reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

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REFLEXÕES EM TORNO DO REFLEXÕES EM TORNO DO PRIMEIRO ACÓRDÃO SOBRE A PRIMEIRO ACÓRDÃO SOBRE A APLICAÇÃO DA CLÁUSULA GERAL APLICAÇÃO DA CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSO ANTI-ABUSO Pedro Patrício Amorim [email protected] Associação Fiscal Portuguesa Junho de 2011

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Page 1: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

REFLEXÕES EM TORNO DO REFLEXÕES EM TORNO DO PRIMEIRO ACÓRDÃO SOBRE A PRIMEIRO ACÓRDÃO SOBRE A APLICAÇÃO DA CLÁUSULA GERAL APLICAÇÃO DA CLÁUSULA GERAL ANTI-ABUSOANTI-ABUSO

Pedro Patrício [email protected]

Associação Fiscal PortuguesaJunho de 2011

Page 2: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

Sumário

1. Introduç ão

2. Porque tardou mais de uma década?

3. O que pode mudar com o Acó rdão do TCAS?

4. A normal material - nº 2 do artigo 38º LGT

5. A norma procedimental - artigo 63º do CPPT

6. Aplicaç ão da CGAA a empresas sedeadas na ZFM

7. Aplicaç ão da CGAA a abusos na eliminaç ão da dupla tributaç ão econó mica de lucros distribuídos

8. Perguntas e respostas

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Introduç ão

O acó rdão como ponto de partida na discussão da aplicaç ão da Cláusula Geral Anti-Abuso (CGAA)

Importa avaliar o caso num plano estritamente jurídico

Oportunidade para analisar os posicionamentos face à CGCA da Administraç ão Tributária (AT), dos contribuintes e dos consultores fiscais e, agora, dos tribunais.

O que pode (ou deveria) mudar com o acó rdão

Valerá a pena reequacionar a norma procedimental?

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Porque tardou uma década?

A CGAA foi introduzida em 1999 A actual redacç ão da CGAA vigora desde 2000 Primeira autorizaç ão sindicada judicialmente (AAE): 2004 Decisão da AAE: TAF – 30.10.2009 / TCAS: 15.02.2011

Razões da muito escassa utilizaç ão da CGAA:• Complexidade da fundamentaç ão? • Pouca preparaç ão da Inspecç ão Tributária?• Procedimento do art.63º do CPPT muito garantístico?• Deve-se sobretudo, ao facto de a AT, na última década, ter

vindo a privilegiar o “sniper approach” em relaç ão ao “shotgun approach” (CGAA)

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Porque tardou uma década?

“Sniper approach” em sentido amplo - criaç ão de normas anti-abuso específicas, de desconsideraç ão de custos e de inversão do ó nus da prova

É mais eficiente para a obtenç ão imediata de receita A aplicaç ão cega e literal de “normas sniper” pode

subverter princípios fundamentais da tributaç ão do rendimento (v.g. igualdade e lucro real)

A multiplicaç ão de normas “sniper”:Pode ameaç ar seriamente a coerência do sistema fiscal Pode conduzir a efeitos indesejados - planeamento fiscal

para evitar a sua aplicaç ãoNão promove a desejável melhoria da competência jurídica

da Inspecç ão Tributária

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Porque tardou uma década?

Um exemplo – aplicaç ão do artigo 23º nº 3 e 5 do CIRC (não dedutibilidade das perdas em partes de capital entre partes relacionadas) conduz:

A uma discriminaç ão arbitrária do tratamento fiscal de componentes negativas dos lucros dos grupos societários

Em violaç ão dos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva

A jurisprudência tem vindo a dar cobertura ao “sniper approach” - v.g. Acó rdão STA, de 11.02.2009, considerou que o nº 7 do 23º do CIRC “ assume o carácter de uma norma específica anti-abuso, de combate à evasão fiscal, do género daquela plasmada no artigo 38º da LGT”… “não viola, e antes respeita, o princípio de tributaç ão das empresas pelo «rendimento real», consagrado no n.º 2 do artigo 104.º da CRP”

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O que pode mudar com o Acó rdão?

Para a Administraç ão Tributária, o facto de ter saído vencedora no Acó rdão do TCAS de 15.02.2011: Confere algum conforto na aplicaç ão da CGAA Por isso, deveria servir para “arrefecer” os ímpetos de

“criaç ão” e de aplicaç ão indiscriminada de normas anti-abuso específicas

Ou seja, poderia inverter um pouco o “sniper approach”

Caso a Proposta Directiva da base comum consolidada (CCCTB) seja aprovada pelos EM, a respectiva transposiç ão pode minorar os efeitos mais negativos do “sniper approach”

Espera-se que não seja de novo invocada a incapacidade de controle pela AT (que justificou, em 2000, o fim da tributaç ão pelo lucro consolidado) para impedir a Consolidaç ão Fiscal

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Page 8: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

O que pode mudar com o Acó rdão?

• Postura dos Contribuintes face à CGAA? A quase inexistência de casos de aplicaç ão da CGAA pela

AT, originou que o seu desejável efeito dissuasor tenha vindo, na última década, progressivamente a diminuir

A multiplicaç ão de normas anti-abuso específicas também ajudou a criar a convicç ão que CGAA quase nunca seria aplicada.

Muitos contribuintes já não levavam a “ameaç a” da aplicaç ão da CGAA muito a sério

Os consultores fiscais, embora invocando com alguma frequência a CGAA, tinham dificuldade em sustentar o risco em concreto da sua aplicaç ão

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Page 9: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

O que pode mudar com o Acó rdão?

• A situaç ão poderia ter sido invertida com a divulgaç ão, em 2010, dos esquemas de planeamento fiscal tidos como abusivos (DL nº 29/2008, de 25.02)

• Até hoje foram apenas divulgados 13 “esquemas” (embora, até ao fim de 2009, tinham sido feitas 81 comunicaç ões - cfr. pág. 20 do “Relató rio de Combate à Fraude e Evasões Fiscais”)

• Em todos os 13 “esquemas” divulgados a AT indicou sempre como possibilidade de actuaç ão “a eventual aplicação da cláusula geral anti-abuso (n.º 2 do artigo 38.º da LGT)” em conjunto com outras normas com características de normas específicas anti-abuso - v.g. artigos 51º nº 10 e 63º do CIRC e a “cláusula geral” do artigo 23º do mesmo Có digo

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A normal material

• A CGAA, na sua redacç ão actual, existe desde 2000• Face ao nº 2 do artigo 38º da LGT - os negó cios jurídicos

dirigidos ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos e fraudulentos e com abuso das formas jurídicas à diminuiç ão da carga tributária podem ser desconsiderados pela AT

• A artificialidade do negó cio é condiç ão de aplicaç ão da CGAA• Caso a AT demonstre a intenção fraudulenta, é retirada eficácia

fiscal à operaç ão ou negó cio, que é tributado como se o comportamento de fraude à lei não se tivesse verificado

• Finalidade expressa da norma: restringir, quanto às consequências fiscais, a liberdade de conformaç ão jurídica do sujeito passivo

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A normal material

A norma rompeu com a formulaç ão tradicional do princípio da tipicidade fechada

Segundo alguma doutrina, a nova norma ia consagrar a arbitrariedade administrativa - “a administração estaria quase sempre inclinada a considerar fraudulenta qualquer operação que lhe causasse um prejuízo fiscal” (DLC, 1999)

Os receios revelaram-se infundados, a pró pria formulaç ão da norma revelou-se como um claro limite ao arbítrio da AT

Para que CCGA possa ser aplicada, não basta que o sujeito passivo se limite a usar as possibilidades que a lei lhe confere para reduzir a sua carga tributária (v.g utilizando um benefício fiscal), é necessário que recorra a meios jurídicos artificiosos que demonstrem a sua intenç ão de ultrapassar os limites do planeamento fiscal legítimo

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A normal material

• Jurisprudência do TJUE Princípio comunitário da proibiç ão do abuso de direito – v.g.

casos Halifax (2006), Kofoed (2008) e Part Service (2008)No contexto de medidas restritivas, a legislaç ão anti-abuso só

é justificável quando for destinada a combater “expedientes puramente artificiais” (caso Cadbury Schweppes, 2006) – o TCAS foi bem mais longe na justificaç ão da nossa CGAA

• Em situaç ões com relevância intra-comunitária: A legislaç ão fiscal dos EM deve ser interpretada em

conformidade com o princípio comunitário da proibiç ão do abuso de direito

A validade das normas fiscais dos EM (incluíndo normas anti-abuso) deve ser analisa à luz do conceito comunitário de abuso de direito

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A normal procedimental

• Artigo 63º do CPPT - a liquidaç ão dos tributos com base em quaisquer disposiç ões anti-abuso depende sempre da abertura para o efeito de procedimento pró prio

Por forç a do contexto histó rico, esta norma assumiu um carácter marcadamente garantístico

As “cautelas” do procedimento do artigo 63º: Nº 3 - caducidade do direito de instaurar o procedimento 3

anos apó s a prática ou a celebraç ão do negó cio jurídico artificioso (na redacç ão inicial)

Nº 7 e 10 – autorizaç ão prévia do dirigente máximo, sendo tal autorizaç ão passível de recurso autó nomo

Nºs 4 a 6 – abertura de contraditó rio / direito de audiç ão Nº 9 – especial dever de fundamentaç ão

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Parecer nº 350/2003, de 24.10.2003, da DSJC“a) A cláusula geral anti-abuso (…) não se aplica aos negó cios jurídicos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor, mesmo quando parte da sua execução tenha ocorrido após a entrada em vigor daquela Lei.”“b) A referida cláusula só pode ser aplicada em procedimento autó nomo a iniciar nos três anos posteriores ao referido negócio jurídico.”“c) A aplicaç ão da referida cláusula depende da prova pela administraç ão fiscal de um negó cio jurídico celebrado exclusiva ou principalmente com o fim de obtenção de um ganho fiscal que não teria sido obtido sem a sua celebração”(…)

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A normal procedimental

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A normal procedimental

• Lei nº 64-A/2008, 31.12 (LOE2009), alterou o nº 3 do art. 63º: “O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realização do negócio jurídico objecto das disposiç ões anti-abuso”

Manteve como elemento de conexão temporal o momento da realizaç ão do negó cio jurídico artificioso

De jure condendo o nº 3 do artigo 63º do CPPT poderia ser reformulado – passando o elemento conexão temporal a ser o efeito do negócio artificioso (i.e. o momento em que causa a diminuiç ão da carga tributária)

Esta reformulaç ão poderia passar pela eliminaç ão do nº 3 do 63º do CPPT e pela consequente alteraç ão das regras de caducidade dos artigos 45º e 46º da LGT

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A norma procedimental

• O Acó rdão do TCAS de 15.02.2011, pronunciou-se sobre duas das “cautelas” que o legislador rodeou a aplicaç ão da CGAA, constantes do artigo 63º do CPPT: Pronunciou-se se já tinha ou não decorrido o prazo

especial de caducidade do procedimento (3 anos), previsto no nº 3 do art. 63º

Confirmou a verificaç ão dos pressupostos de aplicaç ão da cláusula geral anti-abuso – i.e. a existência de “negó cios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminaç ão ou reduç ão dos tributos que de outro modo seriam devidos” (cfr. nº 2 do art. 63º)

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Acó rdão do TCAS de 15.02.2011

• O que estava em causa na AAE ? O recurso (nos termos do nº 10 do art. 63º do CPPT), do

Despacho do DG, que autorizou a aplicaç ão da CGA para determinaç ão da matéria colectável de IRC

O recurso previsto no nº 10 analisa uma questão prejudicial, mas actualmente não tem efeito suspensivo da liquidaç ão (no entanto pode dar lugar à suspensão de instância da Impugnaç ão Judicial - cfr. artigo 279 n1 do CPC)

A legalidade da liquidaç ão adicional de IRC não foi directamente sindicada nesta AAE

No entanto, o TCAS pronunciou-se sobre os pressupostos da aplicaç ão da CGAA, i.e confirmou a artificialidade do negócio e a intenção fraudulenta

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Acó rdão do TCAS de 15.02.2011

• De destacar no Acó rdão: A invulgar extensão do texto e grande diversidade da

doutrina citada - talvez possa ser explicada pelo pioneirismo da decisão

Será provavelmente o primeiro acó rdão inspirado numa referência doutrinal que consta duma apresentaç ão em PowerPoint -“ Cláusulas anti-abuso e direitos e garantias dos contribuintes, de Clotilde Celorico Palma” (apresentaç ão nunca conferência da CTOC - 2007)

Algumas apreciaç ões que extravasam manifestamente a apreciaç ão jurídica dos factos - em linha com alguma jurisprudência recente (também do Tribunal Constitucional) de cunho mais “justiceiro” que jurídico

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Acó rdão do TCAS de 15.02.2011

Limites à liberdade de opç ão empresarial:• O TCAS entendeu que a “liberdade de opç ão empresarial, não

deve ser entendida como um direito absoluto…”• E vai mais longe, afirmando que “um dos limites à liberdade

de gestão empresarial, é o da subsistência e manutenção do sistema fiscal visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados (cfr. art° 103, n° 1, CRP)”

• Para o TCAS, a obtenç ão de receita e a redistribuiç ão parece justificar a restriç ão à liberdade de gestão empresarial

Esta leitura das restriç ões admitidas, parece ir bem mais longe que a permitida pelo TJUE (no caso Cadbury Schweppes - combate a “expedientes puramente artificiais”)

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Acó rdão do TCAS de 15.02.2011

Estava em causa um planeamento fiscal relativamente comum no final da década de 90 do século passado

Consistia na interposiç ão de sociedades sedeadas na Zona Franca da Madeira (ZFM) para financiar outras sociedades do grupo, transformando os rendimentos dos juros (isentos) em dividendos que não eram tributados pelo regime do artigo 46º do CIRC (regime da eliminaç ão da dupla tributaç ão econó mica de lucros distribuídos)

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Acó rdão do TCAS de 15.02.2011

As 3 principais interrogaç ões suscitadas pelo Acó rdão:

3. Será que a letra do nº 3 artigo 63º do CPPT permite que o procedimento de aplicaç ão da CGA possa ser iniciado apenas quando os fins ou os resultados da elisão fiscal sejam determináveis, de acordo com a "step transaction doctrine"?

4. De que forma pode ser considerada abusiva ou artificiosa a actividade de uma sociedade sedeada na ZFM, que reúna todos os pressupostos para aí se encontrar instalada e que cumpra todos os requisitos que conferem o direito à isenç ão?

5. Qual o sentido da introduç ão de uma norma anti-abuso especifica em 2005 (aditamento do nº 10 ao artigo 46º do CIRC), quanto o abuso de formas jurídicas já era susceptível de conduzir à não aplicaç ão do regime da eliminaç ão da DTE por meio da invocaç ão da CGAA?

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1ª - prazo do nº3 do 63º do CPPT

Datas com mais relevância: 1995 – constituiç ão da PSQ na ZFM – o tribunal deu como

provados que a PSQ “não possuía quaisquer meios físicos para a prossecuç ão do seu objecto social” e que os seus gerentes eram integralmente pagos por empresas do grupo

1996 e 1997 – a Recheio transferiu montantes para a PSQ, como prestaç ões suplementares, que foram depois transferidos para a Eurocash BV e Tand BV

2001 e 2002 – juros recebidos pela PSQ pelos empréstimos concedidos (directamente ou via Hermes). O rendimento destes juros é distribuído à Recheio como dividendos não tributados

2001 e 2002 – a Recheio deduz os dividendos e agrava muito significativamente os seus prejuízos fiscais

2004 – início do procedimento da aplicaç ão da CGAA

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1ª - prazo do nº3 do 63º do CPPT

O TCAS considerou que: O prazo “não se conta a partir dos contratos de mútuo [1996 e

1997], momento em que ainda nada se podia aferir quanto ao comportamento elisivo”

A contagem do prazo “só se pode iniciar aquando da dedução dos dividendos [2001 e 2002], sendo esta a contagem objectivamente possível, até porque, em silogismo ló gico, os fins de elisão fiscal só são determináveis qualitativamente e quantitativamente através do acto de deduç ão dos dividendos nas declaraç ões de rendimentos de IRC dos exercícios em causa”

O TCAS considerou que o texto do nº 3 do artigo 63º do CPPT permite acolher a “step transaction doctrine” - tal como foi sustentado no Parecer do CEF de 3.8.2004 (que integra a fundamentaç ão da AT, parcialmente transcrita no acó rdão)

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1ª - prazo do nº3 do 63º do CPPT

Redacç ão do nº 3 em 2004 (aplicável aos autos)

“3. O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos apó s a realizaç ão do acto ou da celebraç ão do negó cio jurídico objecto da aplicaç ão das disposiç ões anti-abuso”

Actualmente (desde a Lei nº 64-A/2008, de 31.12):

“3. O procedimento referido no n.º 1 pode ser aberto no prazo de três anos a contar do início do ano civil seguinte ao da realizaç ão do negó cio jurídico objecto das disposiç ões anti-abuso”

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1ª - prazo do nº3 do 63º do CPPT

O texto do nº 3 (de 2004) permitia esta interpretaç ão? Letra da lei - a norma procedimental estava centrada no acto

ou negó cio jurídico, utilizava intencionalmente as expressões “celebração do negócio” e “realização do acto” e não as expressões “efeito do negócio” ou “finalidade do acto”

Ratio - a norma parece ser marcada pela obtenç ão da seguranç a jurídica apó s a passagem de um certo período de tempo apó s a celebraç ão do negó cio artificioso ou da realizaç ão do acto abusiva.

Se assim não fosse, qualquer funç ão garantística do prazo seria subvertida ou mesmo inutilizada e poderia conduzir a prazos de reacç ão administrativa muito mais longos que o prazo de caducidade

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Page 26: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

1ª - prazo do nº3 do 63º do CPPT

nº 3 do 63º do CPPT é uma regra especial de caducidade, que encontra justificaç ão nos princípios da protecç ão da confianç a e da seguranç a jurídica.

o texto vigente em 2004 resultava que 3 anos apó s a celebraç ão do negó cio artificioso ou da realizaç ão do acto abusivo, as respectivas consequências fiscais consolidam-se

rtigo 9º, nº 2 do Có digo Civil “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.”

aplicaç ão da “step transaction doctrine” (originária da common law) parece não resultar da letra do nº 3 do art. 63º do CPPT que vigorava em 2004

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Page 27: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

2ª - a actividade uma sociedade na ZFM pode ser artificiosa ou abusiva?

• A Zona Franca da Madeira (ZFM) é, acima de tudo, um instrumento de concorrência fiscal do Estado português, aprovado pela Comissão Europeia como um regime de ajudas de Estado (artigos 107º e 108º do TFUE)

• A opç ão politica que levou à criaç ão da ZFM foi concretizada por uma isenç ão de IRC para as empresas aí instaladas, desde que cumpram certas requisitos (art. 33 do EBF)

• É uma isenç ão objectiva, inerente a certos rendimentos• Por isso, a AT deveria, antes de mais, ter apurado:

se a sociedade sedeada na ZFM reunia ou não todos os pressupostos para aí se encontrar instalada;

e se a sua actividade respeitava ou não os requisitos que conferem o direito à isenç ão

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Page 28: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

2ª - a actividade uma sociedade na ZFM pode ser artificiosa ou abusiva?

• A questão era: Se a sociedade não estava devidamente instalada ou a sua

actividade não preenchia os requisitos legais - então os seus rendimentos estavam sujeitos a imposto

Se estava devidamente instalada e preenchia todos requisitos da isenç ão – será que, mesmo assim, a sua actividade podia ser considerada abusiva ou artificiosa?

• O TCAS deu como provado que a sociedade sedeada na ZFM “não possuía quaisquer meios físicos para a prossecuç ão do seu objecto social” (ou seja não tinha condiç ões para exercer a actividade econó mica licenciada), mas será que podia ter retirado daí algumas consequências?

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Page 29: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

3ª - qual o sentido do aditamento, em 2005, de um nº 10 ao artigo 46º do CIRC

O artigo 46º do CIRC tem por objectivo evitar a dupla tributaç ão dos lucros das sociedades que participam no capital de outras sociedades, desde que tal sociedade tenha sede ou direcç ão efectiva em territó rio português (ou noutro Estado membro) e seja sujeita e não isenta de IRC.

As sociedades sedeadas na ZFM gozam de uma isenç ão objectiva (abrange apenas os rendimentos obtidos fora do territó rio português), temporária e não permanente.

Até ao fim de 2004, as sociedades sedeadas na ZFM, não estavam excluídas da aplicaç ão do artigo 46º do CIRC, mesmo que não tivesse havido tributaç ão prévia de dividendos remetidos para a sociedade mãe em Portugal (cfr. o Parecer do CEF 101/90, que deu origem à Circular nº 4/91)

O quadro alterou-se em 1.1.2005 (Lei OE2005)

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Page 30: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

3ª - qual o sentido do aditamento, em 2005, de um nº 10 ao artigo 46º do CIRC

Com a Lei n.º 55-B/2004, de 30.12 (OE2005) foi acrescentado ao artigo 46º do CIRC um nº 10, no qual se prevê a não aplicaç ão do regime da eliminaç ão dupla tributaç ão econó mica (DTE), nos casos em que não tenha havido prévia tributação dos lucros e (cumulativamente) quando tenha havido abuso de formas jurídicas

Não terá o novo nº 10 sido redundante ou mesmo desnecessário, dado que AT poderia sempre reagir contra o aproveitamento abusivo do regime do artigo 46º do CIRC, aplicando a CGAA?

A circunstância do abuso de formas jurídicas ser um pressuposto para a aplicaç ão do nº 10 do artigo 46º, não fará com que este preceito seja uma mais uma cláusula geral de aplicaç ão limitada, do que uma norma específica?

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Page 31: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

3ª - qual o sentido do aditamento, em 2005, de um nº 10 ao artigo 46º do CIRC

Será que, antes da aprovaç ão do nº 10 do artigo 46º do CIRC, estes comportamentos abusivos (aproveitamento do regime da eliminaç ão da DTE) eram passíveis de desconsideraç ão fiscal?

Não terá sido por esta razão que o legislador introduziu o novo nº 10 (para produzir efeitos a partir de 2005)?

Ao agir contra comportamentos anteriores, depois de ter reconhecido a necessidade de lei expressa, não estará o Estado a venire contra factum proprium ?

Ao modificar a lei, passando exigir especificamente como condiç ão de aplicaç ão do artigo 46º do CIRC a não existência de “ abuso de formas jurídicas”, não terá o legislador reconhecido que a situaç ão jurídica dos contribuintes só podia ser alterada por alteraç ões legislativas que, por imposiç ão constitucional, apenas se aplicam para o futuro?

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Page 32: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

Este acó rdão suscita muitas outras interrogaç ões

Espero que outras decisões de aplicaç ão da CGAA que a Administraç ão Tributária venha a tomar (ou já tenha tomado) não incidam apenas sobre a aplicaç ão do artigo 46º do CIRC por entidades sedeadas na ZFM.

O nº 2 do artigo 38º da LGT parece ter outras aplicaç ões mais adequadas

Observações finaisObservações finais32

Page 33: Reflexões em torno do primeiro acórdão sobe a aplicação

Observaç ões finaisObservaç ões finais

Termino com uma citaç ão do Sumário do Acó rdão:

“III) [através da gestão ou planeamento fiscal], procura-se a minimizaç ão dos impostos a pagar de um modo totalmente legítimo e lícito, querido até pelo legislador, ou deixado à liberdade de opç ão do contribuinte, como sejam os benefícios fiscais e as alternativas fiscais […] pelo que, dentro dos limites da lei e do direito, o sujeito passivo pode escolher as formas menos onerosas de tributaç ão tendo como limite da sua pretensão minimizadora a fraude à lei”