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ORGANIZAÇÃO SOCIAL DE BASE Reflexões sobre significados e métodos

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ORGANIZAÇÃOSOCIAL DE BASE

Reflexões sobre significados e métodos

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Aécio Gomes de Matos

2003

sérieDEBATES

eAÇÃO

Volume 4

ORGANIZAÇÃOSOCIAL DE BASE

Reflexões sobre significados e métodos

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Ficha Bibliográfica

Matos, Aécio Gomes de, 2003 –Organização social de base: reflexões sobre significados e

métodos / Aécio Gomes de Matos, Brasília: Núcleo de EstudosAgrários e Desenvolvimento Rural – NEAD / Conselho Nacionalde Desenvolvimento Rural Sustentável / Ministério do Desen-volvimento Agrário, Editorial Abaré, 2003.

104 p.

1. Ciências Sociais. 2. Organizações Sociais. I. Núcleo de Estu-dos Agrários e Desenvolvimento Rural – NEAD. II. ConselhoNacional de Desenvolvimento Rural Sustentável. III. Ministériodo Desenvolvimento Agrário. IV. Editorial Abaré. V. Aécio Go-mes de Matos. VI. Título.

CDU 300306

A responsabilidade pelas opiniões contidas nos livros, artigos e outras contribuiçõescabe exclusivamente ao(s) autor(es), e a publicação dos trabalhos pelo NEAD não constituiendosso das opiniões neles expressa e sim exclusivamente o cumprimento do papel defomentador de debates e estudos das realidades territorial e agrária.

Da mesma forma, a referência a nomes de instituições, empresas, produtos comerciais eprocessos não representam aprovação pelo NEAD, bem como a omissão do nome dedeterminada instituição, empresa ou produto comercial ou processo não deve ser interpretadacomo sinal de sua aprovação por parte do NEAD.

A reprodução total ou em parte deste livro, por qualquer meio, somente pode ser feita coma expressa e formal autorização do(s) autor(es) e informada aos editores. Em qualquer hipótesedeve-se citar a fonte.

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Sumário

Prefácio 7

I – Introdução 11II – Uma retrospectiva da organização

popular no Brasil 24

III – A dialética da organização social 43

IV – Os fundamentos da organização social de base 53

V – A importância da organização na base 76

VI – Referências metodológicas 89

VII – À guisa de conclusões 96

Referências bibliográficas 98

Sobre os autores 101

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Prefácio

Não é de hoje que a "mobilização das massas"merece um tratamento crítico por parte do

pensamento social. Ortega y Gasset partilhava domesmo temor de Tocqueville quanto ao perigo do"plebeísmo", do império absoluto e imediato da"vontade popular". Rousseau distinguia ossentimentos expressos – aqui e agora – pela maioriados indivíduos da "vontade geral", mais consistente ede acordo com os ditames da razão. John Stuart Milltambém se insurgiu contra o perigo da ditadura damaioria. E a própria tradição marxista sempreestabeleceu uma nítida separação – cujos resultadosnem sempre foram edificantes para a democracia, nãose deve esquecer – entre os interesses imediatos dosoperários e sua consciência revolucionária.

Dirigir um olhar que permita pensar criticamentesobre a própria "voz de Deus" (a voz do povo) fazparte da melhor reflexão na história das Ciências Sociais.O livro de Aécio Matos não se limita, entretanto, areforçar esta tradição crítica. Ele reconhece que a"organização de massa" – tal como se exprime emmovimentos determinados – é uma das fontes devitalidade da própria democracia e não, fundamen-talmente a origem potencial de sua destruição.

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Compreendê-la exige, porém, um estudo queenvolva duas outras esferas. Em primeiro lugar, elese volta às formas institucionalizadas destamobilização. Condições necessárias para amobilização social, a própria estabilidade dasorganizações acaba por conter em si relações deautoridade nem sempre compatíveis com oflorescimento das práticas democráticas. Weberacreditava que mesmo as organizações mais libertáriassó se estabilizariam por meio de certas formas dedominação. Aécio se insurge, de certa forma, contraesta regra geral e postula o que Weber enxergaria comouma espécie de quadratura do círculo: ofortalecimento das práticas participativas, como formade democratizar as próprias organizações populares.Aécio conhece especialmente bem as organizaçõesmais expressivas das lutas sociais no campo e,portanto, identifica de maneira interessante seu alcancee seus limites, neste sentido.

Mas para isso é necessário identificar uma outra esferaque imprime todo interesse ao trabalho de Aécio Matos:são as formas moleculares de organização social, vividaspelos indivíduos no seu próprio cotidiano, asorganizações de base, a sociabilidade mais elementardas pessoas. Seu livro expõe um conjunto de eventoshistóricos cuja base é exatamente esta organização socialmais primária dos indivíduos e grupos sociais.

Situado na fronteira entre a psicologia social e asociologia, Aécio Gomes de Matos percorre uma

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vasta bibliografia contemporânea, para enfrentar umapreocupação central: como impedir que a mobilizaçãodas massas se converta no seu contrário, isto é, numexercício de manipulação em que os própriosinteressados acabam por renunciar a sua identidade ea seu poder em benefício de formas convencionaisde dominação? A questão existe desde o início dasciências sociais modernas e percorre o trabalho dosclássicos do pensamento social.

No momento em que a mobilização social adquireum peso tão importante na própria execução daspolíticas públicas – e não só em um conjuntodeterminado de reivindicações – o trabalho de Aécioadquire importância ainda maior.

Tão importante quanto seu arsenal teórico são asrecomendações metodológicas e militantes voltadasa reduzir a importância de novas formas dedominação que sempre acabam por acompanhar – efrustrar – os processos emancipatórios. Mas que oleitor não espere conselhos: este livro é um convite aque a intervenção transformadora na vida social nuncaabandone a salutar prática da auto-reflexão.

Ricardo Abramovaywww.econ.fea.usp.br/abramovay

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IIntrodução

No momento em que o país inicia a gestão de umgoverno popular, nascido das bases organizadas quese constituíram no Partido dos Trabalhadores econquistaram a Presidência da República e a maiorbancada do Congresso Nacional, nos parece defundamental importância uma reflexão sobre osprocessos de organização social e, em particular,sobre os fundamentos da sustentabilidade que seconstituem na base da nossa sociedade.

Não restam dúvidas sobre a evolução do processodemocrático que o nosso país experimenta desde os anos80, nem sobre o crescimento das organizaçõesrepresentativas dos trabalhadores e dos movimentossociais que ajudaram a escrever a história das duas últimasdécadas, com as lutas pela anistia, pelas “diretas já”, pelacassação dos mandatos eletivos de um presidente daRepública e de inúmeros parlamentares pilhados emesquemas de corrupção e de quebra de decoro.

Mas, apesar de tudo, não podemos nos vangloriarcomo se a tarefa da democracia já tivesse sido

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completada. O avanço político que conseguimos atéaqui precisa ser sistematicamente analisado numaperspectiva histórica, com atenção para oaperfeiçoamento e a sustentabilidade de umademocracia que contemple todos os brasileiros. Umareflexão que, superando a euforia das vitórias recentes,se posicione numa perspectiva crítica sobre o que faltafazer, sobre as fragilidades e potencialidades da nossademocracia e, em particular, sobre a autonomia ecapacidade de iniciativa da organização social donosso povo.

Para aprofundar essa reflexão, propomosinicialmente que se observe com mais atenção oprocesso de organização política da nossa sociedadee, em particular, o poder e a capacidade que ascamadas populares da cidade e do campo têm de seconstituir como sujeitos da sua própria história, semtutelas nem dependências. E que essa observaçãopossa distinguir, não apenas segmentos sociaisdiferenciados, mas também níveis de abrangência dasestruturas organizadas. Só assim poderemos entenderas diferenças entre as organizações de segmentosarticulados, como os operários do ABC e osseringueiros da Amazônia, entre uma organizaçãonacional dos trabalhadores e os sindicatos locais. Doponto de vista metodológico, essa distinção permitiráuma maior clareza do processo de organização social,suas interdependências e contradições internas eexternas aos diversos segmentos sociais.

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Além de permitir o aprofundamento da análise,esse procedimento metodológico de diferenciaçãopoderá facilitar reflexões mais dirigidas para ofortalecimento dos diversos segmentos e níveis daorganização social, contemplando desde asorganizações institucionalizadas no plano nacional até,no outro extremo, os coletivos locais, compreendendodesde a expressão da vontade popular nos processoseleitorais até a participação cidadã nas decisõescomunitárias; da universalidade das normas sociais eda vontade coletiva da maioria ao direito àssingularidades individuais.

Três níveis de organização socialNessa perspectiva, propomos que, para

sistematizar uma reflexão mais aprofundada quecompreenda a complexidade da organização socialnos mais diversos âmbitos da estrutura social, seestabeleça uma segmentação entre os variados níveisde organização da sociedade, do micro ao macro.Temos consciência que um procedimento arbitráriode compreender o todo por meio de umasegmentação, por mais criteriosa que seja, temimplicações reducionistas e pode levar a equívocosde análise para os quais é preciso estar atento.Pretendendo superar essa dificuldade, nos propomosa lançar mão de métodos de análise que, considerandoa integridade do processo social, não escamoteie as

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diferenças e contradições dialéticas, não apenas sobrea diversidade da estrutura social, mas também sobrea própria estrutura da análise e sobre as implicaçõesdos pesquisadores. Atentos, sobretudo, à pretensãodo domínio da verdade sobre a complexidade doprocesso social e às tentações de pretender ditarnormas de regulação social na perspectiva decontornar os problemas encontrados.

As nossas análises sobre a complexidade daorganização social nos levaram a propor a distinçãode três níveis diferenciados, complementares eimbricados na estrutura do processo de organizaçãosocial: a organização de massas, a organização políticae institucional, e a organização de base.

Organizaçãode base

Organizaçãoinstitucional

Organizaçãode massa

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A seguir, procuramos conceituar e esclarecer asdiferenças e complementaridades desses três níveis deorganização, como base para as reflexões que faremosmais adiante.

A organização de massaO primeiro nível de organização de massa é aquele

em que se expressam as mobilizações coletivas maisamplas, envolvendo expressivos contingentes dasociedade com pouca visibilidade para asindividualidades e com uma grande predominânciado anonimato. O fator central de organização é aidentificação com uma causa ou objetivo comum,quase sempre com uma atuação determinante delíderes nos quais se projetam as idealizações coletivase em quem se depositam coletivamente poderes paradirigir e orientar a massa. É nesse nível de organizaçãoque se estruturam as lutas políticas que inscrevem aação dos movimentos sociais acima citados,dinamizando a vida política do nosso país nas duasúltimas décadas, como nos referimos acima.Movimentos que representam, sem dúvida, um graude evolução política de um povo que se posiciona emmassa diante de momentos importantes da vidanacional e cuja ação é determinante nas grandesmudanças dos rumos da sociedade.

É importante considerar aqui que, apesar do enormepoder de transformação desse nível de organização

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social, é preciso estar atento às suas limitações. É precisoconsiderar, sobretudo, o caráter emocional e instáveldo envolvimento das pessoas nesse tipo de mobilização.Primeiramente, chamamos a atenção para os aspectosafetivos dos processos de identificação com modelose referências idealizadas que servem de referênciascoletivas maniqueístas para as abordagens de massa eque funcionam tanto no sentido positivo (referência deidentificação), como no sentido negativo nacaracterização das posições antagônicas. Essasabordagens mobilizam o lado impulsivo docomportamento humano, fundamentalmenteinfluenciado pelas instâncias do imaginário, investidode posições ideológicas que sacralizam e demonizamfiguras públicas ou posturas políticas. Essasmobilizações contam cada dia mais com as tecnologiasdo marketing político, com imagens, cores e símbolosmarcantes, palavras de ordem e músicas que tocamfundo no plano emocional.

Se esse nível organizacional de massas éfundamental para ganhar posições no quadromacropolítico, não parece seguro depositar nelegrandes expectativas de sustentabilidade e de garantiado processo democrático. Considerando o caráterinstável dos comportamentos de fundo emocional,seria conveniente procurar uma maior estabilidade doprocesso democrático em outros níveis deorganização social mais estruturados.

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A organização institucionalizadaO segundo nível de organização a que nos

referimos acima tem um caráter institucional, isto é,se estrutura sistematicamente com base em contratossociais mais ou menos formais, nos quais se ordenamnormas funcionais para a sociedade, os papéis, direitose deveres que regulam as relações sociais. Aconstituição, em nível nacional, a estrutura funcionaldo aparelho do Estado, as empresas privadas e oscódigos que as regem, os partidos políticos, oscontratos de trabalho, os sindicatos e os própriosmovimentos sociais (mesmos os que não têmpersonalidade jurídica) são exemplos da organizaçãoinstitucional a que nos referimos. São estruturas que,pela sua própria essência, gozam de maiorestabilidade, para o bem e para o mal: para o bem,porque é aí que se estabilizam as regras do jogodemocrático que permitem o acesso das forçaspopulares ao poder e à negociação de pactos sociaismais justos; para o mal, porque é também nasinstituições que se cristalizam e se consolidamhegemonias instituídas que tendem a se perpetuar nopoder, em detrimento dos movimentos instituintesde renovação e progresso social.

Existe um interesse especial em tratar a questão daorganização social do ponto de vista institucionalporque desse foco pode-se analisar com mais clareza adialética que se opera entre o lado instituído da

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sociedade, onde se estruturam normas e regras sociaisdeterminadas pelas forças dominantes do cenáriopolítico, e o lado instituinte, onde se instalam as forçasda contestação, da mudança e do desenvolvimento, quefreqüentemente se associam ao nível de organizaçãode massa a que nos referimos anteriormente.

Segundo Lourau (1975:39), a filosofia do direito,desde Hegel, ressalta o lugar do instituído naabordagem institucional, como o momento dauniversalidade que

arrola as normas universais, as formas deregulação estabelecidas, já existentes nos códigos ounos costumes não escritos, (...) função ideológica dodireito, consistindo em tornar evidente, intocável esagrado o que é apenas contingência política, o filósofodo direito, torna-se o filósofo do Estado, legitimandono plano ideológico o que só é justificado pela força.

Na prática, as formas institucionais de organizaçãosocial estruturadas que se encontram no estado, nasempresas, nos partidos, nos sindicatos, nas associaçõesde moradores etc., são resultados da mediação dascontradições dialéticas que envolvem, de um lado, ocaráter instituído das regras que se impõem pela forçado direito, da tradição e da cultura, e, do outro, ainsatisfação com o status quo e a luta permanente pelasmudanças sociais. Compreende-se assim que, emqualquer forma instituída de organização social,sempre haverá as forças da situação em conflito com

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as forças da mudança. A mediação dialética dessasduas tendências opostas, que compõem a essência dosprocessos sociais, será tão mais equilibrada quanto fora simetria do instituído e do instituinte no cenáriopolítico da sociedade. Esse caráter contraditório donível institucional da organização social nos remete,mais uma vez, à questão da sustentabilidade doprocesso democrático, acrescentando que, tanto aestabilidade quanto à instabilidade não são sinônimosdo desenvolvimento e da maturidade de umasociedade. A dialética do processo democráticocompreende a contradição como inerente à naturezada organização social e o conflito criativo como fontede desenvolvimento.

Nessa perspectiva, a estabilidade e o conflitoconfiguram contraditoriamente o grau de maturidadee a saúde do processo democrático. Por isso mesmoas formas de organização instituídas precisam sersimultaneamente sustentadas e criticadas, não havendolugar para uma acomodação, para a defesaincondicional de posições políticas, nem para posturasde vestais intocáveis, por mais honestas e justas quesejam as causas defendidas e a história das organizaçõese pessoas envolvidas.

Outro aspecto importante a ser considerado nadialógica do nível institucional de organização social éa forma indireta de exercício da democracia, uma vezque as instituições hierarquizam a participação por meiode representações que falam e decidem em nome das

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maiorias. Na prática, se estabelecem categorias e níveisdiferenciados de funções e papéis instituídos, comolíderes ou delegados que assumem os espaços de podernas instituições em nome dos segmentos sociais que osautorizam. Constituem-se, assim, diferenças qualitativasde participação política que são tanto maiores quantoàs distâncias entre os representados e seusrepresentantes. O líder fala em nome dos seus lideradoscom o poder correspondente ao capital social daimagem pública do conjunto desses liderados, poderque institucionalmente deve ser usado para exercíciode sua função como representante, mas do qual podese apropriar como prerrogativa pessoal. É assim, porexemplo, que falam os governantes e parlamentares emnome de seus eleitores; é assim que os servidorespúblicos e as autoridades instituídas falam em nomedo Estado; é assim que muitas lideranças se apropriamdos mandatos dos seus liderados em defesa dos seuspróprios projetos pessoais.

Finalmente, chamamos a atenção, nesta altura dareflexão, sobre o caráter impessoal desses dois níveisde organização. De um lado, a unicidade e totalidadeque caracterizam a ação integradora dos movimentosde massa, em que as expressões das singularidadesindividuais tendem a ser desviantes e isoladas comoindividualismos ou simplesmente excluídas; dooutro, a universalidade e o caráter representativo dasinstâncias instituídas que se impõem sobre asinstâncias individuais, determinando modelos de

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conformidade social e um posicionamento coletivoou, por uma gradação hierárquica, que todos devemaceitar, se adequar ou ser submetido. As questõesque se colocam para a democracia nesses níveis deorganização são de ordem prática: como fica oespaço da individualidade no coletivo? Como reduzira essencialidade das prerrogativas individuais àconformidade universal ou a comportamentosmassificados? Sabemos, de nossa própria história,que não se pode compreender a democracia sem asliberdades individuais, não se pode aniquilar aindividualidade, nem as singularidades dos pequenosgrupos sociais sem instrumentos de massificaçãoideológica ou de repressão política, ambosincompatíveis com os preceitos democráticos.

A organização de baseComo pudemos observar pelos comentários

relativos aos dois níveis de organização apresentadosacima, nem o caráter universal da organizaçãoinstitucional, nem a condição impessoal daorganização de massa poderiam esgotar nossareflexão sobre a organização social sem a abordagemda organização de base, onde se pratica umademocracia direta, onde os indivíduos podem falarpor si mesmos em pequenos coletivos locais. Emúltima instância, a base se constitui nos núcleoscomunitários, nas relações de vizinhança, nos coletivos

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de interesse em comum, nos grupos de trabalho, naslutas conjuntas, onde as pessoas se conhecemmutuamente, se relacionam diretamente, umas comas outras e não por intermédio de representantes;escutam-se mutuamente, desenvolvendo laçosafetivos e construindo juntas suas histórias individuaise coletivas. É um espaço onde se pode construir umapráxis pela reflexão crítica das experiências coletivas,onde se pode constituir sujeitos sociais autônomosque se expressam nas relações com outros sujeitossociais, com as autoridades instituídas, com outrossegmentos da sociedade.

Esse nível de organização é o tema central destetexto, resultado de nossas pesquisas e experiências decampo, que tem como objetivo primeiro contribuirpara uma reflexão coletiva sobre as condições doprocesso de organização social, na perspectiva deconsolidação da democracia e de políticas públicasvoltadas para a eqüidade e justiça social. Pensamosque, neste momento, uma reflexão crítica sobre essaquestão poderia ajudar na consolidação dasinstituições democráticas e da vitória das forçaspopulares nas urnas, particularmente pelo necessárioinvestimento nas organizações sociais de base, ondese constrói mais efetivamente a consciência social docidadão com o desenvolvimento comunitário, comofica cada vez mais evidente na atuação articulada dasorganizações da sociedade civil em muitos rincõesdesse nosso país.

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Durante um período recente das lutas políticas noBrasil, a organização de base tornou-se um temaproscrito. A palavra basismo tinha um caráterpejorativo no contraponto dos grupos de vanguardaque assumiam o saber revolucionário em nome dopovo, no pressuposto de que a população alienada nãoconseguiria mudar os destinos do país. Os temposmudaram, os movimentos sociais reinscreveram o temada organização de base numa pauta maiscomprometida com as mudanças e com a democraciado que com projetos quiméricos que passavam ao largodas demandas mais caras às classes populares. É nessedebate que pretendemos nos inserir com esta reflexão.

Numa perspectiva histórica do futuro da sociedadebrasileira, não se pode correr o risco de fundar ademocracia apenas nos movimentos de massa e emestruturas institucionais que ficam ao sabor do contextoeleitoral. Estes dois níveis organizacionais estãopermanentemente sujeitos às condições conjunturais daorientação dos formadores de opinião da mídia demassa, da articulação política das elites nacionais, dosefeitos internos da economia globalizada, das condiçõespolíticas internacionais e do imaginário populardecorrente desses fatores exógenos. Compre-endemosque só com uma organização de base bem articulada épossível garantir a consciência social e oposicionamento cidadão que dará suporte àsinstituições democráticas e à expressão popular, ambasfundamentais ao desenvolvimento humano quepretendemos alcançar no país.

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IIUma retrospectiva da

organização popular no Brasil

Estabelecido o referencial de base de nossareflexão sobre os níveis de organização social e antesde nos aprofundarmos nas questões específicas daorganização de base, será interessante realizar umarápida retrospectiva da evolução das lutas sociais, dasformas de organização e de participação popular nanossa história. Nesta retrospectiva, procuramosobservar, particularmente, qual a contribuição dasmobilizações de massa, das estruturas político-institucionais e das organizações de base popular naconstrução da democracia brasileira, e quais ascontradições e subordinações entre esses diversosníveis de organização.

As elites na história das lutas sociaisSem dúvida, a história do Brasil foi palco de lutas

épicas e revoltas de bases populares, desde osquilombos, que marcaram o final do século XVII. Para

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iniciar, registramos como exemplo, pelo seusignificado simbólico na história das lutas popularesno Brasil, o Movimento Cabanagem que em 1835,mobilizou negros, índios, mestiços e brancos dascamadas mais pobres da sociedade, num movimentoarmado que instalou um primitivo governo popularno Pará e terminou derrotado, numa luta que durouaté 1840, em que morreram mais de 30 mil pessoas.Mas essa luta, com o seu caráter eminentementepopular, tem sido pouco considerada pela nossahistória oficial. Da mesma forma, o movimento social-libertário de Canudos (1874-1897) é referido pormuitos historiadores como fanatismo religioso.

Não obstante esses exemplos que ressaltam aenergia das forças populares, a revisão dosmovimentos e lutas sociais feitas por Gohn (2001),registra uma tendência marcante da liderança dosmovimentos políticos da história brasileira quetomaram corpo em grupos de elite, sejam origináriosdas classes dominantes ou da vanguarda intelectual epolítica. Alguns exemplos típicos colhidos da resenhaque a autora fez desde os primeiros séculos da nossahistória, ajudam a compreender este argumento.

A história da nossa luta contra o domínio colonial,cujo marco simbólico foi a Inconfidência Mineira(1789), considera que a independência “foipromulgada, não pelos líderes que por ela lutaram oupor um líder que tenha chefiado numerosas e gloriosaslutas populares, mas ao contrário, por um príncipe

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herdeiro de uma monarquia decadente, com o apoioda conservadora elite rural do país que andavatemerosa só de ouvir os ecos das lutas que eclodiamna Europa” (id., ibid.:19). De fato, a InconfidênciaMineira, segundo a autora, "foi um movimentocomposto basicamente de elites intelectuais,mineradores ricos e proprietários rurais, além declérigos e militares" (id., ibid.:21).

Da mesma forma, apesar das lutas escravas queprecederam a abolição, desde os primeirosquilombos, o ato de “concessão” da lei áurea terminasendo creditada ao humanismo da princesa Isabel, àspressões inglesas, aos intelectuais, como Castro Alvese Joaquim Nabuco, e até à política das elites agráriaspaulistas, com o viés da colonização européia. Assim,o movimento republicano é associado à lutaabolicionista, como um movimento das elites militarescom respaldo popular, que se expressa na Marcha daVitória, em 15 de novembro.

Há ainda outros exemplos dessa tendência elitistaque vão além do viés dos nossos historiadores. Em1798, a Conspiração dos Alfaiates, considerada aprimeira revolução social brasileira, se inicia pelamobilização de brancos pertencentes às elites baianasque constituíram a Sociedade Secreta Cavaleiros daLuz (influenciados pelas idéias da revolução francesa)articulados com as camadas populares formadas debrancos e negros pobres, artesãos, soldados eescravos. As diferenças sociais se expressavam

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também nas diferenças de objetivos: as elites, numaperspectiva mais revolucionária, os pobres, comreivindicações mais imediatas, os escravos, com suaslutas libertárias. Dissolvida às vésperas de suadeflagração, a conjuração resulta na condenação àmorte de todos os pertencentes às classes populares,enquanto nenhum dos membros da SociedadeCavaleiros da Luz foi condenado (id., ibid.:21).

Da mesma forma, a Balaiada (1830-41), cujo nomese refere a um instrumento artesanal e popular detransporte de mercadorias (o balaio), resultado daarticulação de um conjunto de manifestações popularesno Maranhão, estava intrinsecamente ligada a questõesdefendidas "sob a ótica dos interesses das elites locaisque queriam a expulsão dos portugueses e a restriçãodos direitos dos adotivos" (id., ibid.:32). No RioGrande do Sul, o Movimento Farroupilha (1835-45),considerado um dos maiores movimentos políticos danossa história, foi de fato uma luta das elites gaúchascontra o domínio imperial, uma luta de secessão sob ocomando de estancieiros e caudilhos que armaram umexército de 5 mil homens sem-terra, aos quaisdistribuíam armas, cavalos, roupas, erva-mate e salários.Nos escalões intermediários os caudilhos contaramcom a colaboração de componentes de classes não-populares que receberam terra, gado e escravos pelasua adesão. (id., ibid.:35).

Se não contam toda a história das lutas sociais da nossahistória, esses exemplos já permitem compreender que

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muitas das lutas sociais no Brasil, quando não forammanipuladas pelas elites, foram esmagadas pelo Estadoa serviço das oligarquias dominantes.

A vanguarda nas lutas popularesA segunda década do século XX foi marcada pela

presença das elites intelectuais, militantes e políticas,que constituíram um marco na organização política ecultural do país com o Movimento Modernista, aRevolta dos Tenentes do Forte de Copacabana, afundação do Partido Comunista Brasileiro e a Marchada Coluna Prestes. Aí se articulava uma nova posturado Estado brasileiro, pautada pela ética, pelademocracia e pela modernidade. Esse movimento quecresce politicamente, sem maiores bases populares,atinge seu auge com a fundação da Aliança LibertadoraNacional (1935), que representava as esperanças demodernização da sociedade brasileira, sob inspiraçãodas democracias européias. Esse movimento foiesmagado com poucas e localizadas resistências pelarepressão do Estado Novo que se instala com suaconstituição de inspiração fascista (1937), acabandocom a autonomia dos poderes constitucionais e dossindicatos, fechando os partidos políticos, nomeandointerventores para os estados e instalando o regimede repressão policial até 1945, quando começa umanova fase de liberdades democráticas. Pelas duasdécadas seguintes se reorganizam os partidos de

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esquerda, na esteira dos quais se ampliam asorganizações sindicais e os movimentos populares nacidade e no campo.

Neste mesmo período, começa a mobilização dostrabalhadores rurais com as ligas camponesas quenasceram “entre 1945-46, sob influência e comoinstrumento do PCB no meio rural”, sem conseguir“forjar um movimento de massas de algum vigor queultrapasse os seus próprios limites políticos eorganizacionais” (MORAIS, 1976 apud JACCOUD,1990:32). Segundo a autora (id., ibid.:33), as ligas seexpandem por todo o país, até que foramdesarticuladas em 1947, quando o PCB foi colocadona ilegalidade e se instala um novo período derepressão política. Com a redemocratização, a partirde 1952, e o retorno do PCB à legalidade, o trabalhoé retomado numa perspectiva mais pragmática, comênfase para a sindicalização e para a reforma agrária.Ainda aí se mantém uma orientação de vanguarda,sob a orientação dos comunistas.

Durante os anos 50, surgem vários movimentoslocalizados por todo o país com característicasdiferenciadas, que se articulam nacionalmente, aindapela mão do PCB, como foi o caso da 1ª e da 2ªConferência Nacional dos Trabalhadores Agrícolasrealizadas em 1953 e 54, com reuniões simultâneasem São Paulo e em estados nordestinos, e do ICongresso Nacional dos Lavradores e TrabalhadoresRurais, realizado em Belo Horizonte, em 1961.

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A organização social no campo começa a crescerem ações mais localizadas. Em Pernambuco, segundoJaccoud (id., ibid.:39), as ligas camponesas ganhamforça com o movimento dos posseiros do engenhoGaliléia, que se reforça com o apoio político decisivodos setores progressistas e populares da capital eterminam ganhando o reconhecimento da AssembléiaLegislativa e do Governo do Estado, que faz adesapropriação da área em 1959. Cresce rapidamentea mobilização das ligas no Estado, com uma propostade reforma agrária radical, rompendo com o PCB,em 1961, que se dedicava, então, ao fortalecimentodo movimento sindical, área em que eraindiscutivelmente mais articulado, sem perder aperspectiva da aliança operário-camponesa.

Apesar das Ligas Camponesas terem sido saudadaspela história como um dos mais autênticosmovimentos de base no meio rural brasileiro e, emparticular, nordestino, é importante registrar amarcante presença das elites políticas na sua condução,mantendo assim o viés da condução das lutas sociaispelas elites. Segundo Jaccoud (id., ibid.:37), as ligascamponesas eram

(...) uma estrutura de organizaçãocentralizada e verticalizada, estruturada dacidade para o campo (...) sendo o seu núcleodirigente (o conselho deliberativo) responsávelpor todas as decisões que dizem respeito àsdefinições táticas e estratégicas de ação política,

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bem como as suas articulações políticas comoutros setores da sociedade, atuando como seunúcleo político e ideológico (AZEVEDO,1982:75-76) (...) composto por militantes doPCB, PTB, PSB e tinha como seu presidente dehonra o deputado Francisco Julião.

Sem uma organização de base autônoma que lhesdesse uma maior sustentabilidade, as ligas camponesas,que haviam ressurgido em todo o país, foramcombatidas pelas forças conservadoras e, finalmente,desarticuladas pelos militares após o golpe de Estadode 1964.

A condução dos movimentos sociais pelavanguarda sem uma sustentação correspondente nasorganizações de base levou durante um longo períodode nossa história, à frustração das lutas populares e àconseqüente limitação da mobilização social. A títulode exemplo, para confirmar essa tendência, Gohn(2001:97) registra os conflitos agrários em Goiás, em1955, onde o PCB ajuda os posseiros vindos de váriasregiões do país a constituírem uma associação querendeu um acordo com o Estado para regularizaçãode uma área de 10 mil km2, à qual denominaramEstado Livre de Trombas e Formoso, com umaorientação popular e socialista e que foi desmanteladoem 1964 pelo governo militar. No caso doMovimento de Arrendatários, em Santa Fé do Sul,no Estado de São Paulo, iniciado em 1955, a lutacontra a expulsão durou dez anos, até que em 1964,

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seu líder foi preso, assumindo uma outra liderança deestilo messiânico, mas também terminou preso pelajustiça militar em 1970, sendo liberado em 1979.Registre-se também, pela importância histórica queteve nas origens do MST, a criação em 1960, no RioGrande do Sul, do Movimento dos Agricultores SemTerra (Master), representando 300 famílias deposseiros que viviam há 50 anos numa área de 1.600hectares, inicialmente com o apoio do PTB brizolista,que termina fortemente reprimido no governoseguinte, de Meneghetti.

Desde o início da década de 60 se ampliam nocampo as lutas por objetivos mais próximos dostrabalhadores, como a reforma agrária e a extensãodos direitos trabalhistas e sociais (já conquistadospelos trabalhadores urbanos) aos assalariados docampo, resultando na aprovação do Estatuto doTrabalhador Rural, em 1963, no transitório governoGoulart, quando puderam se expressar de maneiramais aberta às pressões sociais. Novamente, a falta deuma organização política consistente, com sustentaçãonas bases populares que respaldasse essasmanifestações de massa, termina em mais umretrocesso do processo democrático, com o golpemilitar de 1964, praticamente sem resistência.

Para se ter uma idéia da importância das formasinstitucionais de organização, é bom lembrar que foijustamente este estatuto que constituiu a baseinstitucional para a retomada do movimento sindical

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pela Confederação Nacional dos Trabalhadores naAgricultura (Contag), a partir de 1968, em defesa dosdireitos trabalhistas, da previdência rural e de outraslutas que compõem, ainda hoje, a pauta dostrabalhadores rurais.

O projeto de reforma agrária, que não chegou aser votado, foi substituído pelo Decreto 4.504, deiniciativa do governo Castelo Branco (30/11/1964),criando o Estatuto da Terra, até hoje uma dasprincipais referências da política fundiária do país,apesar das suas contradições. De fato, emboraestabeleça, por exemplo, as bases de uma reformaagrária legal, o estatuto garante, de um lado, o direitode propriedade (provavelmente a principal motivaçãodos governantes); de outro, a função social da terra,estabelecendo critérios para a desapropriação porinteresse social, com indenização a preços de mercado.No final das contas, assegurava-se a prevalência dapropriedade à medida que os limites objetivos doprograma federal de reforma agrária ficavamsubordinados às dotações orçamentárias da União,decididas pelo Congresso Nacional, tradicionalmentecomprometido com as oligarquias agrárias, e cujaexecução estava sempre na dependência dasprioridades do poder executivo.

Após o golpe de 64, as organizações clandestinasque mantiveram a resistência ao regime militarreforçam o viés dos modelos de vanguarda, atémesmo pelas condições de segurança necessária à

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defesa contra o aparelho repressivo. Nesse sentido, aluta revolucionária no Brasil continua elitista, tantopelo isolamento imposto pela clandestinidade, comopela postura diferenciada da vanguarda em relação àsmassas populares e às classes médias consideradasalienadas, face ao fundamentalismo ideológico damilitância, como pela distância que se mantinha entreos objetivos da luta clandestina e as necessidades ereivindicações objetivas das classes trabalhadoras edas populações mais pobres.

Consciência e autonomia das organizaçõessociais de base

Finalmente, a redemocratização iniciadatimidamente em meados da década de 70, cria ascondições de reorganização dos movimentos sociais,aproveitando as brechas do regime nos espaçoscriados no partido oficial de oposição, o MovimentoDemocrático Nacional (MDB), onde se trabalhavanuma semiclandestinidade com apoio decisivo de umaparte do clero católico por intermédio dosMovimentos Eclesiais de Base e da Comissão Pastoralda Terra. Foi aí que começaram, efetivamente, osfundamentos dos primeiros movimentos sociais debase popular, particularmente nas regiões onde aestrutura capitalista industrial estava mais bemassentada, no ABC paulista, justamente pelaconsciência social, e a luta de classe tinha uma expressão

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mais arraigada ao cotidiano das lutas salariais. Foinesse contexto que as posturas dos intelectuais deesquerda e as mobilizações das classes trabalhadorasentraram em ressonância e se criaram as bases de ummovimento popular mais conseqüente e com maiorsustentação política, fora das elites.

A importância desse movimento na evoluçãohistórica do processo político brasileiro, ficadefinitivamente marcada pela candidatura de LuizInácio Lula da Silva à Presidência da República, em1990, num ciclo que se completa com a sua eleiçãopara o cargo, em 2002.

O sindicalismo crítico nascido no ABC paulista nãose estrutura apenas na mobilização de massa; ossindicatos se estruturaram com assessorias jurídicasde alto nível e constituíram seu próprio núcleo deanálises (Departamento Sindical de Estudos eEstatísticas Sociais e Econômicas – Dieese), de ondepassaram a argumentar em pé de igualdade com ospatrões e com o governo. Essa nova organizaçãosindical deslancha, em 1978, uma onda de greves quese espalha por todo o país, marcando o níveldiferenciado de organização sindical e política, assimcomo a liderança do operariado do ABCD paulistana vanguarda do processo de democratização do país.

Para compreender esse fenômeno na perspectivada organização e da consciência dos trabalhadores noplano nacional, resgatamos um estudo de

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(FREDERICO, 1978:43) que, para compreender aconsciência operária no Brasil, neste período, lançamão dos referenciais teóricos de Lênin e de Lukácspara distinguir no movimento operário três categoriasdiferenciadas quanto à prática social e quanto ao nívelde consciência de classe:

A) A massa operária: é a classetrabalhadora em si que viveria cegamente adivisão entre a reificação de sua consciênciae a inquietude decorrente da situação de classe.Ela somente pode elevar-se à consciência, istoé, deixar de ser um mero dado objetivo daestratificação social, através da ação que,fornecendo aos trabalhadores umaexperiência nas relações com o patronato, oscapacitaria a desenvolver uma compreensãomais clara de sua situação de classe.

B) Os operários avançados: formam aparte da classe que já participou de diversosconflitos trabalhistas. O que diferencia essesoperários dos demais é a experiênciaadquirida na participação em greves ereivindicações. Essa experiência, formada aolongo da vida profissional, faz com que elessejam cautelosos em relação aos conflitos eespontâneos e realistas quanto ao alcance dasações improvisadas. A experiência dosoperários avançados faz com que eles sejamadmirados e respeitados pelos demais

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operários, que os tomam como um grupode referência nos locais de trabalho, tanto nosproblemas do dia-a-dia quanto nosmomentos de tensão. Pode-se dizer que elessão os líderes naturais da classe que sempreexiste em cada fábrica. Entretanto, aconsciência dos operários avançadosdesenvolvida diretamente na experiênciaprática, é uma consciência empírica epragmática que não pode chegar por si mesmaà apreensão da totalidade.

C) O núcleo revolucionário: forma-seatravés de um processo individual de seleçãoentre os operários mais aptos a assimilar teoriae pô-la em prática. A consciência dessesoperários – sustentada pelo conhecimentoteórico – para alcançar a massa, devenecessariamente passar pela mediação dosoperários avançados e é somente através desua intervenção que os operários avançadospodem ir além de uma consciência sindicalistae influenciar a massa nessa direção.

Nesta perspectiva, o autor justifica o papel davanguarda na organização dos trabalhadores à medidaque compreende que

A consciência da massa operária é uma consciênciadesarticulada que não consegue apreender o sentido domovimento da totalidade; ela apenas visualiza os

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aspectos isolados e externos dos fenômenos,sem se aperceber das oposições e contradiçõesque mantêm a realidade unida. Oconhecimento que a incipiente prática damassa operária permite não vai além dasensação e da impressão.

Dessa forma, para o autor, cuja obra foi escritanos anos 70, a estratégia de um projeto político maisambicioso como o da vanguarda de então, precisariapassar pela ampliação da consciência de classe parauma consciência política, o que teria levado, a nossojuízo, as organizações dos trabalhadores a investirmais na organização institucional do que naorganização de base. Por isso mesmo, a articulaçãoentre os movimentos operários e as novas estruturasde organização política passou a ser o foco centraldos investimentos das forças populares,particularmente enriquecidas com o retorno dosanistiados políticos. De fato, foi justamente a partirdos sindicalistas paulistas, que surgiu o Partido dosTrabalhadores, em 1980, a recriação da Central Únicados Trabalhadores, em 1983, em oposição àConfederação Geral dos Trabalhadores, criada em1982, sob a influência de partidos mais moderados,como o PMDB e o PCB.

Também no meio rural, a redemocratização do paísfortalece as organizações dos trabalhadores com acriação da Contag, constituída com uma grande

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vocação de luta pelas reformas de base, praticamenteàs vésperas do golpe militar de 1964, sofre duramente20 anos seguintes uma forte repressão do regimemilitar, associado às oligarquias rurais. Ficou sobintervenção até 1968, mas se ampliou gradualmente,tendo realizado sete congressos até constituir aestrutura atual que reúne 3.630 sindicatos em todosos estados do país, representando mais de 15 milhõesde trabalhadores rurais.1 Tem hoje como linhasprogramáticas, a defesa dos interesses dos assalariadosrurais; a agricultura familiar; a reforma agrária, aprevidência e a assistência social, a saúde e a educaçãodo trabalhador; as questões de gênero e geração; ocombate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo.Uma pauta que mantém estreita relação com asquestões de interesse direto dos assalariados e dosprodutores rurais de base familiar.

Ainda na área rural, o Movimento dosTrabalhadores Sem Terra (MST), fundado em 1984,com base na linha das mobilizações promovidas pelaComissão Pastoral da Terra, desde o final dos anos70, no Rio Grande do Sul, constitui-se um dos grandesfenômenos políticos contemporâneos, com uma pautainicialmente centrada sobre a questão da terra,mobilizando hoje cerca de 300 mil famílias assentadase 80 mil acampadas.2 Sem a quantidade de afiliações

1) Ver www.contag.org.br (em 18.11.2002)

2) Ver www.mst.org.br (em 18.11.2002)

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de uma central sindical, o MST tem, nos dias atuais,uma presença política, uma estrutura organizacionale operacional tão mobilizada quanto à da Contag, compresença em todos os estados e uma rede de militânciaorientada e disciplinada na lógica do centralismodemocrático. Montado em bases filosóficas eideológicas com orientação explicitamente socialista,o MST potencializou as suas vitórias nas lutas contrao latifúndio e no seu poder de pressionar o governo,dando uma orientação mais política às suasmobilizações, que extrapolam os limites estritos dapauta dos trabalhadores rurais em campanhas contraa Alca, contra os alimentos transgênicos, pelalibertação da Palestina, participando publicamente emtodas as mobilizações pelas liberdades democráticas,por justiça social e pela cidadania.

... e a organização de baseNo auge das conquistas políticas dessas estratégias

que marcaram as lutas dos trabalhadores da cidade edo campo para conquistar o poder pelas viasinstitucionais, poderia parecer extemporâneo colocaro foco da discussão no nível de organização menosinvestido, que é a organização de base. Mas, aocontrário, pensamos que este é justamente o momentomais adequado para esse tipo de reflexão, pela aberturano sentido de prover estratégias complementares asustentabilidade das conquistas pelo fortalecimentoda base. A mobilização das massas responsáveis pela

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mobilização social e a organização institucional quepermitiu o acesso ao poder institucional, precisa agoraconstruir uma base onde se consolide a cidadania, apartir da consciência social que se constitui cada vezmais em núcleos comunitários em que se expressa asolidariedade entre pessoas, onde o tecido social éfortalecido por relações pessoais, pela credibilidadedo companheirismo, pela regulação legítima doscoletivos locais.

Nesta perspectiva, devemos saudar a crescenteparticipação de organizações não- governamentais epólos sindicais que se dedicam, com afinco ecompetência, a apoiar a formação de núcleos dedesenvolvimento local, onde as ações objetivas,financiadas por políticas públicas ou com recursos dacooperação internacional, são instrumentos dereflexão e decisões coletivas que, além de melhorar aeficiência e efetividade dos projetos em si, servem deinstrumento para o fortalecimento da consciênciasocial e para a apropriação da cidadania. No mesmosentido, registre-se uma nova cultura institucional deformação de conselhos consultivos e deliberativos,desde o plano nacional, onde já funciona regularmenteo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural,respaldado pelas principais entidades representantesdo mundo rural, inclusive os conselhos congêneresno plano das Unidades da Federação. Nos municípiosse instalam, além dos conselhos para questõesespecíficas, como o da criança e do adolescente, o de

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educação, de meio ambiente, de desenvolvimentourbano, entre outros, em que, pelo menos em tese, oscidadãos podem interferir diretamente naadministração. É verdade que, muitos dessesconselhos, funcionam precariamente ou servemapenas para justificar o acesso a programas federais,e que ainda levará algum tempo até que o cidadãocomum tenha acesso às prerrogativas que esse institutode participação popular lhe confere, mas é precisoconsiderar que a evolução das instituições abrecaminho para o amadurecimento da cidadania. Se oaumento da consciência social puder ser aceleradopelo incremento da organização social na base, essesconselhos serão fundamentais à consolidação doprocesso democrático.

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IIIA dialética da organização social

Antes de entrarmos na questão da organização debase em si, será importante estabelecer algumasconsiderações sobre o referencial dialético com quetrabalhamos a complexidade do processoorganizacional. Sem pretender realizar uma incursãomais profunda nos meandros teóricos do tema,julgamos indispensáveis algumas referênciasepistemológicas de base que nos levarão a estabeleceros limites da racionalidade no trato da questãoorganizacional.

A questão da complexidadePara compreender uma abordagem dos sistemas

complexos (como é o caso da organização social),Morin (1990:101) considera que a construção dopensamento complexo precisa distinguir três referênciaslógicas de aproximação da realidade: razão,racionalidade e racionalização. “A razão correspondeà capacidade de construção de uma visão coerente dosfenômenos, das coisas e do universo”, como um

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movimento “incontestemente lógico”. A razão comoa capacidade de pensar e de buscar o conhecimento.Nesse contexto, a racionalidade seria “o diálogoincessante do nosso espírito que cria estruturas lógicas,com base na razão e que as aplica sobre o mundo edialoga com o mundo real, (...) mas é preciso admitirque o nosso sistema lógico é insuficiente e que apenasencontra uma parte do real”. Finalmente, para Morin,a racionalização seria uma patologia dos que pretendem“encerrar a realidade num sistema coerente”, umamegalomania dos que pensam poder dominar averdade sobre a realidade complexa.

Nessa perspectiva, a dialética, como essência doobjeto complexo e como lógica de aplicação da razãoem busca da racionalidade deve seguir algunsprincípios fundamentais. O primeiro, dialógico,compreende a existência de duas tendências opostasque se complementam no seio de uma unidade. Umatendência que garante a manutenção e reprodução doprocesso social e “cuja estabilidade pode trazer umamemória que a torna hereditária; outra, instável quedegrada e se reconstitui permanentemente” (id.,ibid.:106 e 107). Nesse sentido, a cada tendência demudança corresponderia uma resistência pelamanutenção das condições existentes.

O segundo princípio, recursivo, compreende que osobjetos complexos se constituem de “processos emque os produtos e os efeitos são, ao mesmo tempo,causas e produtores daquilo que os produziu. A

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sociedade é produzida pela interação entre osindivíduos, mas a sociedade, uma vez produzida,retroage sobre os indivíduos” (id., ibid.:108).

O terceiro princípio, enunciado por Morin é ohologramático, que compreende que “não só a parte estáno todo, mas como o todo está na parte e, citandoPascal, não posso conceber o todo sem conceber aspartes e não conceber as partes sem conceber o todo.”(id., ibid.:108). A idéia central desse princípio é deque cada parte de um objeto complexo se inscreve ascaracterísticas do conjunto, como o DNA nos seresvivos, permitindo identificar suas origens.

Esses três princípios se integram entre si, na análisedos processos sociais, produzindo uma rupturadefinitiva com a lógica linear e positivista, à medidaque negam espaço às posturas classificatórias queexcluem os contrários; aos raciocínios lineares decausa-efeito e à lógica parcial, que não reconhece auniversalidade das partes.

Uma postura dialética de análise do socialEssa ruptura aponta na direção de uma

epistemologia dialética, apta à leitura da complexidadeporque compreende que a dinâmica do social se definepor causalidade e contradições múltiplas que sesucedem em evoluções cíclicas, abertas como numaespiral, alternando sistematicamente movimentos

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positivos de afirmação e estabilidade (teses) emovimentos de negação (antíteses) que,contraditoriamente, carregam em si a sua próprianegação (negação da negação) e ganham estabilidade(uma nova tese), provocando novas antíteses egarantindo a dinâmica do processo. A espiral, comouma curva aberta, representa a negação do círculo,porque apesar da aparente repetição, nunca refaz omesmo caminho, porque, a cada novo ciclo, altera asua trajetória. A dialética é a essência e a natureza dosobjetos complexos, conforme se confirma pela leituramaterialista que Engels (1975:34) faz da dialéticahegeliana (transformação da quantidade em qualidadee vice-versa; interpenetração dos contrários; negaçãoda negação); não como uma lógica do pensamento,mas como característica da história e da natureza doobjeto, confirmando os princípios defendidos porEdgar Morin e reforçando a determinação deestabelecer a leitura da organização pelo enfoque dopensamento complexo.

Nessa direção, deixamos clara nossa convicção deque a análise dos processos organizacionais é umatarefa que requer, além de um compromisso ético queevite a manipulação e os silogismos, um certo rigormetodológico, o que não significa, necessariamente,posturas acadêmicas. Nesse sentido, é importanteregistrar os limites das abordagens empiristas,baseadas nas técnicas operativas com ênfase para aracionalidade instrumental. Desenvolvidas nos anos

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60 para acelerar os métodos de desenvolvimentoorganizacional das grandes empresas americanas e,posteriormente, adaptadas ao planejamentogovernamental, muitas dessas técnicas, que já tinhamum caráter participativo (mobilizar o conhecimentodos participantes na formulação dos diagnósticos edos planos e, ao mesmo tempo, engajar as pessoas nasua execução), terminaram sendo adaptadas para otrabalho comunitário, com algumas possibilidadesefetivas, mas com muitos problemas que precisam sermais bem analisados.

Em primeiro lugar, é preciso romper de uma vezpor todas com os “conhecimentos” fundados no “sensocomum” (GRAMSCI, 1986:14) sobre a modernidadee a eficiência empresarial, em que se ancoram osparadigmas da gestão capitalista e suas técnicasinstrumentais.3 É preciso romper, sobretudo, com aincorporação dessas técnicas ao planejamento dasorganizações sociais, onde não se aplicam as mesmasestratégias produtivistas das empresas privadas. Aracionalidade das organizações sociais precisa se fundarem reflexões críticas sobre a realidade, inspiradas na“filosofia da práxis, reduzindo a especulação aos seusjustos limites ... a metodologia histórica mais adequadaà realidade e à verdade” (id., ibid.:79).

3) Gramsci (1988:77) distingue as técnicas meramente instrumentais que estruturamo senso comum e o conformismo cultural das técnicas do pensamento reflexivo (dadialética), que corrigem as distorções do senso comum.

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A multidisciplinaridadeAlém dessa distância das técnicas inadequadas ao

trabalho com as singularidades próprias dacomplexidade das organizações sociais, esta reflexãofundada em Morin, nos remete à necessidade de umarcabouço teórico com amplitude e profundidadepara captar as mais diversas nuances do quadro social,exigindo uma maior integração de disciplinas eprofissionais complementares, como a sociologia e apsicologia, a história, a antropologia, a economia, amedicina, entre outras. A constituição de umaepistemologia convergente que pudesse permitir aproblematização múltipla das situações sociais, semreducionismos dos conceitos de um campo teóricosobre os demais. Não caberia à psicologia, porexemplo, analisar os processos e as estruturas sociais,tarefa precípua da sociologia, com base em conceitose teorias próprias; nem, por outro lado, caberia àsociologia analisar os processos mentais envolvidosno mesmo fenômeno social em questão.

Para superar os obstáculos da multidisciplinaridade,Pagés (1984:25) sugere o conceito de autonomia relativa,em que cada corpo teórico analisa o mesmo objeto apartir de suas próprias leis para, em seguida, se fazerum esforço de integração teórica, estabelecendoconjuntamente as correlações entre as conclusões deuma e de outra análise. A sociologia pode compreender,por exemplo, como se estrutura o poder a partir dasestruturas sociais, mas é a psicologia que pode analisar

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as reações individuais e o desenvolvimento decomportamentos que reforçam ou questionam asestruturas de poder existentes. Assim, a autonomia decada campo teórico para analisar o objeto do seu pontode vista se relativiza quando se trata de compreenderas interfaces entre dois campos teóricoscomplementares. É necessário estabelecer um diálogoonde cada um tem a acrescentar, a ouvir o que o outrotem a dizer e a procurar compatibilidades entre ospontos de vista diferentes, definindo qual o escopo datarefa multidisciplinar. Essa postura parece importantepara evitar fantasias de um domínio polivalente dosaber, o que tem levado a reducionismos e a outrosequívocos nas análises sobre os objetos complexos,particularmente no campo social.

O saber científico e o saber popularÉ preciso questionar também sobre a distância que

separa um tal propósito científico do saber acessível àscamadas populares que formam na base da organizaçãosocial, onde é reduzido o saber letrado. Não se podenegar que é grande o risco de se reproduzir nestecaminho o mesmo viés das vanguardas políticas. Naprática, o que se espera aqui dos formuladores teóricosnão é a sua própria análise do quadro social e a“conscientização” das comunidades sobre seusproblemas e sobre os “melhores” caminhos parasuperá-los. Do ponto de vista epistemológico, o maior

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apoio que os intelectuais poderiam dar às organizaçõespopulares seria a popularização dos fundamentos dasmetodologias apropriadas às singularidadesorganizacionais dessas comunidades, aos seus objetivos,às suas referências culturais.

Nesse sentido, cabe um destaque especial à posturadessa orientação filosófica com relação aos papéis dosujeito e do objeto da reflexão e da ação política. Atendência tradicional das elites e das vanguardas,protecionistas e diretivas, é tratar as camadaspopulares como objeto de políticas sociais para asquais é preciso definir e implementar programas soba tutela das competências técnicas. O objeto é umainstância passiva sob os cuidados de agentes externosque passam a deter o saber e o poder de tomariniciativa e de transformar a realidade para o outro,supostamente incompetente. O sujeito é o agenteativo, que age movido por suas próprias razões, quereflete e decide com autonomia, que se apropria deum saber construído na sua própria história, com oqual reorienta seu destino. O sujeito popular, assimcompreendido, é o fundamento e a essência daorganização de base.

A filosofia da práxis comprometida com a autonomiapolítica e a redução da alienação dos atores sociaisdiante das estruturas de poder dominantes, assume areflexão crítica sobre a realidade social como sua tarefaprecípua e necessária à transformação das camadaspopulares em sujeitos ativos do desenvolvimento.

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Castoriadis (1975:103) chama de práxis o “fazer, ondeo outro ou os outros são vistos como seres autônomose considerados como agente essencial dodesenvolvimento de sua própria autonomia”. Nessareflexão, a comunidade, como objeto dastransformações sociais, assume, ao mesmo tempo, aposição de sujeito de sua própria história, provocandouma nova ruptura na construção do saber científico,tirando do cientista o domínio da verdade sobre ooutro. É este outro, transformado de objeto passivoem sujeito ativo que assume responsabilidade naconstrução do saber sobre si mesmo e sobre sua própriarealidade. E esse novo saber é um saber que libertapela consciência. Segundo Morin (1995:57),

pode-se conceber, sem que haja um fossoepistêmico intransponível, que a auto-referênciaconduza à consciência de si, que a reflexibilidadeconduza à reflexão, em resumo, que aparecemsistemas dotados de tão alta capacidade de auto-organização que conduzam a uma misteriosaqualidade chamada consciência de si.

Castoriadis (id., ibid.:103) reforça que “na práxis aautonomia do outro ou dos outros é um fim e ummeio; a práxis visa à autonomia como um fim e autiliza como um meio”. Em outras palavras, o quedefendemos é que os grupos de base sejam sujeitosdos processos sociais nos quais estão envolvidos,sujeitos autônomos que se apropriam da reflexãosobre sua própria realidade e da construção da sua

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história. Às vanguardas políticas e aos intelectuais, cabeum papel que preserve o saber local e facilite aconstrução crescente da autonomia. O respeito aosaber local e à busca de integração do saber técnico ecientífico (sem o etnocentrismo que tem caracterizadoa política e a ciência das elites dirigentes) é um desafioque deve mobilizar não apenas os intelectuais e osquadros da política partidária, mas também amilitância que assume a vanguarda da organizaçãosocial e coordena os processos na base. É precisoabdicar da hegemonia e do controle centralizado dosprocessos sociais em benefício da autonomia local,garantindo a reflexão crítica como fundadora docontrole social pela comunidade.

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IVOs fundamentos daorganizacão de base

Para explorar os fundamentos da organização socialno nível da base, além dessas rápidas diretrizesepistemológicas, precisamos de algumas referênciasconceituais que caracterizem e diferenciem a formaçãodos núcleos coletivos locais, com identidades próprias,que se constituem como sujeitos sociais autônomos,que se apropriam de seus próprios processos deorganização, inclusive dos métodos e dos dispositivosde auto-regulação que os mantêm coesos sem precisarde ingerências externas. São conceitos que procuramdelinear os contornos que diferenciam uma organizaçãosocial de base, no sentido que tratamos aqui, doscoletivos que são construídos de fora pra dentro, aserviço de interesses outros que os da própriacomunidade, às quais se podem fazer pequenasconcessões em troca de subordinação, de voto ou deoutras manipulações menos lícitas, como no caso donarcotráfico que domina as comunidades faveladas dasgrandes cidades. São conceitos fundados no referencialdialético exposto anteriormente, indispensáveis para

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justificar uma postura metodológica diferenciada deoutras menos comprometidas com a autonomia dascomunidades locais.

O imaginário e o simbólico na organização socialEstes dois conceitos, tradicionalmente esquecidos

nas abordagens mais tradicionais das questões sociais,nos parecem fundamentais para compreender algunsaspectos da organização social de base, particularmentequanto à percepção dos indivíduos sobre seus própriosvínculos coletivos e seus processos de identificação nacomunidade. Compreende-se que, os comportamentosindividuais e coletivos, e as atitudes tomadas emsituações determinadas, têm representações que vãoalém do ato em si, constituindo expressões simbólicascom significados próprios ao processo de organizaçãoem questão. Esses significados não são precisos ecarecem de interpretações relativamente complexasporque envolvem processos imaginários que seconstroem por referências coletivas que aparecem meiotravestidos nas estórias e nos falatórios da comunidade.É o imaginário popular que permeia a organizaçãosocial nas comunidades, como registro fundamental daconstrução e organização dos coletivos de base.

Segundo Castoriadis (1985:177),o imaginário deve utilizar o simbólico não apenas

para se exprimir, o que é natural, mas para existir,para passar do virtual a algo mais. O delírio mais

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elaborado, com o fantasma mais secreto e omais vago, são feitos de imagens, mas essasimagens estão lá como representantes deoutras coisas, tendo, portanto, uma funçãosimbólica...

O simbólico é, assim, uma função mais elaboradae que permite ao imaginário se representarestabelecendo uma linguagem que articula asubjetividade e a objetividade no plano individual esocial. O trabalho com as referências simbólicas daorganização social se constitui, assim, uma forma deconsiderar a expressão do imaginário coletivofundamental à compreensão dos processos deidentificação em torno de referências comuns. Sãomodelos de comportamentos, ídolos, mitos, ritos querepresentam o que Pichon-Rivière (1988:113) chamoude “Ecro – Esquema Conceitual e ReferencialOperativo” que constituem o fundamento dasorganizações sociais de base. Registrar, valorizar,analisar e procurar interpretar o repertório desímbolos de uma comunidade é um caminho rico emsignificados para a construção de coletivos que, seapropriando de sua história, podem se lançar naconstrução de sua autonomia e de seudesenvolvimento.

Para realizar este trabalho, é fundamental não fundiresses dois conceitos, guardando as diferenças ecomplementaridades, de maneira a que o que éexplicitado por meio das simbologias organizacionais,

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como representação social, não seja confundido com oimaginário, minimizando a importância dos elementosinconscientes neste segundo conceito, cuja riqueza parao processo organizacional é, muitas vezes, maior do queo que consegue ser representado simbolicamente. Semprejuízo das análises mais objetivas do simbólico, oestudo inesgotável do imaginário coletivo justifica umesforço sistemático de reflexão coletiva como práticacomunitária no sentido de resgatar as bases de umaconstrução grupal como um processo de análise doquadro social (com apoio de referências psicanalíticas),buscando outros significados determinantes àorganização social de base. Uma espécie de análisecoletiva, teoricamente sofisticada, mas com uma práticafacilmente apropriada pelas comunidades, como vimosem alguns grupos de pessoas iletradas, com e sem apoiode facilitadores externos.

É preciso, ainda, compreender que essas referênciasimaginárias têm uma influência fundamental nofuncionamento dos grupos dos quais se esperamposturas construtivas, como nas associaçõescomunitárias. Para Bion, citado por Anzieu (1993:25),

O comportamento de um grupo se efetua em doisníveis, o da tarefa comum e o das emoções comuns.O primeiro nível é racional e consciente, ... o êxitodesta tarefa depende da análise correta da realidadeexterior correspondente, da distribuição ecoordenação sensatas dos papéis no interior do grupo,da regulação das ações pelas pesquisas e das causas

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dos fracassos e sucessos, da articulação dosmeios possíveis para as metas, visadas deforma relativamente homogênea pelosdiferentes membros. Trata-se, unicamente,do que Freud chamou de processos psíquicos“secundários”: percepção, memória, juízo,raciocínio. E les constituem condiçõesnecessárias, mas não suficientes. Basta colocar emum grupo pessoas que se comportam habitualmentede forma racional, enquanto estão sozinhas diantede um problema, para que se tornem dificilmentecapazes de uma conduta racional coletiva. É queintervém o segundo nível, caracterizado pelapredominância dos processos psíquicos “primários”.Em outras palavras, a cooperação consciente dosmembros do grupo, necessária ao êxito de suasempreitadas, requer entre eles uma circulaçãoemocional e fantasmática inconsciente. Aquela, oraé paralisada ora é estimulada por esta.

As posturas técnicas tradicionais, que supõem aracionalidade coletiva em processos participativos,precisam levar em conta essa característica fundamentalda estrutura grupal para compreender e agir sobre asaparentes incoerências e disfunções que ocorrem naprática comunitária, freqüentemente atravessadas porquestões afetivas, de parentescos e compadrios.

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O conceito de sujeito socialAntes de tudo, é preciso compreender que a

organização social tem uma natureza e uma essênciadiferente dos indivíduos que a compõem: “o grupo éuma totalidade” (ANZIEU, 1992:36). Dessa forma,o grupo não pode ser compreendido apenas comouma soma dos seus componentes. Os própriosindivíduos, quando estão em um grupo, agemdiferentemente do que agiriam se estivessem isoladosou em outro grupo. Isto significa que, embora oindivíduo componha o grupo, ele estabelece umarelação com este, como coletivo, como totalidadediferenciada. Uma relação tão importante que é capazde condicionar o seu próprio comportamento.

O conceito de sujeito social decorre dessacompreensão do coletivo como uma totalidade, cujaautonomia se constrói a partir da capacidade deorganização, como uma unidade autoconstituída, seexprimindo pelo reconhecimento recíproco e porsentimento de inclusão, que se caracteriza pelo uso daprimeira pessoa do plural: “nós”.

Segundo Barus-Michel (1987:27),ao contrário do sujeito individual, o sujeito social

não se define a partir de um substrato orgânico quelhe garantiria a integridade. É apenas umaorganização, uma unidade postulada, construída,que pretende se garantir a si mesma, para estabelecera lei que especifica o social.

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Para Bauleo, citado por Andrade (1982:164), oconceito de grupos sociais remete a duas instâncias:“os grupos reais, constituídos por sujeitos reais, porum lado, e a representação grupal, por outro lado,(...) um modelo ideal, fantasiado ou imaginário quetem um funcionamento diferenciado dofuncionamento do grupo real”.

E a própria autora completa, confirmando oconceito de sujeito social anunciado acima, que “essainstância constituída pelas projeções individuais vaiter uma certa independência e provocar nos indivíduosdeterminados comportamentos” (id., ibid.:165).

Essa abordagem da questão organizacional se orientano sentido de compreender o social como uma categoriadiferente e mais complexa que os indivíduos que acompõem, carregada das intersubjetividades das relaçõessociais, para além dos aspectos explícitos dos objetivossociais e funções técnicas que estruturam as relaçõesformais. Em outras palavras, para compreender asorganizações sociais, há que se ir além dos processosracionais, procurando uma leitura mais profunda darealidade no simbólico e no imaginário coletivo.

O habitus e a castração da autonomia coletivaA organização social de uma determinada

sociedade se constrói historicamente com base emsistemas funcionais e operacionais relativamente

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estáveis, sedimentados pela reprodução sistemática demodelos que traduzem a ideologia das relações sociaise modos de produção, socialmente estratificados sobcontrole das classes dominantes, em um determinandotempo e espaço social.

O conceito habitus, segundo Barbier (1985:147), nospermite compreender esse processo de construçãohistórica do social como “interiorização da exterioridadeinstituída” e, ao mesmo tempo, indica como essemecanismo se perpetua pela ação e pela organizaçãoinconsciente dos agentes sociais. O habitus se estabelecede maneira sutil como uma cultura dominante que seconstrói e que passa de geração a geração, sedimentandoa ideologia dominante e construindo, pelo senso comum,uma matriz universal de interpretação da realidade,comprometida com os interesses das classes dominantes.Uma interpretação que é assumida como verdade social,porque está interiorizada acriticamente, à medida quejustifica e oculta o próprio processo de dominação doqual está a serviço.

Nesse sentido, Bourdier & Passeron (1992:37)destacam que

numa formação social determinada, a culturalegítima, isto é, a cultura dotada de legitimidadedominante, não é outra coisa que o arbítrio culturaldominante, na medida em que ele é desconhecido emsua verdade objetiva de arbitrário cultural e dearbitrário cultural dominante.

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Nessa direção, a alienação e a submissão à ideologia,à cultura e aos interesses das classes dominantes, surgemcomo fenômeno social, que, segundo Castoriadis(1975:148),

a alienação encontra suas condições paraalém do inconsciente individual e das relaçõesintersubjetivas que ocorrem no mundo social.Existe, para além do discurso do outro,alguma coisa que o carrega de um pesoirremovível, que limita e torna quase vã todaautonomia individual. O que se manifestacomo massa de condições de privação e deopressão, como estrutura solidificada global,material e institucional, da economia, dopoder e da ideologia, como indução,mistificação, manipulação e violência.

Esse conceito de habitus é fundamental àcompreensão dos processos sociais porque aorganização é o ethus onde se estabelecem identidades,referências ideológicas e culturais, vínculos políticos,profissionais, histórico-existenciais e afetivos. Ohabitus tem, assim, um caráter simultaneamente“ideológico e comportamental” (...) e é impostosutilmente por meio de processos e práticas que são“retidas e transmitidas socialmente, como um modoapropriado de pensar e sentir a respeito do mundoorganizacional” (TAVARES, 1991:29).

Em outras palavras, o habitus é o que se retém e sereproduz como prática comprometida com as forças

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instituídas que determinam comportamentoscontrolados pelo senso comum, pela ideologiadominante, onde se estabilizam as estruturas de poderresistentes à mudança e que precisam ser desalojadaspelas forças instituintes mobilizadas pela intervençãosociológica.

Nessa perspectiva, a constituição de sujeitos sociaisautônomos exigiria a superação da conformidadealienada, que se insere nas comunidades como umhabitus arraigado ao cotidiano das comunidades comoparte da “natureza” das pessoas e dos coletivos. Umasuperação que não pode ser imposta de fora pradentro por uma nova ideologia, mas por um processode reflexão coletiva, centrado sobre os fatos objetivosda vida da comunidade e suas contradiçõeshistoricamente ocultadas pelo senso comum e pelohabitus. O mesmo processo de análise coletiva a quenos referimos acima.

A organização como sistema sociomental4

A tradicional segmentação entre o saber sobre asquestões sociais (atribuído às Ciências Políticas eSociais) e o saber sobre o ser humano (à Medicina e àPsicologia), parecem estar a serviço de interessesprofissionais, mas na prática servem para escamotear

4) Terminologia usada por Max Pagés (1987) para designar o referencial teóricocom o qual analisa a dominação e o controle absoluto das empresas hipermodernassobre os seus quadros dirigentes.

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processos de controle e dominação social maisestruturados e pouco questionados. Subverter essadicotomia parece um exercício interessante paracompreender os processos de dominação social einvestir numa metodologia que facilite a construçãoda autonomia das organizações sociais de base, que éo objetivo central deste texto.

A leitura institucional das organizações sociais aque nos referimos algumas páginas atrás (instituído xinstituinte) pode ser associada a uma outra leitura,também dialética do indivíduo, permitindo umaanálise articulada e simultânea dos aspectossocioinstitucionais e psicossociais dos processosorganizacionais. Esta leitura articulada dá conta, nãoapenas do caráter humano do espaço social, maspermite explicar, concomitantemente, a influência dosocial sobre os comportamentos humanos.

Nessa perspectiva, considera-se que, para além doseu substrato físico, o homem tem uma essênciapsíquica por meio da qual constitui as suas referênciassociais. A visão dialética que Wilhelm Reichdesenvolveu sobre essa essência psíquica (na primeiratópica freudiana), apresenta o Ego como uma sínteseda contradição entre o Id e Superego. O Id, comoexpressão da vida, representando as pulsõesassociadas ao princípio do prazer. O Superego, comouma instância conservadora, mobilizando interdiçõesmorais e culpas, e reprimindo o comportamentohumano nos limites socialmente adequados.

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A leitura que se pode fazer a partir das inferênciascruzadas entre as estruturas psíquicas (Ego, Id eSuperego) e as estruturas institucionais (instituição,instituinte e instituído), viabiliza uma análise articuladados processos sociais e dos comportamentoshumanos, explicitando as correspondências entre opoder das normas sociais instituídas e as imposiçõesdo Superego; entre as insatisfações do Id e as lutaslibertárias do instituinte; entre as estruturasorganizacionais e as da personalidade.

Compreender a articulação entre essas duas dialéticasé fundamental para a análise da articulação e dainterdependência entre os processos sociais e individuais,particularmente no que diz respeito ao reforço mútuoque esses processos se dão, no plano das normasinstituídas e das interdições psíquicas, conscientes einconscientes. Nessa perspectiva, seria possívelcompreender os processos de resistência às mudançasque são centrais na organização social de base, comoresistência política ao deslocamento de interesses e depapéis, com rebatimentos nos planos ideológico epsicológico, pela conservação dos valores historicamenteinternalizados a partir da ideologia dominante.

O esquema gráfico, apresentado a seguir, podefacilitar a compreensão dessas correspondências einferir as possibilidades de influências mútuas entreas estruturas sociais pautadas pelos processosinstitucionais e estruturas da personalidade que seconstituem no aparelho psíquico.

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PROCESSO INSTITUCIONAL PROCESSO PSÍQUICO

tese

sínteseOrganizaçãosocial real

Instituído

Instituinte

Id

Ego

Superego

Segundo Reich (1972:30), o controle do processosocial se estrutura e se fundamenta no aparelhopsíquico à medida que “a inibição sexual altera de talmodo a estrutura do homem economicamenteoprimido que ele passa a agir, sentir e pensar contraseus próprios interesses materiais”.

Na mesma linha do pensamento reichiano, épossível compreender o processo de dominação pelaarticulação das instâncias sociais (variáveiseconômicas, políticas e ideológicas) e individuais(variáveis psicológicas conscientes e inconscientes, ebioenergéticas).

Sabe-se que o processo de dominação social, noplano mais restrito das organizações ou na sociedade,de um modo geral, se opera nos planos político eeconômico, com respaldo ideológico e comporta-

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mental. No plano ideológico, os valores dominantesse expressam sob a forma de cultura, de moral e decrenças, assumidos de maneira inconteste comoverdade a ser respeitada, como condição de aceitaçãoe reconhecimento social. Contestá-los tem osignificado objetivo de afrontas sociais, punidas pelaspatrulhas ideológicas com ameaças de ruptura, demarginalização e exclusão do grupo social. Essaameaça, mesmo quando expressa de forma subjetiva,não-declarada, resulta em ansiedades e angústias, cujasdefesas inconscientes dão forma aos comportamentossociais adequados e constituem a âncora que garantea dominação social fora do controle consciente e davontade da pessoa.

É nesse processo de estruturação dos comportamen-tos que se consolidam a cultura e as estruturas instituídase se articulam as resistências às mudanças, garantindoestabilidade aos sistemas sociais (inclusive nas organiza-ções). Em outras palavras, poderíamos dizer que a esta-bilidade (e, em conseqüência, a estagnação) social se es-trutura em dois processos complementares: o primeiro,induz comportamentos socialmente adequados às nor-mas sociais; o segundo, cristaliza os fundamentos mo-rais desses comportamentos num universo inconscien-te, inacessível ao senso comum.

Dessa forma, a resistência à mudança que caracterizao comportamento conservador das maiorias silenciosas,além de garantir a estabilidade das estruturas sociais dedominação política e econômica, molda e estabiliza

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comportamentos socialmente adequados, com respaldoem ideologias e culturas socialmente dominantes,ancorados no plano inconsciente, com remotapossibilidade de reversão.

A subversão dos modelos socialmente adequadosde comportamento é assim vivida pelo homemcomum, que não exerce uma análise crítica da suarealidade e do seu tempo, com ameaças reais à suaprópria integridade psíquica, ampliando as ansiedadese as angústias do dia-a-dia, até o limite da ameaçainconsciente de destruição das estruturas vigentes edo próprio indivíduo. Segundo essa teoria, asresistências conservadoras do homem comum, as suasdificuldades de enxergar sua própria realidade e osprocessos de exploração a que está submetido, nãopoderiam ser superadas apenas pelo convencimentoracional e pelo envolvimento ideológico. As raízes daestrutura conservadora estão encravadas no planoinconsciente, só acessíveis a reflexões mais profundase mais sistemáticas, cujo caráter é determinante paraa definição das metodologias de desenvolvimentosocial e de constituição de sujeitos sociais autônomos.

Identidade e identificação nas organizaçõessociais

A constituição de uma organização social de basepassa necessariamente por processo de identificaçãoentre as pessoas e das pessoas com o grupo. Por essa

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razão, é importante tecer algumas considerações sobrea dinâmica do sistema sociomental que alimenta esseprocesso. Segundo Castoriadis (1975:303), nosprocessos organizacionais “a lógica identitáriaconstitui uma dimensão essencial e impossível de sereliminada, não somente da linguagem, mas de toda avida e de toda atividade social”. Nesse sentido, osgrupos humanos, como as organizações de base e,em particular, as comunidades locais, constituemreferências essenciais na formação da identidade socialdos indivíduos à medida que é por meio delas, que seprocessa a inserção política na defesa de interessescoletivos, no lazer e em todas as atividades onde ohomem se expressa socialmente.

Para melhor compreender as organizações de base,há que se considerar que a essência da formação dessaidentidade social se funda numa dialética de inclusãoe exclusão, que reúne pessoas por uma referênciacomum, incluindo-as num determinado grupo, masque, ao mesmo tempo, as separa de outras pessoaspela diferença. Numa sociedade como a brasileira,onde 170 milhões de pessoas constituem uma únicanação, se configuram muitos segmentos diferenciados,por regiões, por classes sociais, por categoriasprofissionais. Da mesma forma, os núcleoscomunitários se constituem segmentos diferenciadose quanto mais coesos são, mais se diferenciam de outrosnúcleos, mais e mais firmemente constituem suaprópria identidade. No processo de socialização, as

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pessoas precisam se diferenciar uma das outras paraafirmar suas individualidades e para ocupar seuspróprios espaços e papéis sociais, mas, ao mesmotempo, elas precisam se associar umas às outras,primeiro porque não conseguem viver isoladas, depoisporque precisam se articular para defendercoletivamente seus direitos e suas prerrogativas sociais.

A consistência de uma organização social depende,assim, da capacidade que ela tem de agregar os seusmembros e de distingui-los dos demais. Os membrosde um grupo social precisam sentir que são distintosdo conjunto da sociedade, pelas singularidades ecaracterísticas próprias, que os diferenciam de outrosgrupos sociais, como um conjunto especial que osreúne pela semelhança interna e os separa de outrosgrupos e da sociedade, como um todo, pelasdiferenças externas.

A identidade coletiva se constrói a partir doreconhecimento de cada indivíduo como membro deum determinado grupo social; reconhecimento delemesmo, dos demais membros do grupo e de outrosatores sociais externos ao grupo em questão. E mais,essa identidade será tão mais forte, quanto maioressejam os significados objetivos e subjetivos que essereconhecimento traz para a inserção do indivíduo nocontexto social mais amplo, onde indivíduos e grupose inserem. O grupo funciona, não apenas como umaproteção pela couraça que isola o indivíduo dasinterferências externas, mas também pelo efeito

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sinergético, agregando “potencialidades adicionais”ao indivíduo isolado (BION, 1970:81). Mas, apesardeste aspecto positivo, a integração a um gruporepresenta também perdas objetivas e subjetivas àindividualidade. Primeiro, porque implica na adoçãode preceitos e normas decorrentes dos acordoscoletivos, mesmo nos grupos mais democráticos, oque implica necessariamente em limites e obrigaçõescom o coletivo em detrimento das liberdades eprerrogativas individuais. Alguns autores simbolizamos grupos sociais como grandes bocas devoradoraspara refletir o imaginário das perdas nas relaçõesgrupais. E cadê o segundo?

Nessa perspectiva, é mais fácil entender as dificul-dades do dia-a-dia de todos aqueles que lutam parafortalecer as organizações de base. Com o foco nacapacidade de mobilização comunitária em defesa dosinteresses coletivos, essa dialógica do processo daformação grupal reflete, de um lado, a concordânciageral dos membros da grande maioria das comuni-dades locais quanto aos argumentos que enaltecemos ganhos com o fortalecimento de suas organizaçõessociais (capital social, empoderamento) na luta pelosseus direitos e pelas reivindicações face às políticaspúblicas. Por outro lado, contraditoriamente aos ar-gumentos em favor da organização comunitária, ob-serva-se com muita freqüência uma acomodação e faltade uma participação ativa da maioria, revelando asresistências ao trabalho coletivo, particularmente

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quando envolve produção econômica, distribuição deresultados.

Voltando o foco para a questão política, chamamosa atenção para a manipulação dos processos deidentificação entre as comunidades pobres, a serviçode interesses de lideranças e políticos inescrupulosos.Nestes casos, a identificação tem uma função perversade promover a alienação, quando se reforçam asrelações de dominação, condicionando oscomportamentos individuais aos modelos impostosconsciente ou inconscientemente pela organização.Essa argumentação foi formulada por Pagés (1987),analisando a dominação das empresas hipermodernassobre os seus quadros dirigentes. O caráter centraldo processo de identificação, nessas organizações, éque ele funciona como um mecanismo de defesainconsciente contra o poder organizacional, que, aomesmo tempo, confere grandes vantagens e fazconstantes ameaças (de demissão, de perda dasvantagens, de perda do poder delegado pelas funçõesque exercem): a identificação com o agressor. Essemecanismo de defesa é uma característica de situaçõesem que as relações de poder são muito assimétricas, aexemplo das grandes empresas que tudo podemdiante de seus empregados, mas também das relaçõesentre pobres e ricos no Brasil, onde a sobrevivênciados pobres depende freqüentemente da boa vontadedos ricos e dos poderosos com os quais é preciso seidentificar. No limite, essa é a lógica da formação de

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muitas comunidades cujos líderes estão a serviço depatrocínios externos, a partir dos quais constroemestratégias de sobrevivência nos limites da dignidade.

Mas, independentemente dessas contradições, há quese reforçar, finalmente, a importância da construçãoda identidade coletiva nas comunidades de base comodispositivo fundamental à luta contra a alienação e pelaautonomia dos sujeitos sociais. Há que se investir emmetodologias que permitam trabalhar essascontradições a partir da reflexão da própria práticacomunitária, permitindo que as pessoas construamcoletivamente a consciência dos processos dedominação social aos quais estão historicamentesubmetidas e, em contrapartida, optem por umaorganização coletiva que, antes de ser apenas uma meraestratégia racional de superar suas dificuldades, seja aconstrução de uma identidade comum que os projetesocialmente como pessoas diferenciadas, como gruposujeito de sua própria história.

A organização como dispositivo racionalÉ justamente a partir dessa premissa de

racionalidade que precisamos aqui lançar uma últimareflexão sobre os processos organizacionais dascomunidades de base. A onipotência da racionalidadeobjetiva do processo social, questionada porCastoriadis (1975:57), pelo seu viés determinista, e porMorin (1990:101), pela inconsistência epistemológica

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do conhecimento humano face à complexidade doobjeto social, não parece intimidar os formuladoresda racionalidade instrumental, que a colocam a serviçoda lógica da produção, em que tudo é medido eavaliado em função de um fim determinado.

Na prática, independentemente das conseqüênciashumanas e sociais que resultaram da racionalidadeinstrumental, as “técnicas modernas de administraçãoe divisão de trabalho tornaram, inquestionavelmente,mais produtiva a vida econômica” (MOTTA,1986:104), à medida que “permitiram associar oavanço tecnológico à racionalização do sistemaburocrático”, já defendido por Max Weber com basenos pressupostos idealizados da formalização derotinas e processos na divisão racional do trabalho,da hierarquia e impessoalidade das funções, dadistinção entre a competência técnica e a propriedadedos meios de produção com base naprofissionalização. Mas, se é verdade, segundo Crozier(1963:217), que “Weber estava mais preocupado comas questões do controle social do que com aracionalidade organizacional”, suas teorias eproposições terminaram por servir de fundamento àadministração racional que, sem perder o viésinstrumental e funcionalista, ganha modernamentecontornos mais humanos, com as teorias da motivaçãoe as técnicas de modelação do comportamento nasrelações de trabalho. A racionalidade organizacionalse estrutura à base de sofisticados modelos de

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planejamento estratégico que partem de diagnósticosdo contexto econômico de forma a dirigir a açãoorganizacional para os objetivos de seusempreendedores. A organização racional é vista,assim, como uma estratégia para atingir objetivospreviamente definidos.

Não é incomum observarmos incoerências nastentativas de aplicar às organizações sociais como ascomunidades locais a mesma racionalizaçãocaracterística da administração de empresas, seja pormeio de processo diagnóstico ou de instrumentos deplanejamento e monitoramento gerencial. Tampoucoconceitos como o de empreendedorismo difundidoentre os empresários mais arrojados, parece teraplicabilidade nas comunidades, sem os devidosajustes que valorizem iniciativas locais, mesmo quandoelas não tenham uma evidente viabilidademercadológica. Nesta visão empreendedorista éfreqüente que as iniciativas terminem preteridas pelamesma lógica economicista que se pretende imporuniversalmente.

Para as comunidades de base, há que se desenvolvernovos paradigmas de modernidade e racionalidade,sem a pretensão de reproduzir os modelos industriaise pós-industriais, que se mostraram perversos aoincrementar as desigualdades sociais e ao inviabilizaro uso sustentável do meio ambiente, sem odeterminismo dos modelos econométricos e daslógicas mercadológicas. Há que se pensar em

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referências mais modernas, que valorizem a naturezacomo diferencial de qualidade de vida, e pelas suaspotencialidades econômicas pautadas pela eqüidadede acessos e pela sustentabilidade. No caso dosprogramas de inclusão social em especial, há que secomprometer com uma visão mais justa dodesenvolvimento humano (MATOS, 2002).

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VA importância da

organização na base

A discussão sobre a questão da organização socialde base e sua importância para os destinos dascomunidades foi enriquecida, na última década, pelateoria do capital social e seus significados para odesenvolvimento econômico e social das populaçõesexcluídas, com o respaldo de pesquisadores de relevointernacional, como Robert Putnam (1996) e JamesColeman (1994), e do Prêmio Nobel de Economia,Joseph Stiglitz (1998).

Sem entrar na polêmica dos que sacralizam oudemonizam essa teoria, nos interessamosparticularmente pela caracterização dos fatorescoletivos que constituem a organização social de basecomo “confiança, normas e sistemas que contribuempara aumentar a eficiência da sociedade, facilitandoas ações coordenadas” (PUTNAM, id., ibid.:177) e ofato de constituírem “estruturas de relações sociaisque lhes permitam atingir coletivamente seus própriosobjetivos individuais” (COLEMAN, id., ibid.:300).

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Os dois autores consideram que o que chamam decapital social e que associamos aqui a organizaçõessociais de base, se constitui a partir da confiança mútuaentre os indivíduos e se traduz na estabilidade dasinstituições, normas e obrigações recíprocas,garantindo a eficiência e a eficácia dos investimentosindividuais e coletivos.

Confirmando as teorias funcionalistas desses doispesquisadores americanos sobre os aspectossalientados, consideramos as referências dadas porBourdieu (1998:65), um sociólogo francês deesquerda, que considera que:

O capital social é o conjunto de recursosatuais ou potenciais que estão ligados à possede uma rede durável de relações mais ou me-nos institucionalizadas de interconhecimentoe de inter-reconhecimento ou, em outros ter-mos, à vinculação a um grupo, como umconjunto de agentes que, não somente são do-tados de propriedades comuns (passíveis deserem percebidas pelo observador, pelos ou-tros ou por eles mesmos), mas também sãounidos por ligações permanentes e úteis. Es-sas relações são irredutíveis a relações7 obje-tivas de proximidade no espaço físico (geográ-fico) ou no espaço econômico e social porquesão fundadas em trocas inseparavelmentemateriais e simbólicas cuja instauração e per-

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petuação supõem o reconhecimento dessa pro-ximidade.

Nessa definição de capital social, Bourdieu destacaum aspecto fundamental para nossa reflexão sobre aorganização de base porque é justamente nesse nívelque se constroem identidades coletivas, comoreferências simbólicas e relações interpessoaisduráveis. Os grupos sociais de base seriam, assim, umespaço sólido e estável para a construção da cidadaniae da democracia porque é aí onde se estruturam osalicerces do empoderamento e autonomia com baseno aprofundamento e estabilidade das articulaçõesgrupais. Mais ainda, ressalta-se a importância dosgrupos locais para garantir a sustentabilidade dasinstituições democráticas da sociedade, as estruturasconsolidadas ao nível micro, como suporte aofortalecimento do nível macro de organização social.

O foco na autonomiaNo contexto dessa discussão sobre os

significados da organização de base e sua inserçãona organização das lutas sociais, trabalhamos comuma referência central do processo democrático queé a autonomia, conceito muitas vezes tomadoequivocadamente como correlato do individualismoem contraposição ao coletivismo. Eis que a nossaidéia de organização de base se estrutura a partir doconceito de autonomia numa linha de reflexão

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coerente com a filosofia da práxis e comprometidacom a redução da alienação dos atores sociais noplano coletivo e individual; autonomia com relaçãoàs estruturas de poder, como conquista coletiva einstrumento de transformação social.

Castoriadis (1975:103) chama de práxis o “fazer,onde o outro ou os outros são vistos como seresautônomos e considerados como agentes essenciaisdo desenvolvimento de sua própria autonomia”. Ogrupo social assume, assim, a posição de sujeito desua própria história, construindo o conhecimentosobre si mesmo e sobre o seu contexto. O autoracrescenta que “a práxis visa à autonomia como umfim e a utiliza como um meio”. A práxis e aautonomia estariam, assim, na base da construçãodo sujeito social que, segundo pensamos, é umareferência fundamental ao conceito de organizaçãosocial e à democracia.

Nesse sentido, a questão da autonomia dasorganizações de base não pode ser atravessada pelodiscurso maniqueísta que contrapõe assingularidades locais à igualdade coletivista eassocia o direito universal à individualidade com oindividualismo e isolamento social das elites. Nãohá como pensar o desenvolvimento social dascamadas excluídas da população sem trabalhar naconstrução dessa autonomia, com respeito àssingularidades de cada situação e às diferençasindividuais. Da mesma forma, não há como

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aumentar o poder de coordenação das organizaçõespopulares nos níveis de massa e institucional sem oreforço da autonomia da base constituída por umapráxis verdadeiramente democrática.

A iniciativa localA fórmula para o fortalecimento da autonomia

das organizações de base passa necessariamente pelorespeito e fortalecimento de iniciativas existentes naprópria comunidade, considerando que essasiniciativas, por mais rudimentares que possamparecer ao observador externo, são indicadores dealguma forma, mesmo embrionária, de organizaçãoe podem funcionar como ponto de partida para aformulação e implementação de projetos dedesenvolvimento humano mais abrangentes do quea iniciativa em si.

Como remarcamos nas referências iniciais desteartigo, compreendemos que o processo paraconstituição e desenvolvimento de um sujeitocoletivo autônomo é, por natureza, dialético,exigindo facilitação sistemática para negociação dasdiferenças e contradições (sem a ilusão de consensosharmoniosos), investindo num trabalho árduo deconstrução de compromissos coletivos a partir daexplicitação e negociação de conflitos criativos. Aexplicitação dessas contradições e conflitos contribuipara o incremento da consciência crítica dos

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membros do coletivo sobre a sua própria realidadesocial como um investimento definitivo contra aalienação e a dependência.

Ao contrário do que considera a maioria dosmétodos participativos aplicados nas comunidades,a construção da autonomia ou mesmo a realizaçãode diagnósticos e as decisões coletivas, não obedecema uma lógica puramente racional. As relaçõesinterpessoais nos grupos locais mobilizamimportantes laços afetivos e referências imagináriase, por isso mesmo, precisam ser trabalhadas tambémno plano da subjetividade dos processos psicossociais,com uma metodologia adequada.

Por isso, os facilitadores do desenvolvimento daorganização social nas comunidades locais devem teruma formação abrangente que compreenda aracionalidade técnica e os aspectos subjetivos docomportamento. É indispensável que se organizemem equipes multidisciplinares que utilizem seusconhecimentos para facilitar o processo social e querespeitem de maneira radical o saber das comunidadeslocais, como o saber que se expande pelo próprioprocesso de aprendizagem e no qual se construirá odesenvolvimento local, que é o objetivo daorganização social de base.

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A sensibilidade para respeitar a organizaçãode base

Integridade dos processos sociais, nos diversosníveis aqui analisados, exige uma articulação efetivaentre os agentes sociais envolvidos em cada nível deorganização e destes com os agentes governamentaisresponsáveis pelas políticas públicas, o que justificauma atenção especial aos métodos de trabalho, objetodo próximo capítulo.

No momento presente, essa interação poderá serfacilitada em nível federal pela postura de um governopopular, ressalvados os limites por razões estruturais.De um lado, porque os órgãos do Estado têm umacultura tecnocrática historicamente sedimentada emdécadas de serviço público, cujas mudanças têmdesafiado vários governantes. Na melhor dashipóteses, sensibilizar os profissionais e ajustar osprocedimentos burocráticos da máquinagovernamental para uma atitude adequada aosprocessos sociais na base das comunidades levaráalguns anos. Do outro lado, haverá dificuldadestambém nas organizações da sociedade civil. Primeiro,porque a cultura que os profissionais dessasorganizações receberam na sua formação universitáriaé também tecnicista e diretiva, com baixa sensibilidadepara a escuta e o respeito ao saber popular; segundo,porque, como falamos acima, a autonomia dascomunidades locais induz uma percepção exageradade riscos de instabilidade que muitas organizações não

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querem correr, pela justa razão de não querer arriscaras posições conquistadas ao longo de muita luta. Háainda a xenofobia política muito freqüente nasorganizações não-governamentais, marcandoposições de oposição a se integrar em trabalhos como governo. Essa atitude (sem tirar as razões dos que aassumem), em muitos casos, ajuda a engessar aspossibilidades concretas de implementação depolíticas públicas em articulação com os setores sociaismais próximos da base.

As relações micro-macroNa continuidade dessa reflexão sobre a

importância que se dá às organizações de base, nosparece ainda importante estabelecer um olhar atentosobre as contradições dialéticas que permeiam aorganização social entre as instâncias de coordenação,no plano macro, e as organizações de base, no planomicro. Estamos particularmente preocupados com ahipertrofia e a tendência de controle de um dessesníveis em relação ao outro, e seus reflexos na expansãoe na estabilidade do processo democrático.

Na prática, mesmo reconhecendo a importânciadas macroorganizações nacionais e regionais na lutapelas definições e acesso às políticas públicas, é preci-so reconhecer que, em muitas situações, a qualidadedas organizações de base não corresponde ao que sepoderia esperar, seja do ponto de vista da mobilização,

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seja na clareza dos fundamentos ideológicos da açãoe, até mesmo, em alguns casos, do ponto de vista éti-co. Esse é um problema estrutural, não apenas pelafragilidade da base da organização social, mas pelatutela que se estabelece dos núcleos dirigentes sobreas bases fragilizadas.

Esses problemas, que aparecem de maneira maisou menos generalizada em diversos segmentosorganizados na sociedade brasileira, carecem de umaatenção especial no caso das organizações populares,onde se depositam as esperanças maiores dedesenvolvimento da nossa democracia e cidadania.A nossa atenção se dirige aqui, sobretudo, para assituações onde se constituem grupos hegemônicos quese perpetuam nas lideranças com reduzida alternânciade poder, como pede a democracia, em que a tutelasobre a base só contribui para perpetuar adependência, fragilizando não apenas a organizaçãolocal, mas comprometendo, na base, a organizaçãopopular no seu conjunto.

A apropriação da autonomia das basesNessa linha de reflexão crítica, vemos surgir um

número cada vez maior de grandes organizaçõessociais que se constituem e se representaminstitucionalmente nas relações com a sociedade, comas estruturas do Estado e com outras organizaçõessociais, cuja legitimidade é aceita geralmente como se

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os próprios representados ali estivessem. Num mundoem que as comunicações são tão abrangentes quantoo âmbito da mídia mobilizada (quanto maisabrangente a mídia, mais credibilidade passa), a falapública dessas representações sociais dificilmente sãocontestadas pelos “representados”, sobretudo poraqueles que não têm acesso à mesma mídia.

É importante afirmar que, como pesquisador ecomo militante de longas datas, conhecendo de pertoa luta de muitas organizações e movimentos sociais emnível estadual, regional e nacional, não temos qualquermotivo para questionar a legitimidade ou a importânciapolítica e estratégica das organizações ou a honestidadede propósitos e a postura ética de seus dirigentes.Estamos aqui falando de questões de princípio e, porisso mesmo, não pudemos menosprezar a importânciado investimento na organização autônoma das basespara o avanço da democracia.

Uma postura crítica característica da filosofia dapráxis nos leva a considerar que a hipertrofia dopoder da hierarquia sobre as bases, no núcleo dessacontradição, não é apenas prejudicial ao avanço doprocesso democrático, mas a sua denegaçãoreforçaria a tendência de reprodução da dominaçãosocial, perpetuando o modus operandi dasoligarquias contra as quais se luta. Na prática, ossegmentos sociais, mesmo quando têm acesso aosbenefícios decorrentes das ações comandadas porlideranças hegemônicas, tendem a se manter numa

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relação de dependência semelhante a que tinham narelação com as classes dominantes.

Na seqüência dessa situação, muitos núcleosdirigentes que, não raro se perpetuam de maneirapersonalista ou grupal no comando das organizações,terminam se apropriando do poder, que correspondeao peso político das populações que representam. Ouso que se faz desse poder, como capital socialapropriado, tem duas orientações complementares:uma voltada para fora nas relações com as forçaspolíticas e econômicas da sociedade; outra, paradentro. Para fora, confere poder e projeta aslideranças no cenário político; para dentro, reforça ahierarquia e a dependência com relação aos líderes egarante o controle da organização e as vantagenssituacionais nos embates pela hegemonia.

Nas nossas análises sobre os assentamentos dareforma agrária, essa questão aparece mais claraquando se constata a fragilidade da organização socialdos assentados que dependem de suas lideranças parater acesso às mínimas informações sobre as políticaspúblicas, inclusive a consciência dos compromissosde débitos e outras obrigações com bancos e outrasinstituições públicas. Numa síntese sobre essa questão,poderíamos dizer que, quanto mais amplo é o âmbitoda estrutura organizacional, mais forte ela é; quantomais restrito e localizado é o coletivo, menor é suacapacidade de organização e articulação. Como

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corolário dessa síntese, se poderia concluir que nessequadro político da organização social, existe umacontradição central entre os níveis de organização demassa e institucional, cada dia mais fortes, e um nívelde organização de base fragilizado pela falta deidentidades coletivas e consciência social daspopulações excluídas.

Consideramos, finalmente, que a importância dese fortalecer a organização popular no âmbito nacio-nal, estadual e regional com vistas ao enfrentamentodo Estado na formulação e implementação das polí-ticas públicas, não pode justificar a redução de umapreocupação constante com a autonomia das organi-zações de base.

É razoável pensar que, diante da premência daslutas contra a exclusão social, não se pode esperarque as bases se fortaleçam para depois enfrentar amiséria e a fome, justificando estratégia de exceção,onde a vanguarda tem um papel fundamental na guerrade posições. É necessário considerar, no entanto, queessa estratégia não elimina a contradição acimareferida, nem os seus efeitos negativos sobre oconjunto das lutas populares por cidadania edemocracia. Não elimina, tampouco, a necessidadede analisar e buscar alternativas para o fortalecimentodessas populações.

Do ponto de vista prático, há que se investir naorganização de base com ênfase para a autonomia

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local, inclusive como referência para se fortalecer aorganização nos níveis de massa e institucional. Nossapesquisa sobre formação e apropriação do capitalsocial nos assentamentos da Reforma Agrária(MATOS, 2001) procura contribuir nessa direção,analisando a eficácia, sustentabilidade e efetividadedos processos organizacionais a partir da análise deuma tipologia de modelos centrados em diferentesreferências, como as lutas pela terra e por recursospara cultivá-la, a busca da racionalidade gerencial, aarticulação operativa pelo trabalho das lideranças e adependência com relação a eles, a existência do grupocomo regulador coletivo autônomo, entre outras.

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VIReferências metodológicas

Do ponto de vista metodológico, a nossapreocupação aqui é identificar quais as referênciascentrais de uma metodologia que possa serfacilitadora do desenvolvimento da autonomia dossujeitos sociais na base da organização popular,considerando o nosso atual contexto político e asreflexões levantadas até aqui.

Uma resenha dos diversos métodos com os quaistivemos contato, permitiu-nos estabelecer umatipologia com quatro modelos básicos, ordenadossegundo o grau crescente de complexidade, queprocuram incorporar na prática de desenvolvimentoda organização social e segundo o nível decontribuição à autonomia das comunidades, a seguir:• O modelo clássico de assistência técnica e extensão

rural, com uma abordagem unidimensional,centrada sobre as tecnologias de produção etécnicas racionais de planejamento incluindoorientações técnicas de caráter gerencial e adifusão de hábitos culturais ligados à higiene, à

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saúde e à organização social com objetivosprecisos (cooperativismo, associativismo ...);

• O modelo sociotécnico, que amplia os horizontesdo modelo clássico pela incorporação dosprocessos de formulação e decisãoparticipativas, por meio de coletivoscomunitários, pelo voto da maioria,freqüentemente associada a lideranças fortes quecoordenam os processos de discussão,influencia decisivamente os resultados erepresenta institucionalmente a comunidade,inclusive interpretando as opiniões coletivas. Osmovimentos sociais de defesa dos trabalhadoressem-terra, os movimentos sindicais e as ONGsde cunho ideológico são os que mais praticamesse tipo de método.

• O modelo antropológico, que se caracteriza pelavalorização do saber nativo, contra o colonialismocultural imposto pelos programas demodernização, preservando os valores locais e oengajamento da comunidade, facilitado pelacoerência cultural; defende-se, também, umarevisão dos valores da modernidade por uma éticade raízes nativas, resgatando o humanismo perdidonas inovações, representadas pelas ONGsambientalistas e entidades de cunho espiritualista.

• O modelo clínico, cujo objetivo central é aconstituição e o desenvolvimento de sujeitos

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sociais autônomos, pela explicitação dascontradições e negociação de mediaçõescoletivas, com respeito às singularidades. Comênfase para os aspectos subjetivos daorganização social, esses métodos visamfundamentalmente o empoderamento dascomunidades locais como ponto de partida paraprojetos que respondam às iniciativas e aosinteresses objetivos dos participantes, operandocom base em contratos coletivos negociados.

A par dessa tipologia, a orientação central que nosparece mais adequada à formação de sujeitos sociaisautônomos, se inscreve na mesma linha dos modelosclínicos cuja caracterização, na argumentação de Levy(2001:14), “compreende mais que um conjunto demétodos e de técnicas (...) duas faces complementares:um ato ou análise organizacional (...) e uma prática depesquisa diretamente implicada no processo demudança”. É importante salientar que, para Levy, apesquisa-ação é um instrumento de reflexão coletivade um sujeito coletivo que se analisa a si mesmo, suarealidade política, econômica e institucional e, combase nessa análise, planeja, executa e monitora suaslinhas de ação e seus projetos de desenvolvimento.

A análise se instala, antes de tudo, na reflexão sobreos processos coletivos, em que o grupo social (acomunidade) assume simultaneamente os papéis deobjeto e sujeito. Essa auto-análise não é uma tarefafácil, porque envolve processos sensíveis internos ao

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próprio grupo, onde se inscrevem relações afetivasque funcionam como inibidoras da explicitação decontradições e conflitos camuflados na convivênciadiária. Em última instância, a ocultação destascontradições serve para escamotear os mecanismosde poder no interior do grupo que precisam serdesalojados para permitir as mudanças na própriaestrutura das relações. A resistência à mudança seriauma atitude natural de defesa contra a desestabilizaçãode um sistema que, apesar de insatisfatório, estaria emequilíbrio. A resistência à mudança terminaconstruindo uma cumplicidade e um pacto de silêncioque se associa às dificuldades naturais de constituiçãode coletivos já referidas neste texto (associadas àsperdas das prerrogativas individuais).

Para quebrar essas inibições e resistênciasdefensivas, os coletivos precisam de apoio externode profissionais (facilitadores, animadores) cujasimplicações são de outra ordem, permitindoestabelecer um clima de abertura e confiança entre osmembros do coletivo para explicitar suascontradições e negociar mediações compatíveis como desenvolvimento da comunidade.

Esse papel de facilitador se reveste de muitaimportância para o processo, não apenas pelacondição de neutralidade nos aspectos que envolvemas relações internas do coletivo, mas também pelocompromisso com a autonomia. Em outras palavras,o facilitador deve se controlar permanentemente para

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evitar a tentação de desejar, pensar e decidir pelogrupo. Uma postura que precisa de qualificaçõesespeciais do ponto de vista ético, técnico e científico.

Na prática, esse trabalho de formação edesenvolvimento de sujeitos sociais, se inicia demaneira muito ambígua para a relação facilitador–coletivo porque, mesmo quando um grupo decidelançar mão da ajuda de um facilitador, nem todos osmembros do coletivo estão seguros sobre osobjetivos e os métodos desse trabalho, e terminamcom atitudes que nem sempre ajudam o processo. Unstendem simplesmente a resistir ao trabalho dofacilitador, confundindo sua resistência a constituir ogrupo com a resistência ao facilitador. Outros serendem a imagens idealizadas das competências ehabilidades do facilitador com o qual estabelecemrelações de dependência, no sentido contrário aopropósito do trabalho.

Partindo dessa situação e visando estabelecer umcontrato de cooperação que, em princípio, interessaa ambos, coletivo e facilitador podem ser levados aescamotear as dificuldades naturais de um contratode apoio ao desenvolvimento do grupo, transferindoo problema para o futuro, quando pretensamente aevolução do processo possibilitaria mais clareza e maisabertura para explicitar dúvidas e sentimentos.

Ao facilitador compete trabalhar esse processo atéum limite possível de confiança mútua, de maneira que

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a relação de trabalho possa se estabelecer a partir doentendimento comum sobre os pontos fundamentaisdo trabalho, como os respectivos papéis e o métodode trabalho a ser adotado, o nível de compromisso como processo, os honorários profissionais e suas fontes,entre outras referências básicas para o estabelecimentoda relação de trabalho. É compreensível que, com onível de complexidade da organização e as implicaçõesde todos os atores envolvidos, seria ilusório imaginarque desde o início se pudesse estabelecer um contratode intervenção com todos os detalhes.

Segundo Levy (1997:98), para estabelecer umarelação consistente com os grupos, o facilitador

deve necessariamente negociar com osatores, na situação onde opera, desde osprimeiros contatos, no momento dadefinição do enquadramento e doplanejamento da intervenção, mas tambémno decorrer do processo, até a sua conclusão.

Segundo o método de trabalho que temosexperimentado, a evolução do trabalho dedesenvolvimento de um coletivo evolui de um estágioinicial de dependência com relação às lideranças e aofacilitador, a uma fase de explicitação das diferençasdas contradições dos conflitos, cuja emergência éindispensável à mediação e negociação dos papéis eprojetos coletivos.

Não seria o momento aqui de detalhar este método,objeto de um texto específico que está sendo

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concluído, mas seria importante registrar que, com aevolução da constituição do sujeito social, entram emcena de maneira concomitante, os dispositivostécnicos e os processos de decisões participativas quecaracterizam os modelos técnico e sociotécnicoapresentados acima. A diferença é que, como sujeitossociais, as comunidades se apropriam dessesdispositivos e podem estabelecer relaçõesconstrutivas com o saber técnico, sem ficar nadependência dos profissionais, como ocorretradicionalmente nos programas de assistência técnicae produção rural.

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VIIÀ guisa de conclusões

Como um texto aberto às discussões, não se podepretender estabelecer conclusões, senão comoquestões a postularem uma reflexão que nos leve atodos, além dos limites das que foram aquiapresentadas. Sabemos que algumas das reflexões játêm em si um caráter polêmico, como é o caso daspráticas de subordinação entre os níveis deorganização de base, institucionais e de massa ou asrelações hegemônicas no interior das organizaçõesinstitucionais, com um viés de continuísmo epermanência no poder. Para além dessesquestionamentos, mais dirigidos à existência ou nãodessas práticas nos movimentos populares, restasaber qual o nível de importância desse tipo depostura no conjunto das forças populares e quais asconseqüências para a evolução do processodemocrático e da cidadania.

Como fundamentos de um debate mais profundodo ponto de vista político, nos parece tambémimportante questionar os significados objetivos daorganização de base na consolidação das conquistas

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que se expressam na organização de massas peloprocesso eleitoral e na organização institucional, pelore-ordenamento do Estado pelos eleitos.

Resta ainda, entre muitas outras questões a levantar,um debate sobre o papel e os limites das forças devanguarda nas conquistas sociais, na consolidação dademocracia, na autonomia das bases e na construçãoda cidadania. Nessa mesma linha, qual o papel dostécnicos, dos intelectuais e da academia neste processo?

Finalmente, nos perguntamos, a nós mesmos, seeste é o momento de escrever e polemizar, quando amaioria da população e da militância está feliz com asconquistas recentes; não seria mais razoável manter alógica das lutas mais abrangentes, cujos resultados sãomais plausíveis, antes de fazer um movimento tãocomplexo quanto investir na organização de base? Nofinal das contas, não se estaria ressuscitando umbasismo anacrônico, cuja contribuição ao processodemocrático pode ser insignificante?

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Sobre os autores

PrefácioRicardo Abramovay é sociólogo, professor titular do

Departamento de Economia da FEA e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP. Autor de Paradigmas doCapitalismo Agrário em Questão (Hucitec/Edunicamp, prêmioAnpocs) vem-se dedicando, nos últimos anos, a diferentes dimensõesdo desenvolvimento rural: pelas edições NEAD publicou, juntamentecom pesquisadores da Epagri de Santa Catarina, Os Impasses Sociaisda Sucessão Hereditária na Agricultura Familiar e, anteriormente,sobre o mesmo tema, Juventude e Agricultura Familiar (EdiçõesUnesco). Seus principais artigos sobre desenvolvimento territorialestão no livro a ser publicado em 2003 pela Editora da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul: O futuro das regiões rurais.Atualmente dirige uma equipe de pesquisa voltada especificamenteao conhecimento das finanças de proximidade e seu papel nodesenvolvimento territorial.

TextoAécio Gomes de Matos é professor nos cursos de pós-graduação

em Sociologia e de graduação em Psicologia da Universidade Federalde Pernambuco.

Formado em Engenharia Industrial UFPE (1968), fez pós-graduação em Política e Estratégia das Organizações (1976) naUniversidade de Paris, onde concluiu o doutorado em PsicologiaSocial em 1980, com uma tese sobre o comportamento das pequenasempresas do Nordeste do Brasil.

Como estudante, foi presidente do Diretório Acadêmico daEscola de Engenharia da UFPE e da União Nacional dos Estudantes

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de Engenharia, tendo sido preso e condenado a dois anos pela justiçamilitar do IV Exército em 1966/67.

No início dos anos 70, trabalha como técnico no Núcleo deAssistência Industrial apoiando o desenvolvimento de pequenas emicroempresas no Estado de Pernambuco, uma sociedade civil semfins lucrativo, precursora do Sebrae. É nesta experiência que oengenheiro começa a se transformar em psicólogo social e em sociólogo.

Na segunda metade dos anos 70, constitui com outroscompanheiros de militância política o Centro de Pesquisa e AçãoSocial, com uma década de trabalho apoiando o desenvolvimento deunidades pobres na Região Metropolitana do Recife. Nos anos 80,como consultor e pesquisador desenvolve métodos de trabalho nalinha de grupos operativos e de outras metodologias participativas,trabalhando em órgãos públicos, ONGs e formação profissional.

Em 91, foi aprovado em concurso para professor da UFPE,onde hoje assume disciplinas na área de Psicologia do Trabalho ePsicologia Institucional, no curso de graduação em Psicologia, e naárea de Análise Institucional e Intervenção Sociológica no curso depós-graduação em Sociologia.

Nos anos 90, como pesquisador do CNPq e do NEAD, realizapesquisas sobre o comportamento do servidor público, sobre ocapital social nos assentamentos da reforma agrária e sobremetodologias para desenvolvimento da organização social no meiorural. Com base nessas pesquisas e no seu trabalho como professor,publicou vários textos sobre comportamento organizacional,organização social e intervenção sociológica. Nesta mesma década,assume várias funções públicas ligadas à reforma agrária e agriculturafamiliar sem se desligar das funções de professor.

Atualmente, como professor e pesquisador da UFPE, desenvolveuma pesquisa de aprofundamento sobre as metodologias de gestãodo conhecimento e facilitação dos processos de desenvolvimento degrupos comunitários.

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Projeto GráficoTereza Vitale

Diagramação e CapaDaniel Dino

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