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REFLEXÕES SOBRE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO: CADERNOS DE
EXPEDIÇÃO, NARRATIVAS ESCRITAS E RELATÓRIOS
Este painel discute o papel dos estágios na formação da identidade de futuros
professores da educação básica a partir de seus registros: cadernos de expedição,
narrativas escritas e relatórios. As pesquisas centram-se em cursos de Pedagogia e
Licenciatura em Matemática. Embora os textos concentrem-se nesses cursos, não
deixam de abordar questões que se colocam aos sujeitos e agentes da formação e aos
que sobre ela investigam. Assim, pensar sobre a formação e a identidade dos
professores em formação, requer uma reflexão sobre como esse sujeito está se
constituindo como professor, bem como está exercendo as atividades de docência no
âmbito dos estágios. Nesta perspectiva, o painel está composto pelos seguintes
trabalhos: a) Formação de professores de matemática: olhar reflexivo expresso nos
cadernos de expedição do estágio supervisionado- que discute dados de uma pesquisa
realizada em cadernos de expedição dos estágios na Licenciatura em Matemática,
fazendo considerações sobre o desenvolvimento do olhar reflexivo dos estagiários; b)
Estágio supervisionado: algumas narrativas das experiências dos estudantes de
matemática da UFTM- que analisa narrativas escritas de estudantes da Licenciatura em
Matemática para compreender como eles constroem discursivamente a sua experiência
de formação no estágio; e c) Contribuições do estágio supervisionado para discentes da
Pedagogia: um olhar para os relatórios de estágio- que identifica nos relatórios de
estágio, as contribuições das atividades desenvolvidas no estágio para a formação das
licenciandas. As conclusões deste painel revelam a necessidade de se desenvolver no
âmbito dos estágios uma construção dialógica de saberes; uma percepção, por parte dos
licenciandos, do quanto a teoria está inserida na prática e o quanto a prática dialoga com
a teoria; e um olhar reflexivo que revele uma postura questionadora, de inquietação
sobre as situações vivenciadas. O painel também sinaliza a necessidade de se estreitar a
relação entre a universidade e a escola.
Palavras-Chave: Estágio supervisionado, formação de professores, identidade
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA: OLHAR REFLEXIVO
EXPRESSO NOS CADERNOS DE EXPEDIÇÃO DO ESTÁGIO
SUPERVISIONADO
Váldina Gonçalves da Costa
Vânia Cristina da Silva Rodrigues
Angelita De Fátima Souza
Resumo
O trabalho integra uma pesquisa mais ampla financiada pela Fapemig, desenvolvida no
Grupo de Estudos e Pesquisa em XXXXXXXXXXXXX – XXXXXX. Esse artigo tem
como foco a análise do olhar reflexivo do discente no estágio supervisionado a partir
dos cadernos de expedição dos estagiários. A pesquisa teve como objetivo identificar
nos cadernos de expedição como as atividades vivenciadas no âmbito dos estágios
contribuíram para que os estudantes desenvolvam um olhar reflexivo. O percurso
metodológico integra revisão bibliográfica e análise de cadernos de expedição, ou seja,
análise documental, conforme proposto por Cellard. Quanto ao referencial teórico para
as discussões referentes ao olhar fundamentou-se em Flores e Didi-Huberman e para
discutir o olhar reflexivo dialogou-se com Dewey, Schon e Zeichner. Os resultados
revelam que ter uma postura questionadora, de inquietação sobre as situações
vivenciadas indagando a realidade na busca de soluções, alternativas para os problemas
reais, bem como se colocar no lugar do outro para experimentar, para experienciar o
que o outro vivenciou, contribuem para se desenvolver um olhar reflexivo. Dessa
forma, pode-se concluir que o olhar reflexivo depende das crenças dos sujeitos, de suas
concepções, experiências, trajetória de vida, das relações que o sujeito vai
estabelecendo com outras pessoas, ou seja, um olhar reflexivo é situado historicamente,
culturalmente e socialmente.
Palavras-chave: estágio supervisionado, olhar reflexivo, formação de professores.
Introdução
O trabalho integra uma pesquisa mais ampla financiada pela Fapemig,
desenvolvida no Grupo de Estudos e Pesquisa em XXXXXXXXXXX – XXXXXX, e
que visa compreender como ocorre a transformação do licenciando em professor a partir
do estágio supervisionado. Esse artigo tem como foco a análise do olhar reflexivo do
discente no estágio supervisionado a partir dos cadernos de expedição dos estagiários.
Esses cadernos de expedição contêm fragmentos de pensamentos, momentos, reflexões
que podem ser textos, desenhos, pedaços de papel, fotografias, que marcaram/chamaram
a atenção dos estudantes durante a sua trajetória como estagiário.
A questão orientadora deste trabalho nasce da inquietação das pesquisadoras ao
se questionarem nos estágios sobre: a) a necessidade dos estagiários terem um olhar
reflexivo para mundo, os sujeitos, a prática, etc.; e, b) como despertar os estagiários
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para esse olhar reflexivo. Assim, a questão que orientou essa pesquisa foi: Como as
atividades vivenciadas no estágio supervisionado contribuíram para o desenvolvimento
de um olhar reflexivo do licenciando?
Na busca de respostas para a questão, o objetivo definido para pesquisa é o de
identificar nos cadernos de expedição como as atividades vivenciadas no âmbito dos
estágios contribuíram para que os estudantes desenvolvam um olhar reflexivo.
Assim o percurso metodológico integra revisão bibliográfica e análise de
cadernos de expedição, ou seja, análise documental. Dessa forma foram analisadas duas
vivências registradas em quatro cadernos de estudantes do curso de Licenciatura em
Matemática de uma universidade pública federal.
Compreendendo o olhar reflexivo
O que estamos considerando como olhar reflexivo do licenciando nessa
pesquisa?
Pretende-se com o exercício do olhar que os licenciandos não vejam apenas o
que está posto, mas que consigam como propõe Flores (2007, p. 105) ao se olhar para a
obra Retrato dos noivos Arnolfini de 1434, de Jan Van Eyck, observar a “riqueza dos
detalhes, de elementos, de cores, de nuanças, de sentido e profundidade, harmonia,
encenação, que no seu conjunto constitui-se verdadeira lição para nosso olhar. Os olhos
aprendem a ver a representação.” Corroboramos com a autora que é preciso aprender a
ver a estrutura, a forma, entretanto o que nos inquieta é justamente o que está além da
representação, ou seja, que olhar o professor precisa ter para “enxergar” além da
representação?
Ampliando a ideia de Flores, propomos nos estágios supervisionados que os
licenciandos possam ostentar o olhar para além da representação na busca do que não
foi dito, do que não está escrito, do olhar disperso do estudante, da tristeza/alegria que
trazem, da timidez de alguns e da euforia de outros, ou seja, que os licenciandos
consigam perceber esses elementos intrínsecos da prática docente que muitos autores
consideram como dificuldades intrínsecas da atividade docente, quais sejam: dificuldade
em envolver os alunos com atividades de aprendizagem na escola; dificuldade de
separar vida pessoal da vida profissional, no caso dos professores, e de colocar limites
às atividades a serem realizadas no trabalho; e a dificuldade geral de se definir aquilo
que constitui um “bom” trabalho. (HÉLOU; LANTHEAUME, 2008 apud LESSARD,
2009).
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Olhar para esses elementos intrínsecos da prática docente é um exercício muitas
vezes de olhar para o que vemos e o que nos olha, mas não nos toca; de “experimentar o
que não vemos com toda a evidência (a evidência do visível) não obstante nos olha
como uma obra (uma obra do visível) de perda.” Esse olhar que muitas vezes torna-se
vazio diante das situações de ensino e aprendizagem seja na sala aula ou em espaços
não formais de Educação, pois tem-se a impressão de que o “visível torna-se inelutável
– ou seja, voltada a uma questão de ser – quando o ver é sentir que algo inelutavelmente
nos escapa, isto é: quando ver é perder. Tudo está aí.” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p.
34). Assim, estabelecer uma inquietude diante do que vemos e o que nos olha, tentar
dialetizar, estabelecer um movimento de oscilação, de questionamento das situações,
problematizar a prática e refletir sobre ela e, no dizer de Didi-Huberman (2010), se
inquietar com o entre - o que está entre o que vemos e o que nos olha, poderá contribuir
para se perceber melhor esses elementos intrínsecos da prática docente.
Entretanto o olhar do sujeito não é desprovido das experiências que ele carrega
consigo, de sua trajetória de vida, pois essa é inerente à sua constituição. Trajetória
entendida como proposto por Ortega e Gasset (1970) como ciclos de vida, ou seja,
etapas da vida em que os sujeitos vão transitando ao longo do tempo, envolvendo
vivências com outros sujeitos, na qual a pessoa se transforma e transforma o outro.
(COSTA, 2009, 2011). Então o olhar do sujeito é constituído de uma experiência
anterior, tem uma trajetória que contribuirá para as observações, relações que irá fazer
ao longo do seu percurso em diferentes lugares.
O envolvimento do sujeito em diferentes experiências também é carregado de
desejo, de querer viver diferentes situações “de forma intensa, consciente e reflexiva”
(COSTA, 2009, p. 110), entretanto para viver experiências diversificadas é necessário
que o sujeito seja ousado, busque-as, o que exige também autonomia, capacidade de
criar, conforme propõe Larossa (1998). Desenvolver um olhar diferenciado pode
possibilitar mudanças nas pessoas, reflexões e aprendizagens em relação às situações
vividas que vão contribuindo para a constituição do sujeito enquanto professor.
Sobre desenvolver um olhar reflexivo e que também é situado, pois os lugares e
as situações a serem vivenciadas nunca são as mesmas, são semelhantes e não iguais,
nos apoiamos em Dewey (1959), Zeichner (1993) e Schon (2000). Segundo Dewey nós
refletimos sobre várias coisas, mas somente ocorre sistematização do pensamento
quando temos um problema real para resolver e, além disso, o autor afirma que esse
pensamento reflexivo também é fruto de crenças e vivências pessoais. Para Dewey a
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função desse pensamento reflexivo é a de transformar situações que sejam duvidosas,
conflituosas em situações claras e coerentes utilizando como recurso o pensamento
sobre o assunto em questão. Dessa forma “a reflexão consiste no exame activo,
persistente e cuidadoso de todas as crenças ou supostas formas de conhecimento, à luz
dos fundamentos que a sustentam e das conclusões para que tendem” (DEWEY 1989,
p. 25). Cabe destacar que o autor também distingue ato rotineiro de ato reflexivo,
afirmando que o primeiro é caracterizado pelo impulso, hábito ou submissão à
autoridade e que o segundo é questionador, baseado na vontade e intuição, que diante
de problemas busca soluções lógicas e racionais (DEWEY, 1989).
Ampliando essa ideia, para Zeichner (1993) o conceito de reflexão vai além da
busca por soluções lógicas e racionais para os problemas, ou seja, “a reflexão não é um
conjunto de técnicas que possam ser empacotadas e ensinadas aos professores, não
consiste num conjunto de passos ou procedimentos específicos. Ser reflexivo é uma
maneira de ser professor.” (ZEICHNER, 1993, p. 18). Assim entendida, a reflexão é
uma das dimensões do trabalho do professor e que precisa se integrar as condições de
produção desse trabalho.
A ideia de reflexão aparece em muitas situações vinculada à maneira como se
lida com os problemas que surgem na prática profissional. Ao refletir sobre a situação o
sujeito pode tomar consciência do estado de incerteza no qual está inserido, permitindo-
lhe estar aberto a novas hipóteses, situando os problemas, abrindo novos caminhos,
criando e propondo soluções. Esse processo envolve um reconhecimento da situação e
identificação do contexto em que esse problema surge para, posteriormente, por meio
de um “repertório de imagens, teorias, compreensões e ações” (SCHÖN, 2000, p. 31)
criar uma nova maneira de ver, de olhar para além da representação, ter um olhar
reflexivo.
Um olhar nesse sentido poderá permitir um pensamento prático reflexivo, em
que o estagiário seja capaz de interpretar o que assiste e o que está fazendo, de imitar
sem realizar cópias, de recriar, de criar, de transformar, ou seja, é necessário ter
conhecimento sobre o que se faz, um conhecimento na ação (saber fazer, explicando o
que faz); uma reflexão na ação (pensar no que faz na medida em que atua); uma
reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação (reflexão posterior à ação). Segundo
Schon (2000) é por meio da reflexão que o professor vai percebendo os problemas e
buscando novas possibilidades mediante as situações que surgem na atividade docente.
Dessa forma, o professor compreende melhor a atividade docente aumentando a sua
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capacidade de identificar e resolver problemas, ampliando seu olhar.
Direcionando o olhar para o contexto da análise da atividade docente Schon
(2000) propõe a noção de artistry compreendida como o resultado de uma integração
entre ciência, técnica e arte, caracterizada pela criatividade. Ele utilizou essa expressão
para designar as competências que os professores revelam em situações que tem como
características a singularidade, a incerteza e o conflito, ou seja, para ele o “professional
artistry” é o sujeito que consegue agir no indeterminado e cujo comportamento assenta-
se num conhecimento tácito, que muitas vezes não é possível de ser descrito, embora
esteja presente na sua atuação sem que se tenha previsto anteriormente. Para o autor,
esse tipo de comportamento é fruto da combinação de suas ações, da ciência e da
técnica e que juntamente com a observação e a reflexão pode, em outro momento, ser
descrito e ter como resultado a aquisição de novos saberes. Dessa forma, tomar
consciência dessa imprevisibilidade da prática docente poderá contribuir para o
desenvolvimento da capacidade de dar respostas a essas situações diversas, conduzindo
à improvisação e como consequência ao agir como um “artisty”.
Por outro lado, não se pode esperar que os estagiários desenvolvam um olhar
mais reflexivo sozinhos. Nesse sentido, corroboramos com Zeichner (1993) quando
afirma que os orientadores de estágio devem propiciar aos estagiários momentos em
que possam desenvolver a capacidade de reflexão sobre a sua prática com o intuito de
melhorá-la, de forma a envolvê-los e responsabilizá-los por seu desenvolvimento
profissional. Ou seja,
(…) a reflexão não é natural e para se estimular, desenvolver, cimentar
requer dispositivos, estratégias e … formadores/mediadores capazes de se
perceber, não como modelos a imitar (…) capazes de ter uma atitude mais
questionadora e reguladora e menos avaliativa do desempenho do jovem
professor(...) (RODRIGUES, 2001, p. 9).
Partindo desse pressuposto é notório o quanto é importante o papel do professor
formador, pois é ele que será o mediador da construção de um processo reflexivo, em
interação com o estagiário, buscando garantir, que esse futuro docente seja um
profissional com um olhar reflexivo.
É nesse sentido que estamos, nessa pesquisa, utilizando a ideia de olhar
reflexivo, a ser desenvolvido nos estágios supervisionados, caracterizados a seguir.
Caracterização do Estágio Supervisionado
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Os estágios no curso de Licenciatura em Matemática dessa instituição perfazem
um total de 480 horas aula e foram divididos em Estágios I, II, III e IV, cada um com
120h. O curso é novo, iniciou em 2009 e sua integralização é de 4 anos.
O estágio I tem como objetivo conhecer cenários educativos diversificados,
assim como personagens e tramas para a ensinagem, tais como museus, centros de
ciência, parques, empresas, espaços que trabalhem com: Educação de Jovens e Adultos,
Educação Infantil, Ensino Fundamental I, público com necessidades educativas
especiais, entre outros, ou seja, espaços formais e não formais de educação. Os
estagiários juntamente com o professor formador fazem visitas a essas instituições no
sentido de conhecer a sua proposta educativa.
A Educação não-formal é compreendida como “aquela que se aprende “no
mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente
em espaços e ações coletivos cotiSofias.” (GOHN, 2008, p.28), ou seja, locais
diferentes da escola, nos quais é possível desenvolver atividades educativas, podendo
segundo Jacobucci (2008) ser instituições e não instituições. Para a autora “instituições”
são os espaços regulamentados e que possuem uma equipe técnica responsável pelas
atividades oferecidas, a saber: os Museus, os Centros de Ciências, os Parques
Ecológicos, os Parques Zoobotânicos, os Jardins Botânicos, os Planetários, os Institutos
de Pesquisa, os Aquários, os Zoológicos, as Bibliotecas, entre outros. Para as “não
instituições”, a autora enumera os ambientes naturais ou urbanos que não possuem
estrutura institucional, mas que permitem a realização de práticas educativas.
Os Estágio II e III têm como finalidade a observação e docência no Ensino
Fundamental e Médio, respectivamente. Ao longo de sua permanência como observador
o estudante irá construir o perfil cognitivo do aprendiz que será seu aluno no momento
da regência. Isto corresponde a um deslocamento no tradicional olhar depositado sobre
o professor, e que representa por vezes um dificultador para a realização dos estágios. É
importante esclarecer, contudo, que mesmo que o desempenho do professor e suas
escolhas não sejam a questão central na leitura dos discentes, estes dados aparecerão
indiretamente quando forem descritas as reações dos alunos em sala de aula.
Para o perfil cognitivo são fornecidos aos licenciandos alguns itens importantes
a serem observados: a) como o aluno se vê diante do processo ensino-aprendizagem; b)
o interesse demonstrado pela realização de atividades em sala, para casa e outros
espaços; c) relação com atividades avaliativas; d) a manifestação de concepções
espontâneas durante as aulas, assim como são acolhidas e trabalhadas pelo professor; e)
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o nível de compreensão de leitura e habilidade para a escrita; f) o número de alunos e
faixa etária; g) se há repetentes e como é a relação destes com o grupo, com o professor
e com o conhecimento; h) a relação dos alunos e do professor com as perguntas: se as
fazem, se são respondidos, dentre outros; i) a natureza das perguntas empreendidas
durante as aulas; j) evidências de dificuldades com relação ao conhecimento e ao
convívio social; k) papel que o aprendiz atribui ao professor e a si próprio no processo
de aprendizagem. De posse dos perfis cognitivos traçados, os alunos escolhem em
conjunto com o professor supervisor de estágio e o professor orientador, o grupo com o
qual irá trabalhar. O plano de aula, portanto, serão feitos para estes aprendizes, e dando
continuidade ao programa de estudos do professor da escola.
No estágio IV os estudantes elaboraram e implementam um projeto educacional
de acordo com os temas escolhidos ou solicitados pelas escolas. A implementação do
projeto deverá estar de acordo com as necessidades da escola e está dividida em 4 fases:
1) apresentação da proposta do projeto educacional em reunião com a direção da escola,
professor supervisor e orientador, para apreciação, encaminhamentos e realização de
ajustes; 2) elaboração do projeto com a orientação do professor orientador de Estágio;
3) implementação do projeto; 4) avaliação do projeto pela equipe envolvida desde a
concepção até à implementação, que inclui: aluno estagiário, professor supervisor de
estágio e alunos, entre outros.
A seguir, são analisados alguns cadernos de expedição de dois estágios.
Os cadernos de expedição: a análise
Trouxemos para a análise quatro cadernos de expedição dos sujeitos que
disponibilizaram o seu material para a pesquisa. Na análise documental tomou-se como
referência os estudos de Cellard (2008) para o qual esses documentos são considerados
com pessoais. Buscou-se analisar os cadernos de expedição em relação ao contexto em
que eles foram produzidos, ou seja, a partir das atividades vivenciadas no âmbito dos
estágios. Assim foram analisados os cadernos de Berta e Heber no Estágio I e os de
Sofia e Vagner no Estágio II.
Fizemos a análise de duas situações descritas nos cadernos de expedição que
segundo os registros dos estagiários foram mais significativas para eles. Assim, para o
Estágio I analisou-se os registros sobre a Escola de Surdos e, para o Estágio II, os
registros sobre a docência.
Estágio I
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Em relação à visita realizada na Escola de Surdos, Berta adotou uma postura
questionadora, de inquietação sobre a situação vivenciada, de um olhar para além dessa
situação, questionando a realidade apresentada na busca pela socialização dos sujeitos
da instituição.
A minha impressão da Escola para Surdos foi norteada pelo tema inclusão,
diante desta abordagem questiono como o aluno que passa desde a sua
infância com pessoas que tem a mesma necessidade especial, futuramente
venha a destacar e adquirir o seu espaço na sociedade? (Berta).
E na tentativa de buscar soluções, alternativas para o vivenciado propõe “(...) que a
Escola especializada deveria trabalhar em conjunto com as escolas regulares, assim
com certeza haveria uma inclusão real.” Ampliando seu olhar para a estrutura do
sistema educacional como um todo afirma que esse sistema
(...) não tem estrutura para receber o aluno com necessidades especiais, no
entanto se não é possível adequar todas as escolas com um pouco de força de
vontade algumas escolas podem se adequar para que haja uma aprendizagem
significativa para todos os alunos, independente de suas limitações. (Berta).
Para ela é preciso considerar o sujeito diretamente envolvido no processo educativo e
que ele tenha os mesmos direitos de aprender que os demais.
As reflexões de Heber caminharam para a necessidade de se colocar no lugar do
outro num trabalho com estudantes, nesse caso, surdos, pois
Nunca poderemos “imaginar” o que uma pessoa está sentindo em relação a
algum mal que a aflige, a não ser que nos encontremos em mesma situação
desfavorável e ainda assim cada um tem seu jeito de sentir. (Heber).
Essa reflexão culminou num desejo, no âmbito dos estágios, de trabalhar com
outros tipos de deficiência, o que propôs em seu caderno de expedição: “Muito se viu
sobre a inclusão de deficientes audiovisuais; mas e quanto a inclusão de alunos com
deficiência física ou mental?” (Heber).
As reflexões de Berta e Heber em relação aos questionamentos e à proposta, nos
remete ao ato reflexivo delineado por Dewey (1989) ao afirmar que o mesmo se
caracteriza como questionador e que nós refletimos a partir da vivência de um
problema real, na busca de transformações das situações vividas, ou seja, eles tiveram
um olhar mais amplo, para além da representação, de inquietude com o entre – o que
nos vê e o que nos olha, como propõe Didi-Huberman (2010), ou seja, um olhar
reflexivo. Destaca-se também a sensibilidade de Heber ao refletir sobre a dificuldade de
estar no lugar do outro, da importância de se fazer isso para compreender o que esse
sujeito vive, o possibilita diversas interpretações, pois os sujeitos são diferentes. Ele
nos mostra a necessidade de se ter um olhar para esse outro, para além do que estamos
vendo, para além da representação, mas daquilo que vemos e que muitas vezes não nos
toca e no dizer de Didi-Huberman (2010, p. 34) de “(...) experimentar o que não vemos
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com toda evidência (...)”.
Estágio II
O planejamento do processo de ensino aprendizagem foi destaque no caderno de
expedição de Sofia que ao planejar as aulas sobre frações se questiona: Como ensinar o
conteúdo de frações? e, de repente, se vê com dificuldades. Inicia-se então um processo
de reflexão que vai além do ato de ensinar e envolve a sua aprendizagem na graduação.
Para ela dar aulas de frações para o sexto ano a fez refletir.
(...) até que ponto a minha graduação está contemplando o processo de
ensino-aprendizagem de conteúdos básicos e consequentemente abrangidos
no ensino médio e fundamental? Muitas disciplinas do meu curso te dão
noção dos processos, um pouco falam do porquê que ocorre tal situação, mas
pouquíssimas lhe dão noção de como começar? O que fazer? Como fazer?
Falam tanto em formação de professor que fiquei pensando: que professores
acham que estão formando? Será que o querer que aprendamos que
dominamos [sic] os conteúdos de matemática, por si só são suficientes?
Como fazer uma boa transposição didática? Será que alguém se preocupa
com a prática docente de nós futuros professores? Que tipo de professores
seremos amanhã? (Sofia)
No que concerne ao planejamento da aula de frações, Sofia se viu no sexto
período do curso sem saber como ensinar esse conteúdo: “O que é fração e Como
começar? Acredito que como a maioria dos professores sabemos para si próprio o
conceito, significados, como operar, mas não sabemos ou encontramos dificuldade
para ensinar um conteúdo com eficácia.” (Sofia).
O olhar reflexivo de Sofia em relação ao curso nos remete às ideias de Zeichner
(1993) quando afirma que o professor deve ampliar suas questões em relação ao ato de
ensinar e fazer uma reflexão crítica sobre as implicações sociais da educação, que nesse
caso foi sobre sua aprendizagem na graduação, o que consideramos como olhar
reflexivo.
Sobre a relação pedagógica entre o professor e os alunos, tanto Sofia quanto
Vagner afirmam que foi positiva, fundamentada nas interações humanas, característica
segundo Tardif (2005) do trabalho docente:
(...) deixamos os alunos participarem, questionarem e vimos que essas
turmas consideradas pela própria professora como as piores, as mais
fracas...era [sic] cheia de criatividade, sabedoria e de repente interessados.
(Sofia)
O processo foi tranquilo e os alunos participativos, com certeza não deve ser
assim em todas as aulas, até porque eu não era o professor daqueles alunos e
eles não tinham obrigação alguma para comigo. No entanto, eles
participaram com entusiasmo da atividade. É estranho! (Vagner).
Esse olhar reflexivo de Vagner e Sofia nos remete ao pensamento prático
reflexivo no qual os estagiários foram capazes de interpretar o que acontece, o que foi
realizado, características de uma reflexão posterior à ação, proposta por Schon (2000).
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A angústia e a desmotivação de Sofia ocorrem pelo choque com a realidade da
sala de aula, com o desinteresse dos estudantes, a falta de respeito, que provocaram
novamente um olhar reflexivo para sua formação no curso de Licenciatura em
Matemática.
Fiquei angustiada pois a dificuldade que eles apresentavam é gigantesca mas
não se importam... é como se fossem para escola obrigados! Fiquei pensando
no futuro deles... e mais ainda no meu...rs. Como ensinar a alunos
desinteressados, sem respeito, que não querem nada...? Comecei até a
entender a desmotivação de muitos professores. Planejamos, esperamos que
ia ser maravilhoso que iam gostar, e gostaram mas eu... sonhei e acordei
chocada com a realidade. Comecei a pensar... Tudo que eu vejo na faculdade
é tão lindo, tudo que eu escuto todas teorias...mas na prática, é muito, muito
diferente.(...) Será que a formação acadêmica prepara os docentes para os
possíveis desafios a serem enfrentados durante a carreira profissional? Ou te
iludem com metodologias, conteúdo, sorrisos que a matemática é linda,
maravilhosa...que te faz sonhar com a prática docente e deixa o triste choque
com a realidade ser despertado no início da carreira docente? (Sofia).
Esse confronto com a realidade e a leitura de que teoria e prática não dialogam fez com
que a estagiária repensasse a formação de maneira a questioná-la, discussões que
permeiam a formação de professores a muito tempo e revelada por muitos autores.
A imagem do professor também sobressaiu no caderno de expedição de Vagner,
a fala de um estudante quando ele foi apresentado pela professora como estagiário, o
fez refletir sobre sua imagem. Ele já trabalhava nessa escola e os estudantes o
conheciam da secretaria.
(...) um dos alunos disse: “ele trabalha na secretaria e é nervoso.” Nada falei,
apenas ri e passei a refletir sobre o que tinha acabado de ouvir. Às vezes, me
pergunto qual é a imagem que eu posso passar para as pessoas, e qual é a
imagem que eu quero passar. (...). Caso eu queira dar aula esse será um sério
problema a ser enfrentado, porque eu ainda não consigo me adaptar a
espontaneidade, principalmente dessa juventude que, apesar de terem uma
idade não tão distante da minha, possui atitudes que eu não tenho no meu dia
a dia, apesar de aprová-las. A timidez também é algo que me atrapalha
muito, e sempre foi assim. Hoje, entretanto, percebo que essas características
diferem o Vagner de outras pessoas e isso é o bacana da vida, saber ser
diferente, mas acima de tudo, se adaptar a novos momentos, a novos olhares.
(Vagner).
Essa imagem da qual Vagner fala pode ser entendida como a sua fisionomia, a
fisionomia do professor: o sério, o calado, o triste, o carrancudo, o alegre, entre outros,
que muitas vezes, são características inerentes à sua pessoa, marcas de sua
personalidade, mas sobressaem aos olhos dos estudantes. Ter um olhar reflexivo sobre
a fala dos estudantes nos dá indícios de que ele foi compreendendo elementos que
contribuem para a formação de sua própria identidade, no entanto, ter esse olhar para
além do que vemos e o que nos olha todos os dias, nossa imagem/fisionomia,
contribuiu para que repensasse.
A desmotivação pela profissão advém dos próprios professores que questionam
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aos estagiários se querem mesmo serem professores, além dos próprios colegas de sala
de aula.
É difícil se manter fiel à vontade de ser professor trabalhando em conjunto
com professores que estão atuando, porque o que mais se ouve dessas
pessoas é “você quer mesmo ser professor, quer mesmo essa vida” Além
disso, nos próprios corredores da faculdade os alunos comentam que querem
outra profissão. Acredito que seja difícil para os licenciandos se manterem
fiel a essas perspectivas. Nunca foi meu anseio, e à medida que o curso foi
caminhando se tornou uma realidade distinta. Entretanto, tenho certeza que
em algum momento da minha vida estarei em sala de aula e espero que esses
obstáculos não interfiram na minha prática. (Vagner, 2013).
Ao refletir sobre a desmotivação pela profissão provocada pelos profissionais da
educação básica e também pelos próprios licenciandos, Vagner se volta para os cursos
de graduação no sentido de promoverem um acompanhamento dos egressos.
Ainda tenho notado que não existe um trabalho contínuo com o licenciando
depois que esse sai da graduação, muitas vezes por desinteresse do próprio
aluno. Que os futuros formandos possam quebrar essa barreira e manter
contato com os docentes da universidade, porque a troca de experiências é
sempre muito bem vinda. (Vagner, 2013).
Nesse momento, Vagner busca dar uma resposta a desmotivação propondo um
contato do egresso com os professores formadores no sentido de trocarem experiências.
Esse movimento estabelecido por Vagner de examinar a situação, de propor soluções
lógicas e racionais (DEWEY, 1989) faz com ele tome consciência da situação de
maneira que esse olhar reflexivo integre a sua identidade de professor, como propõe
Zeichner (1993).
Considerações finais
O fato de se tomar como referência para a análise as situações descritas nos
cadernos de expedição como as mais significativas, revela que o olhar reflexivo não
acontece da mesma forma em todas as situações. O sujeito irá refletir com mais
intensamente de acordo com as inquietações que as situações lhe provocam, o que
depende de suas crenças, concepções, experiências, trajetória de vida, das relações que
vai estabelecendo com as pessoas, ou seja, um olhar reflexivo é situado historicamente,
culturalmente e socialmente.
Há de se considerar ainda que o papel do professor como mediador desse
processo, no sentido de ajudar o estagiário a olhar para além da representação, do que
está posto, propondo situações diversificadas que os levem a refletir sobre elas,
envolvendo-os e responsabilizando-os por seu desenvolvimento profissional, é
fundamental para o desenvolvimento de um olhar reflexivo.
Ter uma postura questionadora, de inquietação sobre as situações vivenciadas
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indagando a realidade na busca de soluções, alternativas para os problemas reais, bem
como se colocar no lugar do outro para experimentar, para experienciar o que o outro
está sentindo, contribuiu para que os estagiários, no Estágio I, tivessem um olhar
reflexivo para as situações vivenciadas.
Tomando como referência o estágio, pode-se inferir diante dos resultados
apresentados que ele contribuiu para que os estagiários tivessem um olhar reflexivo,
produzissem reflexões críticas, mas acima de tudo que olhassem para sua formação, ou
seja, para si, de maneira a questionar essa formação. O confronto com a realidade
escolar, com a desmotivação pela profissão tanto na escola quanto na universidade, os
fez não só questionar a situação como também propor soluções lógicas, racionais
(DEWEY,1989), como também permitiu ser um ser reflexivo, uma maneira de ser
professor (ZEICHNER, 1993).
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4069ISSN 2177-336X
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ESTÁGIO SUPERVISIONADO: ALGUMAS NARRATIVAS DAS
EXPERIÊNCIAS DOS ESTUDANTES DE MATEMÁTICA DA UFTM
RODRIGUES, Vânia Cristina da Silva
Universidade Federal do Triangulo Mineiro
Resumo: A partir de uma perspectiva sócio-interacional do discurso, esta pesquisa,
apoiada Fapemig, investiga a narrativa escrita de três alunos da disciplina Orientação e
Estágio Curricular Supervisionado II ofertada no 6º semestre do curso de Licenciatura
em Matemática da Universidade Federal do Triangulo Mineiro (UFTM) na qual se
evidenciam algumas de suas experiências marcantes no estágio. A análise das
experiências pode nos ajudar a desenvolver abordagens de construção de saberes
docentes que venham ao encontro de uma formação de professores mais completa, de
caráter mais humanista e que possibilite aos licenciandos um melhor preparo para lidar
com os desafios impostos pela profissão docente. A pesquisa envolve múltiplos
aspectos, privilegiando compreensões advindas do estudo de narrativas e construção de
identidades. Focalizamos as relações entre discurso e construção da identidade social a
fim de possibilitar a compreensão de como o estudante constrói discursivamente a sua
experiência de formação no estágio supervisionado. Através de uma análise que
considera a produção de narrativas como um processo discursivo, dialógico e
ideológico, esta pesquisa pode nos ajudar a compreender algumas experiências descritas
à luz das expectativas e frustrações da estudante no estágio supervisionado e pode nos
ajudar a pensar estratégias que contribuam para a formação dos futuros professores de
línguas para atuação em diferentes espaços de ensino/aprendizagem. Porém, mais
importante do que o estabelecimento de propostas interdisciplinares de caráter
“inovador”, esta pesquisa aponta para a necessidade de uma construção dialógica de
saberes, a partir do desenvolvimento de pontes entre a universidade e a escola pelo
diálogo com os todos os sujeitos envolvidos no processo de formação.
Palavras-chave: Formação de Professores, Estágio Supervisionado, Narrativas.
1. Introdução
O presente trabalho, apoiado pela Fapemig, tem o objetivo de trazer reflexões
sobre o trabalho de formação de professores desenvolvido no curso de Licenciatura em
Matemática da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Uma das
percepções que orientam este trabalho é a de que, através de relatos, sejam eles escritos
ou orais, dos alunos a respeito de suas experiências durante o estágio supervisionado,
podemos ter uma melhor percepção de como eles compreendem e, sobretudo,
vivenciam o curso. Além disso, tem como um de seus princípios a percepção de que a
formação de professores é algo que deva ser constantemente refletida em interface com
os múltiplos contextos de formação. Nos termos de Goodwin (apud BASTOS, 2010, p.
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02), entendemos que o processo de formação de professores só pode se dar em uma
interação na qual haja uma colaboração dinâmica e reflexiva.
A análise das experiências pode nos ajudar a desenvolver abordagens de
construção de saberes docentes que venham ao encontro de uma formação de
professores mais completa, de caráter mais humanista e que possibilite aos licenciandos
um melhor preparo para lidar com os desafios impostos pela profissão docente.
O estudo das narrativas presente no memorial de formação possibilita a
compreensão da formação do educador dentro de uma dinâmica complexa, ou como
observa Josso (2004, p. 49), “o estudo dos processos de formação, de conhecimento e
de aprendizagem permite-nos estabelecer marcos importantes sobre o que são as
experiências formadoras”. A autora, ainda, destaca, que enquanto não se pensa sobre o
vivido, temos vivências e que, a partir do momento em que fazemos o exercício de
reflexão sobre essas vivências, passamos ao status da experiência. Assim, “procuramos
entender melhor essas experiências que funcionam como marcos importantes no
processo de formação do professor. A experiência marcante, no entanto, não pode ser
entendida fora de sua narrativa mais ampla”. (JOSSO, 2004, p. 49).
Neste trabalho “[...] utilizamos essa expressão [narrativas] para dar conta das
diferentes possibilidades de estudo e ferramentas que visam, em última instância, trazer
à tona memórias, episódios, biografias, enfim reconstruir a história dos sujeitos”
(WITTIZORECKI et al., 2006, p. 11). Nesse sentido, as narrativas proporcionam uma
dimensão social aos relatos, uma vez que, estão intimamente conectados à cultura do
sujeito que o narra. Além disso, a capacidade de “[...] narrar a si mesmo, além de
envolver a capacidade de refletir sobre a experiência vivida, pode ajudar a entender e a
organizar a realidade social e, dessa forma, oferecer melhores condições para que os
sujeitos possam transformar a própria realidade” (WITTIZORECKI et al., 2006, p.23).
Assim, através da investigação de narrativas podemos compreender melhor as
circunstâncias nas quais o trabalho de formação docente se dá, os seus lances bem-
sucedidos e, também, as lacunas que devem ser trabalhadas.
2. O Memorial Como Uma Narrativa da Experiência Pessoal
Neste trabalho, lidamos com um gênero narrativo muito particular que é o
memorial; que se constitui de uma narrativa escrita sobre um determinado processo de
constituição de trajetória profissional. No contexto pesquisado, ele corresponde à
descrição de um processo de formação bem específico, que é o da experiência de
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professores em formação. Esse gênero discursivo é comumente presente no âmbito
acadêmico sendo utilizado, inclusive, como requisito em vários concursos para
professores de instituições universitárias.
O memorial faz parte de um amplo trabalho de formação, da disciplina
Orientação e Estágio Curricular Supervisionado II, os alunos frequentam aulas na
universidade ao mesmo tempo em que realizavam o estágio em escolas parceiras da
universidade. Trata-se de uma disciplina complexa uma vez que o professor responsável
e os estudantes têm de lidar com elementos programáticos e de conteúdo, mas, também,
com questões que envolvem as diversas formas de atuação no estágio durante o período.
Na disciplina a memória do licenciando é valorizada e resgatada, uma vez que,
como destaca Reis (2012, p.41), “a memória tem papel essencial na construção da
autobiografia, uma vez que a narradora/protagonista não apenas “reconstrói” os fatos de
sua trajetória de vida, como também os justifica com significado e coerência que deem
um sentido específico à sua existência no mundo”.
O memorial se constitui, assim, de uma experiência narrativa que se configura
através de uma densa gama de escolhas e construções de significados. As escolhas do
que narrar são, por si mesmo, mostras de um percurso de formação e de um desejo de
construir esse percurso de uma maneira determinada. Podemos nos perguntar, muitas
vezes, porque um licenciando enfatizou mais determinado elemento do que outro ou
omitiu alguns elementos que foram citados por outros colegas. Tudo tem uma
importância e um significado para construção do que está sendo narrado e para a
construção do sentido final da narrativa. A escrita do memorial demanda, não apenas a
apreensão de um gênero discursivo, mas, também, a experiência vivida no processo de
formação em curso. Outro elemento importante que não devemos deixar de considerar é
que a construção do memorial demanda a capacidade de organização de uma
experiência que, nem sempre, se dá através de uma progressão lógica. De qualquer
modo, trata-se de um processo no qual prática discursiva e ação do processo de
formação em curso são acessados e podem ser modificados e ressignificados.
3. Perspectivas das Analises e Contexto da pesquisa
Esta pesquisa pode ser caracterizada por ser um estudo de caso, ela é
desenvolvida a partir de uma perspectiva interpretativa em que privilegiamos o estudo
de narrativas para desenvolvermos a análise. Assim, a construção do memorial se
constituiu, também, em um dos requisitos avaliativos para disciplina Orientação e
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Estágio Curricular Supervisionado II. Dessa maneira, a construção de narrativas compõe
performance situada nos termos de Mishler (1999, p. xvi), uma vez que
[...] narrativas, e outros gêneros discursivos, são ações sociais. Ao falar, nós
realizamos performances de nossa identidade (Langellier, 1999) realizando
um “movimento” no campo das relações sociais (Labov, 1982). Essa visão
pragmática de linguagem ilumina o que nós estamos fazendo como atores
sociais ao selecionar e organizar os recursos da linguagem para contar as
nossas histórias de modos particulares que se adaptam à ocasião e que são
apropriados às nossas intenções, plateias e contextos específicos.
Amparados pela percepção trazida por Mishler, nesta pesquisa, a nossa análise
de dados se baseia em uma perspectiva metodológica que considera o estudo de
narrativa como o estudo de uma ação, o estudo da performance de um indivíduo e das
circunstâncias dessa performance.
Os três alunos fizeram o estágio supervisionado no mesmo semestre, mas
mesmas turmas e escola. A escola na qual os alunos realizaram estágio possui
características muito particulares, trata-se de uma escola estadual na cidade de Uberaba,
fundada em 1960. Os relatos dos alunos mostram que a escola possui dificuldades
semelhantes àquelas descritas por outros alunos e outros memoriais em que refletem
sobre suas experiências de formação em outros contextos de escola pública. Esse dado
comum, presente em vários memoriais lidos, é um dos elementos que nos oferecem um
painel macro dos ambientes nos quais os nossos alunos realizam o seu estágio, o que
pode nos permitir uma análise das instituições escolares a partir da descrição que delas
realizam os nossos estudantes.
Assim, a partir de uma perspectiva sócio-interacional do discurso, esta pesquisa
investiga a narrativa escrita de três estudante, ao final da disciplina Orientação e Estágio
Curricular Supervisionado II, ofertada no 6º período do curso de Licenciatura
Matemática da UFTM, com carga horaria de 120 horas, das quais 30 horas são
desenvolvidas em sala de aula pelo professor responsável pela disciplina.
Preferencialmente os estagiários devem observar as aulas, em cada um dos quatro anos
do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), para conhecer as particularidades de
desenvolvimento cognitivo nas diversas etapas do processo ensino-aprendizagem e
optar pela regência em um destes anos.
Os memoriais analisados foram escritos entre dez e doze páginas excluindo a
capa e as referências bibliográficas e foram solicitados como elemento importante do
processo avaliativo, mas, principalmente, como elementos de construção de saberes e
competências da disciplina. Os estudantes foram chamados por Cunha, Matos e Silva,
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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os nomes dos estudantes foram trocados por sobrenomes fictícios, essa opção visa
preservar o anonimato e possibilita ao pesquisador, realizar as análises sem
constrangimentos de ordem ética, ao nos referirmos aos estagiários usaremos o gênero
masculino, independente de sexo.
4. Análise das Narrativas dos Estagiários
Dividimos esta seção em quatro partes nas quais analisamos diferentes trechos
dos três memoriais de estágio supervisionado dos estudantes selecionados. Na primeira
parte, intitulada “Expectativas e primeiras impressões”, analisamos como os alunos
descrevem as suas primeiras impressões do campo de estágio. Nesse tópico, eles
descrevem as de expectativas e, também, de suas visões prévias sobre o estágio. Na
segunda parte, “O contato”, analisamos como os estagiários descrevem a sua relação
com os alunos e a percepção desses sobre o estágio, levando-se em consideração as
particularidades da escola. Na terceira parte da análise, intitulada “A situação que mais
me marcou” analisamos trechos nos quais os alunos descrevem uma situação que teria
marcado a sua experiência de estágio. Na última seção, intitulada “Valeu a pena?”,
analisamos as construções discursivas dos estudantes em relação à validade do estágio e
que ganhos eles tiveram com o mesmo.
Em nossas análises focamos, principalmente, a questão das expectativas trazidas
pelos alunos em seu memorial, a descrição da convivência, a visão do trabalho realizado
na sala de aula da escola, a avaliação do estágio e a percepção quanto à realização ou
não das expectativas iniciais. Tomamos a decisão de não realizarmos alterações no texto
dos alunos que foram apresentados no trabalho. Transcrevemos os trechos tais quais
foram escritos por eles, ainda que, em alguns momentos, possamos ter a percepção de
que sejam necessários ajustes a fim de melhorar a clareza e a coerência de alguns deles.
Essa tomada de posição, no entanto, é importante porque nos permite analisar a
produção dos alunos de forma a mostrar, efetivamente, a própria escrita dos estagiários,
evitando o direcionamento interpretativo, através da correção ou intervenção, por parte
dos pesquisadores, nos textos produzidos pelos alunos. Realizamos, no entanto,
alterações de nomes pessoais e a omissão de nomes de instituições a fim de garantir o
anonimato dos envolvidos na pesquisa.
a) Expectativas e primeiras impressões: Nesta tem, analisamos dois trechos iniciais
do memorial dos alunos nos quais eles escrevem, primeiramente, sobre suas
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expectativas no estágio e, depois sobre o contato com a professora supervisora na
escola.
Antes de começar o estágio, minhas expectativas acerca dessa
experiência não eram das melhores. Nunca havia assistido aula nem
estado em um colégio público antes. Imaginava encontrar uma escola
que confirmasse aquele estereótipo de ensino público: uma escola
precária, em mal estado, alunos sem limites, bagunceiros, professores
insatisfeitos e faltosos. Encontrei alguns desses elementos e senti
dificuldade em lidar com eles, mas posso afirmar que boa parte deles e
de meus pré-conceitos foram derrubados a começar pela acolhida.
(Cunha)
No trecho acima, é interessante observar a franqueza com a qual Cunha descreve
suas expectativas acerca do início do estágio, posicionando-as no âmbito da congruência
dos estereótipos mais comuns refletidos em nossa sociedade e reconstruídos no contexto
micro de sua produção discursiva. Ele reconhece sua dificuldade em ressignificar esses
estereótipos, mas por reposicioná-los a partir do elemento “acolhida”, dá início a uma
experiência de caráter particular, mas que irá ajudar na sua construção discursiva de
seus posicionamentos profissionais iniciais.
Essa disposição em rever os estereótipos também aparece nas narrativas de
Matos e Silva e, parece proporcionar a construção de uma nova perspectiva sobre o
estágio, não uma em que eles já sabem qual seja o resultado, mas uma em que ainda está
a construir seus significados. É importante notar aqui que, no contexto micro da escrita,
que a afirmação de Cunha sobre a “acolhida”, é extremamente relevante para marcar o
momento inicial de virada, de transformação de sua percepção. Do ponto de vista da
construção de narrativas, essa afirmação dos narradores de que o estágio estava
ajudando a romper seus pré-conceitos e concepções equivocadas da escola é um
elemento importante pois é contrataste com a disposição inicial com que chegam muitos
licenciandos em nosso curso: geralmente reclamando e pouco dispostos a realizarem um
curso que demanda tanto tempo e atenção para que eles se tornem professores em uma
sociedade que privilegia tão pouco a profissão.
Trecho Cunha: Meu contato com a professora foi excelente. Ela era
muito amiga, compreensiva. Estava sempre disposta a aprender algo
conosco – estagiárias e a nos escutar. Por diversas vezes, pediu nossa
opinião para resolver alguns problemas em sala e questões sobre o
planejamento das aulas. Fiquei muito satisfeita em poder ajudá-la. Só
me pareceu um tanto inflexível com questões relacionadas as
demandas dos alunos.
Trecho Matos: Percebi que estágio não precisava ser aquele
momento chato em que você fica sentado ao fundo da sala, fazendo
anotações e vai para casa com a sensação de que a sua presença não
fez a menor diferença. A professora fui muito receptiva e tentou nos
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deixar confortáveis com a turma, fomos apresentados como
professores. A única ressalva que faço refere-se a tratamento dado por
ela aos alunos, achei um tanto inflexível, beirando em alguns
momentos ao autoritarismo.
Trecho Silva: A professora era sempre muito atenciosa, mas não tão
flexível e acessível quanto os demais professores de matemática.
Acredito também que pelo fato da professora ter quase a mesma idade
que eu era mais fácil aproximar-me.
Nos trechos acima, Cunha, Matos e Silva tematizam o seu contato com a
professora supervisora do estágio na escola. Eles descrevem a relação com a professora
como satisfatória e posicionam a professora como sendo “muito atenciosa, mas não tão
flexível com os alunos”. Cunha avalia o primeiro contato como “excelente”; em
seguida, aproxima o contato profissional de uma identificação pessoal, apresenta
também elementos de coleguismo, mesmo que ele mitigue sua posição inicial como
“estagiário”.
Matos avalia não apenas o que tange ao relacionamento estagiária-professora
supervisora, mas no que se refere ao próprio estágio (“não precisava ser chato”),
redimensionando o seu significado de estágio a partir da construção identitária aqui
apresentada. Silva dimensiona a co-construção do posicionamento a partir da pouca
diferença de idade entre ele e a professora. Essa é uma questão relevante porque fala de
uma marca importante da identidade do licenciando: aquela que se refere à geração. A
sua avaliação positiva da proximidade etária demonstra que ele constrói
discursivamente uma relação com outra pessoa de geração próxima como algo que pode
ser um elemento que exerce influência positiva na construção de um posicionamento
profissional que alia pessoalidade e profissionalidade, possibilitando um entre-lugar no
qual diferentes aspectos de sua identidade confluem.
b) O contato: Neste item, a análise recai sobre trechos que tematizam os alunos do
colégio. Em alguns trechos todos os narradores falam de sua relação com os alunos e em
outros há apenas a descrição de seus comportamentos em situações particulares ou a
descrição de situações extraordinárias pelas quais os alunos viviam. Tanto a relação dos
licenciandos com os alunos, quanto as suas descrições se caracterizam por serem
elementos importantes para a compreensão de suas experiências no estágio e sua
experiência de formação profissional em sentido mais abrangente.
[...] alunos me assustaram inicialmente. Não havia limites em seu
comportamento. Frequentemente desrespeitavam professores e as
regras de regulamentos do colégio sobre uniforme. O linguajar entre
os alunos era repleto de palavrões e xingamentos. (Cunha)
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No trecho acima, Cunha descreve sua visão inicial dos alunos. A descrição de
seus comportamentos, o modo como se vestiam. Nesse momento, o aluno se posiciona
como um estagiário que está em processo de compreender a instituição em que se
encontra, e, principalmente, os sujeitos que ali se localizam.
Alguns professores pareciam satisfeitos com seus trabalhos e outros
não. Contudo, todos reclamavam do comportamento dos alunos. Meu
contato com alunos, diferentemente dos professores, foi muito bom.
Eles me respeitavam muito e me procuravam para tirar dúvidas que
surgiam em sala, mas que devido à vergonha ou ao término da aula
não eram esclarecidas. (Matos)
Diferentemente do que foi descrito por Cunha em sua visão inicial dos alunos,
Matos descreve o seu contato com os alunos como sendo bom e se posiciona como uma
pessoa que os supria com informações que não eram dadas pelos professores. Nota-se
aqui uma crítica aos professores que, de algum modo, não transmitiam, ou não
transmitiam de forma apropriada, informações importantes para os alunos.
Ao construir um posicionamento distinto dos professores da escola, Matos
assume para si um posicionamento autônomo e autoral, a quem os alunos procuram e
respeitam, seja por sentirem maior disponibilidade deste em ajudá-los (posicionamento
profissional), seja pela percepção da pouca distância etária entre eles (posicionamento
de idade), seja por ele ocupar o entre-lugar que se caracteriza o estágio: ser, também,
uma estudante, ou um professor ainda não formado. De qualquer modo, a construção no
âmbito do respeito confere ao narrador uma “autoridade” importante no contexto da sala
de aula, ainda que efetivamente fosse, institucionalmente, posicionada como estagiária.
Na visão dos alunos, entretanto, não parece ser este o caso, uma vez que ele é
posicionado como alguém a quem se pode recorrer. No que se posiciona como uma
profissional de “autoridade respeitada”.
c) A situação que mais me marcou:
A situação que mais marcou o estágio aconteceu a professora era nova
na escola, aquele era o seu primeiro semestre com as turmas. O
problema surgiu durante a primeira prova. Os novos alunos se
revoltaram contra a professora quando perceberam que o tipo de prova
proposta por ela era diferente do que eles estavam acostumados.
Houve muita confusão incluindo cenas de desrespeito e xingamentos.
(Cunha)
Os alunos atacavam a professora dizendo que eles não sabiam
matemática e os conteúdos que ela pediu na prova e questionavam
como poderiam fazer uma prova se eles não tinham ideia do que ela
estava pedindo. Alguns gritavam: “Isso é um absurdo. Onde já se viu?
Além de não explicar direito ainda dá uma prova tão difícil assim,
ninguém tá entendendo nada da matéria. Com o professor do ano
passado era diferente. Fala sério, que prova é essa! Eu não achei nada
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demais, a avaliação estava condizente com o que trabalhado em sala
de aula (Matos)
Além da constante falta de respeito com a professoras, a situação que
mais me marcou foi referente ao questionamento por partes dos alunos
com relação a uma avaliação aplicada pela professora. Foi muito
constrangedora a forma como os alunos abordaram a professora.
(Silva)
Nestes extratos, os três alunos assumem fortemente a função de narradores de
sua história, para contar o momento mais marcante do estágio, um conflito em sala de
aula, entre a professora e os alunos, por conta de uma aparente mudança na forma de
avaliação até então empreendida. O conflito que se instaurou, demonstra uma questão
muito complexa acerca da questão da avaliação em muitas escolas de nosso país, o que
e como avaliar. Trata-se, portanto de uma questão essencial, colocada em perspectiva
por esses narradores e que não deve ser negligenciada, uma vez que se trata de questão
reificada em outros diversos contextos escolares. Essa é uma questão fundamental e
complexa do ensino e da formação de professores, de fundo ideológico, político,
econômico e educacional, e que, mesmo que não esteja no centro do escopo da
discussão deste trabalho, aparece como elemento importante nas narrativas nas dos três
licenciados.
Em termos da estrutura narrativa, essa questão é dimensionada como clímax de
suas histórias (e de alguns memoriais), um momento muito importante que irá
emoldurar as reflexões seguintes e os posicionamentos construídos a partir desse
momento. É um momento de virada, por assim dizer, para as construções identitárias até
agora colocadas em ação pelos narradores.
Não houve motivo para tanta falta de respeito e educação. A
coordenadora recebeu inúmeras reclamações dos alunos e marcou uma
reunião com a professora para entender a situação e o problema que
estava se instaurando. Eu estava junto com a professora quando a
coordenadora abordou na sala dos professores se referindo ao
ocorrido. Eu a defendi confirmando que não houve motivo para tanta
falta de respeito e educação. (Matos)
Eu percebia que os alunos queriam desestabilizar a professora e criar
um tumulto. Infelizmente, eles conseguiram. A professora ficou muito
chateada com a reação dos alunos e resolveu assumir uma postura
radical de combate e inflexibilidade, o que acabou intensificando o
sentimento de revolta dos alunos. (Silva)
No trecho acima, Silva descreve o acirramento das posições de conflito
instauradas e, Matos mostra em detalhe as questões que levaram ao conflito dos atores
(professora e alunos) naquele contexto. Ele mostra como a situação se intensifica e
como os atores assumem uma posição de embate no confronto com a disciplina, o que
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faz com que a sala de aula seja enquadrada como um campo de batalha. Ambas as
narrativas descrevem como os alunos, por força do posicionamento inflexível da
professora, se posicionam com “revolta”, antagônicos aos posicionamentos assumidos
pela professora.
É importante a construção que Matos faz de si mesmo como alguém que interage
com a coordenadora na defesa da professora essa atitude demonstra a sua construção
como alguém ativo no estágio e que se alinha com a perspectiva da professora e da
instituição.
Cada vez que entrávamos em uma turma, de fato, parecia que
estávamos entrando em um campo de batalha. Os alunos não
colaboravam com nada, nem com silêncio nem com a disposição de
fazer as atividades. Eu, aos poucos, conversava com os alunos e
explicava a postura da professora e questionava a deles. A
coordenadora escutou em seguida a professora e ficou ao lado dela.
Conversei também com a professora e me coloquei dizendo que se ela
também mantivesse aquela postura irredutível afirmando que nunca
iria mudar e que eles teriam que se acostumar aquilo, os alunos se
rebelariam cada vez mais. Era necessário que ela iniciasse uma
postura de conscientização (se ela quisesse mesmo continuar com o
tipo de prova que havia proposto) dos alunos. É importante mostrar
que eles eram capazes de realizar os exercícios propostos na prova, ou
seja, que conseguiriam fazer a prova. (Cunha)
Neste extrato, o conflito instaurado está institucionalmente dimensionado entre
“escola” e “campo de batalha” (a sala de aula). Os alunos se posicionam nesta última
esfera, enquanto que a professora e a coordenadora estão posicionadas na esfera da
instituição escolar. A coordenação da escola se posiciona do lado da professora,
tentando, assim, manter o contexto “escola” como esfera de ação dominante. Em meio
ao conflito Cunha, passa a construir para si outro lugar, um entre-lugar. Quando ele
descreve que conversava com alunos e, mais adiante, também com a professora, ele
constrói a sua ação como conciliadora, tentando redimensionar o conflito e reestabelecer
a ordem na localidade institucional da esfera escolar. Assim, Cunha procura assumir
outro posicionamento que vai além das atribuições de um estagiário ou de uma
professor-aprendiz.
d) Valeu a pena?: Neste último item analisamos trechos nos quais os licenciados
escrevem avaliações sobre a sua experiência no estágio. No caso, dos memoriais em
análise, os narradores também assumem a perspectiva para construir um
posicionamento em acordo às suas expectativas e reflexões sobre seu processo de
aprendizado e formação. A partir desta questão, analisamos os três extratos a seguir de
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forma conjunta, pois parecem denotar elementos da avaliação da experiência de forma
complementar.
Os três trechos trazem, entretanto, particularidades. Enquanto no Cunha avalia a
experiência do estágio e de como ela lhe foi “gratificante”, numa perspectiva avaliativa
sobre a experiência vivida, e o que esta experiência lhe trouxe como fruto da mesma,
nos trechos seguintes, os outros narradores (Matos e Silva) parecem adotar uma
perspectiva mais holística sobre o estágio, projetando a experiência para o futuro e para
o compartilhamento com outros colegas, apontando para uma reflexão mais ampla.
Minha experiência no estágio foi muito gratificante e produtiva.
Aprendi muito com as professoras e com os alunos também. O que
mais gostei do estágio foi a sensação de poder ajudar e fazer a
diferença de algum modo na sala de aula do professor. Ainda nesse
sentido, pude desfazer alguns mitos e preconceitos acerca do ensino
público. A união das turmas e o senso de amizade entre alunos
chamou minha atenção. (Cunha)
O estágio é uma oportunidade muito valiosa, pois é o momento que
temos de encarar uma sala de aula com um olhar diferente. É possível
analisar a relação dos alunos com uma perspectiva diferente e
entender o ambiente da sala de aula e suas particularidades que às
vezes com um olhar panorâmico passa despercebido. (Matos)
Está experiência eu vou levar comigo e vai me ajudar no futuro a
minha prática enquanto professor. Me ajudou a entender melhor a
escola, a sala de aula e os desafios da profissão, mesmo com todas as
dificuldades que encontramos na escola acho que valeu a pena. (Silva)
Esses dois trechos apresentam importantes avalições dos estagiários, uma vez
que eles procuram colocar em perspectiva a experiência do estágio e de sua formação,
refletindo sobre aspectos que eles consideram importantes para o desenvolvimento, de
forma positiva, da empreitada que se configura o estágio e da construção de
conhecimento possibilitada por essa experiência. Essa reflexão é extremamente
importante porque, também, mostra as potencialidades do estágio de formação de
professores como espaço que propicia reflexões e experiências marcantes que
contribuem de forma inegável para o processo de formação do professor, motivando a
capacidade reflexiva do licenciando e propiciando experiências que, de algum modo,
eles levarão consigo.
5. Consideração Finais
Ao analisarmos as experiências dos três licenciandos através da construção
narrativa presente em seus memoriais de formação, tivemos a oportunidade de ver como
eles constroem discursivamente a sua própria identidade de professor em formação em
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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meio a diferentes experiências do estágio supervisionado. Ao propormos o uso do
memorial de formação de estágio como parte integrante de um projeto de formação
inicial do estágio supervisionado, percebemos que este gênero desvela importantes
contribuições. Se como um elemento ímpar para proporcionar reflexões e
entendimentos relevantes para os licenciandos, que avaliam e constroem suas próprias
representações identitárias e escolhas profissionais iniciais. Nos casos analisados, os
narradores foram capazes de colocar em ação essa aproximação entre teoria e prática,
em diversos momentos, ao refletir de forma perspicaz sobre os eventos relatados e os
posicionamentos construídos para resolver os dilemas de suas expectativas, estereótipos,
crenças, relação aluno-professor, conflitos e a própria posição do ensino-aprendizagem
da matemática no espaço escolar público.
De forma ainda bastante relevante, os narradores demonstraram suas próprias
construções identitárias inicial e escolha profissional ao apresentar elementos para uma
reflexão na ação e sobre a ação (SCHÖN, 2000) e posicionamentos de mudança e
transformação social (GIROUX, 1997). A suas produções textuais nos leva à percepção
de que o memorial de formação não é apenas um interessante objeto de pesquisa para
entendermos melhor o trabalho de formação de professores, mas pode ser,
principalmente, um importante instrumental de uma formação de professores que
englobe tanto as dimensões práticas (que se referem ao conteúdo) quanto humanísticas
(que se referem a como construir saberes a respeito do conteúdo) da profissão de
professor.
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Charles Goodwin. In: Calidoscópio. vol. 8, n. 2, p. 99-102, mai/ago 2010.
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REIS, Cláudia Maria Bokel. Linguagem, evidencialidade e posicionamentos de
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SCHÖN, Donald Alan. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o
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CONTRIBUIÇÕES DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO PARA DISCENTES DA
PEDAGOGIA: UM OLHAR PARA OS RELATÓRIOS DE ESTÁGIO
Angelita de Fátima Souza
Universidade de Uberaba - UNIUBE
Resumo
No presente trabalho, apoiado pela Fapemig, expomos uma análise dos relatórios de
estágio das licenciandas do curso de Pedagogia presencial de uma universidade
particular da cidade de Uberaba/MG. O objetivo deste artigo é o de identificar nos
relatórios de estágio, as contribuições das atividades desenvolvidas no espaço formal de
educação para a formação dessas licenciandas. Concebemos o estágio supervisionado
como uma etapa de extrema importância na formação do docente, pois é nele que este
futuro profissional terá condições de articular os saberes teóricos e práticos, ou seja, o
estágio supervisionado é fundamental para que o discente vivencie situações práticas do
ambiente escolar, articulando seus conhecimentos com a prática da escola, com o
professor da turma. Os resultados revelam que fazer uma leitura do ambiente escolar,
conhecer o seu contexto, pode auxiliar o professor a compreender os sujeitos que nele se
relacionam, bem como refletir sobre as situações vivenciadas ao longo de sua
permanência nesse local. Planejar e organizar as atividades a serem realizadas na sala de
aula, bem como adequá-las ao nível intelectual dos estudantes é um indicativo de
formação dessas estagiárias e que muito contribuiu para a formação da identidade das
mesmas, pois foram adquirindo autoconfiança e também aprendendo com os estudantes.
No que se refere a relação teoria e prática, tão distanciadas em tantas pesquisas já
realizadas, pode-se concluir que as futuras professoras percebem claramente essa
relação e o quanto a teoria está inserida na prática e também o quanto a prática dialoga
com a teoria.
Palavras-chave: Relatórios de Estágio. Pedagogia. Formação de Professores.
Introdução
Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre a formação da
identidade dos licenciandos no curso de Pedagogia (presencial) e está centrado nas
contribuições do estágio supervisionado para a formação desses licenciandos, tomando
como objeto de análise os relatórios de estágio.
A pesquisa foi realizada no âmbito do estágio supervisionado, porque
acreditamos que por meio dele o licenciando terá a oportunidade de vivenciar o dia a dia
da sala de aula e participar das atividades pedagógicas da escola, como por exemplo, a
construção do Projeto Político Pedagógico, Conselho de Classe e Reuniões de Pais, ou
seja, ao mesmo tempo em que contribui para sua formação também colabora com a
escola, conforme destacam Carvalho e Utuari (2007, p. 41):
O estágio deve ter significado tanto para o estagiário, quanto para a escola.
Acredito que seja uma oportunidade de fazer a diferença. Com frequência,
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digo que é preciso fazer a diferença, e que fazer a diferença não é
necessariamente fazer o diferente ou o inédito, mas, sim, fazer o melhor que
se pode, para que assim possa não só ampliar as possibilidades de cada um,
diretamente envolvido, mas também daqueles que indiretamente são
responsáveis pelo estagiário.
Para os autores, durante o estágio o aluno poderá fazer a diferença, elaborar o
seu próprio material, organizar juntamente com o docente e o supervisor de estágio
instrumentos de trabalho que sejam significativos para os alunos, proporcionar
atividades diversificadas e ainda tornar-se sujeito de sua formação.
Nesse mesmo sentido, Pimenta (1997), destaca que o estagiário deve ser levado
a conhecer o seu papel e refletir sobre ele para que possa desenvolver um trabalho
sério, dinâmico e significativo. Entretanto, de acordo a autora a prática de estágio têm
fugido a esses momentos de aprendizagem para situações de técnicas e organização de
materiais, preenchimentos de documentos administrativos e apenas observação das
aulas, sem momentos de regência.
Segundo a autora “o professor é ser da práxis” (Ibid., p. 69) e, dessa forma o
espaço escolar deve ser compreendido como um momento de aprendizagem e de
formação, favorecendo assim conhecimento da realidade acadêmica, dos conteúdos e
da prática pedagógica. Vale lembrar que o estágio é um momento de crescimento
pessoal e profissional e
[...] não se resume à aplicação imediata, mecânica e instrumental de técnicas,
rituais, princípios e normas aprendidas na teoria. A prática não se restringe
ao fazer, ela se constitui numa atividade de reflexão que enriquece a teoria
que lhe deu suporte. O estágio é um processo criador de investigação,
explicação, interpretação e intervenção na realidade. (PIMENTA, 1997, p.73-
74).
Sendo assim, o estágio poderá assegurar a formação prática e profissional do
discente e promover uma interação entre universidade, escola e comunidade. Tal
oportunidade poderá criar uma trajetória de formação e ainda auxiliar o estudante na
prática docente, na reconstrução dos seus conhecimentos, na formação de novas
habilidades, dentre outras. Para tanto, é necessário que todos estejam envolvidos no
processo, precisam conhecer suas responsabilidades e entenderem que esse discente está
em formação. É preciso entender o Estágio Curricular Supervisionado como
(...) tempo de aprendizagem que, através de um período de permanência,
alguém se demora em algum lugar ou ofício para aprender a prática do
mesmo e depois poder exercer uma profissão ou ofício (...) supõe uma
relação pedagógica entre alguém que já é um profissional reconhecido em um
ambiente institucional de trabalho e um aluno estagiário. (BRASIL, 2001,
p.10).
Assim, a pesquisa está orientada pela seguinte problemática: Quais as
contribuições das atividades desenvolvidas no âmbito do Estágio Supervisionado pelas
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estudantes do curso de Pedagogia? O objetivo deste artigo é o de identificar, nos
relatórios de estágio, as contribuições das atividades desenvolvidas no espaço formal de
educação para a formação dessas licenciandas.
O percurso metodológico integra revisão bibliográfica e análise documental, ou
seja, apreciação dos relatórios de estágio. Para esse trabalho escolhemos considerar os
relatórios de estágio de três estudantes do curso de Pedagogia (presencial), de uma
instituição particular, pois eram as únicas que ainda não tinham experimentado a
docência, além do período de estágio.
Formação Identitária do Docente
A aprendizagem é um processo complexo e desenvolvido ao longo da trajetória
de vida de acordo com o meio cultural, político, social e econômico em que vivemos.
Não depende, exclusivamente, de um ser e sim da junção e da troca de conhecimentos.
Sendo assim, estão intrinsecamente ligadas e são de fundamental importância para a
prática pedagógica, pois permeiam a complementação dos conhecimentos que o sujeito
vai construindo ao longo da sua trajetória, ou seja, da infância até a idade dos primeiros
passos da graduação. Depois disso, a formação continuada e profissional poderá
proporcionar outros moldes para essa formação que necessita ser constante.
A exigência pela formação do professor ainda é um desafio, afinal ela está cada
vez mais diversificada, as demandas educacionais não acompanham o contexto das
instituições escolares levando o professor a buscar mais destrezas, habilidades e
competências. Isso nos leva a questionar quais os conhecimentos são necessários para a
formação inicial? Quais os conhecimentos são construídos ao longo do processo? Eles
são suficientes para atender as demandas da sociedade atual? Entendemos que o
professor precisa conhecer sobre o conteúdo que ministra, mas como ensinar esse
conteúdo? Garcia (1999, p. 86) afirma que “o conhecimento que os professores possuem
do conteúdo a ensinar também influência o que e como ensina”, afinal é necessário
propiciar a compreensão dos alunos, saber trabalhar, lidar com situações que não estão
previstas no currículo, pois estão ocultas.
Nesse sentido Garcia (1999, p. 90) destaca que “é necessário incorporar nos
programas de formação de professores conhecimentos, competências, e atitudes que
permitam aos professores em formação compreender as complexas situações de ensino”,
ou seja, atender às dimensões da formação de professores e da comunidade escolar. Para
tanto, o autor destaca a importância da revisão do currículo de formação de professores
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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e as relações entre as universidades e as escolas.
Essa relação instituição e escola é de fundamental importância, pois a escola
também está dando a oportunidade do primeiro contato com a profissão, com a
formação prática e a transição de aluno para docente. Sendo assim, o docente
principiante precisa “integrar num processo de aprendizagem, adquirir conhecimentos
que lhe servirão para transmitir uma cultura e os valores dessa cultura, interiorizando-os
na própria personalidade”. (GARCIA, 1999, p. 113). Esse é um processo de
amadurecimento, de socialização, de imitações, ou seja, aprender com o outro. É nesse
contexto que Sacristán (1995, p. 64) afirma que
O certo é que existe no discurso pedagógico dominante uma hiper-
responsabilização dos professores em relação à prática pedagógica e a
qualidade do ensino, situação que reflete a realidade de um sistema escolar
centrado na figura do professor como condutor visível dos processos
institucionalizados de educação (...).
Além da prática pedagógica e dos diversos elementos que emergem de forças
externas da escola os professores também são responsabilizados pelo contexto de
transformação da sociedade. Eles vivenciam desafios de ir além do ensinar os
conteúdos, ou seja, têm assumido funções fora da sua formação, como por exemplo,
enfermeiro, assistente social, psicólogos dentre outros. (OLIVEIRA, 2004).
Destacamos que para melhorar a formação inicial dos professores será
necessário repensar os programas de formação levando em consideração os contextos
de ensino em mudança, em que os aspectos relacionados com o multiculturismo, a
inclusão, a justiça social, entre outros. Não podemos deixar de descartar que para
melhorar a formação se faz necessário ampliar o embasamento teórico, articular a
demanda da prática com a realidade escolar, compreender e conhecer os desafios do
processo de aprendizagem proposto nos currículos de formação de professores.
(FLORES, 2013).
Assim, Borges; Vieira e Aquino (2013, p. 169) complementam que “a formação
do profissional docente, cujo início acontece antes do seu ingresso no curso de
licenciatura, deve ter continuidade no decorrer de todo o exercício da prática
profissional”. Eles esclarecem que a formação deve superar as práticas tradicionais
para desenvolver habilidades, competências e uma bagagem sólida necessária para o
exercício da docência.
De acordo com Shulman (2005), o docente terá condições de desenvolver
atitudes reflexivas nos alunos através da forma de expressar, exemplificar e discernir os
conhecimentos específicos para a sua formação. O futuro docente “Deve compreender
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as estruturas da matéria ensinada, os princípios da organização conceitual, como
também os princípios de indagação que ajudam a responder os tipos de perguntas em
cada âmbito”. (SHULMAN, 2005, p. 12). Afinal, para o autor o ensino é uma das
profissões mais antigas do mundo e o professor precisa compreender a matéria que está
na sua responsabilidade e transformá-la em conhecimento para seus alunos.
Essa formação não pode ser precária, pois o aluno, futuro professor, está nos
primeiros passos da sua formação identitária e “a identidade de alguém é, no entanto,
aquilo que ele tem de mais precioso: identidade é sinônimo de alienação, de sofrimento,
de angústia e de morte” (DUBAR, 1997, p. 13). Essa identidade é algo conquistado que
vai reconstruindo-se ao longo da vida, ou seja, o sujeito vai construindo seu mundo
profissional, cultural, religioso, político, social etc. (BOLIVAR, 2006). Para tanto, o
autor defende que a identidade não é uma essência pessoal, mas um produto das
relações pessoais e interpessoais, em busca de uma realização profissional e pessoal,
pois somos o que buscamos durante nossa trajetória de vida. Sendo assim, Bolívar
(2006, p. 22) define que “os indivíduos se vem obrigados a construir sua identidade
através de um processo em que se intensifica a necessidade de individualização [...]”.
Assim a identidade será o resultado individual, autoestima e autoconfiança de
cada sujeito, pois cada um traz uma trajetória de vida e essa se processa de um
determinado modo. Essa identidade vai sendo construída de acordo com as demandas da
sociedade atual, pois o ser humano é um objeto dentro dessa sociedade que passa por
mudanças significativas através do tempo.
Segundo Bolívar (2006, p. 29) cada indivíduo precisa aprender explorar suas
potencialidades, sua história de vida para criar uma nova “política de identidade”. Para o
autor “a identidade social repousa na transmissão geracional ou institucional dos
esquemas, normas e valores de uma cultura”. Afinal, a existência humana nada mais é
que o resultado das escolhas e a origem da identidade parte da sociedade para o ser
humano, pois o ser humano se constrói existencialmente através das gerações, ou seja,
ele é o produto da interação entre as trajetórias individuais e cada um se torna
responsável pelas escolhas e pela formação alcançada.
Essa trajetória individual para Bolívar (2006, p. 48) “é constituída pela história
de vida pessoal e profissional, vinculada a um tempo social, como a particular
conjuntura institucional e social”. O autor destaca que essa identidade é fruto da
socialização, é vinculado ao campo do saber e competências. Afinal, cada “docente tem
uma história de vida e uma trajetória profissional única e singular, profundamente
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condicionadas por fatores contextuais que se cruzam na vida pessoal”. (BOLIVAR,
2006, p. 55).
Para tanto Dubar (1997, p. 13) destaca que “a construção de uma identidade
profissional é, pois, um processo contínuo desde a “socialização pré-profissional” das
primeiras idades no âmbito familiar, social e, escolar na formação inicial”. Ele afirma
que a primeira experiência é o histórico escolar, em média 16 anos, marcados pela
socialização no convívio com alunos, família, professores, em busca da formação
profissional para o futuro. Depois, a experiência com a formação universitária, período
denominado identidade profissional de base, ou seja, “primeira visão da prática
profissional” (p. 59).
Os relatórios de estágio
Como afirmado anteriormente, para a análise trouxemos os relatórios de três
licenciandas que não experimentam a docência antes do estágio: Norma, Sueli e Stella.
Para a análise documental tomou-se como referência os estudos de Cellard (2008) que
considera esses documentos como pessoais.
No primeiro momento buscou-se identificar as atividades comuns realizadas
pelas estudantes quais sejam: leitura do ambiente escolar e projetos coletivos
vivenciados na escola. Em relação às atividades realizadas individualmente, destacam-
se os projetos realizados na escola e a monitoria. Outra análise perpassou pelo
reconhecimento da experiência vivenciada.
Leitura do ambiente escolar
A concepção de que a leitura da escola por dentro contribui para a formação do
licenciando é compartilhada pela professora supervisora de estágio quando propõe que
as estudantes façam esse trabalho.
Um dos destaques de Norma é para a arquitetura da escola, tombada pelo
patrimônio histórico, e a preservação de uma tradição de cem anos: a de cantar o Hino
Nacional, o Hino da Escola e fazer uma homenagem a Nossa Senhora cantado
“Mãezinha do Céu”. Ainda nessa leitura, Norma descreve a organização estrutural do
entorno do pátio em formato de U, ela consegue ter um olhar para além do que está
representado ao afirmar que os estudantes das salas entorno do pátio têm uma visão
privilegiada, pois
(...) podem fisgar de vez em quando, uma inspiração na exuberante árvore
que, de certa forma, tranquiliza e infunde aos estudantes que ocorrem em sala
de aula, ou quem sabe meditar, transportar-se para outro local, já que os
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olhares que ali capturamos são sempre cheios de questionamentos e brilho.
(Norma)
Em relação aos alunos que não estão localizados no entorno do pátio ela faz o
seguinte relato “(...) lhes restam somente o quadro negro, uma vez que a janela é
detentora de grades e as cortinas estão sempre fechadas (...)” e dando continuidade,
traz que quando os alunos estão no trajeto do banheiro para a sala de aula: “(...) sempre
param no referido pátio e procuram ali algo que aos nossos olhos não
compreendemos”. Também afirma que o horário do recreio é tão pequeno, cheio de
regras do não fazer e que os alunos vão para a sala de aula ainda comendo o lanche,
sendo que o espaço para o lanche não comporta os alunos.
Em relação às professoras chamou a sua atenção o fato das mesmas não
possuírem salas de professores, que o intervalo é feito junto aos alunos e descreve:
A escola em sua estrutura não conta com um espaço destinado às refeições
dos profissionais (...) Esta ausência é preenchida pela copeira que com sua
pesada bandeja de alumínio suprimida de xícaras e uma vantajosa garrafa de
café, distribui de sala em sala o café às professoras. As professoras por sua
vez aceitam com um largo sorriso que o toma ali mesmo na porta da sala de
aula em pé na presença dos alunos, provocando em alguns engolirem secos
de vontade, mas nenhum se atreve a pedir (...). (Norma).
Stella fez uma leitura mais descritiva da escola. Destaca-se em seu relatório, a
observação que fez do regime da escola “(...) não é possível identificar se é seriação ou
ciclo, pois conforme o analisado, ela possui algumas intervenções de acordo com o
regime em ciclos, mas em outros momentos tem características de uma escola seriada”,
também afirma que as turmas são numerosas em números superiores as escolas de ciclo
e que não reprova, momento em que analisa que isso não é comum em escola seriada.
Sueli não apresentou em seu relatório a leitura do ambiente escolar.
Conhecer o contexto da escola, o ambiente interno, pode auxiliar o professor a
compreender o espaço em que seus alunos vivem, pois esse contexto é composto por
condições econômicas, sociais e culturais conforme afirma Kowaltowski (2011). Ao
fazer uma leitura crítica do espaço, o sujeito carrega consigo um olhar bem preciso das
situações da escola e que a ajuda a compreender melhor o que acontece por lá. Olhar
necessário ao professor, pois segundo Shulman (2005) ele é parte dessa comunidade e
sua identidade vai sendo construída ao longo de sua vida, de acordo com as diferentes
oportunidades que vai vivenciando, que vai buscando. (BOLÍVAR, 2006).
Projetos Coletivos vivenciados na escola
Em relação aos projetos vivenciados na escola, uma característica que se
sobressai nos relatórios é o planejamento e a organização das atividades propostas, bem
como a experiência vivenciada.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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Primeiramente, vamos apresentar os projetos comuns relatados por Norma e
Stella, quais sejam: 1. Visita à biblioteca Municipal; 2. Visita ao arquivo público; 3.
Visita a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG). Elas
descrevem as atividades realizadas na Biblioteca Municipal e afirmam que as crianças
puderam externar o momento vivido por meio de registros tais como pinturas, desenhos,
relatórios e um momento de socialização oral. Destacam que a atividade vivenciada
enriqueceu o processo de ensino aprendizagem e também despertou interesse nos
alunos.
Em todos esses espaços, evidenciou o uso do conhecimento vivenciado na
prática como principal agente de valorização do aprendizado. A experiência
enriqueceu o processo de ensino-aprendizagem e despertou o interesse dos
alunos pelo registro das suas próprias vivencias. Esse fato foi observado em
todos os apontamentos feitos pelos alunos (...) (Norma).
As crianças amaram a pesquisa realizada, e depois, em outro momento,
realizaram registros como pinturas representando o que haviam vivenciado
na Biblioteca, além de compartilharem oralmente seus pensamentos sobre o
que viram e viveram na biblioteca. (Stella)
Em relação ao Arquivo Público as atividades são bem semelhantes
diferenciando-se apenas no fechamento. Além da visita, as crianças aproveitaram o
local para brincar e fazer um piquenique, o que segundo Stella (2013, p. 22) “foi uma
das visitas que mais amaram, pois foi uma mistura de conhecimento e brincadeiras. E
isso as satisfaz muito”. Como fechamento Stella explorou sobre o local e a história da
cidade, bem como o início da escravidão em Uberaba. Norma dividiu a sala e propôs
para um grupo a análise de alguns documentos emprestados pelo Arquivo Público e,
para o outro, entregou algumas perguntas às quais tinham que pesquisar na biblioteca. A
estudante observou que os alunos tiveram dificuldades em concentrar e desenvolver a
pesquisa. Fato que nos chama a atenção e cabem alguns questionamentos: será que esses
estudantes sabiam o que era fazer pesquisa?
Em relação à visita a Epamig, as estudantes fizeram uma apresentação do local
para depois fazerem a visita. Norma solicitou aos alunos que fizessem uma pesquisa em
grupos para apresentarem posteriormente, quando percebeu a dificuldade dos alunos de
se expressarem sobre o que escolheram. Para finalizar, propôs uma visita ao local, mas
no dia houve um imprevisto, a visita não aconteceu e teve que improvisar. Momento
que achou difícil, pois não tinha outra atividade preparada (plano B). Destacamos a
importância do professor em ter repertórios ou outras atividades que possam ajudar caso
alguma coisa não dê certo. Entretanto, a estudante se saiu bem, apesar das dificuldades,
promovendo um campeonato de leitura entre os meninos e as meninas. Stella após a
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apresentação do local conseguiu fazer a visita com as crianças e ao retornarem à escola
fez um momento para conversa e troca de ideias sobre o passeio e produção cartazes.
Os excertos revelam o quanto é importante que os licenciandos conheçam o
espaço em que vão atuar, conforme propõe Garcia (1999) e que vivenciem experiências
que sejam formativas. Esse amadurecimento, irá contribuir para formação de sua
identidade, pois permite que o licenciando ir construindo e reconstruindo sua trajetória,
sua história, uma vez que somos o que buscamos em nossa existência. (DUBAR, 1997;
BOLÍVAR, 2006).
Monitoria
Em relação à estudante Sueli a mesma fez o projeto, mas não o executou. A
professora da turma pediu para que a auxiliasse na sala de aula com os alunos.
(...) a professora Susi que me recebeu com entusiasmo e disse que há muito
tempo esperava por uma estagiária que pudesse auxiliá-la com as crianças,
pois são trinta alunos matriculados em sua sala, e muitos com dificuldades
com a leitura. Então, ela me pediu se durante todo o meu estágio eu poderia
ficar na sala com ela participando da orientação dos conteúdos por ela
preparados, ajudando a tirar dúvidas das crianças e orientando o passo a
passo de cada atividade. (Sueli).
Cabe destacar que uma das funções do professor é a de ensinar e que faz parte da
atividade de estágio à regência da turma, o que Sueli não pode vivenciar. Por outro lado,
ela pode acompanhar os estudantes com maior proximidade e ajudá-los, o que também
contribuiu para sua formação, embora essa realidade dificilmente acontece no dia a dia
do futuro docente.
Segundo Sueli a escola sempre se prontificou a fornecer-lhe apoio e até
convidaram-na para participar de um curso sobre “Contos de Fada: do poder das
imagens à manipulação de objetos no teatro”, e afirma que “Foram sete horas que me
valeram uma vida, pois acima de tudo o curso desenvolve a paciência e a compreensão.
Paciência e compreensão não são só com alunos, mas para com todos e com nós
mesmos.” O depoimento dela revela a importância de, durante a graduação os
estudantes terem a oportunidade de se inserirem em outros processos de formação para
além do proposto, o que com certeza contribui para a formação dos sujeitos. Esse fato
corrobora com o proposto por Garcia (1999), pois ao se integrar no processo de
formação o estudante irá construir novos conhecimentos que irão contribuir para a
constituição de sua identidade.
Reconhecimento da experiência vivenciada
Destaca-se no relatório de Sueli o depoimento no qual afirma que os estudantes
também a ensinaram muito: “Sempre tive em cada criança um ser humano que aprende
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e ensina, e eles me ensinaram muito (...)” e que também ela contribuiu para a formação
deles: “Foi tão bom e gratificante saber que de alguma maneira eu contribui para o
aprendizado deles e eles para o meu aprendizado.”
Norma também destaca a importância dessa troca de saberes com os alunos
(...) acreditamos que esse momento de troca de experiência entre os
professores em formação e os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental
contribuiu com a construção de um profissional mais competente, criativo e
capaz de pensar e repensar a sua prática pedagógica no cotidiano da escola.
(...) juntos e colaborando uns com os outros estabelecendo um círculo de
cultura em torno do processo de alfabetização, o que motivou os alunos e
tornou a experiência cheia de sentidos. (Norma).
Ela afirma, também, que essa troca de saberes contribui para formação de todos
e que isso foi uma descoberta possibilitada pela vivência nos projetos:
(...) descobrimos que professores e alunos são capazes de construir um novo
conhecimento em que ambos descubram que podem aprender e a fazer
juntos, provocando mudanças na metodologia e uso prático das vivências
sociais que permeiam o uso da leitura, da escrita, da cultura, do diálogo, da
contextualização, da colaboração, da reflexão crítica e da cooperação como
sendo os principais recursos da prática alfabetizadora significativa para o
aluno, para o professor e para a sociedade. (Norma).
Para concluir Norma reafirma o que já evidenciamos, a importância do
planejamento, da responsabilidade do profissional e que sua atuação no estágio “(...)
veio reforçar o entendimento de que o planejamento dos trabalhos escolares, assim
como, o engajamento, o comprometimento das partes, são fundamentais na execução
do ato de educar e que as parcerias favorecem as trocas de saberes”.
Para as três estagiárias o conhecimento desenvolvido na universidade foi
fundamental para o seu desempenho.
- Os saberes teóricos dos alunos, provenientes do curso de formação em
pedagogia, foram relacionados com a prática vivenciada. Com certeza, essa
experiência enriqueceu a teoria estudada. (Norma).
- (...) a importância de se ter responsabilidade, com leituras que ela nos
indicou (...) Foi uma tomada de consciência para importância de estar sempre
em constante exercício de aprendizado (...). (Sueli).
- Foram momentos ricos de aprendizagem, onde foi possível interligar a
teoria com a prática. As aulas de estágio presencial colaboraram
significativamente para a realização de um estágio qualitativo, sendo que na
mesma são oportunizados momentos onde são compartilhadas as vivências;
neste mesmo, são recebidas orientações precisas de como executar um
estágio de qualidade, o que auxilia grandiosamente. (Stella).
Destaca-se nos depoimentos das estagiárias a importância da relação teoria e
prática na formação de professores, conforme propõe Pimenta (1997), principalmente
porque foi o primeiro contato que elas tiveram com escola durante a graduação, ou seja,
um primeiro contato que deixou “marcas” e as fez refletir sobre a importância de um
diálogo entre a teoria e prática, entre a universidade e a escola.
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Importante salientar o que aprender com o outro, trocar experiências é papel a
ser desenvolvido no estágio, é integrar-se no processo de aprendizagem (GARCIA,
1999), fundamental para sua formação identitária.
Considerações Finais
A partir dos resultados obtidos percebe-se o quanto fazer uma leitura do
ambiente escolar, conhecer o seu contexto, pode auxiliar o professor a compreender os
sujeitos que nele se relacionam, bem como refletir sobre as situações vivenciadas ao
longo de sua permanência nesse local.
A análise fornece indicativos de que planejar e organizar as atividades a serem
realizadas na sala de aula, bem como adequá-las ao nível intelectual dos estudantes é
um indicativo de formação dessas estagiárias e que muito contribuiu para a formação da
identidade das mesmas, elas foram adquirindo autoconfiança e também aprendendo com
os estudantes.
No que se refere a relação teoria e prática, tão distanciadas em tantas pesquisas
já realizadas, pode-se concluir que as futuras professoras percebem claramente essa
relação e o quanto a teoria está inserida na prática e também o quanto a prática dialoga
com a teoria.
Cabe destacar que nesse processo de formação reconhecer que também se
aprende com os estudantes foi revelado pela pesquisa, pois é na relação com o outro que
se ensina e também se aprende, que se formam concepções, conceitos, valores, crenças,
dentre outros, ou seja, a formação identitária é situada.
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