reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

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REFLEXÕES E PROPOSTAS SOBRE O "ENSINAR ENGENHARIA" PARA O SÉCULO XXI RENATO VAIRO BELHOT Tese apresentada à Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do título de Livre Docente. São Carlos 1997

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Page 1: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

REFLEXÕES E PROPOSTAS SOBRE

O "ENSINAR ENGENHARIA"

PARA O SÉCULO XXI

RENATO VAIRO BELHOT

Tese apresentada à Escola de Engenharia

de São Carlos, da Universidade de São

Paulo, como parte dos requisitos para

obtenção do título de Livre Docente.

São Carlos

1997

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-ii-

Ao Ginkgo biloba

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-iii-

AGRADECIMENTOS

À minha família, esposa, filhos e mãe, que manteve-se firme e estruturada

durante meus longos períodos de ausência, e que silenciosamente deram seu

apoio.

Aos amigos que participaram da realização deste trabalho, dando sua

indispensável e pessoal contribuição, em especial à Daisy, José Luiz, Luiz

Fernando e ao fiel escudeiro Antonio Carlos.

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-iv-

S U M Á R I O

S U M Á R I O......................................................................................................................................... IV

LISTA DE FIGURAS E QUADROS............................................................................................. VI

RESUMO.....................................................................................................................................................IX

ABSTRACT.................................................................................................................................................X

1 - INTRODUÇÃO................................................................................................................................1

1.1 - Objetivo....................................................................................................................................... 4

2 - APRENDIZAGEM............................................................................................................................5

2.1 - Um Pouco de História ........................................................................................................ 5 2.2 - Principais Teorias .................................................................................................................... 8 2.3 - Estilos de Aprendizagem..................................................................................................11

3 - ENSINO..............................................................................................................................................14

3.1 - Planejamento do Ensino...................................................................................................17 3.1.1 - Definição dos Objetivos ..................................................................................19 3.1.2 - Seleção e Organização de Conteúdos de Ensino ............................21 3.1.3 - Os Meios Utilizados para o Processo de Ensino...............................22 3.1.4 - Avaliação do Aprendizado.............................................................................27

3.2 - Estilos de Ensino....................................................................................................................30

4 - O CICLO DE APRENDIZAGEM ........................................................................................33

5 - O ENSINO NA ENGENHARIA ..........................................................................................38

5.1 - O Ensino sob a Ótica da Solução de Problemas ..............................................39 5.2 - Conclusão Parcial No 1 .....................................................................................................42

6 - ENSINO E TECNOLOGIA.....................................................................................................45

6.1 - O Computador no Ciclo de Aprendizado...........................................................47 6.1.1 - Hipertexto e Multimídia...................................................................................50

6.2 - O Ensino Apoiado por Computador.......................................................................54 6.2.1 - Sistema Tutor sobre Sistemas Especialistas ..........................................55 6.2.2 - Outros Sistemas Tutores.................................................................................61

6.3 - Conclusão Parcial No 2 .....................................................................................................66

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-v-

7 - OS NOVOS PARADIGMAS..................................................................................................69

7.1 - Ensino de Engenharia à Imagem da Manufatura ................................................71 7.2 - O Papel do Professor ........................................................................................................76 7.3 - Os Pilares de Sustentação...............................................................................................78 7.4 - Conclusão Parcial No 3 .....................................................................................................85

8 - A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA........................................................88

8.1 - Explorando Possibilidades ...............................................................................................90 8.1.1 - A Abordagem Prospectiva .............................................................................91 8.1.2 - A Abordagem Formativa.................................................................................93 8.1.3 - A Abordagem Prescritiva................................................................................96 8.1.4 - A Abordagem Construtiva.............................................................................98

8.2 - Alternativas de Ensino-Aprendizagem..................................................................101 8.2.1 - Jogos..........................................................................................................................101 8.2.2 - Aprendizagem Baseada em Problemas................................................105

9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................... 113

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LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 3.1 - Alternativas de Ordenação de Conteúdo, Considerando Hierarquia, Seqüência e Linearidade entre Conceitos (VAUGHAN, 1994). ......................................................................................................23

Figura 3.2 - O Ciclo do Planejamento de Ensino...................................................................28

Figura 4.1 - O Ciclo de Aprendizagem e a Identificação dos Estilos de Ensino e de Aprendizagem e dos Métodos de Ensino Apropriados a cada Quadrante (Adaptado de KURI & GIORGETTI, 1994).......................35

Figura 5.1 - A Formação do Engenheiro e as Relações do Processo de Transformação com o Mercado..............................................................................40

Figura 6.1 - O Ciclo de Aprendizagem - POCE - Um Processo Contínuo Caracterizado por Objetivos Distintos a Cada Etapa. ...............................49

Figura 6.2 - Exemplo de Hipertexto..............................................................................................52

Figura 6.3 - Caracterização de Hipertexto e Hipermídia a partir da Estrutura e Forma de Acesso ao Texto e Diferentes Mídias Incluídas. .................54

Figura 6.4 - Estrutura do Sistema Tutor (Clipper). ...............................................................59

Figura 6.5 - Tela Inicial do Sistema Especialista Implementado no Folio Views 3.0. ...........................................................................................................................60

Figura 6.6 - Tela Inicial do Sistema Especialista Implementado no ToolBook.......61

Figura 6.8 - Estrutura Geral do Software....................................................................................65

Figura 6.9 - Módulo M.R.P. II...............................................................................................................65

Figura 6.10 - Tela Inicial do Sistema sobre Ferramentas Gráficas. ...............................67

Figura 7.1 - Defasagem entre a Evolução do Conhecimento e dos Recursos Utilizados na Educação..................................................................................................69

Figura 7.2 - A Qualidade na Educação à Semelhança do Processo de Produção. ...........................................................................................................................74

Figura 7.3 - Distribuição do Conhecimento Gerando Padronização dos Indivíduos...............................................................................................................................75

Figura 7.4 - A Tecnologia Criando Acesso Direto ao Conhecimento......................77

Figura 7.4 - Identificação das Variáveis do Macro-Ambiente e de suas Relações de Influência, Gerando as Ações Internas Necessárias ao Equilíbrio do Sistema...............................................................................................85

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Figura 7.5 - Conhecimento Gerando Mudanças a partir de Novas Atitudes e Comportamentos.............................................................................................................86

Figura 8.1 - O Ciclo de Ensino e de Aprendizagem e as Estratégias Educacionais......................................................................................................................90

Figura 8.2 - Dimensões do Problema e suas Combinações, Resultando em Diferentes Graus de Dificuldade e de Objetivos. .........................................93

Figura 8.3 - Alternativas de Ensino Decorrentes da Combinação da Estruturação do Problema e do Nível Organizacional. .............................95

Figura 8.4 - Processo de Decisão Caracterizado pela Aplicação Sucessiva de Critérios para Seleção de Altermativas...............................................................96

Figura 8.5 - Elementos Envolvidos no Processo de Ensino e de Aprendizagem apoiado pelo Computador. ..................................................100

Figura 9.1 - Fatores que Determinam a Formação do Modelo Mental e sua Influência nas Ações Decorrentes. ......................................................................110

Quadro 2.1 — Características de Aprendizagem (Adaptado de KURI, 1993)......12

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-viii-

Não existe um curso ruim,

existe um professor chato e despreparado!

As pessoas não resistem às mudanças,

resistem a serem mudadas!

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-ix-

RESUMO

BELHOT, R.V. (1997). Reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para

o século XXI. São Carlos, 1997. 113p. Tese (Livre Docência). Escola de

Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.

Atualmente, as mudanças ocorrem em todos os níveis, social,

econômico, político e educacional, e passam a exigir diferentes respostas e

ações por parte das pessoas e das organizações. A formação em engenharia não

foge a essa regra. O modelo de ensino em massa, que prioriza o uso intensivo

dos recursos físicos e materiais, em breve cederá lugar a outro baseado em

outros valores. O processo de ensino-aprendizagem deverá sofrer profundas

alterações, para as quais, instituições, professores e estudantes deverão

preparar-se. Nesse contexto, e sob essas hipóteses, é discutida a questão do

ensino de engenharia à luz de critérios metodológicos, e proposto um

referencial teórico para o desenvolvimento de estratégias educacionais.

Palavras-chave: ensino de engenharia, paradigmas educacionais, ensino-

aprendizagem.

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-x-

ABSTRACT

BELHOT, R.V. (1997). Reflexions and proposals about "engineering education"

to the XXI century. São Carlos, 1997. 113p. Tese (Livre Docência). Escola de

Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.

Nowadays, changes have been happening in all levels-social economical,

political and educational - and they require different answers and actions from

people and organizations. The engineering education is not an exception to this

rule. The mass education, which gives emphasis to the use of physical resources,

will soon give place to another method based on other values. The teaching-

learning process should suffer deep changes, which will require that institutions,

teachers and students prepare to face them. Considering these circunstances,

the question of engineering education is discussed regarding methodological

aspects and it is proposed a theoretical framework to the development of

educational strategies.

Keywords: engineering education, educational paradigms, teaching-learning.

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INTRODUÇÃO

-1-

1 - INTRODUÇÃO

O mundo que emprega, produz e comercializa já não é mais o mesmo

de poucos anos atrás. Vivemos uma época de mudanças sociais e econômicas

como jamais foi presenciada em toda a história da humanidade. O que torna

esse fato interessante, além da mudança por si mesma, é que nós estamos

presenciando e fazendo as mudanças, isto é, somos os agentes das mudanças. E

nesse aspecto, a tecnologia está exercendo um papel primordial, talvez não

único, na maneira pela qual a educação e os negócios estão sendo realizados.

A tecnologia é o ponto central de uma revolução, que tem como aliados

a rede mundial, os softwares e os computadores. A tecnologia da informação e

da comunicação derrubaram, literalmente, as fronteiras entre países, criando

novas oportunidades de mercado e trazendo atrelada a si uma maior

concorrência. A concorrência que antes era local, regional ou estadual, agora já

é internacional. Um mesmo trabalho pode ser executado por pessoas

localizadas em diferentes países.

O ciclo de vida da tecnologia é outro fator importante nesse cenário.

Atualmente, o período de tempo em que a tecnologia retém o seu valor, está

cada vez menor e mais curto que o ciclo de formação profissional, como já é o

caso da educação em engenharia. Isto significa que novas tecnologias são

disponibilizadas numa velocidade tal que não conseguem ser adequadamente

absorvidas pela educação tradicional, o que pode se traduzir na colocação de

profissionais desatualizados no mercado de trabalho.

Outro fato interessante é que o emprego já não tem as mesmas

características. Nota-se que o setor secundário vem reduzindo dramaticamente

a quantidade de postos de trabalho oferecidos. Por outro lado, o setor terciário

e a economia informal ficaram encarregados de absorver essa mão-de-obra

Page 12: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

INTRODUÇÃO

-2-

excedente. A automação que toma conta das empresas industriais, e que foi

parcialmente responsável pela redução da oferta de empregos, avança para o

setor de serviços. Para enfrentar esse cenário, o profissional terá de criar

oportunidades de trabalho e não simplesmente explorar as existentes. É a

valorização do perfil empreendedor.

A retomada do crescimento industrial enfatiza estruturas de produção e

decisão cada vez mais ágeis e mais flexíveis, em resposta à concorrência

internacional, que coloca seus produtos e serviços às vezes com qualidade

superior, outras vezes com preço inferior. As alianças começam a se fortificar.

Aquilo que é ensinado na escola é determinante para a sobrevivência do

profissional no mercado de trabalho e, nessa direção, deve haver um cuidado

na sua formação básica e ao mesmo tempo na sua formação dinâmica. É

necessário dar ao indivíduo a capacidade de se adaptar ao mercado, de criar as

oportunidades para sua sobrevivência, mediante a habilidade de planejar com

criatividade e flexibilidade, e não mais reproduzir soluções conhecidas.

Não podemos continuar ensinando unicamente o que nos foi ensinado e

do mesmo modo, pela simples constatação de que o “futuro” daqueles que

estão por ingressar no mercado de trabalho é diferente do “passado” daqueles

que já estão.

Essa conjuntura impõe uma reconsideração do papel da educação e da

questão da qualidade associada ao processo educacional. Uma mudança de

postura é necessária: a inclusão e discussão dos aspectos estratégicos ligados à

solução de um simples problema. É preciso mudar a ênfase do “como fazer”,

substituí-lo pelo “o que fazer”, que privilegia o planejamento.

A globalização da economia tornou o mercado muito mais competitivo.

As novas tecnologias de informação e comunicação afetam a natureza do

trabalho. Uma boa parcela dos trabalhos necessita de conhecimento

especializado, tanto no setor de manufatura quanto nos serviços. Outra parcela

exige respostas flexíveis, isto é, profissionais capazes de lidar com situações

novas a cada dia. Os empregos parecerão menos seguros. Formas alternativas

de contratação estarão disponíveis e serão usadas. A economia informal

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INTRODUÇÃO

-3-

continuará a crescer. Não mais será possível depender de empregos oferecidos,

novas oportunidades terão de ser criadas.

Coletividade e participação estão substituindo a individualidade. Cada vez

mais será necessário estimular o trabalho em equipe, o emprego da tecnologia,

privilegiar a prestação de serviços e valorizar o ser humano.

Neste modelo e sob estas hipóteses, a atitude em sala de aula, com

relação a solução de problemas deve mudar. Não mais será essencial só

resolver o problema, mas também identificá-lo, priorizá-lo face aos demais,

analisar as alternativas de solução e suas prováveis conseqüências.

Respostas vêm sendo dadas a esses desafios. Apesar de ainda isoladas,

certas proposições começam a ser incorporadas no meio acadêmico e

empresarial, para redirecionar as questões de ensino e treinamento. O que

parece estar em jogo é a substituição da individualidade pelo coletivo, da

eficiência pela eficácia, da gestão operacional pela gestão estratégica, em busca

de produtividade, competitividade e sobrevivência a longo prazo.

A incorporação desses novos valores no campo da educação em

engenharia, no entanto, depende do estabelecimento de um referencial teórico

dentro do qual possam ser identificadas as necessidades, analisadas as diferentes

propostas e incorporadas as mudanças. Para tanto, ao longo deste trabalho,

serão apresentadas as bases das principais teorias da aprendizagem, os princípios

do planejamento do ensino, e sua contextualização no ensino de engenharia.

Esses aspectos, isoladamente, não seriam suficientes para explicar esse

complexo processo de ensino e de aprendizagem. Assim, também são

apresentadas idéias sobre os diferentes estilos - ou preferências - manifestados

por professores e alunos, bem como sobre o ciclo de aprendizagem que servirá

de base para o enquadramento das diferentes iniciativas envolvendo a

tecnologia e a pedagogia.

Finalmente, são apresentados as novas tendências, surgidas a partir dos

desenvolvimentos da tecnologia da informação e da comunicação, e as

propostas educacionais decorrentes da sua incorporação destes paradigmas no

ensino de engenharia.

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INTRODUÇÃO

-4-

1.1 - Objetivo

Este trabalho tem por objetivo propor um referencial teórico, que

oriente a utilização das estratégias instrucionais existentes, assim como o

desenvolvimento de outras, novas, voltadas para o ensino em engenharia, a

partir de uma análise crítica da situação atual e das perspectivas futuras.

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APRENDIZAGEM -5-

2 - APRENDIZAGEM

A aprendizagem tem se constituído em um dos principais objetos de

preocupação e reflexão e de pesquisa empírica de muitos cientistas e

pensadores ilustres. Apesar de ser possível datar com certa precisão os

primeiros escritos voltados à educação, pode se dizer que as idéias e as práticas

relativas aos processos de aprender e ensinar são tão antigos quanto o homem.

Conhecer um pouco da história, de sua cronologia e dos desenvolvimentos na

área de ensino, pode ser muito útil para que possa ser feita uma análise crítica

do momento atual que atravessamos, das nossas necessidades e das

perspectivas futuras em termos de educação em engenharia.

2.1 - Um Pouco de História

O texto apresentado a seguir foi extraído de PFROMM NETTO (1987),

por se tratar de uma obra de extrema pertinência e abrangência que se ajusta

ao propósito deste item, que é retratar as principais contribuições históricas,

sem a pretensão de se constituir em uma revisão bibliográfica exaustiva sobre o

assunto.

Na Grécia antiga, Sócrates, Platão, e Aristóteles figuraram entre os

pensadores que nos legaram considerações importantes sobre aprendizagem e

ensino. De acordo com Platão, a verdadeira aprendizagem começa com um

estado de perplexidade ou espanto, que impele a pessoa ao esforço de

elevação do conhecimento. Platão é o primeiro pensador a distinguir entre dois

tipos de associação de idéias: por similaridade e por contigüidade. Seu princípio

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APRENDIZAGEM -6-

fundamental sobre aprendizagem humana está baseado na afirmação de que

cada um é responsável por sua própria aprendizagem.

Aristóteles argumenta pela importância do exercício na aprendizagem,

ao afirmar que este ajuda a recordar e conserva a memória por meio de uma

constante repetição mental. Propõe três tipos de associação de idéias: por

contigüidade, similaridade e contraste. Idéias ou experiências que ocorrem ao

mesmo tempo e no mesmo lugar associam-se por contigüidade; idéias

semelhantes associam-se por similaridade; e idéias diametralmente opostas

associam-se uma à outra por contraste.

Cícero e Quintiliano são apontados como sendo responsáveis pelos

escritos fundamentais sobre o ensino e a aprendizagem na antiga Roma. Cícero

destaca a importância das aptidões naturais, da meditação pessoal, da

originalidade, da necessidade de observação e reflexão e de uma sólida base de

cultura geral. Suas críticas dirigem-se contra o ensino e a aprendizagem

mecânicos.

Quintiliano advoga por um ensino vigoroso e rigoroso, pela

aprendizagem por meio de jogos. Os três fatores essenciais na educação, na sua

opinião são: as disposições naturais do estudante, o ensino e o exercício do

próprio aluno. Além disso, o mestre deve considerar o que é característico de

cada aluno e realizar o ensino de modo individualizado.

As numerosas contribuições sobre o ensino e a aprendizagem surgidas

no século quatorze são conhecidas como “medievais”. Santo Agostinho e Santo

Tomás de Aquino são os pensadores de maior projeção nesse período. Santo

Agostinho, além de propor que os mestres ensinem com calma e satisfação,

explica como esses devem agir em sala de aula, para não enfadar os aprendizes

com exposições aborrecidas. Indica as seis principais causas de aborrecimento e

os remédios: o ajustamento à linguagem e ao nível dos aprendizes; o entusiasmo

do mestre; os esforços deste para manter a atenção de quem aprende; o

recurso de utilizar perguntas para verificar se os alunos estão realmente

aprendendo; o estímulo à participação dos que tem algo a dizer ou a objetar; e

a manutenção de um clima feliz, bem humorado, durante o ensino.

Page 17: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

APRENDIZAGEM -7-

De acordo com Santo Tomás de Aquino, o conhecimento pode ser

adquirido tanto a partir de um princípio interior, como no caso de quem

procura o conhecimento por meio de sua própria busca, quanto a partir de um

princípio exterior, como no caso de quem aprende por meio de instrução.

Como decorrência, aceita o fato de que o conhecimento pode ser obtido tanto

por meio do ensino, como através da descoberta, sendo esta última superior à

primeira.

Dando um salto para o século dezessete, surgem Comênio, Hobbes e

Locke. Comênio é o precursor do ensino audiovisual, fundador da didática e um

dos criadores da pedagogia moderna. Concebe um sistema escolar aberto a

todas as crianças, dos seis aos doze anos, para cultivar a inteligência, a

imaginação e a memória; a escola secundária, dos doze aos dezoito anos; e a

academia (ensino superior), dos 18 aos 25 anos, para os estudantes mais

dotados.

De acordo com ele, devemos aprender no tempo certo e na seqüência

certa. O ensino partirá dos fatos claros e práticos e levará o aprendiz a se

dedicar à atividade autônoma e auto-regulada, com previsão de horários para

revisões e práticas. Muitas das regras metódicas propostas por Comênio

guardam sua validade até os dias de hoje. A seguir, são apresentadas algumas

dessas regras, a título de exemplo;

• ensinar o que cumpre saber;

• ensinar as coisas tais como são, isto é, por suas causas;

• apresentar o conhecimento primeiro de modo geral e depois por partes;

• ensinar as coisas sucessivamente, uma por vez;

• o que se deve fazer, aprende-se fazendo;

• é melhor ensinar com exemplos do que com preceitos;

• deve haver sempre forma e norma determinadas para o que fazer;

• fazer da melhor forma.

Page 18: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

APRENDIZAGEM -8-

Para Hobbes, pai do empirismo, a única fonte de conhecimento

encontra-se na experiência, e a aprendizagem é governada pelo

estabelecimento de associações. Acentua o papel das sensações como fonte das

idéias, estabelece a relação entre as várias espécies de estados mentais e os

processos fisiológicos.

Já para Locke, todo conhecimento é obtido através de experiências

sensoriais. Foi o primeiro a utilizar a expressão “associação de idéias”. As idéias

surgem em nosso pensamento em virtude de ligações naturais ou racionais, mas

duas idéias podem tornar-se associadas por contigüidade, quando não existe

uma ligação natural. Hábitos, defeitos e idéias erradas são, assim, desenvolvidas

nas pessoas. As idéias de fantasmas, na realidade, não têm mais a ver com a

escuridão que com a luz. Mas se essas idéias se desenvolverem juntas uma

pessoa, talvez nunca seja capaz de separá-las enquanto viver. As concepções de

Locke favoreceram a aceitação do ponto de vista de que a aprendizagem e a

memória dependem da associação de idéias.

2.2 - Principais Teorias

Existem várias maneiras de se classificar as teorias da aprendizagem, seja

pela distinção filosófica entre empirismo e racionalismo, ou pela separação entre

teorias estímulo-resposta (ou comportamentais) e teorias cognitivas.

As teorias empiristas recorrem à associação de idéias ou eventos para

explicar a aprendizagem e realçam a importância das experiências sensoriais. A

oposição denominada racionalista, destaca mais os problemas de organização,

compreensão, interpretação e significado do que é aprendido.

As três principais diferenças entre as teorias estímulo-resposta e

cognitivas, segundo PFROMM NETTO (1987), são:

1. De um modo geral, as abordagens cognitivistas valorizam os processos

cerebrais, ou centrais, como integradores das seqüências de comportamento

e organizadores da experiência, ao passo que as teorias estímulo-resposta

Page 19: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

APRENDIZAGEM -9-

limitam-se a inferir o funcionamento de processos periféricos, sob a forma de

seqüência de movimentos ou respostas.

2. Segundo as teorias cognitivas, a aprendizagem consiste fundamentalmente da

aquisição de conhecimentos factuais, ou mudanças de estruturas cognitivas.

Para as teorias estímulo-resposta aprender é essencialmente adquirir hábitos,

é exibir seqüências fluentes de respostas.

3. Diante de um problema novo, conforme as teorias cognitivas, o organismo

recorre à reestruturação do problema, ao estabelecimento de relações

significativas entre o novo problema e problemas semelhantes resolvidos

anteriormente. As teorias estímulo-resposta optam por uma explicação do

tipo tentativa e erro, de respostas ao acaso, até que uma delas resolva o

problema.

Não é propósito deste trabalho explorar as teorias de aprendizagem em

todos os seus detalhes e controvérsias, mas tão simplesmente mostrar o esforço

dos pensadores e cientistas em desenvolver mecanismos capazes de facilitar a

aprendizagem, para uma posterior reflexão e aplicação no ensino de

engenharia. Nesse sentido, somente algumas propostas serão apresentadas.

Segundo o mesmo autor, deve-se a Edward L. Thorndike uma das mais

influentes e populares teorias de aprendizagem, segundo o modelo

associacionista de estímulo-resposta, conhecida como conexionismo. Afirma

que um hábito é adquirido por tentativa e erro, de modo que uma resposta

apropriada se torna gradualmente associada a um estímulo particular. Thorndike

propôs três leis ou princípios gerais de aprendizagem: a lei da prontidão diz que

uma impressão sensorial se associa a um impulso para agir, e quando existe uma

tendência para ação, executá-la causa satisfação; de acordo com a lei do

exercício, as associações são fortalecidas com a prática ou repetição; e a lei do

efeito afirma que uma associação é fortalecida ou enfraquecida em virtude de

suas conseqüências (recompensa e punição).

A contribuição de Edwin R. Guthrie teve como ponto de partida o

condicionamento, a partir do pressuposto que “se você faz alguma coisa numa

Page 20: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

APRENDIZAGEM -10-

determinada situação, você tenderá a fazer a mesma coisa quando estiver na

mesma situação”. Guthrie preocupou-se com os métodos mais eficazes para

eliminar maus hábitos. Para tanto, começar descobrindo quais são os estímulos

que evocam o mau hábito e, a seguir, encontrar um modo de dar uma resposta

diferente aos mesmos estímulos.

Ainda segundo PFROMM NETTO (1987), interessado pelas diferenças

entre o comportamento operante e o comportamento respondente, Burrhus

Frederick Skinner concluiu que o primeiro é emitido pelo organismo e opera -

ou tem efeito - no ambiente, enquanto que o comportamento respondente

manifesta-se por mudanças de estimulação no ambiente. A dilatação e

contração das pupilas em resposta às mudanças de iluminação, ou a salivação

ante a um prato saboroso são exemplos de comportamento respondente. Já o

comportamento operante é responsável pela execução de uma tarefa ou

atividade, como resolver um problema, escrever um artigo, etc. A partir da

crença de que a maioria dos comportamentos humanos era operante, Skinner

acabou influenciando os pensadores deste século, a tal ponto que, para muitos,

aprendizagem e condicionamento operante são praticamente sinônimos.

As teorias cognitivistas passaram a ter maior importância a partir de uma

concepção de aprendizagem humana mais voltada para os processos de

codificar, armazenar e recuperar informações, aberta a indagações estratégicas,

tomada de decisão e solução de problemas. É uma concepção de aprendizagem

onde o ser humano é um organismo que age sobre o ambiente e o monitora

continuamente em busca de informação. Não mais um organismo passivo que

reage.

A aprendizagem passou, dessa forma, a ser encarada como um processo

de modificação e combinação de estruturas cognitivas, e a informação ganhou o

status de matéria-prima da aprendizagem.

Entre as principais contribuições merece destaque a teoria proposta por

David P. Ausubel, conhecida como teoria da assimilação. Entre tantas

contribuições, uma é diretamente interessante: a importância do uso de

organizadores prévios para facilitar a aprendizagem: resumir os pontos principais

Page 21: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

APRENDIZAGEM -11-

de um tópico, preparar as listas de objetivos a serem atingidos durante a

aprendizagem e a antecipar-se aos pontos importantes.

2.3 - Estilos de Aprendizagem

A partir dos resultados teóricos e práticos obtidos na psicologia, os

cientistas da educação começaram a pesquisar quais fatores levavam os alunos a

despertarem maior ou menor interesse por um assunto ou disciplina.

As pessoas percebem e processam as novas informações de formas

variadas. Alguns percebem a informação pelos canais sensoriais (sentir), outros a

percebem de um modo mais objetivo, ponderando e raciocinando sobre as

novas experiências (pensar). O processamento da informação pode se dar

através da observação reflexiva (observar), ou por meio de um envolvimento

pessoal e ativo (fazer).

Dentro dessas quatro dimensões, surgem os diferentes estilos de

aprendizagem, em outras palavras, as características que definem o perfil dos

alunos em termos de sua motivação. Essas informações sobre os estilos são

muito importantes para o processo de ensino e de aprendizagem, na medida

em que auxilia os alunos na compreensão das suas preferências , e dá suporte

ao professor no estabelecimento de estratégias de ensino adequadas e

motivadoras para a aprendizagem.

No Quadro 1 estão sintetizadas as principais características de cada estilo

de aprendizagem e os elementos que as originam. Maiores detalhes podem ser

obtidos em STICE (1987). A cada estilo também está associada uma pergunta

preferencial, assinalada em negrito. Ela é um indicativo do estilo do aluno.

Page 22: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

APRENDIZAGEM -12-

Quadro 2.1 — Características de Aprendizagem (Adaptado de KURI, 1993).

PROCESSAR OBSERVAR FAZER

PERCEBER

Observação objetiva e cuidadosa.

Confiança nas opiniões pessoais.

Vários pontos de vista Ponderação.

Envolvimento direto. Resultados práticos. Situações reais.

S E N T I R

Adaptação ao meio. Estímulos ambientais. Relacionamento interpessoal. Valores pessoais importantes.

• Integram valores

pessoais e experiências.• Criativos e inovadores,

dão valor ao que aprendem.

POR QUE?

• Integram teoria e

prática. • Gostam de resolver

problemas e das soluções ótimas.

COMO?

P E N S A R

Organização lógica. Valores pessoais secundários. Compreensão intelectual.

• Apreciam a teoria. • Trabalham os detalhes.• Assimilam novas idéias.• Conceitualizadores.

O QUE?

• Aprendem sozinhos. • Independentes, são

líderes naturais. • Ativos e criativos.

E - SE?

De acordo com FELDER & SILVERMAN (1980), o estilo de

aprendizagem de um estudante pode ser entendido, em grande parte, a partir

das respostas a cinco questões básicas:

1) Que tipo de informação é percebida preferencialmente pelo estudante:

Sensorial (externa) - imagens, sons, sensações físicas; ou

Intuitiva (interna) - possibilidades, intuição, dicas.

2) Através de qual canal sensorial a informação externa é recebida mais

eficientemente:

Visual - diagramas, gráficos, desenhos; ou

Auditivo - palavras e sons.

3) Com qual organização da informação o estudante sente-se mais confortável:

Indutiva - fatos e observações são dados e princípios são inferidos; ou

Dedutiva - princípios são apresentados e as conseqüências são deduzidas.

Page 23: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

APRENDIZAGEM -13-

4) Como o estudante prefere processar a informação:

Ativamente - através do envolvimento direto em atividades físicas ou em

discussões; ou

Reflexivamente - de um modo mais introspectivo.

5) Como o estudante estrutura a informação:

Linearmente — utilizando-se de uma seqüência de passos; ou

Não-Linearmente - globalmente, por meio de mapas mentais e elos de

ligação.

Os estilos de aprendizagem refletem um perfil psicológico definido,

valores pessoais e estímulos motivadores que se manifestam durante o processo

educacional. É preciso fazer uso dessa informação para melhor compreender os

estudantes e suas necessidades específicas. Ignorar significa deixar o processo

por conta do acaso, sem uma direção pré-estabelecida. Além disso, as atividades

inerentes ao ensino podem ser planejadas em função desse conhecimento.

Page 24: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -14-

3 - ENSINO

Os processos de ensino e de aprendizagem envolvem com igual

intensidade alunos e professores. No entanto, cada parte olha o processo do

seu ponto de vista. Ao aluno cabe aprender, mas ao professor, ensinar é apenas

uma de suas múltiplas responsabilidades.

O fenômeno educacional é multifacetado, devido à influência de fatores

sociais, técnicos, culturais, políticos e humanos. Daí, a dificuldade do ensino em

trabalhar com essa diversidade de elementos e, ainda, garantir o aprendizado.

O sistema educacional ainda é fortemente dependente do professor e

da sala de aula, das técnicas de ensino e dos recursos instrucionais. Por essa

razão, é interessante conhecer os aspectos metodológicos do ensino, desde os

preceitos filosóficos, até as técnicas que dão sustentação aos métodos. A

filosofia do ensino nasce na mente das pessoas e desconhece as limitações de

ordem teórica. O professor, em princípio, é aquele que tem uma formação

técnica ou tecnológica sobre o assunto. A idéia dominante é a transmissão de

conhecimentos estabelecidos, a partir da relativa estabilidade da tecnologia.

Nesse processo, a aprendizagem é decorrente das atividades de ensino.

Ensinar, portanto, passa a exigir a utilização de princípios que possam amparar,

dirigir e controlar todas as decisões relacionadas com a atividade de ensino. É

nesse sentido que se justifica a discussão dos aspectos metodológicos do ensino.

Segundo KURI (1993), três abordagens estão explícita ou implicitamente

presentes nas metodologias empregadas no ensino de engenharia, que é ponto

central deste trabalho. São elas: a abordagem tradicional, a comportamentalista

e a cognitivista. O professor se utiliza de uma ou mais destas três abordagens,

consciente ou inconscientemente, e essa escolha está associada ao seu estilo de

ensino, aspecto que será discutido mais a frente. Por uma questão de

Page 25: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -15-

preferência e sem distorcer as idéias originais da autora citada, o termo

abordagem será substituído por modelos.

Modelo Tradicional

Este modelo é o que melhor representa o ensino tradicional. Evidencia o

caráter cumulativo do conhecimento humano adquirido pelo indivíduo, e a

confrontação com estruturas prontas e aprovadas ao longo do tempo. A

principal característica é a ênfase atribuída ao papel do professor, que é o

responsável pela transmissão do conhecimento. O professor é o especialista,

normalmente um formador de opiniões, intolerante a idéias divergentes das

suas. A metodologia correspondente está baseada na aula expositiva. O

atendimento individual é problemático, em função do número de alunos em

sala de aula, assim como é difícil ao professor saber qual aluno precisa de sua

ajuda, já que só ele praticamente fala. Desse modo, há uma tendência à

padronização de tratar todos da mesma forma, enfim, todos deverão adquirir

os mesmos conhecimentos. Apesar dessa limitação, sua aplicação é útil na

apresentação de um assunto novo, para despertar interesse sobre uma temática

específica, para apresentar conceitos e princípios fundamentais, para sintetizar

ou concluir, apresentar um trabalho pessoal, ou quando as fontes de informação

forem de difícil acesso aos estudantes.

Page 26: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -16-

Modelo Comportamentalista

Neste modelo, a ênfase é dada a organização racional do processo de

ensino e de aprendizagem, privilegiando a modelagem do comportamento

humano. Fica clara sua orientação empirista, uma vez que o conhecimento

resulta diretamente da experiência (fazendo é que se aprende). A programação

do ensino tem como propósito a individualização do processo de ensino. Aqui

os objetivos comportamentais assumem um papel decisivo, pois só após a

determinação do comportamento final esperado do estudante, é que serão

programadas as etapas do processo, e as condições de contorno necessárias

para que o objetivo seja atingido. Segundo esse modelo, não há um padrão de

instrução, o professor pode se utilizar de uma ampla gama de estratégias de

ensino, a ênfase está no ensino individualizado. Destaca-se a instrução

programada, onde o programa de estudos é logicamente seqüenciado.

Page 27: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -17-

Modelo Cognitivista

Enfatiza como os indivíduos obtém conhecimento e como eles se

utilizam desse conhecimento para tomar decisões. A base desse modelo está

em entender como os estudantes lidam com os estímulos ambientais, organizam

os dados e resolvem problemas. Em decorrência, o ensino não consistirá na

transmissão de informações, demonstrações e modelos, mas sim na pesquisa, na

investigação, na solução de problemas pelo próprio aluno, mesmo que ele

tenha de realizar todas as tentativas e erros inerentes ás atividades reais. Neste

caso, o ensino está apoiado no processo e não no produto da aprendizagem,

como nos modelos anteriores. Ao professor cabe evitar a rotina, as respostas

padronizadas, a formação de hábitos. Os métodos de ensino recomendados

são: o seminário, o estudo de caso, projetos e a solução de problemas, de

preferência os abertos.

3.1 - Planejamento do Ensino

O planejamento do ensino envolve a definição de todas as atividades a

serem desenvolvidas pelo professor e seus alunos, bem como a definição dos

recursos necessários para atingir objetivos propostos, e tornar a relação ensino-

aprendizagem eficiente e eficaz.

Para realizar um bom planejamento do ensino é preciso ter, em primeiro

lugar, conhecimento da realidade onde será implementado, levando-se em

Page 28: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -18-

conta as necessidades e expectativas dos diversos clientes, da sociedade em

geral, dos recursos humanos envolvidos e dos materiais e tempo disponíveis.

Segundo PFROMM NETTO (1987), as etapas fundamentais do

planejamento do ensino compreendem:

1. a especificação de competências, resultados ou objetivos que deverão ser

alcançados pelo estudante;

2. a especificação de critérios, provas e outros meios para verificar se o aluno

adquiriu as competências desejadas, os conhecimentos ou habilidades que o

ensino tem em vista; e

3. a especificação das condições que serão observadas durante o ensino, que

envolve:

a) análise da estrutura do conhecimento, seus conceitos e cadeias críticas;

b) determinação da seqüência de ensino mais adequada;

c) seleção dos materiais, equipamentos e procedimentos de aprendizagem-

ensino; e

d) revisões do plano, antes e depois de sua utilização.

Para MARTINS (1993), o planejamento do ensino, chamado de plano de

curso, deve necessariamente preestabelecer:

• os objetivos a serem atingidos;

• os conteúdos a serem transmitidos;

• as atividades docentes e discentes;

• as atividades extra-classe;

• os materiais didáticos; e

• a avaliação.

Para KURI e GIORGETTI (1994), o planejamento do ensino é um

processo de tomada de decisões, e implica em responder às seguintes

questões:

♦ Para que ensinar? → Objetivos de aprendizagem

Page 29: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -19-

♦ O que ensinar? → Conteúdos programáticos

♦ Como ensinar? → Estratégias de ensino-aprendizagem

♦ Como avaliar o ensino? → Sistemas de avaliação

As perguntas colocadas pelos autores sintetizam de uma forma direta,

simples e objetiva os aspectos básicos do planejamento do ensino. Em função

dos tempos modernos uma outra pergunta poderia ser acrescida à lista

apresentada:

♦ Por que ensinar? → Consciência e engajamento no processo

Importante é ser professor e não estar professor, ter pleno

conhecimento do papel na sociedade, sua importância no contexto macro e

micro do processo educacional. Nesse sentido é preciso valorizar a função do

professor, dar as condições necessárias para que ele possa atuar no ambiente

atual. Ser professor significa tratar a docência com profissionalismo, utilizando-se

de todo o conhecimento técnico, filosófico e pedagógico que esteja a

disposição, e não como um “bico” para garantir sobrevivência.

Nesse sentido, os itens seguintes procuram detalhar as principais etapas

do processo de planejamento do ensino, quais sejam, os objetivos, o conteúdo,

os meios de ensino, os recursos instrucionais e a avaliação do aprendizado.

3.1.1 - Definição dos Objetivos

O primeiro passo na elaboração do planejamento do ensino é a

determinação dos objetivos de aprendizagem. Isto significa, especificar aquilo

que se espera que o aluno aprenda e não o que o professor está pretendendo

ensinar. As definições apresentadas a seguir confirmam essa afirmação:

“Os objetivos educacionais são formulações explícitas das mudanças que,

se espera, ocorram nos alunos mediante o processo educacional; isto é, dos

Page 30: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -20-

modos como os alunos modificam seu pensamento, seus sentimentos e suas

ações” (BLOOM, 1983).

“A especificação de competência procura responder à seguinte pergunta:

o que o aprendiz deve fazer ou dizer, para que fique demonstrado que atingiu

o objetivo visado pelo ensino” (PFROMM NETTO, 1987).

“Os objetivos de aprendizagem definem o que é esperado dos alunos

como resultado do ensino”. (KURI & GIORGETTI, 1994)

Por trás de cada objetivo sempre há uma intenção daquilo que se espera

alcançar. Uma das decisões estratégicas que o ensino exige é a que se refere à

determinação dos objetivos de aprendizagem, uma vez que serve de base para

as demais decisões que se sucedem. Alguns critérios podem ser utilizados para

auxiliar no processo de entendimento e estabelecimento dos objetivos que se

pretendem alcançar:

Gerais - o que se espera da disciplina como um todo, qual sua relação com as

disciplinas anteriores e posteriores (parte integrante de um currículo).

Específicos - mais simples e de prazo mais curto, são aquelas metas que, se

atingidas, levarão ao objetivo geral. Definem produtos observáveis

a cada etapa do assunto.

Cognitivos - referem-se aos conhecimentos, capacidades e habilidades

intelectuais que o aprendiz deve demonstrar.

Desempenho - ligado às habilidades motoras, requer o fazer alguma coisa, ao

invés de simplesmente saber alguma coisa. Enfatiza uma ação

observável.

Afetivos - são relativos aos sentimentos, valores e emoções expressos por

atitudes.

De acordo com PFROMM NETTO (1987), não existe ensino digno

deste nome se o professor não souber claramente o que o aluno deve

Page 31: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -21-

aprender e por que? A especificação do objetivo supõe familiaridade com a

matéria, seu conteúdo específico, sua estrutura interna, a natureza particular dos

conhecimentos que abrange e as maneiras pelas quais esses conhecimentos são

elaborados.

Os objetivos devem ser observáveis e mensuráveis, formulados de forma

a haver coerência entre os objetivos gerais e específicos. Neste particular, vários

modelos podem ser encontrados na literatura, que discutem maneiras práticas

para estabelecer objetivos e sua relação com as demais etapas do planejamento

do ensino. Um aspecto comum aos autores é a preocupação com a

verbalização dos objetivos, entendida como a afirmação por escrito. Como o

objetivo deve conter o que se espera que o aluno aprenda, e não o que o

professor vai ensinar (descrição dos tópicos do programa da disciplina), os

verbos a serem utilizados nessa descrição devem refletir uma ação e de

preferência que seja mensurável.

Além disso, os autores também chamam a atenção para que sejam

explicitadas as condições dentro das quais se dará o aprendizado.

3.1.2 - Seleção e Organização de Conteúdos de Ensino

Definidos os objetivos da aprendizagem, o próximo passo é estabelecer

a matéria que será trabalhada com os alunos. As principais decisões referem-se

à seleção do conteúdo programático, e a seqüência em que os tópicos serão

apresentados.

Normalmente, o professor utiliza sua experiência e conhecimento sobre

o assunto para ajudá-lo na tarefa de escolha do conteúdo, além de contar com

as restrições de caráter legal, regional e institucional (currículo mínimo, domínio

tecnológico, necessidades locais, etc.). No entanto, segundo MARTINS (1993), a

seleção do conteúdo pode ser feita a partir da:

• estrutura da matéria de ensino - a visão global e integrada da matéria de

ensino, pode orientar o professor na seleção dos conteúdos adequados.

Page 32: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -22-

• condições psicológicas dos alunos - o nível de desenvolvimento, os

conhecimentos, a capacidade dos alunos, seu modo de pensar e as

habilidades que devem ser desenvolvidas como decorrência do conteúdo.

• realidade sócio-econômica-cultural - os conteúdos de ensino devem

atender às exigências do mercado e às necessidades profissionais, em

resumo às expectativas e desejos dos diversos clientes envolvidos no

processo de ensino-aprendizagem.

Uma vez selecionado, o conteúdo deve ser organizado de modo a

permitir o seu entendimento e assimilação. Isto quer dizer que não basta

selecionar bem o material, é necessário definir a seqüência (ordem) em que

será apresentado. O conteúdo apresentado em uma seqüência bem planejada

torna o ensino mais produtivo e a aprendizagem mais efetiva. A decisão com

que todo professor se depara nesta etapa, é decidir por onde começar o

assunto, qual conceito é pré-requisito para o entendimento do próximo, com

que profundidade tratar cada um. Uma regra bem geral é partir dos conceitos

mais gerais para os mais específicos (dependentes).

MARTINS (1993) coloca que a organização seqüencial compreende duas

formas de ordenação: vertical e horizontal. Na ordenação vertical, o assunto é

apresentado segundo níveis de complexidade, do mais complexo para o mais

simples. Na ordenação horizontal, os assuntos são relacionados entre si.

Utilizando-se das estruturas de representação em hipertexto, pode-se

dar uma idéia esquemática do que seja a ordenação do conteúdo, conforme

Figura 3.1.

3.1.3 - Os Meios Utilizados para o Processo de Ensino

Uma vez estabelecido o objetivo, selecionado e organizado o conteúdo,

o próximo passo do planejamento de ensino é determinar os meios que serão

utilizados para transmitir esse conhecimento. Decorre dessa afirmação, a

Page 33: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -23-

completa dependência dos métodos e técnicas de ensino em relação às duas

etapas anteriores.

Hierárquica conceito hierárquico superior

conceitos intermediários

conceitos específicos

Não-Linear

Composta

Linear

Figura 3.1 - Alternativas de Ordenação de Conteúdo, Considerando Hierarquia, Seqüência e Linearidade entre Conceitos (VAUGHAN, 1994).

Page 34: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -24-

Cada técnica de ensino tem suas características particulares e aplicações

recomendadas a determinados contextos, para atingir objetivos específicos.

Assim, o conhecimento desses elementos intrínsecos a essas técnicas,

seguramente enriquece o processo de ensino e de aprendizagem.

Os meios de ensino constituem-se nas formas de organização das

condições externas à aprendizagem, a fim de conseguir as mudanças nos

comportamentos dos alunos. Alguns professores limitam a sua atividade de

ensino ao empregarem unicamente a aula expositiva. Muitas outras alternativas

estão disponíveis na literatura especializada. Em essência, o método traduz uma

decisão feita pelo professor, com relação ao instrumento que será utilizado para

atingir os objetivos. Essa decisão pode ser consciente ou simplesmente traduzir

a falta de opções ou de conhecimento do professor. A título de informação,

são fornecidos os principais métodos de ensino, segundo MARTINS (1993) e

KURI & GIORGETTI (1994):

Método Expositivo - Sem sombra de dúvida a aula expositiva é uma das

modalidades de ensino mais utilizadas nos meios

educacionais, e ao mesmo tempo também a mais

criticada. As críticas, na maioria das vezes, são originadas

pelo mau uso da técnica, em condições adversas. Talvez, a

crítica devesse ser repartida com o professor, com sua

didática. As restrições da aula expositiva estão ligadas à

baixa participação dos alunos, do papel central exercido

pelo professor, da convergência das idéias, entre outras.

Decorre do modelo de ensino tradicional anteriormente

exposto, e tem relação direta com um dos estilos de

aprendizagem.

Ensino Individualizado - Envolve um conjunto de técnicas que permitem ao

aluno acompanhar o programa no seu próprio ritmo e

selecionar atividades alternativas que o ajudem a atingir

seus objetivos de aprendizagem. As principais técnicas

Page 35: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -25-

incluem a instrução programada, as aulas práticas e de

laboratório, o ensino apoiado por computador, etc.

Método de Projetos - Envolvem a investigação e a solução de problemas,

preferencialmente vinculados a problemas do mundo

real, nos quais os alunos tomam contato com o

conteúdo da disciplina, individualmente ou em grupo. É

integrador, na medida em que possibilita o

relacionamento de diversas disciplinas e o

desenvolvimento pessoal, favorece a organização do

processo decisório (sistematização) e ajuda a avaliar

conseqüências.

Seminários - Trata-se de um estudo intensivo de um tema, em reuniões, para

um pequeno grupo de pessoas, sob a orientação do professor ou

de um especialista na matéria. É um método que favorece a

aprendizagem pela descoberta e as idéias divergentes. A escolha

do tema, assim como a programação das atividades são de

fundamental importância. O trabalho em grupo pode ser

favorecido.

Estudo de Caso - Além de descrever uma situação real, o estudo de caso

familiariza os alunos com princípios e técnicas de ordem

administrativa e gerencial, mostra as situações problemáticas

do mundo dos negócios, fortalece o processo decisório sob

condições de incerteza e desenvolve as habilidades de

identificação e análise de problemas.

Método do Trabalho em Grupo - Está fundamentado na dinâmica de grupo. Dá

oportunidade de colaboração mútua, fornece

liberdade de expressão e de montagem dos

grupos, e autonomia na execução dos

trabalhos. Devem ser estabelecidas regras e

uma estrutura de funcionamento.

Page 36: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -26-

Método Interrogativo - Utiliza-se de um diálogo livre, espontâneo, que surge

naturalmente a partir do interesse por determinado

assunto, que pode ter sido provocado pelo professor,

ou estimulado pelos alunos.

3.1.3.1 - Recursos Instrucionais

A discussão do “como ensinar” não pode ser feita sem a consideração

explícita dos veículos utilizados para disseminar o conhecimento. Tais veículos

são chamados de recursos instrucionais ou complemento dos meios de ensino.

Eles envolvem todos os recursos físicos e materiais empregados no

processo de ensino e de aprendizagem, e que têm por finalidade tornar mais

eficaz a transmissão de informações de uma pessoa para outra, direta ou

indiretamente. Podem ser relacionados os recursos visuais, auditivos,

audiovisuais e tecnológicos, como, por exemplo, a entrevista, o experimento em

laboratório, a explicação, a discussão, o quadro-negro, o giz, o videocassete, a

televisão, as transparências, os diapositivos e o computador.

Cada recurso é indicado para determinados casos e sob condições

específicas. Conseqüentemente, não existe um recurso que seja superior aos

demais, aplicável a qualquer finalidade e para qualquer aluno. Segundo

PFROMM NETTO (1987), nos últimos cinqüenta anos, acumularam-se

evidências de que a qualidade da aprendizagem e do ensino depende da

utilização adequada de recursos instrucionais variados.

No modelo tradicional, o método mais utilizado é o expositivo, e o

recurso instrucional preferido é o quadro-negro e o giz. Alternativamente, são

usadas transparências. Os outros meios ainda são pouco utilizados, talvez por

falta de informação, experiência ou mesmo vontade de mudar.

Neste ponto já pode ser percebido que os processos de ensino e de

aprendizagem devem ser planejados, e que o sucesso ou fracasso está em

Page 37: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -27-

nossas mãos. Esta afirmação lembra a fábula de um jovem que queria colocar o

sábio da aldeia em descrédito.

Certo dia, procurou o sábio com um pássaro encoberto por suas mãos,

e perguntou:

- “Sábio, o pássaro que está nas minhas mãos está vivo ou morto?”.

- Claro que se o sábio respondesse vivo, bastaria apertar as mãos e

tirar-lhe a vida. Se a resposta fosse, por outro lado, morto, bastaria

libertá-lo para que voasse. A o que o sábio respondeu:

- “Jovem, a resposta está em suas mãos”.

O uso de cada um desses meios de ensino pressupõe um conhecimento

prévio de suas vantagens e limitações. Tome-se, por exemplo, o uso de

transparências que pode se tornar muito cansativo e dispersivo se utilizado por

longos períodos de tempo. A elaboração de uma transparência exige o

atendimento de certos pré-requisitos: não deve estar carregada (muito texto),

as letras utilizadas devem permitir fácil leitura, deve conter somente um roteiro

para o professor, para ser completado com comentários. Transparências

carregadas estimulam professor e alunos à leitura simultânea. Pouco texto é lido

rapidamente e a atenção volta rapidamente ao professor, para suas

considerações.

Além disso, é oportuno relembrar que os recursos instrucionais devem

ser usados em sintonia com os métodos de ensino, para que esse conjunto

facilite a recepção e o processamento das informações e, conseqüentemente,

sejam atingidos os objetivos de aprendizagem.

3.1.4 - Avaliação do Aprendizado

Como se pode perceber, a atividade de ensinar e de aprender envolvem

processos mentais complexos, segundo os quais o aluno seleciona, codifica,

armazena, transforma, recupera e usa as informações de modo extremamente

Page 38: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -28-

pessoal, individual. Nessa linha, PFROMM NETTO (1987) defende que a

avaliação deve envolver a compreensão de como cada aluno emprega seus

esquemas e estratégias cognitivas, suas capacidades, suas aptidões e interesses,

seu estilo de aprendizado, durante o processo de ensino.

A avaliação procura medir se os objetivos de aprendizagem foram

alcançados e em que grau. Nesse sentido, ela fecha o ciclo do planejamento do

ensino, conforme Figura 3.2.

Figura 3.2 - O Ciclo do Planejamento de Ensino.

Avaliar significa também dispor de mecanismos que determinem até que

ponto o aluno fez aquilo que dele se esperava, são os sistemas de avaliação. A

avaliação, portanto, deve ser encarada como um indicador de deficiências que

devem ser superadas com o auxílio do professor, e não como o ponto final do

processo ensino-aprendizagem. Como conseqüência, e na medida do possível, a

avaliação deve ser feita durante o processo, e não somente ao seu final .

De acordo com MARTINS (1993) a avaliação tem três papéis

fundamentais:

Objetivos daAprendizagem

Seleção e Organizaçãodo

Conteúdo

Avaliação

Meios deEnsino

Page 39: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -29-

1. Papel prognóstico - detectar as qualidades intelectuais e as características do

aluno, e o nível de conhecimentos necessários e suficientes para uma nova

aprendizagem.

2. Papel de apreciação - avaliar o progresso do aluno e determinar sua posição

relativa na classe e em outras turmas.

3. Papel diagnóstico - procurar as falhas ocorridas no processo.

Na opinião de BLOOM (1983), os sistemas de avaliação, decorrentes

desses papéis, são classificados em três categorias: diagnóstica, formativa e

somativa. A avaliação diagnóstica consiste na descoberta de variáveis que

estejam produzindo deficiências na aprendizagem, no decorrer do ensino. Na

avaliação formativa, o curso ou a matéria devem ser divididos em segmentos e

para cada um deles estabelecida uma meta a ser alcançada. A avaliação somativa

é aquela feita ao final do processo, e tem por objetivo medir o grau em que os

objetivos foram alcançados durante o curso. Os resultados são expressos em

notas ou conceitos. É utilizada também para classificar os alunos.

Segundo MARTINS (1993), para que a avaliação se processe de maneira

efetiva, é conveniente que se tenha em mente o seguinte:

i) determinar o que vai ser avaliado, ou seja, definir objetivos que possam ser

observáveis e mensuráveis. É preciso que o professor indique clara e

explicitamente o que será avaliado;

ii) estabelecer os critérios e as condições para a avaliação, isto é indicadores

quantitativos de comparação e as situações dentro das quais espera-se que o

processo seja realizado;

iii) selecionar os procedimentos e instrumentos de avaliação, considerando os

objetivos estabelecidos; e

iv) estabelecer uma forma de quantificar os resultados.

O ensino sem a consideração explicita desses elementos, na opinião de

PFROMM NETTO (1987) é uma caricatura de ensino, e o ensino obcecado

por provas e exames, centrado na avaliação, dificilmente pode merecer o nome

de ensino.

Page 40: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -30-

3.2 - Estilos de Ensino

A toda essa contextualização junte-se o fato de que não só os alunos

têm suas preferências de aprendizagem. O professor também manifesta

durante o processo de ensino suas preferências. Esses estilos representam as

preferências pela forma de ensinar, e podem refletir a experiência profissional,

os conhecimentos ou simplesmente ser uma manifestação natural.

Ao se trazer esse assunto à discussão, pretende-se mostrar que todo

professor manifesta seu estilo durante as atividades de ensino, e que esse estilo

pode não ser compatível com a disciplina que está sendo ministrada, ou com as

decisões tomadas durante a execução do planejamento do ensino. Além disso,

diversos estilos podem ser adotados, combinados, para se obter melhores

resultados de ensino e de aprendizagem. KURI & GIORGETTI (1994)

identificam quatro estilos, que estão baseados no estabelecimento de relações,

na transmissão de conhecimentos, no desenvolvimento de habilidades e na

auto-descoberta.

Estabelecimento de Relações - são os professores que procuram o desenvol-

vimento pessoal dos seus alunos, e por isso,

tendem a desenvolver bons relacionamentos

com os mesmos. O ensino é baseado no

qüestionamento e discussão dos valores e

significados da vida profissional e social.

Transmissão de Conhecimentos - é o estilo mais comumente encontrado.

Corresponde ao professor tradicional,

especialista, que é a autoridade em sala de

aula. Seu principal objetivo é a transmissão de

conhecimentos, normalmente de cunho

teórico.

Page 41: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -31-

Desenvolvimento de Habilidades - são professores que procuram ensinar a

competência e a produtividade necessárias

para sobreviver no mercado de trabalho.

São independentes e repassam essa

característica aos seus alunos. Combinam a

aula formal com atividades extra- classe.

Auto-Descoberta - são professores que procuram expandir os limites

intelectuais de seus alunos, encorajando-os e estimulando-

os a aprenderem por experimentação e pela curiosidade

pessoal. Trabalham bem o qüestionamento e os problemas

abertos.

Completando, FELDER & SILVERMAN (1980) apresentam cinco

perguntas que ajudam a definir o estilo de ensino:

1. Que tipo de informação é enfatizada pelo professor: concreta (factual) ou

abstrata (conceptual teórica)?

2. Que modo de apresentação é mais utilizado: visual (figuras, gráficos) ou

verbal (leituras, palestras, discussões).

3. Como as apresentações são conduzidas: modo indutivo (fenômeno leva ao

princípio) ou modo dedutivo (princípios levam a fenômenos).

4. Qual a participação esperada do estudante: ativa (os estudantes se movem,

falam, refletem) ou passiva (assistem e escutam).

5. Sob que tipo de perspectiva a informação é apresentada: seqüencial

(progressão passo a passo - as árvores) ou global (contexto e relevância - a

floresta).

Como pode ser observado, o planejamento do ensino envolve um

conjunto de atividades que podem ser aprendidas e um outro conjunto, de

caráter mais pessoal, que envolvem preferências pessoais, opiniões e gostos. São

Page 42: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO -32-

essas variáveis que tornam os processos de ensino e de aprendizagem

complexos, e ao mesmo tempo passível de ser concebido, planejado e ajustado

às características do curso, dos alunos e dos professores.

Reunir todas essas variáveis e informações pode trazer uma melhor

compreensão de como as várias técnicas de ensino se ajustam aos variados

objetivos, como combinar os diferentes estilos de ensino e de aprendizagem, e

como integrar tudo isso com a finalidade de melhor preparar os futuros

profissionais.

Page 43: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O CICLO DE APRENDIZAGEM -33-

4 - O CICLO DE APRENDIZAGEM

A atividade de ensino precede a aprendizagem, dentro do conjunto que

relaciona ensino com causa e aprendizagem com efeito. No entanto, essa

afirmação, para se tornar verdadeira, depende da consideração de muitos

fatores. Entre tantos podem ser citados: (i) a questão dos estilos de ensino e de

aprendizagem; (ii) a identificação do ciclo de aprendizagem; (iii) a escolha das

técnicas de ensino apropriadas e (iv) os recursos instrucionais utilizados. Outras

questões, como o perfil do aluno, a estrutura curricular e as condições do

mercado, poderiam ser também relacionadas.

Podem existir incompatibilidades entre o estilo de aprendizagem comum

aos estudantes e o estilo de ensino inerente aos professores. Em conseqüência,

os alunos tornam-se desatentos em classe, mostram-se aborrecidos,

demonstram baixo aproveitamento, desencorajamento pelo curso, currículo e,

em alguns casos, chegam inclusive a abandonar o curso. Por outro lado, os

professores confrontam-se com notas baixas, falta de interesse dos alunos,

hostilidade e baixa cooperação.

Para melhor entender essa situação é preciso discutir as questões de

natureza pedagógica, filosófica ou mesmo psicológica que, de alguma forma, são

negligenciadas no ensino de engenharia.

A aula pode se entendida como o “momento da verdade”, termo

introduzido por CARLZON (1990), onde devem ocorrer o ensino e a

aprendizagem. É neste momento que se confrontam os estilos ou preferências.

Existem alunos criativos e inovadores que têm facilidade de reconhecer

problemas e que gostam de saber o valor do que irão aprender (por que), ou

alunos que estão mais interessados na lógica e no conceito que propriamente

na sua aplicação prática (o que). Existe ainda outro tipo de aluno que gosta de

Page 44: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O CICLO DE APRENDIZAGEM -34-

integrar teoria e prática, para resolver problemas reais (como). E, finalmente

existem alunos que aprendem por ensaio e erro, extrapolam condições iniciais,

demonstram independência e sua questão favorita é (e - se) (KURI &

GIORGETTI, 1994).

Se o professor fizer tudo que estiver a seu alcance durante a relação

ensino-aprendizagem, ele estará garantindo apenas 50% do processo, pois o

restante estará a cargo dos alunos. Nesse aspecto, é importante que o professor

reconheça suas preferências de ensino, e utilize todos os recursos que estejam a

sua disposição.

Como pode ser observado, o processo ensino-aprendizagem vai além

das atividades que são desempenhadas em gabinete, como a definição do

currículo escolar, do conjunto de disciplinas e de seus conteúdos, durações e

relações de precedência. Atender aos diferentes estilos, com as técnicas de

ensino apropriadas, é preciso, para que professores e alunos tirem o máximo

proveito da relação ensino-aprendizagem.

O ciclo de aprendizagem é uma estrutura de referência que tem muita

utilidade na solução de problemas do ensino. O ciclo é um processo

estruturado, ordenado, onde cada passo depende da execução do anterior,

conforme pode ser visto na Figura 4.1. Nela podem ser reunidas diversas

informações referentes aos estilos e técnicas de ensino, bem como avaliar a

integração entre esses fatores.

Para que ocorra a movimentação através do ciclo, é necessário escolher

os métodos e técnicas de ensino, e os recursos instrucionais específicos e

adequados para cada passo , considerando as restrições ambientais.

Esta estrutura serve como um ponto de referência para o planejamento

das atividades de ensino e de aprendizagem. Mostra como os estilos se

combinam, e podem dar uma explicação ao professor de porque em certas

turmas tudo corre bem, e em outras não. Talvez a resposta esteja no ciclo, no

encontro casual de interesses similares.

Page 45: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O CICLO DE APRENDIZAGEM -35-

SENTIR ( E.C.)

FAZER ( E.A.) OBSERVAR ( O.R.)

PENSAR ( E.A.)

E SE?SIMULAÇÃOAUTO-DESCOBERTA

POR QUE?QUESTIONAMENTODESENVOLVER RELAÇÕES

COMO?TUTORIATRANSFERIR HABILIDADES

O QUE?EXPOSIÇÃOTRANSMITIR CONHECIMENTO

Q 3

Q 4

Q 2

Q 1

Figura 4.1 - O Ciclo de Aprendizagem e a Identificação dos Estilos de Ensino e de Aprendizagem e dos Métodos de Ensino Apropriados a cada Quadrante (Adaptado de KURI & GIORGETTI, 1994).

Neste ponto, o acaso não mais pode ser aceito. Os professores podem

e devem influir diretamente nesse processo. Devem utilizar todas as

ferramentas disponíveis e, tomar para si a responsabilidade pelo sucesso ou

fracasso do aprendizado dos alunos.

Na opinião de KURI & GIORGETTI (1994), as maiores vantagens da

aplicação do ciclo estão ligadas ao desenvolvimento do raciocínio, à resolução

de problemas, comunicação e auto-motivação. Usando a figura 4.1 como

referência, as atividades que envolvem raciocínio concentram-se nos quadrantes

1 e 2, a resolução de problemas no 3 e 4, e a comunicação e auto-motivação

nos quadrantes 1 e 4.

Seguindo essa linha de raciocínio, cada quadrante pode ser examinado

quanto às atividades que nele podem ser desenvolvidas, com que ênfase e com

qual objetivo.

Quadrante 1: é neste quadrante que se dá o sentido para o assunto e a

motivação para aprender. As atividades de ensino neste quadrante podem

Page 46: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O CICLO DE APRENDIZAGEM -36-

envolver: relatos de experiências ou casos reais; simulação, com ou sem o uso

do computador, dentro ou fora da sala de aula; e discussão.

Quadrante 2: neste quadrante são oferecidas as informações necessárias para

resolver problemas, de uma forma organizada, seqüenciada e integrada.

Corresponde à fase de apresentação da teoria e dos conceitos. As atividades

envolvem aulas expositivas e a resolução de problemas, preparados para

consolidar a teoria.

Quadrante 3: neste quadrante os alunos são expostos ao uso de técnicas de

solução de problemas, ou seja a aplicação sistematizada de uma seqüência de

passos pré-estabelecidos que, se seguidos corretamente, levam à solução dos

problemas apresentados. As atividades tradicionais de ensino envolvem as listas

de exercícios, laboratórios dirigidos (para consolidar a teoria dada em sala de

aula) e o desenvolvimento de programas computacionais (implementação de

rotinas baseadas nos algoritmos dados).

Quadrante 4: neste estágio os alunos aplicam os procedimentos discutidos na

fase anterior a novas situações, que envolvem a variação dos parâmetros ou

condições de contorno de um problema. É uma fase de auto-descoberta.

Podem ser utilizados os problemas abertos, simulação e questionamento como

atividades de ensino.

Com a proposta de oferecer subsídios para ajustar as técnicas de ensino

a todos os estilos de aprendizagem, FELDER & SILVERMAN (1980) apresentam

os seguintes pontos para consideração:

• Motive para o aprendizado - tanto quanto possível, relacione o material que

está sendo apresentado com o que já foi visto anteriormente, ou com o que

está por vir na mesma disciplina; integre com outras disciplinas, e à

experiência pessoal dos alunos.

• Forneça um equilíbrio entre informação concreta (fatos, dados, experiências

reais ou hipotéticas e seus resultados) e conceitos abstratos (princípios,

teorias, modelos matemáticos).

Page 47: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O CICLO DE APRENDIZAGEM -37-

• Equilibre o material que enfatiza os métodos de solução de problemas, com

o material que enfatiza o entendimento fundamental, básico.

• Siga o método científico na apresentação de material teórico. Forneça

exemplos concretos do fenômeno descrito pela teoria e, então, desenvolva a

teoria ou formule o modelo. Mostre como o modelo pode ser validado.

Analise as conseqüências e apresente aplicações práticas.

• Use figuras, esquemas, gráficos e simples esboços, antes, durante e depois da

apresentação de material verbal. Mostre filmes e faça demonstrações que

envolvam a participação ativa, se possível.

• Não use todo o tempo da aula palestrando ou escrevendo no quadro. Dê

intervalos, breves, para que os alunos reflitam sobre o assunto.

• Possibilite aos alunos a oportunidade de fazer alguma coisa ativa, além de

transcrever notas de aula.

• Faça alguns exercícios para sedimentar a prática dos métodos básicos que

estão sendo ensinados. Forneça também exercícios abertos, que exijam

análise e síntese.

• Estimule as soluções criativas, não convencionais.

Como pode ser observado, existe à disposição dos educadores um

material farto sobre os elementos envolvidos no processo de ensino e de

aprendizagem. No entanto, o fato de estar disponível, não significa que esteja

sendo empregado.

Se assim não é, como se processam as atividades de ensino,

especificamente no campo da engenharia? O fato da engenharia “ter dado

certo” nos últimos anos não lhe garante sobrevivência ante aos novos desafios.

Page 48: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O ENSINO NA ENGENHARIA -38-

5 - O ENSINO NA ENGENHARIA

Repassar ações bem definidas, que se aplicadas corretamente e na

ordem apropriada levam à solução do problema, faz parte do ensino de

engenharia. A abordagem do “livro de receitas” ainda está presente. O

conhecimento (domínio) da técnica de solução influencia fortemente a definição

do problema a ser abordado. É o ensino dependente da especialidade do

professor e do domínio da técnica.

Como conseqüência, tem-se a utilização de procedimentos de solução

inadequados e a não consideração de fatores relevantes, o que na maioria das

vezes leva à solução exata do problema errado. Embora a solução de

problemas seja cara por si só, os custos de resolver o problema errado podem

ser maiores ainda (MASSEY & O’KEEFE, 1993).

Ensinar a técnica de solução é importante, mas quando desacompanhada

da metodologia, que orienta o processo de definição, análise, levantamento de

alternativas, estabelecimento e critérios e escolha da abordagem de solução,

leva o estudante a:

• não ter consciência do processo mental utilizado para resolver o problema,

daí não consegue descrevê-lo;

• não utilizar um método organizado/sistematizado para resolver problemas;

• mergulhar no problema sem compreender o que é desejado; e

• não explorar as alternativas não convencionais.

As disciplinas dos cursos de engenharia são estruturadas para atingir um

determinado propósito. Cada disciplina encarrega-se de ensinar um conjunto de

técnicas, em termos teóricos e práticos. Cada uma dessas técnicas é

Page 49: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O ENSINO NA ENGENHARIA -39-

apresentada, e então aplicada a problemas selecionados em sala de aula,

complementados por uma lista de exercícios pré-formulados. Na prova, o aluno

deve mostrar sua habilidade em aplicar uma técnica na solução de um problema

novo (CORL, 1995).

5.1 - O Ensino sob a Ótica da Solução de Problemas

O termo solução de problemas tem um entendimento bastante estreito

na educação em engenharia, devido aos “problemas de sala de aula”, isto é, os

exercícios e tarefas propostas, cuja solução resume-se à escolha da técnica e à

derivação da resposta apropriada, normalmente numérica.

A abordagem de resolver os “problemas de sala de aula” pode ser, por

si só, um problema para os novos engenheiros (recém-formados) que serão

colocados no mercado de trabalho. A preparação do engenheiro para o

mercado de trabalho pode ser entendida à semelhança de um processo da

produção, onde certos insumos são transformados em produtos finais, a partir

da utilização de recursos produtivos.

O processo de produção, em ambientes industriais tem por objetivos

garantir a produtividade dos recursos (máxima utilização dos recursos

produtivos) e atingir certo nível de serviço ao cliente (atendimento das

exigências dos clientes). Esse segundo objetivo passou a fazer parte da gestão

empresarial a partir da constatação de que é o cliente que garante o sucesso da

empresa, e não os produtos fabricados, como se pensava. A empresa transferiu

sua atenção para o cliente, que está além dos seus limites físicos e de seu

controle operacional e, a partir daí, passou a reconhecer a existência de um

sistema mais amplo, do qual ela faz parte - o mercado. Passou a investigar quais

elementos desse sistema tinham relações com a empresa e que tipo de

influência exerciam.

A mesma consideração pode ser feita em relação ao ensino de

engenharia. Tome-se por referência a Figura 5.1. O engenheiro é o produto

Page 50: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O ENSINO NA ENGENHARIA -40-

final de um curso de engenharia, que utiliza uma estrutura curricular como

processo de transformação. O insumo vem do mercado e o produto final vai

para o mercado (sistema mais amplo).

As disciplinas que compõem a estrutura curricular são, em última

instância, as responsáveis pela preparação técnica do profissional. É por meio

delas que se faz a exposição da teoria e que se coloca o aluno em contato com

os problemas que deverá enfrentar. A ênfase no ensino de engenharia repousa

no conjunto de disciplinas, e pouco nas relações com o mercado.

ESTRUTURACURRICULAR

(TRANSFORMAÇÃO)ALUNO

CURSO DEENGENHARIA

ENGENHEIRO

RELAÇÕES

OPORTUNIDADES

SOCIEDADE

EMPRESAS

MERCADO

Figura 5.1 - A Formação do Engenheiro e as Relações do Processo de Transformação com o Mercado.

É notório que esse processo de transformação é dependente de

múltiplos fatores: do aluno (sua história), dos professores (suas experiências e

especialidades), das disciplinas (conteúdos e duração), dos recursos disponíveis

(físicos, instrucionais e tecnológicos). É óbvio também que não cabe outra

análise a esse processo que não seja global, holística.

A indústria utiliza-se de um conceito mais geral de solução de problemas.

Nesses ambientes, um problema é inicialmente detectado pela constatação de

que alguma coisa não funciona bem, e não é aceita na sua forma ou estado

Page 51: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O ENSINO NA ENGENHARIA -41-

atual. A solução do problema transforma a situação para uma forma ou estado

desejado ou aceitável.

CORL (1995) atesta que vários modelos têm sido propostos, com

diferentes etapas ou fases que conduzem da identificação do problema à sua

solução final (vide também POLYA, 1978 ; RUBENSTEIN, 1975). Em termos

gerais, todos parecem apoiar-se em um conjunto de perguntas que devem ser

respondidas:

• O que está errado?

• O que pode ser feito a respeito?

• Quais as conseqüências?

• Como se compatibilizar com o sistema?

• Como controlar sua implementação?

• Foi corrigido o que estava errado?

O sucesso de uma solução depende de uma formulação precisa do

problema. É nessa fase que se separa a causa dos sintomas ou dos efeitos. A

formulação do problema é uma tentativa de se chegar a objetivos bem

definidos, a um melhor entendimento da situação atual ou à identificação de

oportunidades potenciais.

Nesse sentido, PFROMM NETTO (1987) completa que os três aspectos

essenciais de um problema são:

1) Estado Atual - situação existente no momento;

2) Estado Alvo - situação, condição ou fato desejado;

3) Obstáculos - aquilo que deve ser superado para que o estado atual

se modifique.

O ensino de engenharia apoiou-se muito na transferência de

conhecimentos baseada na solução de problemas, sem, entretanto, obter e

discutir os detalhes necessários ao seu entendimento. A informação vital é

Page 52: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O ENSINO NA ENGENHARIA -42-

normalmente omitida, sintomas não são observados ou são relatados

incorretamente, o desempenho desejado nem sempre é conhecido ou

entendido. Nesta classe estão os chamados problemas mal-estruturados.

A partir do momento em que são obtidas mais informações (precisas e

significativas), os problemas começam a tomar forma, a ter uma melhor

estrutura para análise. São os problemas chamados bem-estruturados, que são

resolvidos a partir de uma seqüência de passos bem definidos, e que têm uma

resposta correta, pré-determinada.

5.2 - Conclusão Parcial No 1

A engenharia lida com sistemas que são combinações de subsistemas

genéricos e customizados, sobre os quais se têm pouca literatura publicada em

termos do que seria um desempenho normal, ou de um modelo de referência.

Os engenheiros, freqüentemente, deparam-se com sistemas únicos, que foram

criados para atender necessidades específicas ou mesmo temporais.

Esses sistemas podem ser menos complexos que os da medicina, no que

se refere ao corpo humano, mas muito freqüentemente tem disponível menos

documentação do que seria um desempenho normal ou um padrão aceito

como normal. Os médicos tratam de um sistema mestre relativamente fixo,

além de contar com especialização nos diversos subsistemas.

A literatura médica, por sua vez, é rica em experiências relativas a

diagnóstico. Nessa área, os sintomas são agrupados de acordo com as causas

prováveis conhecidas, para facilitar a especificação de qualquer procedimento

complementar, que possa facilitar ou confirmar um diagnóstico. Além disso, o

aluno de medicina permanece em contato com seu objeto de intervenção

durante todo o tempo de formação. No período de residência adquire a

experiência de como aplicar e integrar o conhecimento acadêmico (teórico) ao

sistema com que vai trabalhar (o corpo humano).

Page 53: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O ENSINO NA ENGENHARIA -43-

O engenheiro, por outro lado, deve integrar seu conhecimento e

experiência com cada novo sistema com que se depara na sua vida profissional,

na tentativa de identificar, priorizar e corrigir problemas. Seu vocabulário é

limitado no que se refere a causa e efeito, em outras palavras, diagnóstico.

Como conseqüência da falta de experiência e valorização pessoal do

conhecimento, pouco material é publicado nesse campo, principalmente no que

se refere à formulação de problemas e tratamento de questões táticas ou

estratégicas.

Além da estruturação do problema (bem ou mal) e do nível

organizacional de ocorrência (estratégico, tático ou operacional) existe uma

terceira dimensão igualmente importante, a urgência.

Na medicina, essas dimensões estão bem equacionadas, na medida em

que problemas mal-estruturados são levados ao especialista para o diagnóstico,

dentro de uma postura absolutamente natural. O nível organizacional, com

respeito ao corpo humano (entendido como um sistema), varia de simples

consultas a intervenções que envolvem risco de vida. A sala de emergência

(UTI) é reservada e preparada para os problemas graves e/ou urgentes.

Já na engenharia, os exercícios de sala de aula tratam de problema, na

sua maioria, bem-estruturados, de nível operacional e com nenhuma urgência

ou gravidade, a não ser atender a um prazo final de entrega. O estágio em

engenharia não oferece oportunidades de desenvolvimento pessoal e

profissional.

As deficiências básicas da graduação em engenharia, sob esta ótica, estão

ligadas à baixa comunicação interpessoal, à falta de estímulo para o trabalho em

grupo, à habilidade computacional restrita e à falta de compromisso com a

ligação da teoria com a prática empresarial.

Analisando o ensino de engenharia, BAZZO (1996) destaca três pontos

básicos: o currículo; a formação do professor; e a avaliação e motivação. Em

termos do currículo, argumenta que a engenharia precisa se reestruturar, e que

o ensino não pode continuar passivo. Os currículos, se considerados

desatualizados e impróprios para a formação de um engenheiro para os novos

Page 54: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

O ENSINO NA ENGENHARIA -44-

tempos, devem ser reestudados e não alterados superficialmente. Lembra as

inúmeras alterações de grades curriculares, aquisição de equipamentos para

laboratórios, assinaturas de revistas ou a construção de novas e modernas salas

de aula, que muito pouco contribuíram para a melhoria do ensino. E arremata:

“talvez devamos mudar o eixo das discussões”.

Os professores, por sua vez, quando reconhecem a existência de

problemas na aprendizagem, atribuem a responsabilidade dos eventuais

fracassos aos alunos, ou às dificuldades materiais para a sua execução. Embora

os professores valorizem as atividades de planejamento e racionalização de

métodos e processos nos seus respectivos campos de trabalho (profissional),

quando se trata do ensino, parece que não há a mesma atitude. Além disso,

existem docentes que relutam em atualizar seus objetivos, conteúdos e técnicas

de ensino.

Com relação à motivação dos estudantes, na opinião de Bazzo, as aulas

tradicionais deixam de ser atraentes quando confrontadas com outras mídias, e

com os modernos meios de divulgação de informações.

Pode ainda ser destacado o uso do computador no ensino, que está

trazendo novas perspectivas e novos desafios à arte de ensinar.

Page 55: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -45-

6 - ENSINO E TECNOLOGIA

As tecnologias da informação e da comunicação estão causando

profundas mudanças na sociedade, que passa a ter na informação a principal

mola propulsora do desenvolvimento, em substituição ao capital. É a sociedade

da informação. Os impactos dessa revolução tecnológica, que se expande pelo

mundo, estão sendo sentidos pelos indivíduos, pelas empresas e pelas

instituições de ensino.

As novas tecnologias são promissoras, na medida em que responderão às

necessidades de educação e treinamento da sociedade. Essas tecnologias,

integradas, darão origem a novos produtos e serviços baseados na informação.

Como exemplo podem ser citadas as oportunidades criadas na Internet em

termos de negócios, educação e diversão.

Entretanto, o uso generalizado da tecnologia em educação e

treinamento, ainda depende do desenvolvimento de material de apoio

adequado a essa nova realidade, da preparação dos professores, e de algumas

adaptações nos currículos e nos métodos de ensino.

Nesse contexto surge o computador, como o pivô dessa revolução,

marcando presença decisiva nas atividades de treinamento e de ensino. Visto

como uma ferramenta de apoio, o computador está afetando o ensino

tradicional, propiciando novas experiências educacionais, facilitando acesso a

todo tipo de informação e, dando origem a um novo perfil de estudante.

O computador, apesar de todos os seus recursos, ainda não é condição

necessária nem suficiente para o aprendizado, existem limitações no seu

emprego, principalmente no que se refere aos paradigmas de ensino e às

condições em que estão sendo utilizados.

Page 56: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -46-

A utilização da informática na educação tem suas raízes no ensino

através das máquinas. Esta idéia foi usada pelo Dr. Sidney Pressey em 1924, que

inventou uma máquina para corrigir testes de múltipla escolha. Isso foi

posteriormente elaborado por B.F. Skinner que no início de 1950, como

professor de Harvard, propôs uma máquina para ensinar usando o conceito de

instrução programada (VALENTE, 1993).

A instrução programada consiste em dividir o material a ser ensinado em

pequenos segmentos logicamente encadeados e denominados módulos, que

são apresentados segundo uma ordem definida. Cada módulo termina com um

conjunto de questões onde o aluno deve mostrar o conhecimento adquirido,

antes de passar para o próximo módulo. Se responder errado, a resposta

correta poderá ser fornecida pelo programa ou, o aluno será convidado a rever

módulos anteriores ou, ainda, a realizar outros módulos complementares, com

o objetivo de remediar o processo de ensino.

A instrução programada caracteriza-se como uma forma auto-didática

de ensino, na qual as informações são apresentadas em pequenas doses,

segundo um encadeamento lógico, do mais simples ao mais complexo, do mais

concreto ao mais abstrato. Entretanto, esta idéia nunca se tornou muito popular

pelo fato de ser muito difícil a produção do material instrucional, e devido aos

materiais existentes não possuírem nenhuma padronização, dificultando a sua

disseminação.

Com o advento do computador, notou-se que os módulos do material

instrucional poderiam ser apresentados com grande flexibilidade. Assim, durante

o início dos anos 60, diversos programas de instrução programada foram

implementados no computador, dando origem à instrução auxiliada por

computador (“Computer Aided Instruction” - CAI).

Na década de 60, muitos sistemas dessa natureza foram desenvolvidos,

com a idéia de revolucionar a educação. Entretanto, os computadores ainda

eram muito caros para serem adquiridos por escolas. Somente as universidades

poderiam elaborar e disseminar este recurso educacional.

Page 57: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -47-

No início, os computadores eram utilizados somente para automatizar os

métodos tradicionais de ensino, sem uma proposta metodológica. Esses sistemas

foram chamados de “paginadores eletrônicos”.

As aplicações eram limitadas em escopo, devido a algumas limitações de

caráter tecnológico e intrínsecos aos sistemas. Essas limitações referem-se a:

(i) intervenção do aluno ser limitada a um roteiro fixo; (ii) o conteúdo não levar

em conta os conhecimentos prévios e interesses do usuário; (iii) o

conhecimento ser apresentado seqüencialmente; e (iv) falta de motivação

inerente à pequena interatividade desses sistemas.

O uso mais intensivo do computador no ensino, ocorreu a partir da

disseminação dos microcomputadores, que permitiu uma enorme produção de

cursos e uma diversificação de tipos de CAI, como tutoriais, programas de

demonstração, exercício e prática, avaliação do aprendizado, jogos educacionais

e simulação. É bom lembrar que essa produção maciça de software aconteceu

durante somente três anos após a comercialização dos microcomputadores.

Hoje é praticamente impossível identificar o número de softwares educacionais

produzidos e comercializados.

Entretanto, as novas modalidades de uso do computador na educação

apontam para uma nova direção: o uso desta tecnologia não como “máquina de

ensinar” mas, como uma nova mídia educacional: o computador passa a ser

uma ferramenta, que exercita a capacidade do usuário de procurar e selecionar

a informação, de resolver problemas e de aprender com independência.

6.1 - O Computador no Ciclo de Aprendizado

A cada dia, novas tecnologias de comunicação conseguem aumentar a

produtividade e a qualidade na transmissão de conhecimentos, seja sob a

consideração de ensino tradicional, em massa ou ensino a distância.

Diferentes recursos de mídia podem ser utilizados visando a maior

clareza e precisão na transmissão da informação, e ainda permitir o efetivo

Page 58: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -48-

envolvimento do aluno. Entre as técnicas de ensino e recursos instrucionais não

convencionais situam-se as tecnologias interativas, baseadas em videotape,

videodisco e o microcomputador.

As fitas de vídeo representam uma alternativa barata, com baixo

investimento em equipamentos (ROSSI & VIDEIRA, 1993). Existem várias

empresas especializadas na produção e comercialização de fitas para

treinamento nas diferentes áreas do conhecimento.

No sistema de videodisco, o veículo para armazenagem da informação é

o disco laser. Os avanços em software, principalmente a multimídia e

hipertexto, deram uma nova dimensão a esta alternativa, considerando o uso

em microcomputadores.

Os avanços em hardware e software permitem que os computadores

tenham aplicações em áreas pouco convencionais, como é o caso do ensino.

Treinamento baseado em computador, tutores, sistemas tutores inteligentes,

são exemplos de sistemas que utilizam a tecnologia da informática para reciclar

conceitos e transmitir conhecimentos especializados com benefícios qualitativos

e quantitativos.

Fechando o foco sobre o computador e sua aplicação no processo

ensino-aprendizagem, é importante que sua utilização ocorra em consonância

com os passos do ciclo de aprendizagem, como um referencial teórico, e possa

atender às diferentes necessidades, nos diversos ambientes (BELHOT, 1995).

O ciclo de aprendizagem (POCE), já apresentado, será resgatado sob

um novo enfoque e com outra finalidade. Como já visto, o ciclo é um processo

estruturado, ordenado, onde cada passo depende da execução do anterior: por

que (P), o que (O), como (C), e - se (E), conforme pode ser visto na Figura 6.1.

Em termos do ciclo de aprendizagem, o computador pode ser um

elemento valioso, se utilizado criteriosamente nas diferentes etapas (passos) do

processo de aprendizagem. Tradicionalmente, o computador tem sido muito

utilizado como uma ferramenta para a solução de problemas, e com menos

intensidade em situações que exigem a análise de situações novas, ou variações

nas condições dos parâmetros do problema e da solução. Essas aplicações

Page 59: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -49-

correspondem aos passos “COMO” e “E-SE” do ciclo POCE. Nas outras fases,

a utilização do computador ainda é experimental.

GERAR NOVAS SITUAÇÕESSIMULAR

CRIARNECESSIDADE

DISCUTIRCONTEXTO

INTRODUZIRCONCEITOS

RESOLVERPROBLEMAS

TESTAR

(O)O QUE(C)

COMO

(P)POR QUE

(E)E-SE

P

OC

E

Figura 6.1 - O Ciclo de Aprendizagem - POCE - Um Processo Contínuo Caracterizado por Objetivos Distintos a Cada Etapa.

A introdução do computador na fase de apresentação de conceitos (“O

Que”) ficou, durante algum tempo, por conta de aplicações restritas em escopo,

devido às limitações já apontadas.

Essas limitações foram sendo gradualmente minimizadas por alguns

avanços tecnológicos em hardware e software, como o CD-ROM, a Inteligência

Artificial, o Hipertexto e a multimídia. A partir daí, novos sistemas começaram a

ser disponibilizados e comercializados sob o nome de Computer-based

Training, ou simplesmente CBT.

Diversos programas de computador têm sido desenvolvidos para ajudar

na reciclagem de conceitos e na transferência de conhecimento. Os programas

computacionais de apoio ao processo de ensino e de aprendizagem tem três

aplicações básicas (BELHOT & LIMA, 1996):

Ensino Apoiado por Computador - indicado para a introdução de conheci-

mento teórico ou conceitos gerais,

normalmente desenvolvido em

Page 60: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -50-

ambientes acadêmicos (Computer-based

Teaching).

Sistemas Tutores - referem-se a apresentação de conhecimentos restritos a

determinados domínios, e que pressupõe um

conhecimento básico do assunto (Computer-based

Tutoring).

Treinamento Apoiado por Computador - voltado para o desenvolvimento de

habilidades, visando a melhorar o

desempenho na realização de tarefas

específicas, voltado para ambientes

que envolvem custos ou riscos

(Computer-based Training).

A aplicação da informática na educação ocupa-se de responder ao

desafio de construir programas computacionais destinados a auxiliar o processo

de ensino-aprendizagem. O que se busca agora é avaliar o potencial de uso do

computador na fase “O QUE”, isto é, no aspecto conceitual do ensino.

A crescente necessidade por educação e treinamento, assim como o

aumento da obsolescência do conhecimento e das habilidades do profissional

transferem ao computador um importante papel nas atividades de ensino e

treinamento, qual seja o de auxiliar no processo de ensino e de aprendizagem

(BLANDIN, 1995).

6.1.1 - Hipertexto e Multimídia

A aplicação de hipertexto e multimídia tem dado uma nova dimensão

aos sistemas tutores, na medida em que eliminaram quase que completamente

as limitações dos sistemas CAI.

Page 61: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -51-

HIPERTEXTO

O excesso de informações tem imposto sérios problemas no que se

refere a recuperação e atualização da informação, de um modo organizado que

atenda às necessidades dos usuários. O hipertexto é uma solução tecnológica

para organizar o acesso à informação.

De acordo com BRITO & CAMBIUCCI (1995), a idéia de hipertexto,

apesar de recentemente popularizada, vem sendo alvo de estudos e discussões

há anos. Essa idéia surgiu da observação de que a maneira como a informação é

manipulada e apresentada às pessoas, normalmente é bem diferente da forma

como se processa o raciocínio humano. Muitas vezes é adotada uma seqüência

fixa e linear, por causa da própria natureza dos meios tradicionais de

informação. Entretanto, a nossa forma de pensar não é linear. Essa situação está

se modificando, devido ao domínio tecnológico dos meios de informação, que

só agora estão podendo utilizar novos recursos, muito mais eficientes.

O sistema hipertexto pode ser entendido como um grande repositório

de informações de diversos tipos - textos, código de programas, gráficos -

fragmentadas segundo algum critério, unidas por elos de ligação. Mantendo a

idéia fundamental de conectividade entre as informações, cada sistema

apresenta as características que melhor atendem a aplicação ou o objetivo para

o qual foi desenvolvido.

O hipertexto apresenta várias opções diferentes para os leitores, que

determinam qual delas seguir na hora da leitura. Isto significa alternativas para

que o usuário explore o conhecimento de acordo com as suas necessidades. A

Figura 6.2, apresentada a seguir, ilustra essa afirmação

MULTIMÍDIA

Multimídia é uma palavra originária da comunicação e significa “vários

meios”. No campo da informática, segundo VAUGHAN (1994), o termo

Page 62: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -52-

multimídia pode ser definido como qualquer combinação entre texto, arte

gráfica, som, animação de imagens e vídeo transmitida pelo computador, de

forma interativa com o usuário.

HIPERMÍDIA É UMA EXTENSÃO

ONDE ALÉM DOS TEXTOS PODEM

SER INCORPORADAS OUTRAS

MÍDIAS COMO ÁUDIO E VÍDEO.

UM SISTEMA HIPERTEXTO É

FORMADO POR UM CONJUNTO DE

DE VÁRIOS TAMANHOS E FORMAS

CHAMADOS NÓS.

OS SEGMENTOS DE INFORMAÇÃO

(FIGURA 1)

HIPERTEXTO,

SEGMENTOS DE INFORMAÇÃO

NÓ 3

NÓ 1

NÓ 2

LIGAÇÃO OU VÍNCULO

LIGAÇÃO OU VÍNCULO

OBS.: AS LIGAÇÕES E CONTEÚDO DOS NÓS CONSTITUEM O PROCESSO DE AUTORIA. AS PALAVRAS

PODEM SER...

DO CONCEITO

EM ITÁLICO E NEGRITO FAZEM A LIGAÇÃO ENTRE DIFERENTES TEXTOS, QUE PODEM SER

ACESSADOS A PARTIR DESSAS PALAVRAS.

Figura 6.2 - Exemplo de Hipertexto.

No momento em que se permite ao usuário o controle de quando e

quais elementos serão transmitidos, tem-se a multimídia interativa. A multimídia

realça as interfaces tradicionais somente para texto e produz benefícios

mensuráveis, ganhando e mantendo a atenção e o interesse do usuário, o que

inevitavelmente favorece a retenção das informações.

A multimídia já é uma realidade, mas até pouco tempo era pura ficção.

Ainda hoje pode-se dizer que a falta de recursos tecnológicos a torna inviável

em muitas instituições de ensino. A digitalização de uma imagem na tela

consome centenas de Kbytes de memória, e cada segundo de animação é

composto por dezenas de quadros. Tal limitação está sendo superada pela

Page 63: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -53-

utilização de CD-ROM e maior velocidade e memória dos novos chips.

Segundo PINHEIRO & KOURY, (1995), em um rápido levantamento

histórico, pode-se relacionar o aparecimento da tecnologias de multimídia:

1980 Texto

1983 Planilha, gráficos

1984 Mouse, animação gráfica

1985 CD-ROM

1987 Desktop publishing, audio, sistemas autores

1988 Scanner de mão

1989 SoundBlaster

1992 Windows 3.x, Aparelho de foto digital

1994 Multimídia em rede.

O termo hipermídia é utilizado para designar os sistemas que permitem

o mesmo modo de acesso não seqüencial. Porém, esse acesso pode se dar

sobre quaisquer tipos de informações possíveis de serem armazenadas (audio,

imagem estática ou animada, texto etc.) ou processadas (uso do sistema como

interface com qualquer programa executável), conforme Figura 6.3.

Os componentes básicos de um hipertexto/hipermídia são os nós e as

ligações entre os nós. O nó é a unidade básica para armazenar a informação,

que consiste de fragmentos de textos, gráficos, vídeo ou outra informação.

O inter-relacionamento entre os nós de informação são definidos por

ligações. As ligações em sistemas hipertexto/hipermídia são associativas, isto é,

definem uma relação entre os pares de nós que são conectados. As ligações

permitem ao usuário navegar através do hipertexto/hipermídia.

Os mecanismos de navegação na base de nós constituem-se nos

aspectos fundamentais dos sistemas hipertexto/hipermídia, uma vez que é

através deles que o usuário pode ter acesso ao conjunto de informações

armazenadas e, além disso, é através da utilização de tais mecanismos que um

Page 64: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -54-

desenvolvedor cria a base de nós para posterior acesso pelos usuários que

realizam consultas.

Figura 6.3 - Caracterização de Hipertexto e Hipermídia a partir da Estrutura e Forma de Acesso ao Texto e Diferentes Mídias Incluídas.

6.2 - O Ensino Apoiado por Computador

ESTRUTURAE

FORMA DE ACESSO

TEXTO

MULTIMÍDIA

HIPERTEXTO

IMAGENS + SONS(CONTEÚDO)

HIPERMÍDIA

HIPERDOCUMENTOS

ESTRUTURAS

ACESSO

MULTI

IMAGENS+

SONS

ESTRUTURAE

FORMA DE ACESSO

Page 65: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -55-

O uso de sistemas computacionais não deve ser visto como a resposta às

inquietações no ensino de engenharia. O uso impróprio ou indevido pode

acentuar os erros já existentes no modelo pedagógico atual, uma vez que o

professor perde o controle do processo de ensino, e não pode acompanhar

como ele se desenvolve, podendo formar um engenheiro virtual, que não saiba

aplicar os conhecimentos na prática.

A questão não é modernizar o ensino, ao introduzir uma nova

ferramenta apoiada na tecnologia, para satisfazer os anseios do mercado de

trabalho, mas sim revolucionar o processo de ensino/aprendizagem. Os

programas não devem transformar o aluno em mero usuário, e sim fazê-lo

pensar. Não adianta ter o recurso tecnológico, e formar um engenheiro

incompetente para o desempenho de sua função.

Nesse sentido, deve-se usar o recurso da informática para motivar os

alunos, socializar o conhecimento, transformando assim o engenheiro de

proprietário da informação, no engenheiro que sabe usar a informação.

Vale a pena salientar, que o ensino apoiado por computador é ainda um

processo novo, que pode ser realizado de diferentes maneiras, utilizando-se de

diferentes recursos. A experiência no desenvolvimento de sistemas dessa

natureza é importante e, portanto, passa a ser necessário esgotar os recursos

tecnológicos e dominá-los. Do mais simples ao mais complexo.

Desenvolver sistemas computacionais de apoio ao ensino depende

muito do homem. No processo de definição e escolha do conteúdo, na

seqüência estabelecida e nas ligações previstas, parece estar a experiência que

deve ser obtida: o processo de autoria. Os recursos computacionais, como

conseqüência, são objetos de pesquisa complementar, quando analisados do

ponto de vista da educação. A seguir são relatadas algumas experiências do uso

do computador no ensino.

6.2.1 - Sistema Tutor sobre Sistemas Especialistas

Page 66: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -56-

Ainda é difícil pensar-se em uma aula sem o professor, no treinamento

sem o instrutor, isto é, sem a pessoa que detém o conhecimento ou a

especialidade. A aplicação de Inteligência Artificial (IA) na educação ocupa-se de

responder a esse desafio: construir programas computacionais destinados a

auxiliar o processo de ensino-aprendizagem. A representação do conhecimento

e seu processamento diferenciam esses programas dos sistemas convencionais

de processamento de dados. Como exemplo tem-se os Sistemas Especialistas

(SE), que agora começam a ser usados também no ensino.

Os sistemas especialistas, assim como os sistemas tutores, têm como

proposta codificar o conhecimento do especialista e colocá-lo à disposição de

muitos usuários. Isto significa distribuição de conhecimento, “repartir o que

sabemos”. O futuro se apresenta, cada vez mais, colocando conhecimentos

especializados à disposição de um número cada vez maior de pessoas. A seguir

será descrita uma experiência prática sobre a utilização de sistemas

computacionais de apoio ao ensino de sistemas especialistas.

Como uma decorrência natural do envolvimento com uma tecnologia

nova, no caso sistemas especialistas, o interesse maior residia na implementação

de sistemas que pudessem auxiliar na solução de problemas práticos e, de

preferência, reais.

A utilização do computador restringia-se ao uso de um “shell” (Exsys

Professional for Windows) para a implementação de protótipos, consoante

com a fase “COMO” do ciclo. A etapa de apresentação dos conceitos (“O

QUE”), era feita do modo tradicional, isto é, através de aulas expositivas,

apoiadas por uma apostila.

Dentro dessa linha, alguns protótipos foram desenvolvidos, na sua

maioria limitados em escopo pelo tempo e recursos disponíveis. Nesse

processo, constatou-se que a atividade crítica da implementação de S.E. estava

na concepção da Base de Conhecimento - compartimento que contém o

conhecimento especializado.

A concepção da Base de Conhecimento depende, em primeiro lugar, da

aquisição do conhecimento (extraí-lo de alguma fonte); em segundo lugar, da

Page 67: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -57-

sua sistematização, em outras palavras, da ordenação lógica do processo

decisório. Isto significa identificar as variáveis de decisão, seus valores respectivos

e o relacionamento entre elas.

Da repetição desse processo, pode-se perceber a importância da

construção da base de conhecimento para a qualidade final do S.E., e sua

contribuição ao entendimento do problema como um todo e para a

estruturação da solução. A formação tradicional em engenharia enfatiza a busca

da solução do problema, e não o processo de estruturação da decisão.

O exemplo do recipiente, descrito a seguir, comprova tal afirmação. O

problema pede que se coloque exatamente dois litros de água em um

recipiente de quatro litros, sem graduação intermediária. Para tanto, dispõe-se

de outro recipiente de três litros, também sem graduação intermediária e água

a vontade.

Quando solicitado, os alunos encontram uma solução para esse

problema. No entanto, quando se pede, ao aluno que resolveu, para explicar

como chegou à solução, normalmente, o que se vê é uma tentativa de

reproduzir os passos dados para chegar à solução proposta. Percebe-se a

ausência de um método, a não ser o de tentativa e erro. Se, por outro lado,

alguém estiver interessado em aprender a resolver o mesmo problema, o aluno

não conseguirá ensiná-lo. Provavelmente porque ele não está acostumado a

sistematizar seu processo decisório, mas tão somente adquirir a habilidade de

resolver problemas. O processo de ramificação e “poda” chega a ser

inconsciente.

A partir disso, a contribuição maior dos S.E. é mostrar a sistematização

dos processos decisórios associados à solução de diferentes problemas.

Entender como um problema é resolvido, significa identificar as variáveis

relevantes à sua solução, os valores que essas variáveis podem assumir, e como

elas se relacionam. A partir dessas constatações, passaram a ser desenvolvidos

protótipos que tinham por finalidade discutir aspectos teóricos ligados ao

desenvolvimento de S.E., quando a sua aplicação é possível, justificável e

Page 68: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -58-

apropriada. Essa constatação abriu novos horizontes para o uso do computador

no ensino.

Para manter o interesse no ambiente computacional e utilizar o

computador para rever conceitos, o software educacional Experteach II passou

a ser utilizado como um reforço teórico para a disciplina. No entanto, essa

alternativa não trouxe os resultados esperados, basicamente porque o software

não atendia às necessidades de conteúdo, e não motivava os alunos.

Para resolver esse problema, foi desenvolvido um sistema tutorial usando

a linguagem Clipper. As principais limitações deste sistema estavam relacionadas

à navegação dentro do documento e ao ambiente de desenvolvimento (DOS).

Devido a linearidade de acesso, só eram possíveis movimentos para frente e

para trás, o aluno ficava muito passivo, e não tinha possibilidade de navegar de

acordo com seu interesse ou conhecimento sobre o assunto. O ambiente DOS

não oferecia uma integração natural com o EXSYS (Windows), exigindo do

aluno muitas manobras computacionais entre os ambientes. A Figura 6.4

esquematiza a estrutura geral do sistema desenvolvido.

TUTOR SOBRE SISTEMAS ESPECIALISTAS

MÓDULO 1 MÓDULO 2 MÓDULO 3 MÓDULO 4 MÓDULO 5 FIM

1. Introdução a Inteligência Artificial 2.1 - Quando Desenvolver um Sistema Especialista 2.2 - Definição de um Sistema Especialista 2.3 - Elementos e Estrutura de um Sistema Especialista 2.3.1 - Base de Conhecimento(Representação do Conhecimento) 2.3.2 - Mecanismo de Inferência 2.3.3 - Interface com o Usuário

3.1 - Processo de desenvolvimento de um Sistema Especialista3.1.1 - Identificação do problema 3.1.2 - Análise das características do problema 3.1.3 - Escolha da ferramenta de desenvolvimento 3.1.4 - Implementação 3.1.5 - Validação e teste

4.1 - Funcionamento de um Sistema Especialista 4.2 - Cuidados no desenvolvimento de um Sistema Especialista

5.1 - Exemplos de Sistemas Especialistas 5.1.1 - Orientação Financeira

Page 69: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -59-

5.1.2 - Empresa de Turismo 5.1.3 - Companhia Aérea

PgDn - acessa o módulo escolhido

PgUp - volta as opções

Figura 6.4 - Estrutura do Sistema Tutor (Clipper). Para superar essas restrições, novo protótipo foi desenvolvido, a partir

da utilização do recurso de hipertexto, e em ambiente Windows. O hipertexto

permite ao usuário examinar a informação em uma forma seqüencial ou com a

opção de navegar dentro do texto, por meio de relações entre conceitos,

figuras, etc. O sistema permite que diferentes partes de um mesmo documento

possam ser acessadas diretamente, basta que se definam as ligações desejadas.

Um novo protótipo foi desenvolvido utilizando o software Folio Views1.

O primeiro sistema desenvolvido em Clipper estava muito próximo da

apostila impressa em papel. Só o domínio da linguagem foi suficiente para a sua

implementação. Para a versão em hipertexto, foi necessário a definição, a priori,

das ligações que deveriam ser feitas (vide figura 6.5).

Aí surge a primeira novidade: o processo de autoria, isto é, a concepção

do documento em um formato mais compacto. Pela possibilidade de navegação

não-linear, o texto não deveria ser corrido, como na versão anterior. Além

disso, era preciso conceber quais seriam as ligações, de que ponto para quais

outros pontos. A dúvida residia no fato de que o documento deveria atender à

necessidade de diferentes usuários.

Os processos de ensino e de aprendizagem tornam-se mais dinâmicos a

partir da introdução de imagens, som e animação em um sistema tutor. Dentro

dessa hipótese, um novo protótipo foi desenvolvido a partir do software

ToolBook CBT Edition2 (vide figura 6.6).

Em um primeiro momento foram estudadas as características do

software, e implementados alguns protótipos para teste. Dessa experiência

pode-se perceber algumas limitações desse software, principalmente no que se

1 Folio Corporation Trade Mark

Page 70: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -60-

refere ao tratamento de imagens e de animação. Outros softwares

complementares foram então estudados, entre eles: Adobe PhotoShop,

Premier e 3D Studio, para lidar, respectivamente, com edição de imagens,

edição de audio e vídeo, e animação.

Sistemas SistemasEspecialistasEspecialistas

Figura 6.5 - Tela Inicial do Sistema Especialista Implementado no Folio Views 3.0.

2 Asymetrix Corporation Trade Mark

Page 71: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -61-

Figura 6.6 - Tela Inicial do Sistema Especialista Implementado no ToolBook.

A dificuldade de concepção aumentou, quando da introdução dos

recursos de multimídia. Agora era preciso intercalar também novas opções de

mídia, capturar e escolher as imagens, sons e planejar as animações. Novos

problemas surgiram: onde capturar as imagens e sons? Há problemas de direitos

autorais? Como combinar e sequenciar as informações e conhecimento? Pode-

se constatar que , quando se usa multimídia, o aspecto visual e efeitos sonoros

são muito importantes. O processo de concepção e desenvolvimento deve ser

muito parecido com a execução de um filme.

6.2.2 - Outros Sistemas Tutores

Outros dois sistemas computacionais de apoio ao ensino (sistemas

tutores) foram desenvolvidos. Dois voltados a área de Planejamento e Controle

da Produção, um sobre Materials Resource Planning - M.R.P. II desenvolvido a

partir do software ToolBook e, outro sobre seqüenciamento - Problema de

Page 72: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -62-

Máquinas Paralelas - na forma de um sistema especialista. O terceiro foi

desenvolvido para dar suporte ao ensino de ferramentas gráficas gerenciais.

Aproveitando o fato conhecido de que a teoria de seqüenciamento

(“scheduling”) ainda é pouco utilizada nos ambientes de produção, e com a

proposta de reduzir a distância entre essa teoria e a sua aplicação prática, foi

desenvolvido um sistema especialista para veicular esses conceitos, e não um

algoritmo de solução.

O problema de máquinas paralelas caracteriza-se pela existência de um

só tipo de máquina com múltiplas máquinas idênticas, sendo que cada tarefa

necessita de somente uma dessas máquinas. O modelo pode ser entendido a

partir da suposição que existem tarefas com operações simples, disponíveis

simultaneamente, e que existem k máquinas idênticas para o processamento das

tarefas.

O entendimento do sistema fica mais claro examinando a base do

conhecimento, através de um diagrama chamado Árvore do Conhecimento,

que facilita a visualização do processo decisório. A Figura 6.7 exibe o referido

diagrama para o caso geral da programação da produção, e detalha o de

máquinas paralelas. Os números representados na árvore correspondem às

referências bibliográficas recomendadas pelo sistema especialista. Maiores

detalhes podem ser obtidos em BELHOT & BETIOLI (1996).

Page 73: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -63-

Quantidade de tipos de M áquinas

diferentes- M

Quantidade de M áquinas Idênticas -K

Quantidade de M áquinas do mesm o

tipo - Ki

m = 1 m > 1

M áquinaÚnica

M áquinas Paralelas

k = 1 k > 1

Job Shop com M áquinas Duplicadas

Ki > 1

Roteiro

Fluxo Padrão

Aleatório

particular p/cada tarefa

Precedência das Tarefas

não existe para todas astarefas

Precedência das Tarefas

a mesm a em todas as máquinas

Flow ShopPermutacionalFlow Shop

diferente demáquina a

máquinaexistente

Job Shop Open Shop

Fluxo Padrão

em fluxo

Ki = 1

Quantidadede M áquinas

Tem po deProcessamento

2 máquinas

Precedência

Data de Entrega

variadounitário

depen-dente

arbit. indepdep. In-

tree

Out-tree

Interrupção

com sem

sem

semsem

geral

semcom

sem

com

sem

sem

m máquinas

unitário variado

indep

sem

sem

com

dep.

sem

sem

In-tree

geral

com

sem

sem

Out-tree

2 4 6 8 11 13 15 17 19 21 23 25

sem

semsem sem

geral

sem

sem

arbit.

1 3 5 7 9 10 12 14 16 1820 22

24sem

co-mum sem

geral sem

com

indep

sem

com

depen-dente

In-tree

Out-tree

sem sem

semsem

sem

Figura 6.7 - Árvore do Conhecimento Representando o Processo Decisório.

Já o outro sistema, lida com os conceitos de M.R.P. II e roda acoplado a

um sistema comercial de modelagem de empresas, e tem dois módulos básicos:

Módulo do M.R.P. II - o objetivo principal é apresentar os conceitos básicos do

assunto. O módulo foi projetado para ter como

clientes/usuários os analistas de sistemas que trabalham

com o desenvolvimento e manutenção do sistema, e o

Page 74: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -64-

pessoal de vendas técnicas da empresa. Em ambos os

casos a idéia básica é fortalecer conceitos das pessoas.

Além disso, funciona como um diferencial competitivo

de mercado para o software.

Módulo Estrutural do Sistema - fornece ao usuário uma visão global e a

integração dos componentes do software, de

uma maneira gráfica. Este módulo é destinado

às pessoas que irão receber treinamento sobre

a operação do software. Nele foram

disponibilizadas as informações técnicas e

operacionais sobre o sistema, à semelhança de

um “help”.

As Figuras 6.8 e 6.9 apresentam telas do sistema, a título de exemplo.

Maiores detalhes podem ser encontrados em BELHOT & LIMA (1996).

A utilização da multimídia torna a interface homem-máquina mais

interativa e mais estimulante, uma vez que a combinação de várias mídias atinge

a quase todos os estilos. As restrições quanto às questões de disponibilidade de

espaço e de velocidade vão deixando de existir, devido à evolução de hardware

e de software.

Page 75: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -65-

Figura 6.8 - Estrutura Geral do Software.

Figura 6.9 - Módulo M.R.P. II.

Page 76: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -66-

Outro sistema tutor foi desenvolvido, a partir do software Folio Views,

para dar suporte a uma disciplina de graduação, na apresentação de conceitos

ligados a ferramentas gráficas, que têm aplicação na identificação, análise,

priorização e solução de problemas. Foi o primeiro desenvolvimento utilizando

hipertexto.

As técnicas gráficas cobertas por esse sistema são:

• Histograma.

• Diagrama de Pareto.

• Diagrama Causa-Efeito.

• Diagramas de Dispersão.

• Curva ABC.

• Fluxogramas.

• Folhas de Verificação.

• Gráficos de Gantt.

A estrutura utilizada para discorrer sobre cada uma das técnicas, envolve

a discussão dos conceitos básicos (o que é), os passos para a sua aplicação

(como construir), quando usar e cuidados na sua utilização, e exemplos

ilustrativos. A Figura 6.10 apresentada a seguir mostra algumas telas do sistema

hipertexto.

A experiência adquirida com esse software, estimulou o envolvimento

posterior com aplicações em multimídia. O processo de autoria começa a ser

necessário, em função das ligações entre os nós (conteúdos), que precisam ser

pensadas em função do usuário final, e da própria concepção global do sistema.

6.3 - Conclusão Parcial No 2

A tecnologia sozinha não pode ser vista como a solução dos problemas

da educação, mesmo quando se considera a quantidade de novos recursos e

Page 77: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -67-

inúmeras possibilidades que ela oferece, para incrementar o processo de

ensino-

aprendizagem. A revolução está na ação combinada da tecnologia e de novos

padrões educacionais ou pedagógicos.

Figura 6.10 - Tela Inicial do Sistema sobre Ferramentas Gráficas.

A tentativa de informatizar os métodos tradicionais de ensino, só torna o

processo tecnologicamente atualizado. A contribuição é limitada, e pode refletir

o uso da tecnologia para atividades que não agregam valor. O uso do

computador no ensino deve estar em sintonia com uma estratégia educacional,

e ter como finalidade o enriquecimento do ambiente de aprendizagem.

Nesse sentido, determinados tópicos ou assuntos podem e devem ser

apoiados pelo computador, segundo as orientações fornecidas pelo ciclo POCE.

Page 78: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

ENSINO E TECNOLOGIA -68-

Em outras palavras, é preciso escolher a melhor combinação de conteúdo,

técnica de ensino e sistema de avaliação do aprendizado.

Além disso, é preciso refletir também sobre as exigências que são

colocadas sobre os professores e sobre os alunos. Os papéis precisam ser

revistos, face aos novos paradigmas, colocando ênfase na aprendizagem e no

aprender a aprender. O professor deverá ser um “facilitador” de informações e

dos caminhos de onde encontrá-las. O estudante, menos passivo, deverá ter

iniciativa para buscar essas informações.

Junte-se a esse contexto o fenômeno da globalização, e a participação

arrebatadora da Internet no processo educacional. Propostas de Ensino a

Distância, Internet-based Training, Ensino Virtual transformam-se em

experiências concretas, numa realidade que parecia tão distante há pouco

tempo atrás.

O emprego da tecnologia no ensino requer criatividade, um pensamento

inovador e a eliminação de todas as barreiras, inclusive as culturais. E, ainda

assim, as mudanças devem ser questionadas, compreendidas e assimiladas.

O desafio a ser vencido não é a tecnologia, mas o que pode e deve ser

feito com ela. Essa afirmação vale tanto para o ambiente industrial, quanto para

o acadêmico. Hoje as empresas aceitam a idéia da automação necessária, em

substituição à automação intensiva. Como o processo educacional parece seguir

os passos do processo produtivo, com uma certa defasagem, pode-se inferir o

futuro, mantida essa hipótese.

Para informatizar o ensino, o domínio e uso intensivo da tecnologia não

é condição necessária e suficiente para implementar um novo paradigma.

Outros pontos precisam ser desenvolvidos.

Page 79: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -69-

7 - OS NOVOS PARADIGMAS

Nos últimos 30 anos, a humanidade acumulou mais conhecimento do

que em toda sua história. O conhecimento cresce a uma taxa exponencial,

enquanto os modelos educacionais crescem em uma escala linear, criando um

problema para absorver tanto conhecimento, como indicado na Figura 7.1.

Figura 7.1 - Defasagem entre a Evolução do Conhecimento e dos Recursos Utilizados na Educação.

A partir dessa constatação, algumas transformações são esperadas no

campo de ensino de engenharia. O que pode ser feito para corrigir essa

situação? Como resgatar a qualidade da educação? Assim como a produção em

massa caminha para a produção enxuta, a educação também caminha para um

GAP Propostas pedagógicas e educacionais

SéculoXX

Conhecimento disponível

XXI

Page 80: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -70-

novo modelo, que apesar de não ter recebido ainda um nome consensual, já

conta com os pilares das mudanças.

Mas quais são as mudanças? O que é que está mudando? As mudanças

são aceitas a partir do momento em que se sabe: Por que mudar? Para que

mudar? Mudar significa adaptar-se às condições, quebrar antigos conceitos e

padrões que não mais se aplicam à realidade do mundo

As mudanças ocorrem em vários níveis e exigem diferentes respostas

por parte das pessoas e das organizações. A primeira e mais importante é a que

se refere à mudança de paradigma.

Como se sabe, a palavra paradigma, de origem grega, foi introduzida por

KUHN (1962) para identificar trabalhos científicos de caráter revolucionário,

que abriam perspectivas para pesquisas futuras. Hoje o termo é bastante

difundido, e se aplica aos conceitos, valores, percepções e práticas que

caracterizam uma forma particular de organização.

Os paradigmas são úteis à sociedade, aos indivíduos e às organizações

enquanto refletem os seus valores e interesses. Quando estes mudam, é preciso

mudar também os paradigmas. Caso contrário tornar-se-ão pessoas e estruturas

anacrônicas e, por mais esforço que façam, terão dificuldades de triunfar em um

mundo que opera em outras bases (NAJJAR, 1995).

RIBAS & VIEIRA (1996), afirmam que as mudanças ocorridas no ensino,

normalmente não produzem alterações significativas, porque não produzem

reflexos na raiz da questão, ou seja, não modificam a estrutura. O modelo

educacional continua o mesmo, a forma de pensar não se atualiza, quando se

procedem as mudanças de carga horária, programa e outras pequenas

alterações.

O paradigma educacional está mudando, e deve afetar professores e

alunos em igual intensidade. O modelo instrucional, isto é, aquele baseado

essencialmente na transmissão e recepção da informação, ainda é muito

utilizado na educação em engenharia. Entretanto, é de se esperar, que a

aplicação única desse modelo tenha dificuldade de sobrevivência, face à

velocidade de modificação e surgimento de novas informações.

Page 81: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -71-

7.1 - Ensino de Engenharia à Imagem da Manufatura

O setor secundário (indústria de transformação) está passando por

profundas mudanças, que podem ser caracterizadas como uma mudança de

paradigma, da produção em massa, para a produção enxuta.

Nas fábricas, as alterações são sentidas nos procedimentos que adota, na

flexibilidade dos seus equipamentos, na qualidade de seus produtos, no

atendimento das necessidades dos clientes e, principalmente na postura do

profissional que atua nesse contexto.

Essa nova postura, na opinião de VALENTE(1996), implica na mudança

do processo de formação desse profissional, para que ele atenda às novas

exigências do mercado. As empresas estão se ajustando a essa nova realidade,

que exige decisões rápidas, preço e qualidade competitivos, produtos

customizados. No entanto, a formação do engenheiro ainda não sofreu as

alterações devidas, e continua preparando o profissional com habilidades que

são, no mínimo, discutíveis. Insiste-se em manter a educação em engenharia nos

mesmos moldes da produção em massa.

Analisando a evolução dos sistemas de produção (ou de manufatura),

pode ser estabelecida uma base para entendimento da educação em

engenharia, a partir da simples comparação dos objetivos, métodos e resultados

obtidos.

Analisando o contexto da produção no passado, verifica-se que os

produtos eram fabricados para atender exatamente às especificações do cliente.

Os equipamentos utilizados permitiam uma série de operações diferentes, para

produzir uma grande variedade de produtos , normalmente em quantidade

unitária. É a “produção artesanal”, onde os altos custos são compensados por

igual qualidade e customização do produto.

A partir da revolução industrial, esse processo passou a ser substituído

paulatinamente pelo que foi chamado de “produção em massa”, onde a idéia

central era produzir mais (o máximo possível) ao mínimo custo (com economia

de escala), garantindo-se a utilização eficiente dos recursos produtivos.

Page 82: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -72-

Como conseqüência desse modelo, ocorre a padronização dos produtos

finais, aumentando-se a quantidade produzida, reduzindo-se os custos unitários

e, por conseqüência do processo, a qualidade. A participação do cliente nesse

modelo, é de consumir produtos colocados no mercado, segundo

especificações que podem não atender plenamente às suas necessidades. O

processo produtivo evoluiu da produção unitária para uma produção muito

maior, onde a ênfase repousa nos interesses internos da organização

(produtividade dos recursos).

Devido a globalização da economia, o mercado começa a exigir que

alguns valores sejam resgatados. Para se tornarem mais competitivas, algumas

empresas começam a diminuir a ênfase da produtividade dos recursos e a

dividi-la com a valorização do serviço ao cliente. A idéia básica é resgatar os

benefícios da produção artesanal, preservando as vantagens da produção em

massa, onde os valores, desejos e necessidade dos clientes passam a ser

incorporados na gestão do negócio.

Essa transição, que está sendo chamada de Produção Enxuta (Lean

Production), é uma tentativa de se resgatar a qualidade dos processos e dos

produtos, a partir da valorização das questões pertinentes aos clientes e ao

mercado. A figura 7.2 acrescenta mais detalhes dos diversos paradigmas

utilizados na produção.

Como as escolas de engenharia deveriam preparar os estudantes para

esse meio, elas passaram a adotar o mesmo paradigma e a reproduzir as

relações do ambiente industrial, no que se refere ao modelo de gestão

(VALENTE, 1996).

Antigamente a educação dos membros das famílias nobres, era feito por

meio de mentores (tutores), pessoas capacitadas e especialmente contratadas

para cuidar da formação de uma pessoa. É um processo de educação artesanal,

com relações diretas entre o mestre (que produz) e o aprendiz (que demanda).

Com o passar do tempo, e pela necessidade de estender a educação a

uma parcela maior da população, o processo de educação por mentores fica

Page 83: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -73-

inviável, do mesmo modo que a uma empresa seria impossível aumentar sua

produção, mantendo a estrutura da produção artesanal.

Conseqüentemente, o processo educacional migra para a educação em

massa (ou a massificação do ensino). Aumenta-se o número de pessoas em

formação, todas reunidas no mesmo local e para receberem o mesmo

conhecimento. Se por um lado, garante-se um mínimo de conhecimento para

cada indivíduo, por outro perde-se na especificidade e potencialidade do

indivíduo. O conhecimento é padronizado e formatado no tempo, espaço e

conteúdo.

Na educação em massa, o princípio é o mesmo utilizado pelas empresas,

isto é, a produtividade dos recursos, onde medidas (índices) de produtividade

são estabelecidas: alunos formados, evasão, reprovação, alunos por sala, etc. A

Figura 7.2 apresenta também os paradigmas da educação e sua relação com os

da produção.

À semelhança de uma linha de montagem, o aluno vai passando pelo

processo de produção - os semestres letivos e as respectivas disciplinas. A cada

fase do processo de transformação, pontos de controle (avaliação) são

estabelecidos, para garantir padrões mínimos de qualidade, como na

manufatura. Isto significa para o aluno, obter uma nota mínima em cada

disciplina, para que possa prosseguir no seu processo de formação.

Nesse processo, os professores têm uma participação muito importante,

porque são os agentes de transferência do conhecimento, em última instância, o

agente da mudança. Mas, nem sempre o professor está ciente da sua

responsabilidade nesse processo de transformação, e acaba padronizando o

conhecimento e, por decorrência, o aluno. A qualidade da educação cai quando

avaliada pela dimensão do aprendizado.

O processo de formação de uma pessoa fica comparável a passar por

um túnel com uma altura máxima definida. Os que excedem essa altura, terão

que se curvar. Aqueles que têm mais conhecimento, uma habilidade definida ou

uma inteligência diferente, acabam limitados em algum aspecto de sua formação,

quando se deparam com esse processo de formação.

Page 84: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -74-

PROCESSO DE PRODUÇÃOPROCESSO DE PRODUÇÃO

PRODUÇÃOARTESANAL

PRODUÇÃOEM MASSA

PRODUÇÃOENXUTA

ESPECIALIZAÇÃOCUSTOMIZAÇÃOEQUIPAMENTOS FLEXÍVEISPRODUÇÃO UNITÁRIA

BAIXA ESPECIALIZAÇÃOPRODUTOS PADRONIZADOSEQUIPAMENTOS DEDICADOSALTA PRODUÇÃO

ESPECIALIZAÇÃOPRODUTOS QUASE EXCLUSIVOSEQUIPAMENTOS FLEXÍVEISALTA QUANTIDADE

Q U A L I D A D EPASSADO FUTURO

PROCESSO EDUCACIONALPROCESSO EDUCACIONAL

EDUCAÇÃOPOR

MENTORES

EDUCAÇÃOEM MASSA ?

• CUSTOMIZAÇÃO• EDUCAR MEMBROS DA CORTE (FAMÍLIAS)

• ÊNFASE NO PROCESSO• PONTOS DE CONTROLE• PADRONIZAÇÃO CONHECIMENTO• ESPECIALIZAÇÃO

REQUISITOS HUMANOS EDUCACIONAIS TECNOLÓGICOS

Figura 7.2 - A Qualidade na Educação à Semelhança do Processo de Produção.

O mesmo conhecimento é colocado à disposição de pessoas diferentes,

sem a consideração explícita das suas necessidades e potencialidades. Surge o

“indivíduo padronizado”, onde as especificações já foram definidas a priori

(aquilo que ele deve aprender). A vantagem que esse modelo trás é a

distribuição de conhecimento a um número maior de pessoas (vide Figura 7.3).

Page 85: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -75-

Figura 7.3 - Distribuição do Conhecimento Gerando Padronização dos Indivíduos.

A questão da padronização de conteúdo, no tempo e no espaço, e do

indivíduo em formação é bem retratada na metáfora, intitulada: “A escola dos

Animais”, cuja autoria não foi possível resgatar.

“Certo dia, os animais decidiram fazer algo significativo. Resolveram

organizar uma escola. Criaram um currículo que envolvia corrida, escalada,

natação e vôo. E, como de praxe,os animais teriam que participar de todas as

atividades.

O coelho destacou-se na corrida, mas teve uma contratura muscular de

tanto praticar natação.

O pato saiu-se muito bem na natação, na verdade melhor que seu

instrutor, mas como não foi bem na corrida, teve que ficar depois do horário

treinando corrida. Por conta disso, seus pequenos pés-de-pato foram tão

exigidos, que seu desempenho na natação foi apenas regular, mas isso não

incomodou ninguém, a não ser o pato.

O esquilo era ótimo na escalada, mas ficou totalmente frustrado nas

aulas de vôo, pois seu instrutor o fez começar do chão ao invés de começar

pelo topo da árvore. Ele ficou com cãimbra de tanto praticar o exercício e só

obteve nível C na escalada e nível D na corrida.

Educação Tradicional Ganho devido à

padronização

Quantidade de pessoas

Conhecimento

Page 86: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -76-

A águia era severamente punida por gostar de ser diferente. Nas aulas

de escalada, ela ganhou de todos, mas insistiu em usar seu próprio jeito de

chegar lá”.

Moral da História: Cada criatura tem seu próprio conjunto de habilidades, nas

quais ela vai brilhar naturalmente, desde que não seja

forçada a conformar-se com um molde que não lhe serve.

Assim como a manufatura caminha para a produção enxuta, a educação

em engenharia caminha na direção de um novo paradigma, que ainda não tem

um nome consensual, mas que já estabeleceu os pontos de sustentação das

mudanças que se aproximam.

7.2 - O Papel do Professor

Especificamente em termos da educação, um fator que prenuncia as

mudanças é a necessidade de definir novos mecanismos que facilitem o acesso

ao conhecimento. Tradicionalmente, era o professor quem detinha o

conhecimento, pois ele tinha as facilidades de acesso aos livros, revistas e

informações. Ao aluno cabia recorrer ao professor, como fonte do

conhecimento, ainda que recebesse somente parte dele.

Nesse modelo, o aluno vai a escola buscar conhecimento especializado,

mediante a interação com o professor. Como pode ser observado, o papel do

professor é extremamente importante nessa relação, um papel tão importante

e ao mesmo tempo tão pouco valorizado. Parece que não foi percebido que o

professor é o elo de ligação entre aquele que aprende e o conhecimento .

A mudança começa a ocorrer na medida em que a tecnologia permite

ao aluno buscar o conhecimento sem a participação direta do professor. Esse

atalho muda fundamentalmente a relação de ensino, o professor (instrutor)

deixa de ser o único elo com o conhecimento, conforme ilustra a figura 7.4.

Page 87: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -77-

Nesse contexto, verifica-se que a educação tradicional é focada no

ensino, isto é, na definição da estrutura curricular, do sistema de avaliação e no

estabelecimento daquilo que é entendido como necessário e suficiente que uma

pessoa saiba sobre os diferentes domínios.

Figura 7.4 - A Tecnologia Criando Acesso Direto ao Conhecimento.

Currículo, avaliação e conteúdo, combinados com o que o professor

tem facilidade para ensinar, leva à convergência, que é o primeiro estágio da

padronização do indivíduo em formação.

Perpetua-se o dilema entre o que o professor precisa ensinar (legislação)

e aquilo que ele gosta ou sabe fazer, entre aquilo que o professor ensina e o

que o aluno gostaria de aprender. Divergências surgem quanto aos estilos

(preferências) de ensino e de aprendizagem.

Como uma conseqüência natural, o aprendizado, entendido como o

resultado do processo de ensino, está baseado na solução de problemas

“escolhidos”, mediante a aplicação de uma seqüência de passos pré-

estabelecidos. Isto quer dizer que o ensino ocorre mediante um “livro de

receitas”, onde o ponto fundamental é a acumulação do conhecimento e a

capacidade de reproduzir esses conhecimentos em situações controladas,

definidas ou estruturadas. Assim, a formação profissional está apoiada no

CONHECIMENTO

PROFESSOR (INSTRUTOR)

ALUNO

TECNOLOGIA

Page 88: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -78-

desenvolvimento da habilidade de resolver problemas, com pouca ênfase na

estruturação do processo decisório.

Resumindo, o ensino tradicional não resiste à obsolescência do

conhecimento e conseqüentemente do profissional colocado no mercado de

trabalho. Valoriza a idéia da eficiência no uso dos recursos e orienta a gestão

para os aspectos internos da organização, perdendo suas relações com o

mercado, sociedade e empresas. É fruto de uma visão reducionista, onde é

aceita a idéia de que o todo pode ser repartido em partes, e onde a ênfase

repousa na solução das partes, na busca de técnicas de solução, em outras

palavras do “como fazer”, em detrimento de “o que fazer” (BELHOT, 1996).

O ensino tradicional focaliza o conteúdo, em parte “propriedade” do

professor, que é o único especialista dentro da sala de aula, que transmite o

conhecimento em sessões programadas em duração e local. A teoria

apresentada não é contextualizada, e os problemas resolvidos em sala de aula,

normalmente, estão longe da realidade. Os professores não aceitam idéias e

opiniões diferentes das suas, são infalíveis e criam pânico nos alunos.

7.3 - Os Pilares de Sustentação

Falando das condições de contorno impostas ao ensino pelas mudanças

que se avizinham, FEHR (1996) comenta que a principal característica da nova

era, e que define o fim da época industrial, é a gradual extinção do emprego em

sua forma tradicional, onde o cérebro substitui o braço. Em termos práticos,

significa que a presença física, em determinado local, por determinado tempo,

não é mais condição necessária. Serão exigidos resultados, com qualidade e em

tempo hábil.

Transpondo para o ambiente acadêmico, essa afirmação implica na

reconsideração dos valores vigentes. Não mais importará quantas aulas o aluno

assistiu e, sim, quanto ele aprendeu e com que eficiência. O professor não mais

Page 89: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -79-

deverá valorizar quantas aulas ministrou, mas o quanto contribui à formação dos

alunos.

Nas suas colocações, Fehr deixa claro a importância do fator tempo,

como sendo a segunda condição de contorno mais crítica que se modificou. O

tempo necessário para absorver a quantidade de informação gerada, não é mais

suficiente nos moldes atuais do ensino baseado na transmissão. E, nesse aspecto,

a explosão da informação tem uma conseqüência profunda na relação aluno-

professor. Não se pode exigir hoje, como no passado, que o professor saiba

tudo sobre a disciplina que ministra.

O quadro não estaria completo sem a consideração explícita da

tecnologia. Há duas razões básicas que atestam sua importância na educação: a

exigência dos empregos e a variedade de modalidades de aprendizado que a

tecnologia proporciona. Os empregos de alta qualificação do futuro exigirão

familiaridade com a tecnologia. Com a rapidez que o mundo evolui, todos

precisam se tornar aprendizes, e a formação do indivíduo deve privilegiar o

desenvolvimento das habilidades necessárias para continuar aprendendo.

Uma vez identificado o que está mudando, é preciso discutir para o que

mudar e, nesse sentido, alguns parâmetros já foram definidos:

1) ÊNFASE NA APRENDIZAGEM

A substituição do paradigma do ensino pelo da aprendizagem, procura

valorizar e estimular o que estudante precisa aprender e não somente o que o

professor (instrutor) é capaz de ensinar (treinar). Nesse sentido, começam a ser

propostas algumas teorias apoiadas na idéia de que os indivíduos devem ter a

chance de “construir” seu conhecimento, dentro dos seus padrões e de seu

interesse. É o paradigma construcionista (KAFAI & RESNICK,1996).

Em decorrência, novos papéis devem ser desempenhados pelo aluno e

pelo professor. O estudante sai de uma situação de passividade e de aprendiz, e

passa a atuar, em algumas situações, como especialista. O professor (instrutor)

Page 90: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -80-

deixa de ser o elemento de convergência, o centro do conhecimento, para ser

um facilitador do aprendizado.

O que o processo de ensino tradicional ainda tem de valor para

oferecer é a comunicação face-a-face, que ocorre quando as pessoas dividem o

mesmo espaço ao mesmo tempo. Mas, será necessário reavaliar: O que fazer

nesses momentos? Quantos desses momentos serão necessários? Qual a

estrutura de suporte necessária para dar nova vida a essa forma de interação?

Alguns pontos merecem uma consideração especial:

• A atividade de ensino que, no modelo tradicional da instrução, é voltada ao

professor e à didática, deve ser mais interativa e voltada ao aluno.

• O papel do professor, de narrador de fatos e especialista, deve ser

substituído pelo de colaborador, facilitador e às vezes aprendiz.

• O papel do aluno, por sua vez, deve passar de ouvinte passivo e aprendiz, a

colaborador ativo e às vezes especialista.

• O conceito de conhecimento não mais deve estar associado a acumulação, e

sim à capacidade de transformação da informação em novos

comportamentos.

• O trabalho deve ser projetado para o grupo, para o coletivo, e não mais

para ser realizado por uma pessoa.

• A idéia de quantidade deve ser substituída pelo conceito de qualidade.

• Tratar a tecnologia como um componente e complementar ao currículo,

evitando a luxúria e a veneração da tecnologia.

2) APRENDER A APRENDER

As pessoas adquirem algo em torno de 20% de seu conhecimento, por

meio da educação formal. O restante é obtido por sua própria iniciativa, o que

impõe uma nova habilidade no aprender.

Isto significa abandonar os jargões, as estruturas e comportamentos

cristalizados, em favor de novos hábitos e atitudes. É a dicotomia entre o velho

Page 91: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -81-

e o novo. O novo não é bom só por causa da novidade, e o velho não pode

ser descartado só porque é velho. Em cada caso é preciso saber :

• O que descartar (o que não quero mais do velho).

• O que preservar (o que ainda quero do velho).

• O que incorporar (o que quero do novo).

Essas mudanças deverão ser analisadas, questionadas e então assimiladas.

Nesse sentido, o conhecimento é o primeiro passo, para que o indivíduo possa

mudar sua atitude (a partir da mudança de seus valores pessoais) e,

posteriormente, mudar seu comportamento (influenciando outras pessoas). Em

resposta, surgirão novos ambientes de aprendizagem e treinamento, valorizando

o trabalho em grupo e tirando proveito das múltiplas inteligências e da liderança

compartilhada. É o indivíduo buscando e construindo seu conhecimento, com

iniciativa e apoiado pela tecnologia.

A teoria das múltiplas inteligências desenvolvida por GARDNER(1993)

afirma que cada pessoa tem componentes de sete inteligências. Para cada uma,

serão apresentadas as características que descrevem a maneira de aprender ou

de reagir ao ambiente (os que tem aptidão para..., que gostam de...):

1. Linguística - está relacionada às palavras e à linguagem escrita e falada. É

responsável pela produção da linguagem, incluindo a poesia, o contar-

estórias, as metáforas, raciocínio abstrato, leitura e escrita. O perfil aponta

para a capacidade de explicar, ensinar e aprender, senso de humor, memória

e lembrança, e entendimento da ordem e do significado das palavras.

2. Lógico-Matemática - normalmente está associada ao raciocínio científico ou

indutivo e às vezes dedutivo. Envolve a capacidade de trabalhar com

símbolos (números e formas geométricas) e com modelos.

3. Intrapessoal - está relacionada à auto-reflexão, à metacognição (reflexão

sobre o refletir) e à sensibilidade frente aos aspectos espirituais. As

características indicam concentração; percepção e expressão dos diferentes

Page 92: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -82-

sentimentos íntimos; auto-confiante e auto-motivado, gosta de trabalhar

sozinho; demonstra capacidade de abstração e de raciocínio.

4. Visual / Espacial - apoia-se na capacidade de visualização espacial de um

objeto e na criação de imagens mentais. O perfil aponta para a percepção

acurada de diferentes ângulos, representação gráfica, manipulação de

imagens, formação de mapas mentais e imaginação ativa.

5. Musical - sensibilidade aos sons do ambiente, dos ritmos e batidas, e

manipulação de instrumentos musicais. Caracteriza-se pela facilidade de

reconhecimento da estrutura musical, esquemas para ouvir música, criação

de melodias e ritmos. Pode ser encontrada nos compositores, músicos, nas

bandas, na companhias de dança, nos publicitários.

6. Corporal / Cinestésica - relaciona-se com o movimento físico e com a

habilidade do corpo para expressar uma emoção, praticar um esporte.

Aprende fazendo. O perfil indica funções corporais desenvolvidas; alerta

através do corpo; controle dos movimentos voluntários; habilidades

miméticas.

7. Interpessoal - está baseada no relacionamento interpessoal e na

comunicação. É cooperativo, demonstra habilidade para trabalhar em grupo.

Tem bom relacionamento social e facilidade de entender as pessoas. Às

vezes é manipulador. Manifestam facilidade na criação e manutenção da

sinergia; superação e entendimento do próximo; percepção e distinção dos

diferentes estados emocionais das outras pessoas; e comunicação verbal e

não-verbal.

Segundo essa proposta, o ensino tradicional enfatiza os dois, ou no

máximo os três, primeiros tipos dessa lista. Os demais estudantes que tenham

os outros tipos estão em desvantagem. Esta proposta teve grande impacto na

pedagogia, uma vez que cada uma dessas sete inteligências representa canal

aberto para a aprendizagem.

Page 93: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -83-

Esse fato é um desafio a ser vencido pelos professores, por exemplo,

para atender a um aluno que aprende através do movimento (corporal) e,

certamente, terá dificuldades em permanecer sentado. A permissão para se

movimentar, ou o trabalho com movimento (imagens animadas), pode

estimular seu aprendizado.

A melhoria do ambiente de aprendizagem também pode ser conseguida

por meio da utilização do construtivismo, uma estratégia educacional que está

apoiada nas idéias de que o aprendizado é um processo onde o conhecimento

deve ser passado a partir de experiências reais; e que as pessoas devem

envolver-se com o desenvolvimento de “produtos” que tenham significação

pessoal. Maiores detalhes podem ser obtidos em KAFAI & RESNICK (1996).

3) VISÃO SISTÊMICA

Trocar o enfoque do reducionismo pelo expansionismo, que é uma

forma de analisar um objeto em relação ao sistema mais amplo no qual ele está

inserido, é um elemento importante no entendimento do fenômeno da

globalização. Traduz-se no mapeamento das variáveis (ambientais) que fazem

parte do sistema amplo e na identificação das relações de influência, isto é,

como o sistema influencia e é influenciado por essas variáveis.

Em termos práticos, significa reconhecer no mercado as ameaças e as

oportunidades e internalizá-las através de procedimentos e ações (Figura 7.4).

O engenheiro é o produto final de um curso de engenharia, que utiliza

uma estrutura curricular como processo de transformação. O insumo vem do

mercado e o produto final vai para o mercado (sistema mais amplo).

As disciplinas que compõem a estrutura curricular são, em última

instância, as responsáveis pela preparação profissional. É através delas que se faz

a exposição da teoria e que se coloca o aluno em contato com os problemas

que deverá enfrentar.

É notório que esse processo de transformação é dependente de

múltiplos fatores, do aluno (sua história), dos professores (suas experiências e

Page 94: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -84-

especialidades), das disciplinas (conteúdos e duração) dos recursos disponíveis

(físicos, instrucionais e tecnológicos). É óbvio também que não cabe outra

análise a esse processo que não seja global, holística.

Page 95: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -85-

Figura 7.4 - Identificação das Variáveis do Macro-Ambiente e de suas Relações de Influência, Gerando as Ações Internas Necessárias ao Equilíbrio do Sistema.

7.4 - Conclusão Parcial No 3

O processo de mudança deve iniciar-se através da compreensão, isto é,

o indivíduo deve em primeiro lugar ter acesso ao conhecimento. No caso em

questão, corresponde a conhecer os conceitos pedagógicos básicos e a sua

contextualização.

Em seguida, vem a fase de domínio, onde o indivíduo começa a aplicar

os conhecimentos recebidos, adquire consciência, e dá início ao processo de

mudança dos seus valores pessoais.

No momento em que a tecnologia é dominada, e os resultados

começam a ser obtidos, vem a etapa da divulgação. Nessa fase, o indivíduo

muda seu comportamento individual, e começa a influir no comportamento do

grupo.

A Figura 7.5 ilustra essas etapas, e a sua estrutura deve ser interpretada à

semelhança da construção de um castelo de areia. A segunda camada de areia

SISTEMA

INTERNALIZAÇÃO

Variável Ambiental

Alunos Empresas

Sociedade Ameaças

e Oportunidades

Macro-Ambiente

Page 96: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -86-

só é colocada depois que a primeira estiver bem compacta e, assim

sucessivamente.

As mudanças de comportamento exigem tempo e suas dificuldades

crescem proporcionalmente à profundidade com que elas devem ocorrer.

VARGA (1994) cita, apesar de paradoxal, que as pessoas mais difíceis para

mudar de opinião, ou de mais difícil entendimento, em ordem decrescente, são:

• os professores universitários;

• os dirigentes de orgãos públicos;

• os dirigentes de grandes empresas e organizações.

MUDANÇA DE VALORES PESSOAISINCORPORAÇÃO NO DIA-A-DIA

APRENDIZADO

INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTODO GRUPO

DIVULGAÇÃO

DOMÍNIO

CONHECIMENTO

Figura 7.5 - Conhecimento Gerando Mudanças a partir de Novas Atitudes e Comportamentos.

Na era do conhecimento, o nível de capacitação do indivíduo e da

empresa passa a ser fator determinante de sua sobrevivência. Assim, é

imperativo superar as barreiras pessoais e culturais associadas à introdução de

Page 97: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

OS NOVOS PARADIGMAS -87-

novas tecnologias, principalmente a da informação e da comunicação, e de

novas estratégias educacionais.

Algumas soluções como o Ensino a Distância e a Universidade Virtual

começam a lembrar o movimento em direção à produção enxuta, com o

objetivo de manter as vantagens da educação em massa, preservando as

potencialidades do indivíduo. As empresas começam a reconhecer no elemento

humano seu principal recurso e mais valioso ativo.

O processo de transmissão do conhecimento conta com alguns aliados

importantes como a Internet, a vídeoconferência, a teleconferência e a

multimídia, entre outros. A utilização de treinamento baseado em computador

tem propiciado substanciais economias de custos no treinamento de seus

funcionários, quiosques multimídia são colocados no chão-de-fábrica para

fornecer aos operários acesso permanente à Intranet, disponibilizando

informações sobre processos de produção, equipamentos etc..

A tecnologia aproxima as pessoas, as comunidades e os países, e

possibilita que informação e conhecimentos possam ser trocados com muita

facilidade. Apesar disso, a comunicação face-a-face não fica desvalorizada, ao

contrário ela se enriquece e se torna mais complexa. A complexidade se deve

ao fato de que o valor não estará mais no domínio da informação, mas no

serviço de filtrar o caminho através da informação.

O que está em jogo é a tradição versus inovação, mecanismos de

manutenção contra mecanismos de adaptação. O primeiro protege contra

mudanças bruscas e indesejáveis e o segundo procura incorporar as mudanças

necessárias para a sobrevivência.

Como treinar e como criar um ambiente propício ao aprendizado são as

próximas questões a serem abordadas. O aprendizado envolve a disposição

para experimentar, para adquirir novos conceitos e para inovar nos métodos de

ensino e de treinamento, de modo que novas idéias possam ser colocadas em

prática.

Page 98: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -88-

8 - A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA

O modelo adotado para a educação em engenharia força as instituições

de ensino a uma gestão voltada para “dentro de si mesma”, buscando a

execução das suas operações com eficiência. Desse modo, as decisões são

tomadas, utilizando dois critérios básicos:

1) A experiência acumulada, onde a direção a ser seguida depende do sucesso

de uma ação anterior, empreendida em circunstância semelhante.

2) Um modelo de referência, na maioria das vezes copiado de outra instituição.

Em ambos os casos, não são levadas em consideração a vocação, as

competências, as mudanças e as influências do ambiente externo e interno. O

ensino de engenharia (tradicional) parece estar fechado para as relações com o

mercado, com a sociedade e com as empresas, e para a incorporação de novos

métodos e técnicas educacionais.

Deve ser lembrado, que uma decisão não se transforma necessariamente

em uma ação que modifique uma condição existente. Ela pode simplesmente

transformar o procedimento operacional de uma rotina estabelecida, ou ser a

origem de uma mudança significativa. Assim, quando um problema é detectado,

sucedem-se as decisões que podem ser: rotineiras, inovadoras, improvisadas ou

planejadas.

Orientar a escolha dos parâmetros apropriados a um modelo

educacional é um problema difícil e, ao que consta, pouco explorado na

literatura. Parte-se do pressuposto que o sistema existente é adequado e

procura-se melhorar seus aspectos operacionais.

Page 99: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -89-

No entanto, corrigir deficiências ou resolver corretamente problemas

específicos de um sistema que não está ajustado às necessidades e exigências do

mercado, leva a idéia ardilosa de melhoria ou eficiência.

Devido à busca incessante pela eficiência e em parte pelo modismo,

diversas técnicas, métodos e programas desenvolvidos nos vários países são

incorporados ao ensino de uma maneira isolada, procurando otimizar partes de

um sistema, que são interrelacionadas e interagentes. É preciso combater a idéia

de que a montagem de partes eficientes leva a um todo eficiente. Nessa

direção, toda e qualquer iniciativa que seja empreendida levará a alguma

melhoria, mesmo que temporária, mas não em termos de eficácia global.

A tão importante definição dos objetivos de uma disciplina, (por que

ensinar) não passa de uma mera descrição dos tópicos que serão abordados.

Isso pode ser comprovado pela simples observação dos objetivos atestados no

programa da disciplina.

Ao estabelecimento daquilo que será ensinado e sua organização (o que

ensinar) responde-se com a experiência de anos, dando o mesmo tratamento

teórico, prático e tecnológico a questões diferentes. As revisões curriculares,

pouco freqüentes, têm na legislação a sua “camisa de força”.

Sem falar nas técnicas de ensino e recursos instrucionais utilizados (como

ensinar), que na maioria das vezes não resistem a uma análise crítica quanto a

sua adequação e aplicação.

Esse modelo tem seu auge na avaliação, que mede basicamente a

capacidade do aluno de reproduzir situações discutidas em sala de aula,

mediante a aplicação de uma prova. Na maioria das vezes o professor avalia o

que foi ensinado e não o que aluno aprendeu.

Tomando o ciclo de ensino e de aprendizagem como ponto de

referência (vide figura 8.1), constata-se que a atividade de ensino está

fortemente baseada nas etapas “O QUE” e “COMO”, restringindo-se a aulas

teóricas (com excessivo e, às vezes desnecessário, grau de detalhe) ou aulas

práticas (onde o problema já foi isolado de seu contexto e dos outros

problemas com os quais tem relações de dependência e interação). Nota-se

Page 100: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -90-

também pouca preocupação com os aspectos ligados ao planejamento do

ensino, no que se refere às estratégias de ensino e à consideração explícita dos

estilos de ensino e de aprendizagem.

8.1 - Explorando Possibilidades

A partir do ciclo de ensino e de aprendizagem, podem ser estabelecidas

quatro abordagens diferentes, compatíveis com cada uma das etapas, a saber:

prospectiva, formativa, prescritiva e construtiva. A seguir, são exploradas as

características de cada uma dessas abordagens, e o seu enquadramento dentro

do ciclo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, é estabelecido um referencial

teórico para o enquadramento e desenvolvimento de estratégias educacionais.

NOVASSITUAÇÕES

CONTEXTUALIZAR

JUSTIFICAR

CONCEITUALIZAR

RESOLVER

TESTAR

O QUE

POR QUEE-SE

COMO

FORMATIVA

CONSTRUTIVA

PRESCRITIVA PROSPECTIVA

Figura 8.1 - O Ciclo de Ensino e de Aprendizagem e as Estratégias Educacionais.

Page 101: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -91-

8.1.1 - A Abordagem Prospectiva

Na primeira etapa do ciclo de aprendizado deve ser discutido o

contexto da disciplina ou de um tópico. É nesse momento que se apresentam

as diferentes situações que ocorrem, sua importância relativa, a justificativa de

estudá-las e a relevância dos problemas associados. É a fase de preparação do

aluno (convencimento e motivação) para a apresentação da teoria e dos

conceitos. A realidade deve ser desvendada para o aluno, mostrando o seu

objeto de trabalho, os problemas comumente encontrados. No entanto, o que

é observado comumente, é que entre as situações apresentadas uma é

priorizada (ou relacionam-se algumas), e para ela a atenção estará voltada,

discutindo-se o que é preciso saber para equacioná-la e resolvê-la.

Para esta fase, o professor deve usar a abordagem prospectiva. A

estratégia é selecionar e arranjar os estímulos ambientais, para que a realidade

possa ser caracterizada e percebida.

Os alunos criativos e inovadores devem ser atingidos neste momento,

pois têm facilidade para propor alternativas, reconhecer problemas e

compreender as pessoas.

Por seu lado, os professores devem procurar desenvolver a cooperação

e a discussão sobre a vida profissional e social, por meio do questionamento e

da discussão de valores e significados em sala de aula.

Segundo essa abordagem, o professor influencia os valores e crenças,

transferindo o seu conhecimento e experiência por meio de perspectivas,

teorias pessoais, estruturas de referência, modelos, concepções, visão de

mundo, etc. Enfim, tudo aquilo que possa ser usado para dar sentido prático à

teoria e seu impacto na vida profissional futura.

Experiências passadas são úteis para ajudar a entender o futuro. A

veracidade desta frase decorre da importância que o momento histórico tem

na decisão tomada. Por isso, mais importante que entender a decisão, é analisar

o contexto em que ela foi tomada.

Page 102: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -92-

A motivação para o aprendizado depende muito do que é feito, e dos

recursos utilizados nesta etapa. Como se trata de uma etapa introdutória, deve

estar apoiada no contato com a realidade, por meio de visitas técnicas, palestras

de especialistas, leitura de artigos ou mesmo estudo de caso.

A abordagem do estudo de caso tem muita utilidade para destacar

interrelações, apesar de ter sido muito criticada, e ter tido pouco impacto no

ensino de engenharia, por fornecer uma visão estática, e de um particular

momento no tempo. Entretanto, algumas considerações podem ser feitas sobre

as características dos problemas abordados, particularmente quanto a sua

estruturação, às informações e a lógica necessárias para sua solução. Essas

dimensões podem se combinar de diferentes maneiras, dando origem a

problemas que atendem a diferentes objetivos educacionais.

A observação da Figura 8.2, que reúne as três dimensões, permite

concluir que muitas das vezes os casos utilizados nas atividades de ensino

representam combinações inadequadas, para a finalidade a que se propõem.

Para começar uma combinação ajustada seria: um problema bem

estruturado, onde todas as informações estão disponíveis e, que exija o mínimo

de lógica para a sua solução. É um tipo de problema que aceita uma única

solução, o que pode ser apropriado para chamar a atenção de um determinado

conceito ou temática.

As outras combinações representam possibilidades mais complexas, que

exigem um raciocínio mais profundo e mais experiência, sendo, portanto,

indicadas para uma outra etapa do ciclo, onde o que se espera do aluno é a

capacidade de compreender e analisar situações novas, a partir da variação de

alguns parâmetros da condição inicial do problema.

Page 103: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -93-

POUCO

POUCAS

MUITO

MUITAS

COMUM

LÓGICA EXIGIDA PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA

QUANTIDADE DE INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS SOBRE O PROBLEMA

GRAU DE ESTRUTURAÇÃO DO PROBLEMA

Figura 8.2 - Dimensões do Problema e suas Combinações, Resultando em Diferentes Graus de Dificuldade e de Objetivos.

8.1.2 - A Abordagem Formativa

Na fase “O QUE”, o aluno terá contato com os conceitos que

solucionam o(s) problema(s) exposto(s). Neste ponto o aluno deve estar

interessado (estimula) para conhecer a forma de resolvê-lo(s).

A teoria motiva naturalmente os alunos que têm um perfil mais reflexivo,

que são estimulados pelo valor da lógica de uma idéia e pelo uso de dedução

na solução de problemas. É nessa etapa que a maioria dos professores se

sentem confortáveis, pois a eles cabe a transmissão dos conhecimentos e essa

Page 104: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -94-

atividade depende, normalmente, de seu conhecimento teórico, e sua

motivação reside na demonstração de sua habilidade e especialidade.

Nesta fase, o aluno deve ter a sua disposição modelos, regras de decisão

e instrumentos de medida, que aprofundem suas percepções pessoais sobre os

problemas e que ofereçam um caminho para a sua solução. A abordagem

formativa assegura a racionalidade, apresentando um padrão de

comportamento, sustentado por um conjunto de axiomas como, por exemplo,

linearidade e transitividade. Deve ser desenvolvida a habilidade de formulação

do problema e de construção de modelos.

Neste particular vale a pena ser observado com que tipo de problema

os estudantes se defrontam, em termos de estrutura e do nível organizacional

onde o problema ocorre. A partir da Figura 8.3 pode ser observado que as

técnicas de solução a serem exploradas devem ser compatíveis com o

problema apresentado.

A estruturação do problema representa uma escala que varia de mal-

definido a bem-definido, com base na percepção de quem vai resolvê-lo. O

nível organizacional no qual o problema ocorre, envolve questões operacionais

do dia-a-dia, ou aspectos estratégicos (de sobrevivência) de longo prazo. Outro

aspecto a ser considerado é a urgência de solução do problema, que varia de

uma crise reativa, a uma oportunidade proativa.

Problemas operacionais são mais adequados para o treinamento de

formulação e modelagem e, conseqüentemente, para a sedimentação das

diversas técnicas de solução. A maioria dos casos encontrados na literatura

normalmente enfocam os aspectos estratégicos de sobrevivência de uma

organização, que naturalmente têm baixo grau de estruturação.

Já os cursos de engenharia preferem enfocar os problemas muito

estruturados e de caráter operacional. São problemas que normalmente

aceitam uma única solução ótima, e que acabam por reforçar a aplicação de

uma seqüência de passos para a obtenção da solução, quando o conceito de

solução em engenharia, normalmente aponta para uma gama de alternativas

(tecnologia) e não para uma única verdade.

Page 105: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -95-

As responsabilidades do professor envolvem, além da definição do

conteúdo e da seqüência em que será apresentado, a definição dos recursos

instrucionais que serão utilizados. Assim, a forma escolhida para a transmissão

do conhecimento também deve receber uma atenção especial, particularmente

as apoiadas pelo computador.

O desenvolvimento de sistemas computacionais de apoio ao ensino

respondem adequadamente ao desafio colocado pela globalização e pelo

excesso de informações. Contudo, a sua utilização não deve ser norteada pelo

simples domínio da tecnologia, e sim, como uma resposta pedagógica às

necessidades atuais.

POUCO

OPERACIONAL

CASOS DE

ADMINISTRAÇÃO

TÁTICO

ESTRATÉGICO

FORMULAÇÃO

PROBLEMASDE

CURSOS DE

ENGENHARIA

MUITO GRAU DE ESTRUTURAÇÃODO PROBLEMA

CRISE

OPORTUNIDADE

NÍVEL ORGANIZACIONAL

Figura 8.3 - Alternativas de Ensino Decorrentes da Combinação da Estruturação do Problema e do Nível Organizacional.

Atualmente, o domínio da informática é uma das principais habilidades

exigidas do engenheiro. Essa habilidade inclui, também, o saber como usar os

pacotes comerciais voltados para as questões de engenharia ou da gestão da

empresa. A familiaridade com o computador vem a partir do uso nas diferentes

situações em que ele pode ser empregado, seja por meio de softwares

Page 106: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -96-

comerciais, seja por meio da exposição a sistemas computacionais de apoio ao

ensino, com todos os recursos tecnológicos disponíveis.

No momento atual, o uso do computador nas atividades de ensino e de

treinamento assume um importante papel, o de colocar professores e alunos,

juntos, no caminho do aprendizado. A sobrevivência está em jogo para ambos,

a adaptação às novas condições do mercado é imprescindível, para nele

permanecer, e de uma forma competitiva.

8.1.3 - A Abordagem Prescritiva

Na etapa “COMO”, os problemas identificados e priorizados são

resolvidos, por meio da teoria apresentada. É neste momento que o aluno

integra a teoria à prática, dentro de um contexto. É onde pode fazer sentido

encontrar primeiro a solução ótima. O professor deve estimular a

produtividade e a competência, bem como as habilidades necessárias para ser

um bom engenheiro.

A abordagem prescritiva caracteriza-se pela forma de utilização dos

valores para melhorar a tomada de decisão, explicitando de forma clara os

objetivos, as hipóteses, as alternativas de ação e os critérios de avaliação,

conforme Figura 8.4.

ESTADOINICIAL

(HIPÓTESES)

CRITÉRIO

CRITÉRIO

ESTADOFINAL

ALTERNATIVASPOSSÍVEIS

ALTERNATIVASVIÁVEIS

ALTERNATIVASDESEJÁVEIS

Figura 8.4 - Processo de Decisão Caracterizado pela Aplicação Sucessiva de Critérios para Seleção de Altermativas.

Page 107: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -97-

Esta etapa encarrega-se da obtenção da solução do problema, mediante

a utilização de diferentes técnicas e algoritmos. É o problema identificado na

primeira etapa, sendo resolvido a partir dos conceitos fornecidos na segunda

etapa do ciclo referenciado na Figura 8.1.

O computador passa a ser utilizado como um facilitador do processo de

obtenção da solução, mediante a aplicação de rotinas computacionais, que

reduzem o tempo e aumentam a confiabilidade da resposta. É o computador

no seu uso mais convencional, e para o qual foi projetado - fazer cálculos com

rapidez e precisão.

Devido a essa capacidade, o computador acabou sendo utilizado para

resolver problemas cada vez mais complexos, que dependiam do entendimento

e consideração simultânea de diversos parâmetros. É a simulação, usada para

gerar, testar e resolver problemas.

Desenvolvimentos em hardware e software, como por exemplo a

multimídia , o CD ROM, e a própria Internet, têm dado um grande impulso a

novas áreas de pesquisa que procuram facilitar a introdução do computador no

ensino e na aprendizagem, melhorando a interface homem-máquina.

Durante muito tempo, o ensino de engenharia foi baseado na visão

reducionista, que está apoiada na idéia de que a solução de um problema maior

pode ser obtida pela reunião das soluções dos subproblemas, oriundos da sua

decomposição. Sob essa orientação reducionista, a ênfase repousa na obtenção

desses pequenos problemas e, naturalmente, ocorre a busca por técnicas novas

e cada vez mais eficientes. É a valorização do “como fazer”.

Atualmente, devido à globalização e ao excesso de informações, é

preciso valorizar o planejamento, isto é, “o que fazer”. A ênfase deixa de estar

na aplicação correta da seqüência de passos, e passa a ser valorizado o

diagnóstico do problema, a análise da decisão e a priorização de problemas

potenciais. Por essa razão, o próximo quadrante deve ser visitado.

Page 108: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -98-

8.1.4 - A Abordagem Construtiva

Depois que os estudantes tenham tido contato com a formulação,

análise e solução de problemas que correspondem à primeira faixa da Figura

8.2, isto é, problemas bem-estruturados, com muitas informações disponíveis, e

que exigem uma lógica comum; outros problemas mais complexos podem ser

utilizados.

Os problemas semi-estruturados, onde só as informações mínimas

necessárias estejam disponíveis e que exijam uma boa dose de lógica

especializada para sua solução, são apropriados nesta etapa do ciclo de ensino e

de aprendizagem. É o caso dos problemas abertos, onde uma boa solução deve

ser escolhida entre as diferentes alternativas levantadas. A ênfase recai no

levantamento e na análise das conseqüências e impactos das diversas

alternativas; na definição dos recursos necessários e na avaliação da

probabilidade de cada alternativa atingir o objetivo. Nessa direção, o

construtivismo pode ser utilizado para dar forma a uma proposta..

O construtivismo é tanto uma teoria de aprendizagem, quanto uma

estratégia para a educação e, está baseado em dois preceitos básicos” (KAFAI &

RESNICK, 1996):

• aprendizado é um processo ativo, onde o indivíduo ativamente “constroi” o

conhecimento a partir de suas experiências no mundo real; e

• aprendizado é mais eficiente, quando as pessoas estão envolvidas em criar

“produtos” que tenham significação pessoal.

As pessoas podem estar criando poemas, esculturas, máquinas ou

programas de computador. O que realmente importa é que elas estejam

ativamente engajadas na criação de algo que faça sentido a elas e as pessoas à

sua volta.

A utilização do construtivismo na etapa “E-SE” facilita a integração da

experiência, a aplicação da indução na resolução de problemas, da criatividade e

da discussão de novas situações. O professor estimula a aprendizagem

Page 109: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -99-

experimental e a auto-descoberta (aprender a aprender), para expandir os

limites intelectuais dos seus alunos.

Hoje em dia, deve-se valorizar a complexidade e magnitude dos

problemas reais, dando oportunidade aos estudantes de manipulá-los, em um

ambiente controlado. Uma estratégia educacional que está sendo utilizada com

sucesso, no meio acadêmico, é combinar simulação (softwares comerciais) com

o uso intensivo de estudos de caso. Essa estratégia estende a gama de decisões

que podem ser tomadas, e vai além da simulação e estudos de caso

convencionais. Além do mais essa combinação facilita a aprendizagem através

do “fazer”.

Na maioria dos casos o conhecimento prático do engenheiro é

adquirido por meio da experiência no trabalho. Como isso pode ser muito

caro, tanto em termos de custo como de tempo, o estudante deve ganhar essa

experiência ainda dentro da escola, em um ambiente livre de riscos.

Novamente a simulação passa a ser relevante

O uso da simulação no ensino não é novo. Contudo, o uso da simulação

como uma ferramenta isolada tende a simplificar o ambiente, restringir o

escopo do problema e excluir o envolvimento do ser humano. Os

desenvolvimentos mais recentes se encarregam de superar essas questões.

A partir dos jogos, jogos de empresas, entre outros, os estudantes

podem ganhar experiência nas decisões de caráter tanto estratégico como

operacional, através de exercícios intensivos de simulação, que podem ser feitas

pelo computador, ou não. Cabe ressaltar que a introdução de novas

tecnologias no ensino, principalmente as baseadas no computador, deve

relacionar todos os elementos envolvidos no processo, conforme ilustrado na

Figura 8.5. Um primeiro aspecto a ser lembrado é que os recursos necessários

de hardware e de software devem estar disponíveis para uso do professor e

dos alunos. Em segundo lugar, é preciso criar a cultura do uso do computador

nas diversas etapas do ensino e da aprendizagem. Isto significa, inclusive, planejar

as atividades de treinamento, sem o que há o risco da falta de uso da

tecnologia, pela falta de habilidade de usá-la.

Page 110: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -100-

Fica claro que fornecer aos estudantes conhecimento, experiência e

entendimento da realidade requer uma estratégia educacional. É nesse sentido

que foram apresentados o ciclo de ensino e de aprendizagem e as abordagens

para que sirvam de referência para a melhoria do processo educacional, para o

entendimento das diferentes propostas pedagógicas que surgem, e para

fornecer aos professores um referencial teórico na proposição de novas

estratégias educacionais, com participação efetiva dos alunos.

Figura 8.5 - Elementos Envolvidos no Processo de Ensino e de Aprendizagem apoiado pelo Computador.

A seguir são apresentadas algumas propostas que podem ser

encontradas na literatura, e que podem ser devidamente enquadradas no ciclo

de ensino e de aprendizagem, visando ao seu aproveitamento na educação em

engenharia.

ENSINO APOIADO

POR COMPUTADOR

ADEQUADO

APROPRIADO

POSSÍVEL

ENSINO FORA

DA SALA

DE AULA

USO (DOMÍNIO)

COMPUTADORACESSO AS

REDES DE

INFORMAÇÃO

FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL

Page 111: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -101-

8.2 - Alternativas de Ensino-Aprendizagem

Comentando sobre os sistemas interativos de ensino, PALADINI (1995)

afirma que há mais eficiência na aprendizagem se o aluno assumir uma postura

ativa durante a transmissão de informações. Mas, essa proposição pode ser

considerada, se não nova, no mínimo pouco aplicada na prática diária das

universidades.

A opção pelo método tradicional da transmissão deve-se ao fato de

exigir pouco do professor em termos de criatividade, mantendo-o em uma

situação de relativa comodidade, que se perpetua pela falta de motivação para

reverter esse quadro.

Os elementos necessários para tal mudança já são conhecidos, é preciso

colocá-los em prática. O primeiro passo é enfatizar a aprendizagem. Em

segundo lugar, estimular o aluno a “construir” seu próprio conhecimento,

permitindo que ele descubra as informações a partir dos dados básicos que lhe

são fornecidos. Finalmente, é importante conhecer e utilizar as propostas

existentes, e analisar o seu potencial de aplicação segundo um padrão de

referência.

Nesse contexto, o ciclo de ensino e de aprendizagem pode ser usado

como ponto de referência para o enquadramento das diferentes estratégias

educacionais disponíveis. Para reforçar essa afirmação, são apresentadas a seguir

algumas alternativas de ensino e de aprendizagem.

8.2.1 - Jogos

Os jogos são interações competitivas, limitadas por regras para alcançar

um objetivo específico que depende de habilidades, e normalmente envolve

chance e imaginação. Nas regras são estabelecidas as condições dentro das quais

o jogo deve transcorrer: tempo de duração, o que é permitido e proibido, os

valores intrínsecos e um indicador do fim do jogo. (RANDEL et. al. 1992).

Page 112: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -102-

Diferentes tipos de jogos estão disponíveis na literatura, e alguns

começam a ser empregados na educação em engenharia.

1) O JOGO SIMULADO

A simulação é utilizada por muitas razões, mas o propósito principal é

ajudar a entender e resolver problemas complexos e reais, construindo uma

versão simplificada do problema ou sistema. O modelo do processo ou do

mecanismo, relaciona as variações dos parâmetros de entrada, às saídas obtidas

(resultados), por meio de uma representação simplificada da realidade. Nesse

caso, diferentes situações são simuladas, e as conseqüências analisadas, sem

prejuízos reais ou danos materiais ou morais. No jogo simulado, as pessoas são

estimuladas a tentar novamente, o erro pode significar aprendizado.

O jogo simulado pode ser usado para analisar o estado atual de um

processo ou para projetar um novo, para testar a funcionalidade do processo

projetado e no treinamento de pessoal.

Os diversos softwares disponíveis no mercado permitem que diferentes

fenômenos possam ser estudados e analisados a partir da desenvolvimento de

um modelo. Os recursos vão além da modelagem matemática, permitindo a

visualização de operações, movimentos, locais, etc. A computação gráfica deu

nova vida à simulação convencional.

2) JOGO DE EMPRESA

Neste caso, a estrutura é a mesma do jogo simulado, onde as situações

simuladas são específicas da área empresarial. Além do aprimoramento das

habilidades técnicas, vivenciando situações rotineiras à empresa, este tipo de

jogo estimula a interação pessoal, pois para atingir os objetivos, os jogadores

dependem do processo de comunicação e de negociação. As aplicações mais

comuns deste tipo de jogo são:

Page 113: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -103-

a) Jogos de Comportamento: visam basicamente o desenvolvimento dos

aspectos comportamentais, enfatizando a

cortesia, o relacionamento em grupo, afetividade,

confiança, motivação, para atingir o

desenvolvimento pessoal e um tipo de

dramatização.

b) Jogos de Processo: visam o aprimoramento das habilidades técnicas,

reproduzindo as situações enfrentadas no dia-a-dia.

Todas as áreas de uma organização podem ser objeto

de um jogo.

c) Jogos de Mercado: guardam as mesmas características do jogo anterior,

exceto quanto à área de aplicação, que neste caso

reproduzem as situações de mercado.

Para as organizações, a simulação é um método que favorece a

aprendizagem, e pode ser aplicado para a empresa como um todo, ou focado

em alguma área específica, como por exemplo, no processo de produção.

Quando utilizado na fase de análise, o jogo permite que todos os

participantes tenham uma visão do estado atual do processo sob análise, a partir

de um entendimento de toda a cadeia, com seus pontos fortes e fracos. Pode

ser utilizado para mostrar as interdependências entre diferentes departamentos

e atividades, e para valorizar a cooperação e comunicação. Além disso, o jogo

de empresa pode ser utilizado para o treinamento dos funcionários, antes da

implantação de um novo processo (HAKAMÄKI & NYBERG, 1996; JONES,

1985; WOLFE, 1985).

Quando utiliza jogos de empresa, o professor passa a ter um novo

conjunto de papéis: (i) o de pesquisador, que adquire novo conhecimento; (ii) o

de desenvolvedor, que desenvolve o jogo, apropria programas de aprendizado,

e projeta a interface entre o conhecimento e o estudante; e (iii) o de guia,

conduzindo o estudante na trilha do conhecimento.

Page 114: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -104-

3) ROLE PLAYING GAME (RPG)

Surgiu nos Estados Unidos, em 1974, com a proposta de criar a

necessidade prática do aprendizado de determinado tema, estimulando o bom

humor e da imaginação dos participantes, que tomam decisões nem sempre

previsíveis.

O RPG não é competitivo, vencer não é a questão, mas sim utilizar a

inteligência e a imaginação para, em conjunto com os demais participantes,

buscar as melhores respostas para a situação proposta ou sob análise. É um

exercício de diálogo, de decisão em grupo e de consenso.

Na sua forma tradicional, é jogado verbalmente, mas outras formas

podem ser estabelecidas, como, por exemplo, pelo computador. O grupo

transporta-se, pela imaginação, para o cenário da aventura, que pode ser o

contexto empresarial, ou uma situação específica de produção. Não há

necessidade de material extra, mas podem ser utilizados.

A base do jogo é a criatividade. O jogador elabora seu personagem

através de regras adequadas à situação, que determinam as suas ações durante

o jogo. Nesse processo, todas as características do indivíduo florescem, as ações

podem ser analisadas em relação à pertinência e abrangência, processos

cognitivos são evidenciados, indicando o caminho da aprendizagem.

Demonstrar a importância dos conteúdos programáticos que não

tenham aplicação imediata, fica facilitado, porque o RPG estimula os diferentes

sentidos e estimula a manifestação das diferentes inteligências. A utilidade de

determinado conceito será demonstrada, colocando o aluno em uma situação

da qual só se sairá bem se souber usá-lo, e tudo dentro da sala de aula. É uma

maneira de valorizar a comunicação face-a-face. Mais informações podem ser

obtidas em MARCATO (1996).

Page 115: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -105-

8.2.2 - Aprendizagem Baseada em Problemas

A aprendizagem baseada em problemas (Problem-Based Learning - PBL),

no seu nível mais fundamental, é um método instrucional caracterizado pelo

uso de problemas reais, como o contexto para que os estudantes aprendam a

ter uma postura crítica e as habilidades necessárias para resolver problemas,

além de adquirir conhecimento dos conceitos essenciais. Usando PBL, os

estudantes adquirem habilidades mais duradouras, que incluem a capacidade de

descobrir e usar os recursos de aprendizagem apropriados.

As tarefas de um ambiente de aprendizagem baseada em problemas

incluem:

• determinar se o problema existe;

• fazer uma descrição exata do problema;

• identificar as informações necessárias para entender o problema;

• identificar os recursos necessários para coletar as informações;

• gerar as soluções possíveis;

• analisar as soluções; e

• apresentar essas soluções oralmente ou por escrito.

Este método, utilizado para engajar os estudantes no processo de

aprendizagem, está apoiado em dois pontos básicos da teoria cognitivista. O

primeiro é que os estudantes trabalham nos problemas percebidos como

significativos ou relevantes, e o segundo é que as pessoas tentam obter mais

informações quando colocadas frente a uma situação que elas não entendem

prontamente.

Simplificadamente, o processo se inicia com o professor apresentando o

problema aos alunos, que em grupos pesquisam, discutem, obtém explicações,

Page 116: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -106-

soluções ou recomendações. É um processo iterativo, composto dos seguintes

passos:

1. Forneça o problema - apresente aos estudantes um problema mal-

estruturado ou um cenário, sobre o qual eles não tenham conhecimento

suficiente para resolvê-lo. Isto significa que os estudantes deverão obter as

informações necessárias sobre o problema, aprender novos conceitos ou

princípios, assim que se comprometem com a solução do problema.

2. Liste o que é conhecido - em grupos, os estudantes listam o que conhecem

sobre a situação apresentada. Esta informação é colocada sob o título: “O

que nós sabemos?” Pode incluir os dados do problema ou alguma

informação baseada em conhecimento prévio.

3. Faça a definição do problema - a definição do problema deve ser feita a

partir da análise do que os estudantes sabem. Essa definição provavelmente

será revista, conforme novas informações sejam obtidas. As definições típicas

são normalmente baseadas em incongruências, discrepâncias, anomalias, ou

nas necessidades de um cliente.

4. Liste o que é necessário - os estudantes devem descobrir as informações

necessárias para o entendimento e solução do problema. Uma segunda lista

deve ser preparada com o título: “O que precisamos saber?” Esses quesitos

irão guiar as buscas, que podem ser feitas on line, na biblioteca, ou em

qualquer outro lugar fora da sala de aula.

5. Liste as possíveis alternativas de ação e os critérios — nesta fase e sob o

título: “O que devemos fazer?”, os estudantes listam as ações a serem

tomadas (por exemplo, consultar um especialista), formulam e testam

hipóteses alternativas.

6. Apresente e defenda a solução proposta - como parte do fechamento, os

estudantes podem comunicar oralmente ou por escrito suas descobertas e

recomendações. O pacote deve incluir a definição do problema, questões,

Page 117: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -107-

dados obtidos e a análise dos dados que dá suporte às soluções ou

recomendações.

Os estudantes devem ser encorajados a repartir as informações on line

com estudantes, inclusive de outras escolas, fazendo uso das tecnologias

disponíveis. Devem ser estimulados a dividir seu trabalho, através da delegação

de tarefas. Alguns estudantes devem estar trabalhando no computador,

enquanto outros buscam informações ou usam referências escritas, entrevistam

especialistas ou utilizam outros recursos audio-visuais.

Trabalhar em um problema mal-estrutrado tem por finalidade levar o

aluno à percepção de que precisam de mais informações, que as inicialmente

apresentadas. As informações não disponíveis vão ajudá-los a entender o que

está ocorrendo e a decidir quais ações, se alguma, são necessárias para resolver

o problema. Nesse tipo de problema não existe um caminho certo ou receita

fixa para conduzir a investigação.

Cada problema é único, e muda conforme novas informações vão sendo

obtidas. Os processos de obtenção de informações são variados, e levam os

estudantes a buscar novos, quando os atuais estão esgotados ou por interação

com outros estudantes. Os estudantes tomam decisões e resolvem problemas

reais, com base no processo definido pelo grupo o que significa a não existência

de uma única resposta ótima.

Estudantes acostumados com aulas tradicionais baseadas no”giz e cuspe”

podem se sentir pouco confortáveis com o formato do P.B.L. durante algum

tempo. Ao professor cabe convencer os alunos de que eles são pesquisadores

procurando por informações, e que os problemas podem não ter uma única

resposta correta. Os alunos normalmente querem saber o que é que eles

realmente têm de fazer. Eles esperam que o professor prescreva o que deve

ser feito. Os alunos acostumados com o “livro de receitas” podem se sentir

desconfortáveis com os papéis a desempenhar no P.B.L..

Os professores que não estão familiarizados com a aprendizagem

baseada em problemas (P.B.L.) podem ter certas surpresas na sua aplicação.

Page 118: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

A BUSCA DE UM MODELO DE REFERÊNCIA -108-

Trabalhar com um método de ensino não convencional pode, a princípio,

parecer perigoso, amedrontador e incerto. O professor não pode conduzir o

raciocínio dos alunos, com o risco deles acharem que há uma solução ótima, e

que ela pertence ao professor. Nas primeiras tentativas, o professor pode ser

tentado a dar muita informação aos estudantes, palavras-chave ou simplificar em

demasia o problema. Cenários complexos têm se mostrado eficientes para

aumentar a motivação e o engajamento dos alunos.

Ao utilizar o método P.B.L. nas aulas, os professores devem agir como

conselheiros metacognitivos, servindo como modelo, pensando alto junto aos

estudantes e exercitando o comportamento que se espera deles. Os estudantes

devem se acostumar a questões do tipo: O que está acontecendo aqui? O que

mais precisamos saber sobre? O que foi feito de modo efetivo?

Diversas obras de referência podem ser consultadas sobre o assunto,

que oferecem uma vasta relação de referências bibliográficas sobre P.B.L.

(SOUTHERN ILLINOIS UNIVERSITY, 1996; BARROWS, 1995).

Page 119: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

CONSIDERAÇÕES FINAIS -109-

9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo VASILCA (1994), existem três objetivos fundamentais que a

moderna educação em engenharia deve contemplar. Em primeiro lugar, deve

dotar o aluno com um conhecimento que tenha profundidade e cobertura. Em

segundo lugar, deve garantir que sua formação esteja ajustada à demanda, atual

e futura, das instituições. E, por fim, garantir a melhor fundamentação para que

o engenheiro tenha empregabilidade e capacidade de se atualizar durante a vida

profissional, dando-lhe a capacidade de aprender a aprender.

Alguns especialistas recomendam que a educação duradoura deve

valorizar a modelagem de atitudes, valores e hábitos que promovam o

crescimento pessoal. Os estudantes de engenharia devem adquirir capacidade

de raciocínio, habilidade em tomar decisões, resolver problemas e interpretar

resultados computacionais corretamente.

É preciso mudar a orientação e compatibilizá-la com o momento atual.

Voltar os olhos para o mercado, identificar as ameaças e oportunidades e

internalizar ações que ajustem o processo de transformação ou o processo de

formação do engenheiro .

Definir o que é desejado e então estabelecer quais os recursos

necessários para alcançar esse objetivo, é uma atitude compatível com as

exigências de qualidade e produtividade no ensino de engenharia. Abandonar a

idéia ilusória de eficiência em favor da eficácia significa reconhecer que, mais

importante que usar bem os recursos para fazer bem feito, é fazer bem feito a

atividade correta.

Apesar dessas idéias não serem novas, nem tampouco desconhecidas, os

aspectos cognitivos embutidos nelas não são discutidos. O processo educacional

influencia o modelo mental de cada indivíduo, que é responsável pelas suas

Page 120: reflexões e propostas sobre o "ensinar engenharia" para o século xxi

CONSIDERAÇÕES FINAIS -110-

interpretações e reações às diferentes situações futuras. Esse modelo também é

influenciado por outros elementos como ilustra a Figura 9.1.

INTERPRETAÇÕESEXPERIÊNCIA

PASSADASITUAÇÕESFUTURAS

REAÇÕES

MODELO EVENTOS

AÇÕES

MODELO MENTAL

EXPERIÊNCIA

PROCESSO FÍSICO

INFLUÊNCIAS SOCIAIS

AÇÕES

INTERPRETAÇÃOAPRENDIZADOFORMAL SUBJETIVA

Figura 9.1 - Fatores que Determinam a Formação do Modelo Mental e sua Influência nas Ações Decorrentes.

O modelo mental sintetiza nossas crenças, valores e conhecimento, e é

responsável por nossas ações. Essas ações são escolhidas a partir da comparação

do evento com um modelo de referência. Todas situações vivenciadas

compõem a experiência passada e a partir desse histórico nascem as reações e

interpretações das situações futuras que iremos vivenciar. Alguns elementos

influenciam o modelo e/ou são influenciados por ele, indicado por setas duplas,

(BELHOT, 1996).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS -111-

Esse processo é um ciclo, onde o ensino contribui para a formação de

valores e a aquisição de conhecimento que, quando colocados em prática,

geram as habilidades necessárias para a sobrevivência profissional.

Como pode ser observado, os aspectos cognitivos do aprendizado não

podem ser visualizados e são de difícil avaliação. O professor, efetivamente, não

sabe o que o aluno aprendeu, se aquilo que foi ensinado ou o que o aluno

queria aprender. Assim, é possível que valores e crenças negativas sejam

incorporadas, o que levaria à busca de conhecimento incorreto e ações

equivocadas.

É necessário que o engenheiro desenvolva a capacidade de se adaptar à

nova realidade, criando as oportunidades de trabalho e não simplesmente

explorando as existentes, bem como prepará-lo para planejar com criatividade

e flexibilidade, e não mais reproduzir soluções conhecidas .

As questões que se colocam são: Como preparar esse novo tipo de

engenheiro? Como estruturar a Educação em Engenharia para enfrentar os

desafios e oportunidades do Século 21?

É condição básica que os estudantes devam não só conhecer as técnicas,

mas principalmente saber porque e quando aplicá-las. Deve ser lembrado

também que a obsolescência pode vir a ser um problema, uma vez que o

processo de formação em engenharia permanece apoiado em um corpo

relativamente estável de conhecimentos técnicos gerados nos últimos anos. O

ciclo de vida da tecnologia está cada vez mais curto, quando comparado ao

ciclo de vida da educação em engenharia, o que exige um cuidado adicional

naquilo que é ensinado nas escolas.

Um novo papel para o professor e para o aluno é esperado nesse novo

cenário. Mais ênfase será dada ao aprendizado. Nesse sentido, a tecnologia deve

ser um forte aliado do processo de ensino-aprendizagem.

O futuro, certamente, será diferente do passado e do presente, e por

essa razão não podemos continuar ensinando aquilo que foi ensinado, e do

mesmo modo. Trabalho em grupo, liderança compartilhada, múltiplas

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CONSIDERAÇÕES FINAIS -112-

inteligências, contexto e não conteúdo, em breve farão parte do jargão do dia-

a-dia dos profissionais e das empresas.

HOSAIN (1994) cita uma frase dita pelo Professor Laurie Kennedy da

Universidade de Alberta, Canada:

“...nós estamos no negócio de educar engenheiros, não no de treinar

técnicos, o (e) se completa com (e); o (t) com (t) “.

É para o negócio de educar engenheiros que são feitas as propostas do

ciclo de ensino e de aprendizagem, e as abordagens correspondentes a cada

uma de suas etapas. As pesquisas esperadas a partir deste ponto referem-se à

validação do ciclo, como uma estrutura de referência, e à busca de propostas

educacionais e pedagógicas associadas a cada uma das etapas do referido ciclo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -113-

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