reflexões sobre a avaliação da linguagem infantil

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB Bacharel em Fonoaudiologia – DCV Campus I Avaliação I – Clara Esteves Discentes: Hulda Lago Cavalcante REFLEXÕES SOBRE A AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM INFANTIL Quando falamos a respeito de avaliação, de alguma forma nos remetemos a um conhecimento aprofundado do indivíduo. No que se refere à linguagem desse sujeito podemos dizer que, cada um trás consigo suas experiências vividas, adquiridas, absorvidas e aprendidas no meio que ele vive. A avaliação é um instrumento utilizado na atuação fonoaudiológica que servirá como principal ferramenta que irá nortear as condutas clínicas do terapeuta. Dentro do que foi proposto nesta disciplina, pudemos observar que a avaliação vai mais além de um simples olhar avaliativo do ponto de vista clínico. É necessário não só avaliar o sujeito, mas também entender qual é a postura clínica do avaliador, que ótica ele irá perceber este sujeito, qual o seu foco com relação ao paradigma clínico que ele adota, que tipo de modelo de saúde ele se baseia.

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Reflexões sobre a Avaliação da Linguagem Infantil

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Page 1: Reflexões Sobre a Avaliação Da Linguagem Infantil

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

Bacharel em Fonoaudiologia – DCV Campus I

Avaliação I – Clara Esteves

Discentes: Hulda Lago Cavalcante

REFLEXÕES SOBRE A AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM INFANTIL

Quando falamos a respeito de avaliação, de alguma forma nos remetemos a um

conhecimento aprofundado do indivíduo. No que se refere à linguagem desse sujeito

podemos dizer que, cada um trás consigo suas experiências vividas, adquiridas,

absorvidas e aprendidas no meio que ele vive.

A avaliação é um instrumento utilizado na atuação fonoaudiológica que servirá

como principal ferramenta que irá nortear as condutas clínicas do terapeuta.

Dentro do que foi proposto nesta disciplina, pudemos observar que a avaliação

vai mais além de um simples olhar avaliativo do ponto de vista clínico. É necessário não

só avaliar o sujeito, mas também entender qual é a postura clínica do avaliador, que

ótica ele irá perceber este sujeito, qual o seu foco com relação ao paradigma clínico que

ele adota, que tipo de modelo de saúde ele se baseia. Seria o modelo centrado na

doença? Ou o que busca uma centralização no sujeito visando melhor qualidade de vida

para esse indivíduo, com o foco na integralidade do mesmo?

Para tanto o profissional deverá se munir de tecnologias importantes que

servirão de ferramenta para o terapeuta.

Segundo Merhy “o médico utiliza três tipos de valises: uma vinculada á sua

mão, na qual cabe, estetoscópio, bem como ecógrafo, endoscópio, entre outros

equipamentos que compõe uma caixa de ferramentas tecnológicas formada por

tecnologias “duras”; outra está na sua “cabeça” na qual cabem saberes bem estruturados

Page 2: Reflexões Sobre a Avaliação Da Linguagem Infantil

como a clínica e a epidemiologia, que expressam uma caixa formada por tecnologias

“leve-duras” e finalmente uma outra presente no espaço relacional trabalhador-usuário,

contendo tecnologias “leves”, implicados na relação entre dois sujeitos, que só tem

materialidade em ato”. Este conjunto de tecnologias irá contribuir para construção do

princípio avaliativo.

Na avaliação infantil também se faz necessário uma observação e aplicação de

todos esses aspectos acima citados bem como, compreender como funciona o sistema

comunicativo e como essa criança desenvolveu ou está desenvolvendo sua linguagem.

Portanto, devemos construir uma avaliação única para cada sujeito, partindo do

pressuposto de que cada uma delas apresenta características oriundas das suas vivências,

suas experiências e suas relações sociais do qual está inserido.

A avaliação se torna importante porque é nesse processo que iremos conhecer a

criança, o contexto em que ela vive com relação á família e demais ambientes sociais

que a criança interage. É importante saber também qual o olhar dos familiares com

relação a essa criança, o que eles têm a dizer dela, quais as atividades ela se interessa

em fazer, e quais não se interessa e por quê? Deve-se observar tanto os potenciais como

também suas dificuldades, ou seja, o que ela faz com eficiência e o que tem dificuldade

de realizar.

Compõe ainda a avaliação todas as informações necessárias a respeito da

história de vida da criança, ou seja, os marcos do desenvolvimento como: concepção,

gestação, parto, e suas intercorrências, desenvolvimento global como: aspectos

alimentares, desenvolvimento físico, motor, sócio emocional, sua rotina e etc. É

importante ressaltar que essas informações primordialmente serão adquiridas dos seus

familiares ou cuidadores de uma forma singular e que pode haver ou não transparência

nas informações relatadas. Dentro desse processo de captação de informações se faz

necessário também conhecer essa família e saber de que forma eles estão contribuindo

ou não com o caso apresentado; como a criança se comporta perante a família e como a

família se comporta na presença da criança. Uma boa avaliação é feita não só centrada

no erro e sim o que a criança apresenta em conjunto, suas singularidade e

subjetividades, ou seja, o olhar deverá estar para além dos erros. Enfim, todos estes

aspectos apresentados irão nortear o terapeuta com relação á busca do diagnóstico e

proposta terapêutica.

Page 3: Reflexões Sobre a Avaliação Da Linguagem Infantil

O autor ACOSTA sita em sua literatura que nos encontramos diante de uma

nova escola da diversidade, que apresenta crianças com diferentes necessidades

educativas e nos obriga às necessárias adaptações.

Schiefelbusch (1986) nos dá também uma razão que justifica o porquê avaliar a

linguagem. Trata-se de obter uma linha base do funcionamento linguístico. Essa tarefa

vai nos permitir maior conhecimento de como se articulam e conectam os diferentes

componentes estruturais (sintaxe, fonologia, semântica) entre si e em relação às

intenções comunicativas da criança, a pragmática.

Com relação a quando deve ocorrer a avaliação, podemos dizer com toda a

certeza que a observação do terapeuta deverá ser constante. Começa quando a criança

entra no consultório com sua família, quando iniciamos a entrevista, no momento das

coletas de dados quantitativos e qualitativos, na conversa espontânea (principalmente),

na conduta terapêutica, na evolução, até a alta do paciente. Em suma, a avaliação deverá

estar sempre presente, pois a criança não manifesta de uma só vez suas demandas, e sim

a cada nova experiência que compartilha com o mundo ao seu redor e que de certa

forma irá modifica-lo mediante o seu contato e que a cada sessão ele poderá expor na

terapia.

Para que haja real efetividade na conduta terapêutica é importante saber o que

devemos avaliar na criança. Para tanto necessitamos saber quais os aspectos irão ser

avaliados, partindo do pressuposto de que devemos observar de forma ampla.

Por isso ACOSTA nos mostra o significado de sabermos com clareza quais

são as bases anatômicas e funcionais, as dimensões e os processos da linguagem.

Nos aspectos anátomo-funcionais, a avaliação se faz necessária, pois havendo

uma alteração nessas estruturas ou no funcionamento das mesmas, poderão dificultar

todo o processo de desenvolvimento linguístico da criança.

A integridade auditiva é um ponto fundamental no processo de aquisição da

linguagem da criança, pois nos primeiros anos de vida, a sua comunicação baseia-se

através do feedback auditivo, processando os sons ouvidos e assim aos poucos ela vai

descobrindo sua voz através do balbucio evoluindo para a silabação unindo fonemas

com “bá”, “dá”, “pá”. A medida que a criança vai entendo e praticando sons e palavras

ela irá aumentar o seu vocabulário, e também irá exercitar a pronúncia. Todo esse

Page 4: Reflexões Sobre a Avaliação Da Linguagem Infantil

processo de aquisição irá depender do funcionamento íntegro da audição por isso é

muito importante avaliar este sistema. Caso se perceba uma possível alteração, o

procedimento mais correto é o encaminhamento para a realização de exames

audiológicos na busca de um diagnóstico.

Outro ponto importante é a respeito da fonação que também deverá compor a

nossa avaliação. Observar a respiração e seus aspectos como tipo, ritmo tempo e apnéia,

se a criança é respirador oral; a motricidade orofacial como: hipotonia dos músculos da

língua, lábil, bochechas; a constituição da arcada dentária e suas possíveis alterações; a

voz da criança com relação ao tom, timbre e intensidade.

No processo avaliativo da linguagem temos muitos pontos para avaliarmos,

que deveremos observar aspectos quanto à forma, conteúdo e uso da linguagem da

criança, sabendo que com relação à forma deveremos fazer uma análise de como ela

compreende e produz esse sistema fonológico, de como ela está construindo as palavras

e frases. No conteúdo linguístico devemos fazer uma análise lexical e seu acervo de

palavras que ela compreende e utiliza. No uso da linguagem temos a avaliação da

pragmática e suas funções comunicativas, suas habilidades conversacionais e fluência.

Nos processos da linguagem com relação á compreensão e produção onde a criança fala

algumas palavras mais ainda não adquiriu uma compreensão real do que está sendo dito,

porém, ela espera uma resposta ou reforço do adulto para que aos poucos ela

compreenda o que está sendo dito. Também o desenvolvimento cognitivo deve ser

acompanhado o desenvolvimento da inteligência da criança e sua relação com a

linguagem, que deverá influenciar na velocidade de aprendizagem da língua.

Devemos levar em consideração que estamos avaliando um indivíduo que é

influenciado por aspectos psíquicos, emocionais e mentais, por isso devemos ter um

olhar amplo, e que tais aspectos poderão interferir no comportamento linguístico da

criança.

Diante de todos os itens apresentados, devemos ter uma base estratégica de

como iremos avaliar a criança, e quais os procedimentos serão aplicados para obtenção

de dados para aplicação de uma boa conduta terapêutica.

Sabemos que a avaliação deverá ser tanto quantitativa como qualitativa. Os

dados quantitativos irão contribuir para mensurar de forma detalhada aspectos da

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linguagem da criança, nos fornecendo uma base de qual a idade linguística a criança se

apresenta e se esses dados estão dentro do esperado ou não. Para esta avaliação foram

aplicados em sala de aula alguns protocolos que darão um norte quantitativo ao

terapeuta. Foram apresentados os protocolos PROC e ABFW, onde o primeiro são

testes voltados para criança sem oralidade, ou seja, sem verbalização, com menos de

quatro anos, observadas através da sua atividade comunicativa. Este protocolo irá

analisar o processo de desenvolvimento da criança que nesta fase apresenta

características distintas e que podem ser confundidas com uma alteração. Segundo

Zorzi, um dos autores do protocolo, o PROC visa observar o comportamento geral da

criança em contextos semi-estruturados, considerando todos os seus comportamentos:

linguagem, social, motor e cognitivo. Este teste é feito através de uma gravação de

vídeo com o tempo sugerido de 30 a 40 minutos na qual se possa registrar e observar a

interação da criança com o terapeuta examinador, fazendo uso de diversos brinquedos e

objetos selecionados pelo terapeuta e que estejam no contexto da criança com o intuito

de ter uma compreensão mais precisa com a relação evolução normal ou não do

paciente. Para essa análise são dados quatro tabelas sobre o desenvolvimento normal da

linguagem e da constituição do simbolismo na criança.

O ABFW é indicado para crianças com oralidade com idade de 2 a 12 anos.

Este teste avalia os aspectos fonológicos, do vocabulário, da fluência, e da pragmática.

A melhor forma de avaliar os aspectos fonológicos é através da fala

espontânea, do qual o fonoaudiólogo irá registrar todos os processos fonológicos

apresentados pela criança.

Quanto ao vocabulário utiliza-se um álbum de figuras onde o paciente irá

nomeá-las. Este álbum segue uma ordem sequencial de acordo com as categorias

apresentadas.

Na fluência, serão avaliados o perfil da fala da criança, referindo-se ao fluxo

contínuo e suave da produção da fala. Serão observados se há rupturas, prolongamentos,

e a velocidade de fala da criança.

Por fim a pragmática que irá avaliar todos os aspectos funcionais da

comunicação levando a determinação do perfil comunicativo da criança. Através da

conversa espontânea podemos selecionar os atos comunicativos, através da interação

Page 6: Reflexões Sobre a Avaliação Da Linguagem Infantil

terapeuta-criança, dos meios comunicativos: verbais, orais e gestuais e por fim as

funções comunicativas como por exemplo: pedido de objeto; exibição; pedido de

informação entre outros.

Para que estas informações sejam coletadas de forma mais eficiente e prática se

faz necessário à construção da transcrição de toda a gravação para uma análise mais

apurado e preciso.

Este protocolo irá fazer um levantamento quantitativo através de percentuais de

todos os atos comunicativos da criança apresentados no vídeo.

Ressalto aqui que estes protocolos não deverão ser a fonte predominante da

avaliação, assim estaremos focados somente numa análise quantitativa, ou seja, se

apropriando apenas das tecnologias duras. O fonoaudiólogo deverá ter principalmente

uma escuta apurada e uma observação precisa e clara da sua interação com o sujeito. As

avaliações quantitativas deverão servir de acréscimo na sua avaliação, lembrando que

por se tratar de uma avaliação infantil devemos sempre partir do lúdico para que a

criança passe a ter um vínculo maior com terapeuta, facilitando todo o processo

avaliativo.

REFERÊNCIAS

ACOSTA, V.M., MORENO, A.; RAMOS, V. et al. A linguagem como objeto de

avaliação. In: Avaliação da Linguagem: teoria e prática do processo de Avaliação do

comportamento linguístico infantil. São Paulo: Santos, 2003. P.17-52.

ZORZI, J.L., HAGE, S.R.V. PROC: Protocolo de observação comportamental. São

Paulo: São José dos Campos, 2004.

ANDRADE, C.R.E.;BEFI- LOPES, D. M. et al. ABFW: Teste de Linguagem infantil

nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Carapicuiba: Pró-fono

departamento editorial.

MENEZES, M.L. (2007) ADL – Avaliação do desenvolvimento da linguagem. Rio de

Janeiro: FIOCRUZ.

Page 7: Reflexões Sobre a Avaliação Da Linguagem Infantil

BOGOSSIAN, M.; SANTOS, M. (1977) Teste Illinois de habilidades psicolinguísticas,

adaptação brasileira. Rio de Janeiro: EMPSI.

HAGE, S.R.V. (2001) Distúrbio específico do desenvolvimento da linguagem: subtipos

e correlações neuroanatômicas. Pró Fono Revista de Atualização Científica, 13(2): 233-

241.