reflexÕes sobre o consumo do card game: “magic: the

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REFLEXÕES SOBRE O CONSUMO DO CARD GAME: “MAGIC: THE GATHERING” a partir dos depoimentos dos jogadores

Pedro Panhoca da Silva1

ReSUMO

O presente artigo analisa o perfil dos jogadores do card game “Magic: the Gathering”. Seus motivos de seu consumo também foram avaliados, de forma qualitativa e quantitativa, por meio de dados estatísticos recolhidos in loco e questionário respondido voluntariamente por jogadores e fãs do jogo em questão. tais ferramentas foram disseminadas através das comunidades relacionadas ao mesmo nas redes sociais e com a colaboração de lojas virtuais de cultura nerd2. Com isso, entendeu-se melhor como se criam os vínculos a este jogo de cartas, considerado o pioneiro e preferido do público-alvo fiel a este gênero.

Palavras-chave: rpG, Jogos, Estudos do Consumo

ABSTRAcT

This article analyzes the profile of the card game players of “Magic: the Gathering”. Its reasons for consumption were also assessed qualitatively and quantitatively, using statistical data collected on site and questionnaires voluntarily answered by players and fans of it. These tools were disseminaded through the communities related to the game on social networks and with the help of virtual nerd and geek culture stores. Thus, it was better understood how to create bonds to this card game, considered the pioneer and the preferred by its audience, loyal to this genre.

Keywords: RPG, Games, Consumption studies

1 Especialista em Ensino de Português, Literatura e Redação (Ação Educacional Claretiana); Graduado em Letras (UNESP/Assis). E-mail: [email protected] Termo de origem desconhecida utilizado tanto para definir alguém muito dedicado aos estudos, como grande conhecedor de determinado assunto ou até portador de conhecimento acima dos níveis previstos para a idade. É comum relacionar o nerd a jogos de videogame, RPG, seriados de TV, filmes e desenhos animados, mas dificilmente a esportes e ambientes festivos.

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1. O QUE SÃO OS COLLECTIBLE CARD GAMES

os famosos card games são jogos nos quais os participantes criam baralhos de jogo personalizados buscando combinar estrategicamente suas cartas com os seus objetivos. Geralmente, envolvem aritmética, leitura/interpretação, lógica e estratégia. O primeiro jogo intitulado como o precursor do card game, pelo fato de apresentar os conceitos de construção de baralho, foi o The Base Ball Card Game3.

Esses Jogos de Cartas surgiram da fusão deste conceito de cartas de colecionar com os jogos de estratégia. Cada um possui um conjunto de regras próprias, definindo o objetivo dos jogadores, os tipos de cartas existentes a serem usadas, e a forma como elas interferirão no curso do jogo. Cada carta representa um elemento do jogo e possui uma caixa de texto explicativa sobre seu(s) efeito(s) durante a partida, variando muito de jogo para jogo. O mais comum é encontrar o padrão de jogabilidade do pioneiro Magic: the Gathering4 nos demais jogos, no qual cada carta do baralho representa uma magia a ser executada que, de alguma forma, interfere ou interferirá nos planos dos demais jogadores, em busca de seus objetivos. Durante a partida algumas cartas são postas na mesa e representam elementos do jogo. Na maioria deles as cartas simbolizam exércitos/hordas (monstros, guerreiros, criaturas mitológicas), itens mágicos (armas, auras, veículos) e bases de controle (portais, fortalezas, castelos, esconderijos) sob o comando do jogador, funcionando como “Gerenciamento de Recursos”.

Em Magic: the Gathering, por regra, as cartas têm um custo para serem postas na mesa. para pagá-lo há um tipo específico de carta que deve ser colocada em jogo antes e que paga este custo, ou às vezes é necessário um alto preço, como o “sacrifício” de itens que se controla (os quais podem ser “artefatos” (objetos e armas para os monstros que o jogador controla), “encantamentos” (mágicas permanentes que o jogador controla), “criaturas” (os monstros que compõem uma espécie de exército do jogador), “terrenos” (lugares que facilitam a entrada das cartas das mãos do jogador para a sua mesa) quando não com parte dos próprios “pontos de vida” (contadores que ilustram as chances do jogador sobreviver até o final da partida) que o jogador possui.

Outra característica em comum nos diversos jogos dessa tipologia são as estampas ilustrativas referentes ao tema do jogo, altamente desejadas e procuradas, sendo um dos maiores atrativos de todos os card games.

3 Criado pela empresa americana The Allegheny Card Company e registrado em 05 de Abril de 1904, mas nunca publicado oficialmente ou comercializado ao público. 4 Magic: the Gathering é um jogo de estratégia no qual os jogadores utilizam um baralho (chamado de deck) de cartas construído de acordo com o seu modo individual de jogo a fim de vencer o baralho de seu(s) adversário(s). Criado por Richard Garfield no ano de 1993 e comercializado pela Wizard of the Coast, a qual detém a patente da marca, é considerado o pioneiro dos CCGs (collectible card games, ou Jogos de Cartas Colecionáveis). Todo o seu acervo de cartas pode ser visualizado em diversos buscadores e lojas virtuais sobre o jogo, como por exemplo o site http://www.findmagiccards.com/.

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Diferente dos clássicos jogos de tabuleiro como Jogo da Vida, War, Banco Imobiliário, entre outros, os card games dificilmente param na primeira edição de seu produto. Continuam com expansões, atualizações, mudanças de layout, a fim de criar novas regras, cartas e produtos. Tal novidade logo “roubou” muitos fãs do RPG de livros5, de tabuleiro6 ou Live-Action7, embora muitos continuassem jogando o RPG simultaneamente. Eliminava-se, assim, o peso de se transportar volumosos livros e enormes tabuleiros.

Após o sucesso comercial de Magic: The Gathering são lançados anualmente dezenas de jogos. Este, assim como outros card games, surgiu de uma ideia de facilitar os já consagrados rpGs e torná-lo mais dinâmico, simples e fácil de ser transportado. Como foi o pioneiro dos CCGs (sigla comumente utilizada para Collectible Card Games), carrega a fama de ser o CCG “clássico” e o mais jogado dentre todos os outros8. para se jogar Magic: the Gathering, assim como muitos outros jogos, basta apenas cada jogador ter o seu próprio baralho. Nele, jogadores adultos “voltam” a ser jovens e vice-versa, uma verdadeira troca de estágios da vida momentaneamente (BarBEr, 2009, p. 16). o importante é ser cool, palavra amplamente buscada e usada pelos jovens, “... o que se espera que os adolescentes sejam e tenham e que os adultos não sejam e não possam ter” (BarBEr, 2009, p. 384).

1.1 Um pouco sobre o consumo

analisando os processos sociais como um todo, passou-se a compreender o consumo (liMa, 2010, p. 23). Foi percebido que

...em sua mais recente fase de consumo, o capitalismo, preocupado em vender bens a clientes que podem não precisar nem desejar o que está à venda, não é bem servido pelas formas de identidades contidas no etos protestante nem pelas políticas de identidade cultural dos últimos 40 anos. Com isso, o consumismo se ligou a uma nova identidade política, na qual o próprio negócio desempenha um papel de forjar identidades que levem a comprar e a vender. Aqui, a identidade tornou-se um reflexo de “estilos de vida” intimamente associados a marcar comerciais e aos produtos que elas rotulam, bem como a atitudes e comportamentos ligados a onde

5 Abreviação de Role-Playing Game, pode ser traduzido como “jogo de interpretação de personagens”, no qual os jogadores interpretam papéis ou representam personagens em busca de um objetivo em comum através de narrativas, podendo improvisar sempre que desejarem. Seguem-se regras pré-determinadas e o uso de dados é constantemente feito para se determinar o (in)sucesso das ações dos mesmos. Essas determinam a direção que o jogo tomará.6 os primeiros a surgir nessa modalidade foram o Chainmail (1971) e o Dungeons & Dragons (1974). os manuais originais podem ser encontrados em https://www.dropbox.com/sh/1fkky7e0iuyx35u/0ivIzbM6yB 7 Modo de RPG mais próximo do teatro e do psicodrama, pois nele as ações extrapolam a mesa de jogo e o tabuleiro e são encenados pelos jogadores8 Magic: the Gathering foi também o primeiro card game a constar no hall da fama, e possui milhões de jogadores em todo o mundo. Os outros jogos podem ser conhecidos em http://www.gamesmagazine-online.com/gameslinks/hallofame.html

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compramos, como compramos e o que comemos, vestimos e consumimos. Estes atributos, por sua vez, estão associados à renda, classe e outras forças econômicas que podem parecer permitir escolhas, mas que na verdade são determinadas largamente pela demografia e pela socioeconomia, e estão além do controle de consumidores individuais. No fim das contas, essa profunda comercialização da identidade responde ao etos infantilista e o reflete de maneiras significativas. Como as identidades comerciais tendem a ser simplistas e heteronômicas (determinadas a partir de fora), bem como associadas à celebridade e aos caprichos (“Quero ser um pop star!”), elas reforçam o etos infantilista, minando a ação, a comunidade e a democracia (BarBEr, 2009, p.190)

Mesmo sendo presas mais fáceis para o consumo, o público infantil que ingressa no jogo precisa ter a orientação dos adultos sobre o “vício” que podem adquirir, e não serem proibidos ou não de jogarem, pois “...são os menos complicados. São os que têm menos e, portanto, os que querem mais. Consequentemente, estão numa posição perfeita para ser apanhados” (BARBER, 2009, p. 41). Este vício reflete muito o comportamento do consumidor:

“...mesmo sem evocá-lo, podemos atribuir ao mercado de consumo uma ambição de associar cada necessidade humana natural a um produto comercial artificial, de modo que, para a necessidade ser satisfeita, o produto precisa ser comprado. O objetivo é um vício baseado no produto, dia e noite (onipresença é sinônimo de vício)” (BARBER, 2009, p. 267).

Com isso, “... todo estado mental e emocional exige um facilitador comercial, de preferência que possa alimentar a dependência” (BarBEr, 2009, p. 267). aqui, nada pode ser imposto ao jovem iniciante, seja para iniciar e permanecer na esfera consumista por muito tempo seja para renegar seu prazer no jogar e no colecionar, e sim convidá-lo para uma reflexão sobre o que se pretende fazer com e no card game, pois o vício não é tratado como patologia a ser sanada, mas sim, para a esfera consumista, “... uma ambição industrial pedindo reforço” (BARBER, 2009, p. 269), além do mesmo poder isolar o consumidor do seu ciclo de amizades para manter, quando seu contato com o jogo chega num ponto doentio visto e analisado por pessoas de fora desta realidade. Estes, normalmente fazem dívidas, sentem medo de retaliação dos pais ou cônjuges e procuram esconder seu comportamento, e, aos que estão ligados diretamente a tais consumidores, a vida se torna assustadora e imprevisível, crescendo um sentimento de inutilidade e caos (BARBER, 2009, p. 271)

Para se entender tal consumo numa escala mais ampla, segundo Max Weber e Colin Campbell, deve-se não só se concentrar nas motivações que levam os homens a consumir, mas considerar, também, como se desenvolvem e se modificam seus desejos e gostos (LIMA, 2010, p. 35). Como muitas vezes não conhecemos a intranquilidade frequente e a insatisfação generalizada dos jovens, principalmente das crianças, ficamos incapazes de liderarmo-nas e acabamos por culpar a indústria do consumo, gerando o estresse familiar e escolar (paiVa, 2009, p. 41-42).

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2. METODOLOGIA

Para este estudo foi usado o método de Estudo de Casos sobre o consumo do card game Magic: the Gathering. É importante salientar que o método é um conjunto de processos que conduzem a investigação. Parte de uma realidade e segue procedimentos (OLIVEIRA, 1999; FACHIN, 2001) que culminam respondendo ao objetivo do trabalho ou investigação.

Para esses procedimentos o estudo partiu do universo de jogadores desta modalidade de card game. A amostra foi intencional e captada em locais previamente escolhidos através de chamadas nas quais os jogadores foram convidados a participar.

O consumo em estudo foi caracterizado através de um questionário eletrônico disponível em: <https://goo.gl/Sgoc1y>. Suas perguntas semiestruturadas e abertas sugeriram que o respondente discorresse livremente sobre os assuntos. Esses depoimentos livres criaram uma base complexa de ideias que foram absorvidas nos resultados e também para enriquecer a discussão e aprofundar o conhecimento sobre o mundo dos jogadores e o consumo das cartas.

O questionário foi divulgado nos grupos fechados sobre Magic: the Gathering, nas redes sociais e também nas lojas especializadas no gênero RPG/card game9. os respondentes aderiram ao trabalho por livre vontade e responderam as questões sem direcionamento ou impedimentos do site (SALVATORE, 2010) ficando livres para responderem o que tiveram vontade de responder.

Quanto à profundidade ou natureza da experiência, para Robert E. Stake (In DENZIN e LINCOLN, 2001) o que é condenado no método é justamente o aspecto mais interessante de sua natureza: ele está epistemologicamente em harmonia com a experiência daqueles que com ele estão envolvidos e, portanto, para essas pessoas constitui-se numa base natural para generalização. isto é especialmente importante na área de ciências sociais e sociais aplicadas nas quais os estudos estão fundamentados na relação entre a profundidade e tipo da experiência vivida, a expressão desta experiência e a compreensão da mesma (MYLÉNE e MAYER, 2010).

Procurou-se explorar a vivência dos inquiridos em relação aos jogos a serem investigados, o conhecimento que se pretende alcançar e a possibilidade de generalização de estudos a partir do método.

A elaboração do questionário seguiu um roteiro formulado através da revisão de literatura e foi complementado após conversas com jogadores e pela vivência do autor desse artigo nesses jogos.

9 a comunidade Magic: the Gathering Brasil do facebook (disponível em https://www.facebook.com/groups/magicthegatheringbrasil/?fref=ts) e a ajuda das lojas Jambô (http://jamboeditora.com.br/) e Magichouse (http://www.magichouse.com.br/) atuaram na divulgação do questionário.

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Os conceitos e bases teóricas se pautaram na literatura referente a história dos jogos, consumo e comportamento de jogadores, mas também em revistas e manuais da literatura técnica especializada e revistas de recreação10.

3. RESULTADOS

Foram obtidos 129 questionários respondidos durante o período em que este esteve on-line. Pude observar que as idades dos respondentes variaram entre 15 e 55 anos, mas 80% tinham idade entre 16 e 25 anos, sendo que a concentração máxima de jogadores foi na faixa etária de 20 a 24 anos que compôs 50% dos jogadores. a maioria deles, 86%, era solteira.

Declararam-se estudantes 39%, sendo que 56% destes não possuíam renda e outros 27% indicaram rendas de até R$ 1.000,00. Dos não estudantes, 47% ganharam mais do que R$ 1.500,00 mensais. Quanto ao grau de instrução 35% declarou cursar Ensino Fundamental e 62% Ensino Superior.

Os dois jogadores mais antigos, que começaram a jogar em 1993 e 1994, têm hoje, ano de 2016, respectivamente, 57 e 54 anos, sendo ambos casados.

81% aprenderam a jogar com os amigos e os demais compraram os seus decks (como são conhecidos, pelos jogadores, os baralhos de jogo) e aprenderam sozinhos com leituras e tutoriais. A maioria prioriza a própria casa e a dos amigos para as partidas, sendo que apenas 17% disseram jogar mais em lojas especializadas e em campeonatos do que em casa própria ou de amigos.

Quanto ao momento (quando você joga?) 67% relataram jogar depois do término da aula e/ou trabalho, 28% jogavam apenas nos finais de semana. Quanto à frequência 21% jogavam diariamente e outros 64% semanalmente. os demais, esporadicamente. Costumam jogar de 5 a 10 partidas, sendo que afirmam que uma partida dura em torno de 20 minutos à uma hora.

Sobre a intenção de parar de jogar, 71% dos respondentes não pretendiam parar. Quanto aos possíveis motivos que levaram ou poderiam levar os jogadores a pararem de jogar, apareceram citados os altos preços (59%), a falta de tempo (33%) e a falta de acompanhamento dos lançamentos de novas cartas e edições (18%).

apenas seis jogadores não compraram as suas cartas, os demais compraram em lojas especializadas e 67% destes também acessaram lojas virtuais. No momento da compra quase

10 Um vasto acervo pode ser encontrado no site https://boardgamegeek.com/wiki/page/Game_Magazines

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todos foram atraídos pelas habilidades das cartas, mas 47% também foram atraídos por suas ilustrações, e 18% além das anteriores, observaram sua raridade.

para disputas de campeonatos 50% dos jogadores declararam possuir somente um ou dois decks, e outros 29% afirmaram que possuem até no máximo quatro decks.

Encontrou-se que 10% dos jogadores possuíam mais de 10.000 cartas - um deles possui mais do que 100.000 cartas -, apenas 42% dos jogadores possuíam menos que 1.000 cartas, e 50%, de 1.000 a 10.000.

foram preferidos os formatos Mirrodin11 por 40% dos jogadores, o Clássico12 1993 – 2003 por 35% e para 24% deles não existem preferências por tipo.

Sobre os jogos virtuais (online), apenas 19% comprou cartas para serem usadas exclusivamente na Magiconline13.

61% acharam que os recursos virtuais como Magic Workstation14, Magiconline e Ligamagic15 estimulam o jogo presencial; 21% declararam que esses recursos não interferem e os demais acham que são outro tipo de jogo. Somente um jogador acha que desestimula.

Quanto à memorabilia16, a maioria dos respondentes (51%) possui mais do que três itens dos inúmeros listados.

Sobre as dificuldades para jogar que os levaria a abandonar o jogo, 65% consideraram os altos preços, 16% citaram que seria melhor se reeditassem na íntegra os formatos antigos e 30% reclamaram da falta de tempo que dispõem para os jogos, ou seja, as ameaças vêm do próprio jogo.

no que se refere ao interesse por outros card games, 19% não tiveram interesse, enquanto os demais demonstraram interesses em mais de um jogo, preferencialmente Pokemon17 e Yu-gi-

11 Expansão do jogo a qual introduziu um novo design nas cartas do jogo. Mais sobre esta expansão disponível em http://magic.wizards.com/pt-br/game-info/products/card-set-archive/mirrodin e no buscador http://findmagiccards.com/Category/Collectible-Card-Games/Magic-the-Gathering/Singles/Mirrodin.html. 12 Todas as expansões anteriores a Mirrodin, as quais possuíam o mesmo design desde o início do jogo, com poucas variações de claridade nas imagens das cartas. Um bom exemplo pode ser visualizado em http://www.abugames.com/Magic_the_Gathering_Edition_Guide.html. 13 Plataforma online do jogo. Informações sobre o seu funcionamento disponíveis no site https://accounts.onlinegaming.wizards.com/AccountSignUp.aspx. 14 Software que auxilia o jogador a pensar na construção dos baralhos para jogo, além de lhe proporcionar testes online de jogos. Informações mais detalhadas sobre o seu funcionamento disponíveis no site http://www.magicworkstation.com/. 15 Site sobre o jogo no qual há o “comércio” de cartas de jogo entre os jogadores, organização de torneios online e discussões sobre assuntos do jogo. Seu endereço eletrônico é http://www.ligamagic.com.br/. 16 Itens dignos de serem guardados como lembrança ou memória.17 Card Game baseado na série de desenho animado Pokemon. o jogo representa um duelo entre dois adversários os quais desempenham a função de treinadores de Pokémon (criaturas similares a animais) concorrentes. A meta é vencer os Pokémon do adversário com os seus próprios. Mais informações sobre este jogo disponíveis em http://www.copag.com.br/pokemon/como-jogar/ e as regras completas em http://copag.com.br/pokemon/regras/Regras.pdf.

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oh18.

Dois jogadores chegaram a sugerir interessantes fórmulas para que um jogo fosse mais completo (possivelmente “perfeito”) para um card game: “Sim, um (jogo) que seja simples e competitivo e que não queira só ganhar dinheiro”, “precisaria ser muito inovador e rústico (o respondente não foi claro) ao mesmo tempo”, “oferecer atrativos além de simplesmente o jogo, como propaganda, desenhos animados, romances sobre a trama do mesmo, etc.”

Alguns mais esperançosos afirmaram que alguns jogos poderiam ser mais bem sucedidos que o Magic: the Gathering e serem sérias ameaças ao “império” do mesmo: “Sim, Vampire: the Eternal Struggle. Os jogadores são mais velhos e estáveis financeiramente, gastam mais dinheiro porque podem”, embora o mesmo respondente reconheça que “(...) porém, o jogo parou de ser reproduzido”. Um outro respondente sugeriu o “Spellfire, se a Wizard of the Coast não tivesse comprado a TSR (Tactical Studies Rules Inc., uma das principais empresas de jogos de rpG que funcionou entre os anos 1975 e 1999), seria um forte candidato”. os mais recentes Heartstone e Selene the Fantasy, ambos num formato impresso ou no próprio virtual, por serem jogos de computador em plena ascensão e aceitação de público, mesmo que muitos afirmaram ser um jogo paralelo que não influencia o Magic: the Gathering diretamente. Poderiam também ser ameaças ao “pai dos card games” (como o Magic: the Gathering é conhecido pelos seus fãs), mas os mesmos que levantaram tal hipótese também reconheceram que a superação não acontecerá. Pokémon e Yugioh, por causa de suas séries animadas, grandes propagandas através dos desenhos e pela simplicidade de jogo (no Japão, por exemplo, Pokémon rivaliza a primeira posição de card game mais vendido e querido pelo público ao lado do Magic: the Gathering, muitas vezes até o superando). Porém, os mesmos respondentes que ofereceram as soluções e nos dão exemplos de card games “ameaçadores” reconheceram que, se acaso o sucesso realmente viesse, com o tempo o bem-sucedido card game passaria a ficar em segundo plano, superado, novamente, pelo Magic: the Gathering, devido ao já consolidado mercado e fidelidade de seus consumidores.

O jogo passou por várias mudanças para se manter atraente e inovador ao seu público? A maioria das respostas foi afirmativa. Muitos afirmaram que isso não interfere na temática do jogo, que antes era separado por “cores” e agora por “guildas”, aumentando as combinações possíveis entre baralhos e dinâmicas de jogo. O depoimento deste jogador explicou bem esta grande mudança no jogo:

“Acirrou a rivalidade, dando nome a suas cores e um líder que o representa no card game. Cada líder tem sua guilda antagônica (ou guildas, como por exemplo, Rakdos: ele não tem inimigo declarado, todos são inimigos caso se coloquem no caminho da diversão destrutiva). As guildas são um reflexo da personalidade “ingame” dos

18 Card Game baseado na série de desenho animado Yu-gi-oh. O jogo consiste na invocação de monstros e ativação de magias e armadilhas, o que lembra muito o card game Pokemon. Mais informações sobre este jogo disponíveis e suas regras completas em http://regras.net/jogo-yu-gi-oh/.

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jogadores (não é à toa que citei Rakdos)”.

Ou ainda “o jogo não se baseia mais em combinar cores e habilidades de cartas, pois agora as pessoas podem combinar habilidades específicas de determinadas guildas e também o jogo se torna mais divertido tendo duelos entre guildas nas partidas”.

Alguns até arriscaram adivinhar as intenções desta mudança: “Sim. A inserção de metagames (ações ou estratégias utilizadas em um jogo, que vai além das regras pré-estabelecidas, influenciando a disputa da partida) estimula cada vez mais a participar do jogo não apenas como jogo em si, mas como parte de uma história, integrada aos efeitos das cartas.”

Os seguintes e empolgados depoimentos confirmaram esta admiração: “É como se fizéssemos parte dela, e lutamos por ela, nos tornamos um personagem ativo da história de Ravnica (expansão do jogo preferida entre muitos dos entrevistados exatamente pela aparição oficial das “Guildas”)”, “Acredito que quanto maior for a ligação do público com as estórias internas dos jogos maior será o interesse pelas cartas”, “você pode gostar de uma guilda como gosta de um time de futebol”, “as guildas permitiram a identificação de cada jogador com suas cores e combinações de cores favoritas”.

Acrescenta-se, também, outras temáticas como as “tribos” das expansões19 Investida20 e Lorwyn21, a criação dos “planinautas”22 e a disponibilização das revistas em quadrinhos do jogo23. todas estas criações podem ter favorecido a entrada de novos players, porém tal questão não foi aqui mencionada (apenas um jogador acrescentou esta questão). o certo é que a expansão Ravnica: Cidade das Guildas, responsável pela criação das mesmas, facilitou muito a inserção de neófitos: “O que é interessante é que cada uma tem uma habilidade única e que dá para ser combinada com outras guildas. Isso torna o jogo mais fácil para pessoas novatas que querem montar um deck base”.

19 Como são conhecidas as edições do jogo posteriores à inicial ou a uma edição principal de uma sequência, as quais dão continuidade para que o jogo não acabe e sempre proporcione novidades aos fãs.20 Seria preciso obter mais informação por parte do informante, pois “Investida” (Onslaught, em inglês) pode ser tanto a expansão do jogo a qual introduziu o bloco “Investida” ou seu bloco inteiro, composto por três expansões (Investida [Onslaught], legiões [Legions] e flagelo [Scourge]), cuja duração ocorreu entre os anos 2002 e 2003. informações mais completas podem ser encontradas em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Onslaught (sobre a expansão), em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Onslaught_block (sobre o bloco completo) e em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Onslaught_Cycle (sobre o romance do enredo).21 Seria preciso obter mais informação por parte do informante, pois “Lorwyn” (idem em inglês), pode tanto ser a expansão do jogo a qual introduziu o bloco “Lorwyn” ou seu bloco completo, composto por duas expansões (Lorwyn [Lorwyn] e alvorecer [Morningtide]), cuja duração ocorreu entre os anos 2007 e 2008. Informações mais completas sobre esse bloco podem ser encontradas em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Lorwyn (sobre a expansão), http://mtgsalvation.gamepedia.com/Lorwyn%E2%80%93Shadowmoor_block#Lorwyn_block em (sobre o bloco completo) e em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Lorwyn_Cycle (sobre o romance do enredo).22 tradução para o português de planeswalker, são magos poderosos que podem viajar através dos planos da existência. No jogo, funcionam como fortes aliados do jogador contra seu(s) oponente(s). Mais informações em http://www.guiamagic.com.br/planeswalker-planinauta/ 23 Algumas das histórias em quadrinhos podem ser lidas gratuitamente do site http://tavernadosapopapao.blogspot.com.br/2011/06/quadrinhos-magic-gathering.html ou mesmo adquiridas em segunda mão em sites de vendas online.

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Sobre qual(is) seria(m) a(s) edição(ões) favorita(s) dos entrevistados, as respostas variaram demais, mas as principais entre os entrevistados foram Ravnica: Cidade das Guildas (justamente por causa das Guildas), Theros24 (é notório como a imponência e admiração da cultura Greco-romana ainda funcionam bem como atrativo de jogos), Lorwyn e Zendikar25 pela introdução de outra dinâmica de jogo, usando criaturas fortes como os Eldrazi26 e os Planeswalkers. Existe tanto a preferência por cartas pelo seu uso em jogo como pelas ilustrações das mesmas.

a maioria dos respondentes demonstrou possuir um afeto pela(s) edição(ões) a(s) qual(is) foi(ram) a(s) primeira(s) utilizada para o jogo, usada(s) para a construção de seus primeiros decks ou coleções, com variados motivos e histórias sobre as mesmas. O mesmo vale para a(s) carta(s) preferida(s) de cada respondente.

Os respondentes se definiram como:

5 % Colecionador8 % ex-jogador31 % Jogador13 % jogador competitivo9 % jogador competitivo/colecionador34 % jogador/colecionador

Supondo que alguém tenha seu(s) deck(s) prontos e está satisfeito com sua coleção particular, o que será que o motiva a continuar comprando mais cartas? As respostas foram sempre conjugadas de desejos e muitas não conseguiram exprimir corretamente o porquê, mas 72% expressaram querer melhorar os seus decks, 67% aumentar o número de cartas e 60% atualizarem-se. Os próximos depoimentos ilustram melhor essas ideias: “melhorar meus decks/aumentar a coleção, estocar cartas de troca, curiosidade para saber como serão as cartas das novas edições”; “melhorar meus decks/aumentar a coleção, não sei por que, mas continuo comprando”; “não teria interesse uma vez que minha coleção/deck me satisfaz”.

Em relação à compra avulsa (visando obter uma carta específica), 35 jogadores pagaram

24 Seria preciso obter mais informação por parte do informante, pois “Theros” (idem em inglês), pode tanto ser a expansão do jogo a qual introduziu o bloco “Theros” ou seu bloco completo, composto por três expansões (Theros [Theros], nascidos dos deuses [Born of the Gods] e Viagem para Nyx [Journey to Nyx]), cuja duração ocorreu entre os anos 2013 e 2014. informações mais completas sobre esse bloco podem ser encontradas em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Theros (sobre a expansão), http://mtgsalvation.gamepedia.com/Theros_block em (sobre o bloco completo) e em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Magic:_The_Gathering_-_Theros (sobre os quadrinhos do enredo).25 Seria preciso obter mais informação por parte do informante, pois “Zendikar” (idem em inglês) pode tanto ser a expansão do jogo a qual introduziu o bloco “Batalha por Zendikar” ou seu bloco completo, composto por três expansões (Zendikar [Zendikar], despertar do Mundo [Worldwake] e Ascensão dos Eldrazi [Rise of the Eldrazi]), cuja duração ocorreu entre os anos 2009 e 2010. Informações mais completas sobre esse bloco podem ser encontradas em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Zendikar (sobre a expansão), http://mtgsalvation.gamepedia.com/Zendikar_block em (sobre o bloco completo) e em http://mtgsalvation.gamepedia.com/Zendikar:_In_the_Teeth_of_Akoum (sobre o romance do enredo).26 De natureza incompreensível, são colossais criaturas sem estrutura física definida cujo sentido de existência é devorar a energia de qualquer plano que encontrarem, dentre os muitos que transitam. Mais informações em http://mtgvortex.blogspot.com.br/2010/03/eldrazi-arisen.html

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mais do que r$ 50,00 por apenas uma carta e sete pagaram mais do que r$ 500,00 por uma unidade. Um comprador relatou ter pagado U$ 330,00 numa única carta e outro, o impensável valor de r$ 12.000,00 por uma verdadeira preciosidade.

Ainda falando sobre os gastos financeiros com o jogo, obteve-se uma separarão dos jogadores/compradores em cinco grupos diferentes, no que diz respeito ao total de gastos acumulados por eles (aproximadamente) até o dia do preenchimento do formulário:

4 % alguns reais46 % centenas de reais1 % centenas de reais, milhares de reais5 % dezenas de reais

44 % milhares de reais

Fechando o questionário, a pergunta mais crítica foi sobre se valeu a pena ter gastado todo esse acumulado de reais no jogo, e apenas sete entrevistados se arrependeram (sendo que dois destes apenas se arrependeram de terem gastado em cartas erradas, mas que comprariam as cartas certas se pudessem voltar atrás).

3.2 Perfil dos seus jogadores

Quando os card games foram analisados em geral, o público-geral consumidor variou entre 6-24 anos sendo a maioria esmagadora os homens. Em sua maioria, também, possuem certo respeito e carinho pelas lojas especializadas em seus card games preferidos, tornando-se fiéis aos seus vendedores, bem como ilustradores e designers de suas cartas preferidas. Muitos topariam trabalhar por pouco ou até de graça como playtesters (jogadores contratados para testar um novo jogo a ser lançado no mercado), divulgadores, produtores, entre outras atividades ou cargos relacionados apenas pelo prazer de serem mais envolvidos no(s) jogo(s) que ama(m) (SUJARITTANONTA e WALSH, 2013, p. 794). Muitos deles são solteiros, o que facilita a criação de laços com o jogo devido a uma maior ausência de responsabilidades matrimoniais e/ou paternais, o que é bom para o consumo (BARBER, 2009, p.182).

De acordo com Mizuki Sakamto, Todorka Alexandrova e Tatsuo Nakajima, os jogadores dos TCG (Trading Card Games, sigla também usada para os jogos de cartas colecionáveis, uma variante do CCG – Collectible Card Games) tendem a se enquadrar em três categorias: aqueles que se afastam das pessoas (dedicam-se às suas coleções particulares de cartas dando-lhes valores vitais e tendem a se autossatisfazerem em seus espaços reclusos), aqueles que

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interagem com pessoas (procuram fazer amizades com os parceiros de jogo através do mesmo, e obtêm sua satisfação juntamente aos parceiros) e aqueles que são contra as pessoas (jogam agressivamente desejando destacarem-se como os melhores jogadores, buscando a satisfação própria pela fama e respeito que impõem sobre os demais jogadores) (p. 350). Geralmente, o primeiro tipo de jogador tende a ter uma paixão muito forte pelas cartas impressas, e se diverte fazendo grandes e exclusivas coleções delas, desprezando o jogo virtual, pois colecionar cartas digitais tende a ser muito monótono. Já o segundo tipo de jogador tende a utilizar as duas formas de jogo para interagir com outros jogadores, virtual ou fisicamente, embora o contato presencial entre dois ou mais players seja importante para se manter um bom canal de comunicação durante o jogo (às vezes até presenteiam novos jogadores com cartas e baralhos completos que sobraram de seus próprios para introduzi-los mais rápido no jogo), além de muitos levarem suas coleções em seus fichários personalizados e oficiais nas mesas de jogo, seja para trocá-las ou apenas expô-las por pura ostentação (WILLIAMS, 2006, p. 92). Desta forma, confirma-se o que trocar objetos sob a forma de presentes são atividades existentes em todas as sociedades cuja importância teórica foi muito grande (LIMA, 2010, p.9). Os jogadores que continuam a jogar amistosamente e pelo menos uma vez por semana, quando vistos e conhecidos por outros ex-jogadores (geralmente estes abriram mão do jogo ao entrarem para a vida acadêmica), tendem, involuntariamente, a incentivar o retorno dos ex-jogadores aos duelos (WILLIAMS, 2006, p. 90). Por sua vez, o terceiro tipo joga para ganhar campeonatos, como um profissional, não tolera erros e tende a ser hipercompetitivo, gloriando-se cada vez mais quanto melhor e mais conhecido for seu oponente por ele vencido, tanto no meio físico como no virtual (p. 352), geralmente menosprezando os novatos através de seus decks “apelões” com múltiplos e quase infinitos combos de jogo (p. 94). É muito comum estes jogadores mais velhos e mais profissionais serem desprezados pelos jogadores “inautênticos”, pois segundo estes os profissionais não têm o mérito de serem habilidosos por capacidade própria, e sim um amontoado de caras e poderosas cartas juntas (WILLIAMS, 2006, p. 95)

devido às alterações culturais na vida destes jovens, estas

“... possuem, em nossa contemporaneidade, um alcance global que transcende os grupos, as classes sociais e as nações, repercutindo de maneira decisiva na qualidade da vida urbana, na experiência do tempo e do espaço, assim como na construção de nossa própria identidade” (SEVERIANO e ESTRAMIANA, 2006, p.38)

Quanto ao compromisso com outras questões, os jogadores são e reconhecem ser mais reclusos do

que extrovertidos, não têm o costume de divulgar amplamente que jogam, mas não aceitam serem chamados de antissociais, pois os encontros para a jogatina constituem uma forma de socialização, mesmo que para um grupo restrito de integrantes. Eles aceitariam jogadores novos nas mesas, e até gostam, para acirrar a disputa pelas melhores posições nos grupos.

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Alguns têm receio de jogar com quem não conhecem, como em qualquer outro jogo, então combinam previamente com outros conhecidos como realizar os jogos da melhor forma possível: se todos jogarão com baralhos fracos, se disputarão com os melhores de cada, se farão duelos, individuais ou coletivos, equilibrados, tudo isso de forma a garantir o deleite que o jogo lhes oferece.

de acordo com SEVEriano e EStraMiana,

“...vale ressaltar que os hábitos de consumo e estilos de vida globalizados, pelos quais as pessoas se identificam como pertencentes a distintos grupos sociais, estão logicamente enraizados nas condições materiais de existência. (...) Por esse motivo, é relevante destacar a importância dessas novas categorias de diferenciação social baseadas nas preferências de consumo, dado que é por meio da adoção de um “estilo de vida” e da utilização de determinados serviços que atualmente se legitima a distância entre as classes sociais. Ao mesmo tempo,essas novas categorias constituem elementos-chave para a compreensão das subjetividades contemporâneas”. (SEVEriano e EStraMiana, 2006, p.66-67)

Com isso, afirma-se que a identidade humana passa a ser não resultado das interações humanas, mas das interações mercantis (SEVERIANO e ESTRAMIANA, 2006, p.67), pois esta “personificação” torna o consumo mais intenso, atrelando a identidade do indivíduo ao seu modo de consumir (SEVEriano e EStraMiana, 2006, p.73). durante os jogos, parece que há uma dupla identidade em cada jogador, pois ao mesmo tempo em que o materialismo do jogo é importante, se não houver interação humana, o jogo passa a ser mera coleção. Não foi detectado, nesta pesquisa, o jogar por puro interesse ou segunda intenção.

Não há, aqui, a noção de bom ou mau gosto. Os jogadores respeitam todos os tipos de baralho e estratégias, fazendo infinitas combinações com as seis cores de suas “mágicas” (verde, azul, branco, preto, vermelho e incolor) em seus baralhos de jogo que podem (ou não) dar certo. Muito mais importante, aqui, é valorizar se o baralho funciona (“joga bem”) ou não (“joga mal”).

4. CONCLUSÃO

as crianças são os primeiros interessados nos card games, e os mais vulneráveis, mas à medida que eles se envolvem e se encantam com as estratégias ampliam o seu rol de amizades em torno do jogo e acabam por fixar o consumo e carregar consigo esse hábito para a idade adulta.

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É importante se reconhecer que os pais não conhecem o jogo e são induzidos pelos filhos à compra. Mas o jogador tem consciência dos conteúdos, mesmo que ainda criança e, à medida que alcança autonomia financeira, esse consumo se torna mais consciente, indo do impulsivo/compulsivo ao consumo consciente e planejado.

o jogador adulto compra cards buscando o aperfeiçoamento do jogo sem se afastar do prazer da brincadeira e, portanto, volta de algum modo à infância. Pode-se então enxergar o consumo do Card Game “Magic: The Gathering” como um ato lúdico e ligado a uma grande fonte de prazer tanto para a criança como para o adulto. Os jogadores costumam comprar muitas cartas, chegando a ser relatada uma impensável quantidade de 100.000 cartas concentradas em um único jogador. Esses jogadores compram independentemente de seus rendimentos e continuam jogando até idades adultas.

os consumidores de Magic: The Gathering retornam à infância não somente em termos lúdicos, mas também sociais, talvez atenuando os pesares de suas rotinas e seus problemas reais substituindo-os, mesmo que por alguns momentos, pela fantasia e inocência.

Desejamos ser parte deste consumo, pois, sendo-o, passamos a fazer parte da “casta” consumidora, que passa a nos definir e confirmar o ditado que “somos o que consumimos”, ou “somos o que tentamos ser” (BETTS apud ZILIOTTO, 2003, p.98). Mesmo sabendo que consumimos algo ilusório, agimos como se não soubéssemos de tanto que gostamos daquilo (FONTENELLE apud ZILIOTTO, 2003, p.106). Este consumo “... não significa tirar prazer da brincadeira da criança, mas tirar lucro do prazer da criança. Porque simples prazeres envolvem grandes lucros”. (BarBEr, 2009, p. 113)

Não foi defendido que todos os seres são obrigados a participar de jogos. Estes são, antes de tudo, voluntários, potenciais a quem por eles se interessarem. porém é no jogo no qual muitas vezes encontra-se a liberdade. “(...) As crianças e os animais brincam porque gostam de brincar, e é precisamente em tal fato que reside sua liberdade” (HUIZINGA, 2012). Tais participantes, quando sentem o prazer no jogo e seus momentos de liberdade nele embutidos, passam a perceber uma necessidade de praticá-lo, geralmente no ócio, podendo até adiá-lo ou suspendê-lo (muito a contragosto), mas normalmente o tornando um paradoxo de seriedade e diversão. A partir do ponto que o mesmo se torna função cultural reconhecida, pode ser classificado como um culto ou um ritual. Pouco se consegue distinguir entre um culto sagrado e um culto de jogo, tamanha a dedicação e lealdade aos mesmos. Além de ser parecido com cerimônias religiosas, estranhamente parece-se com festa, pois esta possui aquele caráter de independência primeira e absoluta que se atribui ao jogo (KERÉNYI apud HUIZINGA, 2012). As relações mais estreitas são percebidas, implicando a eliminação temporária da vida quotidiana por meio de regras que criam uma complexa “liberdade regida por regras”. (HUIZINGA, 2012)

De qualquer forma, para quem for contra qualquer tipo de consumo deve recorrer à mobilização

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social. Outra possibilidade é aplicar nas salas de aula conferências imparciais sobre marketing, as quais proporiam uma reflexão sobre o consumo do jovem em relação a determinado(s) produto(s).

REFERÊNCIAS

BarBEr, B. r. Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. rio de Janeiro: record, 2009. 476 p.

HUiZinGa, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2012. 7º ed. 256 p. (Estudos 4)

JaCCoUnd, M.; MaYEr, r. A observação direta e a pesquisa qualitativa. in: (vários). a pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes, 2010. Sociologias. n. 22.

liMa, d. n. o.. Consumo: uma perspectiva antropológica. Petrópolis, Vozes, 2010. 64 p.

ManZato, a. J.; SantoS, a. B. A elaboração de questionários na pesquisa quantitativa. [acesso em 17 set 2013]. Disponível em http://www.inf.ufsc.br/~verav/Ensino_2012_1/ELABORACAO_QUESTIONARIOS_PESQUISA_QUANTITATIVA.pdf.

paiVa, f. Eu era assim: Infância, Cultura e Consumismo. São Paulo: Cortez, 2009. 336 p.

SalVatorE, B.. Pesquisa de marketing: uma abordagem quantitativa e qualitativa. São paulo: Saraiva, 2010.

SEVEriano, M. f.V.; EStraMiana, J. l. a. Consumo, narcisismo e identidades contemporâneas: uma análise psicossocial. rio de Janeiro: EdUErJ, 2006.

SUJARITTANONTA, L.; WALSH, J. Game-Playing Culture in an Age of Capitalist Consumption: Young Taiwanese and Collectible Card Games. Journal of Economics and Behavioral Studies. v. 5, n. 11, nov. 2013), p. 792-7. [acesso em 2 set 2013]. Disponível em: http://ifrnd.org/Research%20Papers/J5(11)7.pdf.

WILLIAMS, J. P.. Consumption and Authenticity in Collectible Strategy Games Subculture. p. 77-99 In: J. Patrick Williams, Sean Q. Hendricks, and W. Keith Winkler (eds.) Gaming as Culture: Essays in Reality, Identity and Experience in Fantasy Games. Jefferson, NC: Mcfarland, 2006.

Ziliotto, d. M. consumidor: o objeto da cultura. Petrópolis: Vozes, 2003. 168 p.