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A GUERRA DO CHACO: AS TENSÕES GEOPOLÍTICAS NA DISPUTA DE
PODER REGIONAL NA AMÉRICA DO SUL (1932-1938)
MARCIO SOUSA DE PINHO1
1 INTRODUÇÃO
A América do Sul já completara o centenário da independência de suas nações
integrantes, os Estados Unidos empreenderam a política externa para deter intervenções
europeias no continente americano, o mundo passara pelas mazelas da 1ª Guerra Mundial e os
países ocidentais encontravam-se afetados pela crise econômica, motivada pela quebra da Bolsa
de Valores de Nova Iorque. Portanto, este era o panorama em que a América do Sul presenciaria
a iminência de um novo conflito: A Guerra do Chaco.
Torna-se relevante observar e avaliar os aspectos que viabilizaram a guerra entre os dois
países, Bolívia e Paraguai, além de verificar a influência de países da América do Sul.
Compreender o processo de definição de fronteiras territoriais das nações sul-americanas é
imprescindível para avaliar prováveis contendas existentes entre as nações.
Helder Gordim da Silveira (2009:650) afirma que o Chaco Boreal é uma das regiões do
grande “território do Chaco, no centro da América do Sul, com cerca de 170.000 Km2, limitado
a leste pelo rio Paraguai, a oeste pelo Pilcomayo e, ao norte, pelas encostas da serra de Santa
Cruz, no centro da América do Sul”.
A guerra do Chaco foi um conflito travado entre Bolívia e Paraguai durante os anos de
1932 e 1935 motivado pela frágil definição das fronteiras herdada pelo colonialismo espanhol.
(ELTZ, 2015:23). Segundo o relatório organizado pelo General Waldomiro Castilho de Lima
(BRASIL, 1934:3), os direitos baseados no princípio de ‘uti-possidetis2’ sobre o Chaco Boreal
deixou ao Paraguai e à Bolívia a semente da discórdia e das lutas. Para Silveira:
A primeira disputa diplomática relevante em torno do território do Chaco data
de 1853. O tratado de fronteira [...] entre a Argentina e o Paraguai, reconhecia
como pertencente ao território deste país o rio de mesmo nome... a Bolívia
1 Aluno do Curso de Pós-Graduação (Mestrado) da Universidade Salgado Oliveira (UNIVERSO), em Niterói –
RJ. Contato: [email protected] 2 Princípio de direito internacional segundo o qual os que de fato ocupam um território possuem direito sobre o
mesmo.
protestou [...] contra os termos do tratado, alegando direitos à área ao longo
do rio Paraguai, entre os paralelos 20, 21 e 22” (SILVEIRA, 2009:651).
O estudo da Guerra do Chaco é pouco explorado por pesquisadores acadêmicos. No
Brasil, o Prof. Dr. Fernando da Silva Rodrigues é um dos principais pesquisadores sobre a
temática. A realização de uma pesquisa, nesta direção, contribui para o preenchimento de
lacunas existentes, corroborando para a continuidade do trabalho que tem sido desenvolvido
pelo referido professor e pesquisador. Os documentos tratados neste estudo apresenta, pelo seu
ineditismo, contribuição para a renovação da produção historiográfica do período republicano
brasileiro e sul-americano.
De acordo com a concepção das dimensões do Campo Histórico, defendida por José
D’Assunção Barros, este artigo enquadra-se na dimensão da História Política, enfatizando o
estudo do poder dos Estados (BARROS, 2005:96). A intenção é de se trabalhar o contexto desta
dimensão voltada para a História Militar, com o cerne na guerra.
Sobre política, na obra Dicionário de Política, Norberto Bobbio afirma que nenhum
termo da linguagem política é ideologicamente neutro e cada um deles pode ser usado como
base na orientação política do usuário (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998:7).
O conceito de guerra é entendido como contato violento mediante a força armada
(BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998:571).
Se considerarmos por enquanto o puro conceito de guerra, teremos que dizer
que o propósito político da guerra não possui qualquer ligação com a guerra
propriamente dita, pois se a guerra é um ato de violência destinado a obrigar
o inimigo a fazer a nossa vontade, o seu propósito teria que ser sempre e
somente derrotar o inimigo e desarmá-lo. Este propósito é extraído do conceito
teórico de guerra, mas como muitas guerras chegaram realmente muito perto
de atingi-lo, examinemos antes de mais nada este tipo de guerra
(CLAUSEWITZ, 1979:94).
A História Política engloba a valorização da guerra em seu contexto, além de estudos
sobre o Estado, a formação territorial, o controle das fronteiras, e as relações diplomáticas
(RODRIGUES; SILVA, 2019:14).
A História Militar armazena a memória das instituições militares, como observou
Samuel Huntington, em O Soldado e o Estado, acerca da ética conservadora que enfatiza a
imutabilidade, a irracionalidade, a fraqueza e a maldade da natureza humana que proclama a
supremacia da sociedade sobre o indivíduo e a importância da ordem, da hierarquia e da divisão
de funções (HUNTINGTON, 1996:96).
Na visão de Fernando Velôzo Gomes Pedrosa, militar pesquisador, em A História
Militar Tradicional e a “Nova História Militar”, depois da Segunda Guerra Mundial, o
conceito de História Militar foi ampliado, passando de uma história das guerras para a história
das instituições militares e sua relação com a sociedade. Refere-se às atividades militares, ou
seja, às guerras, campanhas e batalhas (PEDROSA, 2011:2-4). John Keegan observa que “não
é pelo que os exércitos são, mas pelo que os exércitos fazem que as vidas das nações e dos
indivíduos se modificam” (KEEGAN, 2000:31).
O estudo da História Militar, do ponto de vista militar, é importante para o aprendizado
dos conceitos militares teóricos nos níveis estratégico, operacional e tático. Clausewitz
(1979:191) diz que os “exemplos históricos esclarecem tudo; possuem, além disso, um poder
demonstrativo de primeira categoria. Isto verifica-se na arte da guerra mais do que em qualquer
outro campo”.
Pedrosa afirma que a pouca atenção do meio acadêmico brasileiro aos temas ligados à
atividade bélica é evidente para os próprios historiadores mais ligados à História Militar no país
(PEDROSA, 2011:12).
A Nova História Militar corresponde a uma corrente historiográfica surgida após a
Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos da América (EUA). Cabe salientar que o mundo
vivenciava o confronto ideológico da guerra fria e que os EUA, em especial, sofrera óbices por
conta da guerra do Vietnã. No Brasil, a Nova História Militar teve início na década de 1990,
após o fim da guerra fria e dos governos militares (PEDROSA, 2011:11).
Enquanto os historiadores militares possuem a ação bélica como tema central, a “Nova
História” pretende ser uma “História Total”, rejeitando a divisão em histórias parciais. Todavia,
a História Militar tradicional e a Nova História Militar são complementares (PEDROSA,
2011:14).
A História Militar tradicional tem sido o campo de “militares historiadores”.
Em geral, tem pouca acuidade metodológica, pois não resulta do trabalho de
historiadores profissionais, mas de aficionados. Tende, portanto, à
grandiloquência e à adjetivação excessiva. É basicamente uma história
descritiva e busca o ideal de apresentar “os fatos como aconteceram”. Em
função dessas características, ficou conhecida depreciativamente nos Estados
Unidos como “História-Batalha” ou História de “tambores e clarins”
(PEDROSA, 2011:8).
Para a compreensão do interesse político do Brasil na Guerra do Chaco, torna-se
imprescindível analisar o pensamento de Mário Travassos, modelado durante sua carreira
militar e registrado em suas obras. Em Projeção Continental do Brasil, de 1935, trata a política
interna do Brasil interligada à política continental. Rodrigues e Silva (2019, p. 8) ressaltam que
“o pensamento geopolítico de Travassos influenciou diretamente na geração de militares do pós
segunda guerra mundial, aqueles que produziram e renovaram conhecimento teórico sobre
geopolítica no Brasil”.
A teoria do heartland, desenvolvida pelo geógrafo inglês Mackinder (1904),
corresponde à tese defendida por ele que o coração da terra estava situado na zona territorial
que abrange os continentes europeu e asiático. Aplicando a teoria de Mackinder, no contexto
sul-americano, Mário Travassos utilizou o conceito de heartland para a necessidade vital
brasileira de domínio dos altiplanos bolivianos, sistematizando os interesses de poder do Estado
Brasileiro, nos anos 1930 e 1940, e as relações do Brasil com a Argentina.
A respeito da Bolívia, como centro geográfico da América do Sul, Travassos avalia a
importância estratégica do país ao dizer que o “chamado triângulo econômico Cochabamba -
Santa Cruz de la Sierra – Sucre, verdadeiro signo da riqueza boliviana” (TRAVASSOS,
1938:25). Portanto, ter o controle deste ponto estratégico seria vital para a disputa do poder sul-
americano.
Outro conceito fundamental para ser apreciado é o de fronteiras. Entender como as
fronteiras do Brasil e a dos países envolvidos direta ou indiretamente na Guerra do Chaco foram
sendo demarcadas possibilita a compreensão de prováveis causas para a eclosão do conflito,
bem como a diplomacia efetuada. Na obra História das Fronteiras do Brasil, Hélio Viana
procura assinalar “os vários tipos de fronteiras que possuímos, assim como suas principais
características” (VIANA, 1948:7).
Por sua, vez, Sérgio Buarque de Holanda publicou o livro O Extremo Oeste,
contribuindo para a compreensão acerca das construções e reconstruções das fronteiras na
América do Sul. Deste modo, afirma Holanda (1986:25), em relação aos tempos de colonização
do Brasil que “as áreas povoadas, tomadas ao índio e ao mato, não passam, em geral, de
estabelecimentos dispersos sobre o vasto litoral e ainda mal plantados na terra.”
O professor José D’Assunção Barros, em O Campo Histórico, diz que o tipo de história
correspondente a maior parte da prática historiográfica baseia-se em registros, enfatizando os
textos ou fontes escritas (BARROS, 2002:133).
O professor Durval Muniz de Albuquerque Júnior, no capítulo A dimensão retórica da
historiografia, do livro O historiador e suas fontes, emprega o conceito de História do Discurso,
chamando a atenção quanto a necessidade de interrogar os discursos produzidos como
construções narrativas, em especial, no campo da História Política, carecendo de uma análise
ideológica (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009:233-234).
O presente estudo recorre à História Textual ou História do Discurso, privilegiando a
análise de fontes escritas. Deste modo, utiliza documentos impressos e manuscritos (registros
escritos) da série Ministério da Guerra e Estado Maior do Exército (EME), durante o período
de 1932 a 1935, além do Acervo Pessoal do General Waldomiro Castilho de Lima, que se
encontra no Arquivo Histórico do Exército, situado no Palácio Duque de Caxias, atual sede do
Comando Militar do Leste, Organização Militar do Exército Brasileiro localizada na cidade do
Rio de Janeiro.
Estes registros escritos tornam-se objeto de estudo, deixando pistas a serem entendidas
através da análise. A pretensão da investigação traduz-se na apreciação dos documentos escritos
produzidos pelo Exército brasileiro e, mais especificamente, do estudo sigiloso feito sob a
direção do General Waldomiro Castilho de Lima, da Inspetoria do 1º Grupo de Regiões
Militares sobre A Questão do Chaco Boreal, de 1934 (BRASIL, 1934); e do Relatório Secreto
Synthese das informações colhidas sobre a guerra boliviano-paraguaya, no Chaco Boreal, e
seus antecedentes, produzido pela 2ª Seção do Estado Maior do Exército, de 1935 (BRASIL,
1935).
A inserção de imagens são meramente ilustrativas para apoiar a discussão. Não foi
objetivo da pesquisa trabalhar analiticamente com as imagens, todavia foram produzidas a partir
da bibliografia e das fontes citadas.
2 A FORMAÇÃO DAS FRONTEIRAS ENTRE ARGENTINA, BRASIL, BOLÍVIA E
PARAGUAI
O estudo das fronteiras é de fundamental importância para a compreensão de todo o
processo iniciado desde a partilha da América do Sul entre as principais potências europeias
colonizadoras da América na época: Espanha e Portugal, até a Guerra do Chaco.
No Brasil, a Divisão de Fronteiras do Ministério das Relações Exteriores coordena as
atividades atinentes à demarcação de limites. Em especial, a Segunda Comissão Brasileira
Demarcadora de Limites, sediada no Rio de Janeiro, é responsável pelas fronteiras do Brasil
com Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai (VARGAS, 2017:76). Isso representa que,
passados séculos desde a colonização da América por nações europeias, atualmente os Estados
foram sendo criados e seus limites e fronteiras foram sendo estabelecidas.
A definição de fronteira, segundo Hélio Viana na obra História das fronteiras do Brasil,
“paira num ambiente mais elevado: político, étnico, econômico, certamente ligado às condições
climáticas e geográficas” (VIANA, 1948:12). Hélio Viana define que a concepção de limite
ocorre no domínio físico e geográfico (VIANA, 1948:12). Com isso, pode-se inferir que
fronteira é um conceito distinto e mais complexo do que limite.
Hildebrando Accioly, Geraldo Eulálio do Nascimento Silva e Paulo Borba Casella
afirmam que “é muito comum a confusão entre as palavras limite e fronteira, e, na verdade, na
linguagem usual elas não se distinguem. Limite é uma linha, ao passo que a fronteira é uma
zona” (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2009:549).
Na visão de Fábio Aristimunho Vargas, fronteira designa “os limites territoriais de um
Estado. Existe, porém, certa distinção entre fronteira e limite” (VARGAS, 2017:36). A fronteira
como lugar corresponde a um espaço de convívio entre pessoas distintas, um espaço de
socialização, havendo certo grau de coesão à comunidade fronteiriça e propiciando o
desenvolvimento de múltiplas identidades (VARGAS, 2017:50).
Dois outros conceitos são relevantes para serem destacados. Delimitação é o
procedimento formal por meio do qual se fazem atos solenes de determinação dos traçados de
fronteira entre os Estados envolvidos, estabelecendo-se direitos e obrigações mútuos. Já
demarcação refere-se ao momento em que são colocados, por comissões de limites, marcos em
um dado território a ser dividido (VARGAS, 2017:75).
Para Carlos de Meira Mattos, pensador geopolítico brasileiro da segunda metade do
século XX, na obra Geopolítica e teoria das fronteiras, a fronteira é sempre uma área sensível,
havendo o choque de interesses soberanos diferentes, dirigidos por polos de poderes diversos,
o que provocam um jogo de pressão capaz de levar à desarmonia e ao conflito entre Estados
(MATTOS, 1990:5).
Os contornos de cada uma das linhas de fronteiras que estes países da América do Sul
conformam entre si, na atualidade, são o resultado de um processo histórico decorrente de
fatores econômicos, sociais, políticos e diplomáticos que trabalharam na legitimação da posse
territorial e na formalização das fronteiras (VARGAS, 2017: 29). Entender o processo de
formação das fronteiras entre esses países, que possuem em comum proximidade com a região
do Chaco Boreal, é imprescindível para analisar a diplomacia e a política externa realizadas por
cada um destes Estados, bem como levantar prováveis causas para a eclosão da Guerra do
Chaco.
As fronteiras entre os Estados são delimitadas por acordos bilaterais entre os países e os
critérios para o seu estabelecimento dependem do entendimento dos envolvidos. Já a
formalização das fronteiras é realizada pelo processo contínuo de reconhecimento mútuo de
dois ou mais países, de delimitação e de demarcação de limites (RODRIGUES, 2020:51).
A partir de 1928, por iniciativa do chanceler brasileiro Octávio Mangabeira, os trabalhos
de demarcação no Brasil tornaram-se sistemáticos, a cargo de três Comissões: a do Norte
(abrangendo as fronteiras com as Guiana e a Venezuela), a do Oeste (Colômbia, Peru e Bolívia)
e a do Sul (Paraguai, Argentina e Uruguai). Por decreto de 1934, ficou estabelecido que as
Comissões Brasileiras Demarcadoras de Limites tivessem organização militar, o que acontecia
desde o Império, e que o serviço prestado em demarcação de fronteiras teria preferência, em
tempo de paz, em relação a qualquer outra comissão (RODRIGUES, 2020:142).
Em 1939, as Comissões Brasileiras Demarcadoras de Limites foram reduzidas a apenas
duas, com as denominações de Primeira Divisão (a do Norte, abrangendo as fronteiras com as
Guianas, Venezuela, Colômbia e Peru) e Segunda Divisão (a do Sul, englobando as fronteiras
com a Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai). Em definitivo, a nomenclatura atualmente
utilizada foi implementada em 1973, determinando que a Primeira Comissão Brasileira
Demarcadora de Limites (PCDL) atuasse no Norte e que a Segunda Comissão Demarcadora de
Limites (SCDL) atuasse no Sul.
2.1 FRONTEIRA DO BRASIL COM O PARAGUAI
A primeira linha de fronteiras entre o Brasil e o território hoje pertencente à República
do Paraguai foi fixada, ainda, no período colonial, no Tratado de Madrid, de 1750. Em 1777,
através do Tratado de Santo Idelfonso, a fronteira entre ambos os países foi restabelecida pelo
rio Igureí (VIANA, 1948:174-175).
Sob o Primeiro Reinado, estabelecidas as relações diplomáticas entre o Brasil e o
Paraguai, a questão de fronteiras veio à tona por conta das incursões indígenas paraguaias em
relação com os habitantes brasileiros de Coimbra e Albuquerque (VIANA, 1948:176). O
contato do índio com os brasileiros, atraídos a um lugar aparentemente promissor, revelava a
estes que o nativo indígena possuía resistência à fome, a sede, ao cansaço, familiaridade com
seus produtos comestíveis ou medicinais de uma natureza agreste que exigia abnegação e
desconforto de qualquer indivíduo (HOLANDA, 1986:29-30). A respeito das tensões entre os
índios e brasileiros, Sérgio Buarque de Holanda em O Extremo Oeste, revela que a região do
atual Centro-Oeste do Brasil, em especial o Estado atual do Mato Grosso do Sul possui como
prolongamento natural o Paraguai, fato esse que explica o intenso contato, desde o período
colonial, entre os indígenas nativos e os colonos hispânicos e portugueses, num primeiro
momento, e entre indígenas e brasileiros, após da independência do Brasil (HOLANDA,
1986:152). Tal característica indigenista paraguaia na região do Chaco Boreal e do Pantanal se
deveu a sua ligação histórica com a então Província de Assunção, evitando, inclusive, sua
inclusão na esfera de influência de Buenos Aires e, consequentemente, da Argentina.
O Paraguai, uma parte do Vice-Reinado da Prata, a partir da independência em 1811,
procurou isolar-se dos outros Estados do Rio da Prata, mediante a prática econômica autárquica
de forte cunho agrarista e sistema de governo federalista, fatores que dificultaram a distinção
de fronteiras (PRADO, 1994:39). O poder passou para as mãos de uma junta, da qual fazia parte
Gaspar Rodríguez de Francia, que tomou partido contrário às pretensões dominadoras de
Buenos Aires, tornando-se ditador que governou o Paraguai de 1814 até 1840, ano de sua morte
(PRADO, 1994:53).
No projeto apresentado ao governo imperial, a fronteira seguiria o rio Paraná, a serra de
Amambaí e a de Maracaju, até as vertentes do rio Branco e, deste rio até sua confluência na
margem esquerda do rio Paraguai (VIANA, 1948:176).
Em 6 de abril de 1856, foi assinado um Tratado de Limites no Rio de Janeiro, ratificado
em Assunção em 13 de junho do mesmo ano, entre os ministros José Maria da Silva Paranhos
e José Berges, mantendo a reciprocidade do respeito ao uti possidetis (VIANA, 1948:178).
Em acordo com o Tratado da Tríplice Aliança, assinado em Buenos Aires em 1º de maio
de 1865, os limites com o Paraguai, do lado do rio Paraná, seria o primeiro rio abaixo do Salto
das Sete Quedas; do lado da margem esquerda do rio Paraguai, pelo rio Apa. No interior, os
limites seriam delimitados pelos cumes da serra de Maracaju, tendo a leste o Brasil e a oeste o
Paraguai, em direção às nascentes do Apa e do Igureí (VIANA, 1948:179-180). O Brasil tinha
problemas de fronteiras com o Paraguai, considerava a livre navegação dos rios Paraná e
Paraguai uma questão vital para o Império e imprescindível para atingir Mato Grosso e toda a
região central do país. Entretanto, as tensões entre os dois países mantiveram-se constantes e a
entrada do Brasil na guerra do Paraguai correspondia ao seu desejo de ter hegemonia sobre a
bacia desses rios (PRADO, 1994:55).
Em desacordo com um artigo do Tratado da Tríplice Aliança que beneficiaria a
Argentina, o Brasil estava disposto a ceder ao Paraguai a faixa de terra entre o Igureí e as Sete
Quedas, desde que o governo de Buenos Aires não se apropriasse do trecho do Chaco. Diante
do desentendimento dos aliados, o Brasil negociou separadamente com o Paraguai os Tratados
de Paz e Amizade Perpétua e de Limites, em 9 de janeiro de 1872 (PRADO, 1994:180). Pelo
Tratado de 1872, o Brasil garantiu a posse do território reivindicado entre os rios Apa e Branco,
atual parte do Mato Grosso do Sul (GARCIA, 2005:92).
O Tratado Complementar de Limites, assinado em 27 de maio de 1927, foi assinado no
Rio de Janeiro pelo ministro Otávio Mangabeira, titular das Relações Exteriores, e Rogélio
Ibarra, representante paraguaio, restabeleceu a linha fronteiriça entre a foz do rio Apa e a baía
Negra (VIANA, 1948:182). Pelo acordo, definiram-se os limites no trecho rio Apa-Baía Negra
e passou-se a empregar o talvegue para a execução da delimitação fluvial, englobando também
as ilhas nesse critério (VARGAS, 2017:284) (FIGURA 1).
FIGURA 1 – Fronteira do Brasil com o Paraguai
FONTE: Brasil (2020).
2.2 FRONTEIRA DO BRASIL COM A BOLÍVIA
Um ano após a assinatura do Tratado de Madri, a capitania de Mato Grosso foi instalada,
cuja sede foi propositalmente levada para perto da fronteira, em 1752, quando se criou, à
margem direita do rio Guaporé, a Vila Bela da Santíssima Trindade, depois cidade de Mato
Grosso. Em 1753, foi colocado um marco no trecho fronteiriço do rio Paraguai, até a foz do
Jauru, não havendo continuidade das demarcações que deveriam ser feitas a partir deste marco
(VIANA, 1948:220).
Anulado o Tratado de Madri pelo do Pardo, em 1761, não se alterou a situação
fronteiriça de Mato Grosso, apesar da nova guerra espanhola-portuguesa. Nesta época, o
governador Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres fundou o presídio de Nova
Coimbra, no rio Paraguai, em 1775; e o forte Príncipe da Beira, no Guaporé, em substituição
ao da Conceição, em 1776 (VIANA, 1948:220).
Com a constituição do novo país sul americano, a Bolívia, o Império iniciou relações
diplomáticas a partir de 1831. Pouco depois, em 1834, o general boliviano Mariano Armaza,
encarregado de negócios junto ao Império do Brasil, chefiou a primeira missão diplomática de
representação dos interesses da Bolívia em solo estrangeiro que tentou, sem êxito, fixar limites
com o Império (VIANA, 1948:220).
Na sequência, diplomatas brasileiros mantiveram uma postura em prol dos ajustes de
fronteira com a Bolívia, como ocorrido em 1851 e 1852, com o diplomata Duarte da Ponte
Ribeiro; em 1860, com o diplomata Antônio da Costa Rêgo Monteiro; e em 1863, através do
seu sucessor Antônio Pedro de Carvalho Borges, depois Barão de Carvalho Borges. Todos estes
diplomatas brasileiros falharam na tentativa de fixar os limites com a Bolívia (VIANA,
1948:220).
Em 1865, com a divulgação do texto secreto do Tratado da Tríplice Aliança contra o
governo do Paraguai, a Bolívia reclamou contra a errônea divisa argentina, que prejudicaria os
direitos bolivianos a uma parte do Chaco (VIANA, 1948:222).
O Tratado de La Paz, assinado em 1867 pelo deputado Filipe Lopes Neto, depois Barão
de Lopes Neto, com o ministro das Relações Exteriores Mariano Donato de Muñoz foi
ratificado no mesmo ano, submetido ao Congresso boliviano e por ele aprovado no ano seguinte
para a promulgação como lei da República. Este tratado tinha como pano de fundo a Guerra do
Paraguai e o interesse geopolítico brasileiro de estreitar os laços com a Bolívia (VIANA,
1948:222).
A partir de 1877, o Brasil tivera a questão do Acre em pauta para a resolução dos
desentendimentos dos exploradores brasileiros da borracha na região. Em 1901, o governo
boliviano decidiu arrendar a região conflagrada a um consórcio de capital anglo-americano,
com sede em Nova Iorque, o Bolivian Syndicate, que passaria a desfrutar de uma soberania
terceirizada (VARGAS, 2017:222).
Diante dessa situação, o Acre teve nomeado governador do Estado independente o
militar gaúcho José Plácido de Castro, que liderou a Revolução Acreana, resultando em derrota
das forças bolivianas em 1902 e proclamação da Terceira República do Acre, em 27 de janeiro
de 1903. Na iminência de um conflito armado, o governo brasileiro fechou o rio Amazonas e
indenizou previamente a empresa Bolivian Syndicate em cento e catorze mil libras esterlinas,
em troca da desistência no arrendamento das terras acordadas com a Bolívia (VARGAS,
2017:223-224).
Com o Tratado de Petrópolis, firmado em 1903, garantiu-se a modificação de trechos
da fronteira (FIGURA 2), mediante o pagamento de dois milhões de esterlinos e a construção
da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (VIANA, 1948:192).
FIGURA 2 - Fronteira central do Brasil com a Bolívia (Rondônia e Mato Grosso)
FONTE: Brasil (2020)
Em síntese, a fronteira entre Bolívia e Brasil, caracterizada por atravessar dois
importantes biomas da América do Sul, o Pantanal e a Amazônia, foi marcada pela Questão do
Acre, resultando em perda territorial boliviana em prol do Brasil, mediante indenização
(VARGAS, 2017:214). O Estado brasileiro buscava ampliar sua ação intervencionista sobre o
território nacional e sua população, por meio da construção de uma ferrovia. Durante esse
período houve um aumento da presença e nas atividades do poder público central aliado ao
capital privado (RODRIGUES, 2020:62).
A região fronteiriça começa em pleno pantanal do rio Paraguai (FIGURA 3),
atravessando lagos e corixas, depois de pequenas elevações margeia o Guaporé e o Mamoré,
afinal alcançando os rios Abuman e Acre (FIGURA 4). É, portanto, essencialmente fluvial,
embora intercalada de trechos secos (RODRIGUES, 2020:235).
FIGURA 3 – Fronteira sul do Brasil com a Bolívia (Mato Grosso do Sul)
FONTE: Brasil (2020).
FIGURA 4 – Fronteira norte do Brasil com a Bolívia (Acre e Rondônia)
FONTE: Brasil (2020).
2.3 FRONTEIRA DO BRASIL COM A ARGENTINA
Em 25 de maio de 1810 eclodia em Buenos Aires, liderado pelos setores liberais e
ligados ao comércio, um movimento pela emancipação do Rio da Prata ao domínio espanhol.
O Vice-Reinado da Prata abrangia durante o período colonial uma vasta região, da qual faziam
parte os atuais Estados do Uruguai, da Argentina, da Bolívia, do Paraguai e o norte do Chile
(PRADO, 1994:38). A atual Argentina compreendia três regiões bem específicas: A primeira
era a de Buenos Aires e sua província, que monopolizava o movimento de exportações de toda
a região; A segunda, a do litoral dos rios (Santa Fé, Corrientes), tinha por aspiração a livre
navegação desses rios para escoar sua produção pecuária; e a terceira, chamada de interior
(Córdoba, La Rioja, Tucumán), compreendia os espaços que se dedicavam à agricultura de
subsistência e ao artesanato (PRADO, 1994: 39). Portanto, a futura Argentina estava dividida
em regiões com interesses econômicos diversos, que se envolveram numa longa disputa pela
direção do poder político.
Nessa conjuntura de domínio dos caudilhos federalistas surgiu, em Buenos Aires, Juan
Manoel de Rosas, personagem que concentrou em suas mãos poder político e que dividiu o país
em duas correntes políticas: rosistas e anti-rosistas (PRADO, 1994:42). Ao caudilhismo se
contrapunha o unitarismo advindo das cidades. A luta armada contra Rosas começou em 1839,
mas só foi vitoriosa em 1852, quando se uniram o governador de Entre Ríos, Urquiza, o
caudilho do Partido Blanco uruguaio, Rivera, e o Brasil (PRADO, 1994:45).
Em 1853 a Constituição argentina foi jurada, tornando-se um Estado liberal, republicano
e federal. Os rios interiores passaram a ter livre navegação, resolvendo-se assim o velho
problema das províncias do litoral (PRADO, 1994:45).
Já em 1857, o Império buscou negociar com a Confederação Argentina, na cidade de
Paraná, um Tratado de Limites, aprovado pelo Congresso argentino, mas tornado sem efeito
pelo governo da Confederação porque o Brasil não quis aliar-se a ele para submeter pelas armas
a província de Buenos Aires (VARGAS, 2017:199). A realidade é que haviam discordâncias
internas na Confederação Argentina, somente apaziguadas após a vitória de Mitre sobre
Urquiza na batalha de Pavón, em 1861, unificando o país (PRADO, 1994:47). Foi preciso
esperar até 1862, com a assunção da presidência da República Unida por Mitre, para que o país
constituísse em um Estado organizado e estruturado em moldes nacionais (PRADO, 1994:41).
Somente em 1876, com o acordo de paz reconhecido, a Argentina passou a constituir os
limites com o Brasil (PRADO, 1994:177). Em 25 de janeiro de 1880, reunidos em Montevidéu
os representantes do Brasil, Quintino Bocaiúva e o Barão de Alencar, e os argentinos Estanislao
Zeballos e Enrique Moreno, assinaram o Tratado que delimitaria o território confinado a oeste
com Missiones, na Argentina, e ao sul com o Estado do Rio Grande do Sul (VIANA, 1948:201-
202).
Em face da rejeição do Tratado de Montevidéu, Brasil e Argentina decidiram levar o
litígio ao presidente dos Estados Unidos da América, Grover Cleveland que, em 5 de fevereiro
de 1895, delimitou a fronteira pelos rios Pepiriguaçu e Santo Antônio, o que atendia aos anseios
do Brasil. O Laudo Arbitral de 1895 deu ganho de causa ao Brasil, sendo então incorporados
os territórios em litígio incorporados aos estado de Santa Catarina e Paraná (VIANA,
1948:203).
Em 18 de junho, 15 de julho e 8 de agosto de 1904, respectivamente descritas nas 1ª, 2ª
e 3ª Atas das Conferências da Comissão Mista de demarcação, a linha divisória entre Brasil e
Argentina ficou delineada (VIANA, 1948:204). Com isso, a fronteira entre o Brasil e a
Argentina foi levantada e demarcada de 1901 a 1904.
A 4 de outubro de 1910, em Buenos Aires, foram assinadas a distribuição entre os dois
países as ilhas existentes nos rios Uruguai e Iguaçu. A região fronteiriça do Brasil com a
Argentina compreende três zonas distintas, sendo duas no Estado do Rio Grande do Sul e a
terceira nos Estados de Santa Cantarina e Paraná (VIANA, 1948:205).
A questão fronteiriça nunca foi motivo de grave desentendimento entre Brasil e
Argentina. Em 27 de dezembro de 1927, Brasil e Argentina firmaram em Buenos Aires a
Convenção complementar de limites, que aperfeiçoou a delimitação pelo rio Uruguai e
determinou que se erigissem novos marcos no Brasil. Com isso, a delimitação da fronteira entre
estes países passa pelos rios Uruguai, Peperi-Guaçu e Iguaçu, desde a confluência do Quaraí
até o Alto Paraná (VARGAS, 2017:178-185) (FIGURA 5).
FIGURA 5 – Fronteira do Brasil com a Argentina
FONTE: Brasil (2020).
2.4 FRONTEIRA DA ARGENTINA COM O PARAGUAI
A independência do Paraguai, em 15 de maio de 1811, sem conflitos, representou a
busca pela autonomia em relação ao governo de Buenos Aires, que tardou em reconhecer a
independência paraguaia, além de reivindicar territórios do antigo Vice-Reino do Rio da Prata
(VARGAS, 2017:202).
A Confederação Argentina reconheceu a independência paraguaia somente em 17 de
julho de 1852, após assinatura de um acordo que concedia a província de Missiones à Argentina
(VARGAS, 2017:202-203).
O Tratado da Tríplice Aliança ofensiva e defensiva contra o governo do Paraguai,
firmado em Buenos Aires em 1º de maio de 1865, estabeleceu as bases da aliança militar e as
condições para a celebração da paz (VARGAS, 2017:203).
O erro do Tratado da Tríplice Aliança, atribuindo à Argentina todo o Chaco paraguaio,
foi percebido pelo Brasil que, mais tarde, buscou a correção pelo laudo arbitral do presidente
Hayes, dos Estados Unidos da América (VIANA, 1948:130). Esta decisão arbitral proferida em
12 de novembro de 1878, adjudicou ao Paraguai a totalidade da área de litígio, fazendo com
que a Bolívia não tivesse seus pleitos considerados pelo árbitro (VARGAS, 2017:206).
No Brasil, o tratado foi criticado por terem sido consideradas excessivas as concessões
territoriais feitas à Argentina, em especial, a totalidade do Chaco Boreal. O acordo de paz entre
Argentina e Paraguai foi firmado apenas em 3 de fevereiro de 1876, em Buenos Aires, através
do qual o Paraguai renunciou o Chaco Boreal (VARGAS, 2017:203-204).
2.5 FRONTEIRA DA ARGENTINA COM A BOLÍVIA
Em 1776, a Real Audiencia de Charcas, circunscrição jurisdicional espanhola ao redor
da qual se originaria a Bolívia, foi integrada pela administração colonial ao Vice-Reino do Rio
da Prata, cuja capital, Buenos Aires, daria origem à Argentina. Em virtude da sobreposição de
territórios reivindicados, Argentina e Bolívia configurariam questões de limites nas primeiras
décadas de independência, em especial quanto às regiões de Tarija, Puna de Atacama e Chaco
Boreal (VARGAS, 2017:169).
Tarija, hoje parte da Bolívia, pertenceu à Argentina até a década de 1830. As vitórias do
exército peru-boliviano contra forças argentinas em 1838 viriam a consolidar esta situação.
Mesmo com a dissolução da Confederação Peru-Boliviana, em 1839, Tarija permaneceu
boliviana (VARGAS, 2017:170).
Em 1878, a Bolívia manifestou-se contrária à arbitragem entre Argentina e Paraguai
sobre a posse da região entre os rios Bermejo e Paraguai, parte do Chaco Boreal cuja posse a
Bolívia reivindicava com base em títulos coloniais. A sentença arbitral denominada Laudo de
Hayes, proferida pelo presidente dos EUA, ao ter sido favorável ao Paraguai, contribuiu para
aumentar a controvérsia territorial entre Bolívia e Paraguai, desembocando na Guerra do Chaco
(VARGAS, 2017:171).
Em 10 de maio de 1889, no contexto do fim da Guerra do Pacífico (1879-1883), em que
a Bolívia e o Peru saíram derrotados diante do Chile, a Bolívia firmou com a Argentina um
acordo secreto em que cedia a esta parte da região de Puna de Atacana em troca da Argentina
abrir mão de reivindicações sobre Tarija (VARGAS, 2017:171-172).
Em 1891, Argentina e Bolívia acordaram uma retificação ao Tratado de 1889, por meio
da qual os bolivianos transferiram aos argentinos a totalidade do território de Puna de Atacana.
O Tratado de 1925 estabeleceu o traçado definitivo da fronteira Argentina-Bolívia (VARGAS,
2017:173-176).
2.6 FRONTEIRA DA BOLÍVIA COM O PARAGUAI
A fronteira entre Bolívia e Paraguai é marcada pela controvérsia acerca dos limites na
região do Chaco Boreal, com os países opondo títulos a sustentar suas pretensões territoriais na
região, culminando com a Guerra do Chaco, considerada a maior guerra nas Américas no século
XX (VARGAS, 2017:264).
Para a Bolívia, interessava a posição estratégica do Chaco, que lhe permitia acesso ao
Oceano Atlântico pelo rio Paraguai, em virtude de sua condição mediterrânea desde a perda do
litoral para o Chile na Guerra do Pacífico. De um lado, a Bolívia alegava os direitos coloniais
atinentes à Real Audiencia de Charcas, e de outro, o Paraguai invocava a reorganização
territorial da Coroa espanhola, que colocou a região sob a administração do Vice-Reino do Rio
da Prata (VARGAS, 2017:264).
Em que pese o fato das pretensões territoriais de ambas as partes, a maior parte da região
do Chaco era desocupada até o início do conflito. Tendo durado de 1932 a 1935, a Guerra do
Chaco inspirou a celebração do Pacto Antibélico ou Pacto Saavedra Lamas, em 1933, um
acordo multilateral firmado por mais de vinte países que condenava os conflitos bélicos
(VARGAS, 2017:265-267). O Pacto, definido durante a Guerra do Chaco, contou com a adesão
de várias nações, condenando a guerra, propondo solução pacífica dos problemas internacionais
e servindo de tentativa de se evitar a eclosão de conflitos fronteiriços na América (MOREIRA;
QUINTEROS; SILVA, 2010:184).
O Laudo arbitral del Chaco, proferido em Buenos Aires em 10 de outubro de 1938,
detalhou o traçado da fronteira adjudicando-se em torno de 350.000 Km2 do território em litígio
ao Paraguai, correspondendo a três quartos do total (VARGAS, 2017:269) (FIGURA 6).
FIGURA 6 - Mapa com decisão arbitral que dividiu o território em litígio
FONTE: Argaña (1938)
Diante do exposto, o estudo da formação das fronteiras entre Brasil, Argentina, Paraguai
e Bolívia é imprescindível para o entendimento do processo de disputas territoriais por estes
países envolvidos direta e indiretamente na Guerra do Chaco, facilitando o esclarecimento sobre
a diplomacia e conflito bélico envolvidos.
3 A GUERRA DO CHACO NA VISÃO DE MILITARES DO EXÉRCITO BRASILEIRO
A compreensão da Guerra do Chaco, sob o ponto de vista de militares do Exército
Brasileiro, carece da análise de dois documentos produzidos no âmbito da Força Terrestre
brasileira durante o desenvolvimento da fase bélica deste conflito: A questão do Chaco Boreal,
estudo sigiloso produzido no ano de 1934 pela Inspetoria do 1º Grupo de Regiões Militares, sob
a direção do General Waldomiro Castilho de Lima; e Synthese das informações colhidas sobre
a guerra boliviano-paraguaya, no Chaco Boreal, e seus antecedentes, Relatório Secreto
elaborado pela 2ª Seção do Estado-Maior do Exército, em 1935.
No início do Apêndice do estudo dirigido pelo General Waldomiro Castilho de Lima,
fica evidenciada a solicitação do Ministro da Guerra, General Pedro Aurélio de Góes Monteiro,
para apresentação da questão do Chaco Boreal “que faz parte de um trabalho que estou
elaborando referente a Defesa Nacional e que de alguma sorte interessam urgentemente, no
momento atual político e militar sul americano à Defesa Nacional” (BRASIL, 1934:2). Esse
registro revela a preocupação do alto escalão militar brasileiro em relação ao conflito, de modo
a buscar subsidiar futuras decisões na esfera política do Governo, e a política intervencionista
dos militares do Exército Brasileiro. A situação das forças armadas revelava que o Forte
Coimbra, por exemplo, não estava preparada para uma guerra, contando com armamento,
estrutura e dispositivos defasados, além de ser uma guarnição de difícil recompletamento para
o quadro de oficiais, o que demonstrava a falta de interesse dos militares em servir neste local
(BRASIL, 1934:4). Aliado a esses fatores, havia a percepção da elite militar da demanda por
melhorias na defesa do forte para barrar o acesso ao Brasil pelo rio Paraguai frente a
incontestável superioridade naval da esquadra argentina, que poderia dificultar os transportes
marítimos e as comunicações do Brasil nos seus rios e no litoral (BRASIL, 1934:7-10). Apesar
de ser um conflito envolvendo Bolívia e Paraguai, pode-se perceber que o Brasil estava
impactado direta ou indiretamente com o desenrolar dos acontecimentos da guerra, quer seja
no nível militar, quer seja no diplomático ou político.
No terceiro capítulo do relatório secreto da 2ª Seção do Estado-Maior do Exército, fica
exposto o exame constante e minucioso da situação internacional do Brasil, em face do conflito,
na previsão das consequências no campo militar. Havia um posicionamento claro do Brasil em
torno da insatisfação argentina com o desmembramento do Vice-Reinado do Prata (BRASIL,
1935:105). A influência argentina preocupava as autoridades militares brasileiras, em especial,
por conta da expansão ferroviária argentina para as cidades bolivianas de Santa Cruz de la Sierra
e Puerto Suarez, além da destinação de 600 milhões de pesos para a continuidade do programa
de comunicações do Ministério de Obras Públicas da Argentina (BRASIL, 1935:7). No quarto
capítulo deste relatório, apesar do título afirmar que trata-se do Teatro de Operações como foi
visto pelos combatentes, não há indicação de quem foram tais combatentes que expressaram
ponto de vista sobre as operações militares, o que leva a crer que a visão apresentada baseou-
se no que os militares brasileiros analisaram das informações obtidas pelo sistema de
inteligência. Em resumo, essa apreciação foi realizada através da análise do terreno, condições
meteorológicas e disposição dos fortins e tropas de ambos os países envolvidos na guerra
(BRASIL, 1935:121-125).
Ampliando-se a discussão sobre prováveis causas para as contendas das antigas colônias
hispânicas na América do Sul, deve ser levado em consideração que a colonização hispânica
permitiu “não haverem alguns países ainda traçado definitivamente as suas fronteiras,
mantendo discussões e pendências diplomáticas que se eternizam e que já tem causado muito
sangue e muitas questões políticas agitadas” (BRASIL, 1934:1). A respeito da formação das
nacionalidades paraguaia e boliviana:
...já semeadas de discórdia, sofreu, durante vários séculos grandes
perturbações, pelas instituições [...] expedidas pelo rei de Espanha, as quais
estabeleceram diversas delimitações sucessivas que deram ao território
colonial outros tantos governos [...] com os quais pretendeu corrigir os erros
anteriores, mas que, sempre feitos sem o conhecimento das condições
geográficas locais e obedecendo muitas vezes a injunções políticas, ainda mais
complicaram as questões de limites e de jurisdição, especialmente entre o
Peru, a Bolívia, a Argentina e Paraguai (BRASIL, 1934:3).
Para agravar ainda mais a situação, na região do Chaco haviam diversas empresas
industriais argentinas a quem o governo prestava auxílios por meio de sua influência no
Paraguai (BRASIL, 1934:8). Além disso, a projeção estratégica argentina angariou o controle
do transporte do petróleo do oriente boliviano como parte da articulação econômica da
Argentina com esta região, apoiado por um articulado sistema ferroviário (SILVEIRA,
2009:652). Sob este prisma, uma guerra na região não consistiria em bom negócio para os
argentinos. Para estes, a posse de Villa Occidental, localizada na margem oposta de Assunção,
no rio Paraguai, era a base para seu país colonizar o Chaco (DORATIOTO, 2019:3-10).
Visando o povoamento da região do Chaco, o Paraguai concedeu terras para tornar efetiva a
sua ocupação. Cabe salientar que grandes tratos de terras foram outorgados às empresas
inglesas, americanas e argentinas, ocupando as últimas 50% das concessões, tudo com a
finalidade de explorar o quebracho, conhecido no Brasil pelo nome de baraúna (BRASIL,
1935:19).
De modo a compreender a questão que envolvia a cobiça pela região do Chaco Boreal,
por um lado, para a Bolívia era extremamente necessário obter uma saída para o Atlântico pelo
rio Paraguai e, de outro lado, o Paraguai possuía empreendimentos industriais enraizados onde
contava encontrar petróleo e outros minerais (BRASIL, 1934:3-4).
Assim sendo, Rodrigues e Silva (2019) destacam o problema relacionado ao isolamento
marítimo da Bolívia, que buscava uma saída para o mar:
Na guerra do pacífico (1879-1883), conflito que envolveu o Chile, a Bolivia
perdeu a região do litoral que lhe possibilitava acesso ao oceano Pacífico. [...]
os interesses bolivianos se voltaram para o rio Paraguai, que seria uma opção
de ligação com o oceano Atlântico pela bacia do Prata (RODRIGUES;
SILVA, 2019:15).
Já o Exército paraguaio, “não se achava em condições de fazer a mobilização, para isso
concorriam a desorganização geral do país, a falta de instrução do povo e a desídia dos
dirigentes” (BRASIL, 1935:86).
A partir de 1928, intensificaram-se as ações de ambos os litigantes para se apoderarem
do território do Chaco. Assim, os avanços dos destacamentos militares constituíram uma longa
linha de contato de onde partiram de parte a parte ataques mútuos (BRASIL, 1934:35). Em
1929, enquanto os beligerantes procuravam avançar sua ocupação no Chaco, “a comissão de
Conciliação de Washington empregava em vão seus esforços para evitar a guerra. Inúteis
também foram os esforços despendidos pela Argentina, Brasil, Chile e Peru” (BRASIL,
1934:35). Em 1930, a Bolívia refeita de sua revolução, passou por um período de agitação
popular em torno da fórmula de guerra, como único meio de solucionar a questão. Já o Paraguai
aproveitou-se das notícias divulgadas e procurou reforçar as suas guarnições do Chaco
(BRASIL, 1935:37).
Ainda nesse período:
Houve mesmo quem denunciasse que o Paraguai estava procurando pôr [...]
800 soldados paraguaios em trajes civis [...] em Corumbá, por pequenas levas
[a fim de] apoderar-se de Puerto Suarez, sede da 5ª Divisão de Exército
boliviana, e cortar as comunicações [...] sem cogitar das consequências da
violação armada do território de uma grande nação neutra, que mantinha
atitude prudente e criteriosa diante das rusgas dos dois vizinhos irrequietos
(BRASIL, 1935:37).
Os direitos alegados pelo Paraguai em suas pretensões ao território do Chaco Boreal
podem ser resumidos em: Santa Cruz de la Sierra não compreendia a região chaquenha; os
limites da região não sofreram alterações; o Paraguai conservou a posse da margem direita do
rio Paraguai e da margem esquerda do Pilcomaio; e de acordo com provas documentais dos
tempos de D. Felipe II, ficaram sob a égide de Assunção todos os territórios, inclusive o Chaco
Boreal (BRASIL, 1934:5). Nesse mesmo sentido, “para o Paraguai, a principal tese defendida
para as causas da guerra diz respeito às questões territoriais. Alegação pautada também, em
documentos coloniais, afirmando que o Chaco pertencia à capital, Assunção” (RODRIGUES;
SILVA, 2019:17).
Por sua vez, a Bolívia baseou-se nos seguintes aspectos para alegar a posse da região do
Chaco Boreal: o território do Chaco Boreal era situado na antiga Gobernation de Nova Toledo,
que constituía parte do território da Audiência das Chargas, de onde surgiu a Bolívia; uma
cédula real de 1563 reconheceu as terras do Chaco como sendo separadas do rio Paraguai; a
divisão em dois governos, feita pela coroa espanhola, pela cédula de 1617, não se estendeu
sobre o Chaco; e em 1810 as nações sul-americanas fixaram o princípio do uti-possidetis
(BRASIL, 1934:5-7). O governo da Bolívia apresentava suas alegações baseadas em
“documentos do período colonial, considerando que suas fronteiras incluíam todas as terras da
antiga Audiência de Charcas, que era a mais alta autoridade jurídica e administrativa no sul do
vice-reinado do Peru, durante os três séculos coloniais” (RODRIGUES; SILVA, 2019:16). Os
argumentos dos bolivianos, portanto, consistiam em questionamentos acerca de remotas
delimitações feitas em uma época em que não se havia conhecimento das terras da região e que
os reis dividiam as mesmas sem conhecê-las, destinando-as aos aventureiros ambiciosos
(BRASIL, 1934:7).
Em síntese, “se para os paraguaios o caso do Chaco resume-se a uma questão de limites,
para a Bolívia, o problema encerra uma questão de posse integral do território” (BRASIL,
1935:40).
Rodrigues e Silva (2019) arrematam a ideia sobre as causas da guerra ao afirmarem que:
As delimitações territoriais consistem em importantes fatores para os
modernos Estados nacionais, pois em sua formação no século XIX, a fronteira
geopolítica traçada por delimitações espaciais era essencial, e fazia parte do
discurso de legitimação das elites locais responsáveis pela formação da nação
(RODRIGUES; SILVA:17).
O nível mais alto de tensão entre os paraguaios e bolivianos ocorreu durante as ações
que visavam a tomada de fortins, destacando-se o momento em que “os paraguaios tomaram o
fortim Vanguardia seguido da tomada, pelos bolivianos, do fortim Boquerón” (BRASIL,
1934:36). Nesse ínterim, salienta-se a ação pontual da aviação de ambos os países e também as
ações de artilharia. Devido às inundações, alguns fortins foram evacuados pelos bolivianos
(BRASIL, 1934:37). Aproveitando deste momento de fragilidade dos bolivianos, o governo
paraguaio “decretou a mobilização, em 3 de agosto de 1932 e fez um apelo a todo o país para
que concorresse à defesa nacional, esse apelo foi atendido e os voluntários compareceram em
massa aos quartéis” (BRASIL, 1935:87). Apesar dos embates, essa fase das operações foi
denominada hostilidades, pelo seu característico de ações isoladas de destacamentos, não
havendo uma ação geral que parecesse seguir a um plano de guerra por conta da escassez dos
efetivos dos beligerantes (BRASIL, 1934:37).
No mesmo dia, 3 de agosto de 1932, “a Comissão dos Neutros convocou a solidariedade
de todos os Governos da América e as 19 nações do continente dirigiram aos governos do
Paraguai e da Bolívia o veemente apelo, no sentido de reconduzirem uma solução pacífica”
(BRASIL, 1935:46).
No estudo das forças militares em um conflito, a observância dos recursos humanos é
um fator de análise imprescindível de ser feito. Sobre o exército paraguaio, seus quadros
contavam com “oficiais jovens, a começar pelo comandante em chefe que tem apenas 46 anos”
(BRASIL, 1935:128). O Adido Militar brasileiro em Assunção teve a seguinte impressão sobre
este comandante militar paraguaio: “É um homem calmo, de espírito repousado, não fala de si
nem de suas glórias. É metódico, e tem hábitos moderados: alimenta-se com sobriedade, só
bebe álcool por exceção e fuma apenas um cigarro por dia, depois do almoço” (BRASIL,
1935:128). Para o Adido Militar brasileiro na Bolívia, o perfil dos soldados bolivianos foi
apresentado pelo critério racial, apontando que o “índio é apático e indiferente, de uma
humildade extrema [...]. O cholo é sonso, desonesto [...]. O branco é egoísta e capaz de grandes
atos de heroísmo levado pela vaidade mas não pela ideia de Pátria. Faz o que pode para não ir
ao Chaco...” (BRASIL, 1935:141).
O ano de 1932 foi assim sintetizado no Relatório do General Waldomiro Castilho de
Lima, a respeito dos aspectos militares:
Vimos como as hostilidades conduziram em 1932 os quase beligerantes a uma
generalização da luta, com o emprego de todas as armas de que dispunham e
sem declaração formal do estado de guerra. Dessas operações salientou-se
a supremacia das forças paraguaias melhor preparadas e situadas próximas as
suas bases de reabastecimento, ao passo que as bolivianas se achavam longe...
[...] Os paraguaios na sua ofensiva conquistaram grande parte do terreno
chaquenho mas, com a chegada dos reforços bolivianos a situação se
estabilizou, paralisando-se aquela ofensiva (BRASIL, 1934:37-38, grifo do
autor).
O Exército paraguaio no Chaco contava inicialmente com um Corpo de Exército3. No
decorrer das operações, foi aumentando. No ano de 1933, “o efetivo era então de 32.000 homens
(combatentes). Em dezembro de 1934 foi organizado mais um Corpo de Exército que
representavam agrupamentos de 10.000 homens” (BRASIL, 1935:77-78).
No Exército boliviano a organização foi análoga a do Exército paraguaio:
Em 1932 contava de 7 a 8 mil combatentes no Chaco. Em fins de 1933 aquele
Exército possuía dois Corpos de Exército, cujos efetivos variavam de 10 a 15
mil homens. Tinham então o efetivo de cerca de 25 mil homens. Elevaram-no
depois a 30 ou 35 mil homens (efetivo comparável ao paraguaio) [...]. Consta
que em setembro de 1934, chegaram a ter em armas cerca de 40 mil homens
(BRASIL, 1935:95).
De acordo com a distribuição da área das operações militares, conforme consta no
Relatório produzido pelo General Waldomiro, tinham-se três setores: Norte, onde se
desenrolaram as operações entre Porto Suarez e o Fortim Toledo, região menos importante pela
natureza árida, falha de comunicações e menos habitada; Centro, onde estendeu-se a ofensiva
paraguaia quebrando a resistência boliviana nos fortins; e Sul, zona importante para as
3 Agrupamento de militares com efetivo aproximado de 10.000 homens. Dependendo da composição, pode variar
de 7.000 a 12.000 homens. A organização do Corpo de Exército engloba o Comando; o Estado-Maior; os Serviços
de Intendência, Saúde e Transporte; e a Tropa (combatentes das armas de Infantaria, Artilharia e Cavalaria)
(BRASIL, 1935:78-79).
operações militares, onde a maioria dos efetivos e recursos foram empenhados (BRASIL,
1934:38-39).
No ano de 1933, durante os meses de janeiro e fevereiro, os bolivianos realizaram
movimentos de contra-ataque em direção aos paraguaios, especialmente no setor Centro,
enquanto que mantiveram-se na defensiva no setor Sul. Durante o mês de março, os bolivianos
passaram a adotar operações ofensivas no setor Sul, destacando-se na progressão sobre
Alihuatá, fazendo com que as forças paraguaias recuassem. Em abril, após a tomada de
Alihuatá, os bolivianos conquistaram várias posições, mas o resultado geral não correspondeu
às expectativas esperadas (BRASIL, 1934:39-40).
As tropas necessitavam de repouso e nessa fase da luta as operações
compreenderam períodos de luta e de repouso, nos quais as forças se
reorganizaram e se reconstituíram os transportes e as comunicações [...]. Além
disso, pelo clima árido e as condições locais onde imperam as febres e a falta
de água potável começou a atuar consideravelmente sobre o físico e o moral
dos combatentes, dificultando as operações de toda a sorte (BRASIL,
1934:40).
Nesses primeiros meses do ano de 1933, os combates no Chaco passaram a ter um
aspecto diferente do que até então estava acontecendo. “Quebraram-se a harmonia e a
coordenação das operações, que passaram a constituir choques de patrulhas e ações locais, tal
como no início das hostilidades” (BRASIL, 1934:41).
Em 25 de agosto de 1933, por iniciativa do chanceler brasileiro Mello Franco “os países
do ABCP [Argentina, Brasil, Peru e Chile], no sentido de evitar que este conflito escapasse da
ação conciliatória da América [...] dirigiram aos Governos do Paraguai e Bolívia uma
proposição de acordo...” (BRASIL, 1934:50). Face a impossibilidade de conciliação dos
interesses do Paraguai e da Bolívia, “os Governos integrantes do ABCP em nota de 1-10-1933,
ao Conselho das Sociedades das Nações, renunciaram prosseguir as tentativas de conciliação”
(BRASIL, 1934:52).
No ano de 1934, durante o período de janeiro a maio, “os paraguaios progrediram
constantemente, [...] buscando a via central de penetração boliviana...” (BRASIL, 1935:166).
A contraofensiva boliviana ocorreu em torno dos destacamentos paraguaios “e agiu contra eles
em pequenas operações, em vez de reunir seus meios e realizar um amplo envolvimento [...]. O
único resultado [...] foi o de forçar as tropas paraguaias a um recuo de cerca de 60 Km”
(BRASIL, 1935:172). No início de novembro de 1934, teve início uma ofensiva paraguaia,
progredindo sobre o Pilcomayo, afetando diretamente no poder político da Bolívia. “Os últimos
revezes sofridos pelas tropas bolivianas refletiram-se na situação política do país, provocando
a renúncia do Presidente da República Dr. Daniel Salamanca, que foi substituído pelo Dr.
Tejada Sorzano” (BRASIL, 1935:178). Além do óbice no aspecto político, o componente
militar revelava que “o Chaco Boreal está totalmente perdido para a Bolívia, a qual teria
dificuldade em recuperá-lo novamente pelas armas” (BRASIL, 1935:178).
Em 24 de janeiro de 1935, os bolivianos iniciaram um retraimento, sobre o qual
marchavam os paraguaios com intensidade (BRASIL, 1935:183). Face as dificuldades de
mediação entre as questões que envolviam a Bolívia e o Paraguai, pode-se apontar que a guerra
poderia perdurar por mais alguns anos. O Paraguai, apesar da difícil situação financeira vivida,
poderia suportar novos conflitos por algum tempo. Possuía armas tomadas do inimigo e teria
condições de abastecer seus caminhões, devido aos poços de petróleo e refinarias conquistadas
da Bolívia (BRASIL, 1935:194). A situação da Bolívia era mais favorável, pois estava arcando
com seus compromissos, pagando suas compras no exterior, em virtude da valorização do
estanho. Os recursos humanos bolivianos eram maiores do que os do Paraguai e estariam
dispostos a mobilizar um efetivo de 100 mil militares para prosseguir nos combates (BRASIL,
1935:195).
Em que pesasse as possibilidades dos contendores, “a Bolívia deseja ardentemente a paz
porque confia agora na doutrina de que a vitória não dá direitos. [...] o Paraguai não admite que
a Bolívia venha a conseguir por via diplomática o que não pôde obter pelas armas” (BRASIL,
1935:196). A intenção dos paraguaios era a de criar um novo Estado na América do Sul que
“abrangeria territórios, agora pertencentes à Bolívia, dos Departamentos de Santa Cruz de La
Sierra, El Beni e Tarija, [...] para o novo Estado ligar-se também à Argentina. Sua área seria de
700.000 quilômetros quadrados e sua população de meio milhão de habitantes” (BRASIL,
1935:189). Este intento paraguaio desconsiderava a existência ou não de uma consciência
separatista por parte dos bolivianos de Santa Cruz de La Sierra.
Sobre a alegação de neutralidade brasileira, “a definição real da situação política do
Brasil [...] é marcada pelo posicionamento pró-Bolívia. [...] O Paraguai aparece como um
potencial inimigo das questões de fronteiras” (RODRIGUES; SILVA, 2019:21).
A respeito do posicionamento argentino, “não resta dúvida que a Argentina auxiliou o
Paraguai, cedendo-lhe armamento e alguns aviões, depois de apagar, em seus arsenais, os
escudos e distintivos argentinos” (BRASIL, 1935:91). Além disso, “a Companhia Argentina de
Navegação Mianovich cedeu gratuitamente ao Paraguai onze unidades, entre navios e
rebocadores, os quais são utilizados como transportes de guerra” (BRASIL, 1935:94).
Com o término da guerra, este foi o panorama apresentado pelas relações exteriores
entre Brasil e Paraguai:
Estabelecida a paz, porém, o Paraguai buscou construir uma rodovia ligando-
o ao Brasil. Em 1938, o embaixador paraguaio nos Estados Unidos e ex-
comandante na Guerra do Chaco, general José Félix Estigarribia, pleiteou e
obteve ajuda norte-americana, por meio de um empréstimo de US$ 3,3
milhões de dólares do Export-Import Bank, para a construção de um caminho
viário desde Assunção até a fronteira com o Brasil. Em 1939, na passagem de
Estigarribia pelo Rio de Janeiro, a caminho do Paraguai, onde assumiria a
Presidência da República, ambos os países assinaram o acordo para
construção da ligação ferroviária Campo Grande-Ponta Porã-Pedro Juan
Caballero-Concepción (DORATIOTO, 2012:440).
Para a análise da disputa do poder regional no âmbito da América do Sul, Projeção
Continental do Brasil, livro publicado em 1938 pelo então capitão do Exército Brasileiro Mario
Travassos, aborda os fenômenos de ordem geopolítica, atestando a demanda dos Estados sul-
americanos de possuírem saídas para o mar, suas aspirações pelo domínio das bacias
hidrográficas e detalha a situação do Brasil nesse complexo de fenômenos, pelo espaço e sua
posição geográfica (TRAVASSOS, 1938). Sobre a obra, Rodrigues e Silva (2019) assinalam
que esta fonte “tem por objetivo fundamentar a posição do Brasil na América do Sul e sinalizar
os rumos de uma política externa capaz de guiar o Brasil a uma posição de hegemonia regional,
superior à da Argentina” (RODRIGUES; SILVA, 2019:9). A consolidação do pensamento
geopolítico, principalmente no meio militar brasileiro, a partir dos anos 1930, intensificou a
rivalidade do Brasil com a Argentina (RODRIGUES; SILVA, 2019:11). No plano militar,
Mário Travassos revelou inquietação face a perda da supremacia militar na América do Sul para
a Argentina, algo que o Brasil manteve durante o período imperial (SILVEIRA, 2009:659).
O Chaco Boreal compreende o território entre a Bolívia, o Paraguai, a Argentina e o
Brasil, confinando politicamente “com o Brasil, pelo território de Mato Grosso [do Sul], desde
a embocadura do rio Apa até a Baía Negra, pelo rio Paraguai [...] com a Argentina, pelo braço
inferior do Pilcomayo, desde sua foz no rio Paraguai...” (BRASIL, 1934:23). Esta característica
hidrográfica demonstra a inevitável apreensão do Brasil e da Argentina quanto às consequências
posteriores ao término da Guerra Paraguaio-boliviana. Enquanto que o rio Paraguai é navegável
durante todo o ano, o rio Pilcomaio é próprio para a navegação apenas no período de cheia”
(BRASIL, 1934:26). Um ponto favorável para a Argentina residia no fato de que a direção
natural para o escoamento de produtos para a exportação que passavam pela região do Chaco
“conduz diretamente a Buenos Aires, ao escoadouro da bacia platina. Essa circunstância pode
tornar essa direção dissociadora das mais perigosas” (TRAVASSOS, 1938:62). Apesar deste
direcionamento no sentido da Argentina, “o Brasil Platino [...] dispõe de portos com suficiente
capacidade de atração na costa e dos estímulos de países mediterrâneos que naturalmente
reagem contra a força centrípeta do Prata” (TRAVASSOS, 1938:91). Deste modo, havia um
predomínio econômico da vertente atlântica sobre a do Pacífico, aspecto esse que tanto o Brasil,
quanto a Argentina, possuíam vantagens em relação aos demais países sul-americanos
(TRAVASSOS, 1938:92).
Quanto ao aspecto geológico, a região chaquenha é sedimentada, “onde as águas são
salobras pela presença dos remanescentes depósitos de sal marinho [...] o solo em geral não é
fértil. Sua vegetação em geral raquítica e rarefeita em toda a extensão...” (BRASIL, 1934:24).
Este é um fator que traduziu-se na dificuldade de adoção de políticas públicas que promovessem
a ocupação do Chaco Boreal.
Sobre o interesse da Argentina na região, “o Paraguai tornou-se, assim, virtual
prisioneiro geopolítico da Argentina [...]. O comércio exterior paraguaio era feito pela via
fluvial [...] sob controle de empresas argentinas de navegação e de casas comerciais dessa
nacionalidade” (DORATIOTO, 2015:194). Neste contexto, podem ser observados aspectos que
caracterizam o poderio da Argentina na região do Chaco Boreal: dos 22 mil hectares do
território, 10,5 mil eram de propriedade argentina; dos 30 mil paraguaios habitantes, 18 mil
trabalhavam em estabelecimentos industriais argentinos; metade das cabeças de gado eram de
propriedade argentina; dos 420 quilômetros de vias férreas, 320 quilômetros eram de
propriedade dos argentinos; e os argentinos tinham investidos 40 mil pesos em
estabelecimentos comerciais (BRASIL, 1934:9). As vias férreas foram construídas pelos
argentinos devido “a exploração do quebracho, exigindo a penetração do Chaco, à medida que
rareavam a margem do rio os seus troncos cobiçados, determinou o emprego das vias férreas
[...] todas a serviço das companhias...” (BRASIL, 1934:21). Acrescentando as evidências do
controle argentino de grande parte da região do Chaco, “o petróleo que existe nas proximidades
do rio Paraguai está em mãos de industriais argentinos” (BRASIL, 1934:10). De fato, percebe-
se que os interesses econômicos da Argentina tenderiam a favorecer seu apoio ao Paraguai, em
detrimento aos questionamentos da Bolívia.
Os seus esforços, por mais de uma vez, se conjugaram tenazmente na
recomposição política do vasto território [...] um plano de imperialismo
econômico que ela procura realizar [...]. Para isso tirou partido da situação
mediterrânea do Paraguai e da Bolívia e do determinismo geográfico da bacia
do Prata, veículo natural desses países para o Atlântico Sul, de cuja saída ela
é detentora (BRASIL, 1935:105).
No entanto, apesar da forte influência argentina na região, o Brasil havia conquistado
um bom posicionamento geográfico na região próxima à área de litígio:
E devemos observar que o território fronteiriço do Brasil com o Chaco [...] na
região Corumbá-Coimbra, reconhecido pela Bolívia como legitimamente
brasileiro, pelo tratado de 1867, [...] que garantiu ao Brasil o ‘uti-possidetis’
sobre aquelas terras; mas os paraguaios e mesmo os bolivianos alegam que
essas terras lhes pertenceram e lhes pertencem... (BRASIL, 1934:14).
Este tratado celebrado com a Bolívia, em 1867, reconheceu “a essa nação [Bolívia],
direitos ao longo daquele rio [Paraguai]. E, quando cedeu, em 1903, terras nas proximidades de
Forte de Coimbra, fê-lo na certeza de que [...] estava contígua ao território boliviano...”
(BRASIL, 1935:41). Sintetizando o aspecto da posição geográfica brasileira, “a via marítima
assegurou muitas vezes nossa unidade política, e as vias terrestres [...] conduziram a expansão
fomentadora da unidade social e econômica brasileira” (TRAVASSOS, 1938:93).
Por outro lado, “quando a Argentina, pelo tratado de 76 [1876] conformou a sua
fronteira pelo Pilcomaio, deu, do mesmo modo, testemunho de que reconhecia paraguaio o
território ao norte desse rio” (BRASIL, 1935:41).
Aproveitando da posição geográfica conquistada e motivado por considerações de
ordem geopolítica, “em 1895, o governo brasileiro levantou a hipótese de se estabelecer uma
ligação ferroviária com o Paraguai, de modo a reduzir a dependência do comércio guarani da
Argentina” (DORATIOTO, 2015:194). Além disso, o Brasil também vislumbrou criar meios
de atração da economia boliviana, através da construção de uma via férrea ligando Santa Cruz
a Corumbá, que seria ponto de articulação da Bolívia ao eixo portuário Santos – Rio Grande
(SILVEIRA, 2009:654). Apesar de não ter sido concretizado tal empreitada pelo Brasil, no
período mencionado, fica perceptível a disputa existente entre o Brasil e a Argentina.
Os governantes paraguaios da década de 1920, todos da facção do Partido
Liberal liderada por Manuel Gondra, alteraram a política externa do país. Este
ascendeu à Presidência da República em 1920 e buscou romper a dependência
do país com relação à Argentina, aumentando os vínculos com os Estados
Unidos e o Brasil. Gondra empenhou-se em estabelecer uma ligação
ferroviária entre Brasil e Paraguai, de modo a que o comércio exterior guarani
pudesse utilizar-se de porto brasileiro. A estratégia gondrista, seguida por seus
sucessores, era a de compensar a influência argentina no país por meio de uma
aproximação com o Brasil, até se chegar a um equilíbrio com esses dois
vizinhos (DORATIOTO, 2015:195).
Por sua vez, o chanceler Eusébio Ayala, que viria a ser presidente paraguaio em 1921,
defendeu a construção de uma estrada de ferro, com capital brasileiro, ligando Foz do Iguaçu a
Assunção. Despe ponto, alcançava-se São Paulo por trem e, daí, o Rio de Janeiro, podendo-se
unir as capitais dos dois países (DORATIOTO, 2015:196).
Ainda no ano de 1927, há que ser destacada uma ação efetuada no campo militar
brasileiro:
O então presidente Washington Luís Pereira de Sousa determinou a inspeção
das fronteiras do Brasil até o final de seu governo, com o objetivo de estudar
as condições de povoamento e segurança, sendo então o General de Divisão,
Cândido Mariano da Silva Rondon, nomeado Inspetor da Fronteira
(RODRIGUES; SILVA, 2019:4).
No plano político, no Brasil, Getúlio Vargas, após a queda do presidente Washington
Luís em 1930, priorizou os assuntos internos. A partir de 1930, o Estado brasileiro enfatizou a
vigilância e a preocupação com a defesa das fronteiras, em virtude de dois conflitos
contemporâneos que ocorreram na América do Sul: a Guerra do Chaco e a Questão Letícia
(RODRIGUES; SILVA, 2019:3).
Do lado paraguaio, a atenção voltou-se para garantir a posse do Chaco, crescentemente
contestada pela Bolívia. Contestação que limitou a política externa paraguaia de fazer
movimento mais brusco de afastamento da Argentina (DORATIOTO, 2015:197). Com isso, o
Paraguai não conseguiu estabelecer uma relação equilibrada com Argentina e Brasil,
acarretando na transferência da dependência da argentina para a brasileira. Transferência
decorrente da construção de Itaipu e da ligação rodoviária entre Paraguai e Brasil
(DORATIOTO, 2015:207).
Em relação à Bolívia, “não teve a grande procura de terras que fez a prosperidade do
lado paraguaio, embora concedesse franquias [...] as dificuldades de transporte do Alto Chaco
invalidam qualquer iniciativa de emprego de capital” (BRASIL, 1935:22).
Os interesses brasileiros eram “contrários ao desenvolvimento comercial argentino
porque viriam a constituir uma concorrência inconveniente ao escoamento e a importação dos
seus produtos” (BRASIL, 1934:16). Ao Brasil não era conveniente que a Argentina dominasse
a margem direita do rio Paraguai e, por isso, interessou-se para que a Bolívia ali permanecesse,
evitando inconvenientes sob os pontos de vista militar e econômico, face a possível perda das
relações comerciais com a Bolívia (BRASIL, 1934:17).
Apesar das tratativas para o desfecho da fase bélica da guerra, a Argentina movimentou-
se na tentativa de aumentar sua esfera de influência com a Bolivia, através do programa que
visava a construção de transversais ferroviárias passando pelo Chaco Boreal (BRASIL,
1935:107). O Brasil, atento a esta movimentação argentina, foi capaz de “chegar a tempo de
demonstrar ao Governo de La Paz, a oposição que ia entre a nova política de comunicações do
oriente boliviano com os compromissos de intercomunicações boliviano-brasileiras, oriundos
do Tratado de Petrópolis (BRASIL, 1935:106)”. Tal ação brasileira foi capaz de frustrar o plano
da expansão ferroviária argentina.
No entanto, a Argentina possuía suas ambições muito bem definidas:
Deslocada a mediação do conflito para a Sociedade das Nações, a interferência
indireta da Argentina fez-se sentir para protelar as negociações de paz: de
acordo com os interesses da Argentina, protetora e credora dos paraguaios, o
conflito só deveria cessar depois desses últimos se apossarem da região
petrolífera (BRASIL, 1935:110).
A visão da política intervencionista dos militares brasileiros é expressa no estudo
realizado por militares integrantes do Estado-Maior do Exército, à época da Guerra do Chaco:
Para nós é preferível que a Bolívia não venha a dispor da saída que pretende
sobre o rio Paraguai, para que, no futuro, toda a sua produção da região
oriental, que demande o Atlântico, não seja desviada para o Prata e sigam em
parte, pelas estradas de ferro brasileiras em busca do porto de Santos
(BRASIL, 1935:119).
Entretanto, havia o receio de que “se a região Bahia Negra viesse a ser adjudicada à
Bolívia, todo o comércio do oriente boliviano entraria na órbita de influência econômica de
Buenos Aires e mais sólida se tornaria a bandeira argentina nas águas do rio Paraguai”
(BRASIL, 1935:119). No que se refere à essa posição, os militares brasileiros possuíam “temor
com a tradicional disputa de poder regional, e avalia, com bastante preocupação, a hegemonia
militar alcançada pela Argentina na América do Sul, no início do século XX” (RODRIGUES;
SILVA, 2019:20).
Em relação aos interesses militares, pode-se observar que não havia aliança do Brasil
com os dois países beligerantes, pois qualquer deles poderia vir a ser um inimigo em potencial,
aliado a um país mais forte. A continuação de Bahia Negra em mãos do Paraguai ou a sua
transferência à Bolívia, constituiria um trunfo para impedir que esses dois países entrassem ao
mesmo tempo em uma aliança contra o Brasil (BRASIL, 1935:120). As operações no setor de
Bahia Negra sempre preocuparam o Brasil porque se realizavam junto à sua fronteira seca na
região Corumbá – Coimbra. Todavia, o esforço principal dos paraguaios foi exercido na direção
de oeste, atraídos pelas jazidas de petróleo (BRASIL, 1935:185).
Precavendo-se de uma situação que poderia ser desfavorável ao Brasil, as primeiras
intervenções realizadas pelo Estado Brasileiro foi a integração do litoral com o interior, com a
construção de linhas telegráficas, e inspecionar a demarcação dos limites terrestres
(RODRIGUES; SILVA, 2019:3).
Quanto a ideia de se criar um novo país na América do Sul, “o Paraguai contaria com
um aliado certo, em uma nova guerra em que se empenhasse. O perigo se estenderia assim até
a bacia do Amazonas” (BRASIL, 1935:190). Caso este plano paraguaio obtivesse êxito, para o
Brasil as consequências seriam negativas. Porém, para a Argentina, seria bastante favorável,
uma vez que dominava economicamente o Paraguai e seria fácil estender esta influência ao
novo país. “Se fosse coroada de êxito a ideia do Estado-Tampão, as divergências de ordem
internacional seriam capazes de desencadear uma conflagração continental” (BRASIL,
1935:191).
A inspetoria militar da fronteira Madeira-Guaporé, por intermédio do capitão inspetor
Aluízio Pinheiro Ferreira, prestou informações ao comando da 8ª Região militar sobre a
situação do conflito no Chaco, afirmando que o grande perigo para os interesses brasileiros
seria o avanço das tropas paraguaias até o coração continental, no território boliviano. Caso o
Paraguai conseguisse alcançar tal feito, promoveria o bloqueio do Altiplano até o Oriente
boliviano, o que traria consequências mais graves para o Brasil no subcontinente. A
possibilidade do controle da Argentina sobre o oriente boliviano era agravada pelo provável
separatismo do Departamento de Santa Cruz em relação ao Altiplano. A interpretação militar
do interesse brasileiro na Guerra do Chaco vai ao encontro da disputa com a Argentina pelo
predomínio na América do Sul (SILVEIRA, 2009:656-658).
De outro modo, a posição defendida pelo Adido Militar brasileiro seria “mudar a base
da frota brasileira de Montevidéu para Ladário. Isso redundaria em grande economia [...] em
dinheiro brasileiro, daríamos trabalho a operários e vida a Ladário...” (BRASIL, 1935:204).
Atualmente, a cidade de Ladário é a sede do 6º Distrito Naval, Organização Militar da Marinha
do Brasil. Já o município de Corumbá abriga a 18ª Brigada de Infantaria de Fronteira, além do
17º Batalhão de Fronteira, Organizações Militares do Exército Brasileiro.
Sobre as projeções do que o conflito poderia resultar, pode-se inferir que o ápice da
questão estaria “numa guerra de extermínio entre as duas Nações, ameaçando estender-se pelos
demais países sul-americanos, devido a certos erros de política ou por choques de interesses
internacionais” (BRASIL, 1934:35). Desta feita, pode-se ter uma melhor dimensão da
relevância estratégica do Chaco Boreal para o controle do poder regional na América do Sul.
O estudo sigiloso, realizado pelo Exército Brasileiro, no ano de 1934, possui
“importante significado político-militar para os interesses e decisões do Estado Brasileiro, pois
constitui em representação da visão mais ampla e confiável, [...] com relação à questão
geopolítica regional” (RODRIGUES; SILVA, 2019:20). Na perspectiva dos documentos
elaborados pelo Exército Brasileiro, pode-se verificar a posição militar brasileira quanto à
guerra e a política nacional, destacando-se a ação do Alto Comando do Exército sobre o conflito
(RODRIGUES; SILVA, 2019:25). Por fim, “não nos falta unidade geográfica – falta-nos,
ainda, traduzir politicamente os fatores que a manifestam” (TRAVASSOS, 1938:95).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Guerra do Chaco foi o maior conflito do século XX, envolvendo Estados da América
do Sul. O encerramento da fase diplomática deste conflito, em 1938, correspondeu a um marco
de rearranjo territorial e aprimoramento do campo diplomático pelos países deste
subcontinente.
Em seguida, em 1939, o mundo entraria na maior das guerras já conhecidas na história
da humanidade. Alguns dos meios e técnicas militares empregados na Guerra do Chaco foram
empregados durante a Segunda Guerra Mundial.
Bolívia e Paraguai são os únicos Estados da América do Sul que não possuem saída para
o mar, além de serem dois dentre os países mais pobres da região. Por sua vez, Argentina e
Brasil rivalizaram pelo controle do poder regional sendo, portanto, os Estados que exerciam as
maiores influências na América do Sul.
Até a eclosão da Guerra, pode-se apontar que a Argentina conseguiu obter vantagens
em comparação ao Brasil, por conta de sua influência na economia paraguaia e tentativa de
estender-se pela Bolívia. Por sua vez, o Brasil, atento às movimentações da Argentina, buscou
equilibrar a disputa pelo poder regional na América do Sul.
O Império do Brasil manteve-se reunido em apenas um Estado, fato distinto do ocorrido
com a criação dos Estados colonizados pelos espanhóis na América, que fragmentaram-se e
deram origem a diversos países. Nesse sentido, para o Brasil, a demarcação e a delimitação de
suas fronteiras, apesar da extensão territorial, foram feitas com extrema preocupação,
destacando-se a habilidade política e diplomática nas relações com os seus vizinhos.
O presente estudo, ao abordar os aspectos da guerra propriamente dita, ateve-se à
observância do ponto de vista de militares brasileiros, de modo a permitir uma apreciação dos
sentimentos, as influências, as ações e as decisões daqueles que foram responsáveis por pensar
o Exército Brasileiro e o país no cenário internacional, num contexto de disputa geopolítica
com a Argentina, pelo controle do poder regional, por ocasião da Guerra do Chaco, no período
de 1932 a 1938.
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