao,bern como 0 imperium que ela Ihe confere, afirmando-se como urnsimples e hwnilde ministro" (p.191), e ainda: "Logo, a violenciasimb61ica do ministro s6 pode ser exercida com essa especie decurnplicidade que Ihe concedem, pelo efeito de desconhecimento que a denegaC;ao estimula, aqueles sobre os quais se exerce essaviolencia" (id.). Nao se pode menosprezar mais 0 trabalho da re-preSentac;ao assim como sabedoria dos representados. Somente 0illusio permite aos soci610gos nao ver a contradic;ao gritante doantifetichismo, enquanto ela e utilizada (ingenuamente?) pdosoci610go crftico para retratar a incapacidade dos atores comunsem ver a contradic;ao gritante do fetichismo! Nenhurn outro reiesta mais nu do que 0 soci610go cdtico, que se cre 0 tinico lticido em urn asilo de loucos.

    sua imporrancia. Se antes so podfamos nos alternar violentamen_te entre os dois extremos do repertorio moderno _ ou "superalos" por meio da dialetica, como 0 Barao de Miinchhausen "supera" as leis da gravidade - podemos, agora, escolher entre doisrepertorios: aquele onde somos intimados a esco/her entre construc;ao e verdade, e aquele onde construc;ao e realidade tornam-se si-nonimos. Por urn lado, esramos paralisados como urn asno de Buridan, que deveria escolher entre fatos e fetiches; pa r Dutro, pas-samos g r a ~ a s aos fe(i)riches.

    Assim, 0 ator comum quando par nos interrogado, ffiultiplicara explicitamente, e com uma inteligencia absurda, as or-mas de vida que permitem passar, grac;as aos fe(i)tiches, sem jamais obedeceraescolha cominatoria do reperrorio moderno. Entretanto, essas teocias refinadas conrinuaclo encobertas, visto queo tinico meio de represenca-Ias oficialmente situa-se na escolha aser feita entre construc;ao e autonomia, sujeito e objeto, fato e fe-tiche. Tenhamos 0 cuidado em nao simplificar a situac;ao: nao sepode ignorar nem a multipl icidade dos discursos que falam dopasse, ao se desviar da escolha moderna, nem a imporcancia dateoria dos modernos que obriga a uma escolha, que parece nunca servic para nada. Existe algo de subl ime na comparac;ao destacoleha de discursos, de dispositivos, de praticas, de reflex5es refinadas, pelas quais as "zatoreszelesmesmos"* declaram a evidencia da faci! passagem entre os dais lados da palavra "fato" comoda palavra "fetiche", e a preocupaC;ao minuciosa, farisaica, com aqual, desde que procuramos nos acreditar moclernos (isto e, radicalmente e nao relativamente diferentes dos negros), acreditavase que a passagem estava fechada para sempre.26

    *No original: les "zacteurszeuxmemes". (N.T.)26. Daf 0 fato, sem 0 qual, dificilmente explicave1, de que a so-ciologia dos "zatoreszdesmesmos" possa afirmar que se comenta, ao mesmo tempo, em coletar as declarac;6es dos atores e queacrescenta alguma coisa, eotretanto, que des jamais dizem. Lon-ge de dar uma voz aos sem-voz, au de fazec a simples teoria desuas praticas, ela se contenta em fazer passar, contra os diktats do

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    P ~ r a c o z : : ~ r e e n d e r a eficacia misteriosa desta separac;ao ent ~ t ~ r ~ a e pranca, seria preciso poder disporde descriC;5es deantlfetJChlstas. ~ o _ d e r f a m o s , entao, contra-analisar os modernos faz : n d ~ a d e s c r l C ; ~ o etnognifica de seus gesros iconoclastas. Comonao d l s p o m ~ s alOda d e ~ s e s estudos,28 pelo que sei, escolhi junto aurn r ~ m a n c i s t a da india contemporanea uma anedora esclarecedora .." J a g a n ~ a r h era urn bramane do t ipo modernizador . Elequerla deStrUlr ~ fetiches e liberar da alienaC;ao os parias empregad os par s ~ na , forc;ando-os a tocar a pedra sagrada das novecores, 0 shaltgram de seus ancestrais. Urn fim de tarde, apos 0 trabalho, ele agarrou a peclra do altar , depois, diante de sua t ia e do

    28. A hi st6 ri a d a ar te ofereceria contudo urn tl'CO ' .. ' , repercoclOpara e s r ~ a ~ t r o p o ~ o ~ l a hist6rica da iconodasia anciga e modema.Ver ChrlstlO, OltvIer. Une revolution symbolique. Paris: Minuir1991,; K o e r ~ e r , Joseph Leo. "The Image in Quotations: C r a ~nach s Portratts ~ f L u t h e r Preaching", In Shop Talk. StNdies in Ho-nor of Seymotlr Sltve. Mass: Cambridge, Harvard University Pres1995. P,: 1 ~ 3 - . 6 . assim como os t rabalhos de Dario G a m b o ~ i(1983). Meprlses et mepris. Elements pour une etude de l'ico-nocIasme comemporain" A t de L h h ., c. es a ref, ere, e en SCIences sodatesvol. 49, p.2-2B. Vet tambem Heinich, Nathalie (993). "les o h

    J ~ t s - p e r s o n n e s . Fetiches, rdiques er oeuvres d'art". Sociologie deI art, v. 6, p . 25-56.29: U.R. Ananrha Murthy Bharathipllra, In: Another India. Pengum, Harmondsworth: 1990. p. 98-102. (rrada

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    sacerdot e, horrocMizados, q u i ~ ~ e ; : - p l ~ t : : S J : ; ~ ~ : t ~ ~ ~ ~ ~ : O : ~ : :cantoqua lquer. as, no mel '.peito do que estava fazendo, entao pat oU e se mdagou,E ra pedra nao e nada,As palavras pararam na sua garganta.. s ... . _. 1 el-a para voces. toquemmas meu corai)3.o se ltgou a e a e pegu ul eravel de meu es-'I se cornDll 0 p onto v nna, toquem aqUl 0 que _ ecis de mim [minha r ia e

    pirito.Toquem-na! A q u e : e ~ e ; ~ : : : : : ~ e : das imuneraveis ligai)Oeso sacerdoteJ procuram m " _ sperando;l Qual e 0 pre-b . a ao Born 0 que voces estao e .de 0 Cig I) 'lhes r:ago? Nao sei ao cerro: isto se tornOll wn sha-sente que ell urna pedra. Se voces 0 tocareffi,t ' e 0 apresenro como19ram porqu db' para minha ria e para 0enca.o ele se tornara. wna pe ra tam em " r uesacerdote. Porgue eu a ofedceci, p o r q u r e c ' l v m O ~ ~ t : ~ : : : : : d ~ o 1 t e ,r unhas este aeon e ,rodos lorarn testern _r haliuram! Que este shaligramque esra pedra se rranSLorma em J: /:>".se rransforrne em pedrat (p. 101)Mas para grande surptesa de ]agannath, destruidor de, ,; . aram aterronza-'dolos libertador, antifetichista, os panas recu 'b' '1 , . d ,; ' com urn 0 Jeto melO

    dos Ele[leou sozinho, no melO 0 patlO, h. . -d' . dade' 0 sacerdote e a ri a gritando de vergon a; ; ~ : a d ~ : , l : n ; : ~ : t o a ~ u e l e s que ele queria lib:rtar se amontoa

    , 1 nge posslvel do sacrificador saenlego.vam 0 malS 0. I { ;' seu tom profes-)agannath tentOU seduzl-10s. E e pro e:lU e b Se vocessoral: "E so urna pedra. Toquem-na e voces ~ e r a o em.- pre pobres homens .nao a tocarern, serao sem . ,; ' Todo 0Ele nao eompreendia 0 que aconteCla com os panas.o amontoava-se 0 mais longe possfvel, assustado, sem ousar

    ~ r ou ficar. Como ele d e s e j a r ~ , .contudo: este m ~ : e : t ~ ~ : g g :.0 do os parlas tDCarlam, en 1 ,do! Este momento quan " "Vao' Toquem-na"!

    de f . ~ : ; ' ~ ~ f ~ : ~ ~ ~ : ~ : ; : r % " ~ : : ~ : ' ; ~ ; : ~ c u p a r ~ : ' l ~ ~ e : : : : ~ ~, ad a crueldade monstruosa . stlU tom 0 por urn , . . obre seus v entres.ram como eriaturas hornve1s que rasteJavam s fi e inflexfvel:Ele mordeu seu hibio e ordenou com uma voz l rme. I""Pilla! Toque-a, SlID, toque-a. '. ,; iscando os olhos.pOll [0 eonrramestre] contlOUVa em pe, P1 a d d'do Tudo 0 que tentara en-Jagannath senriu-se esgota 0 e per I .

    sinar-Ihes nao servirapara nada. Ele a m e ~ o u tremulo: "Toquem,toquem, vocesvAo ToeA-LA!" Foi como se 0 griro de urn loueo animal enfurecido 0 dilacerasse par inteiro. Ele era s6violencia; ele nao senria nada alem disso. Os parias 0 aehavam maisa m e a ~ a d o r que Bhutaraya fo espfrito demonio do deus local]. 0ar exaJava urn odor infectD de sellS gritos. "Toquem, toguem, toquem!" Para as parias, a tensao era muito forte. Mecanicamenre,e1es a v a n ~ a r a m , tocaram de leve aque1a coisa queJagannath lhesapresentava e partiram no mesmo instance.

    Esgotado pela violencia e pela d e c e p ~ a o , Jagannath l a n ~ o u asha/igram para 0 lado, Vma grande angustia terminara de modogrotesco. Mesmo a tia podia continuar humana quando tratavaos parias como intooiveis. EIe, par sua vez, perdera sua humanidade, par urn instante. Ele tamara asparias par coisas desprovidas de signiflcat;ao. Ele meneava a c a b e ~ a sem perceber que osparias haviam parcido. A noire caita quando eompteendeu queestava sozinho. Desgosroso de sua figura c o m e ~ o u a andar semrurno. Ele se indagava: "quando as parias tocaram a pedra, petderam, tanto quanto eu, sua humanidade? Esramos morcos?Onde esra a falha nisso tudo, ern rnim ou na sociedade?" Niiohavia tesposta. Apos uma longa carninhada, ele volrou paracasa, aparvalhado. (p. 102)o golpe qu e ]agannath destinou a o f et ic he , a o i do la , a o

    passado, as correntes da servidao, foi desviado. a que jaz agora,destrufdo, d isperso , nao e 0 fe tiche, mas a sua humanidade,como ados parias, de sua tia e do sacerdote. Ele acreditou te rdestruido 0 fetiche, e foi 0 fe(i)tiche que se rompeu. De tepente,de se cornou urn "animal selvagem", e os parias, "criaturas horriveis", A objetividade estupida da pedta, aquela qu e ]agannathqueria faze-los verifiear com suas pr6prias maos, passou pelosservos, eles pr6prios transformados em "coisas desprovidas des i g n i f i c a ~ a o " . Inverrendo os dons magicos do rei Midas, ]agannath fez do sha/igram algo que t ransforma em pedra aqueles queo tocam para dessacraliza-lo, Ele queria dissipar a i lu sa o dos

    "deuses e, amarga ironia!, aqui esta de , mais " a m e a ~ a d o r qu eBhutataya", Se ele conseguiu enfim, que os patias the obedecessem, eporque eIes cederam ao terror desta coalizao de divindades a m e a ~ a d o r a s , aquelas de seu senhor, acrescentadas as do es-

    IN:) II I U I U OE PSICULUb,.. - ur n.,.;BIBlIOTECli

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    pi'rito-demonio. E ainda, os servos 56 the obedeceram "mecanicamente". Animais, coisas, maquinas, eis que eles passam portodas as n u a n ~ a s do inumano. Mais grave ainda, 0 senhor e osservos "estaO monos", porque 0 fe(i)tiche, uma vez destrufdo,nao consegue mais manter, externamente, 0 que os tornava hu-manos. "Onde esni a falha?", pergunta-se Jagannath. 0 humaoooao residiria mais no sujeito liberado de suas correntes, no destruidor de idolos no modernizadorque possui urn martelo, masem outro lugar, ' ligeiramente em outro lugar? E preciso realmente manter-se asombra dos fe(i)tiches para nao morrer? Paranao se tornar bicho, pedra, animal, maquina? E preciso umasimples pedra para nao se tornar duro e frio como uma p e d r ~ ?Ao se enganar de alvo, 0 indiano modernizador nos ensmamuito sobre ele proprio, mas, sobretudo, sobre os brancos. Eestal i ~ a o que precisamos seguir.30 Para que se;am cientistas, criadores, politicos, cozinheiros, sacerdotes, leis, operadores, artesaos,salsicheiros e fil6sofos, e preciso que os modernos passem, comotodos da c o n s t r u ~ a o a autonomia. Se vivessem sem os fe(i)tiches, ~ brancos nao poderiam viver, eles seriammaquinas, coisas animais ferozes, mortos.

    , Nao Ihes e pedido, por isso, que "acreditem" nos fetiches,que atribuarn almas as pedras, segundo a horrivel cenografia doantifetichismo. Justamente, 0 shaligram e uma pedra, apenas umapedra; todos concordam com isso, s6 0 denunciador, 0 d e s t r u ~ d o rde idolos nao 0 sabe. Ele aprendeu isso muito tarde. Ele eqUlVO-ca-se com os gritos do sacerdote e de sua tia. Jagannath acreditaque eles assistem, horrorizados, a urn sacrilegio libenador. Ora, epar ele, somente por ele que os dois se sentem cobenos d vergonha. Como ele pode conferir-lhes sentimentos tao terrivels; comode pode attibuir-lhes a ado"",ao das pedtas, a idolattia monsttuosa? 0 sacerdote, a t ia e os p:irias ;a sabiam 0 que Jagannath des-

    30. Sobre os parias, ver 0 admicivel l ivro de Viramma, ~ a c i n e ,Josiane, Racine, Jean-Lue Une vie de paria. Le rire des aSServzs. Inded" Sud, Paris: PIon-TerreHumaine, 1995.

    cobre ao ~ a l h a r s e golpe: nao se trata absolutamente de crenlia,mas de atltude. Nao se trata da pedra-fetiche, mas de fe(i)tiches,esses seres deslocados, que nos permitem viver, isto e, passar continuamente cia COnstID\aO aautonomia sem jamais acreditar emumaau em outra. G r ~ a s aos fe(i)tiches, c o n s t I D ~ a O e verdade permanecem sinonimos. Vma vez quebrados, tornam-se antonimos.Nao se p o d ~ mais passaro Nao se pode mais criar. Nao se podemais viver. E preciso, entao, restabelecer os fe(i)tiches.

    Gra,as a Jagannarh a efidcia dos fe(i)tiches torna-se agotamais clara. Partimos cia escolha cominat6ria que impunha decidir se construiamos os fatos e as fetiches au se, ao contcirio, elesnos permitiam atingir realidades que ninguem jamais construiu. Pereebemos que essa escolha jamais eobedecida na pciti-ca, cada urn passa por outro lugar, discretamente, sem dificuIdades, a tr ibuindo, no mesmo rom e aos mesmos seres, a origemhumana assim como a autonomia. Para falar de filosofia. ninguem nunca soube disringuir entre imanencia e transcendencia.Mas essa o b s t i n a ~ a o em recusar a escolha, compreendemos agora, sempre existiu, como uma simples pratica, como aquilo quenao pode ser acolhido nem com palavras, nem na teoria, mesmose os "zatoreszelesmesmos" nao param de dize-Io e de oferecer asua descri\ao com grande luxo de precisoes.31o golpe em falso do desttuidor de fdolos, como a felix cul-pa dos estudos sabre as ciencias, nos permitirao examinar defi-

    31. Isto torna a generalizar, como Michel CalIon e eu freqiientemente mostramos, a virada etnometodologica, esrendendo-a,por inrermedio da semiotica,ametafisiea, como unico organon anossa disposic;ao que pode eonservar, sem assombro, a diversidade dos modos de existencia - ao prec;o, everdade, da transposic;ao para uma forma textual e para uma linguagem; restric;aoqueprocuramos conrudo superar, estendendo as proprias eoisas asdefinic;oes demasiado restritivas da semiotica. Reeaimos, enrao,sobre as entidades que nos interessavam desde 0 inicio _ sob 0vago nome de at or -r ede - e que sao, a urn so tempo, rea is , sociais e discursivas.

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    Zomba-se, as vezes, do carater grosseiro dos fetiches, troncos mal esculpidos, pedras mal talhadas, mascaras caricatas.32Desculpem-me, portanto, propor uma d e s c r i ~ a o sobre os fe(i)tiches modernos tambem desajeitada, urn esguema sobre Macintosh muito pouco desbastado. A particularidade interessante denossos fe(i)tiches reside no fato que nos os quebramos duplamente, uma primeira vez verticalmente, uma segunda vez lateralmen te . A primeira ruptura permite separar, violentamente, 0polo sujeito e 0 polo objeto, 0 mundo das representati0es e 0 dascoisas. A segunda, separa obliguamente, de modo mais violentoainda, a forma de vida teorica, que levaa serioesta primeira dist i n ~ a o dos objetos e dos sujei tos e, uma forma de vida pratica,completarnente diferente , a traves da gual conduzimos nossae x i s r ( ~ n c i a , muito tranqliilamente, confundindo sempre 0 que efabricado por nossas maos e 0 gue esta alem de nossas maosY

    . . h' 0 a lm de descrever, do exterior, 0nitivamente 0 antI etlc Ism, . imetrica ossui agora urnaparato da c ren, a. A a n ~ ~ 7 1 ~ g ~ ~ a ~ l a a reto;;ar 0 crabalho deoperador, 0 fe(I)t1che, qu d J dOdalos do telativismo cul-- sem se per er nos ecomparac;ao, mas. Ao levar 0 agnosticismo arural e sem mais acred1tat.na c r e n ~ a . aDS modernos sem feeste ponto, nao ternos matS que noS opot ~ alida-riches, revelando aos olhos dos n e g b r ~ s e ddO: ~ : : : S p ' r ~ r a p r ~ ~ e repre-. d' farces ora 0 a lsmode extenor, s em IS. . e ridicularizar as mO -_ . . Nao cernos matS gusentac;oes InterlaCes. 'r . h'smo taO ingenuamented' .am no ant uet lC 1deroos que acre ltaCt . m seus fet iches e as velhas tlasquanta os negtas acreclltavam e " tarobem urn fe(i)tiche,em seuS shaligrams. as modernos (em r idamen-. te surit trickster astueioso. Resta esboc;-ar apapalxonan, , .te sua forma e compreender sua eflCaCla.

    Como represendo

    fi)tiches clivadosos

    ,

    III,

    '"1,1'j1'J

    32 Desde 0 presideme de Brosse, faz-se muiro caso sobre estes fetiches materiais, pesados, toscos, estupidos e brutos. 1sto significa esquecer que a res extensa s6 e brutal aos olhos de urn espirito conhecedor. Suas materias de madeira, osso, argila, piuma oumarmore, pensam, falam e se articuIamcomo todas as outras materias. Uma pedra nao tem nada de particularmente informe.Suas articulat;oes permitem tanto 0 "fazer-falar" quantO aquelasdo fermento Iatico.33. Este diagrama oferece urn pOUCD de corpo aDs esquemas excessivamente abstratos do livrD sobre os modernos op.cit., 1991.

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    Substituo a dupla separat;ao naturezalsociedade de urn lado, purificat;1io/mediat;aode outro, por urn objeto q ~ manten: ambos ecuja present;a, a descrit;ao, a composit;ao poderao ser obJetode es-tudos empiricos.

    AIXO: NAo ESCOLHER, PASSAR GRACAS AO FEUITICHEMAS SEM DIZE.LO EM ABSOLUTO, OU MOSTRALOFigura 6: 0 fe(i)tiche moderno possui a p a r t i c u l a r i d a ~ e d: cornar t r ~ Svezes invisfvel aquilo que 0 torna eficaz; no alt? n ao h a f e t ~ c h e ' b e ~ a -soluto mas urna escolha cominat6ria entre dOlS extremos,.em . a l x d ~ ' ,,0, r r - d ev e J am als lz e-fe(.i)tiche permite a passagem, 0 laz-Iazer, ma..: nao se ..10 claramente; enfim, alto e baixo sao hermetlcamente dlSttntoS.

    Frente aastucia deste dispositivo compreendemos.por queos modernos podem acreditar que, unicos entre os demals povos,escapam as c r e n ~ a s e aos fetiches. No alto da figura 6,_a q u e b ~ aentre as sujeitos construtores e os objetos a u t o n ~ ~ o s naO ~ e r . m l -

    , ' 0 Ce(,')tiehe Embaixo a efieaeia do [e(l)oehet e malS ver aqu l 11 ., desdobra-se, mas 0 discurso indefinido que fala desta eficaClanao para de interromper sua continuidade, de se deslocar, . c o ~ ose ele devesse codificar 0 trabalho incessante de suas m e ~ l a ! o e spara torna-Ias invisiveis a teoria. Entre os dois a s e ~ a ~ a t ; a o e total, s e p a r a ~ a o que protege, ao mesmo tempo, a e ~ c ~ c l a dos passes, embaixo, e a pureza da teoria, no alto. 0 fe(l)t1che dos mo-

    Primeira fraturarealidade construc;:oo

    deroos permaoece, porranto, tres vezes invisivel, ranto que oueros, em outros lugares, como Jagannath, nao nos fornecem aimagem unificada desses fe(i)tiches. Tao logo compreendemosessa imagem, esse retrato, percebemos que 0 fe(i)tiche reside noconjunto desse dispositivo. E necessario estabelecer 0 fe(i)tichepor completo, a fim de compreender parque os modernos acreditam na c r e n ~ a e se acreditam desprovidos de fetiches.

    Em todo lugar onde os modernos tern que, ao mesmo tempo, construir e se deixar levar por aquilo que os arrebata, nas pra~ a publicas, nos laboratorios, nas igrejas, nos tribunais, nos supermercados, nos asilos, nos atelies de artistas, nas fabricas, nosseus quartos, e preciso imaginar que tais fe(i)tiches sao erigidoscomo os crucifixos au as estatuasdos imperadores de outrora. Mastodos, como os Hermes castrados por Alcibiades, todos sao destruidos, quebrados a golpes de martelo pa r urn pensamento critico,cuja longa hist6ria nos remeteria aos gregos, que abandonaramos idolos da Caverna, mas erigiram as Ideias; aos judeus destruidares do Bezerro de ouro, mas construtores do Templo; aos crisdi.os queimando as esratuas pagas, mas pintando os kones; aosprotestantes caiando os afrescos mas erguendo sobre 0 pulpito 0texto veridico da Biblia; aos revolueion:irios derrubando os antigos regimes e fundando urn culto adeusa Razao; aos fil6sofos quese valem do marcelo, auscultando 0 vazio cavernoso de todas as estatuas de todos os cultos, mas tornando a erigir as antigos deusespagaos do desejo de podet, Como se pode obsetvat nos dois SaoSebastiao feitos por Mantegna, em Viena ou no Louvre, os modernos s6 podem substituir os antigos idolos que jazem destruidos aseus pes, por uma outra estatua, tambem de pedea, tambern sobreurnpedestal,mas tamWnz quebrada pelo martir, atravessada par flechas, logo destruida. Para fetiche, fetiche e meio.

    Mas nao, estou enganado, e preciso acrescentar ainda algurna coisa a esses fe(i)tiches.Epreciso retomar 0 diagrama e acrescentar 0 trabalho pelo qual restaurou-se, emendou-se, remendouse as escatuas destruidas. Sabemos que as etn610gos como os etnopsiquiatras admiram, com razao, os pregos, os cabelos, as plumas, os buzios, escarificar;5es e tatuagens com os quais os antigos

    ALTO: ESCOLHERCLARAMENTE ENTREFATOS EFETICHESpolo sujeito

    passagem cofldiana cornentadapor urn discurso sutil e entrecortado

    polo obieto

    restourac;:ao

    Segunda fratura

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    34. Ver sabre estas eanfus5es, bela l ivro de Deseola , Phi l ippela Nature domestiqlle. Symbolisme et praxis dans I'ecologie desAchuar. Paris: Maison des Sciences de l'Homme, 1986 e suar e i n t e r p r e t a ~ a o literaria e reflexiva em les Lances dlt Cripuscule,Paris: PIon, 1994.

    de cima. Eles passariam a a ~ a o como sempre se fez na Costa daAfrica Ocidental, como sempre se faz no vasto pais tagarelae silencioso cia pratica. Par que esta bizarra configurac;ao? Por quedestruir para resraurar em seguida, fato que surpreendeu 0 coreano cujo texto inventei no prologo? Eque ao remeter apratica subterranea a preocupac;ao de resolver a c o n t r a d i ~ a o contfnuaimposta pela quebra violenta dos fe(i)tiches transportadores emediadores, os modernos puderam mobilizar f o r ~ a s extraordimirias, s em que elas jamais aparecessem como a m e a ~ a d o r a s oumonst ruosas . 0 alto des trufdo dos fe tiches nao e urn illllSio amais, uma ideologia que dissimularia, pela falsa consciencia, 0verdadeiro mundo da pratica. Este alto desorganiza a teoria daa ~ a o , cria 0 mundo independente cia pratica, e lhe permite desdobrar-se sem ter que prestar contas instantaneamente. G r a ~ a s aosfdolos destrufdos, pode-se realizar i n o v a ~ o e s sem risco, sem responsabilidade, sem perigo. Gutros, mais tarde, em algum outrolugar, suportarao as conseqiiencias, medido 0 impacto, avaliadoas repercuss5es e limitacao os estragos.o pesquisador do Instituro Pasteur que se apresenta paramim inocentementedizendo: "Born dia, eu sou 0 coordenador docromossomo 11 da Ievedura de cerveja", diz apenas esta famosafrase: "Os Borara sao Araras". 0 pesquis.dor rambem confundesuas propriedades com a cia Ievedura de cerveja, como Pasteurconfundia seu corpo ao do aciclo latico, e como as n a ~ o e s doAmazonas confundiam suas culturas com suas narurezas domesricas.34Claro que nosso pesquisador nao se t oma por urn cromossomotanto quanto os Boraro por urn papagaio. Mas ao fim da conversa, apos rer discorrido, durante t res horas , sobre a Europa, a industria da cerveja, os programas de v i s u a l i z a ~ a o das bases deDNA sobre Macintosh, 0 genoma de Saccharomyces cerevisiae, ele

    polo sujeitoconstruc;:ao

    passagem cotidiano comentadapar urn discurso suti! e entrecortado

    realidadep61a obieto

    Segunda Iratura

    . - ouco pa r esses rna-Por que os etnologos se Interessarn tao p . deravilhosos rernendos, que perrnitem r e s t ~ u : a r t o d ~ s os : ; s ~ :eo-'1 . d'cerenres a efidcia do fe(l)"che, amda qrnl maneuas I l l , _ I'd dell. h desrrufdo a p assagem entre a construc;ao e a rea 1 a .rIa ten a . rn parteSe eles tivessem sido realmente destrUldos, m ~ g u e . m , e .d1 - oderia mais agir. Mas se eles nao tlvessem SI aa g u r n ~ , nao p ~ l ' d Ipe de martelo, oS modernos nao sedestrUldos por urn so lOgO . S. . . . d' alrnente dos outras. Nao havena nem me -d l S t 1 d ~ ~ U 1 n a m rn'rr:ca parte de baixo de seus fe( i) tiches e a partemo neren;a e

    bra dos fetiches eprecise acrescentar, para seFigura 7: a dupla que mendo indefinido que permite restaucompreender os modernos, 0 re essao de o p e r a ~ o e s de salvamenro,rar os p e d a ~ o s esparsos, ?or_ tuna suede r e s t a u r a ~ i 5 e s e de e x p l ~ o e s .

    . d - quero dizer os fetiches destitufdos dosfeuches eram marca as .ne ros cia Costa, antes de serem jogados ~ f o ~ u e l r a ou no m u s e u ~o ~ u dizer enrao, da exrraordiruiria p r a h f e r a ~ a o d e f m a r ~ a s , ~ r,:ad a ~ o s debarbame,de pregos, de plumas, dearame arp 0, : e s ~ eadesiva de alfinetes, de grampos, com as quaIs r e s t a u ~ - s e ,sempre' 0 alto clivado dos fe(i)tiches modernos, asslffid co:od

    Oancho'que as manrem sabre seus pedestais? T ~ mun 0, es eg d 1 rasgo com remendos lficessantes.sempre, restaurou 0 up 0

    Primeira fratura

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    , . nocentemente: "Mas eu estoU fazendoconfessa-me, tambem 1 d c a guebra" 1" Agui se encon traa pequena uerenr;a, .apenas ClenCla. . - ode se mOVlmen-. . do das Atatas nao Pde simetna. POlS s 0 : ~ ; o r o r o se abale, e vice-versa, eposslvelta r sem q ~ 0 ~ u 0 r urn cromossomo e que movimen-; : ; o ~ : : : : ~ ~ ~ t : s : ; i ~ ~ : ~ ~ m a ciencia, comO seeste d U P I 0 1 ~ b ~ ~

    A Quando 0 cromossomo10 56 perturbasse fatcs homogeneos. h ' de. d e l e apenas preenc era,levedura de cerveja surgl! nO m ~ n . 0, natureza no alto na clariuma 56 vez, inesperadamente, a umca '_ 'b' _d de Em frente tornados de assaI to, DUrroS deverao Sil A I t ~ e na . ' .." . eticas poHticas, econoffilcas -te ocupar-se das consequenClas- , ." . ", C f: ci "apenas clenCla .d - 0 pesquisador faz, tera relCO, a .esta :;ac:.' od no fundo de seu laboratoria, revolUclOoar ?voce p e, ' rea' fi car os e ne s, dar nova forma ao n a s C I m ~ n 0: ~ ~ t ~ \ ' : ~ : n t ~ t pto:'ses, t e d e 6 p l ~ ~ : p a : a ~ : ~ : , d : p : ~ : : o : t : ~ c : ~ ~ : 'isso s6 aparecera como uma Slm . ; ' d ,,,No alto na clatidadedos fetiches desttufdos, so se falam e c ~ ~ ~, de ~ lado, e, de liherdade, de outrO, sem q ~ e , J a m a I s os dOCIa, m prodlgloso remen 0,lados de confundam, m e s m ~ se, por u flechas id as e v indas,graras a circuitos de retroac;ao, grac;as a , Ih-'5" ebradas sem nunca res tau rar - e nojuntarmos as duas partes qu d' . no alto _. rodasTod tagens a C!luca - ,vamente a alma. .; ' as as vanaixo Todas as vantagens da distin-as vantagens da pratlca -d e r : n ~ a d o s ' Todas as vantagens da passao meticulosa entre os 015 om ~ o d o 0 conhecimento (pratico)rn de urn lado para outrO c - 35ge" .; , da uebra, 0 do passe e 0 da restaurac;ao.dos tres repertorIos, 0 q _ b' d' de interes-Voces percebem que os brancos sao tam em 19nos

    odernos sigam, em suas idas e vindas, as35. Ao q u e ~ e r que os m _ ] Hans em Ie Principe responsa-conseqiienClas de suas ~ o e s , onas, . e dosb.t,' Par's Cerf 1990 os coma par negros porque eXlg11 e. . , , " . d' e des petCaromedir as conseqlienclas lSSO, qu ,modernos, sem C ' a 'orca ser exemplar: a lr-fz oquerazla- su l' 'Jjustamente 0 que a - . 'd de da arao a. . d .al ruptura na conttnUl a 'J 'responsablhda e parcl , a, d . - d'stinta de fatos da, nSlvel dlante a a p a f 1 ~ a o Isurpresa lndcomprjeedo de responsabilidade etica, de outro.natureza, e urn a ,

    se, j a que sabem oferecer muitos tra\,os discincivos aos olhos daantropologia comparada...

    Que me compreendam bern. Nao rebaixo aqui as modernos, devido ao seu fracasso, apiedade monstruosa e barbara coma qua l acreditam ter definitivamente rompido. Nao retorno acerna dos fdolos do fanlm, do templo, do mercado, para acusar ossensacos de acreditar,apesar de tudo, amaneira dos negros au dosparias. Nao as encorajo, como 0 fil6sofo que se vale do marcelo,a clestruir enfim, par urn ultimo e heroico esfor\,o, as ultimas sup e r s t i ~ O e s que repousariam ainda nas ciencias e na democracia. Ea d e f i n i ~ a o mesma do monsrro, da barbarie, dos fdolos, do martelo e cia ruptura , que eprecise ser novamente retomada. Nunca houve barbaros; nos nunca fomos modernos, nem mesmo emsonho - sobretudo em sonho! Se coloco no mesmo nfvel os portugueses cobertos de amulecos e osguineenses igualmente cobertOS de amuleros, os fetichisras e os anrifetichiseas, os adoradoresdo shaligram e os bdmanes iconoclastas, epelo alto, nao por baixoque 0 fa\'o. Quem conhece melhor tal assunto? Mas claro, saoaqueles que sempre imputaram a seus fe(i)eiches a condic;ao deservirem de passagem, tao logo construfdos, aquilo que os supera. Somos capazes, nos tambem, os modernos, desta grandeza?Mas e claro, tranquilizem-se, sem 0 que voces nao poderiam rezar, acreditar, pensar, descobrir, conseruir, fabricar, trabalhar,amar. Acontece que nossa particularidade provem destetra\,o distintivo: nossos fe(i)tiehes, ainda que destrufdos, encontram-se detal forma remendados, que eles remetem apratica 0 que a teoriaso pode apteender sob a dupla forma da guebm e da testautac;ao.Eseaenossa tradifclo, ados destruidores e dos restauradores de feriche, estes sao nossos ancestrais, a serem respeitados sem excessivo respeito, como se faz em toda linhagem. 36

    36. Nao nos e s q u e ~ a m o s que devemos tambem aos modernos, esomente a des, esta outradicotomia entre 0 respeico pelos ancestrais, de u rn lado, e a i n v e n ~ a o liberada de todo entrave do passado,de outro. R e a ~ a o e r e v o l u ~ a o , t r a d i ~ i i o e i n o v a ~ i i o , emergemda estranha concepc;ao de urn tempo tambem rompido.

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    Aprecio bastante, confesso, 0 r e tr a to d o mundo modernoohtido quando ele e testabelecido em todos os pontos, todas asprac;:as, t o do c u me , t o do f r on t io , t o do t e mp l o, t o da r a m i f i c ~ a o ,todo cruzamento, a multidao de fe(i)tiches rompidos, refeitos,praticos. Na o precisamos mais opor 0 mundo desencantado, vir-tual, ausente, desprovido de territ6rio, ao outro, rico, intimo,compacto e completo, 0 dos primitivos - que jamais viveram naquietude fetal dos sonhos dos bons selvagens. Mas nao devemostampouco imaginar que vamos, graCias a verdade, a efica.cia, arentabilidade, sair do horrivel magma barbaro, em direC;ao doqual, se nao tomassemos cuidado, nosso passado nos lanc;aria os barbaros nao existem mais do que os selvagens e n6s, os mo -dernos, com nossas ciencias, nossas tecnicas, nossos direitos, nossos mercados e nossas democracias, nao somos, tampouco barbaros, contrariamente a imaginaC;ao dos heideggerianos.-'"' Somoscomo todo mundo (onde esca a dificuldade?, onde esca a perda?,onde esra 0 perigo?), cao pr6ximos, que estamos ligados por millac;os aos fe(i)tiches particulares, nossos ancestrais, nossas tradi-c;6es, nossas linhagens, qu e nos permitem viver e passaro Somosos herdeiros desses destruidores e desses restauradores de fetiches. A antropologia comparativa possui agora os meios de restabelecer urn dialogo q ue m e parece mais fecundo que os propostoS pelo C NN ou pelos ressentimentos enfadonhos do an-

    37. Os movimentos reacionarios deste seculo que quiseram - eque querem ainda - fazer 0 dogie do paganismo e que desejamdestruir a universalidade da razao, enganam-se terrive1mentetanto sobre 0 que adoramcomosobre 0 que execram: e1es descrevem a selvageria desejavel segundo 0 exotismo mais raso, e detestam a razao naquilo que ela ptetende ser, ao passo que elamostta, na pratica, a mais civilizada, a mais fina, a mais socializada, a mais localizada, a mais coletiva das formas de vida. Casose deva reanrropologizat 0 mundo modemo, e pelo alto, pelasciencias e tecnicas, e nao POt baixo, dando credibilidade avisaoque tres seculos de clericalismo e de racismo comuns acreditarampoder oferecer sobre os primitivos e os pagaos.

    tiimperialismo. Pela primeira vez talvez - h "b b ' , nao ten amos malSa a ~ o s , nem no exterior, nem, sobretudo, em nosso meio PelaprlmeIra vez talvez . . ., , possamos utI11zar a palavra "civilizac;- "sem ~ u e s ~ e t e ~ m o admiravel seja cingido po r forc;as o b s c ~ ~ ~q ~ so * e S t ~ C 1 a m a espera d e u ma palavra d e o r de m para transpor~ ~ n ~ ~ e e v a s t ~ r . t ~ d o , - Pela primeira vez, talvez, possamos nos

    a t que as clvlIrzac;oes nao sao mortais.'s

    ;sZ7;a fr07teirir;a de uma p r o v i ~ c i a do Imperio Romano. (N.T.). . omo embraMarshall Sahlms em um recente art" "tJmentai Pessimism and Ethnogtaph" E' 19O Sen-' . 1C xperlence or Why CuIture IS Not a DIsappearingObj'ect" ( j ) -l' , no pre 0 , enquantoa antro-po o ~ ate p o ~ u c ~ t ~ m p o se desesperava com 0 fim das culruras- ~ e ~ u proprJa Jmplosao pOs-moderna_ ela enconrra-se ara lfivadJdapela renascenra de novas 1 _ _ go-'} cu turas que nao sao moder-~ a e que pedem para ser estudadas. Nos nao terminamo dlIar 0 quanto 0 reequilibrio em beneficio da A" " . s e a v ~ -d t ' F' d ' Sla a IVla os OCJ-e : a J s ~ In: a ma consciencia europeia. Jnkio da antropologia

    I i s ~ ~ e : a r a z v l ~ o l r o s a quanto as sociedades que ela deve poder a n a ~1; e- as perecer.

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    Se arteTrans-pavores

    lIIIIsn I UTO DE PSICOLOC:iIA - Ut ' t l l....D l l : l ll nT I = f ' 1 l

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    Como obter, gra

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    avatareS do objeto, e veriftcado que de jamais ocupa, nem a posir;ao de objeto-encantado nem a de objeto-causa, e. p.reciso ag.o-ra, voltar-se para os avatares do sujeito. 0 construt!vlsmo.sOCIalnos obriga, com efeito, a nos iluclirmos t a ~ t o ~ o ~ r e as enttcladesque mobiliza quanto sobre 0 trabalhador mfattgavel qu.e ele supoe trabalhar regido por uma tarefa. Se P a s ~ e u r ~ ~ d e dlz:r, semse contradizer, que tornou 0 fermento do aclclo lanco autonomo;se 0 adepro do candomble pode wrmar, sem hesitar, que ~ e v eaprender a fazer sua divindade; se a ria de Jagannath pode dlzer,sem piscar, que 0 shaligranz nacla mais e do que uma p e ~ r a , e quee por isso que ela lhes permite viver, 0 sujei.to concebldo com.ofonte de a

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    desde Foucault, nao existe desde sempre.Epreciso, para rete-la,para mance-Io, urn aparato cuidadoso, i n s c i c u i ~ O e s amplas e s6lidas, exerdcios de disciplina e de inquisic;ao. Mas caso se modifiquem as condic;5es da experiencia, caso se jogue 0 paciente-dapsicologia em uma sessao do Centro Georges Devereux, eis queele se transforma em uma "empreitada" completamente diferenteo Ecomo se, em treS horas, assistlssemos a liquefac;ao progressiva do sujeito psicologico que se desprenderia lentamence dopaciente, migraria pouco a pouco para 0 meio da consulca e terminaria por ali se dissolver, para se configurar inteiramente deout ro modo. A doen

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    tambem sao N apoleao). Nao se trata, justamente, nem de aeredirar, nem de suspender a e r e n ~ a comurn. As divindades :gemsozinhas. Mas como, e em qual mundo, e sob ~ u ~ l forma. Talvez vamos, enfim, colher os frutos de nossos fe(l)t1ches. Ao modificar tao profundamenre a d e f i n i ~ a o de c r ~ n ~ a , ao l e v ~ r 0 a ~ nosticismo taO longe, sera que consegUlrel sltuar malS facllmente este trafico de divindades?

    capItulo 9Como se pr nterioridade

    e da dade

    Deve ser possIvel dar novamente lugar as divindades, coma condi

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    interioridade preenchida pa r sonhos vazios, sem refereneia nenhuma arealidade conhecida pelas ciencias exatas au sociais.

    Pode-se ver que 0 sujeito da interioridade serve de conrrapartida para os objetos da exterioridade. Para fazer a ligaS-ao, inv e ~ ~ a r e m o ~ , em seguida, a noC;ao de representafao. Grac;as a ela, 0sUJetto da Interioridade comec;a a projetarsobre "a realidade exterior" seuspr6priosc6digos- as quais lhe seriam dados de forapa r urn encadeamenco causal dos mais impressionantes, das e s t r u ~ u r a s da l ingua, do inconsciente, do cerebro, da hisr6r ia, dasoeledade. Desta vez a confusiio ecompleta. Urn sujeito fOnte daac;ao, d ~ t a d o . de ~ m interioridade e de uma consciencia, fragmentatla arbttrartamente a realidade exterior, que existiria independentemente dele, e determinaria, por urn outro canal, estasmesmas representac;5es. E aquelas pessoas pretendiam atormenta t os negtOs da Costa! Deeididamente, e0 hospital que zomba

    candade. Pior. decididos a nao mais repetir a condescenden_cta dos p ~ r t u g u e s e s conquistadores, alguns hip6critas pretenclem respettar os selvagens afirmando que estes, deliram como elese que eSses negros au bcimanes infelizes teriam tambem a chanc.e de possuir " r e p r e s e n t ~ 6 e s sociais" que fragmentariam a realIdade segundo outros vieses e OUtros arbltrios. Modo estranhode respeitar os outros, fazendo-os parceiros emocionados e reconhecedores dos del ir ios modernistas! 0 relat ivismo cul turalacreseenta urn ultimo delirio a codos os que precederam.

    Seria com cerreza possivel privar-se completarnente da interioridade naturalizando a vida inter ior. 0 pensamenro crf tieooferece, de faro, urn reperr6rio rico - demasiado rico demasiadofacil, demasiado vantajoso - para mergulhar 0 s U j e i t ~ nas causasobjetivas que 0 manipulariam (ver f igura 2). Nada mais facllque fazer do sujeito 0 efeito superficial de urn jogo de linguagem, a capacidncia provis6ria que emergiria de uma rede neuronal, a fen6tipo de urn gen6tipo, 0 consciente de urn inconsciente, 0 "idiota cultural" de uma estrutura social, 0 consumidorde urn rnercado mundial. Cortar brac;os e pernas aos sujeitos: rodos soubemos dessas amputac;5es ao lermos os jornais. Somos

    ftMundo real ft

    PLENO

    Extro900 de lodos as obietos-encantodos,pora fazer dos mesmas fantasiasquapovoam a interior dossujeitos

    "Mundo sonhado"

    VAZIO

    Interioridade

    Mulliplico900 de lodos as objetos-feitos,para fozer dos masmas as ingredientescontinuos do mundo exterior

    Figura 8: a dupla amissao dos fe(i)tiches permite criar. ao mesmo tem-po, por uma especie de bomba aspirante e refluente, a interioridade dasfantasias, que tern como origem apenas as profundezas do s uj ei to : aexterioridade do mundo real, que econstituida apenas por urn tendocontinuo de fatos objetivos.

    FE(I)TICHESEntidades que possuem sues pr6prias condi90esde satisfo

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    ce, tais procedimentos nos sao interditados desde 0 pequeno esdindalo assinalado anteriormenre: a felix culpa da anrropologiadas ciencias. Seria preciso, com efeiro, falando serio, acreditarem uma ou nas varias ciencias sociais au naturais, importadas,no todo ou em parte, para calar as faladores. Mas passar brucalmente dos sujeitos autonomos aos objetos cientificos que as determinam, prolongaria 0 antifetichismo ao inves de livrar-sedele. Nao queremos confundir Pasteur, arento aos gestos preci50S que revelam seu fermento, tanto como nao desejamos perdernosso adepto do candombIe, que fabrica sua divindade, ou ignorar como os ancestrais de )agannath fizeram de uma simples pedra aquila que os mantem vivos. Nossa ceoria cia ~ a cleve reunir exatamente 0 que eles produzem como algo particular, no mo-mento em que sao ligeiramente superados por suas a ~ o e s .

    Curiosamente, a via dos fe(i)tiches (parce de baixo da figura8) parece muito mais simples, mais economica, mais razoavel, sim,mais razoavel. Ao inves de dedicar-se, primeiramente, a objetoscausa, que preenchem inteiramente a totalidade do mundo exterior; em segundo lugar, a sujeitos-fonte, dotados de uma interioridade e abarrotados de fantasias e e m ~ O e s ; em terceiro lugar, a representac;5es mais ou menos arbitcirias, que tateiam, com maior oumenor sucesso, para estabelecer uma ligac;ao fragil entre as ilus5esdo eu e a dura realidade conhecida somente pelas ciencias; emquarto lugar, a novas determinac;Oes causais, a fim de explicar a origem arbitci ria destas representac;6es; porque nao abandonar a du-pIa n ~ a o de s a b e r / c r e n ~ a , e povoar 0 mundo com as entidades desenfreadas' que saem da boca dos "zatoreszelesmesmos"?

    Pasteur nao pede que seu fermento de acido latico seja exteriora ele, ja. que dispoe do mesmo no laborat6rioe, em f u n ~ a ode seus preconceitos, confessa ingenuamente, que the deu mes-

    * Diploma de estudos universirarios gerais. (N.T.)3. Sabre esta noe;ao ver (1994), "Note sur certains objets cheveIus". Nouvelle revue d'ethnopsyehiatrie, v. 27, p. 21-36.

    . empurraozIn 0, para que ele aparecesse como urn serv l v o ' d E n t r e t a n t o ~ Pasteur pede que se identifique a esse ferment to a autonomla da qual de ecapaz. as adeptos do candomblednao pretendem, de modo algum, que suas divindades Ihes falemlfetamente por uma vOZ Guda d .. '"b .. . 0 ceu, Ja que confessam, tam-t: ~ ~ n g e n u a ~ e n : e , que suas divindades arriscam se cornar naa ta e uma tecfilca, uma "especie em via de extinc;ao" En'tanto, em s ~ a s . b o c ~ s , "essa conf1ssao reforc;a, ao inves d e n ; ; : ~quecer, a propna exlStencia da divindade que Ihes fala A ' d

    J d a g a n N n ~ r h n ~ ~ e d e que a pedra seja autra coisaalem d ~ u ~ : a p e :ra. Inguem Jama' .C. " IS manIlescou, concretamente uma crenc;alng.enua em urn ser.qualquer.4 Se exisre crenc;a, ela'e a atividademaIS ~ o m p l e x a , malS sofisticada, mais cr[tica mais s r'l 'reflex h"5M ,UI,malsIva que a. as esta surileza nao pode J'amais se m 'Crar casoS' annesc e pr?,:ure, em pnmeiro lugar, fragmenta-Ia em objetos-ausa, em s ~ J e l t o s - f o n t e e em representac;oes. Privar a cren a des ? n t o ~ o d g I a , sob 0 pretexto que eia tomaria Iugar no interi;r dosUJelto, e esconhecerh " ' ao mesmo tempo, os obJ'eros e as awresumano s E nao '"conseguIr aungu a sabedoria dos fe(i)riches.4 . A cada ano cada urn do j .' ,h' 'rafi' s exemp as canOll1COS e revirado pelaIStorlOg Ia moderna, como no admiravel exemplo estudadopor Russel, Jeffrey Burton Inventino Flat Earth Co! b dM der H" , 6. um us ano nb '''dOYlans, New York: Praeger, 1991. Enrretanro comose ZOrn au esses m b '. l' al onges, astante mgenuos, por acreditaremIt er men te na ~ e r r ~ plana! 0 autor prova, com brio, ue eSSa

    c r e n ~ a na c r e n ~ a mgenua data do seculoXIX quando jq _ 'nha aI'" d d . " ,eanaotl_raft ~ a s , ~ a e mgenuo, ja que ela part icipava da belaceno_g a as uzes, que emergia dos periodos obscuros.5. Umaobraparam' d . . d, 1m eCIslva, a e Darbo-Peschanski Claud~ e ~ ~ s c ~ , r s du partieulier. Essai sur /'enquete hirodotienne. Paris: L:. ( es. T r a ~ a u x ) , (1987), pode servir d e met odo eral ara;:;::lr a d l v ~ r s l d a d e de p ~ s i ~ o e s . que noe;ao de crene;:d e s t ~ i a .. exemp os que nos sao malS proximos ver Gomart E .~ e ( 1 9 9 ~ ) , Enquete s ~ Ie travail des homiopa;hes. D E A - E c ~ l e ; :

    ~ u t e s etudes en SCIences sociales; Remy Elizabeth 099?) Dvlperes lachies par hilieoptere, anthrot>olooie d'un ph ' . -; " es(d d r 6 enomene appete rt I-melJr. autora 0). Universite Paris-V.

    o proverbio chines, "Quando 0 sabio mostra a Lua, 0 im-

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    becil olha para 0 dedo", se aplica primorosamente aatitude denunciadora do pensamento critico. Ao inves de olhar para 0 quechama a a t e n ~ a o apaixonada dos atores, a antifetichista se cremuito astucioso, porque denuncia, com urn dar deombros , a objeto da c r e n ~ a - que sabe, pela ciencia infusa, au antes, confusa,que ele nao existe - e d ir ige sua a t e n ~ a o para a dedo, depois paraa punho, para a corovelo, para a medula espinhal, e, de l a p a ra acerebra, depois para a espfrito, de onde torna a descer, em seguida, ao longo das causalidades objerivas oferecidas pelas outrasciencias, na d i r e ~ a o da e d u c a ~ a o , da sociedade, dos genes, da evolw;ao, em suma, do munclo pleno, que as fantasias dos sujeitosnao conseguiriam a m e a ~ a r . Uma hip6tese muito mais simples,mais inteligente, mais economica e, finalmente, por que naodize-Io, mais cientffica, consiste em dirigir 0 olhar, como 0 proverbio nos convida a fazer, nao apenas em d i r e ~ a o aLua,6 mastam bern na d i r e ~ a o dos fermentos de

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    algo complecamente diferente, ela ocupa 0 mundo- sim,eu disse 0mundo - de uma forma que surpreende canto os clerigos como osanticlericais.o unico exemplo de cren

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    c a p i t u l ~ 0 IbComo estabelece rno de encargos"

    das des

    Quando 0 declo indicar a Lua, olharemos a parrir de ent1iopara a Lua. 0 pensamento conta menos que os seres pensados; ea estes que devemos nos ligar. Munidos desse resultado, procuremos vol tar para a consulta. Naquele momento, nao t inha urnlugar para instalar as divindades sem delas fazer r e p r e s e n t a ~ o e s .Mas como pretender respeitar entidades que teriam sido inicialmente privadas de existencia? A existencia nao faz parte dosideais indispensaveis ao respeito, algo que a nOt;aO de c r e n ~ a naopermite jamais conservar?l1 E preciso, entaO, que eu rerorne afenda entre as questoes epistemol6gicas e as quest5es ontol6gicas. A nova hist6ria das ciencias permitiu-me deslizar entre asduas. 0 fermenro do

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    das divindades. Ele tampouco reria seu lugar 'no mundo, caso fosse necessario dividir as coisas em causas, inrerioridades e represenrac;5es. Vanragem da simetria: ao romar 0 exemplo dos seresmais respeirados por uma cultura, a nossa, lanc;a-se uma luz sobre os seres mais despreziveis de uma outra. Todos estes seres pedem para existir, nenhum se ampara na escolha, que se acredirade born senso, entre consrruc;ao e realidade, mas cada urn requerformas particulares de existencia das quais epreciso esrabelecer,com cuidado, 0 caderno de encargos.Ja preenchi a primeira condifiao desse caderno: as divindades investidas na cura realmente existem. Corro 0 risco de, evidentemente, enfraquecer de imediato esse reconhecimento aodisringuir tal existencia com demasiada generosidade. A. primeira vista, de fato, temos coisas demais a levar em conta, viscoque os sonhos, os licornes, as monranhas de ouro, devem conviver, sem nenhuma selefiao, com os deuses, os espiritos, os fermentos do acido hitico, as obras de arte, as sociedades, os shali-grams, os genes e as aparic;5es da Virgem Maria. Como nos pri-vamoS voluntariamente do recurso oferecido pdo antifetichismo e como nao podemos mais organizar todas essas ent idadesnas quatto