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DOCUMENTOS Reflexões sobre a CPLP: Lusofonia - sonhos e realidade Celso Lafer Apresentação no painel da Conferência Expresso 40 anos, em comemoração ao aniversário do jornal Expresso Lisboa, 7 de janeiro de 2013 -1- Entender as características e os modos de funcionamento da "grande máquina do mundo" - para falar com Camões - é não só o desafio teórico do estudioso das relações internacionais como um ingrediente indispensável para quem, na prática, se dedica à condução da política externa de um país e aos desafios de traduzir necessidades internas em possibilidades externas. Faço estas observações a título preliminar, porque o contex- to que levou à criação da CPLP em 1996 está ligado a uma mudança no funcionamento da "máquina do mundo" que trouxe a caducidade da "constituição material" da vida internacional. Esta, no pós-Segunda Guerra Mundial, foi essencialmente dada pelas relações de conflito e cooperação entre duas superpotências - EUA/URSS - que, na sua dinâmica, ensejou a abertura para a polaridade Norte/Sul. O fim da Guerra Fria inau- gurou um mundo de polaridades mais indefinidas, flexibilizadoras do funcionamento da "máquina do mundo". Abriu, assim, novas oportunidades de concertação, de geo- metria variável entre os países, distinta da prévia rigidez da correlação de forças, dando margem para a afirmação de um potencial a ser explorado, de valores e percepções compartilháveis. É o caso da CPLP, como também, para dar um outro exemplo oriundo deste contexto, da institucionalização, na década de 1990, das cimeiras ibero-americanas. Estas têm como ponto de partida o fraternal reconhecimento de um acervo cultural comum e de uma riqueza das origens e dos méritos de sua expressão plural que aproximam os seus integrantes, não obstante as diferenças de escala e projeções e, do ponto de vista linguístico, o da realidade de duas línguas próximas, mas distintas: o espanhol e o português. No trato do campo dos valores, que diz respeito às afinidades que resultam das formas de conceber a vida em sociedade, como disse o presidente Fernando Henrique Cardoso em Celso Lafer é professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USPe ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil em 1992 e em 2001-2002. 225 VOL 21 N" 4 ABR!MAI/jUN 2013

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DOCUMENTOS

Reflexões sobre a CPLP:

Lusofonia - sonhos e realidadeCelso Lafer

Apresentação no painel da Conferência Expresso 40 anos, em comemoração aoaniversário do jornal Expresso

Lisboa, 7 de janeiro de 2013

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Entender as características e os modos de funcionamento da "grande máquina domundo" - para falar com Camões - é não só o desafio teórico do estudioso das relaçõesinternacionais como um ingrediente indispensável para quem, na prática, se dedica àcondução da política externa de um país e aos desafios de traduzir necessidades internasem possibilidades externas. Faço estas observações a título preliminar, porque o contex­to que levou à criação da CPLP em 1996 está ligado a uma mudança no funcionamentoda "máquina do mundo" que trouxe a caducidade da "constituição material" da vidainternacional. Esta, no pós-Segunda Guerra Mundial, foi essencialmente dada pelasrelações de conflito e cooperação entre duas superpotências - EUA/URSS - que, na suadinâmica, ensejou a abertura para a polaridade Norte/Sul. O fim da Guerra Fria inau­gurou um mundo de polaridades mais indefinidas, flexibilizadoras do funcionamentoda "máquina do mundo". Abriu, assim, novas oportunidades de concertação, de geo­metria variável entre os países, distinta da prévia rigidez da correlação de forças, dandomargem para a afirmação de um potencial a ser explorado, de valores e percepçõescompartilháveis. É o caso da CPLP, como também, para dar um outro exemplo oriundodeste contexto, da institucionalização, na década de 1990, das cimeiras ibero-americanas.Estas têm como ponto de partida o fraternal reconhecimento de um acervo culturalcomum e de uma riqueza das origens e dos méritos de sua expressão plural que aproximamos seus integrantes, não obstante as diferenças de escala e projeções e, do ponto de vistalinguístico, o da realidade de duas línguas próximas, mas distintas: o espanhol e o português.

No trato do campo dos valores, que diz respeito às afinidades que resultam das formas deconceber a vida em sociedade, como disse o presidente Fernando Henrique Cardoso em

Celso Lafer é professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USPe ex-ministro das Relações Exteriores

do Brasil em 1992 e em 2001-2002.

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Brasília em 31 de julho de 2002,na sessão inaugural da IV Conferência de chefes de Estado e

de governo da CPLP "o idioma traz consigo um estilo próprio de compreender e de interagircom o mundo". Neste quadro, como afirmava com imaginação diplomático-cultural AndreMalraux: "La culture ne connait pas des Nations mineures, elle ne connait que des Nations fraternelles ".

Nesta visão, no âmbito da qual a cultura favorece uma atmosfera de entendimentoe facilita a consecução de objetivos políticos e econômicos, o ponto de partida da CPLPfoi a língua portuguesa e o que significa como herança cultural compartilhada e poten­cial de solidariedade cooperativa. Daí o seu antecedente, o Instituto Internacional daLíngua Portuguesa criado em 1989 no Brasil, em São Luis do Maranhão.

Concebida e criada na última década do século XX, a CPLP - para a qual muitocontribuiu a dedicação do embaixador e homem público brasileiro José Aparecido deOliveira - foi impulsionada por um Portugal democrático, pós-colonialista, já inseridona União Europeia e por um Brasil redemocratizado, ambos atentos na identificação, nadécada de 1990, de novos espaços institucionalizados de articulação diplomática. Estaaspiração encontrou ressonância nos demais membros originais da CPLP - Angola,Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, que detectaram combase na reciprocidade e interesses, novas e solidárias possibilidades de cooperação im­portantes para, no mundo pós-Guerra Fria, atender às suas necessidades internas e aoprocesso de suas respectivas consolidações nacionais.

O fator linguístico, o idioma português, é o dado identificador da CPLP. É por issoque, além dos membros fundadores, o acesso de qualquer outro Estado tem como con­dição o uso do português como língua oficial. Neste contexto, a atual pretensão deingresso da Guiné-Equatorial na CPLP passa pela efetiva implementação da adoção doportuguês como língua oficial.

O fator linguístico tem, no entanto, a sua modulação, como é o caso, com outras ca­

racterísticas, da Organização Internacional de Francofonia no âmbito do qual o centroirradiador do francês é a França. Em Portugal e no Brasil o português é, tanto idiomaoficial quanto língua nacional - e por isso são os dois centros irradiadores do idioma.Nos demais países que integram a CPLp, inclusive Timor Leste que a ela se incorporou,depois da sua independência, em 2002, o português como idioma oficial e língua decomunicação, convive com outras línguas.

Esta convivência entre idioma oficial e línguas nacionais em muitos integrantes daCPLP não coloca em questão a importância de um espaço lusófono, pois além da línguacomo base de entendimento existe o dado da língua como fator de inserção na "máqui­na do mundo", nisto se incluindo o mundo dos negócios. O português não é, como oinglês, a língua internacional de comunicação dos nossos dias, mas tem um potencialneste sentido porque, para recorrer a Fernando Pessoa, é uma língua universal, pois temo poder de "responder na íntegra a todas as formas de expressão possíveis". Foi a estauniversalidade do idioma que aludiu o presidente Fernando Henrique Cardoso no seudiscurso em Lisboa de 17 de julho de 1996, por ocasião da sessão de abertura da cimei­ra instituidora da CPLP, apontando como elementos de sua ampla permanência o dado,que era na época" a terceira língua mais falada no mundo ocidental. São duzentos milhõesde falantes espalhados pelos cinco Continentes - portanto, dando à nossa língua umaboa base humana e geográfica para a sua projeção".

Daí o alcance e significado de um dos objetivos gerais da CPLP previstos no art. 3°a,dos seus Estatutos, que trata da materialização de projetos e difusão da Língua

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Portuguesa que é hoje o idioma de mais de 230 milhões de falantes. Este é um objetivorelevante para a diplomacia brasileira porque é um ingrediente de projeção internacio­nal do nosso país e foi por isso que, como chanceler do presidente Fernando HenriqueCardoso, ao te-tna conferi importância, na minha gestão, além de considerá-Io, hoje,como parte da minha responsabilidade na sustentação da nossa língua comum comomembro da Academia Brasileira de Letras. Daí a importância do Acordo Ortográfico daLíngua Portuguesa como passo importante para a defesa da unidade essencial da línguae do seu prestígio internacional.

Com efeito, como aponta Evanildo Bechara, meu confrade filólogo na ABL, o Acordosimplifica as regras de utilização da língua, trata da uniformização da grafia e não dalíngua, é benéfico para a unidade intercontinentallusófona, facilita o intercâmbio cultural,reduz custos na produção de livros e facilita a difusão bibliográfica e de novas tecnologias.

A Declaração de Maputo da IX Conferência dos chefes de Estado e de governo daCPLp, de 20 de julho de 2012, reitera a relevância do papel aglutinador do idioma noseu item Xv, congratulando-se" com a aprovação das recomendações relativas à promo­ção da Língua Portuguesa designadamente como fator de unidade e de convivênciacultural, como língua de trabalho nas organizações internacionais, em especial na UIP- União Interparlamentar - e no sistema das Nações Unidas, bem como no que respeitaà formulação de estratégias de políticas públicas e desenvolvimento da Língua Portu­guesa em particular no contexto do Timor Leste" .

A CPLP, desde a sua concepção original, não se cinge à difusão e promoção da línguaportuguesa, pois partindo deste cimento comum, criou uma organização internacional,com personalidade jurídica própria que se inseriu no espaço do multilateralismo con­temporâneo pós-Guerra Fria. Nesta vertente, contempla tanto objetivos voltados paraprocessos internos de cooperação em todos os domínios entre seus membros (art. 3°bdos Estatutos), quanto objetivos voltados para processos externos de concertação diplo­mática nos fóruns internacionais (art. 3-a dos Estatutos). É, assim, a expressão, comoaponta o embaixador Gelson Fonseca Jr., de um multilateralismo que opera, ao mesmotempo, "para dentro", visando reforçar os vínculos e a identidade entre seus membros,

quanto "para fora", projetando ideias e propostas, em instâncias multilaterais mais amplas.E a vertente "para dentro" conjugada com a "para fora" que distingue a CPLP de outrasinstâncias voltadas primordialmente para a articulação diplomática em foros multilateraisa exemplo da atuação do Grupo do Rio ou o do G20 comercial no âmbito da OMe.

O grande evento de uma bem-sucedida convergência entre a vertente de cooperação"para dentro" e a vertente de concertação diplomática "para fora" nos fóruns interna­cionais, foi a atuação dos membros da CPLP para que o Timor Leste pudesse assumirsua condição de nação livre e soberana no mundo pós-Guerra Fria. O presidente Fer­nando Henrique Cardoso nisto se empenhou pessoalmente, tendo visitado Timor Lesteem janeiro de 2001, e tanto o embaixador Lampreia quanto eu, como seus ministros dasRelações Exteriores, trabalhamos no plano diplomático da articulação diplomática e nodas iniciativas de cooperação para viabilizar este objetivo. Cabe destacar o papel daONU neste processo e a ação da sua administração transitória admiravelmente chefiadapor um brasileiro que se notabilizou como um dos grandes quadros da ONU: SergioVieira de Mello.

Registro que um dos meus grandes momentos como chanceler foi o de ter represen­tado o Brasil nas solenidades da independência do Timor em 20 de maio de 2002 e de

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ter participado da IV Conferência de chefes de Estado e de governo da CPLP, realizadaem Brasília no dia 31 de julho de 2002. Nela formalmente ingressou como membro TimorLeste,levando, assim, a bom termo, "uma epopeia que tanto significou e tanto dignificoua história do mundo lusófono", para valer-me das palavras do presidente FernandoHenrique Cardoso.

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Na vida de uma instituição, um dos elementos importantes é "a ideia da obra a rea­lizar", para evocar uma conhecida formulação de Maurice Hauriou. No caso da CPLP,o ponto de partida da "ideia a realizar" da sua obra como organização internacionalmultilateral foi o potencial agregador da solidariedade e cooperação do valor do idioma.Todo valor tem a sua historicidade e, no caso da CPLP, uma das suas características é

a de que a origem da sua base de sustentação axiológica é plural. Não representa,assim, um desdobramento da gestão do fim de um Império Colonial, como é o caso daCommonwealth. Todo valor pressupõe, como dizia Miguel Reale, um suporte na reali­dade, para não ser uma abstração, mas pressupõe igualmente o dever ser de um sentidode direção que se projeta no tempo. Na avaliação da CPLP, do seu ser e do seu deverser, cabem sempre algumas considerações preliminares a respeito do seu suporte narealidade que dá o contorno do seu potencial concreto de efetivação.

Neste sentido a primeira observação é a de que o sistema internacional contemporâ­neo é heterogêneo e pluralista, vive crises econômicas e tensões de hegemonia e deequilíbrio regionais, nele operando forças centrífugas de atração. Estas são responsáveispor descontinuidades e fragmentações que contrastam com a dinâmica mais unificado­ra da década de 1990. Com isto o que estou querendo dizer, para os propósitos da minhaexposição, é que a CPLP é uma entre muitas instâncias de articulação diplomática e decooperação de seus Estados-membros que têm outros vínculos regionais políticos, eco­nômicos e de segurança relevantes. A isto cabe adicionar tanto o dado da emergênciaeconômica e política na vida internacional da China, que não se colocava com estascaracterísticas na década de 1990, quanto o deslocamento para o Pacífico de um com­ponente importante da dinâmica econômica mundial, com seus muitos desdobramentosde articulação institucional e de redes econômicas e políticas.

Por outro lado, numa perspectiva geopolítica cabe lembrar que, por isso mesmo, nocenário contemporâneo, o Atlântico Sul vem merecendo maior atenção diplomática e,neste contexto, Portugal (Continente, Madeira e Açores), Brasil, Angola, Cabo Verde,Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, que integram a CPLP, têm, em conjunto, um pesopróprio, na medida em que têm o potencial de uma articulação Europa, América, África.

O que me parece claro apontar, numa avaliação inicial a propósito do ser e do deverser, é que a CPLP vem contribuindo para adensar os laços e criar redes de interaçãoentre todos os seus membros de uma maneira que não ocorreria sem a sua existência.Um indicador é o da movimentação de pessoas que circulam entre seus membros que,segundo estimativa de 2010 do Banco Mundial, é da ordem de quase um milhão depessoas, o que enseja novos desafios para a atividade consular dos integrantes da CPLP.A corrente de comércio entre os países-membros cresceu. Era de US$I,4 bilhão em 1996.Foi de US$ 10,4 bilhões em 2011. Tem, assim, relevância, o mercado interno dos países

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que formam a CPLp, cabendo a ressalva que as populações dos PALOP e do Timor Lestecaracterizam-se por níveis de renda e índices de desenvolvimento humano que circuns­crevem o seu poder aquisitivo. O PIE interno da CPLP corno um todo, em 2011, segundoestimativas do governo brasileiro, somou US$ 2,8 trilhões - ou 4% do PIE mundial- mascarrega, numa visão de conjunto, o desnível oriundo do fato do Brasil representar 87%do PIE da CPLP. Cabe, no entanto, observar, a propósito da dinâmica econômica que oanuário da Economist prevê que, em 2013, estarão entre os países de maior crescimentodo PIE Timor Leste 8,3% - sexto lugar e Moçambique 8,2% - sétimo lugar. Estima-se queo peso dos países da CPLP no comércio mundial total de mercadorias era, em 2010, daordem de 2% das exportações e de 1,8% das importações, tendo também corno caracte­rística o peso do papel do Brasil nesta porcentagem.

No plano dos investimentos, a intensidade dos fluxos e do estoque de investimentosé significativa. Há uma dinâmica própria, que independe da CPLP, no que tange à rele­vância dos investimentos de Portugal no Brasil, assim como dos investimentos brasilei­ros em Portugal. No âmbito dos PALOP, em especial Angola e Moçambique, e para issovem contribuindo a CPLP, tanto para Portugal quanto para o Brasil, são áreas impor­tantes de investimento os setores de exploração e processamento de recursos naturais eda construção de infraestrutura. Atuam em Angola e Moçambique importantes empre­sas brasileiras como a Odebrecht, a Andrade Gutierrez, a Camargo Corrêa, a QueirozGalvão, a Petrobras e a Vale e existem linhas de crédito e mecanismos de empréstimopatrocinados pelo governo brasileiro.

Um dos objetivos da CPLP é o da cooperação em todos os domínios entre seus mem­bros. A vertente de cooperação tem um significado todo especial para os PALOP e paraTimor Leste, pois está ligada às suas prementes necessidades internas e aos grandesdesafios inerentes aos seus respectivos problemas de consolidação nacional. Trata-se,portanto, de uma cooperação que se coloca sob o signo da solidariedade e é nesta mol­dura que têm atuado Portugal e o Brasil. No caso do Brasil trata-se de uma diretriz dapolítica externa em perfeita consonância com a Constituição de 1988, que estabeleceentre os princípios que regem as relações internacionais do país a /I cooperação entre ospovos para o progresso da humanidade" (CF, art. 4, IX).

No campo da cooperação com os PALOP e o Timor Leste, o Brasil vem operando nainstância multilateral da CPLp, com objetivos alinhados às propostas de desenvolvimen­to do milênio da ONU, e destaco a utilidade do treinamento em cooperação internacio­nal e apoio a programas nacionais de governo eletrônico. No âmbito da cooperação bila­teral, o Brasil atua por meio da ABC, a Agência Brasileira de Cooperação. Esta cooperaçãobilateral contempla projetos trilaterais com o Japão e o EUA. A pauta da cooperação édiversificada e compreende projetos de responsabilidade do Brasil, estimulados pelaexistência da CPLP em áreas como: saúde pública (por exemplo, malária, diagnósticolaboratorial de AIDS e outras doenças infecciosas, produção de medicamentos antirretro­virais, controle de câncer, saúde oral, tuberculose); formação de recursos humanos num

sentido amplo (como capacitação em recursos hídricos, inspeção fitossanitária; ensino,artesanato, forças de segurança e de diplomatas que cursam o Instituto Rio Branco)agricultura (e, neste campo, chamo a atenção para a transferência das lições apreendidasno desenvolvimento agrícola do Cerrado brasileiro, para Moçambique, fruto da parceriacom a EMBRAPA e a Agência japonesa JICA; desenvolvimento da horticultura em CaboVerde; transferência de tecnologia em Guiné-Bissau para a exploração sustentável do

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agronegócio do caju; extensão rural em São Tomé e Príncipe; apoio para a agriculturafamiliar em Timor Leste; contribuição para a consolidação e aprimoramento institucional (porexemplo, apoio para a realização de censo demográfico em Cabo Verde e São Tomé ePríncipe; de fortalecimento da Agência de Aviação Civil de Cabo Verde; de apoio à im­plementação do Sistema Nacional de Arquivos em Moçambique e Timor Leste; da ca­pacitação jurídica de magistrados em Moçambique, do fortalecimento do setor Justiçaem Timor Leste, assim como o reforço ao seu Parlamento).

A Agência Brasileira de Cooperação aponta que os PALOP, juntamente com TimorLeste são, no tocante à alocação de recursos, os principais beneficiários da cooperaçãotécnica brasileira. Entre 2005 e 2011, nas Presidências Lula e Dilma, receberam cerca

de 40% dos recursos destinados a este fim. O orçamento do atual programa de coope­ração, vigente até 2012, é de US$ 58,5 milhões. Entre 2005 e 2011 o montante de exe­cução financeira dos projetos brasileiros implementados nos PALOP e Timor Leste éda ordem de US$ 30,5 milhões, distribuídos, porcentualmente, da seguinte maneira:25,18% Moçambique; 18,57% Timor Leste; 19,27% Guiné-Bissau; 12,46% Cabo Verde;18,06% São Tomé e Príncipe, 6,42% Angola.

Um indicador da relevância política atribuída a um Estado são as viagens presiden­ciais. Neste sentido, na perspectiva da política externa brasileira cabe lembrar, em rela­ção aos PALOP, que o presidente Lula foi à Angola em 2003 e 2007 e a presidente Dilmaem 2011; que o presidente Lula foi a São Tomé e Príncipe em 2003, a Cabo Verde em 2004e à Guiné-Bissau em 2005; e que o presidente Lula foi a Moçambique em 2003 e 2008 ea presidente Dilma em 2011. São significativas também as visitas das Altas Autoridadesdos PALOP ao Brasil.

Dos países que integram a CPLP, Guiné-Bissau é o que vive a maior tensão políticainstitucional, requerendo apoio externo para um processo de transição que propiciesegurança interna e garantia de direitos. Neste contexto, a CPLP tem dado a sua contri­buição, colaborando com a ONU, a União Africana, a União Europeia, a CEDEAO eoutros PALOP. A Declaração de Maputo de 20 de julho de 2011 reitera a importância doapoio da CPLP no acompanhamento regular da situação interna da Guiné-Bissau, comvista à normalização política, institucional e social do país.

Este elenco indicativo dos ingredientes do adensamento das interações e da verten­te de cooperação voltadas "para dentro" do espaço lusófono da CPLP tem o lastro demuitas informações obtidas no Itamaraty e traduzem, como é natural, uma perspectivabrasileira da matéria. Esta será complementada pelas abalizadas e mais qualificadasvisões dos ex-presidentes do Timor Leste, José Ramos Horta, e de Moçambique, JoaquimChissano - que viveram na pele, em posições de alta responsabilidade, os hiatos entreos sonhos e realidades da lusofonia. Com eles tenho a honra de compartilhar este Painel,moderado pelo diretor-adjunto do Expresso, Nicolau Santos.

Cabem, para ultimar esta exposição, referências indicativas da vertente dos processosexternos de concertação diplomática nos foros internacionais. Esta tem uma dimensãode apoio recíproco e endosso às candidaturas a cargos e funções no âmbito do Sistemadas Nações Unidas, prática consagrada, de projeção internacional da1usofonia, reitera­da na já mencionada Declaração de Maputo de 20 de julho de 2002. É, para o Brasil, umainteressante instância de articulação complementar ao GRULAC. No plano mais geralesta concertação permite articular posições sobre a reforma e a revitalização do Sistema· .das Nações Unidas. Nisto se inclui, como explicita a Declaração de Maputo, o tema do

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Conselho de Segurança e o apoio à integração do Brasil como um membro permanente,assim como o apoio à reivindicação africana contida no Consenso de Ezulwiny (doismembros permanentes da África a serem escolhidos pela União Africana); o compro­misso com a resolução de conflitos por meios pacíficos, a importância dos esforçospermanentes da diplomacia preventiva e da mediação e a validade do empenho emproteger populações sob ameaça de violência, em consonância com os princípios e pro­pósitos da Carta da ONU. Destaco como área relevante do potencial de concertação asposturas voltadas para o desenvolvimento sustentável, a transição para uma economiaverde e inclusiva e o inventariamento dos recursos naturais, inclusive da plataformacontinental, e de sua exploração sustentável.

Para concluir, numa avaliação sobre o que é sonho e o que é a realidade da CPLP,cabe lembrar que, diante de um copo de água pela metade, tanto é possível a perspec­tiva de que ele está mais para vazio quanto a que ele está mais para cheio. Eu me posicio­no, com base no exposto, pela validade da segunda perspectiva ciente, evidentemente,das limitações existentes, mas entendendo que a lusofonia vale a pena pois, para evocarFernando Pessoa "Tudo vale a penal se a alma não é pequena" e o sopro do Espírito quevem inspirando a lusofonia - e que enfuna a viagem da sua inquietação universal, pararecorrer a outro poeta da nossa língua comum, Miguel Torga - não é pequeno.

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