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1 REFLEXÕES SOBRE A CRISE ECONÔMICA E FINANCEIRA MUNDIAL DE 2008, SEUS POSSÍVEIS CENÁRIOS E PROVÁVEIS MUDANÇAS GEOPOLÍTICAS Fernando Alcoforado 1 RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar os fatores que contribuíram para a eclosão da crise econômica e financeira mundial de 2008, suas reais causas e as conseqüências dela resultantes, o futuro da crise mundial de 2008, os cenários da economia mundial e as mudanças geopolíticas futuras. A metodologia adotada consistiu na análise de publicações relacionadas com a crise econômica e financeira mundial e seus desdobramentos e a evolução futura do capitalismo mundial. O resultado dos estudos indicou que a crise econômica e financeira mundial de 2008 será prolongada e que dela deve resultar uma nova ordem mundial que deve organizar não apenas as relações entre os homens na face da Terra e suas relações com a natureza com a celebração de um contrato social planetário entre as nações que possibilite o desenvolvimento econômico e social e o uso racional dos recursos da natureza. . ABSTRACT This article has for objective to present the factors that contributed to the eruption of the world economical and financial crisis of 2008, their real causes and consequences resultants, the future of the world crisis of 2008, the scenario of the world economy and the changes future geopolitics. The adopted methodology consisted of the analysis of publications related with the world economical and financial crisis and their unfolding and the future evolution of the world capitalism. The result of the studies indicated that the economical and financial crisis of 2008 will be lingering and that it should result a new world order that should organize the relationships among the men in the Earth, but also their relationships with the nature with the celebration of a contract social planetarium among the nations that it makes possible the economical and social development and the rational use of the resources of the nature. 1 FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO é doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, Espanha, em 2003, especialista em Engenharia Econômica e Administração Industrial pela UFRJ- Universidade Federal de Rio de Janeiro em 1971, graduado em Engenharia Elétrica pela UFBA - Universidade Federal de Bahia em 1966, professor universitário, consultor de organizações públicas e privadas nacionais e internacionais nas áreas de planejamento econômico, planejamento e desenvolvimento regional, planejamento de sistemas de energia e planejamento estratégico. Exerceu os cargos de Secretário do Planejamento de Salvador (1986/1987), Subsecretário de Energia do Estado da Bahia (1988/1991), Diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Gás Canalizado (1990/1991), Presidente do Clube de Engenharia da Bahia (1992/1993), Diretor do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (1990/1993), Presidente do Instituto Rômulo Almeida de Altos Estudos (1999/2000) e Diretor da Faculdade de Administração das Faculdades Integradas Olga Mettig (2005/2007). É autor dos livros Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (Empresa Gráfica da Bahia, Salvador, 2007), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2007), Um projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), De Collor a FHC- o Brasil e a nova (des)ordem mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998) e Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), entre outros. Há muitos anos é articulista de diversos jornais da imprensa brasileira (Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil, A Tarde e Tribuna da Bahia), publicando artigos versando sobre economia e política mundial e brasileira, questão urbana, energia, meio ambiente e desenvolvimento, ciência e tecnologia, administração, entre outros temas. Endereço: Rua do Benjoim, 209/1101, Caminho das Árvores, CEP 41820- 340, Salvador, Bahia. Telefone: (71) 33542967. E-mail: [email protected].

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Page 1: Reflexões sobre a crise econômica e financeira de 2008, seus possíveis cenários e prováveis mudanças geopolíticas

1

REFLEXÕES SOBRE A CRISE ECONÔMICA E FINANCEIRA MUNDIAL DE 2008,

SEUS POSSÍVEIS CENÁRIOS E PROVÁVEIS MUDANÇAS GEOPOLÍTICAS

Fernando Alcoforado1

RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar os fatores que contribuíram para a eclosão da crise econômica e financeira mundial de 2008, suas reais causas e as conseqüências dela resultantes, o futuro da crise mundial de 2008, os cenários da economia mundial e as mudanças geopolíticas futuras. A metodologia adotada consistiu na análise de publicações relacionadas com a crise econômica e financeira mundial e seus desdobramentos e a evolução futura do capitalismo mundial. O resultado dos estudos indicou que a crise econômica e financeira mundial de 2008 será prolongada e que dela deve resultar uma nova ordem mundial que deve organizar não apenas as relações entre os homens na face da Terra e suas relações com a natureza com a celebração de um contrato social planetário entre as nações que possibilite o desenvolvimento econômico e social e o uso racional dos recursos da natureza. .

ABSTRACT

This article has for objective to present the factors that contributed to the eruption of the world economical and financial crisis of 2008, their real causes and consequences resultants, the future of the world crisis of 2008, the scenario of the world economy and the changes future geopolitics. The adopted methodology consisted of the analysis of publications related with the world economical and financial crisis and their unfolding and the future evolution of the world capitalism. The result of the studies indicated that the economical and financial crisis of 2008 will be lingering and that it should result a new world order that should organize the relationships among the men in the Earth, but also their relationships with the nature with the celebration of a contract social planetarium among the nations that it makes possible the economical and social development and the rational use of the resources of the nature. 1 FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO é doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, Espanha, em 2003, especialista em Engenharia Econômica e Administração Industrial pela UFRJ- Universidade Federal de Rio de Janeiro em 1971, graduado em Engenharia Elétrica pela UFBA - Universidade Federal de Bahia em 1966, professor universitário, consultor de organizações públicas e privadas nacionais e internacionais nas áreas de planejamento econômico, planejamento e desenvolvimento regional, planejamento de sistemas de energia e planejamento estratégico. Exerceu os cargos de Secretário do Planejamento de Salvador (1986/1987), Subsecretário de Energia do Estado da Bahia (1988/1991), Diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Gás Canalizado (1990/1991), Presidente do Clube de Engenharia da Bahia (1992/1993), Diretor do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (1990/1993), Presidente do Instituto Rômulo Almeida de Altos Estudos (1999/2000) e Diretor da Faculdade de Administração das Faculdades Integradas Olga Mettig (2005/2007). É autor dos livros Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (Empresa Gráfica da Bahia, Salvador, 2007), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2007), Um projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), De Collor a FHC- o Brasil e a nova (des)ordem mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998) e Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), entre outros. Há muitos anos é articulista de diversos jornais da imprensa brasileira (Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil, A Tarde e Tribuna da Bahia), publicando artigos versando sobre economia e política mundial e brasileira, questão urbana, energia, meio ambiente e desenvolvimento, ciência e tecnologia, administração, entre outros temas. Endereço: Rua do Benjoim, 209/1101, Caminho das Árvores, CEP 41820-340, Salvador, Bahia. Telefone: (71) 33542967. E-mail: [email protected].

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Palavras chaves: Crise econômica e financeira mundial de 2008. O futuro da crise mundial

de 2008. Cenários da economia mundial. Mudanças geopolíticas futuras.

Keywords: World economical and financial crisis of 2008. The future of the world crisis of

2008. Scenario of the world economy. Changes future geopolitics.

1. Origens da crise econômica e financeira mundial de 2008

No início de agosto de 2008, surgiu uma crise financeira no setor dos empréstimos

hipotecários nos Estados Unidos que, imediatamente, se propagou para outras partes do

sistema financeiro mundial, com uma rapidez e uma amplitude que surpreenderam o mercado.

Segundo Gillian Tett (2009), PhD em antropologia social pela Universidade de Cambridge,

editor assistente do Financial Times que faz a cobertura global dos mercados financeiros, os

grandes bancos ocidentais jogaram o mundo em uma recessão. O Banco da Inglaterra diz que

os prejuízos dos bancos que tiveram que reajustar os seus investimentos para preços de

mercado são de US$ 3 trilhões, o equivalente a cerca de um ano de produção econômica do

Reino Unido. O Banco de Desenvolvimento Asiático estimou que os ativos financeiros em

todo o mundo podem ter sofrido uma queda, até o presente momento, de mais de US$ 50

trilhões - um número equivalente à produção global anual.

Segundo Gillian Tett (2009),

a atual crise é um produto de mudanças que vêm se enraizando silenciosamente no Ocidente há

vários anos. Há meio século, a atividade bancária parecia ser uma arte relativamente simples.

Quando os bancos comerciais estendiam os empréstimos, eles tipicamente mantinham essas

operações dentro de seus próprios sistemas contábeis - e utilizavam cálculos rudimentares

(combinados com as informações sobre os seus clientes) quando decidiam se emprestariam ou não.

Porém, da década de setenta em diante, duas revoluções ocorreram: os bancos passaram a vender o

seu risco de crédito a outros investidores nos prósperos mercados de capital e adotaram complexos

sistemas baseados em computadores para mensurar o risco de crédito que eram frequentemente

importados do setor de ciências puras - e elaborados por luminares da estatística, como Den Braber

do RBS.

Gillian Tett (2009) constata que,

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não só o sistema financeiro está amargando prejuízos em uma escala que ninguém jamais previu,

mas os pilares da fé sobre os quais o novo capitalismo financeiro foi construído também

praticamente desmoronaram. Isso fez com que todos, dos ministros das finanças aos banqueiros

centrais, dos pequenos investidores aos pensionistas, ficassem destituídos de uma bússola

intelectual, desnorteados e confusos. "O nosso mundo está quebrado - e eu honestamente não sei o

que irá substituí-lo. A bússola segundo a qual conduzíamos os Estados Unidos desapareceu",

afirma Bernie Sucher, diretor de operações em Moscou do Merrill Lynch. "A última vez em que vi

algo desse tipo, em termos de sensação de desorientação e prejuízos, foi entre os meus amigos na

Rússia, quando a União Soviética desmoronou".

Gillian Tett (2009) afirma que,

até o verão de 2007, a maioria dos investidores, banqueiros e governos acreditava que essas

revoluções representavam "progresso" real que beneficiava a economia como um todo. Os

reguladores adoravam o fato de os bancos estarem ampliando as exposições de crédito, já que

crises como a de poupanças e empréstimos nos Estados Unidos, na década de oitenta,

demonstraram os perigos de os bancos serem expostos a um tipo concentrado de empréstimo. "A

dispersão do risco de crédito ajudou a tornar o sistema bancário e financeiro mais resistente",

proclamou em abril de 2006 o Fundo Monetário Internacional (FMI), expressando uma crença

ocidental generalizada.

Gillian Tett (2009) afirma ainda que,

à medida que a inovação no setor financeiro tornou-se mais intensa, ela também passou a ficar

permeada de uma terrível ironia. Em público, os técnicos financeiros na vanguarda da revolução

retratavam as mudanças como medidas que promoveriam uma forma superior de capitalismo de

livre mercado. Quando uma equipe do JPMorgan criou derivativos de crédito na década de 1990

(um contrato definido entre duas partes no qual se definem pagamentos futuros baseados no

comportamento dos preços de um ativo de mercado, normalmente as chamadas “commodities”),

uma palavra-chave favorita na sua literatura de mercado era a afirmação de que tais derivativos

promoveriam "completitude de mercado" - ou mercados livres mais perfeitos.

Em julho de 2007, a fé cega começou a sofrer rachaduras. Nos Estados Unidos a

inadimplência passou a aumentar no setor de hipotecas “subprime” que é um crédito de risco,

concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar da taxa de

juros mais vantajosa (prime rate) ou para designar uma forma de crédito hipotecário

(mortgage) para o setor imobiliário destinada a tomadores de empréstimos que representam

maior risco. Esse crédito imobiliário tem como garantia a residência do tomador e muitas

vezes era acoplado à emissão de cartões de crédito ou a aluguel de carros. Agências como a

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Standard & Poor's reduziram as classificações de produtos vinculados a hipotecas e admitiram

que os seus modelos matemáticos estavam apresentando defeitos.

Mas quando o índice de inadimplência das “subprime” aumentou, os contadores exigiram que

os bancos reavaliassem os instrumentos utilizados. Por volta da primavera de 2008, o Citi, o

Merrill e o UBS haviam amargado coletivamente um prejuízo de US$ 53 bilhões. Gillian Tett

(2009) afirma que os bancos tentaram tapar este buraco com a obtenção de mais de US$ 200

bilhões em capital novo. Mas o buraco continuou aprofundando-se. Como resultado, a fé na

capacidade dos reguladores de monitorar os bancos desmoronou. A fé nos bancos também

acabou. A seguir, quando os modelos matemáticos perderam a credibilidade, os investidores

desprezaram todas as formas de finanças complexas.

Em setembro do ano passado, o último pilar da fé veio abaixo. A maioria dos investidores

admitia que o governo dos Estados Unidos jamais deixaria um grande grupo financeiro

fracassar. Mas quando o Lehman Brothers faliu, a desconfiança e a perplexidade aumentaram

exponencialmente. A maior parte dos mercados de crédito desmoronou. Os preços

enlouqueceram. Os bancos e analistas de ativos descobriram que todos os seus modelos

financeiros fragmentaram-se. "Nos mercados de capital, nada mais funcionava", diz o

principal analista de riscos de um grande banco ocidental. Conforme observou algumas

semanas mais tarde Mervyn King, diretor do Banco da Inglaterra, "o sistema estava no

precipício".

Segundo Gillian Tett (2009),

enquanto buscam atualmente novos pilares de confiança para as finanças, os governos estão

intervindo para substituir muitas funções do mercado. O Tesouro dos Estados Unidos está

realizando "testes de estresse" nos bancos, a fim de aumentar a confiança dos investidores. No

Reino Unido o governo está fornecendo aos bancos garantias contra os ativos "tóxicos". Os bancos

e as agências de crédito estão - tardiamente - reformulando os seus modelos. As financeiras e os

reguladores também prometeram tornar a indústria mais transparente e padronizada.

Hoje, com a imensa crise financeira global e uma desaceleração sincronizada na atividade

econômica, o mundo está mudando de novo. É impossível a esta altura saber para onde

estamos indo? Segundo Gillian Tett (2009), nos caóticos anos 70 do século passado, poucos

imaginavam que na década de 1980 veria a inflação ser domada, o avanço do capitalismo e a

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morte do comunismo. O que acontecerá agora dependerá das escolhas não feitas e de choques

desconhecidos. Mas a combinação de colapso financeiro com imensa recessão, se não algo

pior como a depressão, certamente mudará o mundo. A legitimidade do mercado

enfraquecerá. A credibilidade dos Estados Unidos será manchada. A autoridade da China

aumentará. A própria globalização poderá sucumbir. Este é um momento de levante.

Gillian Tett (2009) pergunta como o mundo chegou aqui?

Uma grande parte da resposta é de que a era da liberalização continha as sementes de sua própria

queda: esse também foi um período de enorme crescimento na escala e lucratividade do setor

financeiro, de inovação financeira frenética, de crescentes desequilíbrios macroeconômicos globais,

de grande endividamento dos lares e de bolhas de preços de ativos, isto é, um desvio no preço justo

do mesmo ou um exagero por parte dos investidores que estariam dispostos a adquirir ativos por

preços incompatíveis com o fluxo de caixa que estes ativos prometem gerar. Ao intervir para

manter suas taxas cambiais baixas e acumular reservas de moeda estrangeira, os governos das

economias emergentes geraram imensos superávits em conta corrente, que reciclaram, juntamente

com os afluxos de capital privado, em fluxos de saída de capital oficial. Entre o final dos anos 90 e

o pico em julho de 2008, apenas as reservas de moeda dos países emergentes cresceram em US$

5,3 trilhão.

Estes fluxos imensos de capital, somados aos superávits tradicionais de vários países ricos e

os crescentes superávits dos exportadores de petróleo, foram parar em grande parte em um

pequeno número de países ricos e particularmente nos Estados Unidos. No pico, os Estados

Unidos absorveram cerca de 70% do superávit poupado do restante do mundo. Enquanto isso,

dentro dos Estados Unidos, a razão de endividamento dos lares em relação ao PIB saltou de

66%, em 1997, para 100% uma década depois. Saltos ainda maiores no endividamento dos

lares ocorreram no Reino Unido. Estes aumentos nas dívidas dos lares foram apoiados, por

sua vez, por sistemas financeiros altamente elásticos e inovadores e, nos Estados Unidos, por

programas do governo.

Gillian Tett (2009) afirma que

estamos testemunhando a crise financeira mais profunda, ampla e perigosa desde os anos 1930.

Como os professores Reinhart e Rogoff argumentam em outro trabalho, "as crises bancárias estão

associadas a profundos declínios na produção e emprego". Isto se deve em parte aos balancetes

estendidos além do limite: nos Estados Unidos, a dívida geral atingiu o pico recorde de pouco

menos de 350% do PIB - 85% dela privada. Isto em comparação a pouco mais de 160% em 1980.

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Entre os resultados possíveis deste choque estão déficits fiscais imensos e prolongados nos países

com grandes déficits externos, à medida que tentam manter a demanda, uma recessão mundial

prolongada, um ajuste brutal da balança global de pagamentos, um colapso do dólar, alta da

inflação e protecionismo. A transformação certamente será mais profunda no próprio setor

financeiro.

Segundo Gillian Tett (2009), o brilhante novo sistema financeiro - apesar de todos seus

participantes talentosos, apesar de todas as suas ricas recompensas - fracassou no teste de

mercado. Em um recente trabalho, Andrew Haldane, o diretor executivo de estabilidade

financeira do Banco da Inglaterra, mostra quão pouco os bancos entendiam os riscos que

supostamente deveriam administrar. Ele atribui estes fracassos a uma "miopia de desastre" (a

tendência de subestimar os riscos), uma falta de consciência da "rede de externalidades"

(contaminações de uma instituição para outras) e "incentivos desalinhados" (o lado positivo

para os empregados e o lado negativo para os acionistas e contribuintes).

Gillian Tett (2009) afirma ainda que

após a crise, nós certamente "veremos um setor financeiro menos orgulhoso". Os mercados

imporão uma disciplina brutal, mesmo que temporária. A regulamentação governamental também

endurecerá. Menos claro é se os autores de políticas contemplarão soluções estruturais com uma

separação do sistema bancário comercial do sistema bancário de investimento ou uma redução

forçada do tamanho e complexidade das instituições consideradas grandes demais ou

interconectadas demais para falirem. Também é possível imaginar um retorno de grande parte da

atividade bancária ao mercado doméstico, à medida que os governos cada vez mais dêem as cartas.

Neste caso, haveria uma "desglobalização".

Outra conclusão de Gillian Tett (2009) é o de que o colapso financeiro está provocando uma

desaceleração industrial mundial. Ela também está se espalhando por todo setor significativo

da economia real, grande parte da qual está clamando por assistência e que a busca por

segurança fortalecerá o controle político sobre os mercados. Uma mudança das políticas

significa privilegiar uma mudança para o nacional e longe do global. Isto já está evidente nas

finanças. Também é visto na determinação de resgatar os produtores nacionais. Mas a

intervenção protecionista provavelmente se estenderá muito além dos casos vistos até agora

que é só o começo.

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Paul Krugman (2009), economista, colunista do The New York Times, professor de

Economia e Assuntos Internacionais da Universidade Princeton, detentor do Nobel de

Economia de 2008, afirma que,

o fato é que os recentes números econômicos são assustadores, não apenas nos Estados Unidos,

mas ao redor do mundo. O setor manufatureiro, em particular, está despencando em toda parte. Os

bancos não estão emprestando, as empresas e os consumidores não estão gastando. Não vamos

medir palavras: isto se parece muito com o início da segunda Grande Depressão.

O impacto da crise será particularmente duro sobre os países emergentes. O número de

pessoas em pobreza extrema aumentará, o tamanho da nova classe média encolherá e os

governos de alguns países emergentes endividados certamente darão calote. A confiança nas

elites locais e globais, no mercado e até mesmo na possibilidade de progresso material

enfraquecerá, com consequências sociais e políticas potencialmente devastadoras. Ajudar as

economias emergentes durante uma crise pela qual a maioria não tem nenhuma

responsabilidade é uma necessidade imperiosa.

François Chesnais (2008) afirma que o efeito da crise financeira sobre a economia real atingiu

os mercados emergentes mais duramente do que as economias desenvolvidas, com o colapso

dos fluxos de comércio e uma queda dramática nos preços das “commodities”. Está claro que

aqueles mais duramente atingidos serão os mais pobres -especialmente na África- que

possuem menos com que contar. Depois desses, os mais duramente atingidos serão os

produtores de “commodities” que sempre enfrentaram grandes problemas sociais e

demográficos, como os ricos em energia (Rússia, Irã, Nigéria e Venezuela). Até mesmo os

produtores de petróleo do Golfo foram afetados. Todos se acostumaram à exportação e

receitas inchadas e estão enfrentando ajustes.

Gillian Tett (2009) afirma que

a capacidade do Ocidente em geral e dos Estados Unidos em particular de influenciar o curso dos

eventos futuros será também comprometida. O colapso do sistema financeiro ocidental, enquanto a

China floresce, marca um fim humilhante para o "momento unipolar", isto é, de dominação dos

Estados Unidos. Enquanto os autores de políticas ocidentais enfrentam dificuldades, a credibilidade

deles está arruinada. Quem ainda confia nos professores? Estas mudanças colocarão em risco a

capacidade do mundo não apenas de administrar a economia global, mas também de lidar com os

desafios estratégicos representado por Estados frágeis, terrorismo, mudança climática e a ascensão

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de novas grandes potências. No extremo, a integração da economia global da qual quase todos

agora dependem pode ser revertida.

Gillian Tett (2009) afirma que a era da liberalização financeira acabou. Mas, diferente dos

anos 1930, não existe nenhuma alternativa à vista para a economia de mercado. Segundo Tett

(2009), para saber para onde o capitalismo está rumando, é imperativo entender mais

claramente o que ocorreu de tão errado com o sistema financeiro do século 21. Sem dúvida o

que não falta são potenciais culpados: ganância desbragada, regulações destituídas de rigor,

políticas monetárias excessivamente flexíveis, empréstimos fraudulentos e fracasso gerencial.

Tudo isso desempenhou um papel - conforme ocorreu em períodos anteriores de prosperidade

e crise. Um outro problema que influiu na crise foi a extraordinária complexidade e opacidade

do sistema financeiro moderno. Nas duas últimas décadas, uma onda de inovação remodelou a

forma como os mercados funcionam, de uma maneira que dava a impressão de resultar em

grandes benefícios para todas as partes. Mas essa inovação tornou-se tão intensa que

atropelou a capacidade de compreensão dos banqueiros mais comuns - isso para não

mencionar os reguladores.

2. As causas e consequências da crise econômica e financeira mundial

Michel Chossudovsky (2009), economista canadense, professor visitante de instituições

acadêmicas na Europa, América Latina e Sudeste da Ásia, que tem atuado como assessor

econômico de países em desenvolvimento e como consultor de organizações internacionais,

afirma que

a leitura conjunta dos livros de Paul Jorion — Vers la crise du capitalisme américain? — e de

Aglietta e Berrebi (Désordres dans le capitalisme mondial. Paris: Odile Jacob, 2007) é muito útil.

O primeiro permite compreender por que era quase inevitável que o choque ocorresse no setor

hipotecário norte-americano.

Segundo Chossudovsky (2009),

Paul Jorion lança um olhar bem severo sobre práticas financeiras que ele não hesita em caracterizar

como quase permanente e intrinsecamente fraudulentas, mesmo nos casos em que, como no da

Enron, não se abriu nenhum processo penal. Aglietta e Berrebi, por seu turno, explicam de que

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modo a atual fase do capitalismo só pode gerar, em intervalos próximos, crises financeiras cujo

epicentro é os Estados Unidos.

Um dos grandes problemas enfrentados pelo sistema capitalista mundial é o da necessidade de

expansão da demanda para dar sustentação à produção de bens e serviços. Chossudovsky

(2009) afirma que

para manter um nível de atividade elevado no planeta, “é necessária uma demanda dinâmica”. Ao

menos por enquanto, ela não provém dos países emergentes (China, Índia, Brasil), onde a

distribuição de renda e as relações entre cidade e campo freiam o crescimento do consumo interno

e onde os excedentes externos asseguram o financiamento dos déficits dos Estados Unidos. A

demanda também não pode ter como origem as rendas salariais, cujo crescimento é fraco. Ela

provém das rendas distribuídas aos acionistas e à elite dirigente, mas sua massa global é

insuficiente para sustentar uma demanda agregada em crescimento rápido. A resposta a esse dilema

encontra-se no poder de expansão do crédito. É aí que o capitalismo contemporâneo encontra a

demanda que permite realizar as exigências do valor acionário.

O economista francês François Chesnais (2008), especialista em economia industrial e

economia da inovação tecnológica, que foi economista da Direção de Ciência, Tecnologia e

Indústria (DSTI) da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e é

membro do Laboratório de Pesquisa Larea-Cere, na Universidade de Paris-X Nanterre e

professor da Universidade de Paris-XIII Villetaneuse, afirma que

um dos meios utilizados para superar os limites do capital das economias centrais foi que todas elas

recorreram a criação de formas totalmente artificiais de ampliação da demanda efetiva, que,

somando-se a outras formas de criação de capital fictício, geraram as condições para a crise

financeira que está se desenvolvendo hoje.

François Chesnais (2008) afirma ainda que,

para Marx, o capital fictício é a acumulação de títulos que são “sombra de investimentos” já feitas

mas que, como títulos de bônus e de ações aparecem com o aspecto de capital aos seus possuidores.

Não o são para o sistema como um todo, para o processo de acumulação, mas o são para os seus

possuidores e, em condições normais de fechamento dos processos de valorização do capital,

rendem aos seus donos dividendos e rendimentos. Mas seu caráter fictício se revela em situações de

crise. Quando sobrevêm crises de superprodução, quebra de empresas, etc, se adverte que esse

capital não existia.

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François Chesnais (2008) afirma que

é devido ao capital fictício que se pode ler às vezes nos jornais que tal ou qual a quantidade de

capital desapareceu em alguma “sacudida do mercado”. Essas somas nunca haviam existido como

capital propriamente dito, apesar de que, para os donos dessas ações, representavam títulos que

davam direito a dividendos. Um dos grandes problemas de hoje é que em muitos países os sistemas

de aposentadoria estão baseados no capital fictício, com pretensões de participação nos resultados

de uma produção capitalista que pode desaparecer em momentos de crise.

Segundo Chesnais (2008) ,

o processo de liberalização e globalização financeira dos anos 1980 e 1990 esteve baseado na

acumulação de capital fictício, sobretudo nas mãos de fundos de investimentos, fundo de pensões,

fundos financeiros. E a grande novidade desde finais ou meados dos anos 1990 e ao longo dos anos

2000 foi, nos Estados Unidos e na Grã Bretanha em particular, o impulso extraordinário que se deu

à criação do capital fictício na forma de crédito. De crédito a empresas, mas também e, sobretudo,

de crédito habitacional, créditos ao consumo e a maior parte em créditos hipotecários.

Chesnais (2008) afirma que

isso contribuiu para dar um salto na massa de capital fictício criado, originando formas ainda mais

agudas de vulnerabilidade e fragilidade, inclusive frente a choques menores, inclusive frente a

episódios absolutamente previsíveis. Por exemplo, se sabia que um “boom” imobiliário termina

inexoravelmente e que no mercado acionário existia a ilusão de que não havia limites para a alta no

preço das ações. Com base em toda a história prévia se sabia que a expansão não seria sustentável

nem no setor imobiliário nem no mercado de ações. Quando se trata de edifícios e casas e mercado

de ações é inevitável que chegue o momento em que o “boom” acaba.

O fim da prosperidade, que era um fato normal e previsível, se transformou numa crise tremenda.

Acrescenta-se a tudo isto, o fato de que, durante os últimos dois anos, os empréstimos foram feitos

nos Estados Unidos a famílias sem a menor capacidade de pagamento. E, além disso, tudo se

combinou com as novas “técnicas” financeiras permitindo-se assim que os bancos vendessem

bônus em condições tais que ninguém podia saber exatamente o que estava comprando até a forte

explosão dos “subprime”em 2007. Chesnais afirma que agora estão no processo de “desmontagem”

deste processo. Mas dentro desta “desmontagem” há processos de concentração de capital

financeiro. Quando o Bank of America compra o Merryl Lynch, por exemplo, estamos diante de

um processo de concentração clássico.

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François Chesnais (2008) levanta uma grande indagação se, a curto prazo, a demanda interna

da China poderá passar a ser o lugar que garanta esse momento de realização da mais-valia

(taxa de exploração, segundo Marx, que corresponde à diferença entre o valor produzido pelo

trabalho e o salário pago ao trabalhador) que se dava nos Estados Unidos. A acumulação de

capital na China se fez com base em processos internos, mas também com base em algo que

está perfeitamente documentado, mas pouco comentado: o deslocamento de uma parte

importantíssima do Setor II da economia, o setor da produção de bens de consumo, dos

Estados Unidos para a China. E isto tem muito a ver com o volume dos déficits americanos (o

comercial e o fiscal), que só poderiam reverter-se por meio de uma reindustrialização dos

Estados Unidos.

Isto significa dizer que se estabeleceram novas relações entre os Estados Unidos e China. Não

se trata já mais das relações de uma potência imperialista com um país semicolonial. Os

Estados Unidos criaram relações de novo tipo, que agora têm dificuldades de reconhecer e

assumir. Com base no superávit comercial, a China acumula milhões e milhões de dólares,

que logo empresta aos Estados Unidos. São relações internacionais de um tipo totalmente

novo.

Na Europa é evidente a tendência a uma aceleração da destruição de forças produtivas e de

postos de trabalho para deslocar-se para o único paraíso do mundo capitalista hoje que é a

China. Na China se deu internamente um processo de competição entre capitais, que se

combinou com processos de competição no aparato político chinês, e de competição para

atrair empresas estrangeiras, o que resultou num processo de criação de imensas capacidades

de produção. Além da capacidade de violentar a natureza em enorme escala, também na

China se concentra uma superacumulação de capital que em um dado momento se tornará

insustentável.

Segundo Chesnais (2008), as fases desta crise são distintas das de 1929, porque a crise de

superprodução dos Estados Unidos se constatou desde os primeiros momentos. Da mesma

forma que ocorreu com a crise de 1929 e nos anos 1930, ainda que em condições e formas

distintas, a crise se combinará com a necessidade, para o capitalismo, de uma reorganização

total da expressão de suas relações de forças econômicas no contexto mundial, marcando o

momento em que os Estados Unidos verão que sua superioridade militar é somente um

elemento, e um elemento bastante subordinado, para renegociar suas relações com a China e

Page 12: Reflexões sobre a crise econômica e financeira de 2008, seus possíveis cenários e prováveis mudanças geopolíticas

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outras partes do mundo. Ou chegará o momento no qual se dará o salto a uma aventura militar

de imprevisíveis consequências.

Chesnais (2008) constata também que

estamos diante do risco de uma catástrofe, mas já não do capitalismo, e sim de uma catástrofe da

humanidade. De certa forma, se levarmos em conta a crise climática, possivelmente já existe algo

deste tipo. Chesnais opina que estamos diante de um perigo iminente. O fato de que tudo isto

ocorra depois de uma tão longa fase, sem paralelos na história do capitalismo, de 50 anos de

acumulação ininterrupta (salvo uma pequeníssima ruptura em 1974/1975), assim como também

tudo o que os círculos capitalistas dirigentes, e em particular os bancos centrais, aprenderam da

crise de 1929, tudo isso faz com que a crise avance de maneira bastante lenta.

O jornal Estado de São Paulo (2008) informou que

O Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, parte do aparato de segurança de

Washington, publicou uma previsão impressionante. O sistema internacional como elaborado após

a Segunda Guerra Mundial estaria, como previsto, "irreconhecível" em 2025, graças à globalização,

a ascensão dos poderes emergentes e "uma transferência histórica de riqueza relativa e poder

econômico do Ocidente para o Oriente". Nesta publicação constata-se que "os próximos 20 anos de

transição para um novo sistema serão repletos de riscos". "As rivalidades estratégicas

provavelmente girarão em torno do comércio, investimentos e inovação e aquisição tecnológica,

mas não podemos descartar um cenário do século 19 de corrida armamentista, expansão territorial e

rivalidades militares".

Este relatório foi escrito antes da força plena da crise financeira e econômica se tornar real.

Todavia, seus autores estavam convencidos de que o "momento unipolar" da hegemonia não

desafiada americana pós-queda do Muro de Berlim já estava chegando ao fim. A futura ordem

mundial seria multipolar. O colapso do sistema financeiro global, causado não apenas pelo

estouro da bolha do mercado de hipotecas de risco americano, mas também pela explosão da

especulação financeira por todos os mercados do mundo, rapidamente se transformou em uma

recessão na economia real. Ninguém foi poupado. O crédito congelou em mercados da África

até o Leste Europeu.

François Chesnais (2008) afirma que

Page 13: Reflexões sobre a crise econômica e financeira de 2008, seus possíveis cenários e prováveis mudanças geopolíticas

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ocorreu em 2008, uma verdadeira ruptura que deixa para trás uma longa fase de expansão da

economia capitalista mundial; e que essa ruptura marcou o início de um processo de crise com

características que são comparáveis com a crise de 1929, ainda que venha a se desenvolver em um

contexto muito distinto. Estamos frente a um destes momentos em que a crise vem expressar os

limites históricos do sistema capitalista.

Tudo leva crer que no século XXI teremos a convergência entre a crise geral do sistema

capitalista mundial e a crise associada ao aquecimento global. Segundo Chesnais (2008),

nesta nova etapa, a crise vai desenvolver-se de tal modo que as primeiras e realmente brutais

manifestações da crise climática mundial que vimos vão combinar-se com a crise do capital

enquanto tal.

Chesnais (2008) afirma ainda que

entramos numa fase onde está colocada a possibilidade real de uma crise da humanidade, dentro de

complexas relações onde estão também os acontecimentos bélicos, mas o mais importante é que,

mesmo excluindo a possibilidade de uma guerra de grande amplitude que no presente só poderia

ser uma guerra atômica, estamos enfrentando um novo tipo de crise, a uma combinação desta crise

econômica que se iniciou com uma situação na qual a natureza, tratada sem a menor consideração e

golpeada pelo homem no marco do capitalismo, reage agora de forma brutal. Isto é algo quase

excluído de nossas discussões, mas que vai se impor como um fato central.

Segundo Chesnais (2008),

o processo de liberalização e desregulamentação levadas à cabo em escala mundial, com a

incorporação do antigo campo soviético e a incorporação e modificação das relações de produção

na China significou o desmantelamento dos poucos elementos regulatórios que se construíram no

marco mundial ao sair da Segunda Guerra Mundial, para entrar em um capitalismo totalmente

desregulamentado. Não somente desregulamentado, mas também um capitalismo que criou

realmente o mercado mundial no sentido pleno da expressão, transformando em realidade o que era

para Marx uma intuição ou uma antecipação.

Com o processo de liberalização e desregulamentação da economia mundial, criou-se,

segundo Chesnais (2008),

um espaço livre de restrições para as operações do capital, para produzir e realizar mais-valia

tomando este espaço como base e processo de centralização de lucros a escala verdadeiramente

internacional. Esse espaço aberto, não homogêneo, mas com uma redução drástica de todos os

Page 14: Reflexões sobre a crise econômica e financeira de 2008, seus possíveis cenários e prováveis mudanças geopolíticas

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obstáculos à mobilidade do capital, essa possibilidade para o capital de organizar em escala

planetária o ciclo de valorização, está acompanhada por uma situação que permite pôr em

competição entre si os trabalhadores de todos os países. Ou seja, se sustenta no fato de que o

exército industrial de reserva é realmente mundial e que é o capital como um todo o que gere os

fluxos de integração ou de repulsão, nas formas estudadas por Marx.

Os bancos centrais e os governos podem proclamar que acordarão entre si e colaborarão para

impedir a crise, mas Chesnais (2008) não crê que se possa introduzir a cooperação no espaço

mundial convertido em cenário de uma tremenda competição entre capitais. E agora, a

competição entre capitais vai muito além das relações entre os capitais das partes mais antigas

e desenvolvidas do sistema mundial com os setores menos desenvolvidos sob o ponto de vista

capitalista. Porque em formas particulares e inclusive muito parasitárias, no cenário mundial

se deram processos de centralização do capital por fora do marco tradicional dos centros

imperialistas: em relação com eles, mas em condições que também introduzem algo

totalmente novo na cena mundial.

Chesnais (2008) advoga a tese de que

durante os últimos quinze anos se desenvolveram, em determinados pontos do sistema, grupos

industriais capazes de integrarem-se como sócios de pleno direito aos oligopólios mundiais. Tanto

na Índia como na China se conformaram verdadeiros e fortes grupos econômicos capitalistas. E no

plano financeiro, como expressão do rentismo e do parasitismo puro, os chamados Fundos

Soberanos (instrumento financeiro adotado por alguns países que administram as imensas reservas

de divisas dos países exportadores que tiveram suas receitas multiplicadas de maneira formidável

nos últimos anos e vem sendo utilizadas, na maioria das vezes, para adquirir participações em

empresas estrangeiras, com objetivos financeiros e estratégicos) se converteram em importantes

pontos de centralização do capital em forma de dinheiro, que são meros satélites dos Estados

Unidos, têm estratégias e dinâmicas próprias e modificam de muitas maneiras as relações

geopolíticas dos pontos chave em que a vida do capital se faz e se fará.

3. O futuro da crise econômica e financeira mundial

Há muita especulação quanto à evolução futura da economia mundial. Alguns analistas

advogam a tese de que a economia mundial terá uma evolução em “V”, isto é, apresentaria no

primeiro momento recessão com queda no crescimento cuja retomada aconteceria

imediatamente após atingir o ponto mais baixo. Outros consideram o crescimento em “U”,

isto é, haveria recessão com a queda no crescimento econômico seguida de um longo período

Page 15: Reflexões sobre a crise econômica e financeira de 2008, seus possíveis cenários e prováveis mudanças geopolíticas

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de depressão após a qual ocorreria a retomada do crescimento. Finalmente, os mais

pessimistas, defendem uma evolução em “L”, isto é, haveria recessão seguida de depressão

sem perspectiva de crescimento. Neste último caso, a retomada do crescimento só aconteceria

com a edificação de uma nova ordem econômica mundial.

O jornal Folha de São Paulo (2009) informa que o Fundo Monetário Internacional (FMI)

afirma que o mundo já ensaia sair da pior recessão do pós-Segunda Guerra, mas que uma

recuperação mais firme poderá demandar mais tempo do que o previsto. Segundo o FMI a boa

notícia é que as forças que vinham empurrando a economia global para baixo estão perdendo

força. Mas a má notícia é que ainda é muito fraca a força que nos empurra para cima, disse o

economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, ao anunciar as novas previsões contidas no

relatório "Panorama da Economia Mundial". Isto significa dizer que o FMI defende uma

evolução entre “V” e “U” para a economia mundial.

O futuro da economia mundial depende da solução que seja dada à grande dependência

econômica recíproca entre os Estados Unidos e a China, à gigantesca dívida pública dos

Estados Unidos, à recuperação do sistema financeiro mundial, à regulação da economia

mundial, ao agravamento dos potenciais conflitos sociais e aos problemas do aquecimento

global. O primeiro problema que precisa ser solucionado é o da grande dependência

econômica recíproca dos Estados Unidos e da China. Esta dependência decorre, de um lado,

do fato das reservas monetárias chinesas estarem financiando decisivamente o crescimento do

déficit dos Estados Unidos e, de outro, o mercado dos Estados Unidos representar o principal

destino das exportações chinesas. Com a receita gerada por enormes excedentes comerciais

com os Estados Unidos - e as políticas que mantêm sua moeda artificialmente baixa - Pequim

é o maior investidor em títulos do Tesouro norte-americano.

O aparente controle financeiro da China sobre os Estados Unidos vem ganhando grande

destaque. Ressalte-se que o acúmulo por parte da China de uma enorme reserva em divisas

estrangeiras (US$ 2 trilhões) é efeito colateral de um modelo econômico demasiado

dependente das exportações. O enorme superávit comercial da China é fruto de um yuan

subvalorizado que vem permitindo que outros países consumam bens chineses às custas da

própria população chinesa. A China não pode vender as reservas de seu Tesouro sem

desencadear o próprio colapso do dólar que supostamente teme. Um aspecto fundamental a

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considerar é que se os Estados Unidos adotarem a política de reduzir seus déficits levaria o

país a comprar menos produtos chineses.

A recente cúpula entre os governos chinês e norte-americanos teve por objetivo iniciar

conversações para procurar soluções conjuntas, apesar das divergências sobre a moeda, para o

déficit orçamentário norte-americano e o fosso comercial (exportações – importações) entre

os dois países, entre outros. O governo Obama manteve a intenção de se centrar na diferença

na balança comercial frisando que a China não deve contar com os consumidores norte-

americanos para fazer a economia global sair da recessão, porque o consumo das famílias

norte-americanas está em contração. Isto significa dizer que a China teria que necessariamente

impulsionar o consumo interno para manter seu crescimento econômico e contribuir para uma

mais rápida, porém mais equilibrada e sustentável recuperação global.

Cabe observar que os Estados Unidos se defrontam com um pesado déficit em conta corrente,

tornando-se o maior detentor de dívida externa do mundo. Se os Estados Unidos não

apertarem o cinto, colocando em xeque o “american way of life”, e começarem a perseguir

déficits em conta corrente menores e balança comercial superavitária vão ter que decretar

moratória. Ressalte-se que as obrigações dos Estados Unidos devem somar um montante

superior a 3 trilhões de dólares. No entanto, se os Estados Unidos adotarem a política de

apertar o cinto, reduzir déficits e tornar superavitária sua balança comercial haveria o

comprometimento do comércio internacional dado o peso da economia norte-americana. Isto

significa dizer que, qualquer que seja a solução para a economia norte-americana, a crise

global atual terá continuidade avançando da recessão em que se encontra à depressão crônica.

A evolução da economia mundial seria, portanto, em “L”.

Martin Wolf (2009), articulista do Financial Times, pergunta se “a economia mundial está

saindo da crise? O mundo aprendeu as lições certas? A resposta para ambas as perguntas é:

até certo ponto. Nós fizemos algumas coisas acertadas e aprendemos algumas das lições

certas. Mas nem fizemos o suficiente e nem aprendemos o suficiente”. Wolf afirma ainda que

devemos colocar estas notícias, por mais bem-vindas que sejam, em contexto. O pior da crise

financeira pode ter ficado para trás, mas o sistema financeiro continua subcapitalizado e

carregando um fardo ainda desconhecido de ativos duvidosos. Pelo contrário, ele está

escorado por um imenso apoio explícito e implícito dos contribuintes. A probabilidade de

prejuízo à frente é próxima de 100%.

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A subcapitalização do sistema financeiro impacta negativamente sobre a economia real

inibindo o financiamento do setor produtivo e do comércio internacional. Muitos países,

inclusive o Brasil, estão sofrendo quedas acentuadas em suas receitas de exportação devido à

redução da demanda mundial resultante da recessão global, mas também em conseqüência da

retração do crédito para exportação. Teme-se que, na tentativa de cada país estimular sua

própria economia na conjuntura atual associada à adoção de medidas protecionistas, leve a

uma reação em cadeia. Isso reduziria o comércio internacional, aumentaria o desemprego e

autoalimentaria a crise em cada país e em escala global. A busca de vantagens em cada país

levaria ao pior cenário para todos: a depressão da economia mundial. Muitos analistas temem

que se repita o que aconteceu durante a Grande Depressão, nos anos 1930. A volta do

protecionismo representaria um sério risco para a continuidade do processo de globalização.

Martin Wolf (2009) afirma também que por trás do excesso de capacidade e dos enormes

aumentos nos déficits fiscais está o desaparecimento do consumidor que gasta muito,

principalmente nos Estados Unidos. A prudência do setor privado provavelmente perdurará

em um mundo pós-bolha caracterizado por montanhas de dívida. Aqueles que esperam um

retorno rápido aos negócios de costume de 2006 estão fantasiando. Uma recuperação lenta e

difícil, dominada pela desalavancagem e riscos deflacionários, é a perspectiva mais provável.

Os déficits fiscais permanecerão imensos por anos. As alternativas -liquidação do excesso de

dívida por meio de um aumento da inflação ou falência em massa- não serão permitidas. A

alta dependência de uma expansão monetária imensa e déficits fiscais nos países que antes

consumiam muito serão insustentáveis no final. A visão de Wolf é a de que a evolução da

economia mundial ocorrerá em “U”.

Nouriel Roubini (2009) apresenta nova forma de evolução da economia mundial, em “W”, em

seu artigo “Cresce o risco de nova contração”. Neste artigo, Roubini afirma que,

existem duas razões para que exista risco ascendente de uma recessão de duplo mergulho, em forma de

W. Para começar, existem riscos associados às estratégias de saída para o grande relaxamento da política

monetária e de estímulo fiscal: as autoridades serão criticadas por agir e também por não agir. Caso

decidam levar a sério os grandes deficits fiscais e decretem aumento de impostos, corte de gastos e

redução da liquidez excessiva, poderão solapar a recuperação e levar a economia a uma estagdeflação

(recessão e deflação).

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Segundo Martin Wolf (2008),

o mundo está sem tomadores de empréstimo privados dispostos e dignos de crédito. O colapso

espetacular do sistema financeiro ocidental é um sintoma deste grande fato. A curto prazo, os

governos substituirão os setores privados como tomadores de empréstimos. Mas isso não pode

durar para sempre. A longo prazo, a economia global terá que se reequilibrar. Se os países com

superávit não expandirem a demanda doméstica em relação à produção potencial, a economia do

mundo aberto poderá até mesmo quebrar. Como nos anos 30, este agora é um risco real.

Analisando a economia mundial, Chesnais (2008) constatou que

seria preciso encontrar remédios para a taxa de poupança. Ela é baixa demais em alguns países, alta

demais em outros. Os Estados Unidos, onde ela se tornou negativa, e a China representam os pólos

extremos dessa distorção. A reconstituição de uma taxa de poupança que deixasse de fazer dos

Estados Unidos a sede, quando não o transmissor mais imediato, de crises financeiras sucessivas

“requer uma consolidação orçamentária incompatível com as orientações políticas da maioria

conservadora no poder. Implica, sobretudo, uma recuperação considerável da poupança das

famílias. Isso supõe uma revisão dilacerante do consumo a crédito, combinado com o desperdício

aterrorizante dos recursos não-renováveis, que constitui o modo de vida norte-americano.

Para Wolf (2009), quanto mais forte for o crescimento da demanda nos países com superávit,

em relação ao PIB potencial, e mais poderoso for reequilíbrio global, mais saudável será a

recuperação global. Isso vai acontecer? Wolf duvida. O alto desemprego persistente e um

baixo crescimento poderão até mesmo ameaçar a própria globalização. As fraquezas

fundamentais do setor financeiro ainda não foram tratadas. Dúvidas também permanecem

sobre o funcionamento do sistema monetário internacional baseado no dólar, os alvos corretos

para a política monetária, a gestão dos fluxos globais de capital, a vulnerabilidade das

economias emergentes, como demonstrado na Europa central e oriental, e, também, a

fragilidade financeira demonstrada com tanta frequência e tão dolorosamente ao longo das

últimas três décadas.

4. Cenários da economia mundial

Os ciclos longos de Kondratiev são descritos como ciclos senoidais de desenvolvimento da

economia capitalista mundial com uma freqüência média de 50 anos com uma variação de 40

a 60 anos. Os ciclos consistem de períodos alternados entre alto e baixo crescimento

econômico. O economista russo Nikolai Kondratieff foi o primeiro a fazer essas observações

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no seu livro The Major Economic Cycles, publicado em 1925. Mais tarde, Joseph Schumpeter

sugeriu em sua obra Business Cycles a denominação Ciclos de Kondratieff em honra do

economista russo.

Kondratieff identificou 3 fases no ciclo: expansão, estagnação, recessão. Escrito em 1920,

Kondratieff propôs aplicar a teoria ao séculoXIX:

1790 – 1849 com um “turning point” (colapso) em 1815.

1850 – 1896 com um “turning point” (colapso) em 1873.

Kondratieff supôs que em 1896, um novo ciclo teria início.

No esforço de expandir o ciclo de Kondratieff para o século XX, alguns economistas

propuseram que o terceiro ciclo iniciaria em 1896, alcançaria o ápice na 1a. Guerra Mundial

(1914) e terminaria com a 2a. Guerra Mundial em 1945 com um “turning point” (colapso) em

1929. O quarto ciclo coincidiria com Guerra Fria começando em 1949 e terminando em 1989

com a queda do Muro de Berlim atingindo o ápice em meados de 1960 com a escalada da

Guerra do Vietnam e um “turning point” em 1982.

O ciclo subseqüente começaria em 1989, alcançaria o ápice em 1999 e ocorreria o “turning

point” em 2008. Se levar em conta que Kondratieff considerava de 40 a 60 anos do início ao

fim de um ciclo, pode-se admitir que o ciclo atual iniciado em 1989 deverá terminar entre

2029 ou 2049. Em outras palavras, o fim da atual crise geral do sistema capitalista mundial só

terá um fim nos próximos 20 ou 40 anos.

Muitos teóricos concordam com o paradigma de 5 ciclos de Schumpeter-Freeman-Perez que

teve início a partir da Revolução Industrial descritos a seguir:

A Revolução Industrial—1771

A Era do Vapor e das Ferrovias—1829

A Era do Aço, da Eletricidade e da Engenharia Pesada—1875

A Era do Petróleo, do Automóvel e da Produção em Massa—1908

A Era da Informação e das Telecomunicações—1971

Em cada um dos ciclos longos de Kondratieff existem 4 etapas sucessivas: 1) prosperidade; 2)

recessão; 3) depressão e, 4) retomada. De acordo com esta teoria, estamos no “turning point”

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(colapso) ou ponto de não retorno do 5o. Kondratieff. Immanuel Wallerstein (1995) defende

a tese de que os ciclos de guerras mundiais estão ligadas aos Ciclos de Ondas Longas

Capitalistas. Guerras altamente destrutivas tendem a iniciar antes de um processo de reversão

econômica. Será que a humanidade se defrontará com um novo conflito mundial?

Foi tomando por base os ciclos de Kondratieff que Immanuel Wallerstein (1995) expôs que a

crise sistêmica que vivenciamos atualmente na economia mundial irá até 2050 ou 2075.

Segundo Wallerstein, durante este período de caos sistêmico teremos poucos momentos de

paz, estabilidade e legitimidade. Wallerstein (1995) defende a tese de que haverá um

agravamento das tensões sociais provocadas pelo aumento do desemprego e que a crise fiscal

que afetará todos os países impedirá os governos de atender as demandas sociais da população

o que fará com que haja a eclosão de uma luta incessante de massas que poderá tomar a forma

de guerra civil ao nível de cada Estado e global. A legitimidade das estruturas do Estado e,

portanto, de sua habilidade de manter a ordem será colocada em xeque. Já existem sintomas

desta situação, por exemplo, nos países da Europa Oriental. Segundo Wallerstein (1995),

após a “bifurcação” que poderá ocorrer em 2050 ou 2075, não deveremos estar vivendo em uma

economia mundial capitalista. Ao invés da economia mundial capitalista estaremos vivendo em

alguma nova ordem ou novas ordens, novo sistema ou novos sistemas históricos.

Em outras palavras, Wallerstein prevê o fim do sistema capitalista mundial da forma como

opera atualmente até 2050 ou 2075. Enganam-se, portanto, aqueles que pensam que a crise

atual será solucionada em poucos anos.

Os cenários traçados por Immanuel Wallerstein (1995) para o sistema capitalista mundial são

os seguintes:

1) Existe uma grande limitação sobre a taxa de acumulação de capital na economia mundial

devido a dois fatores:

O Estado não pode ao mesmo tempo expandir subsídios às empresas privadas e

aumentar os investimentos em bem-estar-social para os cidadãos.

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A combinação do aumento da consciência política da população e da crise fiscal dos

Estados levará a uma luta de massas que poderá tomar a forma de guerra civil ao nível

global e de cada Estado.

2) Há uma limitação do crescimento econômico mundial no período 2000-2025 em face das

restrições ambientais.

3) Custos reais de produção devem crescer globalmente e, portanto, os lucros devem

declinar.

4) Os três resultados possíveis associados à expansão econômica mundial são os seguintes:

A expansão será abortada com o colapso político do sistema mundial.

A base ecológica será debilitada mais do que fisicamente possível para a Terra dar-lhe

sustentação, com a ocorrência de catástrofes tais como a do aquecimento global.

Os custos sociais de limpeza, limitação de uso e regeneração ambiental poderão levar

à redução do lucro global e da prosperidade nos países do Norte, além de ampliar as

disparidades e tensões entre os países do Norte e do Sul.

5) Após a ‘bifurcação’ que poderá ocorrer entre 2050 e 2075, não deveremos estar vivendo

em uma economia mundial capitalista. Ao invés da economia mundial capitalista

estaremos vivendo em alguma nova ordem ou novas ordens, novo sistema ou novos

sistemas históricos.

6) De 1990 a 2025/2050 teremos poucos momentos de paz, estabilidade e legitimidade.

7) A legitimidade das estruturas do Estado e, portanto, de sua habilidade de manter a ordem

será colocada em xeque.

8) Declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica.

9) A estrutura de poder mundial, hoje monopolar sob a hegemonia dos Estados Unidos,

passará a ser bipolar tendo de um lado o condomínio Estados Unidos- Japão ao qual se

ligará economicamente com a China e do outro a União Européia que se articulará com a

Rússia.

10) Quanto ao resto do mundo, o relacionamento dos países com essas duas zonas deste

mundo bipolar se realizará de múltiplas maneiras.

5. As mudanças geopolíticas futuras

Segundo Chesnais (2008),

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a experiência sugere que de todos os países afetados, os Estados Unidos são os mais resistentes e

com maior capacidade de se recuperarem rapidamente. A União Europeia e o Japão parecem

atolados em um fraco crescimento e declínio demográfico. Quanto à China, a exigência para que se

adapte de um crescimento liderado pelas exportações para uma expansão radical da demanda

doméstica poderia ser um desafio político imenso. O Partido Comunista terá que estimular um

crescimento muito mais rápido da classe média do que está preparado. Uma nova ordem mundial

pode estar substituindo a velha - mas será um trajeto turbulento.

Segundo Chesnais (2008), esta crise tem como outra de suas dimensões a de marcar o fim da

etapa em que os Estados Unidos puderam atuar como potência mundial sem paralelo. Em sua

opinião, saímos do momento que os Estados Unidos, serão submetidos à prova. Em um prazo

temporal muito curto, todas as suas relações mundiais se modificaram e deverá, na melhor das

hipóteses, renegociar e reordenar todas as suas relações com base no fato de que deverão

compartilhar o poder. É o que já está ocorrendo a partir do governo Barack Obama. E isto,

evidentemente, é algo que nunca se produziu de forma pacífica na história do capitalismo.

Então, um dos métodos escolhidos pelo capitalismo para superar seus limites se transformou

em fonte de novas tensões, conflitos e contradições, indicando que uma nova etapa histórica

se abrirá após essa crise.

Há uma suposição em muitas partes do mundo de que a crise do capitalismo, representada

pelo congelamento do sistema financeiro, acelerará a mudança geopolítica de longo prazo,

anunciando o declínio do poder americano e da influência europeia. A escolha no ano passado

do G20 como fórum para tratar da crise foi um reconhecimento tardio de que a China, Índia e

Brasil, no mínimo, precisam estar à mesa. Mas o G20 fornecerá uma liderança duradoura? Ele

cheira, segundo François Chesnais (2008), a uma solução de emergência, não uma construção

planejada.

É de Chesnais (2008) a afirmativa de que

um imenso reequilíbrio está começando a ocorrer nos fluxos do comércio mundiais entre o déficit

comercial americano insustentável e os superávits igualmente insustentáveis da China e outros

grandes exportadores. Os consumidores americanos não serão mais os motores do crescimento

chinês alimentado pela exportação assim como os poupadores chineses não mais continuarão

financiando o crédito americano.

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"A crise enfatiza o fato de a China ser um agente mundial chave", disse Bobo Lo (2008), do

Centro para Reforma Europeia, em Londres. "Ela pode ainda não ser uma superpotência

mundial, mas acelerou esta tendência." Se a China é uma vencedora cautelosa, a Rússia é a

perdedora mais óbvia nesta sublevação. A escolha do G20 como fórum da crise em vez do G8

aboliu a posição privilegiada da Rússia como única forasteira à mesma mesa dos países ricos.

No G20, ela é apenas uma das muitas economias de médio porte, como a Coréia do Sul e a

Turquia.

Coincidindo com as conclusões de Paul Jorion — Vers la crise du capitalisme américain?,

Michel Aglietta e Laurent Berrebi (2007) acrescentam que

“isso supõe também uma mudança na concepção que os dirigentes norte-americanos têm do lugar

dominante e do papel hegemônico dos Estados Unidos no mundo”. Quanto à China, além dos

reflexos de entesouramento que mergulham suas raízes na história, lida-se com “uma poupança de

precaução ante a degradação dos sistemas públicos de proteção social, de educação, de

aposentadoria, diante do risco de perda de emprego nas empresas estatais subsistentes”, problemas,

portanto, que conduzem à liberdade de organização e de reivindicação.

A concentração dos mecanismos suscetíveis de conduzir a uma situação em que as mudanças

estruturais maiores sejam impostas por uma crise encontra-se na moeda internacional (as

divisas e suas taxas de câmbio). Em razão do caráter de bem público da moeda, sua regulação

só pode ser política. Para Aglietta e Berrebi (2007),

“a responsabilidade de sua gestão é necessariamente intergovernamental”. Os Estados Unidos

sempre se opuseram a isso por causa dos privilégios que tiram do regime de semipadrão dólar.

Mas, atualmente, uma responsabilidade compartilhada seria de absoluta necessidade.

Segundo Chesnais (2008), não existe nenhum outro meio de criar uma estrutura ordenada das

taxas de câmbio, de um lado, e de regular a liquidez global em função da demanda de meios

de pagamentos internacionais, do outro. Ora, o que fizeram os bancos centrais desde meados

de agosto senão criar mais liquidez ainda e travar entre si uma espécie de guerra das moedas,

da qual o euro sofreu as piores conseqüências? Será necessário que o sistema capitalista

mundial passe por uma crise enorme antes de serem recriados os fundamentos de uma

regulação monetária e financeira? É preciso se preparar para isso? Seja como for, Aglietta e

Berrebi (2008) terão soado o alarme.

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Geoff Mulgan (2009), diretor da Young Foundation, Professor Visitante do University

College, London School of Economics e Melbourne University, afirma que,

para entender no que o capitalismo poderá se transformar, nós primeiro temos que entender o que

ele é. O historiador francês Fernand Braudel ofereceu talvez a melhor descrição do capitalismo

quando escreveu sobre ele como sendo uma série de camadas construídas acima da economia de

mercado. Estas camadas, local, regional, nacional e global, são caracterizadas por uma abstração

ainda maior, até no topo se encontrar finanças sem corpo em busca de retorno em qualquer lugar,

sem compromisso com qualquer lugar ou setor em particular, e transformando tudo e qualquer

coisa em “commodity”.

A crise do capitalismo é global, e tem exibido as limitações das instituições globais que foram

moldadas há meio século. A China caminha para se tornar um agente dominante em um

Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial fortalecidos, seguida pela Índia e Brasil. O

G20 está superando o G8. E no aguardo estão possíveis novas instituições para policiamento e

gestão do meio ambiente. Os fatos da realidade estão a indicar que a gestão da economia

mundial e a solução dos problemas do aquecimento global requerem uma nova estrutura

organizacional em bases planetárias que seja capaz de assegurar a cooperação entre os

Estados-Nações.

A nova ordem mundial a ser edificada deve organizar não apenas as relações entre os homens

na face da Terra, mas também suas relações com a natureza. É preciso, portanto, que seja

elaborado um contrato social planetário que possibilite o desenvolvimento econômico e social

e o uso racional dos recursos da natureza em benefício de toda a humanidade. A edificação de

uma nova ordem mundial baseada nesses princípios é urgente não apenas para fazer frente ao

aquecimento global e suas catastróficas consequencias, mas também para mitigar ou superar

os problemas atuais e futuros resultantes da crise geral do sistema capitalista mundial.

A solução dos problemas relacionados com a regulação da economia mundial, o agravamento

dos conflitos sociais e os problemas do aquecimento global requerem a implantação de uma

nova ordem mundial diferente da atual e uma estrutura organizacional de caráter global. A

cooperação entre os Estados-Nações se impõe no âmbito do desenvolvimento econômico e

social tendo em vista, não apenas, a solução dos problemas engendrados pela crise financeira

e econômica mundial que atinge na atualidade todos os países do mundo e que já está levando

à exclusão social de amplas camadas de suas populações, especialmente aquelas situadas nos

países da periferia capitalista, mas também a superação dos problemas do aquecimento global.

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