reevviisstta a jjuurrííddiicca - cognitio juris · ano v - número 12 - junho 2015 dados...

445
Revista Jurídica Ano V - Número 12 - Junho 2015 www.cognitiojuris.com

Upload: others

Post on 29-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

RReevviissttaa JJuurrííddiiccaa

Ano V - Número 12 - Junho 2015

www.cognitiojuris.com

Page 2: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

2 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Page 3: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 3

wwwwww..ccooggnniittiioojjuurriiss..ccoomm

Page 4: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

4 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Page 5: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 5

RReevviissttaa JJuurrííddiiccaa

Ano V - Número 12 - Junho 2015 ISSN 2236-3009

wwwwww..ccooggnniittiioojjuurriiss..ccoomm

Page 6: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

6 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

© 2015 by Cognitio Juris – Revista Científica Jurídica

© 2015 by Markus Samuel Leite Norat

Ano V - Número 12 - Junho 2015

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Cognitio Juris – Revista Científica Jurídica

Cognitio Juris / Markus Samuel Leite Norat. João Pessoa: Ano

V, Número 12, junho 2015.

Semestral.

445 p.

1. Direito I. Cognitio Juris.

CDU-34 (05)

ISSN 2236-3009

Índice para catálogo sistemático:

1. Direito 34 (05)

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É proibida a reprodução desta obra, por

qualquer forma ou qualquer meio, sem a devida autorização do Conselho Editorial da

Cognitio Juris. A violação dos direitos autorais é crime tipificado na Lei n. 9.610/98 e

artigo 184 do Código Penal. A Revista Cognitio Juris não se responsabiliza pelos

ideários, conceitos, apreciações, julgamentos, opiniões e considerações lançados nos

textos dos artigos. Os textos são de inteira e exclusiva responsabilidade de seus

autores.

CCooggnniittiioo JJuurriiss www.cognitiojuris.com

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

Page 7: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 7

SSUUMMÁÁRRIIOO

Sobre a Revista.................................................................................. 09 Conselho Científico ........................................................................... 11 Diretrizes ........................................................................................... 28 Enviar Artigos .................................................................................... 39 Apresentação .................................................................................... 30 A ABORDAGEM PROCESSUAL ESCRITA DA CONFISSÃO: ERROS DE INTERPRETAÇÃO, ERROS NA BUSCA PELA VERDADE REAL Ludmila Corrêa Dutra ................................................................................... 32 A HARMONIA DAS DECISÕES JUDICIAIS COMO COROLÁRIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE O NOVO CPC Jonas Nicácio Veras ; André Ricardo Fonseca da Silva ................................. 56 A HISTÓRIA E SUAS CONCAUSAS PARA O CRIME ORGANIZADO Carla Maria Fernandes de Brito Barros........................................................ 78 A INTERLIGAÇÃO ENTRE AS BACIAS HIDROGRÁFICAS COMO PRESSUPOSTO PARA A PROTEÇÃO DO EQUILÍBRIO AMBIENTAL E DA QUALIDADE DE VIDA Vladimir Polízio Júnior .................................................................................. 90 A LEGITIMIDADE DO CONGRESSO NACIONAL E A REFORMAÇÃO QUE DEVE ANTECEDER A REFORMA POLÍTICA Vladimir Polízio Júnior .................................................................................. 128 A TUTELA DA EVIDÊNCIA NO NOVO CPC Fernanda Trentin ; Sabrina Silva .................................................................. 171 CONSIDERAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS ORIUNDAS DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE EM DECORRÊNCIA DE SUBMETIMENTO A TRATAMENTO DE EFEITO PLACEBO Andreza de Queiroz Lustiago ....................................................................... 200

Page 8: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

8 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

DIALOGANDO SOBRE SEGURIDADE SOCIAL: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA SOCIAL DE ASSISTÊNCIA NO MUNICÍPIO DE CRUZ DO ESPÍRITO SANTO/PB André Ricardo Fonsêca da Silva ................................................................... 244 IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PORTADORES DE DOENÇAS GRAVES E O EXERCÍCIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Edson Franciscato Mortari ........................................................................... 255 JUSTIÇA ADMINISTRATIVA NO QUADRO DA SEPARAÇAO DE PODERES - O PODER DE SUBSTITUIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO Naldemar Miguel Lourenço ......................................................................... 277 KANT E O IDEALISMO ALEMÃO Flamarion Tavares Leite ............................................................................... 308 LICITAÇÃO: ALGUMAS NUANCES DO INSTITUTO Tayson Ribeiro Teles .................................................................................... 327 NOÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA BITRIBUTAÇÃO EXISTENTE ENTRE O IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E O IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS EM FACE DAS SUAS INCIDÊNCIAS NA IMPORTAÇÃO José Airton Bezerra Lima Junior ; Gilvan Linhares Lopes .............................. 351 O ESTADO VERSUS O BRASIL: A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O DAY AFTER DA OPERAÇÃO LAVA JATO Israel Quirino................................................................................................ 372 RICHARD A. POSNER: PRAGMATISMO JURÍDICO, UTILITARISMO, ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E RELAÇÃO ENTRE O DIREITO E ECONOMIA Maria Leopoldina Coutinho da Silva Ribeiro ................................................ 386 TUTELA ANTECIPADA “EX OFFICIO” E RESPONSABILIDADE PROCESSUAL Pedro Pierobon Costa do Prado ................................................................... 411

Page 9: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 9

SSOOBBRREE AA RREEVVIISSTTAA

A Revista Cognitio Juris é uma publicação científica da área

jurídica, sem fins lucrativos, com periodicidade semestral. A Revista compreende artigos escritos na língua portuguesa e

espanhola, de todos os ramos do Direito e áreas afins. São textos que primam pela apresentação de um estudo completo e didático dos assuntos abordados em cada matéria.

Os Juristas-Membros do Conselho Editorial da Revista Cognitio Juris foram judiciosamente selecionados, de acordo com a experiência profissional de cada um em suas respectivas áreas: são mestres, doutores, docentes de diversas universidades e profissionais de perfil equiparável, de forma que, essencialmente, cumprem os requisitos para engrandecer, com excelência, a produção científica.

O conteúdo do(s) artigo(s) publicados na Revista Jurídica Científica Cognitio Juris, inclusive quanto a veridicidade, atualização e precisão dos subsídios e artifícios, é de única e exclusiva responsabilidade do(s) autor(es). A Revista Cognitio Juris não se responsabiliza pelos ideários, conceitos, apreciações, julgamentos, opiniões e considerações lançados nos textos dos artigos. Os textos são de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores.

A Cognitio Juris é indexada:

Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - IBICT - ISSN 2236-3009; Periódicos CAPES - Brasil; Bibliothekssystem der Justus-Liebig-Universität Giessen - Regensburg, Alemanha; Bibliothekssystem Universität Hamburg, Alemanha;

Page 10: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

10 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Directorio de Publicaciones científicas españolas e hispanoamericanas - Universidad de La Rioja - Fundación Dialnet; Directory of Open Access Journals - DOAJ, Lund University Libraries - Lund, Suécia; eBibliothek E-Zeitschriften - Rheinischen Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn, Alemanha; Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal - LATINDEX; Staatsbibliothek zu Berlin; The Social Science Research Center Berlin - The WZB Wissenschaftszentrum Berlin für Sozialforschung; Universitätsbibliothek Clausthal - Technischen Universität Clausthal.

Anuncie na Revista Cognitio Juris: A Revista Jurídica Cognitio Juris

é um periódico distribuído eletronicamente cujo acesso é totalmente gratuito. A Revista não tem fins lucrativos, deste modo, disponibiliza espaços publicitários em suas páginas apenas para cobrir os custos de manutenção. Eventuais valores remanescentes poderão ser doados.

Anuncie na Revista Cognitio Juris entrando em CONTATO conosco através do site www.cognitiojuris.com

Cognitio Juris - Revista Jurídica. - Ano V. Número 12. João Pessoa, Junho 2015. Periodicidade Semestral (Publicação nos meses de junho e dezembro) Direito - Periódico CDU 34(05) Revista Cognitio Juris E-mail: [email protected] URL: http://www.cognitiojuris.com

Page 11: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 11

CCOONNSSEELLHHOO CCIIEENNTTÍÍFFIICCOO Markus Samuel Leite Norat Brasil Membro-Diretor Geral e Editorial Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Pós-Graduação em Direito Eletrônico; Pós-Graduação em Direito Civil, Processo Civil e Direito do Consumidor pela UNIASSELVI - Centro Universitário Leonardo da Vinci - ICPG - Instituto Catarinense de Pós Graduação; Pós-Graduação em Direito de Família; Pós-Graduação em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela ESA-PB - Escola Superior da Advocacia da Paraíba - Faculdade Maurício de Nassau; Pós-Graduação em Direito Ambiental pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ; Extensão universitária em Direito Digital pela Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo; Extensão universitária em Didática Aplicada pela UGF; Extensão universitária em Novas Tecnologias da Aprendizagem: Novas Plataformas pela UGF; Extensão universitária em Políticas Educacionais pela Universidade Gama Filho; Extensão universitária em Aspectos Filosóficos pela UGF; Curso de Capacitação em Direito do Consumidor VA pela Escola Nacional de Defesa do Consumidor - ENDC-DPDC-SENACON-Ministério da Justiça; Curso de Proteção de Dados Pessoais pela ENDC; Curso de Defesa da Concorrência VA pela ENDC; Curso de Crimes Contra as Relações de Consumo pela ENDC; Curso para o Jovem Consumidor pela ENDC; Curso de Formação de Tutores 1 DC pela ENDC; Curso de Formação de Tutores 2 DC pela ENDC; Curso de Práticas Eleitorais pela Escola Superior de Advocacia da OAB PB; Advogado; Coordenador do Departamento de Pós-Graduação das Faculdades de Ensino Superior da Paraíba - FESP Faculdades; Professor do Departamento de Pós-Graduação da Fundação Escola Superior do Ministério Público da Paraíba; Professor da Escola Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça; Membro Coordenador Editorial de Livros Jurídicos da Editora Edijur (São Paulo); Membro-Diretor Geral e Editorial da Revista Científica Jurídica Cognitio Juris, ISSN 2236-3009, www.cognitiojuris.com; Membro Coordenador Editorial da Revista Ciência Jurídica, ISSN 2318-1354; Membro do Conselho Editorial da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, ISSN 2237-1168; Membro do Conselho Científico da Revista da

Page 12: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

12 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

FESP: Periódico de Diálogos Científicos, ISSN 1982-0895; Autor de livros e artigos jurídicos. www.markusnorat.com Petronio Bismarck Tenorio Barros Brasil Membro-Coordenador Acadêmico Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; Pós-Graduação em Direito Processual Civil; Professor e Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ; Advogado. Adriano Marteleto Godinho Brasil Membro do Conselho Científico Professor de Direito Civil na Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2005). Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa. Autor do livro A Lesão no Novo Código Civil Brasileiro. Possui diversos artigos científicos e capítulos de livros publicados no Brasil e no exterior. Palestrante e conferencista em eventos realizados no Brasil e no exterior. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Civil. Membro-fundador do Instituto de Direito Civil-Constitucional. Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Parecerista de Revistas Jurídicas editadas no Brasil e no exterior. Advogado. Tem experiência na área de Direito Privado, com ênfase em Direito Civil. Ângela Maria Marini Simão Portugal Frota Portugal Membro do Conselho Científico Curso Superior de Pedagogia (Coimbra); Pós-Graduação pela Universidade de Angola, Sá da Bandeira; Especialista em Educação para o Consumo e em Segurança Alimentar; Professora efectiva da Escola Professora Preparatória Marquês da Bandeira - Angola; Professora efectivada do ensino secundário em Coimbra – Portugal; Co-fundadora da apDC - sociedade portuguesa de Direito do Consumo, sediada em Coimbra; Co-fundadora da ACOP - Associação de Consumidores de Portugal e membro da direcção; Directora do Centro de Formação para o Consumo, adstrito à

Page 13: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 13

apDC, desde 1989; Dirigiu o Secretariado Técnico-Científico de inúmeras manifestações científicas Nacionais e Internacionais; Presidente da Comissão Executiva da I Conferência Europeia de Educação do Consumidor (1989), sob a égide da Comunidade Europeia, que houve lugar em Coimbra; Presidente do Instituto Nacional de Educação do Consumidor (1989); Conferencista nacional e internacional; Autora de livros e artigos jurídicos. Antonio Baptista Gonçalves Brasil Membro do Conselho Científico Pós-Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidad de La Matanza; Pós-Doutorando em Ciências da Religião pela Pontífica Universidade Católica de São Paulo; Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontífica Universidade Católica de São Paulo; Pós-Graduação em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra; Especialista em International Criminal Law: Terrorism's New Wars and ICL'S Responses pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali; Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra; Pós-Graduação em Direito Penal - Teoria dos Delitos pela Universidad de Salamanca; Pós-Graduação em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas; Pós-Graduação em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas; Advogado. Belinda Pereira da Cunha Brasil Membro do Conselho Científico Doutora em Direito pela Pontífica Universidade Católica de São Paulo; Mestre em Direito pela Pontífica Universidade Católica de São Paulo; Doutorado sanduíche na Universidade de Roma, La Sapienza, através da CAPES; Coordenadora do Grupo de Pesquisa Impacto, Sustentabilidade e Gestão Ambiental UFPB/CNPq; Professora do Programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade Federal da Paraíba, Mestrado e Doutorado; Coordenadora Acadêmica da Área de Direito Econômico; Professora do Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente em Rede - PRODEMA. Professora da Escola Superior da Magistratura da Paraíba. Professora da

Page 14: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

14 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Escola Superior da Magistratura da Bahia. Professora Concursada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, dos Cursos de Especialização da COGEAE; da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo; Professora convidada da Universidade Metropolitana de Santos; Foi assessora executiva do IDEC e coordenadora jurídica da mesma instituição. Foi coordenadora do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba; Autora de livros e artigos jurídicos. Diego Germán Mejía-Lemos França Membro do Conselho Científico Doutor em Filosofia pela Faculty of Law - National University of Singapore; Mestre em Derecho Internacional y Comparado pela Faculty of Law - National University of Singapore; Mestre em Business Law pela New York University School of Law (EUA); Pós-Graduação em Derecho Administrativo pela Faculdad de Derecho da Universidad Nacional de Colombia; Investigador; Professor Universitário; Advogado. Eduardo Ramalho Rabenhorst Brasil Membro do Conselho Científico Curso de mestrado em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba em 1990 na área de filosofia da história com a aprovação de uma dissertação sobre a Estética de Hegel. No ano seguinte, bolsista da CAPES, realizou seu D.E.A (Diploma de Estudos Aprofundados) em filosofia na Université de Strasbourg I (França) defendendo uma dissertação sobre A Teoria dos Atos de Linguagem e o Direito, obtendo grau máximo. No ano de 1996 obteve seu diploma de Doutorado na mesma instituição francesa com uma tese sobre o Descritivo e o Normativo, elaborada sob oientação do Prof. Dr. Jean-Luc Petit. Docente da Universidade Federal da Paraíba desde o ano de 1990, ele é hoje Professor Associado nível 4, lotado no Centro de Ciênciais Jurídicas da UFPB, instituição por ele também dirigida entre os anos de 2004 e 2012. Na mesma instituição criou e coordenou o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e direito. Tem experiência acadêmica nas áreas de filosofia do direito, filosofia política, sociologia jurídica,

Page 15: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 15

direitos humanos, hermenêutica jurídica e bioética. Como gestor público exerceu os cargos de coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito da UFPB e de Ouvidor Geral da UFPB. Atuou como colaborador em diversas instituições de ensino, dentre elas as Universidades Federais de Pernambuco e do Rio Grande do Norte, e as Escolas das magistraturas da Paraíba e Rio Grande do Norte. No plano internacional é membro do Jura Gentium, Centro de Filosofia do direito internacional da Universidade de Florença (Itália). É também Membro Honorário da Associação de Juízes para a Democracia - Secção Pernambuco. Desde 2013 é vice-reitor da Universidade Federal da Paraíba. Edvaldo Carvalho Alves Brasil Membro do Conselho Científico Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (2007); Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (2002); Professor Adjunto II do Departamento de Ciência da Informação - DCI/ UFPB; Vice Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação - PPGCI/UFPB e Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Sociologia e Informação (GEPSI). Fernando Antônio de Vasconcelos Brasil Membro do Conselho Científico Mestre e Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco; Pós-Graduação em Direito Civil pela Universidade Federal da Paraíba; Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor da Universidade Federal da Paraíba e do Centro Universitário de João Pessoa; Autor e Coautor de livros e artigos jurídicos. Frederico Franco Alvim Brasil Membro do Conselho Científico Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Pós-Graduação em Direito e Processo Eleitoral; Analista Judiciário; Professor do Curso de Extensão em

Page 16: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

16 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Direito Eleitoral da Escola Judiciária Eleitoral do TRE-MT; Membro da Comissão Permanente de Estudos do TRE-MT; autor de livros jurídicos. Guilherme Costa Câmara Brasil Membro do Conselho Científico Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Pós-Graduação em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Professor do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Promotor de Justiça; Professor das Pós-Graduações do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais; Autor de livros e artigos jurídicos. Gustavo Rabay Guerra Brasil Membro do Conselho Científico Doutor em Direito, Estado e Constituição pela da Universidade de Brasília (UNB, 2010). Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2002). Professor Adjunto do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (CCJ-UFPB). Vice-Diretor da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção da Paraíba (OAB-PB). Membro Honorário da Escuela Judicial de América Latina (EJAL). Colaborador da Coordenação de Pós-Graduação do Instituto dos Magistrados do Distrito Federal (IMAG-DF) e da Escola Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (ESMA-TJPB). Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI) e da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). José Farias de Souza Filho Brasil Membro do Conselho Científico Doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba; Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo PRODEMA/UFPB; Pós-Graduação em Direito pela UFPB; Pós-Graduação em Curso de Preparação

Page 17: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 17

à Magistratura de Carreira pela ESMA-PB; Membro do Ministério Público do Estado da Paraíba; Professor Adjunto do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ e da Fundação Escola Superior do Ministério Público da Paraíba (FESMIP). José Geraldo Brito Filomeno Brasil Membro do Conselho Científico Mestrado (créditos) em Direito Civil (1979-1981) pela Faculdade de Direito da USP; Advogado; Professor e Consultor Jurídico em Direito do Consumidor; Gestor do curso de Direito da Universidade de Mogi das Cruzes - SP; Professor de Teoria Geral do Estado e Ciência Política na Universidade de Mogi das Cruzes - SP; Membro da Academia Paulista de Direito; Membro da comissão de juristas que assessora o Comitê nº 7 do Mercosul, para normas do Direito do Consumidor; Procurador-geral de justiça do Estado de São Paulo (2000-2002); Primeiro Promotor de justiça a exercer funções de Curadoria do Consumidor; Implementou as Promotorias de Justiça do Consumidor do Estado e o seu Centro de Apoio Operacional, coordenando-o por 13 anos; Coordenador-adjunto da comissão do conselho Nacional de Defesa do Consumidor que elaborou o anteprojeto de Código de Defesa do Consumidor; Integrante da Comissão do Ministério da Justiça que elaborou o anteprojeto da "lei antitruste" (Lei nº 8.884/94); Autor de diversos livros jurídicos. Katia Fach Gómez Espanha Membro do Conselho Científico Doutorado Europeu por la Universidad de Zaragoza (España), con estancias investigadoras en el Instituto Max Planck de Derecho Internacional Privado y Comparado de Hamburgo (Alemanhã); Master em Derecho Internacional-Comércio Internacional-Arbitragem Internacional (International Business & Trade Law) pela Fordham University de Nova York (EUA); Professora Títular de Derecho Internacional Privado da Universidad de Zaragoza; Participação em diversos projetos de investigação da União Europeia, projetos do Ministério da Educação e Cultura da Espanha e projetos da Universidad de Zaragoza; Tradutora de

Page 18: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

18 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

obras jurídicas do idioma alemão para o espanhol; Autora de diversos livros e artigos jurídicos. Leonardo de Medeiros Garcia Brasil Membro do Conselho Científico Procurador do Estado do Espírito Santo; Ex-Procurador Federal com exercício no Gabinete do Advogado-Geral da União (AGU) com atuação específica perante o STF; Pós-Graduação em “Derecho del Consumo y Economia” pela Universidad de Castilla la Mancha de Espanha; Professor da Escola da Magistratura do Estado do Espírito Santo – EMES; Professor da Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo - ESMP; Professor do Curso Praetorium (Rede Sat e Presencial); Professor do Curso CERS - Complexo de Ensino Renato Saraiva (PE); Professor do Curso Alcance (RJ) - preparatório para o MPF; Professor do Curso Juspodivm (BA); Professor do Curso Fórum (RJ); Professor e palestrante da Escola Superior da OAB/ES; Autor de diversos livros jurídicos. Lucilene Solano de Freitas Martins Brasil Membro do Conselho Científico Pós-Graduação em Ciências Jurídicas pela Universidade Potiguar; Pós-Graduação pela Escola Superior da Magistratura - ESMA; Pós-Graduação em Processo Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa; Professora do Centro Universitário de João Pessoa; Funcionária do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba; Autora de livros jurídicos. Luis Daniel Crovi Argentina Membro do Conselho Científico Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; Professor Regular de Derecho Civil na Universidad de Buenos Aires - UBA (Argentina); Professor de Derecho Civil III e do Doctorado en Ciencias Jurídicas y Sociales da Universidad del Museo Social Argentino - UMSA (Argentina); Professor do Doctorado en Derecho da UCA sede Rosario; Professor da Carrera de Posgrado en Administración de Justicia na Universidad de Buenos Aires - UBA

Page 19: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 19

(Argentina); Professor de Contrato na Universidad de San Andrés (Argentina); Diretor e professor do Curso de Derecho de Daños en la Defensoría General de la Nación. Autor e coautor de vários livros a artigos jurídicos; Diretor da seção “Temas de Derecho Civil-Parte General”, da Revista "Jurisprudencia Argentina", Editorial Abeledo Perrot; Conferencista, membro titular e autoridade de vários congressos e jornadas, realizados na Argentina, Uruguai e Bolívia. Manoel Alexandre Cavalcante Belo Brasil Membro do Conselho Científico Doutorado de Estado em Ciência Política - Université Des Sciences Sociales de Toulouse (1984), Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1977), Mestrado em Ciência Política (DEA) - Université Des Sciences Sociales de Toulouse (1981). Fundador e primeiro Coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências Jurídicas da UFPB. Exerceu os cargos de Vice-Diretor e Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB. Atualmente é professor titular e Coordenador de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Ex-Professor Visitante da UFPB (2006-2008). Membro colaborador do Programa de Pós-graduação em Ciências Jurídicas da UFPB (mestrado e doutorado). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: sistemas políticos, direitos fundamentais, administração pública, ciência política, direito administrativo, regulação, empresas públicas, intervenção no domínio econômico. Márcia Amélia de Oliveira Bicalho Brasil Membro do Conselho Científico Doutora em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB; Mestrado em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB; Pós-Graduação em Criminologia e Psicologia Criminal pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ; Professora do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ; Tutora à distância da Universidade Federal da Paraíba - UFPB.

Page 20: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

20 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Maria do Socorro de Lucena Gomes Brasil Membro do Conselho Científico Doutoranda em Direito da Integração; Mestra em Direito do Consumidor pela Universidade Federal do Ceará - UFC; Pós-Graduação em Ciências Criminais pelo IBCCRIM; Professora Universitária de Antropologia Jurídica e Monografia Jurídica. María Isolina Dabove Argentina Membro do Conselho Científico Doutora em Direito pela Universidad Carlos III de Madrid (Espanha); Investigadora Adjunta do CONICET na Facultad de Derecho da Universidad de Buenos Aires; Docente Investigadora cat. I do Programa de Incentivos de la Secretaría de Políticas Universitarias. Diretora do Centro de Investigaciones en Derecho de la Ancianidad (Universidad Nacional de Rosario). Docente de graduação e pós-graduação da Facultad de Derecho da UBA (Argentina), Facultad de Derecho da Universidad Nacional de Rosario (Argentina), Facultad de Derecho da UNICEN (Argentina, Facultad de Psicología da Universidad Nacional de Mar del Plata (Argentina), Facultad de Derecho da Universidad del Museo Social Argentino (Argentina); Tem sido professora de pós-graduação no Brasil, Argentina, Nicaragua, Australia, Chile, Panamá e España; Dirige bolsas de doutorado do CONICET e teses e dissertações de doutorado e mestrado; Advogada; Autora de livros jurídicos. Mário Ângelo Leitão Frota Portugal Membro do Conselho Científico Doutoramento em Lovaina (Université Catholique à Louvain-la-Neuve) e Montpellier (Centre de Droit de la Consommation de la Faculté de Droit à l’Université de Montpellier et IRETIJ – Institut de Recherches et Traitement de l’Information Juridique à l’Université de Montpellier); Desempenhou funções docentes no ensino secundário no Lubango (Angola); Docente no ensino superior em Lisboa, Coimbra, Porto e Paris, nas seguintes

Page 21: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 21

instituições de ensino: Universidade de Lisboa – anos académicos de 1978/79 a 1980/81, Universidade de Coimbra / Faculdade de Direito – anos académicos de 1981/82 a 1992/93, Universidade Livre / Porto – ano académico de 1986/87, Universidade de Coimbra / Faculdade de Farmácia – anos académicos de 1981/82 a 1988/89, Universidade Lusíada / Porto – anos académicos de 1988/89 a 2002/2003, Universidade Nova de Lisboa – Nova Fórum – (master de direito das empresas e gestão de negócios) - anos académicos 2003/2004 e 2004/2005, Universidade de Paris XII – anos académicos 1991/92 a 2005/2006, Escola Superior do Ministério Público do Pará – de 1998/99 a 2004/2005; Sub-director do Instituto Universitário de Coimbra – Instituto Superior de Serviço Social “Bissaya Barreto” –, por nomeação do Governador Civil de Coimbra, nos anos académicos de 1988/89 a 1991/92; Secretário do Conselho Científico da Universidade Lusíada, Porto, de 1993/94 a 2001/2002; Membro Correspondente da ACADEMIA PAULISTA DE DIREITO, do Brasil; Membro da ACADEMIA DE LETRAS JOSÉ DE ALENCAR, Curitiba, Brasil; Conselheiro da Comissão do Direito na Sociedade da Informação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de S. Paulo, desde Setembro de 2008; Fundador e primeiro presidente da sociedade científica internacional – a AIDC - Associação Internacional de Direito do Consumo / Association Internationale de Droit de la Consommation-, criada em Coimbra em 21 de Maio de 1988, ora com sede em Bruxelas; Fundador e primeiro vice-presidente do Instituto Ibero-Latino-Americano de Direito do Consumidor (Buenos Aires/São Paulo); Fundador e primeiro vice-presidente da Association Européenne de Droit et Économie Pharmaceutiques (Paris) ; Fundador e presidente da apDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo, sociedade científica de intervenção, sediada em Coimbra, desde a sua fundação (1989); Fundador e director do CEDC – Centro de Estudos de Direito do Consumo de Coimbra, desde o ano académico de 1989/90; Fundador e primeiro director do Instituto Lusíada de Direito do Consumo, no Porto, de 1994/95 a 2002/2003; Fundador da DATAJURIS – a primeira base de dados jurídicos de Portugal – e seu primeiro director-geral (1988/92); Fundador e primeiro director do CEDIC – Centro de Estudos de Direito & Informática de Coimbra (1988/92); Membro correspondente do Centre de Droit de la Consommation da Universidade Católica de Lovaina (Bélgica) e do instituto análogo da Universidade de Montpellier (França) de 1990/91 a 1995/96;

Page 22: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

22 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Fundador e presidente da Comissão de Instalação do Instituto de Direito do Consumidor da Comunidade de Povos de Língua Portuguesa; Fundador e presidente do Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo (2011); Fundador e director da Escola Superior de Ciências de Consumo (2011); Conselheiro do Conselho de Prevenção do Tabagismo, em representação do Ministro-Adjunto de Agosto de 2002 a Dezembro de 2007; Presidente do Conselho de Administração do Centro de Arbitragem de Conflitos do Consumo do Porto, em representação da Câmara Municipal do Porto, desde 2002; Membro do Conselho de Administração da Associação de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Coimbra em representação da APDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo; Antigo conselheiro jurídico da Ordem dos Farmacêuticos (Coimbra); Antigo conselheiro jurídico da Associação Nacional dos Municípios Portugueses; Sócio honorário da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (Coimbra); Sócio honorário da ELSA – European Law Students Association (Associação Europeia de Estudantes de Direito) (Porto); Sócio honorário do “Rotaract” – Porto; Coordenou o “Guia do Consumidor”, Meribérica, Ldª, Lisboa; Dirige a RC – Revista do Consumidor –, editada em Coimbra, de que é fundador; Dirige a RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo –, revista científica, editada em Coimbra (de que é fundador); Dirige o NETCONSUMO – Jornal Virtual da apDC, editado de Coimbra (de que é fundador); Presidente do Conselho Diretor da REVISTA LUSO-BRASILEIRA DE DIREITO DO CONSUMO, revista científica, editada em Curitiba (de que é fundador); Colaborador permanente da RTP / Canal 1, em programas de promoção dos interesses e de protecção dos direitos dos consumidores, de 1990 a 1998; Colaborador permanente de mais de uma centena de publicações periódicas, em Portugal e no Brasil, para além de revistas científicas nacionais e internacionais; Conferencista nacional e internacional; Autor de livros e artigos jurídicos. Paula Costanza Sardegna Argentina Membro do Conselho Científico Pós-Doutorado do CONICET; Doutora em Direito pela Universidad de Buenos Aires; Doutora em Direito do Trabalho, Assistência Social e Direitos

Page 23: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 23

Humanos pela Universidad de San Carlos de Guatemala; Mestre em Direito e Economia pela Universidad de Buenos Aires; Professora Titular de Direito do Trabalho e Segurança Social da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidad de Buenos Aires; Professora do Doutorado na Faculdade de Direito da Universidad de Buenos Aires; Professora de Pós-Graduação no Mestrado em Direito do Trabalho e Relações Internacionais da Universidad Nacional de Tres de Febrero; Professora da Universidad Abierta Interamericana; Investigadora Categorizada pelo Conselho Interuniversitario Nacional pela Faculdade de Direito da UBA; Diretora de Projetos de Pesquisa do CONICET; Investigadora projetos Programação Científica UBACYT; Jurado e tutora de teses de doutorado na Universidad de Buenos Aires; Jurado em concursos de professores de Direito do Trabalho e Assistência Social em universidades nacionais; Ex-Diretora Geral do Emprego, Governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires; Autora e coautora de diversos livros e artigos jurídicos (“Lexis Nexis Laboral”, “Anales de Legislación Argentina”, “Legislación Laboral”, “Antecedentes Parlamentarios”, “Diario La Ley” entre outros). Paulo Antônio Maia e Silva Brasil Membro do Conselho Científico Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor Adjunto das Disciplinas Direito do Trabalho I e II do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Advogado Sócio Fundador do escritório Paulo Maia Sociedade de Advogados; Autor de livros jurídicos. Rafael Câmara Norat Brasil Membro do Conselho Científico Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino; Especialista em Assédio Moral no Direito do Trabalho; Advogado. Ramiro Anzit Guerrero Argentina

Page 24: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

24 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Membro do Conselho Científico Pós-Doutor em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela UNLAM; Doutor em Direito Penal e Ciências Penais pela USAL; Mestre em Estudos Estratégicos pela INUN; Professor Titular de Graduação e Pós-graduação da Universidade jesuíta del Salvador; Professor da Escola da Magistratura dos Estados do Pará, Paraíba e Rio Grande do Norte; Membro da Association for the Study of Middle East & Africa (USA); Membro da Sociedade Argentina de Análises Políticas; Autor de diversos artigos científicos e de 14 livros jurídicos, entre eles: Criminología, evolución y análisis (2007); Realidades y Perspectivas del Derecho Penal en el Siglo XXI (2011); Derecho Informático (2011); Derecho Penal y Paradigma Criminológico en America Latina (2012). Ramiro José Prieto Molinero Argentina Membro do Conselho Científico Doutor em Direito pela Universidad de Deusto, País Vasco, Espanha; Diplomatura de estudios avanzados en Derecho Civil pela Universidad de Deusto, Espanha; Licenciado em Direito pela Universidad de Buenos Aires; Professor da Faculdad de Derecho de la Universidad del Salvador; Professor en la Universidad de San Andrés; Professor do Doutorado da Universidad del Salvador - USAL; Professor do Doutorado da Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales - UCES; Professor do Doutorado em Ciencias Juridicas e Sociais da Universidad del Museo Social Argentino; Advogado; Autor de diversos livros e artigos jurídicos. Rodolfo Rubén Salassa Boix Argentina Membro do Conselho Científico Doutorado Europeu em Direito pela Facultad de Ciencias Jurídicas de la Universidad Rovira i Virgili de Tarragona, Espanha; Mestre em (Máster Oficial) Derecho de la Empresa y la Contratación pela Facultad de Ciencias Jurídicas de la Universidad Rovira i Virgili de Tarragona, Espanha; Professor de Direito Financeiro e Tributário na graduação e na Pós-graduação da Universidad Rovira i Virgili de Tarragona, Espanha; Investigador; Advogado; Autor de diversos livros e artigos jurídicos.

Page 25: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 25

Romulo Rhemo Palitot Braga Brasil Membro do Conselho Científico Doutor em Direito Penal Universitat de Valéncia - Espanha (2006), Título de Doutor em Direito legalmente reconhecido no âmbito nacional pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE. Mestre em Direito (DEA) - Universitat de València - Espanha (2004), Título de Mestre legalmente reconhecido no âmbito nacional pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Especialização em Direito Empresarial - Universidade Federal da Paraíba - UFPB (1998). Graduado em Direito - Centro Universitário de João Pessoa (1995). Professor Adjunto de Direito Penal da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Professor Permanente do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da mesma instituição e do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE). Advogado atuante desde 1995. Coordenador Regional Adjunto (PB e RN) do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM. ATUAÇÃO PROFISSIONAL E ACADÊMICA: Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE); Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Universitat de Valéncia (Espanha) (2002/2006); Universitá Degli Studi di Milano (Itália) (2006); Universit degli Studi di Parma (Itália) (2006); Oxford University (Inglaterra) (2006). Sérgio Cabral dos Reis Brasil Membro do Conselho Científico Master em "Teoria Crítica en Derechos Humanos y Globalización" pela Universidad Pablo de Olavide, Sevilla - Espanha; Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR/PR; Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba – ESMAT 13; Professor da graduação e da pós-graduação “latu sensu” do curso de Direito do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; Juiz do Trabalho no Estado da Paraíba. Sergio Cavalieri Filho Brasil Membro do Conselho Científico Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Page 26: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

26 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Janeiro; Procurador Geral do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro; Diretor geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) no período 2001 a 2004; Professor do curso de Direito da Universidade Estácio de Sá; Palestrante; Conferencista; Autor de livros jurídicos. Taciana Meira Barreto Brasil Membro do Conselho Científico Doutoranda em Direito Internacional; Pós-graduação em Direito dos Tratados pelo Centro de Direito Internacional - CEDIN, Membro da Academia Brasileira de Direito Internacional - ABDI; Membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-PB; Advogada; Professora do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Talden Queiroz Farias Brasil Membro do Conselho Científico Doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande; Doutorando em Direito da Cidade pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba; Pós-Graduação em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco; Professor universitário; Advogado; Membro da Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos do Conselho Nacional do Meio Ambiente; autor de livros e artigos Jurídicos. Terçália Suassuna Vaz Lira Brasil Membro do Conselho Científico Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco. Possui graduação e mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. É professora titular da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB. Tem experiência em docência, pesquisa e gestão na área de políticas sociais, especialmente na área da criança e do adolescente, atuando principalmente nos seguintes temas: criança/adolescente, direitos e trabalhol. Foi membro fundador e Coordenador do Fórum

Page 27: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 27

Estadual de Erradicação do trabalho Infantil e Proteção ao adolescente trabalhador - FEPETI e Fórum Estadual Lixo e Cidadania. Foi Conselheira Estadual da Assistência Social. Atua também como consultora na área de diagnóstico e planejamento social na gestão da politica nacional em resíduos sólidos. Atualmente coordena o Núcleo de estudo, pesquisa e extensão comunitária infanto-juvenil- NUPECIJ da Universidade Estadual da Paraíba. Ulisses Leite Crispim Brasil Membro do Conselho Científico Doutorando em Direito Público pela Universidad del Museo Social Argentino; Pós-Graduação em Educação pelo Centro Universitário de João Pessoa; Professor Universitário de Direito Eleitoral e História do Direito; Advogado.

Page 28: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

28 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

DDIIRREETTRRIIZZEESS Normas de Submissão 1. A Revista Cognitio Juris recebe artigos jurídicos de caráter científico, que tratem de qualquer área do Direito. 2. Somente serão aceitos artigos jurídicos inéditos. 3. O artigo deverá ter um mínimo de 10 (dez) laudas, escrito na língua portuguesa ou espanhola, em fonte Arial, tamanho 12, espaçamento 1,5 para o texto e 1,0 para citações recuadas, e ser enviado em qualquer dos seguintes formatos: .doc, .txt ou .odt. 4. O artigo de autoria múltipla deverá ser enviado com a ordem de apresentação dos autores estabelecida. 5. O artigo - escrito em português ou espanhol - deverá ter pelo menos 10 laudas e apresentar a seguinte estrutura: I Título; II Autor(es), com currículo resumido em nota de rodapé; III Resumo de até 500 palavras; IV Palavras-chave (de 3 a 5 palavras-chave); V Tradução do resumo (summary) e das palavras-chave (keywords) para o idioma inglês; VI Texto do artigo; VII Referências bibliográficas (no final do texto e em ordem alfabética). 6. O(s) autor(es) não receberá qualquer remuneração pela cessão e publicação do(s) artigo(s). Avaliação Os artigos serão avaliados em duas etapas: Na primeira etapa, os artigos serão meticulosamente avaliados pelo Membro-Coordenador da revista, que observará se as exigências de submissão foram observados pelo(s) autor(es). Se for aprovado, o artigo será submetido à segunda etapa da avaliação, que será a análise do texto pelos Membros do Conselho Editorial. A aprovação

Page 29: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 29

ou reprovação do artigo caberá ao Membro avaliador. Direitos Autorais Ao enviar artigo(s) à Revista Cognitio Juris, o(s) autor(es) declara(m) ser(em) titular(es) dos direitos autorais do(s) artigo(s) submetido(s) à publicação, de acordo com a Lei nº 9.610/98; concorda(m) em ceder os direitos de publicação do(s) artigo(s) à Revista Cognitio Juris; autoriza(m) que o(s) referido(s) artigo(s) seja(m) publicado(s) de forma gratuita (sem ônus) pela Revista Cognitio Juris, em qualquer meio e forma, sem qualquer limitação quanto ao prazo ou qualquer outra. A Revista Cognitio Juris fica autorizada, também, a modificar e adequar o texto do(s) artigo(s) a seus formatos de publicação e, caso necessário, efetuar alterações de caráter ortográfico, normativo e gramatical, para garantir o respeito da norma culta da língua. O(s) autor(es) respondem exclusivamente por qualquer reclamação relacionada ao direito autoral do(s) artigo(s) submetido(s) à Revista Cognitio Juris. Responsabilidade O conteúdo do(s) artigo(s) publicados na Revista Jurídica Científica Cognitio Juris, inclusive quanto a veridicidade, atualização e precisão dos subsídios e artifícios, é de única e exclusiva responsabilidade do(s) autor(es). A Revista Cognitio Juris não se responsabiliza pelos ideários, conceitos, apreciações, julgamentos, opiniões e considerações lançados nos textos dos artigos. Os textos são de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores.

EENNVVIIAARR AARRTTIIGGOOSS A Cognitio Juris aceita a submissão de artigos científicos jurídicos apenas através do formulário que está disponível na página eletrônica: www.cognitiojuris.com/enviar_artigos.html

Page 30: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

30 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

AAPPRREESSEENNTTAAÇÇÃÃOO

A Revista Cognitio Juris chega ao seu décimo segundo número trazendo um amplo conteúdo jurídico extremamente atualizado.

As edições da Cognitio Juris são caracterizadas pela ampla diversidade de temáticas abordadas no campo do direito, abordando sobre as mais variadas matérias, tais como: Biodireito, Direito Ambiental, Constitucional, Internacional, Consumidor, Filosofia do Direito entre outros; afinal de contas, a intenção da Cognitio Juris é – através dos artigos científicos jurídicos apresentados em cada edição – apresentar um conhecimento jurídico inter e multidisciplinar moderno e pertinente com as transformações mais relevantes da sociedade contemporânea, para fornecer subsídios na resolução dos conflitos que afetam a harmonia social.

A sociedade atual vive em um período de rápida difusão de informações através dos meios de comunicação virtuais. Temos sim muita informação disponível, mas pouco dela pode ser aproveitada e transformada em conhecimento. Precisamos, em verdade, modificar alguns valores e transformar a nossa sociedade em uma “sociedade do conhecimento”.

A maneira de se transformar uma sociedade e melhorar a qualidade de vida de cada cidadão é através da educação, e a melhor maneira para conseguirmos tal transformação é disponibilizar o conhecimento científico a todos, de maneira gratuita. – Esse é o papel da Cognitio Juris,

Page 31: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 31

como elemento que visa modificar e melhorar o mundo em que vivemos.

Nossos votos são de um proveitoso estudo.

Markus Samuel Leite Norat Membro Diretor Editorial

Page 32: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

32 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A ABORDAGEM PROCESSUAL ESCRITA DA CONFISSÃO: ERROS DE INTERPRETAÇÃO, ERROS NA BUSCA PELA VERDADE REAL

Ludmila Corrêa Dutra1

Resumo: O presente artigo promoveu um estudo sobre a forma como é colhida a confissão atualmente, seja ela extrajudicial ou judicial, tendo em vista que a sua tomada por termo não faz jus a complexidade deste procedimento, que grande influência exerce no convencimento do operador do direito. Para tanto, inicia-se o artigo com um escorço histórico sobre o uso da confissão na busca pela verdade real; posteriormente é analisado como a confissão ocorre no processo penal, abordando a impossibilidade da utilização da teoria da correspondência para explicar à verdade que se visa produzir no processo; para ao final, analisar a teoria da linguagem de Gadamer e sua aplicação à confissão, a fim de provar os prejuízos de retratar por escrito o que é declarado pelos acusados que confessam a prática de um delito penal. Palavras-chave: Confissão. Verdade Real. Termo de confissão. Teoria da linguagem de Gadamer.

THE APPROACH PROCEDURAL WRITTEN OF CONFESSION: MISINTERPRETATION, MISTAKES IN FINDING THE REAL TRUTH

Abstract: This Article promoted a study about how the confession is harvested at present, whether judicial or extrajudicial, because it’s taking by term doesn’t make justice to the complexity of this procedure, that exercises a large influence in convincing the operator

1 Advogada. Mestranda em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual pelo IEC PUC Minas. Presidente da comissão OAB Jovem e estágios da 197ª Subseção da OAB/MG.

Page 33: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 33

of the right. For that, the article begins with a historical foreshortening on the use of confession to finding the real truth; subsequently it analyzes how the confession occurs in criminal proceedings, addressing the impossibility of using the correspondence theory to explain the truth that it aims to produce in the process; in the end, it analyzes the theory of Gadamer's language and it’s application to confession in order to prove the damage in portray in writing what is declared by the accused who confessed the commission of a criminal offense. Keywords: Confession. Real Truth. Confession Term. Gadamer's theory of language. INTRODUÇÃO

A confissão se apresenta como tema delicado no âmbito do processo penal. Sua valoração como meio de prova variou no decorrer do tempo de acordo com o sistema processual adotado, assim possuiu maior ou menor importância processual, embora sempre atuasse na facilitação pela busca da verdade real, cânone do processo penal.

No período inquisitorial, a confissão, tida como regina probationum, possuía grande valor e era usada como instrumento de controle da sociedade, com a finalidade de se identificar e punir os hereges. Era sempre visada, já que constituía prova inequívoca do cometimento de um crime.

Hodiernamente, o acusado é detentor de diversos direitos fundamentais, em razão da conclamação dos ideais iluministas e a confissão, no processo penal, para ser aceita como fundamento de culpabilidade, tem de ser confrontada com as demais provas produzidas, além de ser obtida voluntariamente.

Entretanto, não há um controle sobre a forma como a confissão é colhida atualmente, principalmente a realizada na fase extrajudicial da persecutio criminis, em razão da herança inquisitorial existente no direito processual penal.

Page 34: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

34 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Assim, é comum, ainda hoje, o uso de torturas físicas, psicológicas, coações, trapaças e embustes, práticas comuns ao período inquisitorial e hoje consideradas ilegais, por autoridades policiais e judiciárias, a fim de se obter a confissão do acusado, tendo em vista, esta auxiliar na busca das demais provas para caracterização da autoria e materialidade do crime.

Neste diapasão, embora a confissão tenha sofrido uma desvalorização como prova, esta continua sendo almejada pelas autoridades, por facilitar a produção das demais provas necessárias à concretude da culpa, o que justifica o presente estudo. 1. Delineamentos históricos

Para se entender os institutos atuais é imprescindível voltar o olhar para o passado e recorrer à origem e a essência destes, ainda hoje consagrados no direito penal e processual penal. Desta forma, apresentam-se apontamentos históricos referentes ao uso da confissão para a busca da verdade real, para que sejam analisadas, de forma sumária, as variações sofridas pelo instituto no decorrer do tempo, no tange sua importância como meio de prova.

Encontra-se preceito que faz referência à confissão na lei mosaica, ou como é chamada na Bíblia, Lei de Moisés2, segundo a qual ninguém poderia ser condenado apenas com base na confissão. Para os hebreus a admissão de culpa representava flagrante contrariedade à natureza humana (NUCCI, 1999, p. 136).

Os direitos penais, grego e romano, que constituem fontes do direito penal ocidental, foram precursores em empregar a tortura, principalmente com a finalidade de se obter a confissão do acusado.

2 A Lei de Moisés é um termo usado com frequência na Bíblia, encontrando-se a primeira referência a este expressa em Josué (8:32): “Ali, na presença dos israelitas, Josué copiou nas pedras a Lei que Moisés havia escrito”. BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª ed. rev. e atual., Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

Page 35: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 35

Com a adoção de um sistema complexo pelos gregos, adequado à situação da polis, caracterizada pela lei que demarca e protege os cidadãos livres, o processo criminal passou a exigir que o acusado buscasse provas para a sua defesa, e que prestasse juramento de dizer a verdade (NUCCI, 1999, p. 136), entretanto, os que não possuíam status, não tinham nenhum direito, como era o caso dos estrangeiros, negociantes e escravos (TEIXEIRA, 2004, p. 8), assim, com relação a estes, a coação física, em substituição ao juramento prestado pelos nobres, poderia ser empregada para se extrair a confissão.

Platão, em Górgias3, ao tratar de julgamentos hipotéticos que fazem referência ao julgamento de Sócrates, discorre sobre provas de verdade e básanos, expressão que em seu sentido derivado, significa o conjunto de meios dolorosos empregados para se extrair a confissão de um escravo, prática que era comum em Atenas (MUNIZ, 2011, p.114-115).

O processo em Roma, inicialmente denominado cognitio e conduzido por um magistrado com amplos poderes, passou a ser chamado de accusatio, ainda na fase da República, o magistrado deixou de exercer a função acusatória para apenas julgar e aquela foi transmitida a um representante voluntário da comunidade, chamado acusatore. Após a acusação, o acusado era chamado a comparecer perante o pretor, ocasião em que poderia confessar o crime e então ser preso até o dia do julgamento, ou pedir sua liberdade mediante a prestação de caução com valor fixado pelo pretor e depositado pelos fiadores, que assumiam a obrigação de guardar e apresentar o acusado no dia do julgamento, pois caso ele não comparecesse, o valor prestado como caução seria confiscado e os fiadores

3 Diálogo de Platão, cujo tema principal é a retórica, sendo um dos personagens principais o próprio Górgias, que era um sofista siciliano, famoso em Atenas por ser um excelente orador.

Page 36: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

36 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

processados por conivência. O acusado, por sua vez, era condenado ao exílio (NUCCI, 1999, p. 137).

Durante o Império Romano, surgiu a cognitio extra ordinem, cujas investigações de crimes eram realizadas por agentes públicos e posteriormente levadas ao magistrado, que aos poucos começou a agir de ofício e invadir a esfera de atribuições do acusador privado. Neste período os testemunhos passaram a ser escritos e reproduzidos nos autos, e foram introduzidas às tormentas4, assim a tortura passou a ser usada, inclusive em homens livres, a fim de ser obtida confissão, dotada de grande valor probatório. Entretanto, não eram aceitas confissões tácitas ou presumidas (NUCCI, 1999, p. 137).

Com a invasão dos povos germânicos aos domínios romanos, a partir do século V D.C., elementos dos direitos canônico e consuetudinário passaram a ser aplicados, e esses povos adotaram as leis escritas, das quais destaca-se o Breviário de Alarico (Lex Romana) de 506 e a LiberJudiciorum (Lux Visigothorum) de 652, ambas disciplinando sobre a tortura. A confissão continuava a ter grande valor para o processo, que era público, oral, ritualista e com contraditório, características que gradualmente deixaram de ser observadas. A Novela 6, I, 3, de Egica-Vitiza, previa que quando o ordálio, ou juízo de Deus, fosse desfavorável ao acusado, a tortura poderia ser utilizada para se obter a confissão (TEIXEIRA, 2004, p. 10-11).

Na Idade Média, que se estendeu até o século XV, o cristianismo atingiu poder político universal, vigendo na Europa um modelo misto de direito romano, canônico e germânico, centrado na decisão de juízes que se baseavam em provas que permitissem demonstrar a verdade, tais como testemunhos oculares considerados

4 Segundo Mirabete, neste período “(...) Fez-se introduzir, então, a tortura do réu e mesmo de testemunhas que depusessem falsamente e a prisão preventiva. Pode-se apontar tal procedimento como a base primordial do chamado Sistema Inquisitivo.” MIRABETE, J. F. Processo Penal. 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 34.

Page 37: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 37

idôneos ou a confissão do réu. Este período foi marcado pelo declínio do poder real pelo feudalismo e pelo aumento do poder jurisdicional eclesiástico, cujos tribunais julgavam infrações contra a religião, deflagrando-se a inquisição medieval e a caça aos hereges (CASTRO, 2013, p. 119-133).

Conforme dispõe Felipe Martins Pinto,

Após a eficaz investida contra os cátaros, a Inquisição assumiu sua primeira forma concreta a partir de sua codificação no decreto papal Ad abolendam emanado pelo Papa Lúcio III no ano 1184, no qual se estabeleceu o primeiro delineamento do procedimento inquisitorial. Posteriormente, as bulas papais Licet ad capiendos (1233) e Ad Exstirpanda (1252), ambas de autoria do Papa Gregório IX e a bula Clementina Saepe (1306), de autoria do Papa Clemente V, incrementaram a perseguição aos hereges e, mais tarde, a partir do ano 1438, com a descoberta de reuniões sabáticas na região alpina principiou-se, também, a caça a feiticeiras (PINTO, 2010, p. 189-206).

A confissão tinha importância fundamental e consegui-la era o

escopo do sistema inquisitivo, pois constituía prova decisiva da autoria e culpabilidade do acusado, e nos casos em que não fosse obtida espontaneamente ou não satisfizesse o inquisidor, a tortura poderia ser empregada. Salienta-se que nesta época prevalecia a presunção de culpabilidade, assim o inquisidor ao pressupor a culpa do acusado, direcionava seu discurso, mesmo que falacioso, para obter sua confissão, considerada prova plena.

A tortura ou sua ameaça eram o meio de se extrair a confissão, com vistas à busca de uma verdade imanente.

Page 38: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

38 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Teoricamente, a inflição do tormento era admitida como prova subsidiária. Na prática, os juízes não se preocupavam com tal princípio: a verdade processual devia desaguar na confissão do culpado, mesmo que esse jurasse inocência. Na determinação e valoração das provas, o sistema processual previa: a “informação”, o “indicio” (ou presunção), a “prova semiplena” (ou incompleta – por exemplo, o depoimento fidedigno de uma testemunha) e a “plena ou legitima prova”, que era a confissão do acusado (TEIXEIRA, 2004, p. 14-15).

Na Idade Moderna, cristalizou-se o processo inquisitivo, os

atos processuais eram realizados de forma secreta, as garantias dos cidadãos foram reduzidas e a tortura passou a ser usada pelos Estados absolutistas com vistas à segurança, pois conforme preleciona Foulcault, visava-se “trazer a luz a verdade do crime”, sendo que “o estabelecimento da verdade era para o soberano e seus juízes um direito absoluto e um poder exclusivo” (FOUCAULT, 1999, p. 36).

As violências que se alastraram pela Europa Medieval, não atingiram a Inglaterra, haja vista a edição da Magna Carta, em 1215, que consagrou maiores liberdades individuais e a proibição definitiva da tortura em 1640, prática já anteriormente repudiada devido à tradição constituída ao longo dos séculos de se privilegiar a vontade da comunidade ao invés de uma busca irrefreada pela verdade. O direito de defesa era considerado parte inerente do due processo of Law, assim, na Inglaterra havia um maior respeito pelo acusado.

Entretanto, em países como Portugal, Espanha e Itália, onde atuava o Tribunal do Santo Ofício, a mudança de pensamento com relação ao emprego da tortura para obtenção da confissão e, por consequência, da verdade real, somente ocorreu com o Iluminismo,

Page 39: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 39

com pensadores que influenciaram o direito criminal, com destaque Mostesquieu, Voltaire, Cesare Beccaria e Jean-Paul Marát.

A partir do século XVII reduziu-se o emprego da tortura para obtenção da confissão na Europa, sendo restringida a crimes cometidos contra o rei ou Estado, e aos poucos esta caiu em desuso, o que se deu devido à profissionalização e discricionariedade do judiciário, e ao desenvolvimento de novas formas de punição, que enalteciam o caráter disciplinador da pena, tais como a prisão e trabalhos forçados (FOUCAULT, 1999, p. 12). Aos poucos, a tortura foi eliminada dos códigos europeus, a exemplo da França, que pelo Código de Instrução Criminal, aboliu a tortura formalmente em 1808.

Em Portugal, o Tribunal da Inquisição somente foi extinto em 1821, com as revoluções liberais.

No Brasil, a tortura foi abolida em 1824, por meio da Constituição do Império, outorgada por D. Pedro I. A confissão perdeu importância, principalmente com a fixação de novas regras processuais penais por meio da Lei de 23.09.1828, que estabeleceu que nenhuma sentença definitiva poderia ser proferida contra acusado, antes deste ser ouvido, para que pudesse apresentar sua defesa e produzir provas, e a Lei de 22.09.1829, que determinou a obrigatoriedade de apresentação do acusado, em processos cujas penas fossem graves, podendo este prosseguir mediante revelia, desde que as penas fossem mais leves (NUCCI, 1999, p. 142).

Em 29.11.1832, influenciado pelo Código de Instrução Criminal Francês, adveio o Código de Processo Criminal Brasileiro, que ao instituir novo procedimento criminal, fixou, segundo Guilherme de Souza Nucci,

(...) quatro momentos para o interrogatório do acusado: a) logo que fosse preso em flagrante delito, deveria ir à presença do juiz de paz para ser interrogado sobre as acusações que fizessem o condutor e as testemunhas; b) quando fossem ouvidas as testemunhas durante a formação da

Page 40: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

40 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

culpa; c) perante o Conselho de Jurados ou júri de acusação; d) perante o Conselho de Jurados ou júri de sentença (NUCCI, 1999, p. 143).

Posteriormente, suprimiu-se o júri de acusação e o

interrogatório foi reduzido a três fases, que se mantêm até hoje por meio da investigação, formação da culpa e plenário do júri.

Hodiernamente, a confissão é considerada um meio de prova, porém, perdeu o status de prova absoluta, tendo valor relativo, posto que, deve ser valorada em conjunto com outras provas para ser aceita, conforme o artigo 197, do Código de Processo Penal, de 1941, e ser obtida de forma espontânea, de acordo com o artigo 65, III, d, do Código Penal, de 1940.

Contudo, diversamente dos preceitos legais, o que se vê na prática, atualmente, é que as autoridades policiais e judiciárias utilizam diversos métodos para que o acusado confesse e colabore com a persecutio criminis, haja vista as pressões sociais pelo combate da criminalidade e punição de criminosos e a ineficiência do aparato estatal em solucionar os crimes. 2. A confissão no código de processo penal brasileiro de 1941

Segundo Guilherme de Souza Nucci,

Confessar, no âmbito do processo penal, é admitir contra si, por quem seja suspeito ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e pessoalmente, diante da autoridade competente, em ato solene e público, reduzido a termo, a prática de algum fato criminoso. Deve-se considerar confissão apenas o ato voluntário (produzido livremente pelo agente, sem nenhuma coação), expresso (manifestado,

Page 41: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 41

sem sombra de dúvida, nos autos) e pessoal (inexiste confissão, no processo penal, feita por preposto ou mandatário, o que atentaria contra a segurança do princípio de inocência) (NUCCI, 2010, p. 437-438).

O não cumprimento de qualquer dos requisitos acima

transcritos, segundo o direito processual penal brasileiro, deve acarretar na não aceitação e valoração de atos praticados em confronto com direitos e princípios fundamentais, assim, a confissão obtida mediante tortura, seja ela física ou psicológica, coações, trapaças, embustes, entre outros, deve ser rejeitada.

Neste sentido, para que a confissão seja considerada válida e possua força probatória, deve-se atentar para as condições em que foi obtida, os métodos usados em sua extração e o lugar em que ocorreu.

De acordo com o artigo 197, do Código de Processo Penal “O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância”. A principal finalidade deste dispositivo é evitar confissões falsas.

No caso da infração deixar vestígios, o exame de corpo de delito será indispensável, mesmo que o acusado tenha confessado a prática do crime, nos termos do artigo 158, do Código de Processo Penal.

Salienta-se que o silêncio do acusado não poderá ser considerado confissão (artigo 198, do Código de Processo Penal), estando o acusado amparado pelo princípio do nemo tenetur se detegere, expresso no artigo 5°, LXIII, da Constituição Federal, sob a forma do direito ao silencio.

A confissão é passível de divisibilidade, seu teor pode ser desmembrado quando o magistrado se convencer apenas de parte dela, e retratação, assim, o réu pode desdizer o que antes havia

Page 42: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

42 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

afirmado como verdade, nos termos do artigo 200, do Código de Processo Penal. No entanto, em virtude do livre convencimento motivado, o juiz poderá não se convencer da retratação do réu e em sua decisão poderá tomar como verdade a confissão anteriormente apresentada (TAVORA; ALENCAR, 2009, p. 361-362).

A confissão, cuja natureza jurídica é de meio de prova, pode ser dividida em duas espécies: quanto aos efeitos gerados, pode ser simples, quando há o reconhecimento puro e simples da imputação pelo confitente, ou qualificada, quando há o reconhecimento de circunstâncias passiveis de excluir a responsabilidade do confitente, ou atenuar sua pena, e quanto ao local ou autoridade perante a qual é realizada, poderá ser judicial, quando realizada perante magistrado, ou extrajudicial, quando realizada no inquérito policial ou fora dos autos perante autoridades policiais, parlamentares ou administrativas (NUCCI, 2010, p. 438-439).

O artigo 6°, do Código de Processo Penal, estabelece que após ter conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá, de acordo com o inciso V, ouvir o indiciado, observando as regras concernentes ao interrogatório do acusado, expressas nos artigos 185 a 196, do mesmo diploma legal, e o termo lavrado terá que ser assinado por duas testemunhas que tenham presenciado sua colheita. Nesta ocasião o acusado poderá confessar, e então, deverá ser aplicado o artigo 199, do Código de Processo Penal, que dispõe que a confissão quando feita fora do interrogatório processual, deverá ser tomada por termo nos autos, o que é realizado pelo escrivão.

Para Guilherme de Souza Nucci, a confissão é ato que “precisa ser solene, público e reduzido a termo, justamente porque o interrogatório é o momento ideal para a sua ocorrência, o que se faz respeitadas as formalidades legais” (NUCCI, 2010, p. 438), ou seja, quando a confissão ocorre em audiência, esta também é reduzida a termo, e é transcrita por um servidor mediante o que lhe é ditado pelo magistrado, que resume as declarações do confitente, por ser

Page 43: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 43

impossível com palavras escritas traduzir e registrar todos os aspectos de uma conversa verbal. 3. O uso da confissão na busca pela verdade real

Como se depreende do escorço histórico apresentado, o uso da confissão sempre esteve voltado à busca pela verdade dos fatos, tendo em vista que:

No interior do crime reconstituído por escrito, o criminoso que confessa vem desempenhar o papel de verdade viva. A confissão, ato do sujeito criminoso, responsável e que fala, é a peça complementar de uma informação escrita e secreta. Daí a importância dada à confissão por todo esse processo de tipo inquisitorial. Daí também as ambiguidades de seu papel. Por um lado, tenta-se fazê-lo entrar no cálculo geral das provas; ressalta-se que ela não passa de uma delas; ela não é a evidentia rei; assim como a mais forte das provas, ela sozinha não pode levar à condenação, deve ser acompanhada de indícios anexos, e de presunções; pois já houve acusados que se declararam culpados de crimes que não tinham cometido; o juiz deverá então fazer pesquisas complementares, se só estiver de posse da confissão regular do culpado. Mas, por outro lado, a confissão ganha qualquer outra prova. Até certo ponto ela as transcende; elemento no cálculo da verdade, ela é também o ato pelo qual o acusado aceita a acusação e reconhece que esta é bem fundamentada; transforma uma afirmação feita sem ele em uma afirmação voluntária. Pela confissão, o próprio acusado toma lugar no ritual de produção de verdade penal. Como já dizia o direito medieval, a confissão torna a coisa

Page 44: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

44 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

notória e manifesta. A esta primeira ambiguidade se sobrepõe uma segunda: investiga-se de novo a confissão como prova particularmente forte, que exige para levar à condenação apenas alguns indícios suplementares, que reduzem ao mínimo o trabalho de informação e a mecânica de demonstração; todas as formas possíveis de coerção serão utilizadas para obtê-la. (...) Pela confissão, o acusado se compromete em relação ao processo; ele assina a verdade da informação (FOUCAULT, 1999, p. 36-36).

A confissão, principalmente a obtida na fase extrajudicial,

serve de elemento para a formação da culpa do acusado, na medida em que define as provas materiais a serem produzidas, quem interrogar e quais informações deverão ser investigadas, assim, faz o processo progredir em busca da verdade e facilita o trabalho das autoridades quanto a investigação criminal.

Segundo Winfried Hassemer:

El objetivo de averiguar la verdad acerca del hecho imputado es uno de los principios básicos de todo derecho procesal penal en un estado de derecho. En cualquier caso, una condena debe poder referirse a una base fáctica indubitable. Así como la justicia constituye el ethos de la aplicación de las normas, la verdad constituye el ethos del esclarecimiento de los hechos (HASSEMER, 2003, p. 84).

Ocorre que, segundo leciona Felipe Martins Pinto, a verdade

no processo penal atualmente é vista como “correspondência do enunciado com a realidade”, estando “atrelada a um juízo sobre a relação de conhecimento entre o sujeito que conhece e o fato por

Page 45: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 45

conhecer”. Entretanto, essa teoria da correspondência traduz o “legado da inquisição”, por conceber “verdadeira a proposição capaz de reproduzir o acontecimento, projetar a ocorrência concreta ou refletir o fato”, entendo ser “possível à existência de uma verdade absoluta como imagem do mundo real”, o que é impossível, tendo em vista que há limites para a produção probatória (PINTO, 2012).

O mencionado autor aponta três argumentos que impossibilitam à aplicação da teoria da correspondência a verdade processual, sendo eles de ordem ideológica, teórica e prática. A impossibilidade ideológica refere-se à relação existente “entre a verdade como correspondência e o método inquisitivo”, onde sob o argumento da apuração de uma verdade absoluta, se desrespeita garantias individuais e limites ao jus puniendi, o que “subverteu os valores do sistema punitivo e potencializou uma estrutura estatal segregadora e opressora”. Já a impossibilidade teórica surge a partir da ideia de que a verdade surge e existe em conjunto com a mente humana, submetendo-se “a inúmeras contingências de linguagem”. E a impossibilidade prática, decorre das “fragilidades inerentes à essência humana”, tendo em vista ser o homem, sujeito dotado de preconceitos, que se inserem no âmbito processual, gerando uma verdade relativa (PINTO, 2012).

In casu, percebe-se que são várias as dificuldades de alcance da verdade no processo penal, estas que também contaminam a confissão, já que é um dos meios para sua obtenção, principalmente se considerarmos a insuficiência da teoria da correspondência e os limites impostos à produção de provas, tais como os direitos humanos, o direito ao silêncio, o direito de não produzir provas contra si mesmo, máximas que são abrangidas na expressão nemo tenetur se detegere, além da vedação da utilização de provas ilícitas.

Assim, arriscado se torna a utilização da confissão atualmente como motivação de uma decisão, se considerarmos a forma como é colhida, mesmo sendo analisada em conjunto com as demais provas

Page 46: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

46 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

produzidas nos autos, o que será demonstrado por meio da teoria da linguagem de Gadamer. 4. Termo de confissão: aplicação da teoria da linguagem de Gadamer

Hans-Georg Gadamer é um autor alemão que trabalha a linguagem como um “médium universal em que se realiza a própria compreensão”, sendo a forma de realização dessa compreensão, a interpretação (GADAMER, 1999, p. 566).

Segundo a hermenêutica de Gadamer, não se pode pensar em uma verdade além da linguagem, sendo que esta é um diálogo, uma conversação, onde se deve buscar compreender o que o outro diz, para se chegar a um acordo sobre o assunto em questão, sendo que:

O pôr-se de acordo numa conversação implica que os interlocutores estejam dispostos a isso e que procurem fazer valer em si mesmos o estranho e o adverso. Quando isto ocorre reciprocamente e cada interlocutor sopesa os contra-argumentos, ao mesmo tempo que mantém suas próprias razões, pode-se chegar finalmente, através de uma transferência recíproca, imperceptível e não arbitrária dos pontos de vista (o que chamamos de intercâmbio de pareceres) a uma linguagem e uma sentença comum (GADAMER, 1999, p. 563-564).

O autor disciplina que “a linguagem é o meio em que se realiza

o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa” (GADAMER, 1999, p. 560), assim, busca um fundamento ontológico para o processo de compreensão humana, perscrutando até que ponto os preconceitos condicionam o compreender do homem.

Page 47: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 47

A teoria de Gadamer enfatiza a importância da linguagem como condição do compreender e o do interpretar das diversas relações humanas existentes, sendo o processo de aplicação do direito uma destas, o que torna possível a análise da confissão sob esta perspectiva.

A confissão extrajudicial e a judicial realizada perante a justiça comum são reduzidas a termo, que é redigido por um escrivão, tomando forma nos autos. Ao redigir o termo de confissão, tendo em vista que o escrivão está reportando a narrativa do acusado, este toma distância do mesmo, o redige na terceira pessoa, utiliza o termo passado ou advérbios e emprega um discurso indireto, dotado do uso do conectivo “que”.

Posto isto, pode-se dizer que os operadores do direito reconhecem, pinçam e interpretam as narrativas singulares dos acusados, traduzindo trechos de suas confissões para relatos escritos, cuja descrição deve ser a mais compatível possível com a realidade em que ocorreu o crime, a fim de se representar a verdade dos fatos.

No caso de textos, trata-se de “manifestações vitais fixadas duradouramente”, que devem ser entendidas, o que significa que um parceiro da conversação hermenêutica, o texto, só pode chegar a falar através do outro, o intérprete. Somente por ele se reconvertem os signos escritos de novo em sentido. Ao mesmo tempo, e em virtude dessa reconvenção à compreensão, o próprio tema, de que fala o texto, vem à linguagem (GADAMER, 1999, p. 565).

Ocorre que de acordo com a teoria da linguagem proposta por

Gadamer “todo escrito é uma espécie de fala alienada, que necessita da reconversão de seus signos à fala e ao sentido”, ou seja, o leitor terá que interpretar e construir um sentido por meio da literalidade

Page 48: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

48 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

dos signos escritos, sem os recursos inerentes a fala, tais como a cadência, o modo de falar, entonação, tom, entre outros (GADAMER, 1999, p. 572-573).

Sob esta perspectiva, há precariedade nos escritos, que são deficientes em demonstrar os vários sentidos da fala, o que aplicado à abordagem escrita da confissão pelo direito, reflete a ineficácia desta, na medida em que há interpretação pelos diversos agentes que funcionam no ato de colher as declarações do acusado, mas também de outros operadores do direito, inclusive o magistrado, que nela poderá basear seu convencimento, confrontando-a com as demais provas processuais. Interpretações estas passíveis de equívocos, deturpações, ignorâncias e manipulações.

A confissão escrita não se presta a apresentar a versão apenas do acusado, tendo em vista as diversas interpretações que a esta é dada, interpretações onde quem interpreta se traz, em conjunto com suas experiências de vida, cultura, nível de estudo, entre outros, o que prejudica a veracidade do que foi dito pelo acusado.

Ao considerar a forma como é realizado o procedimento inquisitorial, ou seja, o inquérito policial, pode-se dizer ainda que há interpretação também quando as autoridades policiais definem e escolhem o que e quem será interrogado, privilegiando-se certas versões em detrimento de outras. Junto as Delegacias de Policia, as declarações do investigado podem ser colhidas tão somente pelo escrivão, sem a presença da autoridade policial. As ilações da autoridade policial, obtidas com base nas declarações do investigado, colhidas pelo escrivão, podem influenciar o Ministério Público e o magistrado, especialmente quando aquele representa pela prisão preventiva ou temporária do investigado. Assim, há uma série de interpretações subjetivas, realizadas por pessoas, que se quer participaram da colheita das declarações do investigado e que podem culminar na privação de liberdade deste.

Page 49: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 49

A interpretação persiste quando o Ministério Público recebe o inquérito policial e nos elementos de informação nele colhidos tem que se basear para oferecer denúncia, dando início a ação penal, o que pode se dar apenas com base na confissão extrajudicial reduzida a termo por escrivão e já viciada por compreensões diversas.

Para Gadamer, a pré-compreensão de um texto faz parte do processo de compreensão, tendo em vista ser o interprete um sujeito envolvido pela tradição, assim como o texto, havendo uma “fusão de horizontes” entre eles, que se dá por meio do processo de interpretação, pois “a contribuição produtiva do interprete é parte inalienável do próprio sentido do compreender” (GADAMER, 2002, p. 132).

Deve-se considerar que o inquérito policial não explicita os métodos utilizados para obter as confissões, omitindo se houve o uso de tortura, pressão psicológica ou condução das declarações prestadas pelo investigado, práticas que são habituais em delegacias, pois embora o artigo 185, do Código de Processo Penal, exija a presença de defensor no interrogatório, na prática, este muitas vezes ocorre apenas sob a presença de agentes da autoridade policial.

A confissão produzida na fase judicial é realizada no interrogatório, último ato da instrução no processo penal, a teor do que dispõe o artigo 400, do Código de Processo Penal, e perante magistrado, que pelo princípio da identidade física do juiz, fica obrigado a julgar a causa (artigo 399, §2°, do Código de Processo Penal), o que poderia nos levar a pensar que este ao presenciar a confissão poderá julgá-la considerando todos os seus aspectos, o que não se sustenta ao se considerar as exceções ao referido princípio, o duplo grau de jurisdição e o lapso temporal transcorrido entre a produção da prova e a sentença.

Embora não previsto no Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil, em seu artigo 132, traz hipóteses que excepcionam o princípio da identidade física do juiz, cabíveis estas também ao processo penal, por decorrerem de casos em que o juiz esteja

Page 50: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

50 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, devendo a causa ser julgada por seu sucessor. Estas hipóteses fazem com que o juiz julgador não tenha presenciado a confissão do acusado, assim o contato que o mesmo terá com esta prova será pelo termo escrito por servidor em audiência de instrução e julgamento, com interpretação realizada por juiz diverso, sendo inclusive o que ocorre com a colheita de prova através de carta precatória.

A sentença nem sempre é proferida logo após a audiência de instrução e julgamento, ocasião na qual ocorre o interrogatório, oportunidade em que poderá o réu confessar a prática do crime, conforme artigo 190, do Código de Processo Penal. Portanto, há um certo tempo entre a produção da prova e o julgamento, que normalmente, não é razoável. Assim, embora o magistrado tenha presenciado a confissão do acusado, ao sentenciar, este poderá já ter esquecido como esta se deu, sendo impossível a mente humana guardar todos os aspectos que permeiam a fala de alguém, como semblante, expressões, sentimentos, emoções, entre outros.

Sob esta perspectiva, o juiz, ao julgar, terá que fazer uso do termo escrito pelo escrivão em que conste a confissão do acusado, e então também o irá interpretar, ocorre que “na ressureição do sentido do texto já se encontram sempre implicadas as ideias próprias do interprete” (GADAMER, 1999, p. 566).

No que diz respeito ao interrogatório judicial, tem-se reservas ainda à forma como este é realizado, tendo em vista as perguntas do juiz ao acusado, cujas respostas são reduzidas a termo pelo escrivão ou algum servidor da justiça a partir da tradução feita pelo próprio magistrado, que lhe dita o que constar por escrito, não havendo fidelidade ao que é declarado pelo acusado, não estando transcritas suas reais palavras, não havendo acordo.

Para Gadamer:

Page 51: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 51

A conversação é um processo pelo qual se procura chegar a um acordo. Faz parte de toda verdadeira conversação o atender realmente ao outro, deixar valer os seus pontos de vista e pôr-se em seu lugar, e talvez não no sentido de que se queira entendê-lo como esta individualidade, mas sim no de que se procura entender o que diz. (...) Quando temos em mente realmente o outro como individualidade, como ocorre na conversação terapêutica ou no interrogatório de um acusado, realmente não se pode falar de possível acordo (GADAMER, 1999, p. 566.).

Neste diapasão, percebe-se que a abordagem por escrito do

que é falado pelo acusado diante de todas as fases do processo penal, viciada estará pelo prejulgamento dos mais diversos operadores do direito ao chegar até o magistrado, terceiro equidistante, que eivado do poder de administrar a justiça deverá proferir sentença dotada da maior imparcialidade possível, já que esta sempre encontra limites na subjetividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema tradicional de tomada das confissões, que são reduzidas a termo, não é suficiente para atender aos imperativos da democracia, por não ser meio hábil a transparecer os aspectos deste procedimento que é complexo.

Os problemas referentes à abordagem escrita da confissão podem ser mitigados mediante o uso de mídia audiovisual, tanto em sua realização extrajudicial como judicial, o que ajudaria a adequar esta prova aos ideais do Estado Democrático de Direito.

As práticas policiais atualmente adotadas no Brasil aproximam-se das práticas inquisitoriais, onde se almejava a autoacusação do acusado, fazendo o uso de torturas e métodos afins para extrair sua confissão. Assim, no interrogatório policial, o uso de mídia

Page 52: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

52 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

audiovisual afastaria o emprego de tortura física, psicológica e condução do sentido do que é dito pelo interrogado, por parte das autoridades e agentes policiais, com a finalidade de obter a confissão, assegurando respeito aos direitos fundamentais, além de ilidir possíveis acusações falsas formuladas por acusados de terem sido vitimas do uso destas práticas inquisitoriais por autoridades policiais.

No interrogatório judicial, o registro audiovisual evitaria abusos cometidos pelos magistrados, que não raro fazem constar na ata da audiência de instrução e julgamento apenas as informações que corroboram a sua tese jurídica, ferindo com a imparcialidade que deveria guiar todos os seus atos.

A gravação audiovisual afastaria também as diversas interpretações dadas à confissão nas mais diversas fases do processo penal, pois seria desnecessário reduzi-la a termo, além de possibilitar visualizar as reações, expressões e sentimentos, por guardar a essência do que foi dito pelo confitente, havendo fidelidade ao teor do seu depoimento, que poderá ser revisto, o que trará mais credibilidade e segurança jurídica a sentença.

O emprego do sistema de capitação audiovisual nos interrogatórios traria também mais celeridade aos procedimentos processuais penais, pois reduziria o tempo despendido em audiência.

Neste desiderato, o recurso tecnológico sob comento traz ao processo penal fidedignidade, dinamicidade e celeridade, dando maior credibilidade à prova, o que leva o juiz a proferir suas sentenças com mais segurança.

Ressalta-se, que esta solução não é nova e já se encontra prevista no Código de Processo Penal desde 2008, no artigo 405, §1°, com redação dada pela Lei nº 11.719, tendo a prática sido implantada na Justiça Federal e pela Polícia Civil dos Estados de Alagoas, Rio Grande do Sul e Amapá, entre outros, o que demonstra ser o método pouco utilizado.

Page 53: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 53

Há também projeto de lei neste sentido, o PLS 3/2012, cuja ementa visa alterar o Código de Processo Penal, para prever que as inquirições das testemunhas e dos indiciados no inquérito policial, sejam gravadas em áudio e vídeo e armazenadas por até dois anos, salvo determinação do juiz estabelecendo outra forma.

O hodierno sistema jurídico penal brasileiro apresenta um discurso de exceção, onde o aumento da criminalidade e a necessidade de punições imediatas e emergenciais legitimam e justificam a lesão a direitos e garantias fundamentais dos acusados. Assim, a urgência da sociedade no combate a criminalidade, com pressões por meio da imprensa, manifestações e linchamentos, aliada a presença, ainda constante, do modelo inquisitorial no processo penal, levam o Estado a agir de forma desmedida e comprometedora dos direitos e garantias individuais dos acusados, abrindo mão da utilização de tecnologias que traria benefícios a apuração da verdade real com segurança.

Em toda história da humanidade, percebe-se que a preferência pela escrita se deu pela convicção de ser a visão superior a todos os outros sentidos, trazendo, para o direito, certeza e segurança jurídica. No entanto, em razão de todos os argumentos colacionados ao longo deste artigo, resta claro que tal argumento não merece prosperar, principalmente em razão dos avanços tecnológicos, que tanto podem contribuir a dinâmica jurídica, especialmente, no campo probatório.

As ideias empreendidas no passado, pela igreja medieval, pela justiça secular e pelo rei absolutista, não ficam bem na roupagem de um Estado que busca alcançar de forma plena o paradigma do Estado Democrático de Direito. Precisamos nos modernizar e conciliar o processo penal as tecnologias existentes, a fim de alcançar mais segurança jurídica nas decisões para prevalecer o mínimo de verdade e justiça.

Page 54: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

54 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

REFERÊNCIAS BÍBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª ed. rev. e atual., Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. BRASIL. Código penal (1940). Código penal. Diário Oficial da União, Brasília, 7. Dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm> Acesso em: 3. Jul. 2014. BRASIL. Código de processo penal (1941). Código de processo penal. Diário Oficial da União, Brasília, 3. Out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm> Acesso em: 3. Jul. 2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 5. Out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 3. Jul. 2014. CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e brasil. 10 ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1999. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 3ª ed. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Editora Vozes, 1999. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e índice . Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. HASSEMER, Winfried. Crítica alderecho penal de hoy. 2. Ed. Tradução de Patrícia S. Ziffer. Buenos Aires: Ad-hoc, 2003. MIRABETE, J. F. Processo penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. MUNIZ, Fernando. A potência da aparência. São Paulo: Annablume Clássica, 2011. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

Page 55: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 55

PINTO, Felipe Martins. A inquisição e o sistema inquisitório. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 56, p. 189-206, jan./jun. 2010. PINTO, Felipe Martins. Crítica à tradicional opção pela teoria da correspondência como critério para a obtenção da verdade no processo penal. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, n. 79, jul/set., 2012. TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 3ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. TEIXEIRA, Flávia Camello Teixeira. Da tortura. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

Page 56: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

56 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A HARMONIA DAS DECISÕES JUDICIAIS COMO COROLÁRIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E SUA INFLUÊNCIA SOBRE O NOVO CPC

Jonas Nicácio Veras5

André Ricardo Fonseca da Silva6 RESUMO: O presente trabalho busca um enfoque acerca da necessidade da harmonia das decisões judiciais e jurisprudência como corolários da justiça social, bem como o papel do Superior Tribunal de Justiça como Corte uniformizadora e a necessidade da extensão desse perfil às cortes de base. Sob esse viés, perquire-se qual a melhor forma, se é que existe, de se traçar um meio útil e equânime de se harmonizar as decisões judiciais, pretendendo-se fortalecer a segurança jurídica, celeridade e efetividade no âmbito do judiciário. A questão posta também trará a lume recentes mudanças do novo Código de Processo Civil e a nova proposta de harmonização dos precedentes e jurisprudência. Em relação à metodologia, foram utilizadas a pesquisa pura, teórica, interpretação sistemática, teleológica, axiológica, exploratória, método qualitativo, dedutivo, e revisão bibliográfica. Concluiu-se que se faz por demais necessário a busca pela harmonização das decisões judiciais como medida de efetiva justiça social e respeito à dignidade da pessoa humana, o que certamente foi observado no novo CPC, que traz, por sua vez, diversos mecanismos de unificação das decisões judiciais primando pela segurança jurídica. Palavras-chave: Harmonia das decisões judiciais. Novo Código de Processo Civil. Segurança Jurídica.

5 Advogado e pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia do Estado da Paraíba. 6 Doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ, Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB e professor da UNIPÊ.

Page 57: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 57

HARMONY OF JUDGMENTS AS COROLLARY OF LEGAL SECURITY AND ITS INFLUENCE ON THE NEW CPC

ABSTRACT: This work seeks a focus on the need of harmony of judgments and jurisprudence as corollaries of social justice, and the role of the Superior Court of Justice as homogenizing Court and the need for the extension of the base profile cuts. Under this bias, perquire is the best way, if it exists, to draw a useful and equitable way to harmonize judicial decisions, aiming to strengthen legal certainty, speed and effectiveness in the judiciary. The question posed will also bring to light recent changes of the new Civil Procedure Code and the new proposal for harmonization of precedents and jurisprudence. Regarding methodology, we used pure research, theoretical, systematic interpretation, teleological, axiological, exploratory, qualitative, deductive method, and literature review. It was concluded that it is too necessary to search for harmonization of judgments as a measure of effective social justice and respect for human dignity, which was certainly observed in the new CPC, which brings, in turn, several unifying mechanisms of judgments striving for legal certainty. Keywords: Harmony of judgments. New Civil Procedure Code. Legal Security. 1 INTRODUÇÃO

Em um país de proporções continentais, como é o caso do Brasil, não é de se alarmar que existam grandes distorções no sistema judiciário em sede de harmonização jurisprudencial, haja vista serem adotados os mais diversos entendimentos, seja no tocante a política individualizada por parte de um tribunal, seja pelo livre convencimento motivado do magistrado, ou ainda a falta de parâmetros legais para uniformização destas decisões.

É neste ínterim que surgem as injustiças promanadas de quem deveria zelar por uma justiça limpa, isonômica, ainda mais

Page 58: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

58 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

quando grandes contingentes de ações judiciais com similaridade são geradas e decididas das mais vastas maneiras possíveis pelo judiciário.

A tarefa referente à uniformização/harmonização de jurisprudência, enfoque este abordado no presente trabalho à luz do Direito Civil e Processo Civil, não se ergue como uma das mais fáceis, tanto no que concerne ao aspecto objetivo, expresso na grande carga de responsabilidade do julgador ao observar os parâmetros dos precedentes aplicando-se o direito, para que não cometa injustiças, quanto pelo aspecto subjetivo, onde se buscará observar a questão fática in concreto e suas nuances.

Como será visto, a tarefa de uniformização de jurisprudência desemboca em maior parte perante os umbrais do Superior Tribunal de Justiça, o que acaba por vezes criando o abarrotamento daquela corte, que mais que ser guardiã da legislação infraconstitucional se detém muito mais a uniformizar julgados, o que certamente seria minorado caso os tribunais de base detivessem sua harmonização e, assim, levando ao STJ tão somente temas seletos e previamente pacificados nas instâncias inferiores.

É nesse passo que se erige a problematização da pesquisa, quais seja: a harmonia das decisões judiciais seria um efetivador da segurança jurídica influenciando positivamente o novo CPC?

Nesse cenário surge, pois, a problemática da diversidade de critérios aptos a buscarem a uniformização jurisprudencial, os quais são dos mais diversos matizes, dependendo em todo caso de uma postura interna dos tribunais, algo relacionado à cultura do judiciário local.

É com base na ideia de harmonização de decisões judiciais na busca de um meio seguro e equilibrado para se determinar um maior tratamento equânime entre cidadãos iguais e com casos semelhantes, que o presente trabalho visa explicitar, ou, ousadamente explicar os embates travados na doutrina nacional e, com maior relevância, a problemática no seio do judiciário,

Page 59: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 59

apontando a utilização de alguns métodos modernos, bem como a nova sistemática do novo Código de Processo Civil.

Por fim, para o desenvolvimento do presente artigo se tomará por base a doutrina, a jurisprudência e o Direito comparado, a partir do método dedutivo, posto que se busque enfrentar o tema de um plano geral para uma questão particularizada, e sob um viés qualitativo, tendo em vista que se irá analisar a temática sob um viés não estatístico, mas à luz da complexidade humana e social, buscando demonstrar a real dimensão da necessidade da harmonização das decisões judiciais e os principais mecanismos criados pelo novo CPC acerca da questão posta.

O presente projeto terá por finalidade a pesquisa pura, primando por uma análise jurídica e conceitual, através da auferição de conhecimentos científicos, sem, contudo, enveredar em suas consequências práticas.

Demais disso, utilizando-se o nível de pesquisa exploratória, enxergando-se a problemática proposta sob o critério teórico, como tipologia da pesquisa, o presente projeto coletará informações do assunto/tema, tencionando implementar o que se conhece da proposta, afim de que se possa, futuramente desenvolver um projeto mais ambicioso acerca do objeto em apreço, vez que se torna por demais necessário o aprofundamento do tema ante o advento do novo Código de Processo Civil..

Finalmente, se primará, ainda, pela interpretação sistemática, em razão da sistematização em que o Direito se encontra atualmente, o que muitas vezes requer que contradições ou confrontos sejam resolvidos tão somente por um sopesamento, questão essa que será resolvida, por sua vez, pela interpretação lógica, debruçada por sobre a interpretação teleológica e axiológica.

O presente artigo está dividido em oito tópicos. O primeiro - Introdução - traz os componentes estruturantes

do presente artigo, apresentando o objeto de estudo, problemática,

Page 60: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

60 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

objetivos específicos e gerais, relevância, metodologia e apresentação dos tópicos.

O segundo - A crise da Discrepância Jurisprudencial no Brasil - traz o panorama da atual situação no Brasil quanto à organização do judiciário, notadamente no que se refere a harmonia das decisões judiciais e a desconfiança dos jurisdicionados.

O terceiro - A imprescindibilidade da harmonização dos precedentes e da jurisprudência pátria e a ideia do stare decisis como solução - enfoca a importância da busca efetiva pela harmonização da jurisprudência pátria, trazendo à baila o ideal do Stare decisis como critério de segurança jurídica.

O quarto - O Superior Tribunal de Justiça como corte uniformizadora - no tópico em referência aborda-se o papel do Superior tribunal de Justiça e o seu papel de corte unificadora.

O quinto - Técnicas de confronto e superação dos precedentes - são apresentados institutos de superação dos precedentes oriundos do direito americano, tais como o distinguishing, restrictive distinguishing, ampliative distinghishing, overruling, overriding.

O sexto - As principais alterações do novo Código de Processo Civil e sua influência sobre a harmonização das decisões e jurisprudência - são traçados os novos mecanismos de harmonização das decisões judiciais do novo CPC.

O sétimo - Considerações finais - trata-se do desfecho do presente artigo, confluindo todo o entendimento até então apresentado. 2 A CRISE DA DISCREPÂNCIA JURISPRUDENCIAL NO BRASIL

Vive-se atualmente em um cenário político e jurídico totalmente instável, onde direitos são relativizados em prol da satisfação de grupos de pressão, ainda que tais interesses sejam nefastos ao Estado democrático de direito e diametralmente oposto à segurança jurídica.

Page 61: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 61

Notadamente no aspecto jurisdicional, a instabilidade ora comentada causa comoção nos destinatários da prestação judicante do Estado, onde uma decisão num determinado caso poderá ser diversamente aplicada em outro caso semelhante, despertando a sensação nos jurisdicionados que o Judiciário brasileiro é fruto da concepção íntima do magistrado, responsável por aplicar a decisão que bem lhe convir na ocasião.

A jurisprudência no Brasil ainda capenga no sentido de se amoldar ao ideal de segurança jurídica, sendo tal qual rios intermitentes, sem qualquer estabilidade.

Para Ingo Sarlet (2005, p.330): Considerando que também a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como a sua realização, desde logo é perceptível o quanto a idéia de segurança jurídica encontra-se umbilicalmente vinculada à própria noção de dignidade da pessoa humana. (...) a dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranqüilidade, confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas”

Page 62: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

62 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A desarmonia de decisões e jurisprudências acaba por descreditar todo o sistema judicante, vez que, como pode o povo confiar seus problemas ao judiciário se o mesmo age com bipolaridade?

Sequer observa-se unicidade nas decisões de um mesmo tribunal, que, na maioria das vezes são gritantemente destoantes, incitando aos jurisdicionados a torcer para que tal matéria aporte nesse ou naquele juiz, "porque o juiz fulano entende de um jeito e sicrano de outro", isso em mesmas questões de direito.

A busca pela harmonização dos precedentes deve ser uma realidade e não uma utopia, posto que a incoerência do judiciário acaba por gerar a desigualdade social, a quebra da isonomia e o insucesso do Estado Democrático de Direito.

3 A IMPRESCINDIBILIDADE DA HARMONIZAÇÃO DOS PRECEDENTES E DA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA E A IDEIA DO STARE DECISIS COMO SOLUÇÃO

Harmonizar as decisões do judiciário significa dar credibilidade ao sistema, e muito mais que isso, é garantir ao povo a certeza de que a justiça será feita com base na igualdade não só processual, mas, também, das decisões judiciais.

Necessário se faz que o judiciário trilhe diretrizes precedenciais uníssonas, num mesmo sentido, ainda que inadequadas num dado momento, o que se torna preferível ante a perpétua incerteza de um direito multi interpretado e sem qualquer ponto de convergência.

Segundo PORTO (2012, p.8), em estudo sobre a common law e civil law, num determinado momento histórico restou decidido que seria mais sensato para a sociedade que fossem estabilizados os litígios com uma solução por vezes, até mesmo, inadequada, do que eternizar as incertezas e inseguranças.

A busca pela estabilização e harmonização jurisprudencial deve partir de cada juiz, cada tribunal, ainda que aquele

Page 63: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 63

entendimento não seja final, mas que, pelo menos seja aplicado em unicidade naquele dado momento.

É necessário, antes de tudo, que as decisões judiciais atendam ao princípio da igualdade, dando a cada um, de forma equânime, o devido diante de identidade de objetos, sob pena de tornar o processo um jogo de azar.

A igualdade trata-se de um princípio informativo, não apenas do processo civil, mas de todo o direito, tratando-se de verdadeira norma supraconstitucional, sendo necessário que o intérprete observe a necessidade do tratamento igualizador de forma mais ampla que a tão-só "igualdade perante a lei". (PORTANOVA, 2005).

É nesse cenário que surge o ideal do stare decisis, termo de origem latina (stare decisis et non quieta movere), significando mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido, ou precedente vinculante, de modo que o juízo futuro declare-se vinculado à decisão anterior, respeitando-as de forma a não alterar as decisões anteriores. Há portanto a observância dos precedentes gerados.

Tal instituto possui suas raízes nos países de origem anglo-saxônica, que, por sua vez, são regidos pelo common law.

Para Didier (2001, p. 386) precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto ,cujo núcleo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.

Wambier (2009, p. 121) sugere que a vinculação aos precedentes justifica-se pela necessidade de igualdade e, esta, será atingida através da seleção de aspectos considerados relevantes do caso que deve ser julgado, a fim de que este seja considerado semelhante ao outro e decidido da mesma forma.

A solidificação do Stare decisis no Brasil vem ocorrendo pari passu, o que vem sendo acentuado ante a instituição das súmulas vinculantes, repercussão geral e recursos repetitivos, o que, ainda, não resolve os problemas da base jurisdicional.

Page 64: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

64 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Nesse sentido veja-se decisão do STJ quanto a epifania do

Stare decisis no Brasil: DIREITO AUTORAL. APARELHOS DE RÁDIO E DE TELEVISÃO EM QUARTOS DE MOTEL. COBRANÇA DEVIDA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 63 DESTA CORTE. PRECEDENTES. I. Consoante afirmado pela Segunda Seção desta Corte no julgamento do REsp 556340/MG (Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 11/10/04), os quartos de motéis ou hotéis, devem ser considerados lugares de freqüência coletiva para efeito de cobrança de direitos autorais quando equipados com aparelhos de rádio ou televisão. Incidência da Súmula 63/STJ. II - Sem que tenha havido mudança da legislação de regência, não há motivo para revisar a orientação já afirmada e com a qual já se adequaram ou devem estar se adequando inúmeros estabelecimentos comerciais. III - A fase histórica do Poder Judiciário nacional, visando à tranqüilidade da sociedade brasileira, exige o desenvolvimento de uma doutrina brasileira de stare decisis et non quieta movere. Nesse sentido vem sendo construído o novo edifício jurídico nacional, por intermédio de normas constitucionais e infra-constitucionais recentes -- como, por exemplo, as Leis das

Page 65: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 65

Súmulas Vinculantes, da Repercussão Geral e dos Recursos Repetitivos. Recurso Especial a que se dá provimento. (REsp 1088045/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2009, DJe 23/10/2009)

A harmonização das decisões toma cada vez mais fôlego no nosso sistema processual, valorizando-se a unificação dos entendimentos, não só das cortes superiores, mas, valorizando e intensificando tal papel ainda mais na base jurisdicional com os juízes e tribunais.

Ainda que timidamente, observa-se firmes passos para a busca da segurança jurídica, principalmente com o advento do novo CPC, estabilizando-se, assim, os entendimentos jurisprudenciais com a minoração das divergências de entendimentos e enxurradas das mais diversas teses para as cortes superiores, quando se poderia muito bem se refinar os entendimentos desde o início da demanda.

Com base nisso, espera-se que o Superior Tribunal de Justiça concentre-se mais em teses realmente divergentes, mas, desta feita, entre as jurisprudências dos diversos tribunais do Brasil e não tão somente de um Estado, partindo-se do pressuposto que haverá harmonia das decisões do tribunal e seus magistrados, unificando-se a velha salada mista que parte de um mesmo ponto para desembocar em uma mescla de interpretações maior perante o STJ. 4 O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMO CORTE UNIFORMIZADORA DA JURISPRUDÊNCIA NACIONAL

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi criado pela Constituição Federal de 1988, recebendo a incumbência de uniformizar a interpretação da leis federais brasileiras.

Trata-se de um dos órgãos máximos do Poder Judiciário, recebendo a chancela de "Tribunal da Cidadania", em razão do

Page 66: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

66 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

mesmo ter sido instituído pela Constituição Federal de 1988, intitulada de Constituição Cidadã.

O Superior Tribunal de Justiça é a última instância da Justiça brasileira no tocante à matérias infraconstitucionais que não violem diretamente a Carta Magna brasileira.

Devido a sua atribuição de Corte de uniformização da Justiça comum, o Superior Tribunal de Justiça aprecia as mais diversas causas advindas de todo o Brasil, desde que não se tratem de matéria especializada, como questões trabalhistas, eleitorais ou militares, que possuem suas respectivas cortes especiais, que são, respectivamente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar (STM).

A competência do Superior Tribunal de Justiça está prevista no artigo 105 da Constituição Federal, onde estão dispostas as causas que terão início no próprio Superior Tribunal de Justiça, são os chamados de processos originários; bem como disposições acerca da função revisora em sede de Recurso Especial.

Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar crimes praticados por Governadores, crimes comuns e de responsabilidade de desembargadores dos Tribunais de Justiça, Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais, membros dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais Eleitorais e do Trabalho.

Também é da atribuição do Superior Tribunal de Justiça julgar os habeas-corpus que faça menção as autoridades retromencionadas, com exceção de matéria afeta à Justiça Eleitoral.

Insere-se, ainda, na competência da Corte cidadã, a apreciação dos recursos interpostos contra habeas corpus concedidos ou negados pelos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça Estaduais, além de julgar as causas decididas nessas esferas quando envolverem leis federais.

Em especial interesse, destaca-se também a função uniformizadora do Superior Tribunal de Justiça, onde este atua na unificação da interpretação dos Tribunais de segundo grau, podendo

Page 67: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 67

conhecer da questão suscitada e, se preenchidos os requisitos, uniformizando-a.

Dada a pluralidade de julgadores, dogmas e entendimentos, fundados no caráter dinâmico do Direito, é facilmente constatável as discrepâncias de julgados que versam sobre um mesmo tema.

Na tentativa de minorar esses reais e naturais efeitos da natureza judicante, alguns mecanismos foram criados para a uniformização da jurisprudência, na busca incessante pela efetiva justiça que se espera da solução pela via judicial, o que não se assemelha de nenhuma forma com casos semelhantes, porém decisões destoantes.

Nesse particular viés, alguns meios foram criados para tentar unificar a jurisprudência, entre eles o recurso especial, previsto no artigo 105, III, "c", da Constituição de 88, a uniformização da jurisprudência nos tribunais, expressa no artigo 476 do atual Código de Processo Civil7, os embargos de divergência em sede de recursos especial e extraordinário, dispostos no artigo 546 desse mesmo diploma, bem como o pedido de uniformização de interpretação de lei federal nos Juizados Especiais federais, previsto no artigo 14 da lei 10.259/2001.

Quando da criação do Superior Tribunal de Justiça, a Constituição Federal de 1988 deu significante passo ao elegê-lo como unificador das jurisprudências, tornando as interpretações

7 Cf. Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas. Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo.

Page 68: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

68 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

escorreitas e num único sentido, o que minimizou, por demais, as contendas interpretativas responsáveis pelo marasmo do judiciário.

É por meio de decisões uniformes e aprofundada interpretação das questões jurídicas que o Superior Tribunal de Justiça observa seu papel uniformizador estabelecido pela Carta Magna de 1988, ensejando inúmeras benesses à sociedade, entres estas pode-se enumerar: 1º) a estabilidade dos Tribunais estaduais, os quais decidem questões estritamente jurídicas de acordo com a orientação dos Tribunais Superiores; 2º) a redução do número de processos na Corte Superior em caso de estabilidade jurisprudencial; e 3º) a facilidade na invocação de Súmulas e pressupostos recursais que impedirão a subida de irresignações à Corte Superior ligadas às matérias decididas e consolidadas, além da segurança social e do fiel cumprimento da missão do STJ traçada pelo legislador constituinte. (LORDELLO, 2003).

A uniformização de entendimentos por parte do Superior Tribunal de Justiça atua em efeito cascata, no sentido de se irradiar para a base do judiciário consenso sobre os diversos temas, evitando as mais variadas interpretações, o que serve de verdadeira bussola para o aplicador do Direito.

Num segundo momento, com a unificação da jurisprudência, os volumes de processos que chegam à Corte uniformizadora consequentemente diminuirão, uma vez que não haverá mais dissonância entre o que se aplicou nas instâncias inferiores e o que se aplica em sede de Superior Tribunal de Justiça.

Um terceiro efeito decorrente da uniformização é o da facilitação no que tange à elaboração de súmulas, as quais são verdadeiros epicentros de convergência jurisprudencial, funcionando como um comando direto ao julgador, impedindo que subam ao Superior Tribunal de Justiça questões já pacificadas e consolidadas nas Súmulas.

Contudo, ainda que se tenha atribuído ao Superior Tribunal de Justiça o encargo de uniformizar a jurisprudência, tal mister nem

Page 69: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 69

sempre é desenvolvido a contendo por esta corte, uma vez que, não raro, observe-se dissonância interpretativa entre as próprias Turmas da Corte uniformizadora.

Sobre a questão, discorre Lordello (2003, p. 151): Entretanto, em numerosas ocasiões, o STJ tem se distanciado do seu mais precioso mister: a incidência de veredictos diversos para semelhantes questões jurídicas, a divergência entre as Turmas que compõem a Corte e a adoção de posicionamentos pessoais contrários ao entendimento firmado pela maioria dos integrantes da Corte têm se

prestado negativamente à função uniformizadora.

Ainda que a função da corte se preste a uniformizar o entendimento nacional, é inevitável que haja confrontos ideológicos, algo que é marco característico do ser racional, o que, caso não existisse, inexoravelmente estaríamos fadados a atonia de um judiciário inflexível.

São necessárias interpretações conflitantes, caso contrário jamais se chegaria a um divisor comum, a um avanço de interpretação, o que coadunaria no enfraquecimento da função judicante, por não mais ser possível a solução de impasses, já que todo o corpo de julgadores interpretaria sob uma única forma, sem mesmo cogitarem outra solução.

O que se veda no comportamento destoante dos julgadores, é que, diante de casos análogos, se tome soluções drasticamente opostas, ferindo de morte o direito alheio de se obter uma contraprestação jurisdicional semelhante ao que foi concedido em demanda de mesma envergadura.

As disparidades geradas pela ausência de padronização de entendimentos, em casos que a permitam, obrigam que os

Page 70: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

70 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

jurisdicionados tomem uma postura hostil face ao judiciário, formando hordas de recorrentes contumazes, sempre ávidos por mudanças de suas decisões, de modo que se aproxime o máximo possível de um julgado paradigma que suscitou toda desconformidade jurisprudencial.

Conforme visto alhures, a tarefa de harmonização deve ser desempenhada por todas as instâncias do poder judiciário, de modo que, quando da alçada das demandas para as instâncias superiores, estas se encarreguem simplesmente em dar um "comando geral" e uníssono para todo o país.

É necessário que se observe o princípio da isonomia, atribuindo-se um peso e uma medida aos casos que guardem similitude, ponderando-se, lógico, suas diferenças, do contrário, o papel de julgar, a que se presta o judiciário, afetará sobremaneira a estabilidade das decisões judiciais, coadunando-se numa verdadeira

derrocada da ordem jurídica nacional. 5 TÉCNICAS DE CONFRONTO E SUPERAÇÃO DOS PRECEDENTES

É válido citar aqui, an passant, algumas técnicas de aplicação dos precedentes.

Para que haja a invocação de um precedente num caso concreto, é necessário que seja demonstrada semelhança entre um caso e outro.

Esse cotejamento recebe o nome de distinguishing (ou distinguish).

Haverá o distinguishing quando houver distinção entre o caso paragonado - no caso, o caso em concreto que almeja-se comparar - e o caso paradigma - caso adotado como referência para comparação.

Observando o magistrado que existe distinção entre o caso concreto e o paradigma, pode restringir a aplicação daquele precedente, julgando-o livremente com base no seu convencimento motivado, tratando aqui de um restrictive distinguishing.

Page 71: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 71

Igualmente, caso o magistrado perceba que o caso concreto apresenta maiores contornos em relação ao paradigma, poderá o magistrado aplicar a mesma saída utilizada nos casos anteriores, o que seria a hipótese de ampliative distinghishing.

No que concerne à superação do precedente, existem duas técnicas: overruling, observável quando supera-se o precedente, e, portanto, o mesmo perde sua força vinculativa, e overriding, visível em situações onde o Tribunal limita o âmbito de incidência de um precedente, seja em virtude de uma lei incipiente ou de princípio.

6 AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A HARMONIZAÇÃO DAS DECISÕES E JURISPRUDÊNCIA

Superados os contornos iniciais sobre a importância da harmonização das decisões e jurisprudências, se faz necessário apontar no presente trabalho algumas das principais alterações no novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), e os seus impactos sobre o tema em tela.

No intuito de se buscar efetiva harmonização e unicidade do ordenamento pátrio, o novo código processual se erige como rico instrumento no que tange à ampliação da preponderância dos precedentes judiciais, permitindo maior segurança ao sistema jurídico pátrio. É nesse meio que se observa maior destaque de determinados órgãos dos tribunais, vez que suas decisões serão elevadas a um novo patamar, onde suas decisões deverão ser observadas como verdadeiros paradigmas, no intuito de tornar a jurisprudência estável, íntegra e coerente. (SENRA; PIRES; RODRIGUES, 2015).

Verifica-se, portanto, que o novel Digesto processual surge com intenções claras de buscar a harmonização das decisões judiciais, valorizando e otimizando a influência dos precedentes, resgatando, assim, a verdadeira acepção de segurança jurídica e confiabilidade no judiciário.

Page 72: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

72 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A seguir, enumerar-se-á algumas e importante alterações/inclusões feitas pelo novo CPC, notadamente acerca da busca da uniformização e harmonização das decisões e jurisprudência.

O art. 332, do novo CPC, amplia consideravelmente os poderes do juiz de primeira instância, possibilitando o julgamento do mérito, desta feita não somente em razão de decisões do juízo, como também nas seguintes hipóteses:

I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

No art. 496, §§ 3º e 4º, do novo CPC, dispensa a remessa necessária quando a sentença estiver fundada em Súmula de Tribunal Superior; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; e, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Pela leitura do art. 926, §§ 1º e 2º, do novo CPC, temos que, os tribunais deverão uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno. Além disso, rege o novo diploma que os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante, devendo, contudo,

Page 73: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 73

se aterem às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Disciplina, ainda, o novo código, no seu art. 927, I a IV que, os juízes e tribunais observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, bem como os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, nova medida processual inovada pelo Código de 2015; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Igualmente, o novo código no art. 932, incisos IV e V, estende poderes dados ao relator para negar provimento a recurso ou dar provimento em razão de súmula do STF ou do STJ, acórdão em julgamento de recursos repetidos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou assunção de competência.

Uma das mais importantes inovações no Digesto processual de 2015, fora a criação do art. 947 com a previsão do incidente de assunção de competência que Trata-se de um instituto relacionado aos recursos e será admitido quando “o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos” instituto hábil a vincular todos os juízes.

A grande inovação não fora propriamente o instituto de assunção de competência, que inclusive já existia/existe no código de processo de 1973, notadamente no art. 555, §1º, mas sim a possibilidade de ser manejado por qualquer das partes, Ministério Público e Defensoria Pública (art. 947, §1º).

Page 74: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

74 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A decisão prolatada no incidente de assunção vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese, fazendo a previsão de cabimento de reclamação para garantir a observância do referido precedente (art. 988, IV).

Por último e não menos importante, o novo CPC traz o art. 955, que corresponde ao art. 120 do CPC/73, contudo com contornos mais claros, no sentido de que transparece que a jurisprudência dominante - mencionada no art. 120 do CPC/73 - é do STF, STJ ou do próprio Tribunal, além de aumentar o poder decisório do relator quando a tese tiver sido firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

Em suma, essas foram algumas das principais alterações do novo CPC, as quais foram coligidas no intuito de ser demonstrado o quanto o novo código inovou e para melhor, pelo menos até as primeiras percepções, no que diz respeito à busca da uniformização e harmonização das decisões e jurisprudências.

Torna-se claro que valorizou-se muito a cultura da harmonização das decisões, buscando-se mais segurança jurídica, com o acréscimo de institutos mais efetivos na busca da uniformização jurisprudencial como o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Espera-se que tais inovações consigam refletir o ideário que se colima, posto que os jurisdicionados encontram-se sedentes pela segurança jurídica, celeridade efetividade das decisões judiciais. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observa-se que torna-se por demais importante a harmonização das decisões e jurisprudência, uma vez que dar a cada um dois pesos e duas medidas significa a ruptura da confiança no judiciário, e, muito mais que isso, trata-se de acinte à dignidade da pessoa humana.

Vige ainda no Brasil a triste realidade de instabilidade das decisões judiciais, onde facilmente se encontram tribunais onde se

Page 75: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 75

quer há unicidade nas decisões de seus membros acerca de casos com direitos semelhantes, onde os destinatários da prestação jurisdicional são pegos a cada dia de surpresa, havendo a chamada loteria de decisões onde sequer sabe-se o que será decido naquela demanda, mesmo que já tão debatida.

É nesse sentido que se fazem necessárias medidas úteis à harmonizar os comandos judiciais, sem que super abarrotem as cortes superiores, notadamente o Superior Tribunal de Justiça como Corte de uniformização, tão bombardeado por questões que poderiam ser "enxugados" na base para, assim, serem propostos ao Tribunal Cidadão numa amplitude mais generalizada a nível nacional.

Nesse cenário, surge o novo Código de Processo Civil que, a primeira vista, parece trazer algumas soluções para a problemática da discrepância jurisprudencial.

Nota-se a valorização dos precedentes através da criação de institutos e poderes estendidos aos magistrados e tribunais, o que, talvez, solucione a crise de segurança jurídica e desconfiança vivenciada, sim, porque não saber o que será decidido em determinados processos mais que debatidos e rebatidos e com direitos semelhantes, é padecer no caos de um sistema tal qual a porta dos desesperados do antigo programa do humorista Sérgio Malandro, onde ninguém sabe quando sairá um prêmio ou um monstro.

Por fim, se erige como medida de salutar importância a busca pela harmonização das decisões e jurisprudência, pois, decisão desigual para casos semelhantes não se trata de justiça, mas de injustiça institucionalizada, de metástase que corrói as esperanças de um povo que sequer pode se socorrer dos auspícios do judiciário. REFERÊNCIAS BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Massami Uyeda, 22 de setembro de 2009. Disponível em <

Page 76: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

76 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=stare+decisis&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO >. Acesso

em 21 de maio de 2015. BRASIL. Lei n. 5.869/1973, institui o Código de processo Civil. Publicada no Diário Oficial da União, de 17 de janeiro de 1973. Disponivel em < http:// http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm.htm>. Acesso

em 21 de maio de 2015. BRASIL. Lei n. 13.105/2015, institui o novo Código de processo Civil. Publicada no Diário Oficial da União, de 17 de março de 2015. Disponivel em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-

2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 21 de maio de 2015. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Podivm, 2008. 2ªEdiçao. LENZA, Pedro. Reclamação constitucional: inconstitucionalidades no Novo CPC/2015. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-mar-13/pedro-lenza-inconstitucionalidades-reclamacao-cpc> Acesso

em: 21 de maio de 2015. LORDELLO, Gustavo Magalhães.O Superior Tribunal de Justiça e sua função constitucional em matéria criminal.Rev. Fund. Esc. Super.

Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, Ano 11, Edição Especial, set. 2003. NOGUEIRA, Gustavo. Incidente de Assunção de Competência. Disponível em: < http://2015ncpc.blogspot.com.br/2015/02/incidente-de-assuncao-

de-competencia.html> Acesso em: 21 de maio de 2015. PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a Common Law, Civil Law e o Precedente Judicial. Disponível em <http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/sergio%20porto-formatado.pdf>. Acesso em 24 de julho de 2015. PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

Page 77: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 77

SENRA, Flávio; PIRES, Cristiane pedroso; RODRIGUES, Felipe Roberto. Novo Código de Processo Civil e o impacto nos departamentos jurídicos . Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2015-fev-26/cpc-impacto-departamentos-juridicos> Acesso em: 21 de maio de 2015. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito

constitucional brasileiro. Revista de Direito Constitucional, v. 57). _______. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação

Legislativa, Brasília, a. 36, n. 141, jan./mar. 1999. _______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2011.

Page 78: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

78 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A HISTÓRIA E SUAS CONCAUSAS PARA O CRIME ORGANIZADO Carla Maria Fernandes de Brito Barros8

RESUMO: O crime organizado, da forma como concebido na atualidade, não decorre de um fato social isolado ou de uma ideia original surgida em dado momento no inconsciente de algum delinquente, mas antes, se apresenta como decorrência de um processo histórico evolutivo de globalização, no qual os avanços sociais alcançados pelo homem foram postos a serviço da criminalidade, ganhando proporções nunca antes vista ou imaginada pela humanidade. Nesse sentido, o presente ensaio científico busca relacionar a contribuição decisiva dos referidos fenômenos sociais com a edificação dessas superestruturas criminosas. Palavras-chave: Fenômenos sociais, globalização, crime organizado.

HISTORY AND CAUSES FOR ORGANIZED CRIME ABSTRACT: The organized crime the way conceived nowadays is not based on an isolated social fact or an original idea that emerged in a certain moment, in the unconscious mind of some offenders , but rather appears as a result of an evolutionary historical process of globalization, in which social progress made by man were put at the service of the crime, taking great proportions never seen or imagined before by mankind. In this sense, this cientific essay seeks to relate

8 Graduada pela Universidade Potiguar do Rio Grande do Norte, Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Del Museo Social Argentino; especialista Lato Sensu em Direito; Docente concursada da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte; Professora convidada do curso de especialização em Direito Humanos; Palestrante convidada da Universidade de Morón- Argentina; Servidora efetiva do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

Page 79: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 79

the decisive contribution of these social phenomena with the building of such criminal superstructures. Keywords: social phenomena, globalization, organized crime.

Uma análise sobre a gênese de qualquer modalidade criminosa não pode prescindir a observância da história e dos valores que orientam o grupo social em que o respectivo fato criminoso está inserido, porquanto no momento em que a sociedade elege seus bens está, por conseguinte, fixando os limites da ação do homem no afã de protegê-los.

Esse binômio “bens/valores sociais - crimes” é perfeitamente identificável nas sendas da história, de onde se extrai um firme alinhamento entre o que a sociedade de determinada época destacou como bem jurídico-social e as condutas que elegeu e repudiou como criminosas.

Apenas a guisa de exemplo e observando as eras em que se divide a história das civilizações, pode-se fazer um cotejo entre determinado “crime” na idade média e o tratamento jurídico de idêntica conduta na idade contemporânea.

No período medieval9 - onde a igreja se imiscuiu fortemente nas funções políticas e punitivas do Estado – fora caracterizado como crime qualquer expressão de pensamento ou profissão de fé contrária aos dogmas da igreja católica, sendo referidas condutas punidas, inclusive, com a mais temível morte em suplício.10

9 Período compreendido entre a antiguidade clássica e a idade moderna, o qual teve início em 416 d.c, perdurando até a queda do império romano do oriente, no ano de 1453. Também conhecido como “noite dos dez séculos”. 10 Michel Foucault em sua obra “Vigiar e Punir” descreve a execução de um suplício imposto por sentença judicial, em 1757, o qual, ante a tamanha covardia e crueldade com que fora executado, revela-se quase ilegível ao mais frio e indiferente dos leitores, mas, todavia, denota claramente a essência do sistema penal vigente àquela época.

Page 80: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

80 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Paradoxalmente, na idade contemporânea11 - onde a liberdade do homem galgou status de valor-direito fundamental – a expressão livre do pensamento e do culto aos mais variados credos não apenas perdeu tipificação12 (deixou de ser crime), como se tornou objeto de proteção estatal na maior parte dos ordenamentos jurídicos ocidentais, sendo criminosa, em reverso, a conduta que viola ou impede o exercício regular do referido direito fundamental.

Nesse sentido, explica a teoria do etiquetamento, desenvolvida por Labelling Approach, no âmbito da sociologia criminal:

“O delito carece de substrato material ou ontológico: uma conduta não é delitiva in se ou per se (qualidade negativa inerente a ela), nem seu autor é um delinquente por merecimentos objetivos (nocividade do fato, patologia da personalidade); o caráter delitivo de uma conduta e de seu autor depende de certos processos sociais de definição, que lhe atribuem tal caráter, e de seleção, que etiquetam o autor como delinquente”13

Enrico Ferri, por sua vez, “após seus estudos estatísticos sobre a criminalidade na França de 1826 a 1878, indicou a tríplice série de causas do crime, admitida em seguida, por todos os sociólogos criminalistas [fatores individuais (orgânicos e psíquicos),

11 Período histórico desenvolvido a partir da revolução francesa de 1789, até os dias atuais. 12Tipificar significa tornar típico, prescrever e individualizar determinada conduta como criminosa. A tipicidade por sua vez relaciona-se com a eventual identidade da ação ou inação humana e a respectiva norma penal incriminadora. 13 MOLINA. Antônio-García Pablos. Criminologia, p.333.

Page 81: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 81

fatores físicos (ambiente telúrico), fatores sociais (ambiente social)], sustentando que todo crime, do mais leve ao mais terrível, não é o fiat incondicional da vontade humana, mas sim o resultado destas três ordens de causas naturais”.14

Com efeito, em que pese o processo de racionalização e eleição das condutas típicas, bem como a existência de fatores outros a influir na caracterização do crime e do criminoso, é inegável a superior influência que os fenômenos sociais exercem sobre aqueles.

Tanto os caracteres do delito quanto o próprio meio de realizá-lo sofreram e sofrem inevitáveis reflexos decorrentes da evolução da sociedade, sendo notória, inclusive, a distinção existente entre o modelo de crime, a delimitação do bem jurídico e os meios de execução dos delitos cometidos nos primórdios da civilização e as infrações penais características da atualidade.

Isso porque, a realidade social em que se inseria o homem delinquente nas primeiras civilizações restringia a possibilidade de lesão, basicamente, a bens individuais - vida, lesão ao corpo, “patrimônio” e etc - sendo inimaginável naquele contexto histórico-social, por exemplo, a ideia de lesão a determinado bem jurídico ou direito pertencente a uma coletividade15 de pessoas.

Sob o ângulo da vítima, esta era perfeitamente identificada não se concebendo a indeterminação do sujeito passivo do crime, tampouco a lesão de natureza difusa, ou mesmo a existência de crimes tidos como vagos16.

Além disso, os próprios meios de execução – o modus operandi do infrator e os instrumentos utilizados na realização do

14 FERRI. Enrico. Princípios do Direito Criminal: o criminoso e o crime, p. 50. 15 Neste contexto, direito coletivo deve ser compreendido como aquele pertencente, simultaneamente, a mais de uma pessoa, as quais podem ser determinadas, determináveis ou difusas. 16 Crime vago é assim denominado por ter como sujeito passivo uma entidade despersonalizada - sem personalidade jurídica autônoma – como por ex.: a família.

Page 82: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

82 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

crime - eram delimitados pelo universo de conhecimento desenvolvido à época pelo correspondente grupo social, que em tempos imemoriais valia-se de lanças, arcos, flechas e da própria força motora do homem para o cometimento das respectivas infrações penais, sendo impensável no referido contexto social, por exemplo, a execução de um crime à distância, sem a presença imediata dos autores do delito (vítima e agente) e sem a interação direta com o bem jurídico violado.

Em contrapartida, decorridos séculos de história, a evolução social edificou uma impressionante mutação na realidade criminal e no modelo de delinquência até então conhecido, em especial no que toca a potencialidade lesiva das condutas criminosas – hábeis que são, na atualidade, a alcançar um contingente muitas vezes incalculável de vítimas – e a pluralidade dos meios de ação delitiva - por vezes inéditos frente ao sistema de reação penal dos Estados -.

Assim o é porque na idade contemporânea, – de 1789 (Revolução Francesa) aos dias atuais - os acontecimentos histórico-sociais acarretaram uma profunda transformação no modus vivende da comunidade mundial, produzindo um irreversível processo de interação que viabilizou, entre muitas outras coisas, a criação de um “leviatã do crime”, qual seja, a criminalidade organizada de extensão, por vezes, transnacional.

Em nossa era, a execução de um crime pode se dar com um simples pressionar de teclas insertas a um computador ou por meio da mera discagem fonada de números, a milhas e milhas de distância das pretensas vítimas e com um teor de ofensividade capaz de atingir, simultaneamente, uma pluralidade de bens jurídicos situados em diversas partes do globo.

Pode-se afirmar que o crime galgou uma potencialidade lesiva de patamar surpreendente e ainda indefinido, caracterizando-se por um modus operandi extremamente organizado, ofensivo e com capacidade para produzir lesões que transcendem, além da

Page 83: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 83

vítima direta do delito, os próprios limites territoriais dos Estados em que se verificam a execução dos fatos criminosos.

Referida modalidade de crime se caracteriza17 pela associação de pessoas organizadas sob um formato empresarial, com hierarquia e divisão de funções entre elas, para fins de cometer os mais variados crimes (como tráfico de armas, drogas, pessoas, exploração sexual, homicídios, corrupção, suborno e etc), podendo repercutir nos mais distintos confins do planeta.

Nesse contexto, nenhum fenômeno social foi tão favorável a “macrocriminalidade organizada” como a denominada globalização, aqui compreendida como um processo complexo de interação e intercâmbio estabelecido entre os povos do mundo, suas culturas, tecnologias, economias, ideologias políticas e demais aspectos da vida em sociedade, inclusive, os crimes nela cometidos.

Citado fenômeno social, que foi construído paulatinamente no curso da história da humanidade18, ganhou, no final do século XX,

17 O Brasil, que há tempos sofria com a falta de definição legal, editou no ano de 2013 a Lei de n◦ 12.850 que assim dispõe em seu artigo 1◦: “§ 1o “ Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em: 15 de setembro de 2014. 18 Como se pode extrair do ideal expansionista estabelecido na antiguidade com a formação dos respectivos impérios (egípcio, persa, babilônico, romano...); das grandes navegações do Sec. XV, por meio das quais o planeta se tornou efetivamente conhecido e passível de colonização pelas civilizações do velho mundo; da revolução industrial que impôs aos países produtores a expansão de suas fronteiras em busca de novos mercados indispensáveis ao escoamento dos bens produzidos, então, em formato industrial; das próprias ideologias religiosas, em especial, o cristianismo e o

Page 84: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

84 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

ares de universalidade econômica, posto que o fim da guerra fria - simbolizado pela queda do muro de Berlim19, em 09 de novembro de 1989 - viabilizou a quebra da bipolaridade em que se dividia o planeta - bloco socialista capitaneado pela ex-União Soviética e o bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos da América - oportunizando, desta feita, uma verdadeira mundialização do capitalismo e a globalização geral dos mercados.

A conseguinte multipolaridade alcançada a partir do final da guerra fria permitiu que sociedades e mercados, antes fechados às demais partes do mundo - em razão do sistema econômico adotado pelos respectivos estados soberanos20 -, passassem a se relacionar economicamente com os demais mercados do globo, fato que, inegavelmente, aproximou as sociedades, viabilizando uma recíproca influência de valores e de toda sorte de comportamentos.

Ainda no século passado, referido processo globalizador restou decisivamente fortalecido em face dos surpreendentes

islamismo, que serviram de sólido mecanismo de interação e homogeneização dos grupos sociais, desde o período da antiguidade clássica e oriental – onde se registra o berço das religiões - até os dias atuais - bastando verificar a existência de mulçumanos e cristãos em toda parte do globo, transcendendo de forma incalculável os limites territoriais onde as respectivas religiões nasceram -; e, ainda, dos fenômenos políticos e econômicos da história, a exemplo da Revolução Francesa de 1789, que deflagrou um verdadeiro processo de globalização dos ideais políticos relativos, não somente, a vida em sociedade, mas também, e precipuamente, ao reconhecimento do homem como ser humano naturalmente livre e igual em dignidade, direitos e obrigações. 19 O muro de Berlim além de dividir materialmente ao meio a cidade de Berlim simbolizava a divisão da própria Alemanha em dois sistemas políticos-econômicos distintos, o capitalista, inerente a República Federal Alemã e o socialista, seguido pela República Democrática Alemã. 20 A Europa oriental do pós-guerra recebeu, inclusive, a designação de “cortina de ferro” em referência a política de isolamento adotada pelos países do bloco socialista do mundo.

Page 85: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 85

avanços tecnológicos alcançados pelo homem, especialmente, a criação de uma rede mundial de computadores.

A internet, entendida como um conglomerado de redes de escala mundial, acessível por computadores situados em toda parte do planeta e passível de interconectar pessoas em qualquer localidade do mundo, simplesmente fez ruir antigas noções territorialistas extremadas e de nacionalismos paralisantes, impondo uma verdadeira releitura de conceitos seculares como “Estado”, “Soberania” e, porque não dizer, uma expansão da primitiva concepção de crime, então transmutada para albergar também uma delinquência global e organizada.

Sendo a globalização a mais ampla forma de redução das distâncias, de flexibilização das fronteiras e barreiras de toda ordem entre os povos do mundo, não poderia deixar de ser sentida e repercutida também no universo criminológico, o que, para perplexidade da comunidade mundial, oportunizou a criação de verdadeiras superestruturas criminosas21.

Demais disso, referidas instituições do crime foram ainda influenciadas por questões político-sociais vivenciadas no início do século passado na América, eis que, em paralelo a toda esta mitigação fronteiriça do mundo contemporâneo, já vinha sendo desenhada nos Estados Unidos – EUA, a partir da década de 1920, as associações criminosas - denominadas máfias22 - configurando o

21 "O crime organizado se globalizou e se transformou em uma das principais forças econômicas e armadas do mundo", nas palavras de Antonio Maria Costa, Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), no lançamento de um novo relatório do UNODC, intitulado A Globalização do Crime: uma Avaliação sobre a Ameaça do Crime Organizado Transnacional (https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2010/06/17-crime-organizado-se globalizou-e-se-transformou-em-uma-ameaca-a-seguranca.html) 22 A expressão “máfia” é aqui utilizada como sinônimo de organização criminosa.

Page 86: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

86 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

primeiro modelo de crime efetivamente organizado que o mundo conheceria, o qual ganhou força e se desenvolveu a partir de um particular contexto político/legislativo.

Na época, o governo norte americano, por meio da 18ª emenda à Constituição, editou23 a lei seca - também conhecida por “the noble experiment” -, que proibia a venda, fabricação e transporte de bebidas alcoólicas por todos os Estados Norte Americanos.

Referida proibição teve grave efeito colateral, posto que, foi a partir dela que se intensificou o comércio ilegal de bebidas e a máfia, antes adstrita basicamente a jogos e prostituição, expandiu suas atividades criminosas, criando grandes e ricos esquemas de sonegação fiscal por meio da corrupção de pessoas chaves em todas as esferas do governo e na própria polícia repressiva.

A atividade mafiosa, hierarquicamente desenvolvida, tinha na corrupção dos agentes estatais, na violência e na grande demanda social por bebida alcoólica o contexto perfeito para expansão do referido comércio ilegal e para o cometimento de inúmeros outros crimes auxiliares (extorsão, homicídios, sequestros, crimes contra o Estado e a Administração Pública, proteção paga e etc.), sendo todos eles utilizados como meio à consecução da finalidade maior das organizações criminosas, o lucro.

Toda essa ideia de divisão de tarefas, hierarquia, violência, busca incessante pelo lucro e pelo poder social, foi transportada para o modelo mais vanguardista de criminalidade organizada, sendo fácil

23 Sobre a intima relação doa fatos sociais e das normas, explica José Geraldo da Silva, em sua obra Teoria do Crime. 4 ed. rev. e atual. Editora Millennium. Campinas: 2010, p,. 40 que: “O Estado não legisla arbitrariamente. As leis não nascem da fantasia ou capricho seu. Em regra é a vida social com seus imperativos e reclamos - a civilização, o progresso, enfim, são outros fatores e situações - que o solicitam a ditar o direito. Tudo isso, ainda que vago e impreciso, porém presente e antecedente a atividade legislativa, é também fonte de produção”.

Page 87: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 87

concluir que toda e qualquer atividade lucrativa para o crime organizado - pela existência de um mercado consumidor clandestino - é por ele executada, muitas vezes, com auxílio dos mais diversos atores estatais, como se denota, atualmente, no comércio ilegal de drogas, de armas, de medicamentos, de órgãos, de seres humanos e mesmo nas atividades legais - executadas de forma ilícita -, como o comércio de cigarros sonegados.

Nesse contexto, forçoso concluir que a atual criminalidade organizada transnacional diferi da sua percussora máfia norte americana apenas pelo fato de ter a sua disposição mecanismos tecnológicos diferenciados e uma redução de fronteiras territoriais e econômicas - alcançadas pela globalização e até então desconhecidas pelas primeiras associações criminosas - que potencializa, de forma colossal, seus efeitos lesivos24 .

24 A guisa de exemplo Maurício Horta explicita, em artigo intitulado “Máfia”, como as organizações criminosas se imiscuíram, inclusive, nas atividades “legais” da sociedade, denotando, desta feita, a magnitude do potencial lesivo que possuem. Vejamos: “As máfias fazem dinheiro com drogas legalizadas também. Elas compram carregamentos de cigarros das multinacionais e revendem sem pagar impostos – embolsando o que deveria ir para o Estado. Para completar, essa tramoia ajuda a abrir novas rotas para o tráfico de cocaína e heroína. Nenhum produto de consumo é mais contrabandeado que o cigarro, segundo a OMS. É fácil de transportar, tem custo de produção baixo e a maior parte do preço de venda é de impostos. É só tirar o governo da parada para ganhar uma fortuna. No Reino Unido, onde um maço custa aproximadamente US$ 10, contrabandistas ganham US$ 2 milhões a cada contêiner que entra no país. O tráfico de cigarro surgiu como uma das atividades ilegais mais lucrativas e generalizadas nos países da ex-Iugoslávia nos anos 90. Fábricas legais nos EUA ou UE fabricavam cigarros para exportação – logo, sem pagar os altos impostos. De lá, iam a zonas de livre comércio na Holanda ou na Suíça. Lá eram vendidos a países com altos níveis de corrupção, como o Egito e o Uzbequistão, de onde sindicatos distribuíam a outras regiões. Para abastecer o mercado europeu, aviões traziam o produto até Montenegro. Do porto de Bar, no sul do país

Page 88: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

88 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Assim sendo, resta evidente a impossibilidade de se dissociar a “evolução social” dos seus reflexos em todas as áreas da vivencia coletiva e, por conseguinte, da própria transformação ou modulação dos caracteres da conduta criminosa, tornando-se mesmo, muitas vezes, determinante para estabelecer o formato da criminalidade e até mesmo o perfil dos novos delinquentes.

BIBLIOGRAFIA

BERCHOLC. JORGE O.; CARNOTA. Walter F.; FERREYRA. Raul Gustavo; GIROTTI. Maria Cristina; ORTIZ. Tulio; RAJLAND. Beatriz; SERRAFERO. Mario; ZAFFARONI. Raúl Eugenio. El estado y la globalizacion. Director: Jorge O. Bercholc. Buenos Aires: Ediar, 2008. CHACON, Vamireh. Globalização e estados transnacionais: relações internacionais no século XXI. São Paulo: SENAC, 2002. CROUZET, Maurice. História geral das civilizações: a época contemporânea. Trad. Pedro Moacir Campos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. FERRI, Enrico. Princípios do Direito Criminal: o criminoso e o crime. Trad. Luiz Lemos D’Oliveira. 3 ed. Campinas: Russell, 2009.

balcânico, partiam todas as noites centenas de lanchas carregadas com cartelas de cigarro até Bari, no sul da Itália, onde a máfia continuava a distribuição local. Mesmo com cada atravessador ganhando uma fatia do preço, os pacotes chegavam ao mercado negro europeu 50% mais baratos que os que pagavam impostos. Esse esquema chegou a ser responsável por 60% do PIB de Montenegro nos anos 90. O contrabando de cigarro pode parecer café pequeno comparado ao tráfico de drogas. Mas quase 700 zonas de livre comércio do mundo são usadas como portos seguros para o armazenamento e transporte de cigarros contrabandeados. E uma vez que a rota é estabelecida (com os devidos subornos já acertados com as autoridades locais), as portas ficam escancaradas para outras atividades” (Revista Super Interessante, edição 262, fevereiro de 2009).

Page 89: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 89

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história das violências nas prisões. Trad. Raquel Ramalhete. 38 ed. Petrópolis: Vozes, 2010. HORTA, Maurício. Máfia. Revista Super Interessante, Brasil, n. 262, 2009. LADMANN, Eve Rimoldi de. Los procesos de integración y los desafíos del mundo actual. Buenos Aires: Universidad Nacional de Buenos Aires, 2010. LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Globalização, regionalização e soberania. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. MOLINA, Antônio Garcia-Plabos de. Criminologia. Trad. Luiz Flávio Gomes; Yellbin Morote García e Davi Tangerino. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. ORSI, Omar G.. Lavado de dinero de origen delictivo. Buenos Aires: Hammurabi, 2007. ROQUE, Sebastião José. História do Direito. São Paulo: Ícone, 2007 SILVA, José Geraldo da. Teoria do Crime. 4 ed. Campinas: Millennium, 2010. YACOBUCCI, Guillermo J. (Coord.). El crimen organizado: desafíos y perspectivas en el marco de la globalizacíon. Ciduad de Buenos Aires: Ábaco de Rodolfo Depalma, 2005. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Política criminal latino-americana: perspectivas disyuntivas. Buenos Aires: Hammurabi, 2012. ZUPPI, Alberto Luis. Jurisdicción universal para crímenes contra el Derecho Internacional. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2002.

Page 90: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

90 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A INTERLIGAÇÃO ENTRE AS BACIAS HIDROGRÁFICAS COMO PRESSUPOSTO PARA A PROTEÇÃO DO EQUILÍBRIO AMBIENTAL E DA

QUALIDADE DE VIDA

Vladimir Polízio Júnior25

RESUMO: A tímida atuação do Poder Público em cumprir com o dever assegurado na Constituição Federal para com a defesa e proteção do meio ambiente equilibrado e sadio atenta não apenas contra direitos fundamentais das presentes, mas também das futuras gerações. Os recursos hídricos, embora presentes em grande quantidade no Brasil, não recebem o tratamento que deveria ser conferido a bens de tamanha relevância para o progresso e desenvolvimento, porque essenciais à vida. A deficiência do saneamento básico, a ausência de uma rede de esgotos ampla e do adequado tratamento desses efluentes, e a precariedade na distribuição de água potável, são atualmente agravadas pelos efeitos da mudança do clima, causada principalmente pelo aquecimento global; não bastasse, há a sazonal exabundância na vazão de cursos d’água, que penetram em áreas urbanas e resultam em inegável prejuízo à qualidade de vida de toda a sociedade. Entretanto, se o excesso ocasional de água dos rios fosse recolhido antes de invadidas as áreas urbanas e armazenado, poderia ser adequadamente aproveitado, com a devida integração da malha hidrográfica, para manter um fluxo mínimo nas bacias nacionais. PALAVRAS-CHAVE: interligação entre bacias hidrográficas; bacia hidrográfica; meio ambiente; direito ambiental; direitos fundamentais.

25 Doutorando em Direito e Mestre em Direito Processual Constitucional pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina. Defensor Público Estadual no Estado do Espírito Santo.

Page 91: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 91

THE INTERCONNECTION BETWEEN THE RIVER BASINS AS A PURPOSE FOR THE PROTECTION OF ENVIRONMENTAL BALANCE

AND LIFE QUALITY ABSTRACT: The timid government performance on complying with the obligation secured by the Constitution for defense and protection of the carefully balanced and healthy environment attempts not only against the fundamental rights of the present generations, but also of the future ones. The water resources, though being present in large quantities in Brazil, do not receive the treatment that should be given to a good of great importance to the progress and development, as essential to life. The basic sanitation deficiency, the lack of a large sewers network and of a good treatment of these effluents, and the precariousness in the drinking water distribution, are currently exacerbated by the climate change effects, which are mainly caused by global warming; not enough, there is the seasonal stream flow superabundance, which penetrate in urban areas resulting in an undeniable injury to the life quality of whole society. However, if the occasional water excess from rivers was collected and stored before invading urban areas, it could be properly utilized, with a suitable hydrographic network integration, to maintain a minimum flow in national basins. KEYWORDS: interconnection between river basins; river basin; environment; environmental law; fundamental rights. SUMÁRIO 1- Introdução; 2- A garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado; 2.1- Da eficácia do direito fundamental social de tutela ambiental; 2.1.1- Da Lei de Responsabilidade Ambiental; 2.2- Dos princípios aplicáveis em matéria ambiental; 2.2.1- Princípio do desenvolvimento sustentável; 2.2.2- Princípio da prevenção; 2.2.3- Princípio da precaução; 2.2.4- Princípio do poluidor-pagador; 3- Dos recursos hídricos; 3.1- A quem pertencem os recursos hídricos; 3.2-

Page 92: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

92 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Da transposição do Rio São Francisco; 3.3- Da interligação das bacias hidrográficas para a transferência do excedente; 4- Conclusão. 1. INTRODUÇÃO

A desídia do Poder Público na adoção de políticas que tratem os recursos hídricos com o grau de grandeza de um direito fundamental resulta em clara violação aos preceitos estabelecidos pelos constituintes de 1988 no art. 225 da Carta Magna. Não há, por exemplo, uma Lei de Responsabilidade Ambiental que estabeleça objetivos a serem alcançados e gastos que devem ser observados pela Administração Pública, com sanções aos gestores. Disso resulta o agravamento das dificuldades com as modificações climáticas previstas e aguardadas para os próximos anos.

Um meio ambiente equilibrado, que propicie qualidade de vida às gerações presentes e futuras, reclama a adoção de políticas públicas efetivas, que verdadeiramente corroborem na solução do problema de escassez de água sazonal em algumas regiões e crônico no semiárido. Mas não só, pois é necessário, também, amainar os dissabores e transtornos causados pelo transbordamento de alguns rios, que provocam enchentes e inundações. Essas necessidades prementes não ilidem, evidente, a indispensável universalização da água potável, da rede de esgotos e total tratamento desses resíduos antes de lançá-los no ambiente.

Com relação à superabundância sazonal na vazão de alguns cursos d’água, que invadem regiões urbanas e inundam e encharcam áreas regularmente secas, há um inegável passivo hídrico ambiental. Todavia, há também um ativo, que hodiernamente é inutilizado. Enfrentada a questão sob o prisma de um direito humano fundamental, que é o direito ao meio ambiente equilibrado, e considerando a relevância dos valores envolvidos, notadamente a qualidade de vida, o ativo hídrico propiciado pelo excesso de vazão deve ser aproveitado para, consequentemente, reduzir o passivo a níveis aceitáveis, minimizando os efeitos hodiernamente percebidos.

Page 93: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 93

Isso porque a água presente no excesso da vazão, se coletada antes do transbordamento, diminuiria o passivo, podendo até mesmo anulá-lo. E, por outro lado, essa água coletada não seria simplesmente retirada de um curso d’água em sua vazão média, prejudicando o equilíbrio do ecossistema do doador; pelo contrário, pois seria uma água que não traria qualquer benefício àquele ecossistema e, ao final, seria destinada ao mar.

O ativo hídrico, assim, seria constituído pelo aproveitamento da água descartável de cursos d’água que, ocasionalmente, experimentam excessiva elevação na vazão e provocam inundações e enchentes em áreas comumente secas, causando danos e prejuízos imensuráveis. Esse aproveitamento, se por um lado revela capacidade de reduzir os malefícios decorrentes de fortes chuvas e de evitar o nefasto efeito das cheias de rios, por outro constituirá em fonte idônea, sob o aspecto de impactos ambientais, na constituição de depósitos hábeis a suprir a necessidade de outras bacias, como a do semiárido, e daquelas que, sazonalmente, padecem pela estiagem.

Daí porque a integração das bacias hidrográficas, com a consequente captação do excesso de vazão dos cursos d’água e sua armazenagem, constitui pressuposto relevante para assegurar melhoria na qualidade de vida em tempos de aquecimento global.

2. A GARANTIA DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Meio ambiente, nos termos do art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, é definido como “o conjunto de condições, leis influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Esse conceito foi recepcionado pela atual Constituição porque, como lembra Fiorillo (2005, p. 19), “a Carta Magna de 1988 buscou tutelar não só o meio ambiente natural, mas também o artificial, o cultural e o do trabalho”.

Page 94: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

94 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Destaca Abraão (2013, p. 1107) que, antes de 1988, nunca uma Constituição nacional havia estabelecido um “capítulo sobre o meio ambiente”, e que essa inserção na Carta Política revela “a importância da questão que, já há algum tempo, preocupa a população do planeta”, concluindo “a questão ambiental é de complexidade mundial, obrigando que as nações optem por um sistema normativo e fiscalizatório eficiente”26.

Na verdade, são acentuadas as críticas doutrinárias sobre a “expressão meio ambiente, afirmando que ambos os termos seriam sinônimos e, portanto, haveria uma redundância”, como aponta Fernandes (2013, p. 1230-1231), assentando que, entretanto, “há quem atribua à expressão sentido mais amplo, mais rico devido à conexão de valores”27. Para o autor, o signo de meio ambiente

Engloba, portanto, o meio ambiente natural (ou físico), formado pelo solo, água, ar atmosférico,

26 Lembra Cunha Júnior (2013, p. 1267-1268) que “certas normas de proteção ambiental” estavam presentes já na Lei Fundamental da Alemanha, de 1949 e na Constituição da Suíça, desde 1957, salientando que na de Portugal, de 1976, houve uma moderna formulação do assunto, “correlacionando o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado com o direito à vida”. 27 Leciona Cunha Júnior (2013, p. 1265) que “A palavra ambiente indica o lugar, a esfera, o círculo, o sítio, o recinto ou espaço que envolve os seres vivos e as coisas. Por isso mesmo, apontam os autores a redundância na expressão meio ambiente. De feito, tal expressão revela, do ponto de vista semântico, um certo pleonasmo, porque ambiente dá uma idéia do meio em que vivemos e vice-versa. Mas, às vezes, é de propósito deliberado o uso cumulativo de termos sinônimos como uma necessidade de reforçar seu sentido e alcance. Fê-lo, assim, o legislador brasileiro, inclusive o constituinte, quando empregou a expressão meio ambiente, em vez de somente ambiente. Mas, em outros países, a exemplo da Itália, emprega-se somente o termo ambiente, para significar paisagem, compreendendo tanto os elementos naturais como os culturais”. (destaques no original)

Page 95: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 95

energia, flora, fauna (art. 225, da CR/88); o meio ambiente cultural (art. 215 e 216, da CR/88), que se liga à história e cultura de um povo, revelando suas raízes e identidades (na forma do patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico); o meio ambiente artificial (ou humano), que é o espaço urbano construído pelo homem (edificações, ruas, parques, áreas verdes, praças etc); e o meio ambiente do trabalho, como espécie de meio ambiente artificial, mas que se destaca pela autonomia, sendo o local no qual o trabalhador exerce sua atividade (art. 196 e ss., da CR/88). (FERNANDES, 2013, p. 1230-1231) (destaques no original)

Embora sintetizado num único artigo na Constituição

Federal, no Capítulo VI, denominado “Do Meio Ambiente”, inserido no Título VIII, “Da Ordem Social”, sua redação levou Silva (2012, p. 436) assentar que a qualidade ambiental “se transformara num bem, num patrimônio, num valor comum, cuja preservação, recuperação e revitalização se tornaram num imperativo para o Poder Público, para assegurar a saúde, o bem estar do homem e as condições de seu desenvolvimento”, ou seja, “para assegurar o direito fundamental à vida”.

CAPÍTULO VI DO MEIO AMBIENTE Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

Page 96: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

96 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; [...] III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; [...] V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. [...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. [...]. (destacamos)

O termo utilizado pelos constituintes de 1988 para

identificar, no caput do art. 225, qual o meio ambiente tutelado, qualificando-o como aquele “essencial à sadia qualidade de vida”, revela dois objetos de proteção ambiental, como destaca José Afonso da Silva (1994, p. 54), “um imediato, que é a qualidade do meio

Page 97: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 97

ambiente, e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizando na expressão da qualidade de vida”. O escopo dessa interação, para Cunha Júnior (2013, p. 1266), é propiciar “uma visão unitária do meio ambiente compreensiva dos elementos naturais e culturais”, ressaltando que “esse conceito de meio ambiente não se reduz a ar, água, terra, mas deve ser definido como o conjunto de condições de existência humana, que integra e influencia o relacionamento entre os homens, sua saúde e seu desenvolvimento”28.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reconhecido na Constituição Federal em capítulo situado no título da ordem social, é um direito fundamental, na categoria direito social, qualificado pela doutrina como direito de terceira geração. Nem por isso se lhe negue o caráter, também, individual. Cuida-se, pois, de um direito simultaneamente considerado direito social e individual, uma vez que a realização individual deste direito fundamental está intrinsecamente ligada à sua realização social, por isso mesmo considerada transindividual. (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 1266) (destaque no original)

O equilíbrio ambiental, “do ponto de vista ecológico, consubstancia-se na conservação das propriedades e das funções naturais desse meio”, adverte Machado (2013, p. 65-66), de sorte a permitir não apenas a existência, mas também a evolução e o desenvolvimento de todos os seres vivos. Para o professor, “Ter direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado equivale a afirmar que há um direito a que não se desequilibre significativamente o meio ambiente”, lembrando que “esse estado de equilíbrio não visa à obtenção de uma situação de estabilidade

28 Destaques no original.

Page 98: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

98 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

absoluta, em que nada se altere”, mas sim “um desafio científico, social e político permanente”, no qual sempre haja a possibilidade de “aferir e decidir se as mudanças ou inovações são positivas ou negativas” (MACHADO, 2013, p. 66).

Desse equilíbrio decorre o direito à qualidade de vida sadia, que não se revela apenas “numa contraposição a não ter doenças diagnosticadas no presente” (MACHADO, 2013, p. 70), sendo imprescindível levar “em conta o estado dos elementos da Natureza- águas, solo, ar, flora, fauna e paisagem- para aquilatar se esses elementos estão em estado de sanidade e de seu uso advenham saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos”. Aliás, o Pleno do STF já deliberou, com relatoria do Ministro Menezes de Direito, que “O meio ambiente não é incompatível com projetos de desenvolvimento econômico e social que cuidem de preservá-lo como patrimônio da humanidade. Com isso, pode-se afirmar que o meio ambiente pode ser palco para a promoção do homem todo e de todos os homens”.

2.1 DA EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL DE TUTELA AMBIENTAL

Os direitos fundamentais, como salienta Gilmar Ferreira Mendes (2011, p. 667), possuem, “além de uma proibição de intervenção, um postulado de intervenção”, significando “não apenas uma proibição de excesso, mas uma proibição de proteção insuficiente”. O autor arremata:

Embora os direitos sociais, assim como os direitos e liberdades individuais, impliquem tanto direitos a prestações em sentido estrito (positivos) quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimensões demandem o emprego de recursos públicos para a sua garantia, é a dimensão prestacional (positiva) dos direitos sociais o principal argumento

Page 99: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 99

contrário à sua judicialização. A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornar exigíveis. Nessa perspectiva, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação de poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível. (MENDES, 2011, p. 667-668)

De outro turno, ao discorrer sobre a eficácia dos direitos fundamentais, Silva (2013, p. 469- 470) assenta que “a garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais”, porque os direitos, as liberdades e as prerrogativas caracterizadas como direitos fundamentais “só cumprem sua finalidade se as normas que as expressem tiverem efetividade”, ressalvadas as excepcionais situações de impossibilidade absoluta:

Sua incidência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos, de tal sorte que só em situações de absoluta impossibilidade se há de decidir pela necessidade de normatividade ulterior de aplicação. Por isso, revela-se, por seu alto sentido político, como eminente garantia política de defesa da eficácia jurídica e social da Constituição. (SILVA, 2013, p. 469- 470)

Page 100: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

100 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Todavia, o Direito não é estanque, e a jurisprudência nacional, acompanhando a melhor doutrina, entende que o alcance dos direitos fundamentais não deve ser menor do que aquele adequado para atender as necessidades da sociedade em um determinado momento. Sem essa interpretação consentânea da Carta Política, os conflitos imanentes da própria evolução social não seriam enfrentados com justiça; mais que isso, os fundamentos pretendidos pelo Estado Democrático de Direito brasileiro, como a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem comum, seriam lançados meramente à condição de normas programáticas (POLÍZIO JÚNIOR, 2014², p. 98-99). Oportuno escólio de Barroso (2013, p. 334-335):

A nova interpretação constitucional surge para atender às demandas de uma sociedade que se tornou bem mais complexa e plural. Ela não derrota a interpretação tradicional, mas vem para atender às necessidades deficientemente supridas pelas fórmulas clássicas. Tome-se como exemplo o conceito constitucional de família. Até a Constituição de 1988, havia uma única forma de se constituir família legítima, que era pelo casamento. A partir da nova Carta, três modalidades de família são expressamente previstas no texto constitucional: a família que resulta do casamento, a que advém das uniões estáveis e as famílias monoparentais. Contudo, por decisão do Supremo Tribunal Federal, passou a existir uma nova espécie de família: a que decorre de uniões homoafetivas. Veja-se, então, que onde havia unidade passou a existir uma pluralidade. A nova interpretação incorpora um conjunto de novas categorias, destinadas a lidar com as situações mais complexas e plurais [...]. Dentre elas, a normatividade dos princípios (como

Page 101: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 101

dignidade da pessoa humana, solidariedade, segurança jurídica), as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação jurídica. Nesse novo ambiente, mudam o papel da norma, dos fatos e do intérprete. A norma, muitas vezes, traz apenas um início de solução, inscrito em um conceito indeterminado ou em um princípio. Os fatos, por sua vez, passam a fazer parte da normatividade, na medida em que só é possível construir a solução constitucionalmente adequada a partir dos elementos do caso concreto. E o intérprete, que se encontra na contingência de construir adequadamente a solução, torna-se coparticipante do processo de criação do Direito.

Essa evolução na exegese do Direito é essencial para que se possa adequar a vida em sociedade com o ordenamento jurídico. As normas devem adequar-se à sociedade, e não esta àquelas. Evidente que são dos legisladores, em um Estado Democrático de Direito, a atribuição republicana de criar, revisar e revogar leis; todavia, na hipótese de inércia do Poder Legislativo no cumprimento de suas atribuições, cabe ao Poder Judiciário, no exercício de suas também republicanas atribuições, extrair da norma um sentido que atenda aos anseios da sociedade, notadamente quando busca fundamento em princípios constitucionais ou, mesmo, compelir a Administração Pública a adotar medidas necessárias atender direitos estabelecidos na Carta Maior. Daí porque se diz que “a disposição do artigo 225 da Carta Regente constitui exemplo de direito humano fundamental, fazendo jus, à sua proteção, de todos os instrumentos e mecanismos disponíveis para conferir-lhe a eficácia necessária na consecução de seus objetivos” (POLÍZIO JÚNIOR, 2014¹, p. 99). Nesse sentido tem deliberado o STF, como no RE nº 577.996 AgR/SP, entendendo que “O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias

Page 102: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

102 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes”. 2.1.1 Da Lei de Responsabilidade Ambiental

À míngua de um diploma normativo que imponha aos entes da Federação metas a serem atingidas e valores que devam ser investidos em matéria ambiental, à semelhança da Lei Complementar nº 101 em matéria de responsabilidade na gestão fiscal, a eficácia e aplicabilidade dos direitos fundamentais sociais é imediata. E em situações onde o objeto tutelado constitui essencialidade à vida e é finito, como a água, não é razoável que a ausência de políticas públicas, ou mesmo de recursos econômicos, obste do Poder Judiciário a imposição de medidas que assegurem o adequado e racional aproveitamento desse recurso natural. 2.2 DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS EM MATÉRIA AMBIENTAL

Leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 958-959) que princípio constitui “mandamento nuclear de um sistema”, funcionando como “verdadeiro alicerce”, que alcança as diversas normas “compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. O autor é categórico:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia

Page 103: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 103

irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (MELLO, 2010, p. 959)

Com relação ao meio ambiente, inúmeros são os princípios reconhecidos pelos estudiosos, tamanha a proeminência da temática envolvida. Desse rol, destacamos os seguintes: i. Princípio do desenvolvimento sustentável; ii. Princípio da prevenção; iii. Princípio da Precaução; iv) Princípio do poluidor- pagador.

2.2.1 Princípio do desenvolvimento sustentável

Utilizada inicialmente na Conferência Mundial de Meio

Ambiente de 1972, em Estocolmo, foi adotada pelas demais conferências ambientais desde então; na Constituição Federal de 1988, a idéia de desenvolvimento sustentável está presente quando, na parte final do caput do art. 225, está dito que, ao direito de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tanto o Poder Público quanto a coletividade possuem o dever de defender e preservar, para as gerações atuais e as que vierem a existir (FIORILLO, 2005, p. 27). De fato, na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, no seu Princípio 3º ficou assentado que “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE).

A característica principal do princípio, aponta Machado (2013, p. 68), “é a de que o desequilíbrio ecológico não é indiferente ao Direito, pois o Direito Ambiental realiza-se somente numa sociedade equilibrada ecologicamente”, de modo que “Cada ser humano só fruirá plenamente de um estado de bem-estar e de equidade se lhe for assegurado o direito fundamental de viver num ambiente ecologicamente equilibrado”.

Page 104: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

104 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

2.2.2 Princípio da prevenção

O escopo do princípio da prevenção é prevenir danos de

uma ação cujas conseqüências são conhecidas, daí Machado (2013, p. 122) afirmar que a informação organizada e a pesquisa lhe são essenciais. O princípio “deve levar à criação e à prática de política pública ambiental, através de planos obrigatórios” (MACHADO, 2013, p. 123).

Isso porque a prevenção é preferível à posterior responsabilização pelo dano causado ao meio ambiente (BENJAMIN, 1993, p. 227). A restauração de um ambiente equilibrado e sadio, quando possível, demanda tempo e elevados recursos, prejudicando as presentes e as futuras gerações da fruição desse direito fundamental, de sorte que evitar o surgimento do dano é melhor do que, embora previsível, deixá-lo ocorrer, para somente depois adotar as medidas necessárias para o restituição do status quo ante. A reparação do dano, a indenização pelo prejuízo e a punição pela conduta lesiva ao ambiente devem constituir a ultima ratio do Direito Ambiental (NOGUEIRA, 2004, p. 198).

2.2.3 Princípio da precaução

A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, de 1992, fez referência expressa à precaução na redação do seu Princípio 15:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente

Page 105: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 105

viáveis para prevenir a degradação ambiental. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE) (destacamos)

Em que pese a divergência doutrinária, pois para alguns estudiosos o princípio da precaução constitui espécie ou gênero do princípio da prevenção, como ensinam Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2005, p. 39-40) e Edis Milaré (2004, p. 143- 144), outros, como Machado (2013, p. 108- 109), entendem que a incerteza do dano ambiental, ou seja, a existência de “dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção”, daí porque o princípio da precaução deve ser aplicado “ainda quando existe a incerteza, não se aguardando que esta se torne certeza”.

Dessarte, o princípio da precaução é adotado quando não há o exato conhecimento sobre as conseqüências de determinado ato ou quando ausente a absoluta certeza científica; nessas hipóteses, inexiste justificativa para obstar a adoção das medidas necessárias para impedir a degradação, ainda que esta só exista no campo da possibilidade.

Para Machado (2013, p. 109-110), qualquer “risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” não constituem temas que possam ser relegados pelo Poder Público, porque “A Constituição Federal manda que o Poder Público não se omita no exame das técnicas e métodos utilizados nas atividades humanas que ensejem risco para a saúde humana e o meio ambiente”, concluindo que:

Controlar o risco é não aceitar qualquer risco. Há riscos inaceitáveis, como aquele que coloca em perigo valores constitucionais protegidos, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, os processos ecológicos essenciais, o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a diversidade e a integridade do patrimônio biológico- incluindo o genético- e a função ecológica da fauna e flora. (MACHADO, 2013, p. 109- 110)

Page 106: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

106 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Ao discorrer sobre os custos das medidas preventivas, Machado (2013, p. 110- 111) ressalva que “O custo excessivo deve ser ponderado de acordo com a realidade econômica de cada País, pois a responsabilidade ambiental é comum a todos os Países, mas diferenciada”, devendo optar-se, havendo dúvida sobre sua implantação, “pela solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente (in dubio pro salute ou in dubio pro natura)”.

2.2.4 Princípio do poluidor-pagador

A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, de 1992, fez referência ao tema na redação do seu Princípio 16:

As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais. (destacamos)

Oportuna a síntese de Fiorillo (2005, p. 30): Podemos identificar no princípio do poluidor-pagador duas órbitas de alcance: a) busca evitar a ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); e b) ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo). Desse modo, num primeiro momento, impõe-se ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que a sua atividade possa ocasionar. Cabe a ele o ônus de utilizar os instrumentos necessários à prevenção dos danos. Numa segunda órbita de

Page 107: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 107

alcance, esclarece este princípio que, ocorrendo danos ao meio ambiente em razão da atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação. (destaques no original)

Já Paulo Affonso Leme Machado (2015, p. 94) adota, ao lado do princípio do poluidor-pagador, o do usuário-pagador. Para o autor, a utilização dos recursos naturais pode ser gratuita como onerosa, isso porque “A raridade do recurso, o uso poluidor e a necessidade de prevenir catástrofes, entre outras coisas, podem levar à cobrança do uso dos recursos naturais”. Ele explica:

O princípio do usuário-pagador contém também o princípio poluidor-pagador, isto é, aquele que obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada. O uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada. O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia.

Não constitui punição o princípio do usuário-pagador, “pois mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador ele pode ser implementado”, ressalta Machado (2013, p. 95- 96), que dispõe:

Assim, para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua poluição não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações. O órgão que pretenda receber o pagamento deve provar o efetivo uso do recurso ambiental ou a sua poluição. A existência de autorização administrativa para poluir, segundo as normas

Page 108: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

108 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

de emissão regularmente fixadas, não isenta o poluidor de pagar pela poluição por ele efetuada.

3. DOS RECURSOS HÍDRICOS

Os recursos hídricos presentes no território nacional são imensos, conforme comprova levantamento da Agência Nacional de Águas- ANA, em 2007, transcrito na parte em que interessa:

No País, a precipitação média anual é de 1.797 mm. As maiores precipitações anuais são observadas nas regiões Amazônica (2.239 mm), Tocantins/ Araguaia (1.837 mm), Atlântico Nordeste Ocidental (1.790 mm) e Uruguai (1.785 mm); ao passo que os menores valores ocorrem nas regiões hidrográ- ficas do São Francisco (1.037 mm), Atlântico Leste (1.058 mm), Parnaíba (1.117 mm) e Atlântico Nordeste Oriental (1.218 mm). [...] A vazão média anual dos rios em território brasileiro é de 179 mil m3/s, valor que corresponde a aproximadamente 12% da disponibilidade mundial de água doce. A região hidrográfica Amazônica detém 73,6% dos recursos hídricos superficiais. Ou seja, a vazão média desta região é quase três vezes maior que a soma das vazões das demais regiões hidrográficas. Considerando a contribuição de vazões em território estrangeiro, a vazão média anual total atinge valor da ordem de 267 mil m3/s, que corresponde a 18% da disponibilidade mundial. A segunda maior região, em termos de vazão média, é a do Tocantins/Araguaia, com 13.624 m3/s (7,6%), seguida da região do Paraná, com 11.453 m3/s (6,4%). As bacias com menor vazão são,

Page 109: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 109

respectivamente: Parnaíba, com 763 m3/s (0,4%); Atlântico Nordeste Oriental, com 779 m3/s (0,4%) e Atlântico Leste, com 1.492 m3/s (0,8%). [...] Em épocas de estiagem, a vazão no País chega a 85 mil m3/s (vazão com permanência de 95%). Considerando as séries temporais de vazões existentes no Brasil, o período considerado crítico, ou seja, aquele correspondente às menores vazões observadas, estende-se de 1949 a 1956. Com exceção da região hidrográfica do São Francisco, que teve o seu período crítico entre 1999 a 2001, quando ocorreu racionamento de energia elétrica em todo o País. As maiores vazões de estiagem (vazão com permanência de 95%) estão nas regiões Amazônica, Paraná e Tocantins/Araguaia, ao passo que as menores estão nas bacias do Atlântico Nordeste Oriental, Parnaíba e Atlântico Leste. As bacias localizadas em terrenos cristalinos, com regime de chuva irregular, possuem vazões de estiagem muito baixas, em geral, inferiores a 10% da vazão média. (ANA, 2007, p. 113) (destacamos)

Os recursos hídricos, todavia, não são aproveitados nem geridos adequadamente. Bem ressalvam Bittencourt e Pereira (2014, p. 98) que “o nítido e acelerado aumento da população e o desenvolvimento industrial e tecnológico têm trazido graves prejuízos ambientais”, notadamente “relacionados à água, tanto através de esgotos domésticos, como de escoamentos industriais e da chuva” em áreas urbanas, por vezes se misturando ao lixo e poluindo “de forma generalizada e alarmante”, e que há, ainda, “a poluição causada por acidentes ecológicos, que podem ser gigantescos e atingir diversas comunidades e localidades ao mesmo

Page 110: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

110 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

tempo”. Não se ignora, pois, que “enquanto o índice de atendimento da população no abastecimento de água atingiu 81,2% em 2008, o atendimento na coleta de esgoto foi de apenas 43,2%”, dos quais 66% recebia tratamento (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2010, p. 6-7) e que, dos 100 maiores municípios brasileiros, “57 investem 20% ou menos do que arrecadam” em saneamento básico29 (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2014, p. 29); tampouco que da água tratada para o abastecimento humano quase 35% se perca somente na distribuição (BARROS e THOMAS, 2015, p. 70)30.

Não bastasse a degradação ambiental, que torna a água imprópria para consumo e revela o subaproveitamento dos recursos hídricos, as modificações climáticas globais agravam a questão da seca no semiárido brasileiro e reduzem os índices pluviométricos em inúmeros Estados, sobremaneira nos da região Sudeste31;

29 “Apenas a título de exemplo, a Sabesp, que já tem níveis de cobertura relativamente elevados para a média brasileira, investiu de 24% a 30% sobre sua arrecadação nos últimos anos. Nove municípios investem mais de 80% do que arrecadam. Isso mostra que, no geral, os municípios carecem de investimentos em saneamento.” (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2014, p. 29). 30 Os autores lembram que a recomendação das Nações Unidas é de que a perda na distribuição não ultrapasse 15%; ressaltam também que no Estado de São Paulo as perdas ainda são consideráveis na captação (10%) e no tratamento (15%). 31 A região metropolitana de São Paulo, conforme dados da Sabesp, é abastecida por seis represas: Sistema Cantareira, Sistema Alto Tietê, Sistema Guarapiranga, Sistema Alto Cotia, Sistema Rio Grande e Sistema Rio Claro. Comparando a pluviometria dos meses de janeiro e de fevereiro de 2014 e de 2015, bem como a média histórica prevista para esses meses, bem se apercebe o resultado da ausência de chuvas. No Sistema Cantareira, em janeiro de 2014 a pluviometria do mês foi de 87,8 mm, embora a média de histórica fosse de 259,9 mm; em fevereiro de 2014, 73,9 mm e 202,6 mm, respectivamente; em janeiro de 2015 de 148,2 mm e 271,1 mm; e em fevereiro de 2015 de 322,4 mm e 199,1 mm. No Sistema Alto Tietê, em janeiro de 2014 a pluviometria do mês foi de 187,7 mm, embora a média de

Page 111: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 111

sazonalmente, ademais, inúmeros Estados sofrem com eventuais transbordamentos de cursos d’água ao longo dos anos32, resultando em grandes transtornos sociais e em elevado prejuízo à economia33. Essa situação gera uma oscilação no volume dos cursos d’água: nas regiões que recebem maior quantidade pluvial, ultrapassa a média, e naquelas que recebem menor quantidade de chuvas, fica muito aquém; existem regiões, ainda, que sofrem as consequências de um aumento da vazão pelo degelo da Cordilheira dos Andes e pelas

histórica fosse de 246,6 mm; em fevereiro de 2014, 85,9 mm e 194,3 mm, respectivamente; em janeiro de 2015 de 103,8 mm e 251,5 mm; e em fevereiro de 2015 de 304,0 mm e 192,0 mm. No Sistema Guarapiranga, em janeiro de 2014 a pluviometria do mês foi de 232,0 mm, embora a média de histórica fosse de 228,8; em fevereiro de 2014, 103,8 mm e 194,0 mm, respectivamente; em janeiro de 2015 de 248,0 mm e 229,3 mm; e em fevereiro de 2015 de 238,8 mm e 192,5 mm. No Sistema Alto Cotia, em janeiro de 2014 a pluviometria do mês foi de 54,8 mm, embora a média de histórica fosse de 234,3 mm; em fevereiro de 2014, 90,6 mm e 181,8 mm, respectivamente; em janeiro de 2015 de 80,0 mm e 232,0 mm; e em fevereiro de 2015 de 198,8 mm e 178,9 mm. No Sistema Rio Grande, em janeiro de 2014 a pluviometria do mês foi de 291,0 mm, embora a média de histórica fosse de 245,4 mm; em fevereiro de 2014, 111,0 mm e 205,3 mm, respectivamente; em janeiro de 2015 de 245,2 mm e 251,5 mm; e em fevereiro de 2015 de 195,0 mm e 206,1mm. No Sistema Rio Claro, em janeiro de 2014 a pluviometria do mês foi de 237,4 mm, embora a média de histórica fosse de 294,4 mm; em fevereiro de 2014, 234,1 mm e 244,0 mm, respectivamente; em janeiro de 2015 de 252,5 mm e 298,9 mm; e em fevereiro de 2015 de 264,1 mm e 237,8 mm. 32 No endereço eletrônico da Agência Nacional de Águas- ANA, há um sistema de alerta hidrológico. Em 2014, foram expedidos o primeiro Alerta de Cheias de Manaus em 2014, em 31 de março, e o segundo Alerta de Cheias de Manaus em 2014, em 30 de abril; essas cheias atingem vários estados da região Amazônica. 33 Como afirmou a pesquisadora Eliane Teixeira dos Santos, em sua dissertação de mestrado, as enchentes paulistanas ocorridas entre 2008 e 2012 causaram prejuízo de mais de R$ 1,1 bilhão.

Page 112: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

112 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

chuvas, antes de ingressaram no território nacional34. E na região em que tradicionalmente há escassez de chuvas, como no semiárido, empioram as dificuldades.

Daí porque, entre 1990 e 2010, aproximadamente 86 milhões de pessoas, direta ou indiretamente, sofreram, no Brasil, por conseqüência da seca ou das enchentes, sendo que 5,5 milhões “foram diretamente expostas a esses desastres”; nesse período, “1.780 pessoas morreram nos eventos que ocasionaram os desastres”, mas “o número de mortes efetivamente causadas por eles chega a 460 mil, caso se incluam doenças e outros males desencadeados pelas tragédias” (LISBOA, 2013)35. E sem reversão do aquecimento global, a tendência é de agravamento dessa situação:

Os números mostram que, até 2100, as mudanças seriam consideráveis. A previsão é que o clima local ficaria muito mais seco que o atual, com redução de até 45% das chuvas, e mais quente, com aumento de temperatura variando de 5°C a 6°C - compatível com os piores cenários produzidos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. O levantamento revela, no entanto, que o problema não está tão distante quanto parece. Os primeiros efeitos já seriam sentidos nos próximos 30 anos, quando as chuvas poderão ser reduzidas em 10%. Na caatinga, a situação seria semelhante, indicando que as recentes secas registradas no Nordeste devem estar incluídas num contexto

34 Como os rios Madeira, Solimões e Negro. 35 Artigo baseado na palestra do pesquisador Carlos Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sobre Gestão de Desastres Naturais, no 4º Seminário Internacional de Engenharia de Saúde Pública, acontecido entre 18 e 22 de março de 2013, em Belo Horizonte.

Page 113: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 113

maior de mudanças climáticas. Nas próximas três décadas, as chuvas seriam reduzidas em até 20% nessa área já tão árida. Esse percentual de queda poderia chegar a alarmantes 50% até o fim do século, com sério agravamento do déficit hídrico do Nordeste. A tendência da redução de chuvas e aumento das temperaturas também aparece para o cerrado, o Pantanal e a porção da Mata Atlântica no Nordeste. (O GLOBO)

3.1 A QUEM PERTENCEM OS RECURSOS HÍDRICOS

A Constituição Federal, no art. 20, III, dispõe que, dentre outros, são bens da União “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”.

Já no art. 26, I, da Carta Magna, estão arrolados, dentre os bens estaduais, “as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União”. Como explica Mercier (2013, p. 200- 2001):

As águas fluentes são os rios. Rio é toda corrente contínua de água mais ou menos caudalosa, que flui em direção a outro rio, ao mar ou a um lago. A Constituição da República adotou o critério da situação territorial para separar os rios de domínio da União dos rios dos Estados. Assim, os rios que banham mais de um Estado, sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham são rios de domínio da União (art. 20, III, CF), e os rios que tenham sua nascente e foz apenas no território de um Estado Federado pertencem a esse Estado Federado.

Page 114: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

114 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Ao dispor sobre bens públicos, o Código Civil estabelece, no art. 99, I, que, dentre eles, estão “os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças”. Essa disposição, aliás, já estava presente no art. 66, I, da revogada legislação civil de 1916.

A Lei nº 9.433/97 reconhece que água é um bem público: Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. (destacamos)

A água, portanto, “é um dos elementos do meio ambiente”, fazendo “com que se aplique à água o enunciado do art. 225 da CF”, lembra Machado (2013, p. 499), que conclui:

Salientamos as consequências da conceituação da água como “bem de uso comum do povo”: o uso da água não pode ser apropriado por uma só pessoa física ou jurídica, com exclusão absoluta dos outros usuários em potencial; o uso da água não pode significar a poluição ou a agressão desse bem; o uso da água não pode esgotar o próprio bem utilizado e a concessão ou a autorização (ou qualquer tipo de outorga)

Page 115: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 115

do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestor público. (MACHADO, 2013, p. 500)

3.2 DA TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO

Inúmeros eram os argumentos favoráveis e contrários às obras para que as águas do Rio São Francisco fossem transpostas para outras regiões do semiárido brasileiro (PALLADINO, 2005). Todavia, com a aprovação da Resolução nº 47, de 17 de janeiro de 2005, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos concedeu autorização para início dos trabalhos. No endereço eletrônico do Ministério da Integração Nacional está posto que

O Projeto de Integração do Rio São Francisco é a mais relevante iniciativa do governo federal dentro Política Nacional de Recursos Hídricos. O objetivo é garantir a segurança hídrica para mais de 390 municípios Nordeste Setentrional, onde a estiagem ocorre freqüentemente. A região Nordeste possui 28% da população brasileira e apenas 3% da disponibilidade de água, o que provoca grande irregularidade na distribuição dos recursos hídricos, já que o rio São Francisco apresenta 70% de toda a oferta regional. As bacias beneficiadas pela água do rio São Francisco serão: Brígida, Terra Nova, Pajeú, Moxotó e bacias do Agreste, em Pernambuco; Jaguaribe e Metropolitanas, no Ceará; Apodi e Piranhas-Açu, no Rio Grande do Norte; Paraíba e Piranhas, na Paraíba. Essas bacias têm uma oferta hídrica per capita bem inferior à considerada como ideal pela Organização das Nações Unidas (ONU), que é de 1.500 m3/hab/ano. A disponibilidade no Nordeste Setentrional por habitante ao ano é de 450 m3, em média.

Page 116: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

116 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Este empreendimento, além de recuperar 23 açudes, vai construir outros 27 reservatórios, que funcionarão como pulmões de água para os sistemas de abastecimento do agreste, fornecendo 6 m³ por segundo.

Entrementes, em que pese os inquestionáveis benefícios para as populações que terão acesso à água por consequência da transposição, a obra consiste na retirada de certa quantidade de água de um curso e na sua transferência para outro curso36. Ou seja, da regular vazão do Rio São Francisco será extraído constantemente determinado volume suficiente para atender grande parcela do semiárido.

3.3 DA INTERLIGAÇÃO DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS PARA A TRANSFERÊNCIA DO EXCEDENTE

Afloram, ocasionalmente, notadamente nos períodos de

forte estiagem nas regiões mais populosas, ideias de transferir água dos grandes rios da região Amazônica para suprir a escassez desse recurso essencial à vida. Como declarou a Superintendência Regional do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), seria possível a transferência de 1% da vazão do Rio Amazonas para as regiões Sudeste e Nordeste, o que supriria a necessidade de abastecimento: “Os grandes rios estão longe das grandes concentrações populacionais do país. Os problemas com abastecimento de água poderiam ser solucionados com obras que levassem água do Rio Amazonas para as regiões afetadas” (SEVERIANO, 2015).

A questão, contudo, não se limita à análise da possibilidade de uma bacia hidrográfica suprir eventual deficiência de outra em território nacional, e do impacto ambiental que essa transferência ocasionaria. Isso porque essa contínua transferência resultaria tão só

36 Sobre o tema: Caio Lóssio Botelho, em “Transposição de bacias hidrográficas para a região semi-árida equatorial do nordeste brasileiro”.

Page 117: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 117

num acréscimo constante na quantidade de água disponível nas regiões beneficiadas37, apenas isso, e não o enfrentamento dos problemas oriundos das ocasionais chuvas torrenciais e conseqüentes enchentes e inundações: essa quantidade a mais de água disponibilizada continuaria a ser mal utilizada e desperdiçada.

Destarte, a solução hídrica nacional exige, além da utilização racional da água, do tratamento universal dos efluentes e do saneamento básico, com o consequente tratamento dos esgotos e disponibilização de água tratada e própria ao consumo, da constituição de uma rede de interligação entre as diversas bacias hidrográficas nacionais, e dentro delas, entre seus cursos d’água.

O escopo primeiro não seria atender a uma região que, sazonalmente, sente a escassez da água, mas sim em estabelecer um fundo hídrico com o excedente dos cursos d’água nacionais. E tão somente dos excedentes, conferindo uma destinação útil ao volume que excedesse as margens. Houvesse algo similar, as grandes chuvas que acometeram a região Sudeste em 2013, e que fizeram transbordar inúmeros rios, seriam adequadamente armazenadas; as previsíveis inundações causadas pelos abruptos aumentos nas vazões de rios da Amazônia, como o Amazonas e o Madeira, seriam evitadas, porque o excesso de água seria retirado dos leitos antes de atingir os centros urbanos38.

37 Sobre o tema: Francisco Cabo, Katrin Erdlenbruch e Mabel Tidball, em “Dynamic management of water transfer between two interconnected river basins”. 38 Em 02/03/2015, o Rio Acre registrou 17,88 metros acima do seu nível, superando o recorde de 1997, de 17,66 metros: “A cheia atinge 40 dos 212 bairros da cidade, desabriga 6 mil pessoas e afeta diretamente 71 mil pessoas. Normalmente, o Rio Acre na capital apresenta o nível de seis a oito metros e pode ficar abaixo de três metros em períodos de seca” (G1, 2015). Depois de ultrapassados os 18 metros, e com elevação de 1 cm por hora, no início de março de 2015, o Prefeito da capital acriana afirmou que “Rio Branco vive a maior tragédia natural em 132 anos de existência” (NEGREIROS, 2015).

Page 118: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

118 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

As necessidades ocasionais de recursos hídricos, bem como a regular assistência à região do semiárido, seriam satisfeitas com aqueles armazenados nos diversos depósitos, verdadeiros lagos artificiais, que receberiam o constante afluxo dos excessos da universalidade das bacias hidrográficas brasileiras. Dito de outro modo, com a interligação entre os cursos d’água, e entre suas respectivas bacias, arrecadando o volume que excedesse a vazão máxima aceitável, seriam minimizados os efeitos nocivos da elevada pluviosidade e, observado o limite máximo variável conforme as peculiaridades locais, seriam evitadas enchentes, inundações e toda a gama de tragédias, prejuízos e dissabores que lhes são indissociáveis; além disso, como consequência desse processo preventivo, haveria um ativo ambiental hídrico inegável, pois a água armazenada nos depósitos teria o objetivo de funcionar como um regulador desse sistema integrado, assegurando a vazão mínima aceitável entre os cursos d’água da rede, minimizando a amplitude entre o máximo e o mínimo, conforme os ecossistemas envolvidos.

Deste modo, grande parte dos problemas causados pelo excesso de chuvas seria minimizada, porque os cursos d’água não transbordariam; o excesso na vazão, extraído por meio de estações de coleta estabelecidas ao longo das margens, seria conduzido ao depósito e devidamente armazenado. Da mesma forma com os rios da Amazônia, que hodiernamente transbordam também pelo excesso de água recebida ainda antes de adentrarem em território nacional, constituiriam importantes fontes de suprimento à mantença do armazenamento controlado de água e consequente regulador do sistema.

A interligação entre as diversas bacias hidrográficas, nos campos macro e micro, se por um lado exigem grandes investimentos, por outro representam a efetiva atuação do Poder Público na proteção da qualidade de vida não apenas às gerações presentes, mas principalmente àquelas que hão de vir.

Page 119: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 119

4. CONCLUSÃO A garantia do direito a um meio ambiente ecologicamente

equilibrado, nos termos fixados pelos constituintes de 1988, no caput do art. 225, obriga todos, coletividade e Poder Público, para as gerações atuais e futuras, ao dever de adotar as medidas necessárias para sua defesa e preservação. Não constitui mera faculdade, relegada à alçada discricionária do administrador, mas uma obrigação universal, da qual coletividade e Poder Público estão sujeitos; e não apenas para os que dessa garantia possam usufruir hodiernamente, porque está expresso no texto constitucional que a prerrogativa é extensível às gerações vindouras.

Reconhecido pela doutrina como integrante do rol da 3ª geração, ou dimensão, de direitos fundamentais, a garantia do ambiente equilibrado ecologicamente, por sua natureza social, é geratriz de obrigações ao Estado, positivas e negativas, que inexoravelmente exigem investimentos, muitas vezes vultosos, e eficiência de gestão. Os recursos hídricos, contudo, pela sua essencialidade à vida, ocupam lugar de destaque no conjunto dos direitos fundamentais sociais.

A moderna exegese constitucional, aliás, atenta à morosidade legislativa e principalmente à desídia do Poder Público na concretização de direitos fundamentais, reconhece a possibilidade da intervenção do Poder Judiciário sem que com isso seja caracterizada violação ao princípio da separação de poderes, porque a ausência de políticas públicas, ou mesmo de uma legislação que imponha responsabilidade na gestão ambiental para os integrantes da Administração, como uma Lei de Responsabilidade Ambiental, não podem constituir impedimentos para que o meio ambiente seja mantido saudável e equilibrado. Há princípios que embasam esse raciocínio, como (i) o do “desenvolvimento sustentável”, extraído do caput do art. 225 da Carta Magna, ao preconizar que o direito ao meio ambiente equilibrado ecologicamente pertence às gerações atuais e às que vierem a surgir, de sorte que apenas com sustentabilidade no

Page 120: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

120 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

desenvolvimento esse escopo pode ser atingido; (ii) o da “prevenção”, que exige a adoção de medidas e ações preventivas para evitar a ocorrência de um dano previsível; (iii) o da “precaução”, que difere do da prevenção porque, enquanto desta se exige a comprovação científica da existência do risco ambiental, pelo princípio da precaução essa ausência não impede a adoção de medidas para evitar a possibilidade do dano, ainda que de sua ocorrência não haja absoluta certeza; e (iv) do “poluidor-pagador”, no qual se impõe ao causador do dano ambiental sua responsabilização para a efetiva reparação, independente de dolo ou culpa, embora para alguns estudiosos esse princípio também contenha um outro princípio, o do “usuário-pagador”, que gera àquele que utiliza o recurso ambiental a obrigação de suportar os custos observados para a viabilidade do seu aproveitamento e dos decorrentes de sua efetiva utilização.

Ainda assim, os recursos hídricos nacionais não são aproveitados e tampouco geridos adequadamente. O saneamento básico não é universal em suas premissas elementares, como distribuição de água tratada e coleta e tratamento de esgotos. Dados informam que, embora grande parte dos domicílios receba água tratada, pouco mais da metade tem seus esgotos ligados à rede, e desse esgoto coletado apenas pouco mais da metade recebe tratamento adequado antes de ser devolvido aos cursos d’água. Não bastasse essa situação de flagrante vilipêndio ao direito de um ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, as alterações climáticas causadas notadamente pelo aquecimento global agravam a escassez de água no semiárido e modificam os regimes e índices pluviométricos, causando longos períodos de estiagem e também de fortes chuvas, causadoras de enchentes e inundações que atingem regiões urbanas e rurais; na região Amazônica há também regularidade nos períodos em que seus cursos d’água ultrapassam em muito os limites adequados e invadem áreas utilizadas economicamente.

A consequência dessa incúria da Administração Pública é a petrificação do direito constitucional do art. 225, mantido como norma

Page 121: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 121

meramente programática quando, na verdade, seu conteúdo é de plena eficácia e reclama imediata aplicabilidade. Há, infelizmente, uma proteção insuficiente do direito fundamental ao ambiente ecologicamente sadio e equilibrado.

Por disposição constitucional, as águas, subterrâneas ou superficiais, pertencem aos Estados ou à União, e o Código Civil as qualifica como bens públicos de uso comum. Essa situação, aliada à condição de direito fundamental do ambiente ecologicamente equilibrado e saudável, transforma a tutela dos recursos hídricos em inegável proteção de direitos fundamentais, constituindo, assim, dever da coletividade e do Poder Público.

Dito de outro modo, os recursos hídricos devem ser utilizados e aproveitados na condição de direitos fundamentais, profícuos ao equilíbrio ambiental e à qualidade de vida.

Daí porque medidas como a transposição do Rio São Francisco não atendem a essa fundamentalidade: não basta simplesmente extrair determinada quantidade de água de um curso e desviá-la para outro. As estiagens de 2013 e 2014 na região Sudeste comprovam que, sem planejamento macro, medidas localizadas, além de dispendiosas, representam paliativos que não solucionam efetivamente qualquer problema, tampouco corroboram para a proteção ambiental.

Tampouco a transferência de 1% do volume do Rio Amazonas para atender as necessidades das regiões Nordeste e Sudeste cumpriria a proteção pretendida ao meio ambiente, porque também se limitaria a retirar certa quantidade de água de uma bacia e despejá-la em outras.

Neste diapasão, considerando a integralidade das bacias hidrográficas nacionais em suas peculiares características, se apercebe ocasional excesso na vazão de alguns cursos d’água, que hodiernamente é perdido no mar. Esses excessos, que por vezes resultam em enchentes e inundações, dão azo aos mais diversos danos e transtornos, prejudicando a economia e ceifando vidas humanas, embora pudessem ser reduzidos ou mesmo evitados.

Page 122: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

122 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Destarte, a proteção do direito das gerações atuais e das futuras a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que resulte na sadia qualidade de vida, reclama a adoção de medidas que possam, ao mesmo tempo, significar o menor impacto ambiental cumulado ao maior proveito social. Disso resulta que a captação do excesso nas vazões dos cursos d’água resultaria no menor impacto, porque não haveria modificação do volume habitual, daquele que é proveitoso para as populações que dele se beneficiam comumente, porque tão somente o excedente, ou seja, a quantidade de água sazonal que não ocasiona benefícios e vantagens à vida e à qualidade de vida seria extraída; por outro lado, esse excesso, devidamente armazenado, corresponderia à reserva necessária na mantença de uma vazão mínima em toda a malha hídrica nacional, em inequívoco proveito social.

A interligação das bacias hidrográficas representa, assim, o reconhecimento da afirmação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e de zelo com as presentes e futuras gerações. Contribuiria para evitar enchentes e inundações e para minimizar os efeitos nocivos de fortes chuvas, resultando em um ativo hídrico capaz de atender eventuais necessidades sazonais de outras regiões e regularmente o semiárido. Imensuráveis suas virtudes, não se há de falar em inviabilidade econômica para sua implantação.

REFERÊNCIAS

ABRAÃO, Bernardina. In: MACHADO, Antônio da Costa (Org.). Constituição Federal Interpretada. 4ª ed. Barueri: Manole, 2013. BARROS, Mariana; THOMAS, Jannifer Ann. Vida Seca na Cidade Grande. Revista Veja, edição nº 2410, de 28 jan. 2015. São Paulo: Abril, p. 67-71. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. BENJAMIN, Antônio Herman (coord). Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

Page 123: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 123

BITTENCOURT, Vivian; PEREIRA, Diego Emmanoel Serafim. A Evolução Legislativa Brasileira Frente à Problemática da Água. Revista Brasileira de Direito v. 10, nº 1, Passo Fundo, 2014, p. 95-105. Disponível em: < http://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/595/517 >. Acesso em: 08 fev. 2015. BOTELHO, Caio Lóssio. Transposição de bacias hidrográficas para a região semi-árida equatorial do nordeste brasileiro. Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: < http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=678&Itemid=376>. Acesso em: 11 fev. 2015. BRASIL. Agência Nacional de Águas- ANA. Disponibilidade e Demanda de Recursos Hídricos no Brasil, Cadernos de Recursos Hídricos, v. 2, 2007. Disponível em: < http://arquivos.ana.gov.br/planejamento/estudos/sprtew/2/pdf/volume_2_ANA.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2015. _____. Agência Nacional de Águas- ANA. Primeiro Alerta de Cheias de Manaus em 2014, de 31 de março. Disponível em: < http://arquivos.ana.gov.br/saladesituacao/informesespeciais/01_AlertadeCheiasdeManaus2014.pdf >. Acesso em: 10 fev. 2015. _____. Agência Nacional de Águas- ANA. Segundo Alerta de Cheias de Manaus em 2014, de 30 de abril. Disponível em: < http://arquivos.ana.gov.br/saladesituacao/informesespeciais/02_AlertadeCheiasdeManaus2014.pdf >. Acesso em: 10 fev. 2015. _____ . Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >. Acesso em: 08 fev. 2015. _____. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 09 fev. 2015.

Page 124: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

124 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

_____. Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Resolução nº 47, de 17 de janeiro de 2005. Disponível em: < http://www.ceivap.org.br/ligislacao/Resolucoes-CNRH/Resolucao-CNRH%2047.pdf >. Acesso em: 10 fev. 2015. _____. Constituição Federal de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 16 fev. 2015. _____. Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9433.htm>. Acesso em: 07 fev. 2015. ____. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em: 13 fev. 2015. _____. Ministério da Integração Nacional. Disponível em: < http://www.integracao.gov.br/o-que-e-o-projeto>. Acesso em: 09 fev. 2015. _____. Ministério do Meio Ambiente. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/decl_rio92.pdf >. Acesso em: 11 fev. 2015. _____. STF. ACO nº 876 MC-AgR/ BA, rel. Min. Menezes de Direito, Tribunal Pleno, por maioria, j. 19/12/2007, p. DJe 01/08/2008. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=539061>. Acesso em: 10 fev. 2015. _____. STF. RE nº 577.996 AgR/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, por unanimidade, j. 01/04/2014, p. 09/04/2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5738259>. Acesso em: 10 fev. 2015. CABO, Francisco; ERDLENBRUCH, Katrin; TIDBALL, Mabel. Dynamic management of water transfer between two interconnected river

Page 125: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 125

basins. Resource and Energy Economics, v. 37. New York: Elsevier, august 2014, p. 17-38. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. G1. Rio Acre marca 17,88 metros e passa nível histórico em Rio Branco, 2 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/03/rio-acre-marca-1779-metros-e-ultrapassa-nivel-historico-em-rio-branco.html>. Acesso em: 03 mar. 2015. INSTITUTO TRATA BRASIL. Os benefícios da expansão do saneamento no Brasil, 2010. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/novo_site/cms/files/trata_fgv.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2015. _____. Ranking do Saneamento 2014. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/estudos/ranking/relatorio-completo-2014.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2015. LISBOA, Vinícius. Secas e chuvas já afetaram cerca 86 milhões de pessoas no Brasil. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. Publicado em: 20 mar. 2013. Disponível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/32191>. Acesso em: 10 fev. 2015. MERCIER, Antônio Sérgio Pacheco. In: MACHADO, Antônio da Costa (Org.). Constituição Federal Interpretada. 4ª ed. Barueri: Manole, 2013. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. _____. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994.

Page 126: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

126 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

_____. Direito Urbanístico Brasileiro, 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. MENDES, Gilmar Ferreira. In MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. NEGREIROS, Geisy. Rio Acre sobe 1 cm por hora e ultrapassa 18 metros em Rio Branco. G1, 03 mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/03/rio-acre-sobe-de-1-cm-por-hora-e-ultrapassa-18-metros-em-rio-branco.html>. Acesso em: 03 mar. 2015. NOGUEIRA, Ana Carolina Casagrande. O conteúdo jurídico do princípio da precaução no direito ambiental brasileiro. In FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Estado de direito ambiental: tendências, aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. O GLOBO. Painel brasileiro do clima prevê mais seca: primeira análise nacional sobre o impacto das mudanças climáticas indica que Amazônia e Caatinga são os biomas mais vulneráveis até o fim do século. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/economia/rio20/painel-brasileiro-do-clima-preve-mais-seca-5271082> Acesso em: 10 fev. 2015. PALLADINO, Viviane. Por que a transposição do rio São Francisco é tão polêmica? Super interessante. São Paulo: Abril, dezembro de 2005. Disponível em: < http://super.abril.com.br/ecologia/transposicao-rio-sao-francisco-tao-polemica-446103.shtml>. Acesso em: 10 fev. 2015.

Page 127: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 127

POLÍZIO JÚNIOR, Vladimir. O acesso à informação como instrumento assecuratório de proteção ao meio ambiente: consequências de uma legislação ambiental aquém do direito humano fundamental que se busca tutelar. In OLIVEIRA, Flavia de Paiva Medeiros de; PADILHA, Norma Sueli; COSTA, Beatriz Souza (Coords.). Direito Ambiental II. XXIII Congresso Nacional do CONPEDI/UFPB. João Pessoa: CONPEDI, 2014¹, p. 95- 119. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=8c38890c0ec1120a>. Acesso em: 10 fev. 2015. _____. Os partidos políticos e o moderno constitucionalismo: a imprescindível incidência dos princípios constitucionais para a transformação das agremiações no século XXI. In FREITAS FILHO, Roberto e BIJOS, Leila Maria de Juda (Orgs.). Sistema Político. Brasília: IDP, 2014², p. 89- 115. Disponível em: < http://www.idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks>. Acesso em: 12 fev. 2015. SABESP. Situação dos mananciais. Disponível em: < http://www2.sabesp.com.br/mananciais/DivulgacaoSiteSabesp.aspx>. Acesso em: 08 fev. 2015. SANTOS, Eliane Teixeira dos. Impactos Econômicos de Desastres Naturais em Megacidades: o caso dos alagamentos em São Paulo. Dissertação de mestrado apresentada no Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, São Paulo, 2013. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12138/tde-17022014-143009/pt-br.php>. Acesso em 08 fev. 2015. SEVERIANO, Adneison. 1% da vazão do Rio AM eliminaria falta de água no NE e Sudeste, diz CPRM. G1, 08 fev. 2015. Disponível em: < http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2015/02/1-da-vazao-do-amazonas-eliminaria-falta-de-agua-no-ne-e-se-diz-cprm.html>. Acesso em: 12 fev. 2015.

Page 128: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

128 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A LEGITIMIDADE DO CONGRESSO NACIONAL E A REFORMAÇÃO QUE DEVE ANTECEDER A REFORMA POLÍTICA

Vladimir Polízio Júnior39

RESUMO: O Congresso Nacional, formado pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, não representa adequadamente a maioria do povo brasileiro, o que contradiz o princípio fundamental da República de que é do povo que emana todo o Poder do Estado. A ideia do bicameralismo está ultrapassada, pois os Senadores, que deveriam representar os Estados Membros e o Distrito Federal, são da mesma forma que os Deputados eleitos pelo voto popular; ademais, o Parlamento está entre os mais dispendiosos do mundo e, da mesma forma que os partidos políticos, são mal avaliados pela opinião pública. Assim, é necessária uma reformação que confira legitimidade à atuação do Poder Legislativo, para que somente depois sejam iniciadas reformas no sistema político. PALAVRAS- CHAVE: Congresso Nacional; Reforma Política; Senado Federal; Federação; Câmara dos Deputados; Extinção do Senado; Representação Proporcional.

THE LEGITIMATE OF THE NATIONAL CONGRESS AND THE REFORMATION WHICH SHOULD PRECEDE THE POLITICAL REFORM

ABSTRACT: The National Congress, formed by the Federal Senate and the House of Representatives, does not adequately represent the majority of the brazilian people, which contradicts the fundamental principle of the Republic that is the people that emanates throughout the State Power. The idea of bicameralism is outdated, for the

39 Doutorando em Direito e Mestre em Direito Processual Constitucional pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina. Defensor Público Estadual no Estado do Espírito Santo.

Page 129: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 129

Senators, who should represent the United States and the Federal District are the same as the Representatives Members elected by popular vote; moreover, Parliament is among the most expensive in the world and in the same way that political parties are poorly evaluated by public opinion. Thus, a reformation is necessary to confer legitimacy to the actions of the Legislative Power, so that only after reforms are initiated in the political system. KEYWORDS: National Congress; Political Reform; Federal Senate; Federation; House of Representatives; Extinction of the Senate; Proportional Representation.

SUMÁRIO: 1- Introdução; 2- Democracia; 2.1- Da elite dirigente; 2.2- Da democracia brasileira; 2.3- Da soberania popular; 3- Da Federação; 3.1- Da autonomia dos Estados e Municípios; 4- Do Congresso Nacional; 4.1- Do custo do Congresso; 4.2- Do Senado Federal; 4.2.1- Da importância da Câmara Alta; 4.2.2- Dos suplentes; 4.3- Da Câmara dos Deputados; 4.3.1 Da representação proporcional; 4.4- Das emendas ao orçamento; 5- Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

A atual discussão sobre reforma política caminha a passos largos de temas proeminentes à consolidação do Estado Democrático de Direito pretendido pelos constituintes de 1988. Basicamente, as propostas estão relacionadas ao fim da reeleição aos ocupantes do Poder Executivo, à doação de recursos por pessoas físicas e jurídicas, à cláusula de barreira, ao fim das coligações proporcionais, dentre outros temas (GOIS; PEREIRA, 2014) que, embora importantes, não constituem o núcleo que poderia, e deveria, representar a temática fundo da reforma política nacional.

Dessarte, não se discute a essência da Federação, que é a autonomia dos Entes que a compõem, tampouco a adequada representação do Poder Legislativo que, no plano Federal, é

Page 130: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

130 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

constituído pela Câmara Alta, com representantes dos Estados e do Distrito Federal, e pela Câmara Baixa, com representantes da população.

Temas dessa envergadura antecedem, de forma lógica, quaisquer outros assuntos, por mais relevantes que possam parecer. Como salientado em voto no STF pelo Ministro Barroso (2014, p. 39), é imprescindível a reforma do sistema político para que a população se sinta verdadeiramente representada pelos que exercem atividades em nome do interesse coletivo.

Há um descompasso evidente entre a premissa constitucional segundo a qual o poder do Estado emana do povo, reconhecido como princípio fundamental (parágrafo único do art. 1º) e a avaliação da população sobre as instituições que deveriam simbolizar a soberania popular. Em pesquisa do IBOPE (2013) sobre a confiança inspirada por instituições, das 22 que compunham a lista o Congresso Nacional e os partidos políticos obtiveram as duas piores colocações.

Sem inspirar confiança na população, e sem representar adequadamente a sociedade no Parlamento Federal, carece o Congresso Nacional da legitimidade necessária para implementar reformas no Estado, como a autonomia dos Entes Federados e, principalmente, a proporcionalidade na composição do Poder Legislativo, pressupostos indispensáveis à posterior reforma política.

2. DEMOCRACIA

Para Fernandes (2013, p. 291), conceituar “democracia é simplesmente uma tarefa hercúlea”, pois se o foco for “em sua etimologia, nos referiríamos ao ‘governo do povo’, mas mais que isso, seria correto afirmar que democracia é uma lógica na qual o povo participa do Governo e do Estado”. Daí porque Silva (2013, p. 127-128) aponta que a definição de democracia é histórica:

Page 131: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 131

Não sendo por si um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada etapa do evolver social. Mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Sob esse aspecto, a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático, mas um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história (SILVA, 2013, p. 128).

Adverte Fernandes (2013, p. 291), contudo, que hodiernamente a ordem jurídica deve consagrar “instrumentos não apenas de democracia direta- plebiscito e referendo- como de democracia indireta- eleição de representantes que concorrerão aos cargos políticos”, assentando, contudo, que não basta a escolha dos atores políticos, mas também “uma proteção constitucional” que resguarde “a superioridade da Constituição; a existência de direitos fundamentais”; a “legalidade das ações estatais; um sistema de garantias jurídicas e processuais”. Nesse sentido Luigi Ferrajoli (2006, p. 8), que destaca duas concepções antagônicas sobre democracia: “a primeira, que a identifica essencialmente com sua dimensão política, ou seja, com a vontade da maioria”, e “a segunda, que a identifica, ao contrário, pelo menos em seu paradigma constitucional contemporâneo, com a vontade da maioria, limitada e vinculada com aquele complexo de princípios e direitos que se encontram rigidamente estabelecidos nas cartas constitucionais”. Para o jurista italiano, a primeira concepção representa um conceito formal de democracia, “porquanto fundada na legitimação dos poderes políticos atendendo exclusivamente a formas e procedimentos

Page 132: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

132 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

idôneos para garantir que as decisões produzidas sejam expressão direta ou indireta da vontade popular, independentemente de seu conteúdo”, e a segunda concepção um conceito substancial, porque resulta da “legitimação daqueles mesmos poderes, não somente sobre a forma representativa e majoritária das decisões”, mas também pela “substancial conformidade de seu conteúdo com os direitos de liberdade e com os direitos sociais constitucionais estabelecidos, e que nenhuma maioria, nem sequer por unanimidade, pode violar ou deixar de satisfazer” (FERRAJOLI, 2006, p. 8). E o professor elucida:

Conforme a imagem simplificada proposta para a primeira concepção, democracia consistiria, por conseguinte, na onipotência da maioria, identificada com a soberania popular. Disto deriva uma grande quantidade de corolários: a desqualificação das regras e dos limites pelo Poder Executivo, expressão da maioria, e –por tanto- da separação de poderes e das funções de controle e garantia do Judiciário e do próprio Parlamento; a ideia segundo a qual o consenso da maioria legitima qualquer abuso; o rechaço, em suma, daquele sistema de mediações, de limites, de contrapesos e de controles que formam a substância daquilo que poderíamos denominar “democracia constitucional”; e se alcança, sobretudo, uma conotação plebiscitária e antiparlamentar de democracia, que encontra sua expressão mais apropriada no presidencialismo, vale dizer, na delegação de funções a um chefe, assumido como expressão direta da soberania popular. (FERRAJOLI, 2006, p. 8)

2.1 DA ELITE DIRIGENTE

Page 133: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 133

Para Peter Bachrach (1967, p. 20), “Todas as teorias da elite repousam em duas premissas: primeiro, que as massas são intrinsecamente incompetentes e, segundo, que são, pior, seres ingovernáveis e desenfreados, com uma proclividade a minar a cultura e a liberdade”. Nesse sentido Ferreira Filho (1972, p. 29), ao dispor que a “democracia que é possível na realidade consiste no governo de uma minoria democrática”, qual seja, “por uma elite formada conforme a tendência democrática, renovada de acordo com o princípio democrático, imbuída do espírito democrático, voltada para o interesse popular: o bem comum”.

Esse pensamento era partilhado por Gurgel (1975, p. 95) que, ao discorrer sobre a tarefa da elite na promoção do bem comum, estabeleceu que esse processo deveria acontecer

[...] mediante um processo de “interação” com a massa. Auscultando o povo, as elites nacionais identificam seus anseios e aspirações. Possuindo um maior conhecimento da realidade histórico-cultural e dos dados conjunturais, elas têm uma visão mais elaborada dos autênticos interesses nacionais. Cabe-lhes, assim, interpretar os anseios e aspirações, difusos no meio ambiente, harmonizando-os com os verdadeiros interesses da Nação e com o Bem Comum, apresentando-os, de volta, ao povo que, desse modo sensibilizado, poderá entender e adotar os novos padrões que lhe são propostos.

Todavia, Silva (2013, p. 129) repudia esse pensamento de elite democrática, “que é fora de dúvida uma expressão contraditória”, aduzindo que esse conceito “foi também a doutrina da segurança nacional que fundamentou o constitucionalismo do regime militar que a atual Constituição suplantou”. O autor é categórico:

É equívoco pensar que esse chamado “elitismo democrático” se contenta com a tese de governo da minoria, que se limita a sustentar

Page 134: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

134 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

um “elitismo de dirigentes”. Coerente com sua essência antidemocrática, o elitismo assenta-se em sua inerente desconfiança do povo, que reputa intrinsecamente incompetente. Por isso sua “democracia” sempre depende de pressupostos notoriamente elitistas, tais como de que o povo precisa estar preparado para a democracia, de que esta pressupõe certo nível de cultura, certo amadurecimento social, certo desenvolvimento econômico, e reclama que o povo seja educado para elas, e outros semelhantes que, no fim das contas, preparam os fundamentos doutrinários do voto de qualidade e restritivo. A contradição é evidente, pois supõe que o povo deve obter tais requisitos para o exercício da democracia dentro de um regime não democrático; que as elites devem conduzi-lo a uma situação que justamente se opõe aos interesses delas e as elimina. Teremos, enfim, a singularidade de aprender a fazer democracia em um laboratório não democrático. Ora, em verdade, a tese inverte o problema, transformando, em pressupostos de democracia, situações que se devem ter como parte de seus objetivos: educação, nível de cultura, desenvolvimento, que envolva melhoria de vida, aperfeiçoamento pessoal, enfim, tudo se amálgama com os direitos sociais, cuja realização cumpre ser garantida pelo regime democrático. Não são pressupostos desta, mas objetivos. Só numa democracia pode o povo exigi-los e alcançá-los. (SILVA, 2013, p. 129- 130)

2.2 DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Page 135: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 135

O Brasil constitui, nos termos do art. 1º da Carta Política, um Estado Democrático de Direito, e no parágrafo único desse dispositivo, componente dos princípios fundamentais constitucionais, está posto que é do povo que emana todo o poder do Estado. Fernandes (2013, p. 288- 289) leciona que, na tradição lusitana, o termo democrático é utilizado para adjetivar Direito, e não o Estado, daí porque Portugal constitui um Estado de Direito democrático, “Contudo, o art. 1º da atual Constituição da República brasileira fez uso da outra expressão, muito possivelmente para realçar a ruptura com a postura autocrática assumida pelo Estado brasileiro a partir de 1964”. Para José Afonso da Silva (2013, p. 121), “A configuração do Estado Democrático de Direito não significa unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito”, mas sim estabelecer um novo conceito, onde se “leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”, que já nasce proclamado e fundado, e “não como mera promessa de organizar tal Estado”.

Esse novel conceito de Estado Democrático de Direito, bem como dos valores que o fundamentam, devem ser interpretados a partir da ideia básica de que a titularidade do Poder que legitima a atuação estatal é do povo. Como anota Binenbojm (2006, p. 441), “O povo é a autoridade última e primeira em uma democracia”. Na verdade, como destaca Agra (2012, p. 127), diversos são os exemplos na atualidade de governos legitimados apenas teoricamente pelo povo, lembrando que, “ao início do terceiro milênio, a legitimidade popular se tornou um dogma intransponível, mesmo transformada em ordenamento semântico”. Durante muitos anos esse conceito teve força meramente formal, daí o pensamento constitucionalista atual, que pugna por conferir-lhe força material.

Essa alteração conceitual impõe ao intérprete das normas constitucionais a extração de efeitos à luz de um Estado Democrático de Direito. Do contrário, estaria violado o escopo pretendido pelos

Page 136: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

136 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

constituintes de 1988 e, talvez, se equipararia à letra morta dos dispositivos encontrados em constituições pretéritas, solapados de efeitos concretos, como o presente no § 1º do art. 1º da Constituição de 1967, cuja redação foi repetida na Carta oriunda da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, de que “Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido”; ora, no Brasil de 1964 a 1985 houve uma sucessão de governos militares, e de forma alguma o dispositivo constitucional externava efeitos concretos, pois não havia democracia, tampouco Estado de Direito, e muito menos respeito aos direitos humanos fundamentais. Da mesma forma a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada em 1937, que na parte final do seu art. 1º dispunha que “O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade”; durante seu interregno, de 1937 a 1945, denominado Estado Novo, havia um governo ditatorial.

De fato, não se pode admitir, “no estágio atual do constitucionalismo, palavras e expressões elencadas na Lei Maior desprovidas de resultado prático e efetivo, ainda mais quando expressam fundamentos principiológicos da República” (POLÍZIO JÚNIOR, 2014, p. 99). Como leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 958-959), princípio constitui “mandamento nuclear de um sistema”, funcionando como “verdadeiro alicerce”, que alcança as diversas normas “compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. O professor é taxativo:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o

Page 137: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 137

escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (MELLO, 2010, p. 959)

Dessarte, aos conceitos de Estado Democrático de Direito, presente no caput do art. 1º da Constituição Federal, e no de soberania popular, do parágrafo único daquele dispositivo, reconhecidos como princípios fundamentais pelos constituintes de 1988, é necessário sempre buscar um sentido mais consentâneo à evolução do constitucionalismo. Como lembra Barroso (2013, p. 288-289):

O novo direito constitucional [...] tem sido referido, por diversos autores, pela designação de neoconstitucionalismo. O termo identifica, em linhas gerais, o constitucionalismo democrático do pós-guerra, desenvolvido em uma cultura filosófica pós-positivista, marcado pela força normativa da Constituição, pela expansão da jurisdição constitucional e por uma nova hermenêutica. Dentro dessas balizas gerais, existem múltiplas vertentes neoconstitucionalistas. Há quem questione a efetiva novidade dessas ideias, assim como seus postulados teóricos e ideológicos. Mas a verdade é que, independentemente dos rótulos, não é possível ignorar a revolução profunda e silenciosa ocorrida no direito contemporâneo, que já não se assenta apenas em um modelo de regras e de subsunção, nem na tentativa de ocultar o papel criativo de juízes e tribunais. Tão intenso foi o ímpeto das transformações que tem sido necessário reavivar as virtudes da

Page 138: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

138 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

moderação e da mediania, em busca de equilíbrio entre valores tradicionais e novas concepções. (destaques no original)

2.3 DA SOBERANIA POPULAR

Em que pese o reconhecimento constitucional, na condição de princípio, de que é do povo que emana a totalidade de Poder do Estado, “os partidos políticos e os exercentes de cargos eletivos do Poder Legislativo e do Poder Executivo comumente são mal avaliados pela população. Seria como se houvesse um hiato entre a sociedade e os que são eleitos para representá-la e seus respectivos partidos” (POLÍZIO JÚNIOR, 2014, p. 94).

Moisés (2013, p. 202) aponta a corrupção política como “um dos problemas mais severos e complexos enfrentados por novas e velhas democracias”, lembrando que frauda “o princípio da igualdade política inerente à democracia”, porque não só permite aos que dela se utilizam “obter ou manter poder e benefícios políticos desproporcionais aos que alcançariam pelos modos legítimos e legais de competir politicamente”, como também “distorce a dimensão republicana da política moderna, porque faz as políticas públicas resultarem não do debate e da disputa aberta entre projetos diferentes, mas de acordos de bastidores que favorecem interesses espúrios”. O autor completa:

A conduta irregular de líderes e de partidos políticos também compromete a percepção das pessoas sobre as vantagens da democracia em comparação às suas alternativas, pois, ao fazer crer que tal conduta é parte da rotina usual tanto do regime democrático como do autoritário, ela desqualifica os mecanismos adotados pelo primeiro para controlar o abuso do poder e para garantir a soberania dos cidadãos. Em contrapartida, ao desqualificar a

Page 139: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 139

relação dos cidadãos com os Estados democráticos, ela compromete a cooperação social e afeta negativamente a capacidade de coordenação dos governos para atender às preferências dos eleitores. Os seus efeitos influenciam, portanto, tanto a legitimidade quanto a qualidade da democracia, ao comprometer o princípio segundo o qual nesse regime ninguém está acima da lei, e contribui para o esvaziamento dos mecanismos de responsabilização dos governos (accountability vertical, social e horizontal). (MOISÉS, 2013, p. 202) (grifei)

Nesse sentido o pensamento de Luís Roberto Barroso (2014, p. 39), manifestado por ocasião do seu voto no julgamento do sétimo embargos infringentes oposto na Ação Penal nº 470, pelo STF:

Logo no início da minha participação neste julgamento, fiz três observações: a primeira foi uma crítica à centralidade do dinheiro no sistema político brasileiro, com custos estratosféricos das campanhas majoritárias e proporcionais. A segunda, a de que tal sistema, além do seu déficit democrático, era indutor da criminalidade. E penso que tal diagnóstico foi confirmado pela recorrente sucessão de escândalos políticos que continuam a aparecer em todos os níveis da Federação, sem distinção de partidos, indo de um lado a outro do espectro político. E a minha terceira observação, ao início deste julgamento, foi a de que a imensa energia jurisdicional despendida no julgamento da ação penal nº 470 terá sido em vão se nós não produzirmos uma profunda reforma política capaz de baratear o custo das eleições, dar maior autenticidade ao sistema partidário e ajudar na formação de maiorias

Page 140: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

140 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

consistentes no Congresso Nacional. Ao retomar esta última fase do julgamento, eu reitero essas convicções, e destaco que nada de relevante aconteceu, ou parece estar em vias de acontecer, em relação à reforma do sistema político. Por essa razão continuamos a viver um abominável espetáculo de hipocrisia, em que todos apontam o dedo para todos, enquanto muitos procuram manter ocultos os seus cadáveres no armário. Pior que tudo, temos um sistema político que não atrai vocações, não mobiliza a juventude, compreensivelmente afastada pelo medo do contágio das práticas aqui denunciadas e condenadas. Vivemos a derrota do idealismo, diluído no argentalismo e na criminalidade política. (grifei)

Em que pese o desejo de mudança externado nas diversas manifestações populares ao longo de 2013 (GRIPP, 2013), houve reeleição da presidente da República (DIAP, 2014, p. 10); com relação aos Congressistas, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar- DIAP, aponta que dos 513 Deputados Federais, 387 (75,44%) disputaram a reeleição, dos quais 274 conseguiram renovar os mandatos (2014, p. 13), e das 27 vagas que seriam renovadas no Senado (1/3 do total), 10 Senadores tentaram a reeleição e 5 conseguiram renovar os mandatos (2014, p. 14). Por outro lado, a confiança da população nos partidos políticos e no Congresso Nacional apresentam reiterados índices diminutos em diversas pesquisas, como a elaborada pelo IBOPE (2013), na qual se analisa o Índice de Confiança nas Instituições (ICI) entre os anos de 2009 e 2013:

2009

2010

2011

2012

2013

Família 90

91

90

91

90

Page 141: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 141

Amigos 67

69

68

70

67

Brasileiros de modo geral

59

60

60

59

56

Vizinhos 59

59

59

61

57

Corpo de bombeiros

88

85

86

83

77

Igrejas 76

73

72

71

66

Forças armadas 71

69

72

71

64

Meios de comunicação

71

67

65

62

56

Empresas 61

60

59

57

51

Organizações civis

61

61

59

57

49

Polícia 52

52

55

54

48

Bancos 61

58

57

56

48

Escolas públicas 62

60

55

55

47

Poder judiciário/ justiça

52

53

49

53

46

Presidente da república

66

69

60

63

42

Governo federal 53

59

53

53

41

Eleições/ sistema eleitoral

49

56

52

47

41

Page 142: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

142 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Governo do seu município

53

50

47

45

41

Sindicatos 46

44

44

44

37

Sistema público de saúde

49

47

41

42

32

Congresso nacional

35

38

35

36

29

Partidos políticos

31

33

28

29

25

GERAL 60

60

58

57

50

3. DA FEDERAÇÃO

O federalismo, como modelo de organização do Estado, surgiu nos Estados Unidos da América, lembra o professor Paulo Gustavo Gonet Branco (2011, p. 827), “como resposta à necessidade de um governo eficiente em vasto território, que, ao mesmo tempo, assegurasse os ideais republicanos que vingaram com a revolução de 1776”. Posteriormente, “outros Estados assumiram também esse modo de ser, ajustando-os às suas peculiaridades, de sorte que não há um modelo único de Estado federal a ser servilmente recebido como modelo necessário” (BRANCO, 2011, p. 828). Entretanto, há características comuns entre os vários modelos possíveis de Estado federal, como a distinção entre soberania, que no federalismo constitui “atributo do Estado Federal como um todo”, e a autonomia, de que dispõem os Estados-membros, caracterizada pela descentralização do Poder, administrativa e politicamente (BRANCO, 2011, p. 828).

Os Estados assumem a forma federal tendo em vista razões de geografia e de formação cultural da comunidade. Um território amplo é propenso

Page 143: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 143

a ostentar diferenças de desenvolvimento de cultura e de paisagem geográfica, recomendando, ao lado do governo que busca realizar anseios nacionais, um governo local atento às peculiaridades existentes. O federalismo tende a permitir a convivência de grupos étnicos heterogêneos, muitas vezes com línguas próprias, como é o caso da Suíça e do Canadá. Atua como força contraposta a tendências centrífugas. O federalismo, ainda, é uma resposta à necessidade de se ouvirem as bases de um território diferenciado quando da tomada de decisões que afetam o país como um todo. A fórmula opera para reduzir poderes excessivamente centrípetos. Aponta-se, por fim, um componente de segurança democrática presente no Estado federal. Nele o poder é exercido segundo uma repartição não somente horizontal de funções- executiva, legislativa e judiciária-, mas também vertical, entre Estados-membros e União, em benefício das liberdades políticas. (BRANCO, 2011, p. 832)

A divisão de recursos é essencial para a concretização da Federação, lembrando Ferreira Filho (2012, p. 88) que constitui “a medida da autonomia real dos Estados-membros”. Oportuno seu escólio:

Na verdade, essa partilha pode reduzir a nada a autonomia, pondo os Estados a mendigar auxílios da União, sujeitando-os a verdadeiro suborno. Como a experiência americana revela, pelo concurso financeiro, a União pode invadir as competências estaduais, impondo sua intromissão em troca desse auxílio.

Page 144: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

144 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A questão é mais complexa ainda nos tempos que correm. Pode a União, com suas faculdades econômicas e financeiras, manipular a seu bel-prazer o crédito mais o câmbio e o volume de papel-moeda. Daí decorre que de sua política é que depende a substância dos recursos à disposição dos Estados-Membros. Uma política inflacionária, por exemplo, pode reduzi-los a nada, tornando incapazes os Estados de pagar seus próprios funcionários. (FERREIRA FILHO, 2012, p. 88-89)

Todavia, em que pese a influência do modelo estadunidense na formação da Federação brasileira, esta, “em função do modelo de Estado que existia à época do Império, originou-se da divisão política do Estado Unitário, com a conversão das antigas províncias em Estados federados”, de modo que “a Federação brasileira é de formação distinta daquela que lhe serviu de paradigma, pois é por segregação, e não por agregação” (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 861).

Em casos como o dos Estados Unidos, da Alemanha, da Suíça, o Estado federal resultou de uma agregação (federalismo por agregação) de Estados que a ele preexistiam. O Estado federal veio superpor-se a tais Estados. Noutros, como no Brasil, o Estado unitário, em obediência a imperativos políticos (salvaguarda das liberdades) e de eficiência, descentralizou-se a ponto de gerar Estados que a ele foram “subpostos” (federalismo por segregação). (destaques no original) (FERREIRA FILHO, 2012, p. 82)

3.1 DA AUTONOMIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS

Page 145: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 145

A autonomia dos Estados é assegurada pelos arts. 18, 25 e 28 da Constituição Federal, “que se consubstancia na sua capacidade de auto-organização, de autolegislação, de autogoverno e de autoadministração” (SILVA, 2013, p. 610)

Como lembra André Ramos Tavares (2013, p. 844), o “Estado-membro pode-se organizar, administrar e governar por si mesmo, sem precisar recorrer à União ou obter-lhe vênia”, embora essa “autonomia em seus diversos elementos” não possa jamais “desgarrar-se dos contornos traçados pela Constituição Federal”, de sorte que “Autonomia não implica soberania, de forma que a obediência aos termos constitucionais é inafastável”. Para o autor, a capacidade de autogoverno decorre da não dependência do Estado “das autoridades da União, que não têm gerência sobre seus negócios” (TAVARES, 2013, 847).

A essência da organização político-administrativa do Brasil é a sua estrutura federativa. Os entes que a compõem são: a União, Estados-membros, Municípios e o Distrito Federal. Cada um deles tem uma plêiade de competências que foram demarcadas pelo Texto Constitucional. Eles possuem autonomia e capacidade para realizar as atribuições deferidas, como a capacidade administrativa, a capacidade tributária, a capacidade financeira, a capacidade legislativa etc. Como todos gozam de autonomia, nos limites estipulados constitucionalmente, não podemos dizer que haja uma hierarquia entre eles, como erroneamente se tem afirmado, que, por exemplo, a União prepondera sobre os Estados-membros e estes sobre os Municípios. A União não pode estorvar as competências tributárias dos Estados, sob pena de se atribuir ao Presidente da República a prática de crime de

Page 146: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

146 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

responsabilidade e de se requerer a declaração de inconstitucionalidade da medida ao Poder Judiciário. Se não há uma hierarquia entre os entes federativos, o que existe é um sistema de repartição de competência em espaços de incidência, e nessa separação há maiores prerrogativas para a União, com o superdimensionamento de suas atribuições. Se um ente federativo não pode mandar no outro, se todos devem obedecer ao que foi estipulado na Lei Maior, se não pode existir usurpação de competências, impossível se torna a existência de uma hierarquia, em que um ente federativo deva se submeter ao outro. (AGRA, 2012, p. 355)

4. DO CONGRESSO NACIONAL

Na Federação Brasileira, o Poder Legislativo é bicameral,

formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, que juntos compõem o Congresso Nacional (art. 44/ CF). Leciona Silva (2013, p. 511):

É da tradição constitucional brasileira a organização do Poder Legislativo em dois ramos, sistema denominado bicameralismo, que vem desde o Império, salvo as limitações contidas nas Constituições de 1934 e 1937, que tenderam para o unicameralismo, sistema segundo o qual o Poder Legislativo é exercido por uma única câmara. Debate-se muito sobre as vantagens e desvantagens de um ou de outro sistema. Mas a dogmática constitucional, desde a promulgação da Constituição dos EUA, recua aceitar o unicameralismo nas federações, por entender que o Senado é a câmara

Page 147: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 147

representativa dos Estados federados, sendo, pois, indispensável sua existência ao lado de uma câmara representativa do povo. (destaques o original)

São quatro os tipos conhecidos de bicameralismo, como salienta Ferreira Filho (2012, p. 195-196), variáveis “conforme a natureza da segunda Câmara”: (i) o aristocrático, que preponderou no século XIX mas, hodiernamente, experimenta sua “quase completa desaparição”, onde “a segunda Câmara destina-se a representar uma classe, a nobreza”, sendo “exemplo de Câmara assim destinada a dos Lordes, na Grã Bretanha, cuja influência juridicamente é quase nula mas que ainda é ponderável politicamente”, por englobar “a elite intelectual e profissional enobrecida pela Coroa, em razão de seus serviços”; (ii) o federal, onde “a Câmara alta representa os Estados; a baixa, o povo”; (iii) o sistemático, também conhecido como de moderação, no qual “a existência da segunda Câmara deriva da consideração da necessidade de se refrearem os impulsos da representação, estabelecendo uma Câmara cuja composição faça agir o contrapeso”, sendo exemplos “o Senado italiano e do Senado francês contemporâneos”; e (iv) o técnico, no qual “a segunda Câmara é especializada, tendo uma função de assessoria técnica”, como as Câmaras Corporativas estabelecidas na Áustria de 1934.

4.1 DO CUSTO DO CONGRESSO

Com dados de 2007, a Transparência Brasil-TB apurou que

apenas os valores despendidos anualmente aos congressistas estadunidenses, em média R$ 15,3 milhões, supera custos dos parlamentares brasileiros, em média R$ 10,2 milhões, “montante é 12 vezes maior do que os R$ 850 mil que o mandato de cada parlamentar custa na Espanha”; os gastos brasileiros são concentrados no Senado Federal, onde “cada um dos 81 senadores

Page 148: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

148 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

custa aos cofres públicos R$ 33,1 milhões por ano, enquanto o número correspondente para os 513 deputados federais é de R$ 6,6 milhões”. Entretanto, “elevado custo por mandato no Legislativo brasileiro não se limita ao Congresso Nacional”, porque também os legislativos das demais Unidades da Federação são dispendiosos:

País/ órgão Orçamento do Legislativo

Parlamentares Custo por Parlamentar

Brasil- Senado R$ 2.680.468.223,00

81 R$ 33.092.200,28

Estados Unidos R$ 8.174.300.000,00

535 R$ 15.279.065,42

Brasil R$ 6.068.072.181,00

594 R$ 10.215.609,73

Câmara- DF R$ 236.338.530,00 24 R$ 9.847.438,75

Brasil- Câmara dos Deputados

R$ 3.387.603.958,00

513 R$ 6.603.516,49

Assembleia- MG R$ 496.937.556,00 77 R$ 6.453.734,49

Assembleia- RJ R$ 445.431.493,00 70 R$ 6.363.307,04

Assembléia- RN R$ 151.784.000,00 24 R$ 6.324.333,33

Assembleia- SC R$ 243.840.000,00 40 R$ 6.096.000,00

Assembleia- MS R$ 146.272.000,00 24 R$ 6.094.666,67

Câmara- Rio de Janeiro

R$ 295.294.534,00 50 R$ 5.905.890,68

Assembléia- RS R$ 310.753.267,00 55 R$ 5.650.059,40

Assembléia- MT R$ 132.100.000,00 24 R$ 5.504.166,67

Assembléia- SE R$ 130.058.860,00 24 R$ 5.419.119,17

Câmara- São Paulo

R$ 278.232.198,00 55 R$ 5.058.767,24

Assembleia- GO R$ 198.410.000,00 41 R$ 4.839.268,29

Assembleia- SP R$ 436.560.984,00 94 R$ 4.644.265,79

Assembleia- RO R$ 105.568.173,00 24 R$ 4.368.673,88

Assembleia- AM R$ 104.035.000,00 24 R$ 4.334.791,67

Page 149: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 149

Assembleia- PR R$ 229.595.060,00 54 R$ 4.251.760,37

Assembleia- AL R$ 108.000.000,00 27 R$ 4.000.000,00

Itália R$ 3.766.705.810,60

945 R$ 3.985.932,07

Assembleia- PI R$ 113.620.000,00 30 R$ 3.787.333,33

Assembleia- CE R$ 163.394.055,00 46 R$ 3.552.044,67

Alemanha R$ 2.104.494.224,60

614 R$ 3.427.515,02

Assembleia- PE R$ 167.277.300,00 49 R$ 3.413.822,45

Assembleia- ES R$ 98.764.000,00 30 R$ 3.292.133,33

Assembleia- AC R$ 76.995.072,00 24 R$ 3.208.128,00

Assembleia- BA R$ 194.633.000,00 63 R$ 3.089.412,70

Assembleia- PA R$ 125.809.846,00 41 R$ 3.068.532,83

França R$ 2.154.458.711,78

745 R$ 2.891.890,89

Assembleia- AP R$ 67.868.595,00 24 R$ 2.827.858,13

Assembleia- MA R$ 115.676.389,00 42 R$ 2.754.199,74

Assembleia- RR R$ 58.560.852,00 24 R$ 2.440.035,50

Assembleia- PB R$ 87.432.030,00 36 R$ 2.428.667,50

Canadá R$ 952.581.722,62 413 R$ 2.306.493,28

Câmara- Belo Horizonte

R$ 92.759.069,00 41 R$ 2.262.416,32

Reino Unido R$ 1.422.529.950,00

646 R$ 2.202.058,75

Câmara- Florianópolis

R$ 33.299.150,00 16 R$ 2.081.196,88

Assembleia- TO R$ 48.188.374,00 24 R$ 2.007.848,92

México R$ 1.187.041.566,45

628 R$ 1.890.193,58

Câmara- Porto Alegre

R$ 65.710.103,00 36 R$ 1.825.280,64

Câmara- Curitiba R$ 69.000.000,00 39 R$ 1.815.789,47

Page 150: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

150 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Câmara- Recife R$ 62.556.622,00 39 R$ 1.737.683,94

Câmara- São Luís R$ 34.961.507,00 21 R$ 1.664.833,67

Câmara - Fortaleza

R$ 67.215.000,00 41 R$ 1.639.390,24

Câmara- Maceió R$ 33.702.800,00 21 R$ 1.604.895,24

Câmara- Salvador R$ 64.498.000,00 41 R$ 1.573.121,95

Câmara- Palmas R$ 18.355.000,00 12 R$ 1.529.583,33

Câmara- Manaus R$ 54.041.000,00 36 R$ 1.501.138,89

Chile R$ 207.012.200,60 158 R$ 1.310.203,80

Argentina R$ 427.671.000,00 329 R$ 1.299.911,85

Câmara- Natal R$ 29.151.000,00 23 R$ 1.267.434,78

Câmara- Vitória R$ 19.000.000,00 15 1.266.666,67

Câmara- Campo Grande

R$ 26.211.000,00 21 1.248.142,86

Câmara- Goiânia R$ 41.509.910,52 34 1.220.879,72

Câmara- Cuiabá R$ 19.247.000,00 19 1.013.000,00

Câmara- João Pessoa

R$ 20.158.806,00 21 959.943,14

Portugal R$ 219.100.058,97 230 952.608,95

Câmara- Teresina R$ 21.429.000,00 23 931.695,65

Câmara- Aracaju R$ 17.638.095,00 19 928.320,79

Câmara- Boa Vista

R$ 11.738.000,00 13 902.923,08

Espanha R$ 517.813.467,75 609 850.268,42

Câmara- Belém R$ 30.117.330,00 36 836.592,50

Câmara- Porto Velho

R$ 12.535.704,00 16 783.481,50

Câmara- Macapá R$ 11.7000.000,00 15 780.000,00

Câmara- Rio Branco

R$ 10.014.675,00 14 715.333,93

Sopesando as ponderações apresentadas pelo Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal contra o referido estudo

Page 151: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 151

elaborado pela Transparência Brasil, de que (i) a amostragem de Parlamentos estrangeiros foi muito diminuta; (ii) não foram consideradas “diferenças institucionais entre os países (em especial o fato de que o Congresso Nacional inclui entre seus gastos o pagamento de aposentadorias e pensões, o que não necessariamente ocorre nos demais parlamentos considerados nos estudos da TB)”; (iii) não foram consideradas “as diferentes atribuições dos parlamentos, que variam desde um papel figurativo até ampla inserção no processo decisório do Estado”; e (iv) existem equívocos metodológicos na aferição da “taxa de câmbio, não considerando a volatilidade do câmbio dos países envolvidos na análise nem se preocupando em ajustar os gastos pela ‘paridade do poder de compra’” (MENDES, 2009, p. 3-4), Marcos Mendes (2009, p. 29) conclui, com relação à remuneração dos parlamentares, que os valores pagos (i) “não parecem exagerados quando comparados com os das carreiras de nível superior do setor público federal”, porque “diversas carreiras, ao agregar gratificações de chefia e outros adicionais, tendem a ganhar mais que os parlamentares”; (ii) são superiores à remuneração “de cargos de direção de empresas privadas”. Com relação a esta última situação, o autor explica:

Esse fato, contudo, não pode ser apresentado como prova de remuneração excessiva dos parlamentares, pois decorre de dois efeitos: a) a superioridade dos salários do setor público em relação ao setor privado; b) a preponderância das micro e pequenas empresas no universo de empresas privadas, que tendem a puxar para baixo a média da remuneração de seus dirigentes (dado o grau de responsabilidade, o ideal seria comparar a remuneração dos parlamentares com a de dirigentes de empresas médias e grandes, mas essa informação não está disponível). (MENDES, 2009, p. 29- 30)

Page 152: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

152 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Ao final, Marcos Mendes (2009, p. 30) aduz que “os gastos do Legislativo nacional situam-se na média ou acima da média internacional, havendo espaço para enxugamento de gastos”, embora “um ajuste substancial da despesa depende muito mais de mudanças no sistema previdenciário do setor público do que de medidas administrativas das duas Casas legislativas”, e que não houve avaliação com relação à “qualidade e eficácia dos gastos: parlamentos com despesa abaixo da média podem estar gastando mal os seus recursos, e vice-versa”.

4.2 DO SENADO FEDERAL

Compreende-se o Senado Federal “como órgão legislativo

federativo, uma vez que é formado por representantes de entidades da federação, eleitos pelo sistema de escrutínio majoritário, em número de 3 membros por Estado ou Distrito Federal”, aos quais é “assegurada a renovação da representação de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços, totalizando 81 Senadores da República, para o mandato de oito anos”. (PEÑA DE MORAES, 2013, p. 403- 404)

Suas atribuições estão fixadas no art. 52, embora atuem também conjuntamente com Deputados Federais nas matérias dos arts. 48 e 49, todos da Carta Política. 4.2.1 Da importância da Câmara Alta

Para Araújo (2012, p. 124- 125), “o Senado se equipara à

Câmara em termos das respectivas listas de atribuições constitucionais legiferantes e extralegiferantes, ainda que os graus de simetria entre elas variem conforme os campos de atuação política”, ressaltando que, na seara “das atribuições legislativas relacionadas com a produção de políticas, ficou claro que a Câmara tem maior controle sobre as deliberações” porque, na maioria das vezes, a única

Page 153: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 153

possibilidade “de o Senado dar a palavra final é vetando os projetos previamente aprovados na Câmara, mas essa decisão nem sempre é possível, devido ao caráter dramático das escolhas”, resultando que, “em certos casos, os custos de uma rejeição total podem ser altos demais para serem assumidos pelos senadores”. O autor completa:

O certo é que, em decorrência da simetria e da incongruência típicas do bicameralismo brasileiro, o potencial legiferante do Senado vai muito além de sua função de eficiência, que promove o aprimoramento da legislação, e toca na essência das questões políticas, redistributivas e conflitivas, que afetam o processo legislativo e a produção de leis no Brasil. A segunda conclusão, igualmente importante e carente de estudos, relaciona a atuação do Senado à dinâmica de coalizões que fundamenta as relações entre Legislativo e Executivo. Se por um lado a incongruência bicameral pode gerar incentivos à manifestação ostensiva da simetria por parte dos senadores, por outro as estratégias adotadas pelo Executivo para formar sua base de apoio podem aumentar ou diminuir as bases para divergências políticas entre Senado e Câmara. Em outros termos, a configuração bicameral das coalizões montadas pelo governo pode reforçar ou mitigar os efeitos da incongruência nas interações do Senado com a Câmara. A propósito, o efeito da política de coalizões sobre a dinâmica das relações bicamerais não há de ser mera casualidade, ao contrário, deve ser o resultado de estratégias bem planejadas dos sucessivos chefes do Executivo para se entenderem com o Congresso. (ARAÚJO, 2012, p. 125- 126)

Em que pese o pensamento de Araújo (2012, p. 123), para quem é inegável “importância política do Senado brasileiro em face

Page 154: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

154 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

da estrutura bicameral vigente”, Silva adverte (2013, p. 513) que “A dogmática federalista firmou a tese da necessidade do Senado no Estado Federal como câmara representativa dos Estados federados”, adotada pelos constituintes de 1988, com a premissa de que os Senadores deveriam representar os interesses de seus Estados, o que não necessariamente ocorre:

O argumento da representação dos Estados pelo Senado se fundamentava na ideia, inicialmente implantada nos EUA, de que se formava de delegados próprios de cada Estado, pelos quais estes participavam das decisões federais. Há muito que isso não existe nos EUA e jamais existiu no Brasil, porque os Senadores são eleitos diretamente pelo povo, tal como os Deputados, por via de partidos políticos. Ora, a representação é partidária. Os Senadores integram a representação dos partidos tanto quanto os Deputados, e dá-se o caso não raro de os Senadores de um Estado, eleitos pelo povo, serem de partido adversário do Governador, portanto defenderem, no Senado, programa diverso deste; e como conciliar a tese da representação do Estado com situações como esta?

Nesse sentido Bulos (2012, p. 1084), para quem, “Na prática, o Senado em quase nada representa os Estados-membros; simplesmente funciona como uma espécie de segunda Câmara de representação popular”40. Daí porque Ferreira Filho (2012, p. 199)

40 O autor explica: “Eleitos por via de partidos, os senadores dificilmente respondem pelos interesses dos governos estaduais. É que a criação do Senado Federal brasileiro seguiu o modelo norte-americano. Nos EUA disseminou-se a idéia inicial de que as ordenações jurídicas parciais seriam representadas por delegados, os quais permitiram a participação dos Estados-membros nas decisões de âmbito federal. Tal concepção não

Page 155: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 155

reconhece que o Senado Federal constitui uma Câmara “com laivos de inspiração moderadora”, ressaltando que, “em razão da existência de partidos nacionais que dividem entre si as cadeiras nele existentes, na realidade dos fatos o Senado é bem menos uma Câmara de representação dos Estados que uma outra assembleia popular, de espírito mais conservador”.

4.2.2 Dos suplentes

Os Deputados Federais são eleitos “pelo sistema

proporcional” (caput do art. 45/ CF), enquanto os Senadores são “eleitos segundo o princípio majoritário” (caput do art.46/CF), com dois suplentes (§3º do art. 46/ CF). Para Altafin (2011),

O modelo atualmente em vigor tem recebido críticas dos próprios senadores. Essas críticas se devem ao fato de o eleitor votar no candidato a senador e depois ver um suplente, quase sempre desconhecido, assumir o lugar daquele que recebeu os votos. O número de suplentes na legislatura passada, que chegou a representar 20% das cadeiras no Senado, mostrou ser essa uma situação muito presente. Atualmente são dez os suplentes que exercem mandato na Casa.

No caso de Deputados Federais, está pacífico no Supremo Tribunal Federal- STF que a ordem dos suplentes observa a ordem de votação da coligação partidária, não bastando apenas pertencer ao

prosperou. No Brasil, muito menos. Os senadores são eleitos por partidos políticos, igualmente aos deputados. A representação, pois, é partidária. Tanto é assim que nada impede um candidato ao Senado ser de partido adverso ao do governador do Estado. Aliás, a experiência mostra que os eleitos, em inúmeros casos, fazem oposição aos próprios governos estaduais.” (BULOS, 2012, p. 1084)

Page 156: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

156 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

mesmo partido do substituído41. Já no âmbito do Poder Executivo, Presidente, Governadores e Prefeitos são eleitos com seus respectivos vices42.

Assim, na esfera do Poder Legislativo, apenas com relação aos Senadores existe a possibilidade do prévio conhecimento de quem substituirá ao titular nas hipóteses legalmente previstas, da mesma forma como dos ocupantes da Prefeitura, da Governadoria e da Presidência; nos demais Legislativos, a substituição do titular se dará conforme a ordem de votação.

4.3 DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

A Câmara dos Deputados é entendida “como órgão legislativo popular, na medida em que é formada por representantes do povo, eleitos pelo sistema de escrutínio proporcional, em número não inferior a 8 e superior a 70 membros por Estado ou Distrito Federal”, o que totaliza “513 Deputados Federais, para o mandato de quatro anos”. (MORAES, 2013, p. 403)

Suas atribuições estão fixadas no art. 51, embora atuem também conjuntamente com os Senadores nas matérias dos arts. 48 e 49, todos da Carta Política.

Nos Estados Unidos, o número de deputados não pode exceder 435, e deve representar proporcionalmente a população dos 50 Estados; disso resulta, por exemplo, que em 2015 Estados como Alaska, Montana, Delaware e o Distrito de Columbia tenham apenas um representante cada, Florida 27, Louisiana 6, Massachusetts 9, Michigan 14, New York 27 etc . 4.3.1 Da representação proporcional

41 Nesse sentido, pelo STF: MS nº 30.260/DF e MS nº 30.272/MG. 42 É previsão constitucional do art. 77, § 1º, que “A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado”.

Page 157: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 157

Dentro do sistema bicameral mantido pelos constituintes

de 1988, caberia ao Senado Federal a representação equitativa dos Estados-membros e do Distrito Federal, e na Câmara dos Deputados a representação populacional de cada Unidade da Federação no Parlamento.

Entretanto, a Câmara dos Deputados deve atentar-se, na sua composição, aos limites estabelecidos entre o mínimo de oito e o máximo de setenta deputados (art. 45, §1º, CF). Para Silva, “Essa regra que consta do art. 45, §1º, é fonte de graves distorções do sistema de representação proporcional”, pois

[...] com a fixação de um mínimo de oito Deputados e o máximo de setenta, não se encontrará meio de fazer uma proporção que atenda o princípio do voto com valor igual para todos, consubstanciado no art. 14, que é aplicação particular do princípio democrático da igualdade em direitos de todos perante a lei. É fácil ver que um Estado com quatrocentos mil habitantes terá oito representantes enquanto um de trinta milhões será apenas setenta, o que significa que um Deputado para cada cinquenta mil habitantes (1:50.000) para o primeiro e um para quatrocentos e vinte e oito mil e quinhentos e setenta e um habitantes para o segundo (1:428.571). Em qualquer matemática, isso não é proporção, mas brutal desproporção [...]. (2013, p. 512-513)

Essa desproporcionalidade tem sido acentuada ao longo dos Textos constitucionais republicanos. Em 1891, a Constituição fixava que “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria” (art. 28), “em proporção que não excederá de um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por Estado” (art. 28, §1º).

Page 158: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

158 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Na Constituição de 1934, foi assentado que os eleitos deveriam representar, proporcionalmente, a população dos Estados e do Distrito Federal, “não podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o máximo de vinte, e deste limite para cima, de um por 250 mil habitantes” (art. 23, §1º). Em 1937, a Carta Magna estabeleceu que “O número de Deputados por Estado será proporcional à população e fixado por lei, não podendo ser superior a dez nem inferior a três por Estado” (art. 48), o que perdurou até o advento da Lei Constitucional nº 9, de 1945, que modificou aqueles limites para um mínimo de cinco e um máximo de trinta e cinco. Na Constituição de 1946, ficou dito que “O número de Deputados será fixado por lei, em proporção

que não exceda um para cada cento e cinquenta mil habitantes até vinte Deputados, e, além desse limite, um para cada duzentos e

cinquenta mil habitantes” (art. 58), que com o advento da Emenda Constitucional nº 17, de 1965, teve a parte final do dispositivo alterada para que a proporcionalidade “não exceda de um para cada

trezentos mil habitantes, até vinte e cinco Deputados, e, além desse limite, um para cada quinhentos mil habitantes”. Em 1967, a Lei Maior determinou que a quantidade de Deputados obedecesse a “proporção que não exceda de um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco Deputados, e, além desse limite, um para cada milhão de habitantes” (art. 41, §2º). Com o novo Texto Constitucional em 1969, a quantidade de parlamentares na Câmara Federal passou a ser calculada conforme faixas preestabelecidas: (i) “até cem mil eleitores, três deputados” (art. 39, §2º, “a”); (ii) “de cem mil e um a três milhões de eleitores, mais um deputado para cada

grupo de cem mil ou fração superior a cinquenta mil” (art. 39, §2º, “b”); (iii) “de três milhões e um a seis milhões de eleitores, mais um deputado para cada grupo de trezentos mil ou fração superior a

cento e cinquenta mil”; e (iv) “além de seis milhões de eleitores, mais um deputado para cada grupo de quinhentos mil ou fração

superior a duzentos e cinquenta mil”; posteriormente, a Emenda Constitucional nº 8, de 1977, estabeleceu que “nenhum Estado tenha

Page 159: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 159

mais de cinquenta e cinco ou menos de seis deputados”, o que novamente foi alterado pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982, “para que nenhum Estado tenha mais de sessenta ou menos de oito deputados”. Os constituintes de 1988 apenas ampliaram o teto para setenta Deputados, sem corrigir efetivamente qualquer desproporção.

Tomando por base dados do IBGE de 2007, a somatória da população dos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro ultrapassa 50% da brasileira. Todavia, esses Estados ocupam apenas 18 vagas no Senado Federal, restando as outras 63 para outras unidades da Federação; tampouco a questão se resolve pela quantidade de assentos na Câmara dos Deputados, porque enquanto os Estados mencionados ocupam 246 cadeiras, os demais, que representam menos que a metade da população brasileira, possuem 267 lugares.

A desproporção fica mais flagrante quando tomados os dados populacionais do Estado de São Paulo, que em 2007 possuía 39,838 milhões de habitantes e representação no Congresso Nacional de 70 Deputados Federais e 3 Senadores. Somadas as populações dos sete Estados das regiões norte e dos três do centro oeste, mais a do Distrito Federal, perfaziam 27,789 milhões de habitantes, mas estavam representadas no Congresso Nacional com 106 Deputados Federais e 33 Senadores.

4.4 DAS EMENDAS AO ORÇAMENTO

Hodiernamente, conforme consta no endereço eletrônico

do Senado Federal, existem quatro tipos possíveis de emendas apresentadas ao orçamento da União: as individuais, de autoria de cada Senador ou Deputado; as de bancada, sejam estaduais ou regionais; as de comissões técnicas, sejam da Câmara ou do Senado; e as de relatorias, apresentadas pelas Mesas Diretoras, sejam do Senado ou da Câmara.

Page 160: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

160 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A atual Constituição “resgatou a possibilidade de apresentação de emendas individuais ao projeto de lei orçamentária anual”, ao contrário da anterior, onde “somente os órgãos colegiados tinham essa prerrogativa”, leciona Túlio Cambraia, (2011, p. 1), que arremata:

As emendas individuais podem desempenhar importante papel na distribuição das receitas públicas, uma vez que procuram satisfazer os pedidos de verba elaborados por autoridades locais, nas quais os parlamentares estão politicamente vinculados. Elas procuram reduzir o desequilíbrio entre as receitas dos entes da Federação e as despesas necessárias para cumprir suas atribuições a fim de atender os anseios da população. No que tange ao aspecto político, por seu turno, elas representam uma maneira de renovar os relacionamentos políticos dos parlamentares com suas bases. (CAMBRAIA, 2011, p. 30)

Daí porque feliz a síntese de Roberto Macedo (2015), para quem

As emendas [...] são as apresentadas por parlamentares federais ao orçamento que o Poder Executivo envia anualmente ao Congresso Nacional. Seu principal objetivo? Agradar à base eleitoral de suas excelências nos Estados e municípios de origem, de olho na reeleição e, em qualquer caso, no aumento do prestígio político pessoal. No discurso, o propósito é trazer benefícios para comunidades carentes de serviços públicos.

Na verdade, “As emendas parlamentares são um dos pontos mais sensíveis na relação entre o Congresso e o Executivo”, porque “A liberação das verbas é usada como moeda de troca, pelos dois lados, especialmente em meio a votações de projetos

Page 161: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 161

estratégicos”, de modo que “O governo, não só a atual gestão, quase sempre usou a liberação extra de emendas em momentos de votações importantes para garantir apoio a matérias de seu interesse” (FALCÃO; BRAGON, 2015).

Como salientam Figueiredo e Limongi (2005, p. 739), O Executivo precisa de votos dos parlamentares, mas não disporia dos meios para obtê-los. [...] como o presidente controla a execução orçamentária, o Executivo poderia trocar os recursos que os parlamentares querem levar às suas bases eleitorais pelos votos que necessita para aprovar sua agenda. A liberação de recursos do orçamento, portanto, seria o meio utilizado pelo Executivo para obter apoio dos parlamentares.

5. CONCLUSÃO

Constitui a República um Estado Democrático de Direito, no

qual o poder que legitima a atuação estatal emana do povo, conforme estabelecido pelos constituintes de 1988. Entretanto, a ideia de soberania popular, presente desde a primeira constituição republicana, inúmeras vezes restou deturpada pela adoção de um sentido restritivo ao conceito de democracia que, nos termos da melhor doutrina, não deve se contentar tão só com a forma adotada pelos exercentes do poder político, mas sim pelo conteúdo de suas ações, de modo que nem mesmo a maioria possa se sobrepor aos princípios que devem embasar a atuação estatal; dito de outro modo, democracia, e consequentemente a supremacia do poder popular, importam na prevalência invencível dos princípios constitucionais que fundamentam o atuar do Estado.

A democracia brasileira, entretanto, enfrenta uma aparente contradição, porque partidos políticos e Congresso Nacional, expoentes máximos do Estado Democrático de Direito, são mal

Page 162: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

162 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

avaliados em pesquisas de opinião pública. A contradição é apenas aparente, porque ambos, na verdade, representam a ideia de uma elite dirigente, interessada na defesa dos próprios interesses, os quais não se confundem com os interesses do povo, verdadeiro titular do poder estatal.

A própria ideia de Federação constitui um engodo. Nela, os Entes que a compõem devem possuir autonomia, para que possam gerir suas atividades sem dependência do poder central. Entretanto, o atual modelo permite que os congressistas, por meio de emendas orçamentárias, privilegiem seus redutos eleitorais.

O Poder Legislativo de todos os Entes da Federação consome vultosos recursos do erário, pois não é crível que um edil de Vitória, de Aracaju ou de Boa Vista produza mais que um parlamentar espanhol; que um deputado estadual de Goiás, de Rondônia ou do Ceará produza mais que um parlamentar alemão; ou mesmo que um membro do Congresso Nacional brasileiro produza quase quatro vezes mais que um membro do Parlamento francês. O Senado Federal, com 81 membros, consome do erário mais que o Estado alemão com seus 614 parlamentares.

Na Câmara dos Deputados, deveria a população brasileira estar proporcionalmente representada, porque no Senado Federal cada Estado Membro e Distrito Federal possuem três representantes cada. Entretanto, a própria Constituição (art. 45 §1º) dispõe que a representação mínima é de 8 Deputados Federais e a máxima de 70 por unidade da Federação, resultando que o voto de um cidadão de Estado menos populoso tenha mais valor que o de outro cidadão de Estado mais populoso, o que viola a própria ideia do bicameralismo. E, pior, resulta na constituição de uma Câmara dos Deputados que não representa a maioria da população brasileira.

Somada à eivada formação da Câmara dos Deputados a composição do Senado Federal, com três representantes por Estado Membro e do Distrito Federal, o resultado é um Congresso Nacional de questionável legitimidade, cuja maioria não reflete o majoritário

Page 163: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 163

pensamento da população; constitui exemplo, o Parlamento brasileiro, do que denomina Ferrajoli (2006, p. 8) “conceito formal de democracia”. Dito de outro modo, é maioria no Congresso Nacional a minoria da população: no Senado Federal, a representação é paritária, e na Câmara dos Deputados, os Estados mais populosos estão sujeitos ao limite de 70 parlamentares, enquanto os menos populosos tem garantido o mínimo de 8.

Dessarte, é necessária a reformação do Poder Legislativo da União.

Se a República constitui uma Federação, é indispensável que haja representação proporcional real na Câmara dos Deputados, e não fictícia, como hodiernamente, pena de não gozar da legitimidade necessária para a consumação do seu objetivo fundamental, legislar.

Já o Senado Federal, com três representantes por Estado Membro e Distrito Federal, eleitos com seus respectivos suplentes, constitui, nos dias atuais, um ranço inconcebível e desnecessário; inconcebível, porque a autonomia dos Entes Federativos é assegurada pela Constituição, e por não haver de se falar em representantes dos Estados Membros e do Distrito Federal quando todos, quaisquer parlamentares, são eleitos pelo voto popular, de sorte que, também os Senadores, são representantes do povo; desnecessário, porque mesmo aos Estados com diminuta população deve ser assegurada proporcional representação no Parlamento e, num Estado Democrático de Direito, como pretendido pelos constituintes de 1988, democracia deve ser compreendida em seu conceito substancial, como aponta Ferrajoli (2006, p. 8), de sorte que nenhuma maioria, ainda que unânime, possa violar ou deixar de satisfazer os direitos de liberdade e sociais fixados no Texto Constitucional, o que afasta a necessidade da existência de uma Casa Legislativa que almeje representar os Entes Federativos.

Destarte, a reforma do sistema político reclama, pois, a proemial reestruturação do Poder Legislativo Federal, para que suas

Page 164: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

164 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

deliberações reflitam a vontade da maioria da população brasileira. Nesse diapasão, temas como reeleição, financiamento de campanhas, cláusula de barreira e coligações, embora de inegável relevância social, não podem anteceder a imprescindível legitimação do Poder estatal incumbido de legislar.

A evolução do direito constitucional, de constitucionalismo democrático, como aponta Barroso (2013, p. 288-289), permite a extração direta do Texto Constitucional da força dos seus princípios. Daí a proeminência inconteste da máxima de que a titularidade do Poder do Estado cabe ao povo, e não à elite dirigente, ou melhor, aos que se arvoram das instituições que deveriam constituir o elo entre os cidadãos e o Estado, desviando-as de suas relevantes atribuições.

Apenas um Parlamento legítimo, que reflita o conceito substancial de democracia, pode atrair a confiança da população e, consequentemente, implementar outras reformas políticas. Antes, contudo, é imprescindível buscar essa legitimidade, enfrentando temas como a quantidade de congressistas, as atribuições dos parlamentares, os valores despendidos ao trabalho parlamentar, a representação dos Entes Federativos no Congresso e o sistema bicameral.

REFERÊNCIAS

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. ALTAFIN, Iara Guimarães. Senado Federal. Suplência de senador deve mobilizar primeiro debate da reforma política. 4 mar. 2011. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/noticias/Especiais/reformapolitica/noticias/suplncia-de-senador-deve-mobilizar-primeiro-debate-da-reforma-politica.aspx>. Acesso em: 14 fev. 2015. ARAÚJO, Paulo Magalhães. O bicameralismo no Brasil: argumentos sobre a importância do Senado na análise do processo decisório federal. Política e Sociedade, v. 11, nº 21. Florianópolis: UFSC, jul.

Page 165: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 165

2012, p. 83- 135. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2012v11n21p83/22663>. Acesso em: 16 fev. 2015. BACHRACH, Peter. Crítica de la Teoría Elitista de la Democracia. Buenos Aires: Amorrortu, 1967. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. BINENBOJM, Gustavo. Duzentos Anos de Jurisdição Constitucional: as lições de Malbury v. Madison. Curitiba: Juruá, 2006, Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional- anais do IX Congresso Ibero-americano de Direito Constitucional e VII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, vol. 10. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. In MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Câmara dos Deputados. O Papel da Câmara dos Deputados. Número de Deputados por Estado. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca>. Acesso em: 28 set. 2014. _____. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 23 jul. 2014. _____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>. Acesso em: 23 jul. 2014. _____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67EMC69.htm>. Acesso em: 23 jul.2014.

Page 166: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

166 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

_____. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao46.htm>. Acesso em: 01 dez. 2014. _____. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 01 dez. 2014. _____.Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao34.htm>. Acesso em: 01 dez. 2014. _____. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 01 dez. 2014. _____. Constituição Federal de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 16 jul. 2014. _____. IBGE. População residente, em 1º de abril de 2007, segundo as unidades da federação Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/populacao_ufs_05102007.pdf>. Acesso em: 28 set. 2014. _____. IBGE. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/>. Acesso em: 08 set. 2014. _____. Senado Federal. Emendas ao orçamento. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/emendas-ao-orcamento>. Acesso em: 18 fev. 2015. _____. STF, MS nº 30.260/DF; rel. Min. Cármen Lúcia; Pleno; por maioria; j. 27.04.2011; p. DJe 30.08.2011. Disponível em: <

Page 167: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 167

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1409030>. Acesso em: 17 fev. 2015. _____. STF; MS nº 30.272/MG; rel. Min. Cármen Lúcia; Pleno; por maioria; j. 27.04.2011; p. DJe 30.08.2011. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1408816>. Acesso em: 17 fev. 2015. _____. STF. Sétimo embargos infringentes na AP nº 470/MG. Rel. Min. Luiz Fux (rel. p/ acórdão Min. Luiz Roberto Barroso), Pleno, por maioria, j. 27/02/2014, p. Dje 06/03/2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6555591>. Acesso em: 09 set. 2014. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. CAMBRAIA, Túlio. Emendas ao Projeto de Lei Orçamentária Anual: Algumas Distorções. 2011. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/orcamentouniao/estudos/2011/artigo022011.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2015. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013. DATAFOLHA. Jornal Folha de São Paulo, edição: 11 mai. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/05/1452545-rejeicao-ao-voto-obrigatorio-sobe-para-61-do-eleitorado.shtml>. Acesso em: 14 set. 2014. DIAP. Radiografia do Novo Congresso- legislatura 2015- 2019. ed. 6, ano VI. Brasília: DIAP, 2014. Disponível em: < http://www.diap.org.br/index.php?option=com_jdownloads&Itemid=217&view=finish&cid=2883&catid=41>. Acesso em: 14 fev. 2015. EUA. House of Representatives. Disponível em: < http://www.house.gov/representatives/#state_or >. Acesso em: 03 mar. 2015.

Page 168: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

168 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

FALCÃO, Márcio; BRAGON, Ranier. Governo será obrigado a liberar verba a obras sugeridas por parlamentares. Folha de São Paulo, 11 fev. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/02/1588214-governo-sera-obrigado-a-liberar-verba-a-obras-sugeridas-por-parlamentares.shtml>. Acesso em: 21 fev. 2015. FERRAJOLI, Luigi. El paradigma de la democracia constitucional: democracia sustancial y garantías de los derechos fundamentales. Revista Jurídica de Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de Lomas de Zamora, nº 2, junio de 2006. Disponível em: < http://www.derecho.unlz.edu.ar/ventanas_2012/Revista%20juridica%202.pdf >. Acesso em: 20 jan. 2015. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A Democracia Possível. São Paulo: Saraiva, 1972. _____. Curso de Direito Constitucional. 38ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013. FIGUEIREDO, Argelina Maria Cheibub. LIMONGI, Fernando. Processo Orçamentário e Comportamento Legislativo: Emendas Individuais, Apoio Executivo e Programas de Governo. Dados Revista de Ciências Sociais, vol.46, n°.4. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2005, p. 737- 776. GOIS, Chico de; PEREIRA, Paulo Celso. Sociedade e Congresso discutem quatro propostas de reforma política. O Globo. Publicado em 01 nov. 2014. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/sociedade-congresso-discutem-quatro-propostas-de-reforma-politica-14439623>. Acesso em: 19 fev. 2015 GRIPP, Alan. Retrospectiva: Manifestações não foram pelos 20 centavos. Folha de São Paulo, 27 dez. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/12/1390207-manifestacoes-nao-foram-pelos-20-centavos.shtml>. Acesso em: 16 fev. 2015.

Page 169: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 169

GURGEL, José Alfredo Amaral. Segurança e democracia. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1975. HARO, Ricardo. Elecciones primarias abiertas- Aportes para una mayordemocratizacióndel sistema político, Revista de Estudios Políticos, nº 78, Octubre/Diciembre 1992. Disponível em: < http://www.cepc.gob.es/publicaciones/revistas/revistaselectronicas?IDR=3&IDN=235&IDA=16777 >. Acesso em: 11 set. 2014. IBOPE. Cai a confiança dos brasileiros nas instituições. Ago. 2013. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/cai-a-confianca-dos-brasileiros-nas-instituicoes-.aspx >. Acesso em: 12 set. 2014. LASSANCE, Antônio. Voto é como vacina: tem que ser obrigatório. Carta Maior. Disponível em: < http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Voto-e-como-vacina-tem-que-ser-obrigatorio/29862>. Acesso em: 15 fev. 2015. MACEDO, Roberto. Porcas Emendas Parlamentares III. O Estado de São Paulo, 19 fev. 2015. Disponível em: <http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,porcas-emendas-parlamentares-iii-imp-,1636334>. Acesso em: 22 fev. 2015. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. MELO, Carlos Ranulfo. Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária na Câmara dos Deputados (1985- 2002). Belo Horizonte: UFMG, 2004. MENDES, Gilmar Ferreira. In MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MENDES, Marcos. O gasto do Congresso Nacional em Perspectiva Internacional. Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal. Textos para discussão nº 65, nov. 2009. Disponível em: < http://www12.senado.gov.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-65-o-gasto-do-congresso-nacional-em-perspectiva-internacional >. Acesso em: 15 fev. 2015.

Page 170: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

170 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

MOISÉS, José Álvaro. A desconfiança Política e os Impactos na Qualidade da Democracia. In: MOISÉS, José Álvaro, e MENEGUELLO, Rachel (orgs.). São Paulo: Edusp, 2013. MORAES, Peña de. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. OLIVEIRA, Luzia Helena Herrmann de. Voto obrigatório e eqüidade: um estudo de caso. São Paulo em Perspectiva, v. 13, nº 4, out./ dez. 1999. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-88391999000400016&script=sci_arttext >. Acesso em: 15 fev. 2015. POLÍZIO JÚNIOR, Vladimir. Os partidos políticos e o moderno constitucionalismo: a imprescindível incidência dos princípios constitucionais para a transformação das agremiações no século XXI. In FREITAS FILHO, Roberto e BIJOS, Leila Maria de Juda (Orgs.). Sistema Político. Brasília: IDP, 2014, p. 89- 115. Disponível em: < http://www.idp.edu.br/publicacoes/portal-de-ebooks>. Acesso em: 12 fev. 2015. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. TRANSPARÊNCIA BRASIL. Congresso brasileiro é o que mais pesa no bolso da população na comparação com os Parlamentos de onze países. Disponível em: <http://www.transparencia.org.br/docs/parlamentos.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2015.

Page 171: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 171

A TUTELA DA EVIDÊNCIA NO NOVO CPC

Fernanda Trentin43 Sabrina Silva44

Resumo: O presente artigo pretende analisar, de forma não exaustiva, a tutela da evidência, nos moldes do projeto de lei que alterou o Código de Processo Civil brasileiro de 1973. A partir de março de 2016, o novo código entrará em vigor, introduzindo, entrou outras novidades, a busca pela efetivação do princípio constitucional da razoável duração do processo. Nesse sentido, a tutela da evidência é uma das alterações mais interessantes, pois para sua concessão, não é necessário o preenchimento dos requisitos inerente ao instituto da tutela antecipada, prevista no código em vigor atualmente. Para sua concessão, no entanto, serão verificados os requisitos previstos na nova lei, quais sejam, que a matéria em discutida seja unicamente de direito e que haja jurisprudência firmada em julgamento de recursos repetitivos, de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante. Palavras-chave: Tutela da evidência; Reforma Código de Processo Civil.

PROTECTION OF EVIDENCE IN THE NEW CPC Abstract: This article analyzes, but not limited to, the protection of evidence, along the lines of the bill amending the Civil Procedure Code Brazilian 1973. From March 2016, the new code will come into

43 Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora do curso de Direito da Unoesc, Campus de São Miguel do Oeste, Pinhalzinho e Maravilha. 44 Acadêmica do 9º período do Curso de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Campus de São Miguel do Oeste.

Page 172: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

172 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

force, introducing entered other news, the quest for realization of the constitutional principle of reasonable duration of the process. In this sense, the protection of evidence is one of the most interesting changes as to its concession, it is not necessary to satisfy the conditions inherent in the preliminary injunction institute referred to in code now in force. For their concession, however, the requirements of the new law will be checked, namely, that the matter be discussed only right and that there is jurisprudence set in trial of repetitive resources, solving incident repetitive demands or binding precedent. Keywords: Protection of evidence; Reform Code of Civil Procedure. Introdução

Foi aprovado o projeto para reforma do Código de Processo Civil brasileiro, cuja vacatio legis já se encontra em andamento, de forma que o novo Código entrará em vigor no início de 2016.

Entre outros objetivos da alteração do Código, está a busca pela efetivação do princípio constitucional da razoável duração do processo, posto que a relação direito versus tempo está entrando em colapso.

O atual Código de Processo Civil brasileiro, datado de 1973, carece de atualizações e adequações em diversos institutos, de modo que o projeto de novo CPC observou algumas dessas necessidades, visando implementar inclusive algumas situações que já são aplicadas pelos juízes, embora sem legislação específica. Busca-se, com o novo Código, a desburocratização do processo civil, com a transformação de alguns procedimentos em meros pedidos, sem necessidade de apensamento de processos e outros requisitos formais até então exigidos por lei.

No que se refere especificamente ao tema da pesquisa, qual seja, a tutela de evidência, mostra-se necessária sua abordagem,

Page 173: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 173

para compreensão de eventuais modificações que serão trazidas com o Código em questão.

Nesse sentido, a presente pesquisa busca investigar quais as novidades implementadas pelo novo Código no que tange à tutela da evidência.

A resposta de tal questionamento demonstrará o surgimento de novas possibilidades para efetivação de direitos, através de mecanismos mais céleres, sendo necessário, muitas vezes, que o juiz abra mão de certo grau de segurança, para concessão das medidas pleiteadas. Tal situação, diante do cenário jurídico atual, mostra-se inovador, razão pela qual se justifica o estudo, ainda, das motivações que levaram o legislador a procurar a aprovação de tais medidas.

2 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Previsto como um dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, explícito no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988, a razoável duração do processo está entre os princípios constitucionais, tendo sido introduzido pela Emenda Constitucional 45/04 com o fito de buscar a celeridade processual, garantindo ao demandante o acesso à justiça em um período de tempo razoável, como o próprio nome induz a pensar.

Arenhardt e Marinoni (2008) destacam que as bases da teoria do processo são o dever estatal de tutelar direitos, no sentido de que cabe ao Estado proteger mas também efetivar, deixando de ser apenas uma proclamação retórica.

Interessante a observação de Santos acerca do tema: Decorre como raciocínio lógico, que o Estado como detentor da jurisdição deve se utilizar dos princípios da celeridade e da tempestividade proporcionados através da aplicação das tutelas de urgência, incluímos a inibitória e a de remoção do ilícito, e da tutela da evidência, porque são pressupostos e condições essenciais

Page 174: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

174 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

ao alcance da efetividade da prestação jurisdicional nas situações de direito substancial que reclamem, respectivamente, urgência na tutela ou que revelem a evidência do direito subjetivo alegado em risco. (SOUZA, 2014)

Nesse sentido, necessário se faz observar que o atual texto do Código de Processo Civil não vem garantindo este direito, eis que, ora por excesso de burocracia, ora por excesso de demanda, os processos têm demorado demasiadamente para chegar ao fim. Há que se salientar que no bojo do referido Código há disposições sobre as tutelas de urgência, de forma que seria possível, caso a letra da lei fosse prezada, a garantia prevista no artigo supracitado.

Ainda assim, algumas alterações merecem ser introduzidas, enquanto outras já foram criadas, em benefício do cidadão, para buscar a celeridade processual, tal como o deferimento da tutela antecipada, cuja alteração se deu, por obra do Ilustre doutrinador Ouvídio Baptista, por ocasião da criação do instituto, em vigor há pouco mais de duas décadas.

Sobre o assunto, Melo Filho (2014) destaca que o Poder Judiciário encontra-se entre uma das mais graves crises, em virtude da demora na pacificação de conflitos, o que proporcionaria danos ao cidadão que necessita do Estado para socorrer-se de seus problemas. Nesse sentido, destaca que

No intuito de minimizar os efeitos desse mal, a Emenda Constitucional de nº 45, aprovada no ano de 2004, provocou uma série de modificações na estrutura do Poder Judiciário. Entre elas, uma em especial viria para atender ao clamor da sociedade por uma prestação jurisdicional célere, numa típica adaptação das normas jurídicas aos anseios sociais. Trata-se da inserção do inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal, que traz em seu bojo o princípio da razoável duração processual. Rege tal princípio que “a todos, no âmbito judicial e

Page 175: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 175

administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Em que pese a inovação constitucional, o texto infraconstitucional e as experiências forenses perceberam ainda a manutenção de outras necessidades, em busca da efetivação do princípio em comento. Nesse sentido, desde 2010, tramita o Projeto 8.046/10, que visa alterar o Código de Processo Civil vigente, dando novo olhar a diversos institutos, voltando-se, entre outros assuntos, para a busca pela celeridade processual.

A exposição de motivos do novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em março de 2015, demonstra preocupação em continuar harmonizando a lei às atuais necessidades da população, o que vem se observando com a boa receptividade das inovações do atual código, implementadas na década de 90.

Os resultados positivos gerados pelas alterações alhures mencionadas, reforçam a necessidade de continuar alterando aqueles mecanismos que, com o passar do tempo, mostraram-se inócuos.

Note-se que uma das principais linhas de trabalho na elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil foi a de resolver problemas, no sentido de trazer as mudanças reclamadas pela comunidade jurídica.

No que se refere às tutelas de urgência, observa-se que Adotou-se a regra no sentido de que basta à parte a demonstração do fumus boni iuris e do perigo de ineficácia da prestação jurisdicional para que a providência pleiteada deva ser deferida. Disciplina-se também a tutela sumária que visa a proteger o direito evidente, independentemente de periculum in mora. (BRASIL, 2014)

Aqui já é possível perceber as modificações trazidas. De acordo com o novo Código, o Poder Judiciário poderá tutelar de

Page 176: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

176 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

forma rápida em situações onde não há risco de ineficácia, mas em situações em que não há razão para que a tutela seja concedida apenas no final do processo.

Assim, as tutelas de urgência e evidência aparecem na parte geral do novo Código, fazendo desaparecer o livro das Ações Cautelares, por não serem mais úteis em face das novidades trazidas. E os juristas arrematam, observando que “as opões procedimentais acima descritas exemplificam sobremaneira a concessão da tutela cautelar ou antecipatória, do ponto de vista procedimental.”

Resta então, analisar, a seguir, qual a atual disposição do assunto no Código vigente, bem como será a nova estrutura do Código, que trará como título IV, a “Tutela de urgência e tutela da evidência”.

3 TUTELAS DE URGÊNCIA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973

A discussão sobre a necessidade de evitar o perigo da demora em processos comuns já era objeto de discussão antes do Código de Processo Civil em vigor atualmente. (CALAMANDREI, apud THEODORO JR., 2002)

Isso porque o processo, sempre moroso, deixa por vezes de preservar os bens envolvidos no litígio, criando-se a necessidade de legislar acerca de um procedimento que pudesse satisfazer o resultado prático em situações como esta.

A tutela de urgência é gênero, da qual são espécies a tutela antecipada, que necessita do requisito do perigo da demora e a tutela cautelar. De acordo com Marinoni (2008, p. 68), existe aí uma zona de penumbra, pois os operadores do direito sentem-se com os pensamentos embaralhados para diferenciar uma da outra.

Acerca das cautelares, conforme Theodoro Jr. (2002), construiu-se basicamente a sua teoria, de forma de tutela de urgência para garantir o resultado de outro processo, que estivesse correndo o risco da demora.

Page 177: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 177

Sobre a teoria da tutela cautelar, Marinoni (2008, p. 22) destaca:

A tutela cautelar é direito da parte, correlacionada com o próprio direito à tutela do direito. Em razão deste direito, a jurisdição tem o dever de dar tutela cautelar à parte que tem o seu direito à tutela submetido a perigo de dano.

Não suficiente, no entanto, para resolver a necessidade de tutela preventiva, quando fosse possível e necessário efetivar providências de mérito em caráter de urgência, passando-se a exigir do legislador uma ampliação das medidas provisórias e urgentes.

Assim, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro, com influência de diversas legislações estrangeiras, a possibilidade de utilizar medidas de urgência para antecipar efeitos da sentença, com objetivo de “outorgarem às partes litigantes um processo caracterizado pela “efetividade” e “tempestividade da tutela””. (THEODORO JR., 2002, p. 436)

Silva (1993) destaca a contribuição de elementos sociais e históricos para efetivação dos instrumentos então destacados:

Fenômenos sociais e históricos contribuíram para essa mudança de perspectiva, mas igualmente fatores normativos, de enorme importância, associaram-se aos primeiros para exacerbar a busca das formas de tutela urgente. Dentre os primeiros, basta recordar o processo de modernização da sociedade brasileira, com o crescente e acelerado desenvolvimento das comunidades urbanas e o correlativo surgimento de uma sociedade de ‘massa’, em constante processo de mudança social, a exigir instrumentos jurisdicionais adequados e efetivos, capazes de atender às aspirações de uma sociedade moderna e democrática. (SILVA, 1993, p. 14)

Page 178: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

178 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Conforme o autor, o processo de modernização trouxe perturbação à sociedade, cujas inquietações fizeram surgir lides que anteriormente não apareciam nas portas do Poder Judiciário. (SILVA, 1993)

Desta forma, o atual CPC, que estará em vigor até março de 2015, trouxe as tutelas de urgência, que constituem instrumentos para proporcionar maior rapidez no desenrolar processual, a partir da utilização de medidas cautelares ou inclusive antecipando os efeitos da tutela, conforme visto acima. Ele visa a concretização de alguns princípios basilares da ordem processual pátria, tais como a celeridade, eficiência e segurança, traz a tutela antecipatória e cautelar.

O objetivo maior foi o de resguardar o objeto do litígio, para garantia da segurança jurídica, com resposta ao conflito em tempo razoável, em consonância com o texto constitucional. (RICARTE, 2014)

As tutelas cautelares encontram previsão no ordenamento processual por força do art. 5°, XXXV e LIV, da CF/88, que dispõe que a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito, bem como que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, respectivamente.

A tutela cautelar está inserida no Código de Processo Civil, no art. 796 e artigos seguintes, constituindo um trâmite especial, baseado em garantir o resultado prático do processo em desenvolvimento ou preservar o objeto da lide.

Por sua vez, a tutela antecipatória, ou antecipada, encontra-se prevista no art. 273 do CPC, e visa o julgamento antecipado da lide, propiciando a fruição imediata do direito postulado, com fulcro em prova inequívoca que confira verossimilhança.

As diferenças entre uma e outra, no entanto, são observadas por Marinoni (2008), que ensina que ambas se confundem quando se frisa a característica da provisioriedade.

Page 179: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 179

Porém, este elemento serve para caracterizar decisões que concedem a tutela no curso do processo, mas não a tutela em si.

Fredie Didier (2002) demonstra a distinção entre a cautelar e a tutela antecipada:

Sob essa perspectiva, somente a tutela antecipada pode ser satisfativa e atributiva, quando antecipa provisoriamente a satisfação de uma pretensão cognitiva e/ou executiva, atribuindo bem da vida. Já a tutela cautelar é sempre não-satisfativa e conservativa, pois se limita a assegurar a futura satisfação de uma pretensão cognitiva ou executiva, conservando bem da vida, embora possa ser tutelada antecipadamente.”

Desta forma, observadas essas nuances, cabe observar que cada uma das medidas produzem efeitos em esferas diferentes. 3.1 A TUTELA ANTECIPADA

No presente tópico serão abordados o conceito e os requisitos para a concessão da tutela antecipatória de mérito, previsto no Código de Processo Civil em seu artigo 273. 3.1.1 Conceito A tutela jurisdicional prestada pelo Estado pode ser concedida de maneira definitiva ou de maneira provisória. Aquela reverencia, principalmente, o princípio da segurança jurídica, de modo que somente será auferida após profundo debate sobre o objeto do processo, garantido o contraditório, a ampla-defesa e o devido processo legal. Ela é predisposta a ocasionar resultados imutáveis, através da coisa julgada material. Entretanto, apesar de priorizar a segurança jurídica, a concessão dessa tutela pode se tornar demasiadamente lenta, o que acabaria ocasionando risco ao processo e a realização do direito afirmado (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2009). De outro norte, a tutela provisória dá eficácia imediata à tutela definitiva, permitindo seu instantâneo gozo. Em razão de sua

Page 180: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

180 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

provisoriedade é que há a necessidade de ser substituída, posteriormente, por uma tutela definitiva, que a confirme, a revogue, ou a modifique. Essa tutela tem duas características basilares, quais sejam: ser fundada em uma cognição sumária, onde o objeto da causa é analisado de maneira superficial, o que conduz o magistrado a um juízo de probabilidade; e a precariedade, visto que pode ser revogada ou modificada por uma decisão fundamentada a qualquer momento, desde que haja uma alteração do estado de fato ou do estado de prova, quando, na fase de instrução, fique demonstrado fato que não corresponda àqueles que possibilitaram a concessão da tutela. Assim, em razão de sua precariedade e sumariedade, a tutela provisória é inapta para se incorporar com a coisa julgada material (THEODORO JÚNIOR, 2014). Desse modo, verifica-se que a tutela provisória é, por excelência, a tutela antecipada (satisfativa), visto que adianta os efeitos da tutela definitiva, satisfazendo o direito material pleiteado.

A antecipação da tutela pretendida pela parte, a qual, como regra, só deveria ser concedida ao fim do processo, consiste em um fenômeno com raízes nitidamente constitucionais, já que para que o princípio da inafastabilidade da jurisdição seja aplicado, é necessário que a tutela seja eficaz e efetiva.

Dessa sorte, a tutela antecipada tem a função de possibilitar uma prestação jurisdicional oportuna, adequada e efetiva. Pensando assim, verifica-se que garantir uma tutela inefetiva e ineficaz é o mesmo que não prestar tutela alguma (WAMBIER; TALAMINI, 2014, p. 414).

Antes mesmo da reforma que introduziu a tutela antecipada no Código de Processo Civil, através da Lei n. 8.952/94, já se percebia uma preocupação na consciência jurídica em torno da necessidade de evitar o perigo de a demora do processo comum transformá-lo em providência inútil para cumprimento de sua função natural de

Page 181: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 181

instrumento de atuação e defesa do direito subjetivo matéria da parte vencedora (THEODORO JÚNIOR, 2013, p. 682).

A fim de haver uma medida mais eficaz que a cautelar, que possibilitasse antecipar, na medida do necessário, as providências de mérito, sem as quais poderiam acarretar um quadro de denegação de justiça em razão de sua tardia solução é que foi introduzida essa nova tutela no ordenamento jurídico brasileiro.

Dessarte, com o intuito de superar a morosidade jurisdicional, e tornar a prestação jurisdicional tempestiva, de modo que a justiça se tornasse efetiva e eficaz, foi sancionada referida lei, incumbida de construir uma ampla e bem estruturada antecipação provisória de tutela satisfativa.

Frisa-se que as alterações do Código de Processo Civil de 1973 advindas pela reforma de 94 envolveram certo risco. Isso porque havia a possibilidade de ocorrer injustiças ocasionadas pela nova antecipação de tutela. Entretanto, o risco de injustiças decorridas de uma resposta jurisdicional intempestiva foi considerado maior(WAMBIER; TALAMINI, 2014).

Desse modo, o artigo 273 do CPC possibilita, nas hipóteses nele apontadas e desde que cumpridos seus requisitos, que o magistrado conceda provisoriamente à parte, seja autor ou réu – este em caso de ação dúplice -, a solução definitiva pretendida no processo principal, a fim de que a longa tramitação processual não prejudique o direito material almejado. Essa providência pode ocorrer a qualquer tempo do curso do processo, até mesmo in limine litis, porém só poderá ser conferida dentro do feito principal, visto que não é uma ação autônoma (THEODORO JÚNIOR, 2013).

Assim, a tutela antecipada ocorre quando o magistrado adianta, antes do momento ordinário destinado ao julgamento de mérito, a concessão de um pedido que deveria ocorrer somente após a instrução processual, quando exaurida a apreciação de toda a controvérsia, e prolatada a sentença.

Page 182: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

182 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Ressalta-se que a antecipação dos efeitos da tutela não é poder discricionário do magistrado, mas sim um direito subjetivo processual, para que a parte tenha poder de exigir da Justiça a prestação jurisdicional pela qual o Estado se obrigou.

A maior finalidade desse instituto jurídico é prover efetividade à jurisdição. Entretanto, não há, pela lei, distinção entre os tipos de ação em que a antecipação de tutela é cabível, de modo que, a fim de dar maior rendimento a esse instituto, considerou-se que sua aplicação seja possível em toda espécie de conhecimento –não somente nas ações de natureza condenatória, mas também nas ações declaratórias e constitutivas – como nos ritos sumário e ordinário, além dos Juizados Especiais Cíveis. Sobre isso, Didier Júnior, Braga e Oliveira conceituam:

Segundo ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, a antecipação dos efeitos da tutela, a princípio, não teria cabimento no procedimento dos Juizados Especiais (Estaduais e Federais), tendo em vista ser esse procedimento informado pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual. Mas, na prática forense, não é isso que se tem observado. Os juízes têm lançado mão do art. 273, CPC, para conceder medidas de urgência, sobretudo pelo fato de que rapidamente os Juizados ficaram congestionados e seu procedimento tornou-se mais lento do que o esperado. Não foi por outra razão que o Fórum Permanente dos Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais editou, em matéria cível, o Enunciado n. 26: “São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis, em caráter excepcional” (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2009, p. 485)

Page 183: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 183

É importante destacar que a antecipação da tutela se sustenta no princípio da necessidade, pois que, uma vez que verificado que a efetividade do processo poderia acabar prejudicada em virtude da espera pela concessão da sentença de mérito, haveria a denegação de justiça (WAMBIER; TALAMINI, 2014)

O artigo 273 do Código de Processo Civil prevê duas possibilidades para a concessão da tutela antecipada. A primeira é a tutela assecuratória, prevista no inciso I do referido artigo, cabível quando “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, ou seja, a tutela é antecipada a fim de assegurar que, durante o trâmite processual da ação, o direito subjetivo da parte não seja prejudicado (THEODORO JÚNIOR, 2013).

Já a segunda hipótese é a tutela punitiva, prevista no inciso II do art. 273, cabível quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. É uma tutela sanção, a qual visa penalizar quem agir de má-fé e aquele que criar obstáculos que impeçam o regular andamento do feito, comprometendo sua efetividade (THEODORO JÚNIOR, 2013).

Assim, sabe-se que raras são as vezes que a tutela definitiva satisfativa é concedida com a rapidez esperada, visto que entre o momento inicial do processo e a sentença de mérito decorre um relevante lapso temporal. E em razão desse lapso temporal até a concessão da decisão de mérito, a qual pode gerar consequências indesejáveis e que coloquem o direito pleiteado em risco de dano irreparável e de difícil reparação, é que existe a possibilidade de se antecipar a tutela, através do artigo 273 do Código de Processo Civil, desde que respeitados seus requisitos, os quais serão analisados a partir do presente momento. 3.1.2 Requisitos

Inicialmente, considerando que este instituto jurídico é medida satisfativa concebida antes da sentença de mérito, há a necessidade da existência de que dois requisitos genéricos sejam

Page 184: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

184 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

preenchidos: a existência de prova inequívoca que conduza a um juízo de verossimilhança das alegações (grifo nosso).

A antecipação de tutela não deve ser concedida por simples alegações. Deve ser baseada em prova preexistente, que seja robusta, evidenciando o grau de convencimento a seu respeito, sem que se levante dúvida razoável a seu respeito, de modo que conduza o magistrado a um juízo de probabilidade(DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2009).

Entretanto, não precisa, necessariamente, ser prova documental. É possível que este instituto seja concebido após a fase instrutória do processo, posteriormente a uma audiência de justificação prévia ou até mesmo baseada em prova produzida antecipadamente.

Didier Júnior, Braga e Oliveira (2009, p. 488-489) preceituam que:

Há quem diga que prova inequívoca é aquela que não é equívoca, ambígua, que não tem mais de um sentido. É o caso de Barbosa Moreira. [...] Athos Gusmão Carneiro, outrossim, afirma que: “a rigor, em si mesma, prova alguma será inequívoca, no sentido de absolutamente incontestável. Mesmo a escritura pública, lavrada por notório conceituado e revestida de todos os requisitos formais, é passível de ser impugnada”. Ficamos com o processualista carioca. Partindo da premissa de que prova inequívoca e juízo de verossimilhança são pressupostos interligados, mas com significados distintos, sustentamos que a palavra “prova”, no que diz respeito à antecipação dos efeitos da tutela, deve ser compreendida como meio de prova, e não como “grau de convicção” do magistrado.

Prova inequívoca é uma prova idônea, produzida de maneira regular, preservado o contraditório, e que não tenha defeitos ou

Page 185: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 185

vícios. Ela é um pressuposto objetivo para a concessão da antecipação da tutela, visto que deverá estar demonstrado no processo que há prova com essas características e que possibilitem justificar a verossimilhança das alegações, de modo que, apenas a alegação da parte, por mais verossímil que seja, sem estar acompanhada dessa prova, não permite que a tutela seja conferida (THEODORO JÚNIOR, 2013). Já verossimilhança das alegações concerne-se a um juízo de convencimento que deverá ser instituído com base em todo o quadro fático apresentado pelo postulante da antecipação da tutela. A verossimilhança não deve se basear somente na existência do direito material pleiteado, mas sim juntamente com o perigo de dano, de sua irreparabilidade ou do abuso dos atos de defesa e de procrastinação perpetrados pela parte contrária (NEVES, 2014). Esse juízo de verossimilhança possibilita verificar uma verdade sobre os fatos narrados, de modo que possibilite ao magistrado avaliar se há a probabilidade de os fatos narrados pela parte terem ocorrido, e quais são suas chances de obter êxito. Assim, a verossimilhança das alegações se configurará quando a prova apresentada pela parte indicar uma grande probabilidade de que suas alegações sejam verídicas. Dessarte, percebe-se que a prova inequívoca de verossimilhança das alegações é um requisito mais exigente que a fumaça do bom direito, uma vez que este instituto importa um juízo de cognição mais intrínseco do que o exigido na medida cautelar, visto que se trata de medida satisfativa, pela qual sua concessão antecipada importa em matéria que ordinariamente se daria somente na própria sentença de mérito (GONÇALVES, 2014).

Verifica-se, ainda, no §2ª do art. 273 que a antecipação de tutela “não será concedida a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento almejado”.

Isso significa que, cumulativamente com a prova inequívoca de verossimilhança das alegações, há a necessidade de que os efeitos

Page 186: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

186 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

da tutela sejam reversíveis, porque caso esta medida seja revogada ou modificada, ainda será possível retornar ao status quo ante, ou seja, ao estado anterior à sua concessão, sem gerar prejuízos à parte contrária (THEODORO JÚNIOR, 2013).

Desse modo, tratando-se de efeitos irreversíveis, a antecipação de tutela deverá ser indeferida, a fim de proporcionar o princípio da segurança jurídica, através do devido processo legal, e consequentemente resguardar o direito do requerido de obter uma decisão fundada em cognição exauriente.

Entretanto este requisito não deve ser visto de forma absoluta, de modo que, em casos excepcionais, deverá a medida ser concedida mesmo que os prejuízos gerados sejam irreversíveis, a fim de evitar um mal maior, dando efetividade ao processo. Um exemplo é a concessão da tutela antecipada em uma ação na qual a parte necessita de uma cirurgia urgente. Mesmo que haja efeitos irreversíveis ao réu, a não concessão da medida também geraria consequências irreversíveis ao postulante (GONÇALVES, 2014).

Assim, cabe ao magistrado analisar ambos os princípios – efetividade do processo verso segurança jurídica – e, com base na proporcionalidade, conceder proteção ao qual for mais relevante (GONÇALVES, 2014).

Além dos requisitos já expostos, os quais são cumulativos, há também outros dois pressupostos alternativos: o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e o abuso de direito de defesa ou manifesto protelatório do réu (grifo nosso).

O fundado receio ocorre quando a parte não puder aguardar pelo término da ação sem que seu direito seja prejudicado. Ele deve advir provas seguras e concretas, que sejam suficientes para autorizar o juízo de verossimilhança, e não de um simples temor da parte (WAMBIER; TALAMINI, 2014) (grifo nosso).

Dano irreparável é aquele cujos efeitos são irreversíveis. Já o dano de difícil reparação é aquele que dificilmente será revertido (WAMBIER; TALAMINI, 2014) (grifo nosso).

Page 187: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 187

Ressalta-se que simples e ordinários inconvenientes, resultantes da morosidade processual, não podem justificar a concessão da tutela antecipada. É necessário que ocorra um risco atípico cuja consumação possa comprometer o direito da parte (GONÇALVES, 2014).

Por outro lado, o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu ocorre quando a parte contrária praticar atos que acabem interrompendo o regular andamento do processo, como a solicitação desnecessária de oitiva de testemunha ou interposições de recursos protelatórios (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2009) (grifo nosso).

O abuso de direito de defesa abrange os atos praticados dentro do processo, não contemplando somente os abusos cometidos na própria contestação, mas também aqueles cometidos em qualquer manifestação da parte contrária. Por outro lado, o manifesto propósito protelatório do réu ocorre fora do processo (GONÇALVES, 2014).

Desse modo, quando o requerido estiver utilizando abusivamente seu direito de defesa, apresentando resistência à pretensão do autor sem fundamento algum, com intenção de retardar o andamento do feito, o magistrado poderá antecipar a tutela mesmo que não haja risco de dano. 3.2 O PROCESSO CAUTELAR

Neste tópico serão abordados o conceito, as generalidades e os requisitos para a concessão das medidas cautelares, previstas no Código de Processo Civil a partir do artigo 796 ao artigo 889. 3.2.1 Conceito

Como falado anteriormente, a longa tramitação do processo pode acarretar variações irremediáveis, que acabe, em muitos casos, inutilizando sua solução final. Desse modo, é necessário que a jurisdição disponha de instrumento que possibilitem contornar os efeitos do tempo sobre o processo, qual seja, o processo cautelar.

Page 188: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

188 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Este processo visa assegurar a conservação do estado das pessoas, coisas e provas, a fim de que o provimento jurisdicional não se torne inútil. Theodoro Júnior (2013, p. 508) ensina que:

[...] o processo cautelar como uma nova face da jurisdição e como um tertium genus, contendo “a um só tempo as funções do processo de conhecimento e de execução”, e tendo por elemento específico “a prevenção”. Enquanto o processo principal (de cognição ou execução) busca a composição da lide, o processo cautelar contenta-se em outorgar situação provisória de segurança para os interesses dos litigantes. Ambos os processos giram em torno da “lide”, pressuposto indeclinável de toda e qualquer atuação jurisdicional. Mas, enquanto a lide e sua composição apresentam-se como o objetivo máximo do processo principal, o mesmo não se dá com o processo cautelar. A este cabe uma função “auxiliar e subsidiária” de servir à “tutela do processo principal”, onde será protegido o direito e eliminado o litígio, na lição de Carnelutti. Na realidade, a atividade jurisdicional cautelar dirige-se à segurança e garantia do eficaz desenvolvimento e do profícuo resultado das atividades de cognição e execução, concorrendo, dessa maneira, para o atingimento do escopo geral da jurisdição. Não dando solução à lide, mas criando condições para que essa solução ocorra no plano de maior justiça dentro do processo principal.

Desse modo, verifica-se que o processo cautelar visa assegurar o resultado final do processo principal, seja ele de conhecimento ou de execução, ao afastar uma situação de perigo que coloque em risco o seu provimento final. 3.2.2 Generalidades

Page 189: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 189

Primeiramente, considerando-se que o processo cautelar é um processo de natureza conservativa e não satisfativa. Percebe-se, então, que esse processo é diferente dos demais, tendo suas próprias peculiaridades, as quais serão analisadas a partir de agora. 3.2.2.1 Acessoriedade A primeira característica a ser citada é a acessoriedade. Isso porque, em razão do processo cautelar buscar a proteção do processo principal, e não uma antecipação da decisão de mérito lá pretendida é que não pode existir por si mesmo. É necessária a existência de um processo principal, seja de conhecimento ou de execução, o qual o processo cautelar protegerá. O provimento pode ser de natureza cognitiva ou executiva e buscar superar uma crise de certeza ou de adimplemento. Mas por meio dela nunca se poderá alcançar previamente aquilo que constitui o provimento final (GONÇALVES, 2014). Consequentemente, o processo cautelar só poderá existir enquanto não houver, no feito principal, sentença transitada em julgado. Ressalta-se que o provimento cautelar é dependente do processo principal. Nesse sentido, Wambier e Talamini (2014, p. 54) afirmam que “[...] esta dependência se manifesta, por exemplo, na distribuição: o processo cautelar é distribuído ao juízo competente para julgar o processo principal, esteja ele em curso ou não” (sic). 3.2.2.2 Autonomia

Entretanto, apesar de o processo cautelar ter caráter acessório, ele é autônomo, uma vez que ao ajuizar uma ação cautelar, forma-se uma nova relação processual, com uma petição inicial, com nova citação, com seu próprio procedimento, o qual termina com sua própria sentença. Nessa perspectiva Theodoro Júnior (2013, p. 513) sustenta que:

A ação cautelar é, de tal sorte, acolhida ou rejeitada por seus próprios fundamentos e não em razão do mérito da ação principal. Nesse

Page 190: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

190 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

sentido é claríssimo o art. 810 ao dispor que o indeferimento da medida cautelar não obsta a que a parte intente a ação, nem influi no julgamento desta.

3.2.2.3 Instrumentalidade

Outra generalidade da ação cautelar é a sua instrumentalidade, uma vez que o processo cautelar é um mero instrumento que visa proteger os efeitos da longa tramitação do processo no feito principal. Nesse contexto, Neves (2014, p. 1392) conceitua que:

Pelo princípio da instrumentalidade o processo cautelar terá sua função ligada a um outro processo, chamado de principal, cuja utilidade prática do resultado procurará resguardar. O processo cautelar, assim, é um instrumento processual para que o resultado de um outro processo seja útil e eficaz. Se o processo principal é o instrumento para a composição da lide ou para a satisfação do direito, o processo cautelar é o instrumento para que essa composição ou satisfação seja praticamente viável no mundo dos fatos. Essa característica faz a tutela cautelar merecer a alcunha de “instrumento do instrumento” ou de “instrumento ao quadrado”.

3.2.2.4 Sumariedade

Ainda, em razão da exigência decorrente da própria urgência presente na tutela cautelar, verifica-se sua sumariedade. Isso porque a medida cautelar será concedida diante de mera probabilidade de o direito material existir. Percebe-se que, ao contrário da tutela definitiva, a tutela cautelar não exige um juízo de certeza (NEVES, 2014).

Page 191: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 191

Desse modo, a cognição nas medidas cautelares será superficial, razão pela qual o magistrado, ao examinar o pedido, não examinará em profundidade o direito, exigindo apenas a existência do fumus boni juris. 3.2.2.5 Provisoriedade

Em razão da tutela cautelar ser concedida em cognição sumária e ter caráter acessório, o Código de Processo Civil estabeleceu, em seu artigo 807, que esta poderá, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada. Verifica-se, desse modo, a sua provisoriedade. Nesse diapasão Theodoro Júnior (2013, p. 511) afirma que:

Toda medida cautelar é caracterizada pela provisoriedade, no sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo, e, ao contrário, se destina a durar por um espaço de tempo delimitado. De tal sorte, a medida cautelar já surge com a previsão de seu fim.Significa essa provisoriedade, mais precisamente, que as medidas cautelares têm duração temporal limitada àquele período de tempo que deverá transcorrer entre a sua decretação e a superveniência do provimento principal ou definitivo. Por sua natureza, estão destinadas a ser absorvidas ou substituídas pela solução definitiva do mérito. (grifo do autor)

Assim, por ser uma medida de urgência, de caráter preventivo, fica caracterizada a provisoriedade da medida, que deverá ser substituída por uma solução definitiva de mérito. 3.2.2.6 Revogabilidade

Como proferido acima, é em virtude da provisoriedade da tutela cautelar que esta pode ser substituída, modificada ou revogada a qualquer tempo, seja em consequência de novas provas e fatos, ou caso o magistrado verifique que a medida tenha se tornado

Page 192: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

192 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

inadequada, insuficiente, excessiva ou desnecessária (GONÇALVES, 2014).

Cabe a quem sofreu a medida alegar e provar que as circunstâncias mudaram, de modo que o magistrado, ao modificá-la ou revogá-la, deverá fazê-lo através de uma decisão fundamentada. 3.2.3 Requisitos Para que o processo cautelar possa alcançar sua providência há, além dos requisitos genéricos exigidos em todos os ritos do Processo Civil– legitimidade da parte, interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido – há a necessidade de que sejam preenchidos dois requisitos específicos: o fumus boni juris e o periculum in mora, os quais serão examinados separadamente a partir do presente momento. 3.2.3.1 Fumus boni juris O fumus boni juris é uma expressão do latim, a qual significa a “aparência do bom direito”. Isso significa que, diferentemente da tutela antecipada, basta que o direito em risco há de revelar-se como o interesse que justifica o direito ao processo de mérito. Ou seja, os interesses se mostram plausíveis simplesmente por sua aparência (THEODORO JÚNIOR, 2013, p. 518). Desse modo, verifica-se que ao contrário da verossimilhança das alegações – requisito exigido para concessão da tutela antecipatória – para que a tutela cautelar seja concedida não é necessária uma avaliação aprofundada dos fatos ou da relação jurídica. Nesse ínterim, Gonçalves (2014, p. 205) conceitua:

A concessão da tutela cautelar não pode constituir um prognóstico do que irá ocorrer no processo principal. É possível que o juiz a conceda, ainda que esteja pouco convencido de que o requerente possa sair vitorioso no processo principal, quando verificar que o não deferimento inviabilizará a efetivação do direito, caso, apesar de tudo, ele venha a ser reconhecido (sic).

Page 193: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 193

Assim, percebe-se que este requisito se trata de um convencimento parcial do magistrado, fundado em mera probabilidade em razão da cognição sumária de que o risco de perigo do direito realmente exista. 3.2.3.2 Periculum in mora Em razão do caráter urgente do processo cautelar, o outro requisito específico exigido para sua concessão é o periculum in mora, ou seja, o perigo da demora do trâmite do processo. Frisa-se que o juízo cognitivo do perigo também não é exauriente, e sim mas perfunctório, uma vez que basta a possibilidade da existência do rico de dano, sem que se exija uma certeza. Contudo, isso não afasta a necessidade de que o temor seja fundado. O magistrado não poderá conceder a medida com base em suposições, em receios subjetivos, que não possam ser demonstrados, nem encontrem amparo em fato concreto (GONÇALVES, 2014). Em relação a este requisito, Neves (2014, p. 1402) ensina que:

O periculum in mora representa a situação de urgência derivada do perigo que o tempo necessário para a concessão da tutela definitiva no caso concreto representa para a efetividade da proteção jurisdicional. Sempre que o demandante comprovar que, não sendo tutelado imediatamente seu direito material, correrá sério e iminente risco de perecer, haverá justificativa para a concessão da tutela cautelar sob o aspecto do periculum in mora. (grifo do autor).

Desse modo, constata-se que o periculum in mora é um requisito específico que visa afastar o risco de dano decorrente da longa tramitação judicial do processo, a fim de que o provimento jurisdicional não se torne inútil.

Page 194: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

194 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

4 TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA NO NOVO CÓDIGO O Livro V do novo CPC trata da tutela provisória, que

será, de acordo com o art. 294, fundamentada em urgência ou em evidência. Por força da nova lei, a tutela provisória poderá ser concedida em caráter antecedente ou incidental, sendo que esta independerá do pagamento que quaisquer custas.

As tutelas de urgência estão previstas no Título II e serão

concedidas quando forem observados os requisitos de probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo.

As cautelares, previstas no Código de Processo Civil de 1973 em livro próprio, serão modalidade de tutela de urgência, e poderão ser efetivas mediante procedimentos já conhecidos, como, a teor do art. 301 do novo Codex, “arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”. (BRASIL, 2015)

Se a tutela antecipada for requerida em caráter antecedente, o autor poderá limitar seu pedido ao requerimento desta medida, com indicação do pedido da tutela final, sendo que em caso de concessão, aditará a petição inicial, complementando sua argumentação.

Se a cautelar for requerida em caráter antecedente, nos termos do art. 305 do novo CPC, “indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”

Em caso de efetivação da tutela pretendida, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, nos próprios autos, nos termos do art. 308.

Por fim, há ainda a tutela da evidência, prevista no art. 311 do novo CPC, cujo deferimento dependerá da ocorrência do abuso de direito de defesa ou propósito protelatório da parte, ou ainda quando as alegações puderem ser provadas documentalmente ou através de casos repetitivos ou súmula vinculante ou, por fim,

Page 195: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 195

quando se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito.

Em modificação ao atual Código de Processo Civil, a tutela antecipada substituída pela tutela da evidência não exigirá o preenchimento do requisito periculum in mora ou prova inequívoca da verossimilhança da alegação e do manifesto propósito protelatório do réu, mas sim do requisito isolado, onde percebemos ainda no novo art. 278 que a tutela da evidência sempre exigirá a formação prévia da relação processual, ou seja, não antes de citado o réu que deverá tomar conhecimento do processo, do pedido. Segundo Montenegro Filho. (MENDES, 2012)

Não há, portanto, necessidade de demonstração de

perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo. A tutela da evidência nada mais é do que o direito eivado de alguma certeza, assim observado em relação às provas juntadas ao processo. Nesse caso, torna-se desnecessário aguardar a decisão da lide para que o direito seja satisfeito. (FUX, 1996).

Tal tutela (da evidência) não possui natureza cautelar, em virtude de que não se vislumbra a instrumentalidade deste tipo de medida (RAMSCHEID, 2011).

No entendimento de Sampaio Junior (2013), a tutela ora em comento não se trata de novidade introduzida pelo projeto do novo CPC. Segundo o autor,

Formalmente podemos afirmar que essa tutela é novidade trazida no anteprojeto do novo CPC, todavia sob o aspecto material não é verdade, pois o máximo que se pode falar nesse aspecto é a ampliação dos casos que a autorizam, bem como a devida sistematização do tema e na linha da simplificação que alicerça a proposta,

Page 196: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

196 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

aclara-se uma dúvida sobre a natureza jurídica do instituto. (SAMPAIO JR, 2013)

O autor ressalta que a legislação brasileira já utilizava a

tutela da evidência, sendo que o novo Código apenas ampliará os casos de utilização, que será disciplinada da seguinte forma:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. (BRASIL, 2015)

Como se observa, o novo Código possibilita também a

concessão da tutela da evidência nos casos em que a matéria em discutida for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de recursos repetitivos, de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante.

Page 197: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 197

Ainda, da análise dos dispositivos comentados acima, percebe-se que o novo Código de Processo Civil adequou alguns institutos que vinham sendo utilizados, com adequação em relação às tutelas de urgência, substituindo-as pela possibilidade de requerimento de “tutelas de urgência e da evidência”, que podem ser pleiteadas antes ou no curso do processo, em consonância com as medidas incidentais ou preparatórias, atualmente usadas em sede de medida cautelar.

As inovações, de acordo com o Código, poderão se dar em sede de medida cautelar ou, ainda, de forma satisfativa, extinguindo por completo as medidas cautelares nominadas ou típicas.

Observa-se que o novo CPC atenderá o escopo da efetividade do princípio da durável duração do processo, que pode ser obtido através da “obediência à técnica processual, normatizada pelo legislador, e às regras formais” eliminando as insatisfações com justiça e cumprimento do direito. (MIGLIAVACCA; SOVERAL, 2011, p. 108)

Assim, juntando-se as inovações legislativas trazidas com o novo CPC à atuação correta de magistrados, auxiliares da justiça e das próprias partes, é possível alcançar o desiderato de uma justiça mais célere.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da breve análise dos novos dispositivos que

futuramente serão introduzidos pelo novo CPC, observa-se uma maior atenção à busca pela razoável duração do processo, uma vez que os requisitos autorizadores das tutelas de urgência são mais simplificados, restando apenas a necessidade de demonstração de elementos essenciais.

A tutela da evidência, cuja concessão se dará quando a matéria em discussão for unicamente de direito ou houver demandas

Page 198: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

198 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

repetitivas ou súmulas vinculantes, demonstrou a adequação do novo código às atuais necessidades.

As inovações, que poderão ser concedidas em sede de medida cautelar ou, ainda, de forma satisfativa, extinguiram por completo as medidas cautelares nominadas ou típicas da forma disposta no código anterior.

Nesse sentido, a tutela da evidência é uma das principais inovações do novo Código, consubstanciada na ampliação de suas hipóteses de concessão, conforme dispositivo transcrito no bojo deste artigo.

REFERÊNCIAS ARENHART, Sérgio Cruz. MARINONI, Luiz Guilherme. Processo Cautelar. 4ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula S.; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, vol. 2. 4 ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva, 1996 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução e processo cautelar, vol. 3. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. MENDES, Pedro Puttini. Projeto de novo CPC: tutela de urgência X tutela da evidência. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3332, 15 ago. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22413>. Acesso em: 14 maio 2015. MIGLIAVACCA, Luciano de Araújo. SOVERAL, Raquel Tomé. Reforma do código de processo civil: a busca pela razoável duração do processo, como direito fundamental frene às garantias fundamentais. Revista Brasileira de Direito, IMED. Vol. 7, nº 1, jan-jun 2011. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

Page 199: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 199

RAMSCHEID, Demetrius Lopes. Anteprojeto do novo código de processo civil: tutela de urgência e tutela à evidência. Revista SJRJ, Rio de Janeiro, vol. 18. N. 31, p. 13-21. Ago 2011 SAMPAIO JR. José Herval. Tutelas de urgência no projeto do novo CPC. Disponível: http://joseherval.jusbrasil.com.br/artigos/121942878/tutelas-de-urgencia-no-projeto-do-novo-cpc. Acesso em 03 de março de 2015 SOUZA, Valquíria Lima de. Tutela de urgência e evidência sob a ótica moderna. disponível em www.jusbrasil.com.br. Acesso em 10 de janeiro de 2015. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil: teoria geral do direito processual civil e processo do conhecimento, vol. 1. 55 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. WAMBIER, Luiz R.; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo do conhecimento, vol. 1. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

Page 200: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

200 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

CONSIDERAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS ORIUNDAS DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE EM DECORRÊNCIA DE SUBMETIMENTO A

TRATAMENTO DE EFEITO PLACEBO

Andreza de Queiroz Lustiago45 RESUMO: O tratamento de efeito placebo pode ser caracterizado como aquele em que há ingestão de medicamento ou outra forma de terapêutica sem nenhum efeito farmacológico cientificamente comprovado. Por esta razão, há necessidade de maior proximidade na relação médico-paciente, sendo o pilar de sustentação desta, a confiança mútua. Com isso, surgem indagações importantes no campo da Ética e do Direito sendo que, em muitos momentos, as mesmas, no que tange às respostas em especial, encontram-se na mesma linha diretiva com o objetivo precípuo de assegurar a aplicabilidade das normas do ordenamento jurídico em voga e defender os direitos do indivíduo e da própria coletividade como um todo. Assim, faz-se pertinente, a análise minuciosa das reflexões éticas e jurídicas oriundas desse tipo de tratamento, dando destaque ao dever do médico de informar e ao direito ao consentimento informado do paciente. Especialmente, quando há lesão a este. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento placebo; má-fé; ética; relação médico-paciente; responsabilidade do médico; direitos do paciente; novo Código de Ética Médica. ETHICAL AND LEGAL NOTICES OF DOCTOR-PATIENT RELATIONSHIP

ARISING OUT OF SUBMISSION TO TREATMENT PLACEBO EFFECT CONSIDERATIONS

45 Graduada em Direito pela Faculdade de Tecnologia e Ciências no Estado da Bahia. Advogada. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia - UFBA.

Page 201: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 201

ABSTRACT: The placebo treatment effect can be characterized as one in which no medication intake or other form of therapeutic no scientifically proven pharmacological effect. For this reason, there is need for greater proximity in the doctor-patient relationship, and the supporting pillar of this, mutual trust. Thus, there are important questions in the field of Ethics and Law and, in many instances, the same, with respect to the answers in particular, are on the same line policy with the ultimate objective of ensuring the applicability of spatial standards legal in vogue and defend the rights of the individual and own community as a whole. Thus, it makes relevant, thorough analysis of the ethical and legal observations from this type of treatment, highlighting the duty of the physician to inform and the right to informed consent of the patient. Especially, when there is damage thereto. KEYWORDS: placebo treatment; bad faith; ethics; doctor-patient relationship; responsibility of the physician; patient rights; new Code of Medical Ethics. SUMÁRIO: Introdução. 1. Efeito placebo: definição e essenciais características. 1.1. Definição. 1.2. Principais efeitos positivos e negativos do tratamento placebo. 2. Perspectivas históricas do placebo. 3. A relação médico-paciente num tratamento placebo. 4. Relação contratual entre o médico e o paciente. Reflexos na responsabilização. 5. O direito do paciente ao consentimento informado e o dever do médico de informar. A ética médica frente ao tratamento placebo. Considerações Finais. Referências. Introdução

O presente trabalho acadêmico possui o escopo, não exaustivo, de apresentar o que vem a ser um tratamento de efeito placebo, as divergências do mesmo com a homeopatia, os principais

Page 202: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

202 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

argumentos apontados pelos estudiosos para a aplicação ou não desse tipo de tratamento levando em consideração a especial relevância que a abordagem possui, tendo em vista a evolução das Ciências Médicas, especialmente no que tange à Bioética, e a crescente preocupação de cunho jurídico advinda da mesma. Neste aspecto, especificamente, emergem questões ético-jurídicas bastante pertinentes, como a análise de existência ou não de conduta que aponte para má-fé e/ou enganação por parte do médico para com o paciente. Em caso afirmativo, havendo conflito ético e jurídico na atuação médica frente ao que se espera da conduta do profissional contratado, ensejar-se-á, por via reflexa, a responsabilização, seja na seara civil, penal e administrativa a depender da situação fática em que se respalda a análise? Além da discussão acerca da natureza jurídica do contrato advindo da relação médico-paciente, seria uma contratação de meio ou de fim? Indubitavelmente, esta indagação é de profunda relevância para a problemática da responsabilização, bem como ao que diz respeito à fidúcia ofertada pelo paciente no momento da escolha do profissional médico e a decorrente frustração na obtenção dos resultados esperados. Como o Conselho Federal de Medicina, órgão conservador por excelência, se posiciona diante dos impasses que possam surgir da eleição de inscritos pela modalidade de tratamento placebo? Todas essas questões serão tratadas ao longo do presente artigo, visando com isso, ofertar complemento para pesquisas futuras nesse campo, bem como voltar a atenção dos estudiosos do Direito para a tendência, cada vez maior, da interdisciplinaridade das Ciências, que, quando não objetivamente se fundem, indiscutivelmente buscam auxílio umas nas outras em decorrência da dinâmica social, que nada mais é do que a força motriz do Direito. Sendo, por sua vez, regulador da atividade social, necessita estar

Page 203: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 203

atento para os novos caminhos trilhados pela própria sociedade, representando este, o próprio objeto de estudo da referida Ciência. Todavia, a evolução científica é bastante lenta, não acompanhando, na mesma velocidade, as mudanças sociais, sendo essa uma característica crucial, pois, o respeito às descobertas, bem como às teorias desenvolvidas necessitam de tempo para tornarem-se sólidas, e, com isso, ofertarem segurança às pessoas que porventura possam vir a se beneficiar delas. Daí a importância da contribuição de estudos como este. 1. Efeito placebo: definição e essenciais características Ressalta-se a importância de salientar os contornos delimitativos do tema ora exposto, uma vez que acaba por tornar-se condição de prosseguibilidade da leitura desse artigo. As características fundamentais do tratamento placebo, bem como as suas diferenciações com outras terapêuticas serão de suma relevância para a hermenêutica dos itens que se seguem.

1.1. Definição De maneira incipiente, convém delimitar o que seria definição de um fenômeno. Definir vem do latim – definitione – que significa delimitar, encontrar o sentido mais próximo diante da vastidão de conceitos existentes. Nos dizeres de Mauricio Godinho Delgado (...) consiste na atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o nexo lógico que os mantém integrados. Definição é, pois, a declaração da estrutura essencial de

Page 204: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

204 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

determinado fenômeno, com seus integrantes e o vínculo que os preserva unidos46. A partir dessa noção inicial, é possível perceber que a definição do que vem a ser um tratamento de efeito placebo repousa na junção de seus elementos mais peculiares organizados de maneira estrutural e ligados por um nexo lógico de causa e efeito. Surge, a partir dessa premissa básica, a distinção com o tratamento homeopático. Partindo do conceito – que é uma noção mais ampla do que definição, pois engloba todas as possíveis realidades existentes em determinado fenômeno, adequando-as aos limites que o mesmo exige – de tratamento placebo e homeopático, retirados de ramo alienígena ao Direito, é perceptível a divergência. A aplicação de conceito estranho à Ciência do Direito se justifica quando se leva em consideração a especificidade do tema e a competência da Ciência Médica e Farmacológica para delimitar seus contornos. Assim, encontra-se como tratamento placebo a utilização de substâncias sem efeitos terapêuticos, ou seja, inertes às pessoas, sem que as mesmas tenham conhecimento dessa ineficácia. É, atualmente, um conceito amplo, albergando desde a ingestão por via oral de medicamentos, pílulas de farinha, injetáveis, como soro fisiológico, por exemplo, até outras formas de interferência, citando, a título ilustrativo, acupuntura e aplicação de cremes em determinadas áreas do corpo humano47. No que tange ao tratamento homeopático, pode ser conceituado como o tratamento de semelhantes por semelhantes, tendo em vista utilizar-se de um mesmo sintoma, que em uma

46 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 6. ed. – São Paulo: LTr, 2007, p.49. 47 BALLONE, G. J. O Placebo e a Arte de Curar. in. PsiqWeb, internet. Disponível em <http://www.virtualpsy.org/trats/placebo.html>. Acesso em: 18/03/2010.

Page 205: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 205

pessoa sã causaria transtornos, em uma pessoa doente, tendo o poder de cura quando ministrado em doses ínfimas. Portanto, no tratamento homeopático, ao contrário do placebo, há o uso de drogas, a patogenia é tratada com o uso de medicamentos com efeitos comprovados cientificamente. Contudo, seus efeitos são semelhantes, seria o mesmo que tratar dor com a substância causadora da dor, mas diluída, em ínfimas porções. Faz-se necessário, para um real entendimento, delimitar o que se compreende por efeito. Este, visto como resultado final do que se busca, seja concreto ou abstrato. Logo, a noção de efeito, tanto no tratamento placebo quando no homeopático é de peculiar relevância, pois é o pilar de sustentação destes. O que justifica a existência desses tipos de tratamento é justamente a possibilidade de efeitos positivos nos procedimentos em que são aplicados. É, também, nesse aspecto que se confundem. Daí surgindo a necessidade de definição do que vem a ser cada um dos tratamentos. Logo, conclui-se que tanto no placebo quanto no homeopático o que se busca são resultados positivos e extintivos da eventual enfermidade. Com o exposto, partindo dos conceitos ora mencionados, e encontrando respaldo científico, apresentam-se as seguintes definições para tratamento placebo e tratamento com base na homeopatia, apenas solidificando os contornos específicos de cada espécie, bem como evidenciando as suas diferenciações: A palavra Placebo é de origem latina, faz parte do verbo 'agradar', 'dar prazer à'. Refere-se à ação do medicamento que não é decorrente de sua atividade farmacológica, sua função é decorrente à confiança do médico / paciente ao medicamento. Ele é constituído de substância química inerte, podendo ser constituído de açúcar ou farinha. Placebo é qualquer tratamento que se prescreve dizendo ser um tratamento ou medicamento ativo, contudo, na realidade, não

Page 206: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

206 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

tem ação específica nos sintomas ou doenças do paciente, mas de alguma forma pode causar um efeito no mesmo, assim, o resultado esta ligado apenas à natureza psicológica. Esta resposta do placebo não está ligada simplesmente ao alívio de sintomas, trata-se efetivamente da cura do paciente decorrente às suas crenças e/ou expectativas psicológicas ao tratamento48. Do conceito trazido, viabiliza-se a idéia de que a relação estabelecida entre o médico e o paciente é de suma valia ao tratamento placebo. Sendo bem definido no transcrito acima. Por definição, o placebo é uma substância inerte, sem propriedades farmacológicas, que é administrada a uma pessoa ou grupo de pessoas, como se ela tivesse propriedade terapêutica. Esse nome se origina do verbo latino placere - agradar, fazer bem - e a droga em si foi utilizada exclusivamente para a administração oral. Hoje, são reconhecidas também como placebo algumas formas físicas de aplicação - como acupuntura, ultra-som ou aplicação local de drogas49. Apenas comungando com o que fora explicitado e dando embasamento para a definição apontada a título de placebo, faz-se pertinente a citação supra. Homeopatia, derivada das palavras gregas homoios, que quer dizer “semelhante”, e páthos, que se traduz por “sofrimento”, essencialmente, significa tratar o semelhante com o semelhante. Hipócrates, percebeu que havia 2 meios de tratar o paciente: através dos contrários (Alopatia) e através dos semelhantes (Homeopatia). Na forma dos “Contrários”, a medicação age contra os sintomas. Na

48 Apud BENAVIDES, Leandro. Estudo sobre o Efeito Placebo. Disponível em: <http://blogs.myspace.com/index.cfm?fuseaction=blog.view&friendId=183064319&blogId=40255027>. Acesso em 17/03/2010. 49 MORAES, Cristina Baleeiro; MORAES, Eduardo Baleeiro. O Efeito placebo e o efeito Nocebo nos procedimentos terapêuticos. Disponível em: <http://www.cibersaude.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=353>. Acesso em 16/03/2010.

Page 207: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 207

dos “Semelhantes”, os medicamentos têm capacidade de produzir os mesmos sintomas apresentados pela pessoa que sofre – “A lei dos semelhantes”. Em ambos os casos ele acreditava que o médico estava apenas criando condições corretas para aumentar o poder de recuperação interno, Vis medicatrix naturae, que levava à cura50. Do exposto conclui-se que ambos os tratamentos tem aplicação prática bastante difundida em todo o mundo. Inclusive havendo ramos da Medicina defensores dessa terapêutica considerada alternativa por ser mesmo agressiva ao paciente, tendo em vista a não ingestão de drogas pelo mesmo – no caso dos placebos – bem como a aplicação homeopática dos medicamentos com doses diluídas com efeitos químicos. Contudo, far-se-á uma análise mais precisa das questões ético-jurídicas que possam vir a surgir em decorrência da relação médico-paciente instaurada no plano fático.

1.2. Principais efeitos positivos e negativos do tratamento placebo Em todo o mundo busca-se comprovar a eficácia dos tratamentos placebo por meio dos efeitos obtidos em inúmeros experimentos científicos, como por exemplo, o feito por Médicos, onde eliminaram verrugas com sucesso pintando-as com uma tinta colorida e inerte, e prometendo aos pacientes que as verrugas desapareceriam quando a cor se desgastasse. Em um estudo de asmáticos, pesquisadores descobriram que podiam produzir a dilatação das vias aéreas simplesmente dizendo às pessoas que elas estavam inalando um broncodilatador, mesmo quando não estavam. Pacientes sofrendo dores após a extração dos dentes sisos tiveram exatamente tanto alívio com uma falsa aplicação de ultrassom quanto com uma verdadeira, quando tanto o paciente

50 DANTAS, R.M. Homeopatia: conceitos... Disponível em: <http://inspetra.wordpress.com/2009/06/18/homeopatia-conceitos/>. Acesso em 16/03/2010.

Page 208: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

208 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

quanto o terapeuta pensavam que a máquina estava ligada. Cinqüenta e dois por cento dos pacientes com colite tratados com placebos em 11 diferentes testes, relataram sentir-se melhor -- e 50 por cento dos intestinos inflamados realmente pareciam melhores quando avaliados com um sigmoidoscópio51.

Esses estudos mostram que os efeitos positivos do tratamento placebo – em essência inócuo – podem ser efetivamente sentidos pelas pessoas. Alguns afirmam, como Irving Kirsch52, que as vantagens de utilização desse tipo de terapia repousam, principalmente, na relação de proximidade criada entre o médico e o paciente, na especial atenção que aquele dedica a este, distanciando-se da padronizada e fria relação firmada num tratamento alopático. Isso se justifica pela necessidade de acompanhamento mais próximo dos avanços e resultados ofertados, da crença que devem nutrir as partes envolvidas de que essa espécie de via será suficiente para ver sanada a enfermidade. Há destaque à ilusão de cunho subjetivo que é criada. As pessoas, ao ingerirem medicamentos placebo, acabam por portarem-se de maneira diferente, positiva, criando uma ilusão de melhora, que, efetivamente, em muitos casos, converte-se para tanto. Em contrapartida, há quem afirme, como Stephen Barret53, tratar-se apenas de remissão espontânea, ou seja, o corpo humano possui células de defesa, e com isso, a capacidade de curar-se

51 CARROL, Robert Todd. The Skepdic’s dictionary. Disponível em: <shttp://www.skepdic.com/brazil/placebo.html>. Acesso em 17/03/2010. 52 Apud TALBOT, Margaret. A Prescrição de Placebos - New York Times Magazine 1/09/2000, disponível em: <http://www.nytimes.com/library/magazine/home/20000109mag-talbot7.html>. Acesso em 16/03/2010. (Irving Kirsch é psicólogo na Universidade de Connecticut nos Estados Unidos. Realizou estudos com medicamentos antidepressivos a fim de comprovar a tese dos efeitos psicológicos do placebo). 53 BARRET, Stephen M.D. Remissão Espontânea e Efeito Placebo. Disponível em: <http://quackwatch.haaan.com/placebo.html>. Acesso em 17/03/2010.

Page 209: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 209

espontaneamente. Desta maneira, a ingestão de placebo nada influiria na melhora, sendo o próprio organismo do indivíduo o responsável pela mesma como parte de seu curso natural. De maneira diametralmente oposta, podem ser verificados os efeitos Nocebo – nomenclatura utilizada para os efeitos nocivos do placebo – sendo apontadas questões como a falta de ética médica e lesão ao direito do paciente ao tratamento informado, ou seja, de ver-se conscientemente informado dos aspectos pormenorizados pelos quais será submetido. Desencadeando, inclusive, a possibilidade de charlatanismo, como comprovado em estudos científicos publicados no New York Times Magazine54 de 1º de setembro de 2000, que pacientes podem se tornar dependentes de práticas não científicas que empregam terapia placebo. Como por exemplo, serem levados a acreditar que sofrem de determinada patogenia, como alergias ou micoses inexistentes, e que só poderão ser curados por essa modalidade de tratamento quando feito por um praticante específico. Isso acarreta a conclusão de que o alto grau de interferência no psicológico dos pacientes é determinante para o tratamento, e, como estes se tornam vulneráveis, em decorrência da confiança depositada e ausência de conhecimento técnico, acabam sendo alvo fácil dessas possíveis práticas, sendo tal dado, apresentado como faceta negativa da aplicabilidade do tratamento. Além disso, há estudos e relatos explicitados no Jornal referido, que comprovam a possibilidade de surgimento de efeitos colaterais em pessoas submetidas a tratamentos placebo. Bem como, a possibilidade de dependência das mesmas. Em suma, consideram-se efeitos positivos do tratamento placebo a eficácia apontada em inúmeros experimentos científicos, com menor agressividade ao organismo, tendo em vista a ingestão de medicamentos inertes. Também, a especial atenção e

54 Op. Cit.

Page 210: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

210 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

cuidado, intrínsecas da relação estabelecida, justificando a proximidade do médico com o paciente. Existem vários estudos em todo o mundo a fim de comprovar a eficácia dos placebos. Contudo, ainda não há uma pacificação quanto ao tema, sendo apontadas inúmeras linhas de pensamento para a justificação. Alguns afirmam ser o aspecto psicológico de relevância significativa para a obtenção de efeitos positivos. Para estes, a ilusão subjetiva que se cria na mente do paciente reflete de maneira predominante para uma melhora. Outros se direcionam para a linha da remissão espontânea. E, ainda, no sentido de que um tratamento que demande peculiar atenção, dedicação, cuidado e afeição ao paciente seja ensejador de efeitos benéficos, nada influindo a noção de tratamento de efeito placebo que ora apresentou-se. Em contrapartida, a fidúcia prevista no tratamento de efeito placebo é o principal elemento desencadeador do efeito nocebo, inclusive, podendo dar ensejo a práticas de charlatanismo. Outros efeitos negativos podem ser apontados como a possibilidade de surgimento de efeitos colaterais e dependência. Tudo isso associado à ilusão subjetiva criada no uso dos placebos, como demonstrado nas pesquisas científicas ora citadas. 2. Perspectivas históricas do placebo É muito antiga a utilização de tratamento placebo, praticamente repousa ao surgimento do homem. Pois, a crença da melhora com a ingestão de determinada substância, ou até mesmo por magia, é bastante remota. A idéia, a intenção subjetiva criada no âmago do ser humano já era apta, em algumas situações, a gerar tanto efeito benéfico como o maléfico. Desta maneira, seguindo a evolução das sociedades, as pessoas tinham menos acesso à informação e cultura, acabavam por se envolver em práticas baseadas na crença de maneira comum, cotidiana, o que é verificado, inclusive, atualmente na sociedade. Soma-se a isso o fato das Ciências ainda terem suas bases estruturadas em pesquisas arcaicas,

Page 211: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 211

sem o aparato tecnológico encontrado nos tempos atuais. Das informações encontradas por estudiosos, como Anne Harrington55, Ted Kaptchuk56 comprova-se o mencionado. A referência mais rudimentar que pode ser citada como exemplo é a questão dos rituais de magia, de feitiçaria, aplicados em todos os períodos históricos anteriores, sem exceção. Obter cura, especificamente, com a confiança depositada pelas pessoas é algo mais antigo do que se imagina, mas, que acompanha a evolução da sociedade vestindo novas roupagens. Adaptando-se à dinâmica social, caminhando ao passo que a tecnologia evolui. Foi assim que as práticas apontadas hoje como charlatanismo, e que não possuíam esse caráter outrora, serviram de influência para aplicação da sua essência no ramo das Ciências, ou seja, foi a partir dos esboços vistos em práticas anteriores que se chegou à pesquisa dos placebos de cunho científico, atingindo a seara médica e farmacológica mais especificamente, e, com isso, ofertando essencial contribuição na descoberta de novos tratamentos e drogas. De maneira sucinta, pode-se afirmar que a aplicação da prática placebo – a utilização de substâncias inócuas em tratamentos – caminha junto à própria evolução da sociedade, sendo a mente humana a sua principal fonte, uma vez que o aspecto psicológico é

55 Autora do livro “THE PLACEBO EFEECT” – O efeito placebo: uma exploração interdisciplinar, publicado pela Universidade de Harvard, em agosto de 2007. Esta autora dedica-se a analisar o efeito placebo em suas repercussões históricas, apontando os motivos que levaram os médicos atuais ao surto de interesse moderno pelos placebos, além de sondar as dificuldades metodológicas na aplicação desse tipo de tratamento apontando o que pode ser feito ou não nessa matéria. 56 Este estudioso da Universidade de Harvard apresentou-se no I Simpósio Internacional em placebo, que durou de 1 a 12 de fevereiro de 2009, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Campus São Paulo. Tratou da História do efeito placebo em medicina: da adivinhação e rituais mágicos ao uso de estudos placebo-controlados na medicina baseada em evidências.

Page 212: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

212 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

determinante para o encontro dos resultados desejados. Importante frisar que a dinâmica em que se encontram envoltos os placebos ganhou destaque e enfoque diferente dos tempos mais remotos. Pode ser apontada uma linha de desenvolvimento, de maneira incipiente e precária, a seguinte: Mesmo não sendo possível afirmar com propriedade a primeira prática placebo ocorrida no decurso da história, encontra-se como marco antigo o ano 90 a.C., no qual os chineses aplicavam a técnica da acupuntura. Esta, em decorrência do êxito obtido nas causas em que atuara difundiu-se pelo Ocidente. Ou seja, o efeito placebo de tal técnica foi responsável pelo seu sucesso e perpetuamento ao longo dos milênios. Em 1785 já se discutia acerca da comprovação científica desse efeito. Logo, estudiosos suscitaram a posição encontrada hoje, para explicar os efeitos do placebo, como remissão necessária. Nesse particular, Benjamim Franklin comprovou não haver nenhuma droga na solução dada a algumas pessoas doentes nos Estados Unidos, verificou não haver fluido com capacidade de cura cientificamente comprovada57. A tese de sustentação desses estudiosos repousou, justamente, na resposta necessária que o organismo humano dá às enfermidades. Isso influenciou no surgimento de uma especialidade conhecida como medicina humanizada, ou medicina terapêutica, no qual a atenção oferecida pelo médico para com o paciente, a relação de proximidade que se firma torna-se determinante para a cura. Na década de 90 foram verificados avanços importantes na pesquisa voltada aos placebos. Isso é perceptível quando se constata o número crescente de pesquisas científicas voltadas para essa área, tendo esse período contribuído de forma peculiar, por meio da comprovação de que há ligação entre os sistemas imunológico e

57 CARMO, Isabel do. A desumanização da Medicina. Disponível em: <http://apontamentos.blogspot.com/2006/03/desumanizao-da-medicina.html>. Acesso em 11/04/2010.

Page 213: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 213

neurológico humano, recebendo a nomenclatura de “neuroimunomodulação”. Partindo deste pressuposto, estudiosos das mais variadas áreas como, medicina, psicologia e farmácia, buscaram amparo para sustentar a tese da influência predominante da ilusão subjetiva que é criada no uso dos placebos como algo positivo, e, justificando a aplicação no desenvolvimento que estas Ciências ainda terão ao longo do tempo, conseqüentemente, desvendando mais segredos relacionados ao ser humano, neste aspecto, alvo das mais variadas experiências com o fim de alcançarem curas e descobertas ainda mais significativas. Portanto, o placebo seria utilizado como meio, ou seja, como técnica apta a provar, por meio de experimentos, que os medicamentos e tratamentos empregados nos seres humanos são seguros de serem aplicados. Com isso, houve uma desenfreada aplicação da técnica placebo, um surto de interesse no uso. As empresas farmacológicas comumente começaram a utilizar a técnica de duplo-cego para aferição de níveis de satisfação no uso das drogas que potencialmente poderiam ser comercializadas. Tal técnica consiste em um estudo científico feito em seres humanos com o objetivo de encontrar respostas acerca dos efeitos do que se está testando, no qual nem o objeto da pesquisa, o próprio indivíduo, nem o examinador sabe a quem está ministrando placebos ou drogas verdadeiras. A finalidade do duplo-cego é a imparcialidade da conduta do profissional examinador, visa impedir interferências na pesquisa. Em outra linha, existe o simples-cego, técnica também utilizada com placebos no qual somente os examinados, que serão o alvo do estudo, não sabem o que estão ingerindo. (...) Em particular, estudos duplo cego controlados por placebo são fundamentais para sabermos se uma determinada terapia (ou droga) tem realmente efeito terapêutico ou não. Isso ocorre porque nosso corpo oferece uma resposta bioquímica mensurável à sugestão de tratamento, que é chamada de efeito placebo.

Page 214: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

214 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

O teste duplo-cego ganhou notoriedade graças ao célebre episódio da memória da água. Em 1988 um grupo de pesquisadores liderado pelo francês Jacques Benveniste submeteu à Nature um artigo em que era demonstrado que glóbulos brancos humanos apresentavam uma resposta bioquímica após expostos a água na qual foi diluido um anticorpo até o ponto em que nenhuma molécula do anticorpo restaria em solução. O efeito só ocorreria quando a solução era violentamente agitada58. Esse uso exacerbado dos placebos em pesquisas científicas acabou por transferirem-se para o campo prático. Com isso, médicos iniciaram a aplicação de técnicas de tratamento placebo em cirurgias e em terapias conhecidas vulgarmente como alternativas, a exemplo da acupuntura. E isso ocasionou, no início deste novo milênio, a preocupação em deter essa evolução desenfreada, tendo em vista as repercussões éticas e jurídicas que possam surgir na atuação do profissional médico, essencialmente no que tange ao direito ao tratamento informado. 3. A relação médico-paciente num tratamento placebo A tendência que tem se verificado atualmente, no que tange à relação médico-paciente, nem sempre encontrou os contornos que ora são percebidos. Isso se deve pela própria evolução da Medicina. Outrora se concebia o médico como ser divino, superior, infalível e inatacável, ao passo que hoje a concepção predominante é a do médico como ser humano capacitado tecnicamente para exercer o mister louvável da Medicina. E como tal, dotado de falibilidade, devendo ser esta, alvo de análises minuciosas a fim de se encontrar os contornos exatos de uma possível responsabilização nos casos em que o profissional tenha atuado em desconformidade com o que se esperava e desde que sua conduta enquadre-se nos requisitos

58 TESSLER. Leandro R. O Estudo Duplo Cego. Disponível em: <http://ccientifica.blogspot.com/2008/06/o-estudo-duplo-cego.html>. Acesso em 18/03/2010.

Page 215: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 215

previstos em lei para tanto. Nos dias de hoje, a exigência volta-se a vinculação de especialistas determinadamente considerados. As pessoas buscam tratamento escolhendo específico profissional tomando como base a sua formação, a fama que o mesmo possui na comunidade, experiências e relatos de clientes anteriores, além de informações mais aprofundadas fornecidas pelo Conselho Estadual de Medicina ao qual são filiados, desde que solicitadas. Isso acaba por gerar expectativas nos pacientes, a fidúcia se torna elemento predominante, e, por conseqüência, em alguns casos, acabam surgindo desequilíbrios na relação que se horizontaliza quando os objetivos não são alcançados ou o são de maneira insatisfatória. O maior acesso à informação e a presença de garantias legais para os cidadãos tem servido de forte amparo para que os mesmos vejam assegurados e busquem os seus direitos enquanto pacientes. O Estado tem demonstrado atenção a esse tipo de tutela, em que é prevista uma especial proteção em decorrência da vulnerabilidade de uma das partes. Exemplos disso são as previsões na Constituição Federal Brasileira atual (CF/88), como no artigo 5º (quinto), caput, que veda a lesão ao princípio da isonomia tanto na sua acepção formal como material e no inciso XXXV (trinta e cinco), no qual preceitua o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, ou seja, afirma que será assegurada proteção aos direitos daquele que se achar lesado ou ameaçado de lesão; no Código Civil (CC/02 – Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002) quando assegura proteção especial ao menor; no Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990) em diversas passagens, como por exemplo, quanto à exigência de informação adequada e clara no que tange aos serviços. Além de normas infralegais, como o Novo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1. 931 de 17 de setembro de 2009)59, pareceres do Conselho Federal de Medicina (CFM) e dos

59 Essa resolução revogou o antigo Código de Ética Médica – Resolução CFM nº. 1.246, de 08 de janeiro de 1988. Foi publicada no Diário Oficial da União

Page 216: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

216 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Conselhos Estaduais. Essa vulnerabilidade decorrente da relação que se firma entre médico e paciente é conseqüência natural da conjugação de dois fatores imprescindíveis, a capacitação técnica do profissional médico, que detém o conhecimento específico para exercer a atividade, e, em situação oposta, o paciente, que procura o médico, justamente, por este ser dotado de tais atributos, ainda tendo como característica relevante, a fragilidade emocional por não ter a noção exata de sua moléstia, e as conseqüências que possa ocasionar à sua integridade física e mental. Contudo, convém ressaltar que o simples fato de estar explícita, nesse tipo de relação, a vulnerabilidade do paciente, não enseja, por si só, o desequilíbrio da mesma. Coaduna desse pensamento o médico Marcelo de Sousa Tavares A relação entre médico e paciente é, a priori, assimétrica, pois o primeiro é detentor do conhecimento técnico necessário para buscar a solução para os problemas de saúde do segundo. O paciente é aquele que se encontra em situação de ameaça à sua integridade física e mental, pelo intercurso da doença, em decorrência da qual se reporta ao médico. No entanto, essa assimetria, instituída pela própria relação em si, não precisa significar, necessariamente, desequilíbrio na inter-relação entre médico e paciente, implicando, apenas, em considerar que o paciente procura alguém com mais conhecimento que ele próprio para resolver seus problemas de saúde (...)60.

precipuamente em 24 de setembro de 2009. Contudo, necessitou de retificação, sendo à posteriori publicada no dia 13 de outubro de 2009 passando a vigorar, após a vacatio legis de cento e oitenta dias, a partir de 13 de abril de 2010. 60 TAVARES, Marcelo de Sousa. Aspectos éticos da quebra da relação médico-paciente. Revista Bioética, 2008. Disponível em: <http://www.jovensmedicos.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/61/64>. Acesso em 19/03/2010.

Page 217: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 217

Verifica-se que o mencionado autor frisa que essa assimetria prevista na relação em debate é incipiente, mostrando-se justificável tendo em vista a necessidade de existência desta para que a relação se perfaça. Somente os abusos que ocasionalmente possam vir a surgir que ensejariam plausivelmente uma intervenção. Assim, entende-se que uma relação médico-paciente equilibrada seria aquela em que se sopesam os direitos e deveres dos envolvidos e encontra-se a satisfação de ambos. Isso não implica em uma prescrição correta, ou uma cura efetiva sempre, mas sim, numa postura ética esperada, ou seja, na condução exata do procedimento, com atenção do médico, de maneira que escute o paciente e dê importância ao seu relato, que tenha complacência diante da necessidade deste se expressar e compreensão do contexto social de quem procura o auxílio, devendo o médico examiná-lo e prescrever conforme as expectativas e possibilidades61. O impasse ético tem sido combatido ferozmente nessas últimas décadas, dando destaque à necessária conduta responsável do praticante da Medicina, uma vez que o Brasil assegura e protege o direito à vida de forma ampla, tendo como basilar a dignidade da pessoa humana explicitada pelo mestre Immanuel Kant de maneira brilhante tomando como referência seus dois elementos formadores (...) Pessoa humana – a filosofia Kantiana mostra que o homem, como se racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio, enquanto os seres desprovidos de razão têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis por que se lhes chamam “coisas”, ao contrário, os seres racionais são chamados de pessoas, porque sua natureza já os designa como fim em si, ou seja, como algo que não pode ser empregado simplesmente como meio e que, por conseguinte, limita na mesma proporção o nosso arbítrio, por ser um objeto de respeito (...) de onde Kant deduz o seguinte imperativo

61 Idem.

Page 218: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

218 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

prático: “Age de tal sorte que consideres a Humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”. (...) Isso, em suma, quer dizer que só o ser humano, o ser racional, é pessoa. (...) Dignidade – voltemos, assim, a filosofia de Kant, segundo a qual no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Aquilo que tem um preço pode muito bem ser substituído por qualquer outra coisa equivalente. Daí a idéia de valor relativo, valor condicionado, porque existe simplesmente como meio o que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais do homem e tem um preço de mercado; enquanto aquilo que não é um valor relativo, e é superior a qualquer preço, é um valor interno e não admite substituto equivalente, é uma dignidade, é o que tem uma dignidade. (...) a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida (...) o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade da pessoa humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais (...)62. Percebe-se que a tutela ética é feita levando em consideração a dignidade da pessoa humana. E, nesse aspecto, o novo Código de Ética Médica, desenvolve relevante papel63, uma vez

62 Apud SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. Malheiros Editores, 2006. 2ª edição. p.37-38. 63 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS: (...) VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o

Page 219: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 219

que trata da matéria de forma minuciosa, elencando, inclusive, várias práticas vedadas ao médico64. Salienta-se que o que fora visto até então, no que diz respeito à relação médico-paciente, pode ser enquadrado de maneira perfeita para o relacionamento existente entre o médico e o paciente num tratamento de efeito placebo, uma vez ser este espécie desse gênero de relação. Num tratamento placebo, como visto, há como elemento predominante a confiança. Este elemento desenvolve imprescindível

extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade. 64 É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. Art. 25. Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem. Art. 26. Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa, considerada capaz física e mentalmente, em greve de fome, ou alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de risco iminente de morte, tratá-la. Art. 27. Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou utilizar-se de meio que possa alterar sua personalidade ou sua consciência em investigação policial ou de qualquer outra natureza. (...)

Page 220: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

220 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

papel na relação estabelecida, e é por isso que se torna extremamente pertinente a análise detalhada da boa-fé ou má-fé no caso concreto, tendo em vista o crescente número de ações judiciais visando à reparação de danos oriundos da mesma65. Na aplicação de placebos, a fidúcia tem destaque maior do que nas outras relações entre examinador e examinado, (...) Relação fiduciária. Fiduciária deriva da palavra latina para "confiança" ou "confiança". O vínculo de confiança entre o paciente e o médico é vital para o processo de diagnóstico e terapêutica. Ele forma a base para a relação médico-paciente (...)66. O novo Código de Ética Médica deixa clara a preocupação de serem protegidos os direitos do paciente, em consonância com a atual Carta Magna, em especial ao direito ao tratamento informado ou consentimento informado, que é baseado em uma decisão compartilhada entre o médico e o paciente, o médico apresenta os

65 Com relação à crescente busca do judiciário em decorrência da atividade desenvolvida pelo médico por meio do contrato celebrado com o paciente verificam-se inúmeros julgados nesse contexto nos tribunais por todo o país, como por exemplo, na seguinte jurisprudência: (TJSP - Apelação: APL 994050696193 SP) RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MATERIAIS E MORAIS - ERRO MÉDICO - INTERVENÇÃO CIRÚRGICA ADEQUADA PARA O TRATAMENTO DA PATOLOGIA APRESENTADA PELA AUTORA - LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A NECESSIDADE DA CIRURGIA REALIZADA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Contudo, no que diz respeito ao tratamento placebo ministrado por médico em específico não foram encontradas decisões nesse sentido, sendo o tema ainda incipiente na doutrina e jurisprudência pátria e global, daí a falta de menção nesse artigo. 66 Médico-Paciente Ética Good Stuff. Disponível em: <http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.valuemd.com/usmle-step-1-forum/6047-doctor-patient-ethics-good-stuff.html>. Acesso em 20/03/2010.

Page 221: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 221

valores e informações que serão relevantes ao paciente, e deste, espera-se que entenda a natureza da doença e da intervenção, incluindo os riscos e benefícios67. Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal. Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento. (grifos nossos) É evidenciada, da leitura dos artigos supramencionados referentes às vedações ao médico no que tange à relação médico-paciente, que a preocupação ética se faz totalmente pertinente, pois, o paciente, ao participar da relação como um dos pólos, tem pleno direito de ver-se informado dos detalhes de seu tratamento. Sob esta ótica, o tratamento placebo é encarado, por muitos, como lesionador dessa garantia do paciente, inclusive assegurado no Código de Defesa do Consumidor, que prevê como direito básico, o acesso a

67 SMITH, M. K.; FINKELSEN D.; FADEN R. O consentimento informado e da ética médica. Disponível em: <http://translate.googleusercontent.com/translate_c?hl=pt-BR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8447739%3Fordinalpos%3D1%26itool%3DEntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubmed_SingleItemSupl.Pubmed_Discovery_RA%26linkpos%3D2%26log%24%3Drelatedreviews%26logdbfrom%3Dpubmed&rurl=translate.google.com.br&usg=ALkJrhgp84_n80OP0fzTIQcIhedjug_1mw>. Acesso em 20/03/2010.

Page 222: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

222 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

informações claras a respeitos dos serviços ofertados no mercado. Também, prevendo como crime, no artigo 66 (sessenta e seis), Artigo 66 CDC: Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços. Cominando pena de detenção de três meses a um ano e multa. Num tratamento de efeito placebo, há maior vulnerabilidade do paciente tendo em vista ser da própria essência desse tipo de prática a falta de informação da ingestão de placebo pelo mesmo. Assim, no plano fático, muito maiores serão as chances de um indivíduo ter seus direitos lesionados em decorrência dessa conduta. Sendo isso plenamente auferido quando o sujeito vê-se sem obtenção de êxito algum no tratamento. Afirma-se que, apesar de buscarem equilíbrio nos comportamentos dos envolvidos – de um lado a omissão da informação acerca do tipo de tratamento e do procedimento utilizado como meio necessário para o desenvolvimento da técnica placebo. E de outro, o paciente que, de total boa-fé inicia uma relação com o médico, pólo detentor de maior força, uma vez que possui conhecimento técnico, esperando dele uma conduta ética, responsável e profissional, e, por conseguinte, concedendo um alto grau de confiabilidade a este e esperando, sinceramente, obter resultados positivos – di per si, já nascerá com fortes chances de ocasionarem dano à pessoa, uma vez que, quando contrapostos os interesses, geralmente, prevalecerá o do pólo mais fraco que, porventura venha a ser lesionado. Logo, a responsabilização far-se-á pertinente, seja com apoio ao judiciário e/ou no campo administrativo, com reflexos éticos e diretamente ligados ao Conselho Estadual de Medicina ao qual determinado profissional estará vinculado.

Page 223: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 223

Em suma, o que é percebido diante da relação firmada entre o médico e o paciente, e dando relevo ao tratamento placebo, é que os contornos éticos devem sempre ser respeitados, independentemente de que tipo de resultado se busca. Nunca se deve deixar de lado a figura do paciente, uma vez que este deve ser considerado como fim, e nunca como meio utilizado para o desenvolvimento da Ciência, pois, quando assim o é há lesão à dignidade do ser humano, tão protegida pelo ordenamento pátrio e global. O paciente espera do médico uma conduta ilibada, entregando ao mesmo, em contrapartida, parcela significante de confiança. Logo, tendo seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico pátrio68, bem como por normas administrativas regedoras da conduta do profissional médico, previstas no Novo Código de Ética Médica (anexo 01), a busca por justiça é garantida. O que se verifica quando há desequilíbrio na relação entre médico e paciente é uma quebra do contrato que fora firmado entre as partes, coadunando, por sua vez, para a possibilidade de reparação pela via judicial, devendo, a partir da análise do caso concreto, delimitar em que searas e sob que aspectos. Ressalta-se que a eleição de uma via de responsabilização não exclui a possibilidade de incidência da outra. Somente os contornos da situação fática imposta que serão aptas a dar o encaixe perfeito. 4. Relação contratual entre o médico e o paciente. Reflexos na responsabilização

Convém apresentar algumas das noções modernas que surgem para explicar o envolvimento entre o médico e o paciente. De acordo com Robert M. Veatch podem ser apontados quatro modelos para relação estabelecida entre as figuras mencionadas, quais sejam,

68 Artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988 - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Page 224: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

224 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

a relação médico-paciente engenheiro, sacerdotal, colegial e contratual. ENGENHEIRO- O médico atua como executor de ações propostas pelo paciente. É um modelo de tomada de decisão de baixo envolvimento, que se caracteriza mais pela atitude de acomodação do médico, distante das questões de valores, que pela dominação ou imposição do paciente. O paciente é um cliente que demanda uma prestação de serviços médicos. SACERDOTAL- O médico atua com paternalismo explicitado em relação ao paciente. Em nome da beneficência, a decisão tomada pelo médico não leva em conta os desejos, crenças, valores ou opiniões do paciente. O processo de tomada de decisão é de baixo envolvimento, baseando-se em uma relação de dominação por parte do médico e de submissão por parte do paciente. COLEGIAL- Médico e paciente interage como colegas, não se diferencia os papéis no contexto da relação. O processo de tomada de decisão é de alto envolvimento; o poder é compartilhado de forma igualitária. A maior restrição a este modelo é a perda da finalidade da relação médico-paciente, equiparando-a a uma simples relação entre indivíduos iguais. CONTRATUAL- Mútuos entendimentos de benefícios e responsabilidades são mantidos; o médico preserva a sua autoridade enquanto detentor de conhecimentos e habilidades específicas assume a responsabilidade pela tomada de decisões técnicas. O paciente participa desse processo exercendo seu poder de acordo com seus valores morais e pessoais. O processo ocorre em um clima de efetiva troca de informações e a tomada de decisão pode ser de médio ou alto envolvimento69. (grifos nossos)

69 Apud Aspectos éticos na relação médico paciente e implicações na responsabilidade civil. Disponível

Page 225: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 225

Diante do exposto, e da observância da prática médica atual, é possível perceber a existência de todos esses modelos, ou seja, os mesmos interagem diante da dinâmica complexa que se firma entre os sujeitos contrapostos oriundos dessa relação. Contudo, indiscutivelmente, há predominância da prática contratual, mesmo que indiretamente, justificando, por conseguinte, ser esta a natureza jurídica da prestação de serviços médicos. Deste posicionamento majoritário comungam estudiosos de renome como Carlos Roberto Gonçalves afirmando que “não se pode negar a formação de um autêntico contrato entre o cliente e o médico, quando este o atende. Embora muito já se tenha discutido a esse respeito, hoje não pairam mais dúvidas a respeito da natureza contratual da responsabilidade médica”70. Silvio Rodrigues também entende não haver mais necessidade de discussão do enquadramento da natureza jurídica como negocial, concluindo que “a responsabilidade de tais profissionais é contratual, e hoje tal concepção parece estreme de dúvida”71. Na mesma linha de raciocínio Caio Mário da Silva Pereira, que diz: “Não obstante o Código Brasileiro inseri-la em dispositivo colocado entre os que dizem respeito à responsabilidade aquiliana, considera-se que se trata de responsabilidade contratual”72. Salienta-se, contudo, que a pacificação na doutrina brasileira acerca da natureza jurídica só ocorreu com o advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990, assentando que a relação firmada

em:<http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/consumidor/eventos/pop03.pdf>. Acesso em 20/03/2010. 70 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 255-256. 71 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. V.4. p. 268. 72 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 150.

Page 226: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

226 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

entre o médico e o paciente é relação de consumo pautada na prestação de serviços73. Importantíssima essa conclusão, tendo em vistas as repercussões no campo da responsabilização em decorrência de desequilíbrios ocorridos no decorrer do contrato e da antiga discussão existente na doutrina, verificando-se, ainda hoje, posições minoritárias que defendem ser a natureza jurídica extracontratual ou aquiliana, tomando como base a posição do artigo 1.545 do Código Civil em vigor74 que trata da obrigação de reparação de dano por médicos (e outros profissionais da área de saúde), localizado no Capítulo II (Da Liquidação das Obrigações Resultantes de Atos Ilícitos no Título VIII - Da Liquidação das Obrigações). Assim, a argumentação dada por essa minoria é a de que, se o legislador desejasse que a responsabilidade fosse considerada contratual estaria inserida no Título IV - Dos Contratos - ou no Título V - Das Várias Espécies de Contratos - no mesmo Código. Contudo, tal corrente não vinga por ser estruturada em fundamentações bastante precárias que não gozam de aceitação da melhor doutrina, como

73 Ressalta-se que o Novo Código de Ética Médica possui texto expresso negando a natureza consumerista estabelecida entre o médico e o paciente – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS: (...) XX - A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo. Contudo, é pacífico na doutrina tratar-se de tal relação, mesmo reconhecendo o caráter personalíssimo desse tipo de contratação. Pois, o Novo Código de Ética Médica não é considerado lei em sentido estrito, ou seja, não decorre do processo legislativo previsto na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Logo, inapto a revogar o preceito consumerista. Pois, como afirma a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), no artigo 2º, § 1º: A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. (grifos nossos) 74 Artigo 1.545 do Código Civil 2002: Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou da imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.

Page 227: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 227

destacado por Sergio Cavalieri Filho que admite a possibilidade excepcional de enquadramento em responsabilização extracontratual em casos especiais, como por exemplo, quando o paciente não puder expressar sua vontade, ou a relação não se firmar com bases nesta. Essa conclusão torna-se pertinente quando se dedica atenção ao princípio fundamental das relações negociais, a autonomia da vontade. Bem como quando houver lesão aos requisitos75 básicos previstos no Código Civil vigente para a existência e validade do negócio jurídico. A responsabilidade médica é, de regra, contratual, em razão da forma como se constitui a relação paciente-médico. Normalmente, o paciente procura o médico, escolhe o profissional de sua confiança, constituindo com ele vínculo contratual. Resta, todavia, uma vasta área para a responsabilidade médica extracontratual, como, por exemplo, nos casos de atendimento de emergência, estando o paciente inconsciente, ou quando o médico se recusa a atender o paciente nesse estado emergencial; tratamento desnecessário, cirurgias sabidamente indevidas, experiências médicas arriscadas, etc. Há, ainda, casos, até, de ilícito penal perpetrado por médicos que realizam aborto fora dos casos permitidos em lei, desligam aparelhos para apressar a morte do paciente, receitam tóxicos ou substâncias entorpecentes indevidamente (...)76. Assim, conclui-se com tranqüilidade que a regra que norteia as relações entre médicos e pacientes é fundada em um contrato, ou

75 Os requisitos necessários para a validade do negócio jurídico vêm previstos no art. 104 do Código Civil em vigor, são os seguintes: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. 76 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 272.

Page 228: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

228 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

seja, nada mais representa do que relação de consumo, e, por conseguinte, podendo ser alvo dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor. Porém, por expressa menção nesse texto legal – artigo 14 (quatorze), § 4º (parágrafo quarto) – a responsabilidade pessoal do profissional liberal será apurada mediante a verificação de culpa. Mas, seguindo a posição supra, há respaldo para afirmar que a responsabilidade do médico poderá ser, em casos excepcionais, aquiliana. Insta salientar que o contrato de prestação de serviços médicos preenche os requisitos de existência e validade estabelecidos no Código Civil de 2002, quais sejam: agente capaz, sendo considerado o paciente o contratante, capaz ou fazendo-se representar ou assistir por quem de direito nos casos previstos no mesmo código, e o médico como contratado, também capaz nos contornos civilistas; o objeto é lícito, possível e determinado uma vez que existem inúmeras disposições legais, como a Lei nº. 8.080/1990 que trata das condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, diretamente afirmando a licitude de tal conduta, inclusive considerada como de peculiar importância para o desenvolvimento e manutenção da sociedade; e a forma, que não é defesa em lei, sendo, portanto, plenamente possível o firmamento de tal contrato que não necessita de formalidade, podendo ser produzido pela via escrita ou oral. O marco inicial dessa relação de consumo é delimitado pela primeira consulta. O contrato de prestação de serviços médicos possui quatro características predominantes, é sui generis, oneroso, bilateral e personalíssimo, como preconiza Débora Sotto, (...) O contrato de prestação de serviços médicos é um contrato sui generis, oneroso, bilateral e personalíssimo. Sui generis,

Page 229: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 229

porque composto quase que exclusivamente por normas cogentes, consubstanciadas no Código de Ética Médica e na legislação civil e penal. Oneroso, porque os serviços médicos são remunerados, quer pelo próprio paciente, quer por terceiros. Bilateral, porque confere direitos e prescreve obrigações a ambas as partes contratantes; ainda que a maior parte das obrigações contratuais sejam impostas aos médicos, o paciente é obrigado à observância de ao menos dois deveres: fornecer ao médico as informações corretas sobre seus sintomas e seguir as recomendações quanto ao tratamento. Por fim, apesar da crescente despersonalização e massificação dos serviços médicos, contrato personalíssimo, porque se funda primordialmente numa relação de confiança entre as partes contratantes77. Via de regra, a doutrina predominante entende ser um contrato de meio o firmado entre o médico e o paciente uma vez que aquele se compromete em atuar com diligência, empregando toda a técnica de que detém conhecimento, a fim de obter os resultados mais satisfatórios possíveis, uma vez que se trata de situação instável, levando-se em consideração que os seres humanos reagem de maneiras diferentes a um mesmo tratamento, não se pode assegurar um resultado. Logo, a conclusão que se verifica é ser um contrato de meio e não de fim ou resultado. Como observa Marco Fridollin Sommer Santos,

A não-obtenção do diagnóstico correto apenas demonstra que o resultado esperado não foi alcançado. Mas se o profissional, na busca do diagnóstico utilizou-se corretamente de todos os meios que o estado da técnica e as condições de trabalho lhe proporcionam,

77 SOTTO, Débora. O dever de informar do médico e o consentimento informado do paciente – medidas preventivas à responsabilização pela falta ou deficiência de informação. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4635>. Acesso em 20/03/2010.

Page 230: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

230 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

não há que se falar em culpa profissional. O objeto da obrigação, que é a prestação de serviços médicos, não se confunde com a sua finalidade. O fim é a obtenção de um resultado correto. A não-obtenção do resultado esperado não se confunde com a violação da obrigação78. Em suma, o que se entende por obrigação de meio é o fato de que a contratação não se vincula a resultados finais específicos. Necessita sim, do emprego de toda a diligência possível para a busca dos melhores resultados, sem, contudo, vincular-se a eles. Na contratação de resultado o elo é firmado justamente no intuito de obtenção de resultado específico. A ausência deste implica em defeito no cumprimento do contrato, logo, ensejando reparação. A obrigação de meio é aquela em que o profissional não se obriga a um objetivo específico e determinado. O que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem o compromisso de atingi-lo. O contratado se obriga a emprestar atenção, cuidado, diligência, lisura, dedicação e toda a técnica disponível sem garantir êxito. Nesta modalidade o objeto do contrato é a própria atividade do devedor, cabendo a este enveredar todos os esforços possíveis, bem como o uso diligente de todo seu conhecimento técnico para realizar o objeto do contrato, mas não estaria inserido aí assegurar um resultado que pode estar alheio ou além do alcance de seus esforços. Em se tratando de obrigação de meio, independente de ser a responsabilidade de origem delitual ou contratual, incumbe ao credor provar a culpa do devedor. Na obrigação de resultado há o compromisso do contratado com um resultado específico, que é o ápice da própria obrigação,

78 Apud SOUZA, Neri Tadeu Camara. Médico Paciente: um contrato. Disponível em: <http://orbita.starmedia.com/jurifran/ajmedpac.html#12.0>. Acesso em 20/03/2010.

Page 231: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 231

sem o qual não haverá o cumprimento desta. O contratado compromete-se a atingir objetivo determinado, de forma que quando o fim almejado não é alcançado ou é alcançado de forma parcial, tem-se a inexecução da obrigação. Nas obrigações de resultado há a presunção de culpa, com inversão do ônus da prova, cabendo ao acusado provar a inverdade do que lhe é imputado (Inversão do ônus da Prova) (...)79. Num tratamento em que há uso de placebo pode-se afirmar tratar-se de contratação de meio. Logo, deverá o profissional da Medicina empregar toda a diligência e conhecimentos técnicos para a obtenção dos melhores resultados possíveis. Assim, verifica-se com base no artigo 14 (quatorze), § 4º (parágrafo quarto) do Código de Defesa do Consumidor80, e nas regras infirmadas no Atual Código de Ética Médica81, que a responsabilidade civil do médico é subjetiva, ou seja, necessita da comprovação de que o mesmo atuou com culpa lato sensu, o que corresponde a dizer que atuou com dolo, negligência, imprudência ou imperícia, a depender do caso concreto. É ínsito ao tratamento de efeito placebo a não informação da aplicação deste ao paciente, com isso, o mesmo não tem consciência da ineficácia do que lhe é ministrado somente sendo perceptível quando os resultados esperados não são obtidos. Assim, o que se

79 ALMEIDA, Yuri A. Mendes de. Obrigações de meio e Obrigações de resultado. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/law-and-politics/law/1681037-obriga%C3%A7%C3%B5es-meio-obriga%C3%A7%C3%B5es-resultado/>. Acesso em 11/04/2010. 80 Artigo 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor (CDC): “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” 81 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS: (...) XIX - O médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência.

Page 232: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

232 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

percebe é que alguns elementos recebem destaque especial quando se fala em tratamento placebo e responsabilização, como por exemplo, a má-fé, conceito contrário à boa-fé objetiva82 que deve ser empregada nos contratos. A relação entre o médico e o paciente desenvolve-se pautada na confiança recíproca, e, por conseguinte, indispensável a boa-fé. A conclusão que se verifica nesse posicionamento é a de que a prestação de serviços médicos representa um contrato de meio com feições específicas, pois, a ênfase dada à má-fé e a lesão aos direitos do paciente recebe destaque especial, ensejando a responsabilização pelos danos decorrentes da conduta médica negligente, que somente podem ser auferidos diante da não obtenção dos resultados esperados cumulada ao emprego da má-fé. A má-fé é conceito de valoração subjetiva, verificada pela ausência do emprego de diligência necessária que o caso concreto necessita. Com isso, quando um paciente procura um médico, sendo ministrado àquele um placebo, e, a posteriori, percebe-se que não houve nenhuma melhora, só então recebendo a informação de que tipo de tratamento foi-lhe aplicado, haverá desequilíbrio na relação médico-paciente, pois, houve lesão ao direito de ser informado das miudezas da sua terapêutica, bem como do que diz respeito ao consentimento informado. Frisa-se que a conduta médica no qual há omissão quanto ao tratamento, bem como as possíveis reações colaterais representa dolo ou culpa na modalidade negligência. É imprescindível que o paciente, ou os familiares do mesmo a depende do caso, recebam

82 A boa-fé objetiva consiste em diretriz geral dos negócios jurídicos, representa a forma como devem se portar os envolvidos na contratação, com lealdade, probidade, respeito mútuo e clareza.

Page 233: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 233

todas as informações necessárias para que possam consentir. O direito ao consentimento informado é o pilar de toda a Bioética, bem como de todo ato médico. O Código de Defesa do Consumidor defende o direito à informação83 por tratar-se de ação afirmativa que visa proteger indivíduos que se encontram em situação de desigualdade, por não terem, no caso específico da relação médico-paciente, conhecimentos técnicos. Assim, o referido diploma normativo, representa avanço na aplicação do Direito, uma vez que privilegia a aplicação do princípio constitucional da isonomia em sua acepção material. Como enuncia Sérgio Cavalieri Filho, (...) Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir84.

Por conseguinte, verifica-se que a eleição da responsabilidade subjetiva do médico pauta-se no caráter personalíssimo do contrato firmado entre as partes, bem como na própria evolução das Ciências. Pois, muito embora tenham boas técnicas sendo aplicadas, reconhece-se que muito ainda pode ser explorado e, juntando a isso, as diferentes reações que o organismo humano pode ter em indivíduos diversos.

83 Artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor: (...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. 84 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 392.

Page 234: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

234 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

5. O direito do paciente ao consentimento informado e o dever do médico de informar. A ética médica frente ao tratamento placebo É sedimentada no campo do Biodireito a noção existente quanto ao consentimento informado, sendo considerado como o principal princípio deste novíssimo ramo do Direito. Surge como reflexo da liberdade do ser humano, assegurada como direito fundamental na atual Carta Política. Seria a liberdade de expressão, a liberdade de gerir a vontade guiada por informações claras, precisas e totalmente desvirtuada de dúvidas. Para tanto, conglobam-se dois princípios na formação do livre consentimento informado. O livre convencimento, sendo reflexo do direito à liberdade, como já mencionado, e o direito à informação, que, com o advento do Código de Defesa do Consumidor recebeu contornos especiais, uma vez que a ausência, ou má prestação de informações, configura negligência, e, por conseguinte, eivando de culpa a conduta do profissional médico. Logo, surgindo para o paciente à possibilidade de busca, diante da lesão a direito seu, ao judiciário e à seara administrativa, representada pelos Conselhos Estaduais de Medicina, para a devida responsabilização desse profissional que não atuou de acordo com a conduta esperada.

O Consentimento Informado consiste numa “decisão voluntária, realizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo e deliberativo, visando à aceitação de um tratamento específico, sabendo da natureza dos mesmos, suas conseqüências e dos seus riscos85.

85 Apud FERNANDES, Carolina Fernández; PITHAN, Lívia Haygert. O consentimento informado na assistência médica e o contrato de adesão: uma perspectiva jurídica e bioética. Disponível em: < http://www.seer.ufrgs.br/index.php/hcpa/article/viewFile/2568/1226>. Acesso em 12/04/2010.

Page 235: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 235

Diante do direito do paciente em consentir, há, de maneira proporcional, o dever de informar do médico. Existe uma relação de interdependência entre os dois preceitos. Para um existir há a necessidade do outro, em conseqüência, sendo um eivado de vício, o outro necessariamente também estará maculado. Contudo, para ensejar responsabilização, em regra de natureza civil, e administrativa, mas, a depender do caso concreto poderá também ser acessível a seara penal, a ordem de negligência que se estabelece é a seguinte: O médico, tendo o dever de informar ao paciente todas as miudezas do tratamento placebo que lhe será ministrado não o faz, por acreditar que tornará ineficaz o procedimento, uma vez que a não informação é peculiar deste, e, com isso, o paciente acaba por consentir pautado em informações sem clareza, não aptas a gerarem um consentimento livre e informado capaz de excluir a responsabilidade do médico por eventuais danos ocorridos no decorrer da terapêutica. É bastante delicada a relação criada entre o direito à informação do paciente e a técnica de tratamento placebo. Sempre, mesmo que de maneira ínfima, haverá lesão a esse direito. Salienta-se que mesmo nos casos onde o placebo atinge efeitos benéficos haverá essa lesão, pois, o que visa tal direito é diametralmente oposto ao que enuncia a técnica placebo. Por conseguinte, é possível afirmar que quando houver dano efetivo ao paciente decorrente da não informação, ou da informação imprecisa, que é considerada como não prestada, ou ainda excessivamente rebuscada ou puramente técnica, haverá possibilidade de reparação, mas, como a responsabilidade do médico é subjetiva, haverá a necessidade de comprovação da culpa do mesmo. Sendo, porém, possível, em caráter excepcional, a inversão do ônus da prova em favor do

Page 236: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

236 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

paciente, pois, este é protegido pelo Direito Consumerista86. Assim como leciona Sérgio Cavalieri Filho Na verdade, o direito à informação está no elenco dos direitos básicos do consumidor: ‘informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, bem com sobre os riscos que apresentam’ (art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor). A informação tem por finalidade dotar o paciente de elementos objetivos de realidade que lhe permitam dar, ou não, o consentimento. É o chamado consentimento informado, considerado, hoje, pedra angular no relacionamento do médico com seu paciente. (…) Pois bem, embora médicos e hospitais, em princípio, não respondam pelos riscos inerentes da atividade que exercem, podem, eventualmente, responder se deixarem de informar aos pacientes as conseqüências possíveis do tratamento a que serão submetidos. Só o consentimento informado pode afastar a responsabilidade médica pelos riscos inerentes à sua atividade. O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar caberá sempre ao médico ou hospital87. As acepções atuais da Bioética caminham no sentido de priorizar a autonomia da vontade do paciente, isso poderia levar a crer que o princípio do consentimento informado invalida o princípio da beneficência, mais conservador e reflexo dos contornos sócio-ideológicos de seu surgimento. A essência paternalista da

86 A inversão do ônus da prova é um dos direitos do consumidor, prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), no artigo 6º, inciso VIII, desde que seja verossímil a alegação ou que o consumidor seja hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiência. Visando com tal medida, a facilitação da defesa de seus direitos. Será concedida a critério do juiz nos processos de cunho civil. 87 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 2009, pp. 377-378.

Page 237: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 237

beneficência, baseada no juramento de Hipócrates88 (anexo 02), afirma que a conduta médica deve sempre ser voltada para encontrar o melhor resultado, mesmo que o desejo do paciente seja contrário a isto. Ou seja, a conduta médica correta é encarada como aquela em que os melhores benefícios serão atingidos, muito embora se tenha que desprezar a autonomia da vontade do paciente de dispor sobre o seu próprio corpo. Contudo, embora digno de respeito o juramento milenar dos médicos, que reflete a noção divina da Medicina, bem como a responsabilidade no exercício de tal profissão, não se pode afirmar que um princípio excluiria o outro quando da conduta médica, pois, existem exceções ao princípio da autonomia ou consentimento informado, como nos casos de urgência com iminente risco de vida. Nessas especiais situações, não haverá lesão por parte do médico por ser aplicado o privilégio terapêutico. Importante salientar que, via de regra, o consentimento informado prestado a partir das informações idôneas fornecidas pelo médico são aptas a liberá-lo de possíveis responsabilizações posteriores (uma vez que a responsabilidade, em regra, é subjetiva). A vertente Ética atual deixa um pouco de lado o conservadorismo de outrora e pauta-se pela autonomia do paciente. Seria, portanto o consentimento informado como reflexo do direito da personalidade de disposição sobre o próprio corpo, que deriva do direito nato à integridade física, da liberdade do indivíduo, e em última instância, da própria dignidade da pessoa humana. Encontra-se essa posição, no atual Código de Ética Médica,

88 O juramento de Hipócrates recebeu tradução em diversos idiomas sendo conhecido mundialmente, representado o pilar de estruturação da Ciência Médica antiga. Dá ênfase ao formalismo da profissão e enuncia normas de condutas que devem ser seguidas pelos médicos independentemente de estarem no exercício da profissão. É utilizado de forma solene na colação de grau de estudantes de Medicina em todo o Brasil.

Page 238: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

238 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

É vedado ao médico: (...) Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal. Conclui-se que a posição do Conselho Federal de Medicina, ao editar o novo Código de Ética, não deixa dúvidas, mostrando-se atento às novas tendências da Bioética e do Biodireito. No que tange a aplicação de placebos o mesmo não foi omisso, porém, somente tratou do tema referindo-se às pesquisas científicas, permitindo o uso apenas quando não houver nenhum tratamento efetivo e eficaz para a doença pesquisada. Frisa-se, no que tange especificamente à aplicação pelo médico de tratamento placebo como técnica comum nos consultórios, que a omissão fundamenta-se na ausência de informação sobre os direitos do próprio paciente, e de lides e decisões judiciais com esse contexto. Desta maneira, afirma-se que a visibilidade dada ao tema será crescente à medida que forem difundidos os direitos do paciente diante da publicação do Novo Código de Ética Médica, e das condenações de profissionais médicos

Page 239: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 239

por meio do judiciário e na seara administrativa, decorrente de desequilíbrio contratual. Considerações Finais As conclusões ético-jurídicas que podem ser encontradas diante da relação estabelecida entre o médico e o paciente num tratamento de efeito placebo, tendo como elemento básico a confiança decorrente do caráter personalíssimo do contrato firmado, são interessantes. Pois, antes de qualquer análise específica ao que tange à responsabilização, é preciso perceber a peculiaridade da técnica placebo. Esta se funda na ingestão medicamentosa sem efeitos farmacológicos cientificamente comprovados, como por exemplo, pílulas de farinha. Estaria pautada na crença da potencialidade da mente humana, no poder que o indivíduo possui de regenerar-se. Assim, é fácil perceber a contrariedade desse tipo de tratamento com o princípio norteador de toda a conduta médica, o dever de informar do profissional e o consentimento informado do paciente. Diante disso, afirma-se haver lesão a esse direito. Contudo, a reparação na seara jurisdicional necessita de dano efetivo, além da comprovação de culpa do médico, tendo em vista a sua caracterização em sendo subjetiva derivada de uma obrigação de meio. Quando o médico ministra um placebo em seu paciente o dano só será percebido quando não se fizerem presentes os resultados esperados. Logo, a conclusão que se verifica é a de que não há o emprego da boa-fé nessa relação contratual, pois, esta traz consigo a necessidade de lealdade e transparência nas relações. Haverá um efeito em cascata no infringir dos institutos. Salutar a proteção ao consumidor/paciente no Código de Defesa do Consumidor (CDC), muito embora o novo Código de Ética Médica traga texto expresso negando a relação de consumo existente entre o médico e o paciente, (inapto a gerar revogação do

Page 240: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

240 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

conteúdo normativo consumerista, tendo em vista não ser o Novo Código de Ética Médica lei em sentido estrito, ou seja, elaborada de acordo com o processo legislativo estabelecido na Carta Magna atual), pois, a vertente da defesa aos vulneráveis vem sendo cada vez mais seguida pelos diplomas normativos brasileiros, visando com isso, igualar os indivíduos que, entre outros fatores, historicamente foram negligenciados. Por fim, salienta-se a contribuição dos placebos em pesquisas científicas propiciadoras do desenvolvimento de novos medicamentos. Atuam de maneira determinante na descoberta dos efeitos destes. Contudo, o que se busca no presente artigo é abordar o campo prático, relações concretas entre o médico e o paciente. Nestas, porém, os placebos são ensejadores de grande insegurança, podendo causar responsabilização judicial do profissional que os ministra devido à ocorrência de dano efetivo, mesmo não sendo encontrado nenhum julgado nesse sentido, e, sujeição a processo administrativo que poderá, eventualmente, observado o princípio da proporcionalidade, culminar na cassação do registro no Conselho Estadual de Medicina onde atua esse médico por violar preceitos éticos fundamentais que norteiam essa profissão.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Yuri A. Mendes de. Obrigações de meio e Obrigações de resultado. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/law-and-politics/law/1681037-obriga%C3%A7%C3%B5es-meio-obriga%C3%A7%C3%B5es-resultado/>. Acesso em 11/04/2010. Aspectos éticos na relação médico paciente e implicações na responsabilidade civil. Disponível em: <http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/consumidor/eventos/pop03.pdf>. Acesso em 20/03/2010.

Page 241: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 241

BARRET, Stephen M.D. Remissão Espontânea e Efeito Placebo. Disponível em: <http://quackwatch.haaan.com/placebo.html>. Acesso em 17/03/2010. BALLONE, G. J. O Placebo e a Arte de Curar. in. PsiqWeb, internet. Disponível em <http://www.virtualpsy.org/trats/placebo.html>. Acesso em: 18/03/2010. BENAVIDES, Leandro. Estudo sobre o Efeito Placebo. Disponível em: <http://blogs.myspace.com/index.cfm?fuseaction=blog.view&friendId=183064319&blogId=40255027>. Acesso em 17/03/2010. CARMO, Isabel do. A desumanização da Medicina. Disponível em: <http://apontamentos.blogspot.com/2006/03/desumanizao-da-medicina.html>. Acesso em 11/04/2010. CARROL, Robert Todd. The Skepdic’s dictionary. Disponível em: <http://www.skepdic.com/brazil/placebo.html>. Acesso em 17/03/2010. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 2009. DANTAS, R.M. Homeopatia: conceitos... Disponível em: <http://inspetra.wordpress.com/2009/06/18/homeopatia-conceitos/>. Acesso em 16/03/2010. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. – 6. ed. – São Paulo: LTr, 2007. FERNANDES, Carolina Fernández; PITHAN, Lívia Haygert. O consentimento informado na assistência médica e o contrato de adesão: uma perspectiva jurídica e bioética. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/index.php/hcpa/article/viewFile/2568/1226>. Acesso em 12/04/2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

Page 242: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

242 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Médico-Paciente Ética Good Stuff. Disponível em: <http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.valuemd.com/usmle-step-1-forum/6047-doctor-patient-ethics-good-stuff.html>. Acesso em 20/03/2010. MORAES, Cristina Baleeiro; MORAES, Eduardo Baleeiro. O Efeito placebo e o efeito Nocebo nos procedimentos terapêuticos. Disponível em: <http://www.cibersaude.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=353>. Acesso em 16/03/2010. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. V.4. SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2ª ed. Malheiros Editores, 2006. SMITH, M.K.; FINKELSTEIN. D.; FADEN R. O consentimento informado e da ética médica. Disponível em: <http://translate.googleusercontent.com/translate_c?hl=pt-BR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8447739%3Fordinalpos%3D1%26itool%3DEntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubmed_SingleItemSupl.Pubmed_Discovery_RA%26linkpos%3D2%26log%24%3Drelatedreviews%26logdbfrom%3Dpubmed&rurl=translate.google.com.br&usg=ALkJrhgp84_n80OP0fzTIQcIhedjug_1mw>. Acesso em 20/03/2010. SOTTO, Débora. O dever de informar do médico e o consentimento informado do paciente – medidas preventivas à responsabilização pela falta ou deficiência de informação. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4635>. Acesso em 20/03/2010. SOUZA, Neri Tadeu Camara. Médico Paciente: um contrato. Disponível em: <http://orbita.starmedia.com/jurifran/ajmedpac.html#12.0>. Acesso em 20/03/2010.

Page 243: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 243

TALBOT, Margaret. A Prescrição de Placebos - New York Times Magazine 1/09/2000, disponível em: <http://www.nytimes.com/library/magazine/home/20000109mag-talbot7.html>. Acesso em 16/03/2010. TAVARES, Marcelo de Sousa. Aspectos éticos da quebra da relação médico-paciente. Revista Bioética, 2008. Disponível em: <http://www.jovensmedicos.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/61/64>. Acesso em 19/03/2010. TESSLER. Leandro R. O Estudo Duplo Cego. Disponível em: <http://ccientifica.blogspot.com/2008/06/o-estudo-duplo-cego.html>. Acesso em 18/03/2010. W. A. Ribeiro Jr. O Juramento de Hipócrates. Disponível em: <http://warj.med.br/pub/pdf/juramento.pdf>. Acesso em 28/04/2010.

Page 244: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

244 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

DIALOGANDO SOBRE SEGURIDADE SOCIAL: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA SOCIAL DE ASSISTÊNCIA NO MUNICÍPIO DE CRUZ DO

ESPÍRITO SANTO/PB

André Ricardo Fonsêca da Silva89 RESUMO: Este trabalho trata da busca da efetivação da seguridade social por meio da construção da política de assistência do município de Cruz do Espírito Santo no Estado da Paraíba. Para tanto, a abordagem metodológica foi a quali-quanti, além do método de abordagem dedutivo e também do procedimento técnico de pesquisa bibliográfica. Concluiu-se que a busca da concretização da política social, como o Programa Bolsa Família, tem permitido a melhoria da seguridade social de populações pobres como é o caso de grande parcela dos habitantes de Cruz do Espírito Santo. Palavras-Chave: Seguridade Social; Política Social. Programa Bolsa Família.

DIALOGUING ON SOCIAL SECURITY: AN ANALYSIS OF SOCIAL POLICY ASSISTANCE IN CRUZ DO ESPÍRITO SANTO/PB

SUMMARY: This paper deals with the search for effective social security through the construction of the municipal welfare policy of Cruz do Espírito Santo in the State of Paraíba. Therefore, the methodological approach was qualitative and quantitative, in addition to deductive method of approach and also the technical procedure of literature. It was concluded that the search of the implementation of social policy, such as the Bolsa Família Program, has allowed the improvement of social welfare of poor people as in

89 Doutorando em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ; Mestre em Direito pela UFPB; Professor da Unipê.

Page 245: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 245

the case of large portion of the inhabitants of the Cruz do Espírito Santo. Keywords: Social Security; Social policy. Bolsa Família Program.

1 INTRODUÇÃO Este artigo trata sobre um estudo da efetivação da seguridade social, tendo como base a política social de assistência do município de Cruz do Espírito Santo, que fica localizado no Estado da Paraíba, nordeste brasileiro. A Paraíba é muito conhecida pelas situações de pobreza extrema, principalmente, no sertão. Entretanto, ao efetuarmos este estudo vamos desmistificar esta ideologia, pois o município de Cruz do Espírito Santo fica numa região próxima a capital da Paraíba – João Pessoa. Esta inserida numa região muito próxima do litoral.

Para a concretização deste trabalho efetuamos buscas on line relacionadas ao município em questão, dando ênfase a informações procedentes de institutos com tradição na pesquisa, que foram o IBGE e o MDS. Demos ênfase a dados na internet devido a carência de informações no site da prefeitura do município de Cruz do Espírito Santo.

Para isto partimos de uma abordagem quali-quanti, ou seja, qualitativa, onde foram enfocados discussões conceituais referentes a políticas de assistência social e também quantitativa por utilizarmos dados estatísticos. Além de usarmos a método dedutivo, pois partimos de temas gerais, como efetivação da seguridade social e políticas públicas.

Este artigo foi dividido em três tópicos, onde no primeiro nos preocupamos em fazer uma contextualização histórico-social do município de Cruz do Espírito Santo. Já no segundo os programas construídos no seio deste município. E no terceiro especificamente sobre a assistência social e a concretização da seguridade social

Page 246: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

246 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

numa cidade marcada pela pobreza. 2 BREVE DADOS HISTÓRICO-SOCIAIS SOBRE O MUNICÍPIO DE CRUZ DO ESPÍRITO SANTO

Povoado de razoável tamanho já na metade de 1800, com o nome de Espírito Santo, mudou seu nome no atual quando, no ano de 1879, o rio Paraíba, em face de uma cheia, transbordou do seu leito e trouxe em suas águas uma imensa cruz de madeira deixando-a no local onde atualmente se ergue a igreja da cidade. Esse fato contribuiu para que os habitantes da região passassem a chamar o povoado de Cruz do Espírito originado da junção do vocábulo Cruz, decorrente do evento, com a denominação do antigo engenho, Espírito Santo. Mais de um século, após ter sido encontrada a cruz, no ano de 1907, o vigário da Freguesia local construiu um pedestal onde a ergueu, perpetuando assim, ate hoje este fato histórico. (CRUZ DO ESPÍRITO SANTO)

Cruz do Espírito Santo se emancipou como Município do Estado da Paraíba em 07 de marco de 1896, sendo hoje oficialmente considerado como pertencente a microrregião de Sapé, sendo também Município da Região Metropolitana de João Pessoa.

Segundo dados do IBGE do Censo de 2010 o município tem área territorial de 195,596 km2, com IDH - Índice de desenvolvimento Humano de 0,552 . A população residente no município é de 16.257 pessoas, sendo 8.164 mulheres e 8.093 homens. O valor do rendimento nominal mediano mensal per capita dos domicílios particulares permanentes-rural é de 170,00 reais. E o valor do rendimento nominal mediano mensal per capita dos domicílios particulares permanentes-urbana é de 222,75 reais. Porém, o número de pessoas ocupadas é um dado que assusta, pois é de apenas 1.116 pessoas. Além de a população alfabetizada ser apenas de 9.990 habitantes. Com estes dados supramencionados podemos caracterizar o município como de grande pobreza, tendo em vista o grande número

Page 247: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 247

de famílias de baixa renda. O território é caracterizado por extensas áreas de cana de açúcar exploradas por usinas e engenhos cuja riqueza não é distribuída igualitariamente. Sendo boa parte da população agrícola posseira de pequenas terras rurais que foram distribuídas pelo INCRA (Instituto Nacional para a Colonização e Reforma Agrária), formando-se alguns assentamentos, que contribuem para o desenvolvimento local por meio da agricultura familiar.

Boa parte das famílias depende do salário de trabalhadores assalariados na produção canavieira em usinas localizadas em outros municípios, pois ainda é precária a renda relativa à agricultura familiar. 3 PROGRAMAS PÚBLICOS FEDERAIS APLICADOS NO MUNICÍPIO

Cabe destacar alguns Programas Federais que beneficiam a cidade de Cruz do Espírito Santo: 3.1 PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar)

O Pronaf serve para financiar projetos individuais ou coletivos, que possibilitem a geração de renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O programa possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais. Será considerado crédito coletivo quando formalizado por grupo de produtores para finalidades coletivas.

O agricultor terá que transcorrer alguns passos para ter acesso a este programa. Onde o primeiro passo é um diálogo com a família em relação a identificação da carência do crédito, se será para custeiar a safra ou atividade agroindustrial, ou para que haja investimentos para aquisição de máquinas, equipamentos ou infraestrutura de produção e serviços agropecuários ou não agropecuários.

Posteriormente, após a decisão do que financiar, a família deve procurar o sindicato rural ou a empresa de Assistência Técnica e

Page 248: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

248 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Extensão Rural (Ater), como a Emater, para obtenção da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que será emitida segundo a renda anual e as atividades exploradas, direcionando o agricultor para as linhas específicas de crédito a que tem direito. Para os beneficiários da reforma agrária e do crédito fundiário, o agricultor deve procurar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou a Unidade Técnica Estadual (UTE).

Cabe salientar que o agricultor deverá estar com o CPF regularizado e livre de dívidas. As condições de acesso ao Crédito Pronaf, formas de pagamento e taxas de juros correspondentes a cada linha são definidas, anualmente, a cada Plano Safra da Agricultura Familiar, divulgado entre os meses de junho e julho.

Porém, percebemos que em Cruz do Espírito Santo existem alguns obstáculos para a concretização deste programa para muitos agricultores. Inicialmente, cabe lembrar a dificuldade de acesso às informações relacionadas a este programa. Seria interessante haver a participação governamental e também da sociedade civil no sentido de estimular a divulgação e capacitar esta população (onde existe uma alta de taxa de analfabetismo) a entenderem o programa. Outro grande problema relaciona-se à documentação, pois muitos destes agricultores não tiveram acesso a conseguir emitir os seus documentos básicos, tais como identidade (RG) e Cadastro de Pessoa Físico (CPF).

Assim, precisa haver a desconstrução destes obstáculos e a construção de pontes que interliguem o acesso ao Pronaf. Desta forma, precisa os órgãos públicos competentes, tais como INCRA irem até os assentados de Cruz do Espírito Santo e facilitarem a emissão da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP).

3.2 Programa Luz para Todos (PLPT)

O Programa Luz para Todos é um programa do Governo Federal do Brasil que visa levar energia elétrica para a população do meio rural, seja ela com ou sem recursos financeiros, de forma

Page 249: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 249

gratuita. O programa foi criado pela ex-ministra de Minas e Energia

Dilma Rousseff. O PLPT foi lançado em novembro de 2003 com o desafio de

acabar com a exclusão elétrica no país. A meta era levar energia elétrica para mais de 10 milhões de pessoas do meio rural até o ano de 2008, tendo sido atingida em maio de 2009 e em agosto de 2013 já soma-se mais de 3 milhões de famílias, em todos os Estados do Brasil, ultrapassando as metas iniciais, beneficiando cerca de 14,9 milhões de brasileiros, moradores da zona rural.

3.3 Programa de Saúde da Família (PSF)

Este programa que fora implantado pelo Governo Federal em 1994, tem por finalidade buscar a reversão do modelo assistencial vigente, onde predomina o atendimento emergencial ao doente, na maioria das vezes em grandes hospitais. Desta forma, a família passa a ser o objeto de atenção, no ambiente em que vive, permitindo uma compreensão ampliada do processo saúde/doença. O programa inclui ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças mais frequentes.

3.4 Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)

O PETI é um programa do governo federal voltado às famílias que têm crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Busca retirar as crianças com até 15 anos e 11 meses das condições de trabalho precoce, excetuando-se a situação dos menores aprendizes a partir de 14 anos. Este programa está articulado em 05 eixos: informação e mobilização, com realização de campanhas e audiências públicas; busca ativa e registro no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal; transferência de renda, inserção das crianças, adolescentes e suas famílias em serviços socioassistenciais e encaminhamento para serviços de saúde, educação, cultura, esporte, lazer ou trabalho; reforço das ações de

Page 250: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

250 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

fiscalização, acompanhamento das famílias com aplicação de medidas protetivas, articuladas com Poder Judiciário, Ministério Público e Conselhos Tutelares; e monitoramento.

Entretanto, houve uma integração do PETI com o PBF a partir de 2005, por meio da Portaria 666/2005 do MDS (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome).

3.5 Programa Bolsa Família (PBF)

O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que tem beneficiado famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país. O Bolsa Família possui três eixos principais: a transferência de renda, a qual promove o alívio imediato da pobreza; as condicionalidades que reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social; e as ações e programas complementares objetivam o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários consigam superar a situação de vulnerabilidade. Segundo dados do CADSUAS do MDS (Sistema de Cadastro do SUAS do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome), em maio de 2014, o município tinha 2.821 beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF). Foram transferidos R$ 459.528,00 às famílias beneficiárias do Programa em maio de 2014.

Em março de 2013, o benefício do Brasil Carinhoso, inicialmente pago a famílias extremamente pobres com filhos de 0 a 15 anos, foi estendido a todas as famílias do Bolsa Família. Com a mudança, todas as famílias do programa superam a extrema pobreza. 4 SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO MUNICÍPIO X SEGURIDADE SOCIAL

Vale lembrar que a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade (principalmente, a sociedade civil organizada) destinada a

Page 251: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 251

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A assistência social ocupa-se de prover proteção à vida, reduzir danos, prevenir a incidência de riscos sociais, independente de contribuição prévia, e deve ser financiada com recursos previstos no orçamento da Seguridade Social.

Neste contexto, podemos citar como um serviço socioassistencial da proteção social básica do município de Cruz do Espírito Santo o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), que é uma unidade pública estatal descentralizada da Política Nacional de Assistência Social, atuando como principal porta de entrada do SUAS (Sistema Único de Assistência Social).

De acordo com o CADSUAS, o município conta com 1 CRAS(s), o qual possui cofinanciamento do MDS (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome).

Trabalham no município 06 assistentes sociais e 01 psicólogo nas ações de serviço social no âmbito do CRAS.

Já em relação à Proteção Social Especial (PSE), que se destina a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal ou social, cujos direitos tenham sido violados ou ameaçados. Observamos que não existe o cofinanciamento por parte do MDS para ser criado um CREAS. Assim, o CRAS de Cruz do Espírito Santo tem absorvido as carências que seriam da competência de um CREAS, ou seja, o município faz uso do CREAS do município de Lucena, que já absorve demandas de outros 05 municípios dos arredores.

Na verdade, as grandes intervenções na área de política social de assistência no município se já através dos Programas Benefício de Prestação Continuada (PBC) e Bolsa Família (PBF). Inclusive, até maio de 2014 foram transferidos R$ 2.322.538,00 para o programa Bolsa Família no município, e para o BPC, até abril de 2014 foram transferidos R$ 557.480,00. Juntos, os programas transferiram um valor total de 2.880.018,00 para famílias e pessoas em situação de vulnerabilidade social no município.

Page 252: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

252 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

GRÁFICO 01: Evolução da quantidade de beneficiário do BPC

Fonte: CADSUAS do MDS

O gráfico 01 apresenta a evolução do número de

beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no município de Cruz do Espírito Santo, no período compreendido entre 2010 e 2013. Onde PCD são pessoas com deficiência, que em 2013 chegou a 159 pessoas.

Vale lembrar que o BPC, que é um benefício da política de Assistência Social, que integra a Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social - SUAS e para acessá-lo não é necessário ter contribuído com a Previdência Social. É um benefício individual, não vitalício e intransferivel, que assegura a transferência mensal de um salário mínimo ao idoso, com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem

Page 253: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 253

obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo foram levantados dados estatísticos em relação à política social de assistência do município de Cruz do Espírito Santo, no interior da Paraíba. Foi observado a carência da população deste município em relação à políticas de autonomização das políticas sociais, tais como o Programa Bolsa Família.

O município muito depende do Benefício de Prestação Continuada e do Programa Bolsa Família para enfrentar as expressões da questão social, principalmente a fome e a miséria.

Através das nossas inferências na realidade social do município de Cruz do Espírito Santo, por meio de busca de dados estatísticos no MDS e busca nos sites governamentais, percebemos que, apesar das críticas da sociedade (principalmente a classe média) em relação a muitas políticas sociais governamentais, tais como o Programa Bolsa Família, estas políticas têm impactado na diminuição da fome, pobreza, trabalho infantil (com a atuação conjunta com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI), o que tem provocado uma melhoria na construção da seguridade social no contexto da população deste município.

REFERÊNCIAS IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/˃ Acesso em: 28 de maio de 2015. MDS. CADSUAS. Disponível em: < http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/redesuas/cadsuas˃ Acesso em: 27 de maio de 2015.

Page 254: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

254 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

PORTAL ODM. Relatórios dinâmicos. Disponível em: <http://www.relatoriosdinamicos.com.br/portalodm/˃ Acesso em: 20 de jun. de 2015. PREFEITURA DE CRUZ DO ESPÍRITO SANTO. Disponível em: < http://www.cruzdoespiritosanto.pb.gov.br/a-cidade//˃ Acesso em: 23 de jun. de 2015.

Page 255: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 255

IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PORTADORES DE DOENÇAS GRAVES E O EXERCÍCIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Edson Franciscato Mortari90

Resumo: Através da interpretação sistemática do ordenamento jurídico, especialmente do sistema constitucional tributário, o presente trabalho descreve as inconstitucionalidades perpetradas pela limitação prescrita pela Lei 7.713/88, em seu artigo 6º, inciso XIV, ao instituir a isenção do Imposto sobre a Renda apenas para os proventos de aposentadoria ou reforma das pessoas físicas portadoras de doença grave. Após a identificação do critério de discrime da norma isentiva, ela foi submetida ao crivo dos princípios constitucionais da Igualdade, da Não Obstância do Exercício de Direitos Fundamentais por Via da Tributação, da Pessoalidade do Imposto Sobre a Renda, da Capacidade Contributiva, de tal sorte que se concluiu pela necessidade de se aplicar a isenção também aos portadores de doenças graves que recebem proventos decorrentes do trabalho, sob pena, de se subverter os valores almejados pela Carta Constitucional. Palavras-chave: Imposto de Renda; isenção; doenças graves; Direitos fundamentais; princípios constitucionais. Abstract: This paper describes the unconstitutionality of the systematic interpretation of the limitations prescribed by the law 7.713/88 article 6 section XIV, which institutes the exemption of income tax exclusively for the retirement pensions of severely ill individuals. The discriminatory criteria of the exceptive norm was judged under the constitutional principles of Equality, impediment of

90 Graduação em Direito pela Instituição Toledo de Ensino. Especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, onde, atualmente é professor. Mestrando em Direito Tributário na PUC/SP.

Page 256: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

256 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Fundamental Rights Exercise by Way of Taxation, the Personality of tax on income, and the Contributory capacity. Thus, it was concluded that in accordance to the values represented by the Constitution, the exceptive norm must be also applied to severely ill workers receiving income from their work. Keywords: income tax; exceptive; serious illness; fundamental rights; constitutional principles. Sumário: Introdução. 1. Direitos Fundamentais. 1.1 Direito Fundamental à Dignidade da Pessoa Humana. 1.2 Direito Fundamental à Saúde. 1.3 Direito Fundamental ao Mínimo Vital. 2. Sistemas e Princípios Constitucionais Tributários. 2.1 Princípio da Igualdade. 2.2 Princípio da Capacidade Contributiva. 2.3 Princípio da Pessoalidade do Imposto Sobre a Renda. 2.4 Princípio da Não Obstância do Exercício de Direitos Fundamentais por Via da Tributação. 3. Imposto Sobre a Renda de Portadores de Doenças Graves. 3.1 A Isenção do Imposto Sobre a Renda dos Portadores de Doenças Graves. 3.1.1 Alcance da Regra Isentiva. 3.1.2 Critério de Discrime Eleito pelo Legislador Infraconstitucional. 3.3 Violações Identificadas. Conclusões. INTRODUÇÃO

Os direitos fundamentais são basilares em nossa sociedade e devem orientar todo o ordenamento jurídico, desde a produção de normas até a sua aplicação.

Neste sentido, o objetivo desse trabalho é estudar a intersecção entre os direitos fundamentais e a tributação, e, através do sopesamento de seus valores, identificar as necessárias posturas exigidas do Estado, sendo por vezes uma obrigação negativa, e, por outras, uma atitude positiva, todas voltadas para a efetivação da proteção aos direitos fundamentais.

O foco empírico do estudo será a análise do disposto no inciso XIV do artigo 6º da Lei nº 7.713/88, que isenta do imposto

Page 257: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 257

sobre a renda somente os proventos de aposentadoria ou reforma percebidos por pessoas portadoras de doenças graves, deixando ao largo da isenção, todas as outras remunerações percebidas também por pessoas físicas portadoras de doenças graves.

1. Direitos Fundamentais

O Ordenamento Jurídico Brasileiro é formado por normas de comportamento e de estrutura que, tomadas em conjunto, formam o sistema do direito positivo. Nesta medida, esse sistema possui subsistemas que se entrecruzam e encontram seu fundamento de validade na Constituição Federal.

Um dos subsistemas constitucionais de destaque é o sistema constitucional tributário, detentor de normas constitucionais tributárias, as quais mantêm entre si relações de coordenação horizontal justamente por se apresentarem no mesmo plano hierárquico. O subsistema tributário configura um grupamento de regras da mesma natureza lógica e que tratam da mesma temática.

O subsistema constitucional tributário dispõe sobre competências do Estado de tributar, mas também prevê limitações ao exercício desse poder. Para tanto, o sistema em foco utiliza-se de princípios para implementar as garantias almejadas.

O direito, como objeto do mundo da cultura, está impregnado de valor. O sistema do direito positivo, tal como acima descrito, é presidido e governado por normas jurídicas de superior hierarquia. Referida superioridade sustenta-se na medida em que determinados enunciados prescritivos estão impregnados de carga axiológica bastante ampla e significativa e, por isso, acabam por determinar e subordinar a sorte das demais normas jurídicas que formam a integridade do referido sistema. Nessas normas, encontramos a disciplina dos Direitos Fundamentais que foram positivadas pela Constituição Federal.

Não podemos perder de vista a distinção entre direitos fundamentais e direitos do homem, eis que sua definição será

Page 258: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

258 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

relevante quando da demonstração do fundamento para sua aplicação.

Nesse contexto, o professor português Canotilho (1998) nos apresenta um critério para esta distinção. O Doutrinador enuncia que os Direitos Fundamentais são as normas vigentes em uma ordem jurídica concreta enquanto que os direitos do homem são aqueles derivados da própria natureza humana.

Podemos definir os Direitos Fundamentais, sintaticamente, como instrumentos de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado, ou seja, essas normas são dirigidas ao Estado para orientar toda a sua atuação, e conforme falamos alhures, em todas as esferas de suas competências.

Por conseguinte, a identificação dos direitos fundamentais como aqueles dotados de regime jurídico diferenciado, por estarem estampados no conjunto de normas constitucionais imutáveis e aplicáveis de imediato, é que dão tamanha importância e destaque para o nosso estudo.

Ocorre que o Estado necessita tributar seus súditos para que ele possa efetivar os objetivos da república, e é justamente na intersecção entre o poder de tributar e o exercício dos direitos fundamentais que encontramos grande campo de tensão. 1.1 Direito Fundamental à Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana é alcançada quando tantos outros direitos são preservados. Sendo ela indispensável ao Estado Brasileiro, a dignidade da pessoa humana está prescrita positivamente como direito fundamental no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República91.

91 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania;

Page 259: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 259

A propósito, esclarecedoras são as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet (2008):

“A dignidade da pessoa humana, na condição de valor fundamental atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhes são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade.”

Este direito assegura a todo cidadão uma existência digna. Neste sentir, a tributação guarda íntima relação com a dignidade da pessoa humana, eis que o poder tributante não poderá lançar mão de sua competência tributária além do limite da dignidade da pessoa humana, ou seja, a tributação nunca poderá ser tão escorchante a ponto de atingir a dignidade da pessoa humana.

1.2 Direito Fundamental à Saúde

O direito fundamental à saúde foi positivado na Constituição da República Federativa do Brasil, juntamente com uma série de outros direitos fundamentais sociais.

Integrado mas, não limitado, a Constituição correlacionou o direito fundamental à saúde com a garantia de assistência social, incluindo nesta as fontes de custeio e toda a sistemática política. Entrando no tema específico, a saúde é inserida no conceito de seguridade social e, portanto, como um direito fundamental da sociedade garantido por políticas sociais e financiado por contribuições e recursos federais, constitucionalmente assegurados.

É evidente que o direito fundamental à saúde não se limita a uma atuação estatal no sentido de proporcionar tratamentos

III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Page 260: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

260 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

curativos, mas também, de ações positivas no sentido da prevenção e orientação. Não ficando de fora o dever negativo, ou seja, o dever do Estado abster de determinadas condutas que são contrárias à saúde. Neste último caso podemos destacar a necessidade de conduzir a tributação de forma a não macular este direito tão caro à sociedade brasileira.

1.3 Direito Fundamental ao Mínimo Vital

O mínimo existencial, de acordo com Ricardo Lobo Torres (2005), consubstancia-se num direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas.

O direito ao mínimo existencial não está prescrito expressamente no texto constitucional, não obstante, é evidente que a disciplina constitucional abarca a proteção deste mínimo existencial.

Tal proteção baseia-se na ética e fundamenta-se na liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da igualdade e da dignidade humana, sendo todos estes direitos escopo primordial do Estado Democrático de Direito Brasileiro.

Na Constituição Brasileira, o artigo 6º define os direitos sociais, e neste mesmo dispositivo, podemos identificar de modo implícito o mínimo existencial.

Nesse contexto, a Lei 8.742/93 tratou dos mínimos sociais, que também podem ser concebidos como mínimo existencial. Tais direitos são objetivamente mínimos por coincidirem com o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e por serem garantidos a todos os homens, incondicionalmente.

Assim, por serem tão caros aos homens, esses direitos não podem ser objeto de intervenção do Estado na via dos tributos, pelo contrário, eles reclamam por prestações estatais positivas.

Page 261: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 261

2. Sistemas e Princípios Constitucionais Tributários Vivemos em um Estado Democrático de Direito, e como tal,

vige no território brasileiro uma ordem jurídica, em outro falar, as relações intersubjetivas são reguladas por normas previstas no ordenamento jurídico. Este ordenamento jurídico pode ser visto como um sistema onde habitam normas de comportamento e de estrutura que, tomadas em conjunto, formam o sistema do direito positivo.

O sistema em referência possui subsistemas que se entrecruzam e que buscam fundamento de validade na Constituição Federal. O texto constitucional, por sua vez, prescreve inúmeras normas que balizam a conformação do ordenamento jurídico, especialmente, no que toca à tributação.

As normas presentes no Sistema Constitucional Tributário são conhecidas como normas constitucionais tributárias, as quais mantêm entre si relações de coordenação horizontal justamente por se apresentarem no mesmo plano hierárquico. Dentro desse subsistema predominam as normas de estrutura, mas também são encontradas as de comportamento.

O subsistema em referência disciplina a tributação no Brasil na medida em que dispõe sobre os poderes do Estado de tributar, mas também prevê garantias aos direitos fundamentais das pessoas diante do exercício desse poder92.

92 O termo poder aqui deve ser entendido como competência. Nesse sentido, Roque Antonio Carraza: As pessoas políticas não têm poder tributário, que, por definição, é incontrastável e absoluto. Poder tributário possuía, sim, a Assembléia Nacional Constituinte, que, sob o ângulo jurídico, tudo podia, inclusive nessa matéria. Mas, uma vez promulgada a Carta Magna, ele voltou ao seio do povo – titular da soberania nacional –, cedendo passo à competência tributária – regrada, isto é, de exercício pautado pelo direito positivo. In Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos), Malherios, 2005, p. 27, nota 8.

Page 262: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

262 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Ao tratar de princípios, inevitavelmente, temos que lidar com valores, eis que, por vezes, os princípios não podem ser traduzidos como regras. Necessário frisar que o ordenamento é regido por normas e princípios de superior hierarquia (constitucional).

Por conseguinte, é jurídico enunciar que os princípios são diretrizes normativas, possuindo força para prescrever e direcionar toda a produção de normas do ordenamento jurídico.

2.1 Princípio da Igualdade

O Sistema Jurídico Brasileiro adota o princípio da igualdade, o qual não admite discriminações arbitrárias entre pessoas iguais, conforme prescrições contidas no artigo 5º da Constituição Federal, que estampa a regra geral, aplicável a toda e qualquer norma jurídica.

Como corolário deste princípio, especificamente no âmbito do Sistema Tributário, há previsão de que não poderá haver instituição e cobrança de tributos de forma desigual entre contribuintes em condições de igualdade jurídica.

Neste ponto, existe um quanto de contrariedade na efetivação do princípio da igualdade, pois nem sempre a desigualdade é contrária à igualdade. A pedra de toque deste princípio repousa, então, em saber quais as diferenças relevantes para se adotar um critério de distinção, de discrime.

O princípio da igualdade constitui, ao lado de outros princípios tributários, uma vedação ao arbítrio do Estado, e, portanto, garantia assegurada ao contribuinte. É definido, como cláusula pétrea da Constituição, não podendo ser abolida nem mesmo através do expediente da Emenda Constitucional.

Por conseguinte, podemos entender que o principal destinatário do princípio da isonomia é o próprio legislador, cabendo a ele distinguir sempre que houver desigualdade. Não obstante, o

Page 263: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 263

aplicador do Direito também está vinculado a este mandamento. A igualdade tributária está garantida em todos os tributos.

Assim, o principal desafio quando lidamos com o princípio da igualdade é identificar e eleger o critério de discrime necessário à implementação dos tratamentos distintos que culminam na igualdade.

2.2 Princípio da Capacidade Contributiva

O princípio da capacidade contributiva está positivado no artigo 145 da Constituição Federal, mediante a prescrição textual a qual ordena que sempre que possível os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.

Trata-se de princípio limite objetivo: é limite objetivo destinado ao legislador tributário, ordenando que seus comandos devem se ater à capacidade econômica do contribuinte quando da eleição tanto do critério material, quanto do critério quantitativo do tributo. Dessa forma fica clarividente que a observância da capacidade contributiva do contribuinte na edição do tributo prestigia e tem como corolário lógico o princípio da igualdade.

Ademais, o princípio da capacidade contributiva deve ser compreendido no âmbito dos impostos que, para atendê-lo plenamente, terão que respeitar a capacidade econômica do contribuinte, de forma que seu critério quantitativo será equalizado com o critério material em equilibrada medida do fato-signo presuntivo de riqueza. Ou seja, um acontecimento que, per si, indique capacidade de contribuir eis que dotado de conteúdo econômico positivo. Adicionalmente, vale mencionar que a capacidade contributiva é revelada pelo acréscimo obtido por meio da aquisição de rendas ou proventos de qualquer natureza.

O primado da capacidade contributiva tem como uma de suas pilastras a proteção ao mínimo vital. E, especificamente no âmbito do imposto sobre a renda, destacamos um princípio fundamental à implementação daquele e que também guarda

Page 264: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

264 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

estreita sintonia com toda a disciplina constitucional, o princípio da pessoalidade.

2.3 Princípio da Pessoalidade do Imposto Sobre a Renda

O princípio da pessoalidade, expressamente positivado pelo artigo 145, §1º, da Constituição Federal, prescreve que a incidência dos impostos deverá observar as características pessoais daquele que irá sofrer o gravame. Nesse ponto, a pessoalidade aparece ligada à capacidade contributiva, eis que, à norma tributante caberá graduar a sua incidência segundo a particularidade daquele contribuinte praticante do fato hipotético, aferimento de renda.

Neste sentido, Mary Elbe Queiroz (2004, p. 35) enuncia as principais características do princípio da pessoalidade:

“Em relação ao Imposto sobre a Renda, a pessoalidade assume extrema importância, pois as características das pessoas deverão ser levadas em conta quando da fixação de alíquotas e possibilidade de serem feitas deduções. Para que seja respeitado o princípio, mister se faz que possam ser considerados, em cada caso, as condições pessoais no tocante a gastos e deduções familiares e aqueles necessários à percepção dos rendimentos e manutenção da respectiva fonte produtora, para que a incidência não se torne confiscatória e possa assumir caráter mais isonômico.”

O cotejo deste primado nos cria a noção de que na instituição do imposto sobre a renda não basta observar apenas a quantia angariada pelo contribuinte, mas também é imprescindível observar e respeitar a sua condição pessoal, pois é evidente que a capacidade contributiva de um indivíduo solteiro que aufere, hipoteticamente, R$ 3.000,00 (três mil reais) mensais não é igual à de

Page 265: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 265

um indivíduo casado e pai de três filhos aferindo os mesmo R$ 3.000,00 (três mil reais).

2.4 Princípio da Não Obstância do Exercício de Direitos Fundamentais por Via da Tributação

Este princípio não está explícito na Constituição Federal, mas é perfeitamente construído conforme nos ensina Regina Helena Costa (p. 92, 2013): da combinação das normas que afirmam diversos direitos e liberdades individuais e coletivos consagrados no bojo da Carta Magna e as normas que regram a atividade tributante.

Significa dizer que a tributação não deve ser desempenhada em descompasso com os ditames constitucionais, ou seja, tal princípio não tolera a aplicação da tributação em desapreço aos direitos fundamentais. Se o ordenamento constitucional abarca em seu contexto normativo determinados direitos fundamentais, não pode, ao mesmo tempo, compactuar com a obstância ao seu exercício, mediante uma atividade tributante desvirtuada.

Deverá ser obedecido tal princípio pelo legislador infraconstitucional quando da instituição dos tributos. Desse modo, ao eleger os fatos que serão apreendidos pelas hipóteses normativas, deve considerar os direitos cujo exercício eventualmente poderão ser afetados pela exigência fiscal, de modo a não obstaculizá-lo.

Diante da ideia desenvolvida acerca do princípio da não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação, revela-se, ao nosso talante, que tal concepção ocupa o patamar de um verdadeiro sobreprincípio em Direito Tributário, abarcando todo o arcabouço normativo positivado, considerando, para tanto, a tributação em todas as suas concepções (instituição, arrecadação e fiscalização).

Toda a gama de princípios e direitos individuais carreados pelo texto constitucional, somados às demais normas de direito tributário convergem para um fim ou objetivo preponderante, a prevalência do princípio da não obstância do exercício de direitos

Page 266: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

266 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

fundamentais por via da tributação, impedindo que não haja prejuízo no exercício de tais direitos. 3. Imposto Sobre a Renda de Portadores de Doenças Graves

A primeira lei instituidora do imposto sobre a renda no Brasil foi a Lei n. 4.625, de 31 de dezembro de 1922. Posteriormente, uma série de modificações legislativas e regulamentares moldaram o imposto sobre a renda até a estrutura atual.

Após a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 153, III, que outorgou a União Federal a competência para instituição do Imposto, a Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988, alterou sensivelmente as regras matrizes do imposto sobre a renda, existentes na ordem jurídica anterior.

O imposto sobre a renda possui várias materialidades e regras matrizes distintas, porém, focaremos apenas aquele incidente sobre a renda e proventos da pessoa física (IRPF), deixando de lado o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza da pessoa jurídica (IRPJ) e o Imposto Retido na Fonte.

A hipótese de incidência do imposto sobre a renda é o fato de uma pessoa física verificar, ao final de um período - no caso eleito pelo artigo 8º da Lei n. 9.250, de 1995, o ano-calendário - acréscimo patrimonial, tendo sido esse acréscimo fruto de seu trabalho, capital ou combinação de ambos.

Uma vez conformada a hipótese de incidência do imposto sobre a renda, tal e qual determina a Constituição Federal em sua rígida repartição de competências tributárias, estamos aptos a confrontá-la às situações que passaremos a tratar adiante.

3.1 A Isenção do Imposto Sobre a Renda dos Portadores de Doenças Graves

A isenção é uma norma de estrutura, veiculada por lei em que o ente tributante opta, por qualquer que seja o motivo, em

Page 267: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 267

excluir determinado evento da hipótese de incidência do tributo, no caso do imposto sobre a renda.

Assim, para que haja a isenção, é necessário que o imposto esteja instituído, ou seja, deve existir no ordenamento positivações necessárias à construção da regra matriz de incidência da exação. Cabe, então, ao ente tributante competente pela instituição do imposto, optar por editar a norma isentiva, aplicada juntamente com a norma de incidência resultando na mutilação de um, vários ou todos os critérios da regra matriz de incidência.

A regra de isenção reduz a abrangência de um ou mais critérios da regra matriz de incidência tributária, que segundo doutrina do professor Paulo de Barros Carvalho (2012), são cinco: critérios material, espacial e temporal no antecedente; critérios pessoal, composto por sujeitos ativo e passivo, e quantitativo, composto por base de cálculo e alíquota, no consequente.

A norma de isenção de imposto sobre a renda aos portadores de doenças graves está prescrita pela Lei n. 7.713/88, alterada pela Lei n. 11.052/04, que, entre outras providências, instituiu a isenção do imposto sobre a renda de pessoa física aos contribuintes portadores de doença grave.

Por conseguinte, para aquelas pessoas portadoras de doenças graves descritas no texto legal, a União excluiu da base de cálculo do imposto sobre a renda os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço.

Assim, certamente em cotejo ao sistema constitucional tributário, a norma isentiva buscou dar efetividade à proteção de primados da sociedade brasileira prescritos pela constituição, especialmente ao direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana e ao mínimo vital. Legitimando ainda os princípios da capacidade contributiva, da pessoalidade do imposto sobre a renda.

Louvável foi a atitude do legislador ao primar pela leitura sistemática da Constituição Federal, porém, não andou com tamanha distinção ao limitar a isenção apenas aos proventos decorrentes de

Page 268: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

268 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

aposentadoria ou reforma de portadores de doenças graves, não abarcando aquelas pessoas portadoras das mesmas moléstias, porém não aposentadas.

Vejamos então, o alcance da norma isentiva em testilha.

3.1.1 Alcance da Regra Isentiva A prescrição textual da Lei n. 7.713/88, refere-se tão

somente aos proventos de aposentadoria e reforma percebidos por portadores de doenças graves, silenciando em relação a outros tipos de rendimentos percebidos por estas mesmas pessoas.

Via de consequência, parte significativa da doutrina e também da jurisprudência enuncia que referida norma isentiva incide apenas nestas situações.

O principal fundamento para esta interpretação literal está alicerçado no artigo 111 do Código Tributário Nacional:

“ Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: [...] II - outorga de isenção;”

Por via de consequência, aquelas pessoas que são portadoras das mesmas doenças descritas no artigo 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88, porém que não percebem proventos de aposentadoria, mas sim salário ou qualquer outro tipo de rendimento, não se enquadram na isenção em comento.

É este, também, o entendimento da Autoridade Fiscal -representada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, - e também de grande parcela da jurisprudência e doutrina, de que a isenção instituída pela Lei n. 7.713/88, deve ser interpretada literalmente, restringindo a isenção do imposto sobre a renda apenas aos proventos de aposentadoria e reforma percebidos por portadores de doenças graves.

Necessário frisar que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido da restrição da interpretação da norma

Page 269: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 269

isentiva, prescrevendo a exclusão da incidência, tanto em relação a renda, quanto em relação à abrangência da isenção às outras doenças não relacionadas no texto legal (v.g. REsp 1.254.371/RJ, relator Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, j. 02/08/2011, DJe 09/08/2011 e REsp 1.221.275/SC, relator Min. Teori Zavascki, Primeira Turma, j. 08/02/2011, DJe 16/02/2011).

Isto significa que uma mesma pessoa portadora de doença grave sofrerá a incidência de imposto sobre a renda quando sua renda não decorrer de provento de aposentadoria e não sofrerá a incidência quanto a estes.

Vejamos a regulamentação da matéria pelo Decreto n. 3.000, de 26 de março de 1999, denominado Regulamento do Imposto de Renda:

“ Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto: [...] Pensionistas com Doença Grave XXXI - os valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário desse rendimento for portador de doença relacionada no inciso XXXIII deste artigo, exceto a decorrente de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão; [...] Proventos de Aposentadoria por Doença Grave XXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional,

Page 270: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

270 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;”

Do exposto, conclui-se que apenas os portadores de doenças graves, os quais não estão mais na ativa, têm o direito à isenção de imposto sobre a renda, eis que somente a pensão e os proventos da aposentaria são isentos da aludida exação.

Com esta afirmação, podemos encontrar dois critérios necessários para a concessão da isenção do imposto sobre a renda.

3.1.2 Critério de Discrime Eleito pelo Legislador Infraconstitucional

O Legislador infraconstitucional ao editar a Lei n. 7.713 e suas alterações posteriores, elegeu dois critérios necessários para a concessão da isenção do imposto sobre a renda: o primeiro relaciona-se ao sujeito, ou seja, trata-se de uma isenção pessoal, destinada a determinados sujeitos passivos; o segundo associa-se à renda, à base de cálculo do imposto.

O primeiro critério, o pessoal, leva em consideração a condição de portador de doença grave, residindo neste critério o verdadeiro fundamento constitucional do benefício. Em razão deste fator, o legislador infraconstitucional pode, segundo a disciplina constitucional, destinar tratamento desigual a tais indivíduos.

Page 271: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 271

Desta feita, para que o contribuinte seja enquadrado na isenção do imposto, é imprescindível ser portador de alguma doença grave relacionada no texto legal.

Muito embora a condição de portador de doença grave seja necessária, supostamente não é suficiente à concessão da isenção. A norma isentiva apenas tem incidência quando o portador de doença grave percebe pensão ou provento de aposentadoria.

Ocorre que, a Ordem Constitucional não outorgou à conformação da norma infraconstitucional estes moldes, prestigiando este último critério de discriminação, pois o fator que realmente fundamenta o tratamento desigual é aquele relacionado à doença grave.

Ora vejamos, a doença exige da pessoa maiores necessidades financeiras para custear tratamentos de saúde, custos elevados com o próprio dia a dia. O Legislador não poderia tratar de maneira desigual os deficientes apenas em razão de estarem aposentados ou não. Aqueles que estão na ativa e os aposentados possuem necessidades especiais diferenciando-os das outras pessoas sem deficiência.

É justamente neste ponto que deveria residir o critério de discrime, ou seja, apenas a condição de portador de doença grave.

É jurídico o emanar da Constituição Federal a fundamentação para a concessão da isenção, eis que a Ordem Constitucional prescreve em seu artigo 1º93, que o Estado Brasileiro tem como fundamentos, entre outros: a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho e da livre iniciativa.

93 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Page 272: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

272 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A Constituição Federal, por conseguinte, exige que a conformação da ordem jurídica – conjunto de normas vigentes em nosso território -, tome por norte o tratamento digno e a igualdade entre os cidadãos.

Como exemplo, a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, reproduz expressamente o comando constitucional, também em seu artigo 1º, §1º, prescrevendo que na intepretação e aplicação do comando legal, devem ser considerados os princípios da dignidade da pessoa humana, justiça social, bem estar, dentre outros, remetendo à Carta Magna, para a observância de outros primados.

Desta feita, deveria o Legislador infraconstitucional, especialmente aquele detentor da competência tributária e responsável pela a instituição das normas de conformação do tributo, dentre elas a norma de isenção, observar os comandos constitucionais que consagram os princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana, entre outros.

Nesta senda, a conformação da isenção do imposto sobre a renda dos portadores de doenças graves não poderia diferenciar as pessoas a partir da sua atividade, se aposentadas ou não. Com efeito, a isenção fiscal tem fundamento no acometimento de doença grave, porquanto visa desonerar o sujeito num momento extremamente delicado da vida, qual seja, quando acometido por uma séria enfermidade.

3.3 Violações Identificadas

A vedação da norma isentiva do imposto sobre a renda aos deficientes da ativa afronta a isonomia, pois discrimina deficientes ativos, daqueles que são aposentados, destinando a estes um tratamento mais benéfico.

Entretanto, este critério de discrime não justifica o tratamento diferenciado, eis que ambos são portadores das mesmas

Page 273: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 273

enfermidades, e, por conseguinte, são portadores das mesmas necessidades, sempre mais custosas, como por exemplo, tratamentos médicos, equipamentos de acessibilidade, acompanhamentos de outros profissionais da saúde, pessoas para auxiliar nas mais diversas atividades, dentre outros.

Segundo o professor Luís Roberto Barroso (2006, p. 155) o princípio da razoabilidade é um mecanismo para alcançar a isonomia e controlar a discricionariedade legislativa.

Classificando a razoabilidade das normas, o efusivo professor enuncia a necessidade de se verificar a razoabilidade externa da norma, que pode ser entendida facilmente através de suas claras palavras:

“De outra parte, havendo a razoabilidade interna da norma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, isto é: sua adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo texto constitucional.”

Conclui-se, portanto, que mesmo que a norma possua razoabilidade interna, caso ela não possua o mesmo atributo frente à Constituição Federal, estará fadada ao insucesso quando verificada a sua constitucionalidade.

Considera-se inconstitucional o dispositivo legal e a interpretação que exclua de pessoas em situações iguais ou equivalentes, direitos iguais, ferindo assim os princípios constitucionais da isonomia tributária, dignidade da pessoa humana.

Não olvidamos que a emprego da equidade não pode resultar na dispensa do pagamento de tributo, consoante prescrição do artigo 108, § 2º do Código Tributário Nacional, porém, não se trata de dispensa de pagamento de tributo, mas sim, de conformação de normas infraconstitucionais às balizas do ordenamento constitucional.

Ademais, é vedada a utilização de restrições casuísticas, pois, se assim o fizesse estaria a ferir o postulado material da

Page 274: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

274 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

igualdade, o qual veda o tratamento discriminatório ou arbitrário, seja para favorecer ou para prejudicar. Significa dizer que a elaboração de normas de caráter casuística afronta o princípio da isonomia.

E como não bastasse a violação à isonomia do tratamento, há violação também aos princípios da capacidade contributiva e da não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação.

O legislador ao não permitir a incidência da norma isentiva aos portadores de doenças graves na ativa, acabou por tributar contribuintes com reduzida capacidade contributiva, obstando o exercício de seus direitos fundamentais, como o da saúde, do bem estar, da dignidade da pessoa humana etc.

CONCLUSÕES

Por todo o exposto, partimos da premissa de que o fenômeno tributário não pode ser analisado e conformado apenas a partir da legislação infraconstitucional. Deveras, a tributação deve desenvolver-se com apoio na Constituição Federal, primando por seus fundamentos e princípios, cabendo ao legislador infraconstitucional obedecer a todos estes preceitos ao tempo da edição das normas tributárias.

Neste diapasão, segundo ensinamentos do professor Roque Antonio Carrazza, é justamente a Constituição, com seus grandes princípios, que mantém a ação de tributar dentro do Estado Democrático de Direito.

Por conseguinte, a Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988, não poderia diferenciar os portadores de doenças graves por um critério tão desconexo ao fim legítimo da isenção, - aposentadoria -, eis que, é a doença que justifica o tratamento diferenciado em relação aos outros contribuintes.

Page 275: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 275

Referências BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional / Luís Roberto Barroso. 2ª ed. Rio de Janeiro. Renovar. 2006. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. _____. Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Altera a legislação do imposto de renda e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23.12.1998. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br]. Acesso em: 08.10.2014. _____. Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08.12.1998. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br]. Acesso em: 15.10.2014. _____. Lei 4.625, de 31 de dezembro de 1922. Orça a Receita Geral da Republica dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1923. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 02.01.1923. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br]. Acesso em: 15.10.2014. _____. Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das pessoas físicas e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27.12.1995. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br]. Acesso em: 25.10.2014. _____. Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25.10.1989. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br]. Acesso em: 30.10.2014. _____. Lei 11.052, de 29 de dezembro de 2004. Altera o inciso XIV da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, com a redação dada pela Lei no 8.541, de 23 de dezembro de 1992, para incluir entre os rendimentos isentos do imposto de renda os proventos percebidos

Page 276: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

276 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

pelos portadores de hepatopatia grave. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30.12.2004. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br]. Acesso em: 05.11.2014. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional/Regina Helena Costa. – 3. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013. QUEIROZ, Mary Elbe. Impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Manole, 2004. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. 3.ed. resvista e atualizada até 31 de dezembro de 2003 – Rio de Janeiro: Renovar, 2005. SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações sobre o direito fundamental à proteção e promoção da saúde aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. Revista de Direito do Consumidor, n. 67. 2008. p. 2. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

Page 277: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 277

JUSTIÇA ADMINISTRATIVA NO QUADRO DA SEPARAÇAO DE PODERES - O PODER DE SUBSTITUIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO

Naldemar Miguel Lourenço94

RESUMO: O tema em questão olha para a reforma do direito administrativo português ocorrido em 2000-2004, que implementou mudanças de grande vulto que implementou uma verdadeira justiça administrativa. O CPTA trouxe consigo algumas novidades, de entre

elas, o poder de substituição do ato administrativo pelo juiz. A possibilidade de o juiz administrativo substituir um ato administrativo pode ou poderá violar o princípio da separação de poderes? Palavras-chave: Justiça administrativa, Separação de poderes, Tutela jurisdicional efectiva. ADMINISTRATIVE JUSTICE IN THE FRAMEWORK OF SEPARATION OF

POWERS - THE REPLACEMENT POWER OF ADMINISTRATIVE ACT ABSTRACT: The issue in question looks at the reform of administrative law Portuguese occurred in 2000-2004, which implemented large-scale changes that implemented effective administrative justice. The CPTA has brought some new features,

among them, the power of substitution of the administrative act by

94 Mestre em Direito, Especialidade em Ciências Jurídico-Forenses pela Universidade de Coimbra. Licenciado em Direito pela Universidade Católica de Angola Pós-Graduação em Justiça Administrativa e Fiscal, organizado pelo CEDIPRE (Centro de Estudos de Direito Público e Regulação), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Pós-Graduação em Responsabilidade Medica, Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Page 278: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

278 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

the judge. The possibility of the judge replace an administrative act may or may violate the principle of separation of powers? Keywords: Administrative justice, separation of powers, effective judicial protection. INTRODUÇÃO Impõe-se fazer uma consideração preliminar antes de proceder a qualquer abordagem do tema: o título é manifestamente muito amplo e até enganador. A reforma do contencioso administrativo foi sendo sucessivamente adiada ao longo dos anos, até que, no ano de 2000, ganhou uma nova alma, o que permitiu que se confecionasse o estado da justiça administrativa em Portugal, que culminou a 1 de Janeiro de 2004, com a entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)95. O CPTA trouxe consigo algumas novidades, de entre elas, o poder de substituição do ato administrativo pelo juiz. Ao olharmos para este novo poder do juiz, ocorrem-nos várias perguntas. Será que está faculdade atribuída ao juiz não viola o princípio da separação de poderes? É normal existir esse tipo de substituição? E, se for normal, em que moldes se deve operar a substituição? Estaremos diante de ativismo judicial? Tal poder pode ser semelhante ao poder de assentar no que toca à violação do princípio da separação de poderes? Com a possibilidade de o juiz substituir a administração, conforme nos diz Sérvulo Correia, parece que andamos todos apostados em destruir ou desmontar o Estado dos seus elementos históricos e permanentes96. Isto significa que estamos diante de uma mudança

95 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – Reforma do contencioso administrativo: O debate Universitário (trabalhos preparatórios). Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 5. 96 CORREIA, Sérvulo – O recurso contencioso. In: Reforma do contencioso administrativo: O debate universitário (trabalhos preparatórios) / Ministério

Page 279: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 279

fulcral de entendimento do princípio da separação de poderes? Pois que é possível vislumbrar que, com este novo poder, se assegurou a plenitude dos poderes jurisdicionais e a tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos no máximo grau admissível num sistema de administração executiva97, ou será que esse asseguramento rompeu a barreira do máximo? Na pequena análise que se segue, dividimos a nossa doutrina em dois capítulos. No primeiro, abordaremos o tema da justiça administrativa no quadro da separação de poderes. No segundo, abordaremos a problemática do poder de substituição do ato administrativo. I – JUSTIÇA ADMINISTRATIVA NO QUADRO DA SEPARAÇÃO DE PODERES JUSTIÇA ADMINISTRATIVA Conforme nos diz Vieira de Andrade, o termo justiça administrativa é entendido em sentido amplo, quase que natural, como sendo um sistema de mecanismos e de formas ou processos destinados à resolução judicial das controvérsias nascidas de relações jurídicas administrativas98, ou seja, o termo Justiça/Jurisdição administrativa representa o conjunto de órgãos jurisdicionais destinados ao

da Justiça Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, Vol. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 184. 97 VIERA DE ANDRADE, José Carlos – A acção de condenação a prática de acto devido. In: Boletim da Faculdade de direito: Studia Iuridica, 86. Coimbra: Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 169. 98 VIERA DE ANDRADE, José Carlos – A justiça administrativa (lições). 13ª ed. Coimbra: Almedina Editora, 2014, p 7. Porém, quando se fala do âmbito da jurisdição administrativa, estamos a falar do conjunto de litígios que são atribuídos aos tribunais administrativos. VIERA DE ANDRADE, José Carlos – Âmbito e limites da jurisdição administrativa. In: Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 22, Cejur, Braga, Julho/Agosto de 2000, p. 6.

Page 280: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

280 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

julgamento dos litígios de direito público ou de interesse da Administração Pública. Viera de Andrade considera, ainda assim, que esta noção de justiça administrativa é sumária99, pois, para este autor, a justiça administrativa poderá apresentar-se como “o conjunto institucional ordenado normativamente a resolução de questões de direito administrativo, nascidas de relações jurídico-administrativo, atribuídas por lei a ordem judicial administrativa, para serem julgadas segundo um processo administrativo especifico”100. Hoje, o sistema apresenta um caráter estritamente jurisdicional, facto que levou alguns autores a chamarem a justiça administrativa de modelo de plena justiça/jurisdição administrativa101, o que fez com que a expressão contencioso administrativo fosse substituída

pela expressão justiça administrativa102: “A instituição da justiça administrativa não se justifica integralmente em função de defesa dos direitos dos cidadãos: a garantia jurisdicional da legalidade (da juridicidade) da administração, também serve a prossecução do interesse público definido ao nível politico-legislativo e que constitui a finalidade necessária e própria da atividade administrativa”. 103 SEPARAÇÃO DE PODERES

99 VIERA DE ANDRADE, José Carlos – A justiça administrativa (lições), op. cit., p. 9. 100 Idem. 101 Cfr. FONSECA, Isabel Celeste M/ AFONSO, Osvaldo Gama – Direito processual administrativo angolano: noções fundamentais. Coimbra: Almedina Editora, 2013, p. 47. 102 Cfr. VIERA DE ANDRADE, Idem. 103 IDEM, ibidem, p 8. Também vai nesse sentido FONSECA, Isabel Celeste M/ AFONSO, Osvaldo Gama, op. cit., p. 51.

Page 281: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 281

A doutrina da separação de poderes tem origens104 que remontam a Aristóteles, com a teoria da Constituição mista105 e que passam pela rule of law106, pelos quatro poderes de John Locke107, em que existia a separação de poderes com supremacia do legislativo, pela teoria dos checks and balances108, pelos três poderes de Montesquieu109, pela separação orgânica-funcional apresentada por Rousseau110, passando depois pela judicial review111, até se chegar ao Estado de direito contemporâneo. Os Estados de direito adicionaram, maioritariamente, um novo órgão, no que toca à separação de poderes: o Tribunal Constitucional. Nesse sentido,

104 Sobre as origens do princípio da separação de poder, ver também: MACHADO, Jonatas E. M., Costa, Paulo Nogueira da e HILÁRIO, Esteves Carlos – Direito constitucional angolano. 2ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, pp. 224-225. E ainda: FRANÇA, Adriano Bernardo de –Separação dos poderes, parlamento e ativismo judicial: análise jurídico-constitucional sobre a relação entre o fenômeno do ativismo judicial e a atuação do parlamento na realidade brasileira: Dissertação de Mestrado da Universidade de Coimbra. Coimbra, 2013, pp.14-40. 105 PIÇARRA, Nuno – Separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: Um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989, pp. 33-34. 106 Sobre o significado de The rule of law, ver: CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª Edição. 14ª Reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003, pp 93-94. 107 Os quatros poderes eram: legislativo, executivo, federativo, prerrogativa, sobre os quatro poderes ver CANOTILHO, J.J. Gomes, op. cit., pp. 578-581. Cfr. PIÇARRA, Nuno, op. cit., pp. 63-74. 108 PIÇARRA, Nuno, op. cit., p. 83. 109 Legislativo, executivo, judicativo. Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes, op. cit., pp. 578-581. Cfr. também: PIÇARRA, Nuno, op. cit., pp. 89-122. 110 Cfr. PIÇARRA, Nuno, op. cit., pp. 125-139. 111 IDEM, op. cit., p. 202.

Page 282: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

282 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Javier Pérez Royo112 diz-nos que o Estado Constitucional, desde as suas origens até aos nossos dias, tem-se articulado em torno de uma divisão tripartida de poderes, divisão esta que introduziu uma nova instituição, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial: o Tribunal Constitucional. O Estado Constitucional tem por base a ideia de que o poder não é exercido por um único órgão. A razão de ser do Estado Constitucional é instituir uma sociedade política de liberdade e, para tal, é preciso separar o poder, pois, estando ele separado, isso constituiria o travão de cada poder, representado num sistema de freios e contrapesos (checks and balances)113. O princípio da separação de poderes é tão importante na estrutura do Estado democrático que a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1798) o proclamou caraterística essencial e decisiva do conceito de Constituição114. JUSTIÇA ADMINISTRATIVA NO QUADRO DA SEPARAÇÃO DE PODERES Não obstante o entendimento clássico do princípio da separação de poderes (a teoria de Montesquieu115), a realidade

112 PÉREZ ROYO, Javier – Tribunal Constitucional y division de poderes. In: Temas Clave de la Constitución Española. Madrid: Tecnos, 1988. 113 Cfr. WEBBA, Mihaela Neto – Os poderes do presidente da república no sistema jurídico-constitucional e político angolano. Dissertação de mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, Direito Constitucional, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 24. Sobre checks and balance, Cfr. VASCONCELOS, Pedro C. Bacelar de – A separação dos poderes na constituição americana: Do veto legislativo ao executivo unitário: a crise regulatória. In: Studia Jurídica, 4. Coimbra: Coimbra Editora, pp. 29-35. 114 Artigo 16º, Cfr. VIANA, Leilson Soares – Interpretação constitucional e ativismo do poder judiciário: Os limites da interpretação criativa dos tribunais constitucionais. Dissertação de mestrado. Coimbra, 2010, p. 75. Cfr. WEBBA, Mihaela Neto, ibidem. 115 Sobre a clássica separação dos poderes de Montesquieu, Cfr. RIBEIRO, Adolpho José – As estruturas funcionais públicas e a atuação do poder judiciário: Uma análise sobre as origens dos três poderes e os limites da

Page 283: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 283

hoje vivida mostra-se diferente em alguns estados. Dada a complexidade do mundo contemporâneo, exige-se um judiciário mais participativo, capaz de decidir os conflitos que surgem na sociedade. Assim, alteram-se as funções clássicas dos juízes, que se tornam também responsáveis pelas políticas de outros poderes estatais. Estes têm o dever de orientar as suas atuações de forma a assegurar a integridade da Constituição e do respeito pelos cidadãos nas democracias contemporâneas116. A este respeito, Helmut Simon117 diz-nos que, se a própria Constituição introduz uma jurisdição constitucional dotada de amplas competências, perde-se o sentido da duvidosa intenção de separar bruscamente direito e política. J. C. Viera de Andrade considera que o princípio da separação de poderes, na medida em que separa o poder executivo do judicial, traz limitações à justiça administrativa, como resulta, por exemplo, para a justiça constitucional, visto que o juiz não pode pura e simplesmente ignorar nem substituir-se à competência e à autoridade própria das decisões jurídico-públicas da administração, do mesmo modo que o juiz constitucional tem de respeitar a competência e a autoridade própria do legislador118. Podemos verificar que hoje o quadro da justiça administrativa se alterou, de maneira que o princípio da separação de poderes já não implica limitações à justiça administrativa como implica, por exemplo, para a justiça constitucional. Hoje, as limitações na justiça

justiça constitucional contemporânea. Tese de mestrado da Universidade de Coimbra. Coimbra, 2012, p. 55 e ss. 116 Cfr. VIANA, Leilson Soares, op. cit., p.76. 117 SIMON, Helmut – La jurisdicción constitucional. In: Manual de derecho constitucional, BENDA et alii (traducción de Antonio Lopez Pina). Madrid, 2002, p. 849. 118 VIERA DE ANDRADE, José Carlos. Op. Cit., pp. 79-80, VIERA DE ANDRADE, José Carlos – Direito administrativo e fiscal: lições ao 3º ano do curso de 1996/9. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 69-70.

Page 284: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

284 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

constitucional são maiores do que na justiça administrativa. Podemos verificar que na justiça administrativa já se admite ao juiz substituir-se na competência e autoridade próprias das decisões jurídico-públicas da administração. J. C. Viera de Andrade achava que, se isso acontecesse, seria uma clara violação do princípio da separação de poderes119, o qual, relembremos, servia de limite. O princípio da separação de poderes aparecia-nos como limite funcional da jurisdição administrativa. Entendia-se que, em nome da divisão dos poderes, os tribunais não deveriam condenar a Administração nem dirigir-lhe injunções. O princípio da plena jurisdição, decorrente do contexto constitucional, obriga, na atualidade, a que o legislador reconheça ao juiz administrativo todos os poderes, incluindo, obviamente, os de condenação e de injunção120. Miguel Beltran mostra que hoje alguns dos limites aos poderes do juiz administrativo não são senão questões de vocabulário121. Por isso, hodiernamente, vem-se afirmando que a justiça administrativa deixou de ser uma jurisdição limitada, por causa do aumento dos poderes de cognição, decisão e superpoder de substituição do juiz administrativo. É evidente que podemos falar, neste campo, de ativismo judicial. A violação do princípio da separação de poderes é clara. Chamaremos aqui aquilo a que Alves Correia e Benedita Urbano chamam de novas técnicas decisórias dos juízes, para fazermos a ligação com as sentenças intermédias, concretamente, as decisões manipulativas de tipo substitutivo, que para estes autores se enquadram num criativo, hard ou patológico ativismo judicial. Também podemos falar aqui das

119 Idem. 120 IDEM – Âmbito e limites da jurisdição administrativa. In: Cadernos de justiça administrativa. N.º 22, Cejur, Braga, Julho/Agosto de 2000, p. 8. 121 BELTRAN DE FELIPE, Miguel - El poder de sustitucion en la ejecucion de las sentencias condenatorias de la administracion. Editorial Civitas, Madrid, 1995.p. 51 ss

Page 285: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 285

injunções122. A este respeito, Viera de Andrade recorda-nos que o juiz e a jurisprudência administrativa oscilam entre a autocontenção e o ativismo judicial: entre a quase irrelevância prática de uma condenação puramente genérica e a interferência intrusiva nos poderes de avaliação e de escolha da Administração decorrente de uma condenação excessiva, o que claramente exige uma pilotagem cuidadosa123. O que o legislador apenas acautelou diante do poder de substituição foi a autocontenção do juiz administrativo, perante a reserva de discricionariedade da administração124, no quadro de uma divisão já desequilibrada dos poderes. O princípio da separação de poderes não implica, modernamente, uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra de o juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à administração, nem tão pouco a de o juiz substituir-se à administração, o que ofende o núcleo essencial e a autonomia desta, designadamente quando está em causa a prática de atos administrativos125.

122 Cfr. CORREIA, Fernando Alves – Direito constitucional: A justiça constitucional. Coimbra: Almedina Editora, 2001, pp. 99-109, 132. Cfr. URBANO, Maria Benedita – Curso de justiça constitucional: evolução histórica e modelos do controle da constitucionalidade. Coimbra: Almedina, 2013, pp. 76-79, 84-85. 123 VIERA DE ANDRADE, José Carlos – Os poderes de cognição e de decisão do juiz no quadro do actual processo administrativo de plena jurisdição. In: Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 101, Cejur, Braga, Setembro/Outubro de 2013, p.39. 124 IDEM – A justiça administrativa (lições), op. cit., p 81. IDEM – Direito administrativo e fiscal: lições ao 3º ano do curso de 1996/9. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 71. 125 IDEM – A justiça administrativa (lições), op. cit., p. 88. IDEM – Direito administrativo e fiscal: lições ao 3º ano do curso de 1996/9, op. cit. p. 75.

Page 286: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

286 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

II - PODER DE SUBSTITUIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO FENÓMENO DE SUBSTITUIÇÃO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA ATÉ AO ESTADO CONSTITUCIONAL126 Conforme mostra Paulo Otero, toda e qualquer sociedade política tem sempre regras que asseguram a continuidade dos serviços públicos em circunstância de impossibilidade de exercício do poder pelos seus entes normais, seja por morte, ausência, impedimento, demissão, renúncia ou situações de exceção. Isto não suscita grande controvérsia127, já que o fenómeno da substituição sempre existiu. Em termos históricos, o tema da substituição faz com que, em consequência de qualquer vicissitude no titular de uma estrutura decisória, este venha a ser substituído por outrem, que normalmente é uma autoridade superior128. O fenómeno da substituição começou como um fenómeno dentro do mesmo órgão. A substituição pode ser encontrada no direito romano, no direito canónico, no exercício do poder real, nos ofícios públicos. No direito romano, sendo o rei único e vitalício, a natureza não hereditária da monarquia originava que, por morte, se abrisse um processo de vacatura do trono até à designação do novo rei (interregnum), passando o poder para o Senado, o qual sorteava um senador que, durante cinco dias, exerceria a autoridade real (interrex), devendo este propor um cidadão para rex. O interregnum viria a tornar-se uma instituição típica dos momentos de vacatura da magistratura suprema, competindo ao interrex os poderes que normalmente seriam confiados ao titular definitivo.

126 Bibliografia principal OTERO, Paulo – Poder de substituição em direito administrativo: Enquadramento dogmático-constitucional. Vol. I. Lisboa: Lex Editora, 1995. 127 OTERO, Paulo – Poder de substituição em direito administrativo: Enquadramento dogmático-constitucional. Vol. I. Lisboa: Lex Editora, 1995, p. 139. 128 Ibidem, p. 139 e ss.

Page 287: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 287

O rei podia utilizar poderes de substituição sobre a competência de todas as magistraturas. Por isso, apesar de ser uma faculdade normalmente admissível, seria apenas excecionalmente utilizada em áreas objeto de ordens ou instruções imperiais. Paulo Otero

questiona-se se, “relativamente aos seus funcionários auxiliares, sendo estes destituídos de poderes próprios, uma vez que pertencia ao imperador a totalidade da competência, a questão da substituição não se colocaria tanto no sentido de este se substituir ao exercício de poderes pertencentes aqueles, antes se poderia equacionar em sentido inverso: os funcionários auxiliares exercerem poderes

pertencentes ao imperador”129. No direito canónico, o Papa é designado Vigário de Cristo, significando isto que o sumo pontífice representa, ou faz as vezes, de Cristo, no governo da igreja, sendo na terra o seu chefe. Deste modo, entende-se que o Papa tem um estatuto vicarial ou substitutivo do papel de Cristo no governo supremo da igreja, exercendo o seu poder em nome e no lugar de Cristo. A igreja é uma sociedade instituída por vontade divina: Cristo conferiu a Pedro e aos seus sucessores a plenitude dos poderes necessários à concretização das funções da igreja, o que faz com que não se adote uma conceção democrática de soberania proveniente do povo, antes se encontrando a soberania no próprio Cristo, conceção alheia à teoria liberal da separação de poderes. O Papa pode sempre, quando e como quiser, decidir sobre todas as matérias sem o Colégio Episcopal. Pelo contrário, não pode nunca o Colégio Episcopal agir sem o Papa (aliás, sem Papa não há Colégio) nem decidir nada contra a vontade do Sumo Pontífice. Podemos assinalar, pois, que, quer no direito romano quer no direito canónico, a substituição ocorre dentro do mesmo organismo, sendo que os superiores substituem os subalternos.

129 Ibidem, p. 151

Page 288: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

288 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Relativamente à substituição e ao exercício do poder real, este sofreu influência romano-canónica. Neste ponto, falaremos do exercício do poder real português anterior ao constitucionalismo. O rei situava-se em plano superior à lei positiva, verdadeira expressão de uma ideia de soberania, conferia-lhe um estatuto de plenitude de poderes que o habilitava, por isso mesmo, a derrogar quaisquer regras de competência. Em princípio, tendo a legalidade no próprio monarca sua fonte, esta não constituía um limite externo: a intervenção substitutiva do rei nunca violava a legalidade positiva, podendo estender-se sobre quaisquer matérias, em relação a qualquer órgão, a título de decisão primária ou resultar de avocação directa ou da interposição de recurso de anteriores decisões de órgãos subalternos. A conceção jurisdicionalista do poder permitia ao rei servir-se de mecanismos tipicamente judiciais para afirmar a supremacia real em áreas materialmente integrantes da função administrativa. Esta conceção possibilitou o acesso ao rei de todas as decisões das restantes estruturas decisórias, fossem elas de natureza judicial ou administrativa. O problema da substituição também se deu a respeito dos poderes do rei, em variadas situações, por exemplo: 1- Menoridade do rei, que permitia o poder ser exercido por terceiros; em Portugal, o suprimento da menoridade do rei colocou-se em relação a quatro casos: D. Sancho II, D. Afonso V, D. Sebastião e D. Afonso VI. 2- Doença (física ou mental) do rei, quando esta fosse de caráter permanente ou temporário; Portugal conheceu dois casos: D. Sancho II e D. Afonso VI. 3- Vacatura do trono, somente duas situações são reconduzíveis a vacatura: por um lado, a crise de 1383, que se seguiu à morte de D. Fernando e que originou a aclamação popular do Mestre de Avis como regedor e defensor dos reinos; por outro lado, a crise de 1580, subsequente à morte do Cardeal D. Henrique e que levou à nomeação dos Governadores e Defensores do reino. 4- Ausência do rei, vários monarcas, em diversas situações e

Page 289: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 289

em variável número, se ausentaram do país; por exemplo, D. João I, a partida da família real para o Brasil em 1807. 5- Urgência e necessidade, assumindo claro estatuto excecional, encontramos apenas um único caso, trata-se da Carta Régia130 de 6 de setembro de 1616. Os ofícios públicos estavam intimamente ligados a uma relação privada entre os monarcas e os respetivos titulares, traduzindo um privilégio ou uma honra para estes últimos. A utilização da atribuição dos ofícios públicos como forma de compensação por serviços prestados a coroa convertia os seus destinatários em titulares de uma dignidade honorífica concedida pelo monarca e sujeita a um rendimento. Esse rendimento era, porém, entendido como acessório da honra e não como retribuição do exercício dos poderes de autoridade. Entraremos, agora, no constitucionalismo. Sabendo que existiram Constituições monárquicas131 e republicanas, falaremos apenas da segunda. Diferente das constituições monárquicas, as constituições republicanas são caraterizadas por uma maior simplicidade nos processos de substituição do Presidente da República (PR), impedido ou impossibilitado de exercer funções, não existindo aqui as situações de menoridade.

130 Autorizava a que, em alguns negócios, em que no devido tempo o rei não podia assinar, as assinaturas fossem feitas, desde que respeitassem a negócios de justiça, pelos Desembargadores do Paço, Vereadores da Fazenda ou outras autoridades. 131 Existia a proibição de qualquer autoridade avocar as causas pendentes. Neste sentido, garantia-se o princípio da separação de poderes (conferindo ao poder judicial um espaço reservado de decisão, insuscetível de avocação pelo parlamento ou pelo poder executivo), exclui-o a avocação de causas entre juízes e a proibição de avocação de causas constitui norma garantística dos cidadãos (ninguém é sentenciado senão por autoridade competente).

Page 290: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

290 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Um primeiro mecanismo de substituição do PR foi conferido a todos os Ministros, conjuntamente com a plenitude do poder executivo. Esta solução foi acolhida pela Constituição de 1911 e pela versão inicial da Constituição de 1933. A revisão constitucional de 1935 atribuiu ao Presidente do Conselho o poder de substituir o PR ou, na falta daquele, ao Presidente da Assembleia Nacional (revisão constitucional de 1971). Na Constituição de 1976, competia ao Presidente da Assembleia Nacional, salvo se esta estivesse dissolvida, caso em que a presidência seria assumida por um membro do Conselho da Revolução. A revisão constitucional de 1982 fez desaparecer a referência às situações de ausência e, extinto o Conselho da Revolução, passou-se como órgão vicário o presidente da Assembleia da República. O poder de substituição ao nível da relação hierárquica depara na doutrina portuguesa com duas conceções antagónicas: segundo uns, a competência do superior hierárquico compreende a competência do subalterno, dai resultando admissibilidade geral de um poder de substituição; segundo outros, em princípio, a competência do superior não envolve a do subalterno, sendo o poder de substituição uma faculdade excecional do órgão superior, sempre dependente de autorização legal. No Estado constitucional português assiste-se à substituição do superior hierárquico pelo subalterno quando a lei autoriza ou quando aquele seja o funcionário imediato, sendo o mais antigo, isto em decorrência do princípio da irrenunciabilidade e inalienabilidade da competência (Art. 29.º e 41.º ambos do CPA). ATO DISCRICIONÁRIO E VINCULADO A realização administrativa do direito transporta sempre uma vertente criadora, ainda que em causa esteja o exercício de uma atividade vinculada. É certo que o uso de poderes discricionários dá

Page 291: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 291

azo a valorações do agente132. No Estado de direito, há lugar para a discricionariedade administrativa, instrumento fundamental para a sua realização e para a realização da justiça no caso concreto133. Mauro Cappelletti134, reconhecendo que em todo o ato de interpretação existe um certo grau de criatividade, defende que a discricionariedade não deve ser confundida com a total liberdade do intérprete: discricionariedade não quer dizer necessariamente arbitrariedade. O poder discricionário nunca deve ser entendido como uma carta em branco, mas como uma ordem para a realização da justiça no caso concreto. Não há pois discricionariedade livre, mas sempre e apenas discricionariedade funcional, exercida nos limites do direito e de acordo com os deveres e limitações próprios da função135. Compreende-se que o chamado poder discricionário corresponde simplesmente ao cumprimento do dever de alcançar a finalidade legal, depreendendo-se, então, que o que há é um dever discricionário em vez de um poder discricionário136.

132 MONIZ, Ana Raquel Gonçalves – A discricionariedade administrativa: reflexões a partir da pluridimensionalidade da função administrativa. In: O Direito, Ano 144º 2012 III. Coimbra: Almedina Editora, 2012, p. 613. 133 SOUSA, António Francisco de – O controlo jurisdicional da discricionariedade e das decisões de valoração e prognose. In: Reforma do contencioso administrativo: O debate universitário (trabalhos preparatórios) / Ministério da Justiça Gabinete de Política Legislativa e Planeamento, Vol. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 404. Também vai nesse sentido MONIZ, Ana Raquel Gonçalves, op. cit., p. 602. 134 Crf. CAPPELLETTI, Mauro – Juízes legisladores? (Tradução Carlos Alberto Álvaro de Oliveira). Título original: Giudici Legislatori? Porto Alegre: Sérgio António Fabris Editor, 1993, pp. 23-24, 73-81 ta. 135 SOUSA, António Francisco de, op. cit., ibidem. 136 MELLO, Celso Antônio Bandeira de – Discricionariedade e controlo jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, p.15.

Page 292: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

292 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A fonte da discricionariedade é a própria lei: aquela só existe nos espaços deixados por esta, espaços esses de atuação livre da Administração previamente legitimado pelo legislador, v. g., entre pelo menos duas alternativas abertas pela norma aplicada, isto quando o administrador pode deferir ou indeferir algo, praticar tal ou tal ato. Também podemos integrar aqui os casos em que a lei prevê

determinada competência, mas não estabelece a conduta a ser adotada. O ato será vinculado quando a lei, ao descrevê-lo, utilizar noções previstas, vocábulos unívocos, conceitos matemáticos, que não dão margem a qualquer apreciação subjetiva, v.g., terá direito à aposentadoria o funcionário que completar 35 anos de serviço público ou 70 anos de idade. Haverá atuação vinculada e, portanto, um poder vinculado, quando a norma a ser cumprida já predetermina, e de modo completo, qual o único e possível comportamento que o administrador estará obrigado a tomar perante casos concretos cuja compostura esteja descrita, pela lei, em termos que não ensejam dúvida alguma quanto ao seu objetivo reconhecimento137. O ato é vinculado por a lei estabelecer apenas um objeto como possível para atingir determinado fim. Trata-se, na verdade, de uma imposição ao agente no sentido de não se afastar do que a lei estritamente dispõe, caso o agente verifique a ocorrência do facto que dá origem ao ato administrativo, o seu dever é executa-lo nos exatos termos previstos na lei. Encontramos aqui a chamada redução da discricionariedade a zero, conhecida como eliminação da discricionariedade. A doutrina considera que o legislador confere à administração o poder para se orientar por critérios de mérito. Das concretas circunstâncias do caso decorre que apenas uma solução se revela juridicamente viável138.

137 Ibidem, p. 9. 138 MONIZ, Ana Raquel Gonçalves, op. cit., pp. 617-618.

Page 293: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 293

TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA A revisão constitucional de 1997 reformulou o Art. 268.º, em concreto os seus números 4 e 5, sendo que nesta nova redação foi reafirmado o princípio da tutela jurisdicional efetiva, o qual exige que a todo e qualquer interesse do particular digno de proteção jurídica corresponda um meio de satisfação processual junto da jurisdição administrativa139. Essa garantia põe especiais exigências, pois está normalmente em causa uma relação entre um particular e uma entidade dotada de um poder público, circunstância que ganha relevo quando se trata de executar uma sentença desfavorável à autoridade administrativa. O princípio da tutela jurisdicional efetiva é reafirmado no Art. 2.º, n.º 2 do CPTA. De referir que este princípio, em matéria administrativa, não se refere apenas aos direitos dos cidadãos na sequência da previsão constitucional, mas estende-se à proteção do interesse público e dos valores coletivos, designadamente daqueles valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens de domínio público140. O Art. 163.º, n.º 4 e 5 do anteprojecto do CPTA introduziu uma inovação a que Mário Aroso de Almeida diz ser “meritória”, configurando situações que permitem ao tribunal emitir título capaz de produzir efeitos em substituição do ato administrativo ilegalmente omitido141. Enquanto Mário Aroso a acha meritória, Barbosa de Melo faz um questionamento interessante: por que é que, no Estado

139 BARBOSA, Paula – A acção de condenação no acto administrativo legalmente devido. Lisboa: AAFDL, 2007, p.13 140 VIERA DE ANDRADE, José Carlos. A justiça administrativa (lições), op. cit., p.145 e ss. 141 ALMEIDA, Mário Aroso de – Pronúncia judiciais e sua execução na reforma do contencioso administrativo. In: Cadernos de justiça administrativa, n.º 22, Cejur, Braga, Julho/Agosto de 2000, p. 71.

Page 294: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

294 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

de direito dos nossos dias, cresce o sentimento da necessidade de tutela jurisdicional dos cidadãos? Pergunta a que respondeu da seguinte forma: “A resposta completa não sei, seria descabido fingir conhecer, pois exige a análise e dilucidação de uma complexíssima pluralidade de fatores políticos, sociais, e culturais que lhe escapam”142. A jurisdição administrativa deixa, na verdade, de ser uma jurisdição de poderes limitados, o que implica a superação da tradicional inibição em reconhecer aos tribunais administrativos amplos poderes de condenação da Administração. Com efeito, a tutela jurisdicional só é efetiva se for capaz de proporcionar a emissão de sentenças de condenação, dirigidas contra a Administração. Os tribunais administrativos também passam a ter o poder de fixar, quando sejam chamados a condenar a Administração, o prazo dentro do qual os deveres devem ser cumpridos e, quando tal se justifique, para assegurar o respetivo cumprimento, o poder de impor diretamente aos titulares dos órgãos responsáveis uma sanção pecuniária compulsória, isto é, o dever de pagar uma quantia em dinheiro por cada dia de atraso em relação ao prazo fixado para o cumprimento (Art. 169.º do CPTA)143. CONDENAÇÃO A PRATICA DO ATO DEVIDO A consagração plena do princípio da tutela jurisdicional efetiva no novo regime de processo administrativo trouxe consigo um

142 MELO, Barbosa de – Parâmetro constitucional da justiça administrativa. In: Reforma do Contencioso Administrativo. Ministério da Justiça, Volume I – O debate universitário. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 381. 143 ALMEIDA, Mário Aroso de – Considerações sobre o novo regime do contencioso administrativo. In: Stvdia ivridica, 86. Colloquia; 15, Colóquio A Reforma da Justiça Administrativa. Coimbra, 2004, p. 22. Sobre conceito de sanção pecuniária compulsória ver também GONÇALVES, Pedro Costa, Direito Administrativo da Regulação, texto dedicado a Homenagem à memória do Professor Marcello Caetano, FDUL,p.26 ss

Page 295: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 295

substancial alargamento dos poderes de pronúncia do julgador, nomeadamente ao nível da direta intervenção no domínio da atividade administrativa. Expressão desta maior ingerência dos tribunais administrativos nos domínios de atuação da Administração constitui, desde logo, o novo processo declarativo de condenação desta última à prática dos atos legalmente devidos. Com efeito, neste novo meio processual, o tribunal pode determinar o conteúdo e o alcance do ato que a Administração deve praticar e que havia sido ilegalmente omitido ou recusado144. Viera de Andrade diz-nos que a possibilidade de condenação da Administração à pratica do ato devido “significa uma mudança fulcral de entendimento da separação de poderes neste domínio, assegura-se a plenitude dos poderes jurisdicionais e a tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos no máximo grau admissível num sistema de administração executiva”145. O poder de condenar a Administração à emissão de atos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados é uma das dimensões em que se concretiza o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos146. Esta nova ação é quase decalcada da ação alemã (verpflichtungsklage, traduzida pela doutrina espanhola como acción obligacional). Na medida em que se consagrou esta ação de condenação quer face aos indeferimentos ou omissões da

144 PEREIRA, Duarte Amorim – A Execução Substitutiva no Novo Regime de Processo Administrativo. In: Verbo Jurídico, Setembro de 2007, pp. 24-25. 145 VIERA DE ANDRADE, José Carlos – A acção de condenação a prática de acto devido. In: Boletim da Faculdade de Direito: Studia Iuridica, 86. Coimbra: Universidade de Coimbra, p.169. 146 Cfr. CADILHA, António – Os poderes de pronúncia jurisdicionais na acção de condenação à prática de acto devido e os limites funcionais da justiça administrativa. In: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Faculdade de Direito da Universidade Lisboa. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p.171.

Page 296: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

296 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Administração, esta ação é integrada no CPTA como um dos subtipos da chamada ação administrativa especial147. O ato legalmente devido tem que ser exigido por lei e exigível no caso concreto, o que implica que o deferir ou o agir da Administração sejam legalmente exigíveis, sendo deste modo a recusa ou omissão ilegal, ou seja, quando existe vinculação quanto a prática do ato148. Esta ação tem como objecto149 a pretensão do interessado (Art.66.º, n.º 2) e não o ato administrativo de indeferimento, pois já não nos encontramos no recurso de anulação. Tem como pressupostos150: 1 – A omissão da prática do ato requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão (Art. 67.º, n.º1, a)). 2 – Indeferimento de mérito (indeferimento da pretensão Art. 67.º, n.º 1, b)). 3- Recusa de apreciação do requerimento (rejeição liminar Art. 67.º, n.º4, c)). PODERES DE SUBSTITUIÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO Chegado a este ponto, vamos analisar o modo como na reforma do contencioso administrativo foi configurado o ponto de equilíbrio entre dois grupos de imperiosos valores constitucionais: por um lado, o princípio da separação de poderes (Art. 111.º da CRP), que exige que a cada poder estadual caiba um domínio funcional ou de competências reservado; por outro, os princípios da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva (consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP)151. Vamos concentrar-nos na inovação que Paula Barbosa diz ser “essencial”, concretamente, a possibilidade do Tribunal substituir-se à Administração na emissão do ato devido, quando este tenha um

147 BARBOSA, Paula, op. cit., pp. 10 e 16. 148 Ibidem. pp. 89-90. 149 Sobre o objecto, ver: VIERA DE ANDRADE, José Carlos. op. cit., pp. 171-172. 150 Sobre os pressupostos, ver: IDEM, ibidem, pp. 172-174. 151 CADILHA, António, op. cit., p.161.

Page 297: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 297

conteúdo vinculado. Este poder não foi previsto a nível declarativo, mas ficou consagrado no plano executivo, ainda que limitado aos atos de conteúdo vinculado152. O exercício do poder de substituição da Administração pelo tribunal é uma medida de execução coativa de ultima ratio, dado que pressupõe que se frustrou a expetativa de cumprimento espontâneo da sentença exequenda153 e por outra via – no caso da execução para prestação de facto ou de coisa, a não execução por superior hierárquico ou pela tutela com poderes de superintendência154 – não se assegurou igualmente a finalidade da decisão. Esta substituição judicial da Administração não é livre e depara-se, de facto, com alguns obstáculos, sobretudo ao nível dos princípios jurídicos tradicionais inerentes à organização do próprio Estado de direito155. O incumprimento de uma sentença pela Administração condenada significa uma violação ao princípio da legalidade (preceito constitucional), e portanto o rompimento de um dos pontos de

152 BARBOSA, Paula, op. cit., p. 127. O poder exclusivo de executar as suas próprias sentenças diante da Administração pública condenada faz com que o juiz administrativo disponha, não só do poder de ordenar à entidade pública condenada que adote, no plano dos fatos, as condutas necessárias ao restabelecimento da situação anterior à ilegalidade cometida e condenada, como também o poder de se substituir à própria Administração na prática dos atos necessários a essa reconstituição natural, para além, também, do poder de encarregar terceiros de assegurar o cumprimento da sentença exequenda. PEREIRA, Duarte Amorim, op. cit., p. 25. 153 VIERA DE ANDRADE, José Carlos – A justiça administrativa (lições), op. cit., pp. 377-379. 154 No regime anterior não havia mecanismos que obrigassem a Administração a dar cumprimento à sentença; Fernanda Maçãs chama a “isto remeter a questão para mero beneplácito da administração”. Cfr. MAÇÃS, Maria Fernanda dos Santos – A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial efectiva. In: Studia Juridica n.º 22. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 238. 155 Ibidem, p.26.

Page 298: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

298 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

equilíbrio da constituição. Isto pressupõe que se alterem as relações entre a Administração e os órgãos jurisdicionais, e, em definitivo as regras de separação de poderes, quando a Administração se recusa a executar a coisa julgada transforma a natureza da sua relação com o juiz, essas regras quebradas obrigam a um restabelecimento do equilíbrio roto. Restabelecimento que se traduz no facto de os tribunais garantirem tanto a integridade do sistema constitucional como a legalidade da atuação administrativa, provendo a substituição do ato legalmente devido156. O Estado Social de Direito exige que a administração pública seja detentora de um espaço de livre decisão. Os titulares dos órgãos públicos defrontam-se, frequentemente, com a chamada reserva económica do possível, tendo de optar, dados os constrangimentos financeiros, por privilegiar uns em detrimento de outros, o que implica, necessariamente, uma capacidade de escolha que o legislador não pode nem deve eliminar157. O que nos leva aos casos de discricionariedade. Como já referimos, poder discricionário é aquele conferido por lei ao administrador público para que, nos limites nela previstos e com certa parcela de liberdade, adote no caso concreto soluções justas. O fundamento desse poder é o princípio constitucional da separação dos poderes, que prevê a existência de atos reservados a cada um dos poderes e, por essa ordem, os atos discricionários não são alvos do poder de substituição (ato discricionário = reserva administrativa, princípio da separação de poderes; ato vinculado = reserva legal, princípio da legalidade). Poderá parecer infundado ou sem sentido o seguinte questionamento. Porque é que só se vê o princípio da separação de poderes nos casos de discricionariedade e nos casos vinculados não? Será por pensarmos que aquilo que é criado por lei não é capaz de violar o princípio da separação de poderes, pelo facto de ser a

156 BELTRAN DE FELIPE, Miguel. Op. Cit.,pp.173-210 157 Cfr. CADILHA, António, op. cit., p. 165.

Page 299: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 299

própria lei a criá-lo? Tomemos como exemplo os Assentos, que, não obstante a sua criação ter sido por lei, chegou-se à conclusão de que eram inconstitucionais, porque violavam o princípio da separação de poderes. A evolução que se verifica no Estado Social de Direito é acompanhada por uma reformulação da teoria da separação de poderes. Perante o reconhecimento de que a atividade administrativa nem sempre é aplicadora e executória da lei, mas também constitutiva e criativa de direito, torna-se inadequado reduzir o princípio da separação de poderes à exigência de total separação entre aquelas funções. A conceção simplista de que o legislador cria todo o direito, o administrador apenas executa e o juiz controla é posta em causa. Assim, aquele princípio passa a ser entendido num sentido não mecanicista, que promove uma interdependência e colaboração entre as várias funções estaduais, no quadro de um sistema de checks and balances, que visa evitar a

excessiva concentração de poder num ou nalguns dos órgãos do poder público. “Essa interdependência orgânica-funcional que carateriza a configuração actual do princípio da separação de poderes não exclui, no entanto, a ideia de que cada função do Estado continua a ter de ser predominantemente exercida por um certo tipo de poder, isto significa que não é possível atribuir a um outro órgão tarefas que possam privar o detentor principal de uma certa função daquele núcleo material essencial de competências, sem o qual perderia a sua especialização funcional” 158. A tutela jurisdicional efetiva, aliada à ação de condenação a prática do ato devido, traz à tona a ideia de que estas ferramentas conferem ao juiz poderes de injunção para impor diretamente a constituição pela administração de situações jurídicas administrativas na esfera

158 Idem.

Page 300: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

300 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

dos particulares, podendo atingir o núcleo essencial da função administrativa159. Uma coisa é o exercício da jurisdição administrativa tomando por objeto a função administrativa e, outra, a função administrativa ela própria. A assunção pelo juiz de competências administrativas é indesejável por implicar o exercício pelo tribunal de poderes para os quais não dispõe dos necessários requisitos de funcionalidade, verificando-se deste modo uma inadequação funcional dos tribunais para o exercício substitutivo das competências materiais essencialmente administrativas160. Barbosa de Melo acha que o facto de os cidadãos comuns se virarem para os tribunais em busca de remédios leva o poder judicial a uma eminente absolutização que traz no ventre, como cavalo de Troia, riscos e perigos temerosos para a ideia do Estado de Direito e para os ideais democráticos. Nomeadamente: a anulação do poder executivo, que poderá pôr em causa valores essenciais da governação161. O poder de substituição judicial da Administração exige que o tribunal, embora não assumindo a posição constitucional e institucional da Administração, decida em vez da própria, fazendo o que esta deveria ter feito e não fez (ou seja, executando em seu lugar a decisão exequenda), de modo a dar plena satisfação aos direitos e interesses legítimos do cidadão interessado. Essa prerrogativa enquadra-se na teoria do chamado ativismo judicial como sendo uma situação de puro ativismo, onde a grande problemática é justamente evitar que aos tribunais se atribua um grande poder, capaz de invadir a esfera do poder que ele visa fiscalizar, ou seja, evitar com que o tribunal emita uma sentença substitutiva. Nesta teoria, o controlo judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz se

159 Ibidem, p.161. 160 Ibidem, p. 169. 161 MELO, Barbosa de, op. cit., pp. 384-385.

Page 301: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 301

substitua ao administrador. Assim, não pode o juiz entrar no terreno que a lei reservou aos agentes administrativos. Este fenómeno ocorre maioritariamente nos tribunais superiores v.g., Tribunais Supremos e Tribunais Constitucionais, sendo nos dias de hoje uma das principais problemáticas enfrentadas pelos tribunais superiores de variadas

ordens jurídicas162. A Alemanha prevê há muito tempo a verpflichtungsklage, mas a nível de execução não foi tao longe quanto Portugal, pois não permite o poder substitutivo do Tribunal. Este passo não foi dado, limitando-se apenas a aplicação de sanção pecuniária compulsória163. O alargamento das vertentes estruturais dos poderes de pronúncia e os poderes em fase executiva do juiz traz consequências inevitáveis, criando uma zona de risco, possibilitando a intromissão do juiz na área decisória a que corresponde o exercício de competências próprias da Administração164. De modo a salvaguardar o ponto de equilíbrio entre os dois grupos de imperiosos valores constitucionais, o Legislador ordinário optou por introduzir alterações a nível do CPTA, as quais visam impedir a violação do princípio da separação de poderes, concretamente nos artigos 3.º, n.º 1 e 71.º, n.º 2165.

162 Sobre ativismo judicial, consultar: LOURENÇO, Naldemar Miguel – Ativismo Judicial em Angola: Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de Coimbra. Coimbra, 2014. 163 ALMEIDA, Mário Aroso de – Pronúncia judiciais e sua execução na reforma do contencioso administrativo. In: Cadernos de justiça administrativa, n.º 22, Cejur, Braga, Julho/Agosto de 2000, p. 72. Ver também BARBOSA, Paula, op. cit., p.127. 164Cfr. CADILHA, António, op. cit., pp. 171-172. 165 O Art. 71.º, n.º 2 usa a seguinte fórmula “formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa”. A aplicação deste conceito deve ser reconduzida à noção geral de espaço de liberdade de atuação da Administração, margem de livre decisão administrativa que constitui o núcleo essencial da função administrativa, abarcando a discricionariedade e a indeterminação conceptual das normas administrativas que podem gerar

Page 302: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

302 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

“1. No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.” “2. Quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.” Estes dois artigos estabelecem ainda que, de modo a respeitar o princípio da separação de poderes, os tribunais administrativos só poderão substituir o ato quando este for um ato vinculado, deixando de fora os atos discricionários. Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Aroso de Almeida entendem que o princípio da separação de poderes tem de ser analisado numa perspetiva modernista, existindo cada vez mais intensa interdependência e interpenetração dos poderes do Estado entre si e que a reserva de um espaço de discricionariedade já nos parece por si só suficiente para assegurar o respeito por tal princípio fundamental. Ou seja, nenhum atentado ao princípio da separação de poderes se deverá recear se o poder de substituição se circunscrever aos domínios de estrita vinculação legal da Administração166. Ademais, João Pacheco Amorim acha que o que existe é um temor reverencial, e que esse temor não tem nos nossos

espaços de avaliação e decisão da responsabilidade própria e autónoma da Administração, integrando a área de reserva da Administração. Cfr. CADILHA, António, op. cit., pp.174-188. 166 SOUSA, Marcelo Rebelo de – Acção para a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. In: Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça, Volume I – O debate universitário. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp. 181-182. ALMEIDA, Mário Aroso de, op. cit., pp.71-72. Ver também: PEREIRA, Duarte Amorim, op. cit., p.27.

Page 303: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 303

dias mais razão de ser, se é que alguma vez teve. Quer os poderes de cognição, quer os poderes de decisão do juiz administrativo esgotam-se numa tarefa de pura execução de lei. Pelo que de modo algum se pode sustentar que em tais casos a atribuição ao juiz administrativo de poderes de substituição atenta contra o princípio da separação de poderes, tal como ele é entendido nos sistemas de administração executiva167. CONCLUSÃO Concluímos que o princípio da separação de poderes pode constituir um limite ao exercício do poder judicial de substituição do ato administrativo. Ao juiz não basta hoje a racionalidade, o senso comum e o conhecimento das disposições jurídicas: é necessário que o mesmo tenha que ponderar as suas atuações de modo a não violar consistentemente as funções essenciais dos outros órgãos, pois que a falta de legitimidade democrática directa e o fato de não poder ser responsabilizado pelas consequências das suas ações não devem levar os juízes a pensar que podem facilmente construir um governo dos juízes. Devem eles, no quadro da separação de poderes, continuar a ter que respeitar os espaços de avaliação próprios da função administrativa, pois não lhes compete interferir na execução das políticas públicas ou na regulação económico-social. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Mário Aroso de – Pronúncia judiciais e sua execução na reforma do contencioso administrativo. In: Cadernos de justiça

administrativa, n.º 22, Cejur, Braga, Julho/Agosto de 2000.

167 AMORIM, João Pacheco de – A substituição judicial da administração na pratica de actos devidos. In: Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça, Volume I – O debate universitário. Coimbra Editora, 2003, p. 485

Page 304: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

304 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

– Considerações sobre o novo regime do contencioso administrativo. In: Stvdia ivridica, 86. Colloquia; 15, Colóquio A Reforma da Justiça

Administrativa. Coimbra, 2004. AMORIM, João Pacheco de – A substituição judicial da administração na pratica de atos devidos. In: Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça, Volume I – O debate

universitário. Coimbra Editora, 2003. BARBOSA, Paula – A acção de condenação no acto administrativo

legalmente devido. Lisboa: AAFDL, 2007. BELTRAN DE FELIPE, Miguel - El poder de sustitucion en la ejecucion

de las sentencias condenatorias de la administracion. Editorial Civitas, Madrid, 1995. CADILHA, António – Os poderes de pronúncia jurisdicionais na acção de condenação à prática de ato devido e os limites funcionais da justiça administrativa. In: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. II, Faculdade de Direito da Universidade Lisboa.

Coimbra: Coimbra Editora, 2010. CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito constitucional e teoria da

constituição. 7ª edição. 14ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003. CAPPELLETTI, Mauro – Juízes legisladores? (Tradução Carlos Alberto Álvaro de Oliveira). Título original: Giudici Legislatori? Porto Alegre:

Sérgio António Fabris Editor, 1993. CORREIA, Fernando Alves – Direito constitucional: A justiça

constitucional. Coimbra: Almedina Editora, 2001. CORREIA, Sérvulo – O recurso contencioso. In: Reforma do contencioso administrativo: O debate universitário (trabalhos preparatórios) / Ministério da Justiça Gabinete de Política Legislativa

e Planeamento, Vol. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. FONSECA, Isabel Celeste M/ AFONSO, Osvaldo Gama – Direito

processual administrativo angolano: noções fundamentais. Coimbra: Almedina Editora, 2013.

Page 305: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 305

FRANÇA, Adriano Bernardo de –Separação dos poderes, parlamento e ativismo judicial: análise jurídico-constitucional sobre a relação entre o fenômeno do ativismo judicial e a atuação do parlamento na realidade brasileira: Dissertação de Mestrado da Universidade de

Coimbra. Coimbra, 2013. GONÇALVES, Pedro Costa, Direito Administrativo da Regulação, texto

dedicado a Homenagem à memória do Professor Marcello Caetano, FDUL. LOURENÇO, Naldemar Miguel – Ativismo Judicial em Angola:

Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade de Coimbra. Coimbra, 2014. MAÇÃS, Maria Fernanda dos Santos – A suspensão judicial da eficácia dos actos administrativos e a garantia constitucional da tutela judicial

efectiva. In: Studia Juridica n.º 22. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. MACHADO, Jonatas E. M., Costa, Paulo Nogueira da e HILÁRIO,

Esteves Carlos – Direito constitucional angolano. 2ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2013. MELO, Barbosa de – Parâmetro constitucional da justiça administrativa. In: Reforma do Contencioso Administrativo.

Ministério da Justiça, Volume I – O debate universitário. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. MELLO, Celso Antônio Bandeira de – Discricionariedade e controlo

jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA – Reforma do contencioso administrativo: O

debate Universitário (trabalhos preparatórios). Coimbra: Coimbra Editora, 2003. MONIZ, Ana Raquel Gonçalves – A discricionariedade administrativa: reflexões a partir da pluridimensionalidade da função administrativa.

In: O Direito, Ano 144º 2012 III. Coimbra: Almedina Editora, 2012.

Page 306: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

306 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

OTERO, Paulo – Poder de substituição em direito administrativo:

Enquadramento dogmático-constitucional. Vol. I. Lisboa: Lex Editora, 1995. PEREIRA, Duarte Amorim – A Execução Substitutiva no Novo Regime

de Processo Administrativo. In: Verbo Jurídico, Setembro de 2007. PÉREZ ROYO, Javier – Tribunal Constitucional y division de poderes.

In: Temas Clave de la Constitución Española. Madrid: Tecnos, 1988. PIÇARRA, Nuno – Separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: Um contributo para o estudo das suas origens e

evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989. RIBEIRO, Adolpho José – As estruturas funcionais públicas e a atuação do poder judiciário: Uma análise sobre as origens dos três poderes e os limites da justiça constitucional contemporânea. Tese

de mestrado da Universidade de Coimbra. Coimbra, 2012. SIMON, Helmut – La jurisdicción constitucional. In: Manual de

derecho constitucional, BENDA et alii (traducción de Antonio Lopez Pina). Madrid, 2002. SOUSA, António Francisco de – O controlo jurisdicional da discricionariedade e das decisões de valoração e prognose. In: Reforma do contencioso administrativo: O debate universitário (trabalhos preparatórios) / Ministério da Justiça Gabinete de Política

Legislativa e Planeamento, Vol. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. SOUSA, Marcelo Rebelo de – Acção para a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos. In: Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça, Volume I – O

debate universitário. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. URBANO, Maria Benedita – Curso de justiça constitucional: evolução histórica e modelos do controle da constitucionalidade. Coimbra:

Almedina, 2013.

Page 307: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 307

VASCONCELOS, Pedro C. Bacelar de – A separação dos poderes na constituição americana: Do veto legislativo ao executivo unitário: a crise regulatória. In: Studia Jurídica, 4. Coimbra: Coimbra Editora. VIANA, Leilson Soares – Interpretação constitucional e ativismo do poder judiciário: Os limites da interpretação criativa dos tribunais

constitucionais. Dissertação de mestrado. Coimbra, 2010. VIERA DE ANDRADE, José Carlos –A acção de condenação a prática de acto devido. In: Boletim da Faculdade de Direito: Studia Iuridica, 86.

Coimbra: Universidade de Coimbra. – A justiça administrativa (lições). 13ª ed. Coimbra: Almedina Editora, 2014. – Âmbito e limites da jurisdição administrativa. In: Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 22, Cejur, Braga, Julho/Agosto de 2000. – Direito administrativo e fiscal: lições ao 3º ano do curso de 1996/9. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. – Os poderes de cognição e de decisão do juiz no quadro do actual processo administrativo de plena jurisdição. In: Cadernos de Justiça

Administrativa, n.º 101, Cejur, Braga, Setembro/Outubro de 2013. WEBBA, Mihaela Neto – Os poderes do presidente da república no sistema jurídico-constitucional e político angolano. Dissertação de mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, Direito Constitucional,

apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Page 308: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

308 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

KANT E O IDEALISMO ALEMÃO

Flamarion Tavares Leite168 RESUMO: O presente estudo toma como fulcro a resposta de Kant ao empirismo cético e ao determinismo de Hume, encontrada na obra que inaugura o período crítico – Crítica da razão pura -, bem como na Crítica da razão prática, cujo objeto é a análise da liberdade. Examina e expõe a evolução da filosofia kantiana, que culmina no criticismo e seu consectário – o idealismo transcendental -, para postular que o surgimento do idealismo alemão se deu a partir da Crítica da razão pura. Este idealismo perpassa por Fichte e Schelling, encontrando seu desfecho em Hegel. Palavras-chave: Hume. Kant. Fichte. Schelling. Hegel. Empirismo. Idealismo.

KANT AND GERMAN IDEALISM ABSTRACT: This study takes as a fulcrum Kant response to skeptical empiricism and Hume's determinism, found in the work that opens

168 Mestre em Filosofia. Doutor em Direito pela PUC-SP. Especialista em Integração Econômica e Direito Internacional Fiscal pela Universidade Técnica de Lisboa/UnB/ESAF, com estágio na União Europeia (Bruxelas) e Ministério das Finanças de Portugal (Lisboa). Professor Associado II e Titular de Filosofia do Direito, de Lógica Jurídica e de Teoria Geral do Direito, nos cursos de graduação e pós-graduação das Faculdades de Direito da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ e FESP Faculdade. Professor Convidado (Assistente) da União Europeia no Curso de Especialização em Integração Econômica e Direito Internacional Fiscal da Escola de Administração Fazendária – ESAF, Brasília-DF. Autor de livros jurídicos. Presidente da Academia Paraibana de Letras Maçônicas. Membro Efetivo da Academia Paraibana de Letras Jurídicas.

Page 309: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 309

the critical period - Critique of Pure Reason - as well as in the Critique of Practical Reason, whose purpose is the analysis of freedom. Examines and exposes the evolution of Kantian philosophy, culminating in his criticism and consectário - transcendental idealism - to posit that the rise of German idealism took from the Critique of Pure Reason. This idealism Fichte and Schelling permeates finding their outcome in Hegel. Keywords: Hume. Kant. Fichte. Schelling. Hegel. Empiricism. Idealism. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A gênese do idealismo. 3. O idealismo

alemão. 4. Considerações finais. 5. Referências ABRAVIATURAS: Bd: Band (Tomo, Volume) CRP: Crítica da razão pura KrV: Kritik der reinen Vernunft (Crítica da Razão Pura)

Prolegomena: Prolegomena zu einer jeden künftigen Metaphysik, die als Wissenschaft wird auftreten können (Prolegômenos a toda metafísica futura que queira apresentar-se como Ciência) 1 Introdução Immanuel Kant, conhecido como o filósofo das três Críticas – Crítica da razão pura, Crítica da razão prática e Crítica do juízo –, nasceu no dia 22 de abril de 1724, em Königsberg (Prússia oriental), na rua dos seleiros, onde seu pai exercia esse ofício. Filho de Johann Georg Kant, homem laborioso, honesto, que tinha horror à mentira, e de Anna Regina Reuter, mulher profundamente religiosa, que lhe ministrou sólida educação moral e, antes de morrer, o internou no Collegium Fridericianum, dirigido por Francisco Alberto Schultz, fervoroso adepto do pietismo,169 Kant afirmava que seus antepassados

169 O pietismo, que se desenvolveu especialmente na Alemanha na segunda metade do século XVII e cujo chefe foi Filipe Jacó Spener (1635-1705),

Page 310: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

310 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

provinham da Escócia e que seu pai escrevia o sobrenome com C (Cant), razão por que o filósofo decidiu adotar o K inicial, evitando que se pronunciasse Tsant.170 Kant permaneceu no Fridericianum pelo espaço de nove anos, de 1732 a 1740, ano em que ingressou na Universidade, onde foi profundamente influenciado por Martin Knutzen, conhecido por seus bem acolhidos escritos, pietista como Schultz e discípulo de Wolff, cujo método é um racionalismo sistemático, que se esforça por julgar tudo à mão de princípios – e não de sentimentos – e por deduzir logicamente cada proposição. Tal será a atitude de Kant.171 Não por outro motivo, quando penetramos no frio castelo de mármore do pensamento kantiano, percebemos a argumentação estrita e o proceder científico de Wolff, o maior dos dogmáticos, nas palavras do metódico e pouco romântico professor Kant. A Knutzen deveu Kant o conhecimento das obras de Newton, que constituíram a prova experimental da possibilidade de uma ciência a priori da natureza. É nesse período que Kant publica sua primeira obra – Pensamentos sobre a verdadeira avaliação das forças vivas (1747) –, em que procura conciliar as ideias de Descartes com as de Leibniz no tocante à medida da força de um corpo em movimento. Após a morte do pai (1747), Kant, para ganhar a vida, torna-se preceptor, função que exerceu durante nove anos. Todavia, prossegue com seus estudos e, em 1755, publica História universal da natureza e teoria do céu, na qual trata do sistema e da origem mecânica do universo segundo os princípios de Newton, preludiando a teoria sobre a formação dos astros, que Laplace iria apresentar quarenta anos depois.

pretendia voltar às teses originárias da Reforma protestante, sobretudo a livre interpretação da Bíblia e a negação da teologia. Teve importante ligação com o Iluminismo. 170 Cf. L.E. Borowski, R. B. Jachmann, E.A. Wasianski, Kant intime, 1985, p.35. 171 Cf. Georges Pascal, O Pensamento de Kant, 1985, p. 14.

Page 311: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 311

Em 1755, tendo obtido da Universidade a “promoção” – espécie de diploma de conclusão de curso –, graças a uma dissertação sobre o fogo, e a “habilitação” – que lhe dá direito a abrir um curso livre –, por uma dissertação sobre os primeiros princípios do conhecimento metafísico, Kant torna-se Docente Livre (Privatdozent), ou seja, dá cursos livres, financiados diretamente pelos próprios estudantes, ensinando matemática, lógica, moral, física, pirotecnia, teoria das fortificações, enciclopédia filosófica, teologia natural, antropologia, a doutrina do belo e do sublime. No decurso desses anos (1755-1770) Kant lê Rousseau, de quem sofre profunda influência, sobretudo nas questões morais, tendo aprendido a não depreciar as inclinações naturais do homem. A ciência física a priori como fato, eis o que tinha encontrado em Newton; a moralidade como fato, eis o que Rousseau lhe fez ver.172 Em 1770, com a Dissertação sobre a Forma e os Princípios do mundo sensível e do mundo inteligível, Kant conquista o posto de Professor Titular na Universidade de Königsberg. Desde então, preleciona lógica e metafísica, no curso público, e direito natural, moral, teologia natural, antropologia, geografia física, matemática, pedagogia, nos seus cursos privados. Após a Dissertação de 1770, Kant é absorvido pelo problema da crítica do conhecimento humano, mas levará mais de dez anos para dar forma à sua filosofia. Assim, em 1781, em Riga, faz publicar a Crítica da razão pura, um dos monumentos do espírito humano. Em 1788, surge a Crítica da razão prática. Com a publicação da Crítica do juízo (1790), a filosofia kantiana pode considerar-se completa. A partir de 1790 suas forças começaram a declinar e em 1797 deixou a cátedra. Continuou a escrever e trabalhou até os últimos dias numa obra inacabada em que queria explicar a passagem da metafísica da ciência da natureza à física. Morreu num domingo, em

172 Cf. Émile Boutroux, Kant, 1983, p. 14.

Page 312: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

312 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

12 de fevereiro de 1804, às onze horas. A sua última frase foi: “Es ist gut” (está bem). As obras de Kant podem ser classificadas, distinguindo-se três períodos: 1) De 1755 a 1770. Neste período, as ideias pessoais de Kant ainda não haviam tomado forma. Comunga das ideias filosóficas predominantes na Alemanha, a saber, o racionalismo dogmático de Leibniz, tal como fora desenvolvido e divulgado por Wolff. Entretanto, como o próprio Kant declara no prefácio aos Prolegômenos, a leitura de Hume pôs fim a seu “sono dogmático”.173 2) De 1770 a 1790. É só em 1770 que se começa a divisar um primeiro esboço da filosofia kantiana. Com efeito, na Dissertação de 1770 já se estabelece a distinção entre o mundo dos fenômenos e o mundo dos númenos, como resultado de uma concepção inteiramente original do espaço e do tempo.174 Entre 1780 e 1790 vêm a lume as grandes obras de Kant, aquelas que caracterizam o criticismo: Crítica da razão pura (1781), Prolegômenos (1783), Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), Crítica da razão prática (1788). 3) De 1790 a 1800. A Crítica do juízo, mantendo de pé as premissas fundamentais da filosofia kantiana, confirma a postura contra a metafísica dogmática e o empirismo cético, contida na Crítica da razão pura e na Crítica da razão prática, encerrando a obra crítica e estabelecendo uma doutrina de filosofia especulativa e moral. Após 1790, outras obras fundamentais, que não alterarão o fio condutor do pensamento kantiano, serão publicadas: A religião dentro dos limites da simples razão (1793), À Paz Perpétua (1795), A

173 Prolegomena, Bd. 5, p. 118 (A 12, 13). 174 Cf. Georges Pascal, op. cit., p. 16. Como veremos, Kant procura demonstrar que o espaço e o tempo derivam da experiência de objetos particulares, uma vez que esta experiência os pressupõe, concluindo que ambos são formas a priori da sensibilidade.

Page 313: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 313

Metafísica dos Costumes (1797), Antropologia do ponto vista pragmático (1798), Lógica (1800). 2 A gênese do idealismo O criticismo kantiano – que culmina no idealismo transcendental - é a confluência de duas direções fundamentais do pensamento filosófico: o racionalismo dogmático (Descartes – Spinoza – Leibniz – Wolff) e o empirismo cético (Bacon – Locke – Hume).175 Para o racionalismo, o conhecimento seria produto de uma simples faculdade: a razão. Para o empirismo, o conhecimento derivaria de outra faculdade: a sensibilidade. Kant, que se educou sob a influência do racionalismo de Wolff, declara que o ceticismo de Hume o fez despertar do seu sono dogmático e deu às suas investigações no caminho da filosofia especulativa uma orientação totalmente diversa, impelindo-o a indagar sobre as condições e os limites do conhecimento humano, bem assim suas possibilidades.176 Destarte, Kant diferencia a filosofia das ciências, pois, enquanto cada uma destas últimas tem objeto próprio, o objeto da filosofia é o conhecimento mesmo, a análise da ciência.177 Por esta via, o

175 Como sublinha Jonathan Bennett, essas duas tradições filosóficas juntam-se na filosofia kantiana não como uma mescla inconsistente, mas como uma síntese coerente de verdades extraídas de cada uma delas (cf. La Crítica de la Razón Pura de Kant, 2, Dialéctica, p. 21). 176 Prolegomena, Bd. 5, p. 118 (A 12, 13). Will Dudley afirma que a causa filosófica imediata do Idealismo alemão foi o ceticismo de Hume e que o ataque ao princípio da causalidade, que leva mais diretamente ao ceticismo e ao determinismo, é o que inspira o desenvolvimento e a defesa da alternativa ao empirismo que o Idealismo alemão começa (Idealismo alemão, 2013, p. 14 e 19). 177 A filosofia moderna – especialmente a partir de Kant – conquistou seu objeto e método próprio, de tal modo que, ao mesmo tempo em que se constitui como conhecimento rigoroso, separou-se das ciências particulares, evitando toda superposiçao recíproca de métodos e objetos. Enquanto as

Page 314: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

314 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

criticismo permite chegar à conclusão de que o conhecimento é produto de uma faculdade complexa, o resultado de uma síntese da sensibilidade e do entendimento.178 Para isto, começa por dizer que todo conhecimento implica uma relação – melhor: uma correlação – entre um sujeito e um objeto. Nessa relação, os dados objetivos não são captados por nossa mente tais quais são (a coisa em si), mas configurados pelo modo com que a sensibilidade e o entendimento os apreendem. Assim, a coisa em si, o númeno, o absoluto, é incognoscível. Só conhecemos o ser das coisas na medida em que se nos aparecem, isto é, enquanto fenômeno. Mas, como atuam no conhecimento dos fenômenos a sensibilidade e o entendimento do sujeito cognoscente? Aqui, Kant recorre a uma distinção fundamental, segundo a qual todo fenômeno, tudo quanto existe, inclusive o conhecimento, se integra por dois ingredientes: matéria e forma.179 Aquilo que depende do próprio objeto constitui a matéria do conhecimento. O que depende do sujeito constitui a forma do conhecimento. Assim, temos uma primeira definição: conhecer é dar forma a uma matéria dada. A matéria é a posteriori. A forma é a priori. A matéria do conhecimento é variável de um objeto a outro, visto depender dele, do objeto. Por sua vez, a forma, sendo imposta ao objeto pelo sujeito, será reencontrada invariavelmente, em todos os objetos, por todos os sujeitos. Existem, pois, conhecimentos a priori e conhecimentos a posteriori. Todo objeto a ser conhecido a

ciências, na atitude dogmática, ocupam-se de seus objetos próprios, a filosofia ocupa-se das ciências mesmas e do conhecimento. Este é o segredo do ceticismo metódico de Descartes e depois do criticismo de Kant (cf. nosso “O cogito em Kant e Husserl”, Revista Brasileira de Filosofia, p. 141). 178 Como observa Kant, existem dois troncos do conhecimento humano: a sensibilidade e o entendimento. Através da primeira se nos dão os objetos. Através da segunda, os pensamos (cf. KrV, Transzendentale Ästhetik, § 1, Bd. 3, p. 69) (B 33). 179 Cf. Aftalión, Olano, Vilanova, Introducción al Derecho, p. 839.

Page 315: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 315

priori o será conforme as formas que o espírito lhe impõe no ato de conhecer. Como corolário dos conhecimentos a priori, os juízos podem ser analíticos – aqueles em que o predicado constitui uma representação ou explicitação do que já se encontra no sujeito (todos os corpos são extensos) – ou sintéticos – aqueles cujo predicado acrescenta alguma coisa ao conceito do sujeito (todos os corpos são pesados). Todo juízo de experiência é sintético, porque a experiência nos ensina a acrescentar certos atributos aos nossos conceitos (o peso ao conceito de corpo). Os juízos analíticos são a priori, pois não há necessidade de recorrer à experiência para determinar o que pensamos num dado conceito (todos os solteiros não são casados). Os juízos sintéticos são a posteriori, porque supõem a descrição de experiências particulares observáveis. Demais disso, um juízo é analítico quando sua negação constitui contradição, ou seja, é logicamente impossível. Inversamente, o juízo sintético é aquele cuja negação não supõe contradição. Mas a grande descoberta de Kant é a da existência de uma terceira classe de juízos: os juízos sintéticos a priori, que são universais e necessários, como os analíticos e, no entanto, permitem ampliar nossos conhecimentos. É aos juízos sintéticos a priori que a matemática e a física devem o seu caráter de certeza. O problema é saber se tais juízos são possíveis em metafísica.180

180 Kant afirma que a quase totalidade das proposições da matemática, que não é uma ciência experimental, consiste de juízos sintéticos a priori e que esses juízos constituem os pressupostos fundamentais das ciências naturais e do pensamento moral. “A resposta de Kant ao ceticismo de Hume no que se refere à possibilidade da metafísica diz respeito a se ela pode ou não produzir conhecimento sintético a priori sem cair de volta no racionalismo dogmático. A metafísica precisa ser a priori porque ela procura verdades necessárias e universais, enquanto o conhecimento a posteriori pode oferecer somente generalizações contingentes. A experiência pode nos dizer como o mundo é, mas não como ele precisa ser. E a metafísica precisa ser

Page 316: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

316 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Feita a distinção entre matéria e forma, Kant caracteriza as formas a priori do espírito. Por formas a priori devem-se entender os quadros universais e necessários através dos quais o espírito humano percebe o mundo. Assim sendo, distinguem-se, em nossa faculdade de conhecer, uma receptividade (a sensibilidade ou faculdade das intuições) e uma espontaneidade (o entendimento ou faculdade dos conceitos). O objeto, dado à sensibilidade, é pensado pelo entendimento e seus conceitos. Temos uma segunda definição: conhecer é ligar em conceitos a multiplicidade sensível.181 As formas a priori da sensibilidade ou intuições puras são o espaço e o tempo, que tornam exequível a parte passiva do conhecimento. As formas a priori do entendimento são as categorias, as quais possibilitam a parte ativa do conhecer: as operações lógicas, a formação de conceitos, com os quais se podem imaginar os objetos sem necessidade de captá-los concretamente. A intuição permite tomar contato com as coisas, porém só é possível dar conta de suas diferenças por meio de conceitos. As formas da razão são as ideias. Enquanto os conceitos, para valer como conhecimento, devem estruturar-se sobre o material que fornecem as intuições, a razão tem uma tendência para ultrapassar os limites do conhecimento.182 Ao transpor as fronteiras da sensibilidade e buscar o incondicionado, a razão penetra num mundo

sintética porque ela procura nos informar sobre o mundo, enquanto os julgamentos analíticos nos informam somente sobre os significados dos nossos conceitos. A principal tarefa da Crítica da razão pura é determinar as condições de possibilidade da experiência e, por decorrência, restaurar e completar a metafísica como uma rigorosa disciplina filosófica, capaz de resistir e responder ao escrutínio de Hume. Kant denomina as condições que tornam a experiência possível de ‘transcendentais’ e o exame destas condições de ‘filosofia transcendental’” (cf. Will Dudley, op. cit., p. 35). 181 KrV, Transzendentale Logik, Einleitung, I, Bd. 3, pp. 97-98 (B 74,75). Cf. tb. Georges Pascal, O Pensamento de Kant, p. 40. 182 Cf. Aftalión, Olano, Vilanova, cit., p. 842.

Page 317: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 317

puramente inteligível. Estaremos no mundo das ideias, não no conhecimento de objetos; não em presença de fenômenos determinados, mas de númenos, acerca dos quais não se pode cogitar de experiência possível. No afã de buscar o incondicionado, a razão incorre em erros ou paralogismos e, no seu discurso dialético, em antinomias.183 Kant estuda as antinomias da razão pura na dialética transcendental, tornando-se patente no terceiro conflito184 das ideias transcendentais a causalidade por liberdade, de onde surgirá, fora dos limites da experiência, a ideia moral e concepção ética que se traduzirão na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da razão prática. A terceira antinomia trata da oposição entre liberdade e necessidade da natureza, cuja solução abre o espaço de possibilidade para a reflexão prática. O exame da liberdade será objeto da Crítica da razão prática, através da realidade da obrigação moral. Assim, o exercício da liberdade é condição necessária da ação moral.185

183 As antinomias examinadas por Kant são quatro e têm sua origem no fato de se considerarem os fenômenos como coisas em si, aplicando-se a eles o princípio de que o condicionado exige a totalidade incondicionada das suas condições. As antinomias somente serão resolvidas se se distinguirem os fenômenos das coisas em si. 184 Kant dá especial atenção à terceira antinomia, que diz respeito ao problema da liberdade. A tese diz: “A causalidade segundo as leis da natureza não é a única a partir da qual os fenômenos do mundo possam ser deduzidos em seu conjunto. Para explicá-los é também necessário admitir uma causalidade por meio da liberdade.” A antítese rebate: “Não há liberdade, e tudo no mundo acontece segundo as leis da natureza.” (CRP, B 472/473, p. 377). Kant apresenta a solução desta antinomia ao afirmar que se os fenômenos fossem coisa em si não se poderia salvar a liberdade, porque para eles vige o determinismo. Mas se não são coisa em si, devem ter causas que não são fenômenos. E essas causas podem ser causas livres. 185 Depois de estudar as obras de Kant, Fichte impressionou-se principalmente pela afirmação da liberdade e numa carta a Achelis do final de 1790 escreve: “Devo confessar-lhe que agora acredito plenamente na

Page 318: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

318 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

De fato, se a razão teórica, em sua dialética transcendental, nos faz vislumbrar o caminho de uma causalidade por liberdade, trata-se, com a razão prática, de penetrar o mundo moral – universo inteligível, distinto da natureza. É a liberdade que abre este cosmos, onde a razão, agora autodeterminante, é vontade produtora de seus próprios objetos – sem necessidade de vinculá-los aos sentidos – e de suas próprias leis, posto que autônoma. Por isso, cabe distinguir as ideias da razão teórica ou cognoscitiva das ideias da razão prática ou atuante, que se refere à conduta, ao agir propriamente dito. As ideias da razão teórica não podem ser resolvidas no plano teorético, científico. Entretanto, se a metafísica, enquanto conhecimento teórico não se pode realizar, diversamente se dá quando se trata da filosofia prática, onde as ideias são princípios de ação, ocupando-se a razão dos princípios determinantes da vontade, tendo a ideia de liberdade por fundamento. 3 O idealismo alemão

O idealismo alemão surgiu em 1781, com a publicação da Crítica da razão pura, de Kant, e terminou cinquenta anos mais tarde com a morte de Hegel.186 O florescimento filosófico187 que a

liberdade do homem, e vejo claramente que só pressupondo a liberdade é possível o dever, a virtude e, em geral, uma moral” (cit. por Medicus, I, p. 23, apud Sofia Vanni Rovighi, História da Filosofia Moderna: da revolução científica a Hegel, São Paulo, Loyola, 1999, pp. 634-635). 186 Cf. Will Dudley, Idealismo alemão, 2013, p. 13. O idealismo alemão abrange um arco que se estende de Kant a Hegel, passando pelos românticos (Schlegel, Novalis, Schleiermacher, Hölderlin, Schiller, Goethe) e por Fichte e Schelling, dentre outros. Os pensadores desse período, bem como os temas que desenvolveram, revolucionaram a filosofia e tiveram impacto, até hoje sentido, nas ciências humanas e sociais. Kant, Fichte, Schelling e Hegel – os mais importantes idealistas alemães – sedimentaram

Page 319: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 319

Alemanha vive no contexto cultural que abarca o meio século que vai de 1780 a 1830188 resulta no idealismo alemão, fundado por Kant, desenvolvido por Fichte e Schelling e levado à culminância especulativa por Hegel. O nome idealismo alemão é atribuído por conta da índole de sua postura filosófica, em consequência da revolução copernicana,189 realizada por Kant no campo da teoria do conhecimento, bem como ao seu idealismo transcendental, frente ao realismo anterior próprio do pensamento antigo e medieval.190 A crítica kantiana ao conhecimento aponta o contraste entre os contínuos progressos da ciência físico-matemática e os claudicantes passos da metafísica. De fato, tornou-se moda à época de Kant testemunhar o maior desprezo àquela que antes era chamada a rainha de todas as ciências e “a nobre dama, repudiada e desamparada, lamenta-se como Hécuba: modo maxima rerum, tot generis natisque potens – nunc trahor exul, inops (Ovídio,

o caminho para Marx, Kierkegaard, a fenomenologia, o existencialismo, a teoria crítica e o pós-estruturalismo. 187 Este florescimento não se deu apenas na filosofia, mas também nas letras, na música, na filologia e na historiografia. 188 Nesse contexto, desenvolve-se na Universidade de Jena, durante mais de duas décadas, e, depois da batalha de 1806, na Universidade de Berlim, o grupo de filósofos designados por idealistas alemães. O ponto de partida para todos eles é a filosofia kantiana, cuja inesgotável riqueza produz novas tentativas de solução para os problemas propostos (Cf. Nicolai Hartmann, A filosofia do idealismo alemão, 1983, p. 9). 189 No Prefácio à Crítica da razão pura, Kant afirma sua pretensão de fazer uma revolução copernicana na epistemologia, pois julga que somente ela pode salvar a metafísica do racionalismo dogmático e do empirismo cético. Esta revolução é iniciada com a redefinição da classificação de Hume, que admite apenas dois tipos de conhecimento: a relação das ideias e as questões de fato. A estes Kant opõe, como vimos acima, os conhecimentos a priori, a posteriori e os juízos analíticos, sintéticos e sintéticos a priori. 190 Cf. Truyol y Serra, op. cit., vol. 3, p. 10.

Page 320: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

320 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Metamorfoses).”191 Para Kant, impõe-se aplicar à metafísica o método a priori que apresentou exitoso resultado na física e na matemática, garantindo-lhes o seguro caminho da ciência. A aplicação deste método ao problema do conhecimento conduz à revolução copernicana, cuja denominação se deve ao fato de que Kant toma como analogia a mudança introduzida por Copérnico na concepção do sistema solar.192 Essa revolução, em Kant, significa a substituição da hipótese realista pela hipótese idealista. O realismo admite que uma realidade nos é dada, seja de ordem inteligível (racionalismo), seja de ordem sensível (empirismo), e que o nosso conhecimento deve modelar-se sobre essa realidade. Assim, conhecer é simplesmente registrar o real, e a nossa mente, nesta

191 “Ainda há pouco a maior de todas, poderosa entre tantos genros e filhos – e agora exilada, enfraquecida.” Citado por Kant em Crítica da Razão Pura, Prefácio à Primeira Edição (1781), A IX, 2012, p. 17. Cf. Ovídio, Metamorfoses, “O sacrifício de Políxena e a metamorfose de Hécuba, sua mãe”, Livro XIII, 429-575. Bocage traduz: “Dantes tantas grandezas possuindo,/Tantos genros, e filhos, c’roa, esposo,/Hoje em desterro, na indigência agora (Ovídio, Metamorfoses, 2006, p. 104). 192 “Até hoje se assumiu que todo nosso conhecimento teria de regular-se pelos objetos; mas toda tentativa de descobrir algo sobre eles a priori, por meio de conceitos, para assim alargar nosso conhecimento, fracassaram sob essa pressuposição. É preciso verificar pelo menos uma vez, portanto, se não nos sairemos melhor, nas tarefas da metafísica, assumindo que os objetos têm de regular-se por nosso conhecimento, o que já se coaduna melhor com a possibilidade, aí visada, de um conhecimento a priori dos mesmos, capaz de estabelecer algo sobre os objetos antes que nos sejam dados. Isso guarda uma semelhança com os primeiros pensamentos de Copérnico, que, não conseguindo avançar muito na explicação dos movimentos celestes sob a suposição de que toda a multidão de estrelas giraria em torno do espectador, verificou se não daria mais certo fazer girar o espectador e, do outro lado, deixar as estrelas em repouso. Pode-se agora, na metafísica, tentar algo similar no que diz respeito à intuição dos objetos.” (CRP, B XVI/XVII, p. 29-30).

Page 321: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 321

operação, é meramente passiva. O idealismo considera que a nossa mente intervém ativamente na elaboração do conhecimento e que o real, para nós, é resultado de uma construção. O objeto, tal como o conhecemos é, em parte, obra nossa e, portanto, podemos conhecer a priori, em relação a todo objeto as características que ele recebe da nossa própria faculdade cognitiva.193 A revolução copernicana abriu o pensamento kantiano para uma dimensão inédita do conhecimento: a do conhecimento transcendental e a priori. Kant define o termo transcendental ao afirmar: “Eu denomino transcendental todo conhecimento que se ocupe não tanto com os objetos, mas com o nosso modo de conhecer os objetos, na medida em que estes devam ser possíveis a priori194.” Assim, transcendental é o que torna possível um conhecimento a priori. E idealismo transcendental é a doutrina segundo a qual todo objeto de conhecimento é determinado a priori pela própria natureza da nossa faculdade de conhecer.195 Isto não quer dizer, entretanto, que Kant duvide da existência das coisas fora de nós – como o idealismo clássico -, mas que os objetos não são conhecidos senão através das formas que a nossa faculdade de

193 “Nós só podemos conhecer a priori das coisas aquilo que nós mesmos nelas colocamos” (CRP, Prefácio, B XVIII, p. 31). 194 CRP, B 25, p. 60. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão traduzem: “Chamo transcendental a todo o conhecimento em geral que se ocupa menos dos objectos, que do nosso modo de os conhecer, na medida em que este deve possível a priori” (CRP, p. 53, edição da Calouste Gulbenkian, 1985). 195 CRP, B 80-81, p. 99-100. Cf. tb. Georges Pascal, op. cit., p. 44. Ver, ainda, nosso 10 Lições sobre Kant, 2015, 9ª edição, p. 18, onde, discutindo a oposição racionalismo-empirismo, afirmamos: o idealismo transcendental é aquela posição filosófica que resolve “judicialmente” as disputas nascidas em torno das pretensões da razão de possuir determinados conceitos legitimamente – de não havê-los usurpado -, afirmando que tese e antítese são verdadeiras, desde que sejamos capazes de assumir a perspectiva que faz verdadeira uma e outra. Permanecer aprisionado em uma só delas conduz irrevogavelmente a antinomias.

Page 322: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

322 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

conhecer lhes impõe. Destarte, o seu idealismo não é ontológico, pois não se refere à existência ou à natureza das coisas, mas à nossa maneira de conhecê-las, sendo, pois, um idealismo gnosiológico e crítico, ao admitir a independência das coisas em relação à consciência, mas postulando que estão condicionadas pelas formas a priori da consciência. O conhecimento objetivo exige, pois, como condição de possibilidade, os elementos a priori da faculdade de conhecer. Assim, não há objeto senão para um sujeito, consumando-se a revolução copernicana, posto que, agora, os objetos do conhecimento são regidos pelo sujeito. A unidade do objeto tem origem na unidade da consciência, ou seja, no eu penso. O eu penso consiste no ato de restituir à unidade da apercepção a síntese do diverso dado na intuição, devendo-se notar que apercepção é um termo de Leibniz. À relação entre o sujeito e a diversidade de representações, que o eu penso deve ser capaz de acompanhar,196 Kant chama de apercepção pura ou apercepção originária,

196 “O eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representações; se assim não fosse, algo se representaria em mim que não poderia, de modo algum, ser pensado, que o mesmo é dizer, que a representação ou seria impossível ou pelo menos nada seria para mim. A representação que pode ser dada antes de qualquer pensamento chama-se intuição. Portanto, todo o diverso da intuição possui uma relação necessária ao eu penso, no mesmo sujeito em que esse diverso se encontra. Esta representação, porém é um ato da espontaneidade, isto é, não pode considerar-se pertencente à sensibilidade. Dou-lhe o nome de apercepção pura, para a distinguir da empírica ou ainda o de apercepção originária, porque é aquela autoconsciência que, ao produzir a representação eu penso, que tem de poder acompanhar todas as outras, e que é una e idêntica em toda a consciência, não pode ser acompanhada por nenhuma outra. Também chamo à unidade dessa representação a unidade transcendental da autoconsciência, para designar a possibilidade do conhecimento a priori a partir dela” (CRP, § 16, B 131-132, 1985, p. 131-132). Ainda sobre o eu penso, ver nosso “O cogito em Kant e Husserl”, Revista Brasileira de Filosofia, cit., p. 135.

Page 323: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 323

contrapondo-se ao sentido que apercepção tinha para Leibniz.197 É noção cediça que o eu penso converte-se na pedra angular das correções que Kant estabeleceu entre a primeira edição (1781) e a segunda edição (1787) da Crítica da razão pura. De fato, na primeira edição a apercepção pura é definida como “o eu estável e permanente que constitui o correlato de todas as nossas representações, com respeito à simples possibilidade de ter consciência delas”; desta forma, “todo o conhecimento pertence a uma apercepção pura e omnicompreensiva, assim como toda a intuição sensível, enquanto representação, pertence a uma intuição pura interna, isto é, ao tempo.” Na segunda edição, o caráter subjetivo da unidade transcendental198 é definido principalmente em relação à sua pura formalidade, por meio do contraste, que se repete frequentemente, com o caráter intuitivo de uma problemática inteligência divina. Mas se o eu estável e permanente (1ª edição) é uma realidade psicológica, o eu formal (2ª edição) não passa de uma possibilidade originária da unificação da experiência. Nas considerações repetidas através dos parágrafos 16, 17, 21, da Crítica da razão pura, Kant insiste no caráter finito do entendimento humano e do ato originário em que se exprime. Se na primeira edição a dedução199 conduzia ao eu penso, na segunda partirá dele. Por isso, o eu penso constitui não apenas o núcleo do pensamento kantiano, o princípio supremo do conhecimento (nada pode ser conhecido se

197 Apercepção é um termo introduzido por Leibniz para designar a apreensão reflexiva que a mente tem de seus próprios estados internos, ou seja, consciência das próprias percepções. Para Kant essa é a apercepção empírica que deve ser distinguida da apercepção pura. A apercepção pura ou transcendental é o eu penso que deve poder acompanhar todas as minhas representações (CRP, § 16). 198 “A unidade transcendental da apercepção é aquela pela qual todo o diverso dado numa intuição é reunido num conceito do objeto” (CRP, § 18). 199 Trata-se da dedução transcendental dos conceitos puros do entendimento ou das categorias (CRP, § 15 ss.).

Page 324: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

324 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

não estiver em relação com o eu penso), mas, sobretudo, o ápice do subjetivismo moderno. O sujeito já não é – como em Descartes – simples ponto de partida, mas se converteu em centro (sua percepção constitui os objetos). Vê-se que é inevitável retornar à problemática cartesiana quando se pretende falar do cogito (eu penso). Com efeito, é no filósofo francês que vamos encontrar uma preocupação inicial com o cogito (sob a forma cogito ergo sum) que iria ser desenvolvida mais tarde – embora com alcance distinto – por Kant. Todavia, entre o cogito cartesiano e o cogito kantiano há uma diferença radical. Enquanto em Descartes, para o acesso à realidade em si, há que se estabelecer um critério de certeza com base na intuição – a apreensão de mim por mim -, em Kant o conhecimento das coisas torna-se verdadeira condição do conhecimento de si: não me conheço, senão conhecendo as coisas. O eu penso acompanha todas as minhas representações, mas, diversamente do cogito cartesiano, ele não pode se destacar delas e tornar-se para si mesmo seu próprio objeto. Deste modo, se Descartes significa historicamente a juventude, Kant significa a maturidade do moderno subjetivismo. Depois dele só poderia vir a orgia romântica de Fichte: o eu como autoposição.200 4 Considerações finais

De tudo o que precedentemente se explicitou, podemos inferir que o idealismo alemão se desenvolveu a partir da refutação kantiana do empirismo cético de Hume, bem como do determinismo. Como vimos, a pretensão de Kant era a de salvar a racionalidade e a liberdade, empregando o método transcendental no seu exame crítico do processo de conhecimento que culmina no idealismo transcendental, para o qual os objetos da experiência devem se conformar às nossas condições cognitivas, que se limitam às

200 Eusebi Colomer, El pensamiento alemán de Kant a Heidegger, 1986, vol.1, p. 121.

Page 325: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 325

aparências (fenômeno), sendo a coisa em si (númeno) totalmente inacessível a nós. Mas, a razão pretende conhecer o incondicionado e, ao intentá-lo, se perde em paralogismos e antinomias. A terceira antinomia trata da oposição entre liberdade e necessidade da natureza, cuja solução abre o espaço de possibilidade para a reflexão prática. O exame da liberdade será objeto da Crítica da razão prática, através da realidade da obrigação moral. Isto porque se a razão teórica nos faz perceber o caminho de uma causalidade por meio da liberdade, trata-se, com a razão prática, de penetrar o mundo moral. É a liberdade que abre este cosmos, onde a razão, agora autodeterminante, é vontade produtora de seus próprios objetos e de suas próprias leis, posto que autônoma. Com a Crítica da razão pura e a Crítica da razão prática, Kant refuta tanto o empirismo cético como o determinismo de Hume, opondo ao primeiro a sua revolução copernicana e o idealismo transcendental, e ao segundo o fato de que não obstante tenhamos eventos sujeitos à necessidade causal, isto não obstaculiza a possibilidade de que algum evento seja produto da liberdade. Esta refutação será, pois, a base do idealismo alemão, cujos desdobramentos ocorrerão nas filosofias de Fichte, Schelling e Hegel. REFERÊNCIAS AFTALIÓN, Enrique R., OLANO, Fernando García, VILANOVA, José. Introducción al derecho. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1972. BENNETT, Jonathan. La Crítica de la Razón Pura de Kant, 2, La Dialéctica. Madrid: Alianza, 1981. BOROWSKI, L. E., JACHMANN, R. B., WASIANKI, E. A. Kant Intime. Paris: Bernard Grasset, 1985. BOUTROUX, Émile. Kant. Lisboa: Inquérito, 1983. COLOMER, Eusebi. El pensamiento alemán de Kant a Heidegger, Vol. 1, Barcelona: Editorial Herder, 1986.

Page 326: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

326 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

DUDLEY, Will. Idealismo alemão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. HARTMANN, Nicolai. A filosofia do idealismo alemão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1983. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2012. _________. Werke in Zehn Bänden, Darmstadt, hrsg. Von Wilhelm Weischedel, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1956: Band 3: Kritik der reinen Vernunft, Erster Teil. 4: Kritik der reinen Vernunft, Zweiter Teil. 5: Prolegomena. Logik. LEITE, Flamarion Tavares. “O cogito em Kant e Husserl”. Revista

Brasileira de Filosofia, vol. XXXIX, fasc. 166, São Paulo, 1992. _______. 10 Lições sobre Kant. Petrópolis, RJ: Vozes, 9ª Ed., 2015. OVÍDIO. Metamorfoses. São Paulo: Martin Claret, 2006. PASCAL, Georges. O Pensamento de Kant. Petrópolis: Vozes, 1985. ROVIGHI, Sofia Vanni. História da Filosofia Moderna: da revolução científica a Hegel. São Paulo, Loyola, 1999. TRUYOL Y SERRA, Antonio. Historia de la Filosofía del Derecho y del Estado. Vol. 3. Madri: Alianza, 1982.

Page 327: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 327

LICITAÇÃO: ALGUMAS NUANCES DO INSTITUTO

Tayson Ribeiro Teles201

RESUMO: O presente trabalho tem o escopo de analisar de forma percuciente os conceitos básicos sobre licitação erigidos pela doutrina e pelo diploma estatal que regula o instituto, qual seja: a Lei Federal n.º 8.666/1993. A grosso vernáculo, o trabalho visa expor um aspecto baldrâmico sobre o que seja a licitação e algumas de suas principais nuances. No que atine à metodologia de pesquisa, optou-se pela tipologia da fonte de pesquisa bibliográfica e pelo método indutivo. Basicamente, a discussão proposta é pertinente a saber o que é a licitação no direito brasileiro e quais algumas de suas nuances. A conclusão a que se pode chegar é a de que a licitação é um procedimento legal destinado a regular a compra de bens por parte da administração pública, que para isso têm que seguir diversos critérios/requisitos. Desse modus, tal instituto existe pelo escopo do Estado de regular sua própria existência. Isto é, para suprir suas necessidades materiais. Palavras-chave: Licitação. Doutrina. Lei Federal n.º 8.666/1993. Conceitos básicos.

BIDDING: SOME INSTITUTE OF SHADES

201 Mestrando do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade da Universidade Federal do Acre (UFAC). Especialista em Gestão Administrativa na Educação pela ESAB, de Vila Velha-ES (2014). Graduado, na Área de Administração, em Tecnologia em Gestão Financeira, pelo Centro Universitário Oswaldo Cruz, de Ribeirão Preto-SP (2013). Servidor Público Federal Efetivo do Ministério da Educação. Membro do Conselho Regional de Administração do Acre (CRA/AC), assentado no Registro n.º6-0079. Bem como, atualmente, é Acadêmico do 7.º Período do Curso de Direito da UFAC.

Page 328: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

328 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Abstract: This study has the scope to analyze insightful way the basics of bidding erected by the doctrine and the state diploma that regulates the institute, namely: the Federal Law No. 8.666 / 1993. Roughly vernacular, the work aims to expose a baldrâmico aspect of what is the bidding and some of its main nuances. As atine the research methodology, we opted for the type of literature source and the inductive method. Basically, the proposed discussion is relevant to know what the bid in Brazilian law and what some of its nuances. The conclusion one can reach is that the bid is a legal procedure to regulate the purchase of goods by the government, which for this have to follow several criteria / requirements. This modus such institute exists for the state to regulate the scope of its own existence. That is, to meet their material needs. Keywords: Auction. Doctrine. Federal Law No. 8.666 / 1993. Basic concepts. SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 DESENVOLVIMENTO. 1.1 Definição de Licitação. 1.2 Princípios Aplicáveis. 2 O FRACIONAMENTO DE DESPESA. 3 O PROJETO BÁSICO E O PROJETO EXECUTIVO. 4 ORÇAMENTO, CUSTO (DIRETO E INDIRETO), PREÇO, INSUMO, SERVÇO E COMPRA. 5 O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS (SRP). 6 OS TIPOS DE LICITAÇÃO. 7 DEFINIÇÃO, REQUISITOS E IMPLICAÇÃO DO EDITAL. 8 METODOLOGIA. 8.1 Método. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo precípuo erigir análise sobre o tema Licitações Públicas e a Lei Federal n.º 8.666/1993. A metodologia de pesquisa foi a exploração bibliográfica, bem como o método de estudo é o indutivo com valoração qualitativa. Optou-se por estes procedimentos, porquanto, como preceituam Lakatos e Marconi (2011), a indução é um processo intelectivo em que, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-

Page 329: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 329

se uma verdade geral ou universalizável, não integrante dos fragmentos analisados.

Nesse rumo, após analisarmos os dados primários constantes nas referências, produzimos o presente trabalho, o qual pode ser considerado como um dado secundário. Não por ter inovado cientificamente, mas apenas por trazer à luz nova organização teórica sobre a temática estudada. 1 DESENVOLVIMENTO

Oliveira (2014) diz que os pressupostos (elementos essenciais) de existência do Estado, como informa a tradução conceitual de Estado, podem ser elencados de forma tríade, compreendendo o elemento físico do território, o elemento humano do povo e o elemento subjetivo da soberania.

Nesse foco, frisa o autor que o instituto da Licitação Pública existe com o desiderato do Estado de regular sua própria existência. Isto é, para suprir suas necessidades materiais, o Estado necessita adquirir e/ou bens. Assim, para garantir o cumprimento da lei e o respeito a princípios, foram produzidos normas e princípios para estes procedimentos, os quais integram a chama Licitação Pública, que será estudada nas seções seguintes. 1.1 Definição de Licitação

Consoante Alexandre e Deus (2015), Licitação é um procedimento administrativo mediante o qual a administração, antes de celebrar um contrato administrativo, abre a todos os interessados que com ela pretendam contratar e que atendam às condições previstas no instrumento convocatório a possibilidade de apresentar suas propostas, com o objetivo de que seja escolhida aquela que melhor atenda ao interesse público. 1.2 Princípios Aplicáveis

Page 330: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

330 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Assevera Di Pietro (2013) que os principais princípios aplicáveis ao instituto da Licitação são: Moralidade administrativa, Legalidade, Igualdade, Probidade administrativa e Impessoalidade. A Moralidade administrativa foi qualificada como princípio constitucional pelo art. 37, caput, da CF/88, devendo nortear toda a conduta dos administradores. A estes incumbe agir com lealdade e boa-fé no trato com os particulares, procedendo com sinceridade e descartando qualquer conduta astuciosa ou eivada de malícia. A licitação veio prevenir eventuais condutas de improbidade por parte do administrador, algumas vezes curvados a acenos ilegítimos por parte de particulares, outras levados por sua própria deslealdade para com a Administração e a coletividade que representa.

A Legalidade, conforme a autora impõe, principalmente, que o administrador observe as regras que a lei traçou para o procedimento. É a aplicação do devido processo legal, segundo o qual se exige que a Administração escolha a modalidade certa; que seja bem clara quanto aos critérios seletivos; que só deixe de realizar a licitação nos casos permitidos na lei; que verifique, com cuidado, os requisitos de habilitação dos candidatos, e, enfim, que se disponha a alcançar os objetivos colimados, seguindo os passos dos mandamentos legais.

A Igualdade significa, conforme Filho (2010), que todos os interessados em contratar com a Administração devem competir em igualdade de condições, sem que a nenhum se ofereça vantagem não extensiva a outro. Consequência do princípio da igualdade é a proibição de se estabelecerem diferenças em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes, ou a proibição de tratamento diverso de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária entre empresas brasileiras e estrangeiras.

A Probidade administrativa exige o princípio que o administrador atue com honestidade para com os licitantes, e sobretudo para com a própria Administração, e, evidentemente, concorra para que sua atividade esteja de fato voltada para o

Page 331: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 331

interesse administrativo, que é o de promover a seleção mais acertada possível. Se, ao contrário, a improbidade frustra o objetivo da licitação, o responsável pela distorção deve sofrer a aplicação das sanções civis, penais e administrativas cabíveis.

A Impessoalidade se encontra diretamente interligada com os princípios da igualdade e do julgamento objetivo. Garantindo tratamento igual a todos os licitantes, com relação aos seus direitos e obrigações. Em suas decisões, deve a administração sempre pautar-se por critérios objetivos, sem considerar aspectos pessoas dos licitantes ou aceitar vantagens por ele oferecidas para favorecimento.

A Vinculação ao instrumento convocatório advém do art. 41 da Lei 8.666/93, vendando à administração o descumprimento das normas e condições do edital. O instrumento vincula tanto a administração como os licitantes. O princípio também vale para a carta convite, instrumento específico da modalidade convite de licitação.

Por fim, a Adjudicação compulsória significa atribuir a execução/fornecimento do objeto licitado ao vencedor do certame, vedando que a administração, concluído o procedimento, atribua seu objeto a outro que não seja o vencedor. Tal princípio não garante a execução do contrato, este tendo caráter declaratório. O que ele garante é que o objeto não será atribuído a outro licitante e que não se abra outra licitação enquanto válida a adjudicação anterior. 2 O FRACIONAMENTO DE DESPESA

Para Oliveira (2014), fracionamento, a luz da Lei de Licitações, caracteriza-se quando se divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior a recomendada pela legislação para o total da despesa ou para efetuar contratação direta.

Diz o autor que a Lei no 8.666/1993 veda no art. 23, § 5o, o fracionamento de despesa. Impede, por exemplo, a utilização da modalidade convite para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou

Page 332: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

332 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

ainda para obras e serviços de idêntica natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente sempre que a soma dos valores caracterizar o caso de tomada de preços. De igual forma, a utilização de varias tomadas de preços para se abster de realizar concorrência.

Para o autor, a norma não autoriza que o fracionamento das contratações acarrete a dispensa de licitação. Frise-se que a lei não veda genericamente o fracionamento das contratações, mas apenas a utilização do fracionamento com o intuito de dispensar a licitação. Em casos de contratações homogêneas, com objetos similares, deve ser levado em consideração o valor global dessas contratações.

Mazza (2014) assevera que se houver fracionamento do objeto, cada parte deverá ser licitada utilizando a modalidade cabível para o valor integral (art. 23, § 2º, da Lei n. 8.666/93). Essa regra impede que a divisão do objeto funcione como mecanismo de fuga da modalidade correta. Bem como, é bom lembrar que o fracionamento refere-se à despesa, ou seja, à divisão do valor da despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada na legislação. 3 PROJETO BÁSICO E PROJETO EXECUTIVO

Projeto básico é, para Oliveira (2014), o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar obra ou serviço ou complexo de obras ou serviços. É imprescindível para realização de qualquer obra ou serviço de engenharia. Tradicionalmente, a realização de obras e a prestação de serviços pressupõem a elaboração do “projeto básico” (art. 6.º, IX, da Lei 8.666/1993) e do “projeto executivo” (art. 6.º, X, da Lei 8.666/1993), que devem estabelecer, de maneira clara e precisa, todos os aspectos técnicos e econômicos do objeto a ser contratado, tendo em vista o dever de planejamento estatal.

Projeto básico, diz o autor, é documento prévio ao procedimento licitatório, que serve de base para elaboração do ato

Page 333: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 333

convocatório. Deve ser elaborado pelo setor requisitante do objeto da licitação e confirmado pela autoridade que aprovou a realização do certame.

Projeto Básico, para o mesmo autor, também pode ser o “conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução”. Os elementos que devem constar do projeto básico estão enumerados nos arts. 6.º, IX, e 12 da Lei de Licitações.

A licitação para contratação de obras e serviços depende do cumprimento das seguintes exigências (art. 7.º, § 2.º, da Lei 8.666/1993):

a) elaboração do projeto básico que deve ser aprovado pela autoridade competente e disponibilizado para consulta dos interessados em participar do processo licitatório; b) existência de orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários; c) previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, na forma do respectivo cronograma; d) o produto dela esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, quando for o caso.

Page 334: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

334 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Ressalte-se, contudo, conforme diz Oliveira (2014), que a

licitação pode ser iniciada sem a elaboração prévia do projeto executivo, desde que haja decisão motivada por parte da autoridade administrativa, hipótese em que o projeto deverá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras e serviços (arts. 7.º, § 1.º, e 9.º, § 2.º, da Lei 8.666/1993).

Adita o autor que não podem participar da licitação para contratação de obras e serviços (art. 9.º, I e II, da Lei 8.666/1993): a) os autores do projeto básico ou executivo; e b) as empresas responsáveis pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado.

Por fim, afirma o autor que para realização de procedimento licitatório não ha obrigatoriedade da existência previa de projeto executivo, uma vez que este poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução de obras e prestação de serviços, se autorizado pela Administração. No caso, a licitação devera prever a elaboração do competente projeto executivo por parte do contratado e preço previamente fixado pela Administração. 4 ORÇAMENTO, CUSTO (DIRETO E INDIRETO), PREÇO, INSUMO, SERVÇO E COMPRA

Segundo Padoveze (2004), orçamento pode ser entendido como a expressão monetária e quantitativa de um plano, cujo objetivo, é atingir um resultado final, anteriormente traçado pelos responsáveis pela sua elaboração, com a participação de todos os setores da empresa.

O autor diz que, de acordo com a NPC 2 do IBRACON, custo é a soma dos gastos incorridos e necessários para a aquisição, conversão e outros procedimentos necessários para trazer os estoques à sua condição e localização atuais, e compreende todos os

Page 335: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 335

gastos incorridos na sua aquisição ou produção, de modo a colocá-los em condições de serem vendidos, transformados, utilizados na elaboração de produtos ou na prestação de serviços que façam parte do objeto social da entidade, ou realizados de qualquer outra forma.

Bem como, para o autor, custo direto é aquele que pode ser identificado e diretamente apropriado a cada tipo de obra a ser custeado, no momento de sua ocorrência, isto é, está ligado diretamente a cada tipo de bem ou função de custo. É aquele que pode ser atribuído (ou identificado) direto a um produto, linha de produto, centro de custo ou departamento.

Segundo o autor tal custo não necessita de rateios para ser atribuído ao objeto custeado. Ou ainda, são aqueles diretamente incluídos no cálculo dos produtos. Exemplos de custos diretos: matérias-primas usados na fabricação do produto; mão de obra direta; serviços subcontratados e aplicados diretamente nos produtos ou serviços.

Os custos diretos, para este autor, tem a propriedade de ser perfeitamente mensuráveis de maneira objetiva. Os custos são qualificados aos portadores finais (produtos), individualmente considerados. Tais custos constituem todos aqueles elementos de custo individualizáveis com respeito ao produto ou serviço, isto é, se identificam imediatamente com a produção dos mesmos, mantendo uma correspondência proporcional. Um mero ato de medição é necessário para determinar estes custos. Assevera o referido autor que Indireto é o custo que não se pode apropriar diretamente a cada tipo de bem ou função de custo no momento de sua ocorrência. Os custos indiretos são apropriados aos portadores finais mediante o emprego de critérios pré-determinados e vinculados a causas correlatas, como mão de obra indireta, rateada por horas/homem da mão de obra direta, gastos com energia, com base em horas/máquinas utilizadas, etc. Nesse foco, atribui-se parcelas de custos a cada tipo de bem ou função por meio de critérios de rateio.

Page 336: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

336 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Deixa claro o autor que este é um custo comum a muitos tipos diferentes de bens, sem que se possa separar a parcela referente a cada um, no momento de sua ocorrência. Ou ainda, pode ser entendido, como aquele custo que não pode ser atribuído (ou identificado) diretamente a um produto, linha de produto, centro de custo ou departamento. Necessita de taxas/critérios de rateio ou parâmetros para atribuição ao objeto custeado. São aqueles que apenas mediante aproximação podem ser atribuídos aos produtos por algum critério de rateio.

Preço estimado, para o autor em análise, é um dos parâmetros de que dispõe a Administração para julgar licitações e efetivar contratações. Deve refletir o preço de mercado, levando em consideração todos os fatores que influenciam na formação dos custos. Preço unitário é o correspondente a cada unidade licitada e preço global, o total da proposta. Preço médio, para Oliveira (2014) é o elaborado com base em pesquisa de preços realizada no mercado onde será realizada a contratação. Preço de mercado de determinado produto é aquele que se estabelece na praça pesquisada, com base na oferta e na procura. Diz-se também que é o corrente na praça pesquisada. Preço praticado pela Administração contratante é aquele pago ao contratado.

Preço médio, segundo o referido autor, é o elaborado com base em pesquisa de preços realizada no mercado onde será realizada a contratação. Preço de mercado de determinado produto é aquele que se estabelece na praça pesquisada, com base na oferta e na procura. Diz-se também que é o corrente na praça pesquisada. Preço praticado pela Administração contratante é aquele pago ao contratado.

Pesquisa de preços é, para o dito autor, procedimento prévio e indispensável à verificação de existência de recursos suficientes para cobrir despesas decorrentes de contratação pública. Serve de base também para confronto e exame de propostas em licitação.

Page 337: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 337

Pesquisar preços é procedimento obrigatório e prévio à realização de processos de contratação pública.

Insumo, para Mazza (2014), é toda mão de obra, materiais e equipamentos utilizados na produção de materiais e serviços. Bem como, serviço é toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais e compra é toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente. 5 O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS (SRP)

Sistema de Registro de Preços (SRP), como deixa claro Oliveira (2014), é o conjunto de procedimentos adotados pela Administração para registro formal de preços relativos a execução de serviços e fornecimento de bens. Trata-se de cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante prévio processo de licitação, para eventual e futura contratação de bens e serviços por parte da Administração.

Diz o autor que o Decreto 7.892/2013, que revogou o Decreto 3.931/2001, regulamenta o registro de preços em âmbito federal, não se aplicando aos demais Entes federados que deverão editar as suas respectivas regulamentações. É possível, inclusive, que o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e os Tribunais de Contas tenham regulamentações próprias sobre o SRP.

Assevera o autor que o Registro de preços, na forma do art. 3.º do Decreto 7.892/2013, poderá ser adotado nas seguintes hipóteses: a) necessidade de contratações frequentes, tendo em vista as características do bem ou serviço; b) conveniência da aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou da contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa; c) conveniência da aquisição de bens ou da

Page 338: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

338 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; e d) impossibilidade de definição prévia, em razão da natureza do objeto, do quantitativo a ser demandado pela Administração.

Mazza (2014) consigna que a Lei de Licitações, Lei n. 8.666/93, estabelece algumas condições para a manutenção do sistema de registro de preços: a) utilização de concorrência pública, exceto quando couber o pregão; b) deve haver sistema de controle e atualização dos preços; c) a validade do registro não pode superar um ano; d) os registros devem ser publicados trimestralmente na imprensa oficial.

Deve o SRP, para o autor, ser adotado preferencialmente quando: pelas características do bem ou serviço houver necessidade de contratações frequentes; pela natureza do objeto não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração; for mais conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços necessários a Administração para o desempenho das atribuições; e for vantajosa a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade ou a programas de governo.

De acordo com Oliveira (2014) a Orientação Normativa n. 21 da AGU sobre Licitações e Contratos: “É vedada aos órgãos públicos federais a adesão à Ata de Registro de Preços, quando a licitação tiver sido realizada pela Administração Pública Estadual, Municipal ou do Distrito Federal”.

Diz o autor que, em âmbito federal, o Decreto 7.892/2013 proíbe que órgãos e entidades da Administração Pública federal utilizem a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual (art. 22, § 8.º). Todavia, o mesmo diploma normativo admite a utilização da ata de registro de preços da Administração federal por outros entes da Federação (art. 22, § 9.º).

Page 339: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 339

Assim, propala o autor que deve o SRP ser adotado preferencialmente quando: pelas características do bem ou serviço houver necessidade de contratações frequentes; pela natureza do objeto não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração; for mais conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços necessários a Administração para o desempenho das atribuições; e for vantajosa a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade ou a programas de governo (BRASIL, 2010). 6 OS TIPOS DE LICITAÇÃO

Segundo Di Pietro (2014), os tipos de licitação, estão previstos no § 1º do artigo 45 da Lei 8.666/93) e compreendem quatro categorias:

I - a de menor preço - quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço; II - a de melhor técnica; III - a de técnica e preço; IV - a de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.

Para esse fim, frisa a autora que o edital mencionará qual o

tipo de licitação que será adotado para critério de julgamento. Além disso, o edital deverá mencionar os fatores que serão levados em consideração, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e

Page 340: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

340 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

pelos órgãos de controle; podem ser indicados critérios relativos a prazo, qualidade, rendimento, tipo de material e outros expressamente previstos, vedado levar em consideração qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes (art. 44, § 1º); também não poderá ser considerada qualquer oferta de vantagem não prevista no edital ou convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a fundo perdido, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes (§ 2º).

A Lei nº 8.666/93 deu preferência à licitação de menor preço, que é a que permite escolha mais objetiva e dificulta a apreciação discricionária por parte da Comissão. Ficou limitada a utilização da "melhor técnica" ou "técnica e preço" à hipótese de contratos que tenham por objeto serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos (art. 46).

Excepcionalmente, narra a doutrinadora, essa modalidade pode ser utilizada também, "por autorização expressa e mediante justificativa circunstanciada da maior autoridade da Administração promotora constante do ato convocatório, para fornecimento São os definidos no § 1º, do art. 45, da Lei nº 8.666/93: menor preço, melhor técnica, técnica e preço e maior lance ou oferta.

Segundo o art. 45, caput, da Lei nº 8.666/93 preceitua o seguinte:

“Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores

Page 341: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 341

exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição e controle.”

O tipo padrão para as licitações, diz a autora, é o de menor

preço. A Lei nº 8.666/93 deu preferência ao julgamento das licitações pelo critério do menor preço. É evidente que outros elementos, tais como qualidade, durabilidade, garantias ou aparência do produto ou serviço etc., devem ser considerados ao ser realizada a licitação, ainda que se trate de licitação do tipo menor preço. Nesse tipo de licitação, porém, o único e exclusivo critério que poderá ser utilizado para determinar se a proposta do licitante A é melhor que a proposta apresentada pelo licitante B é seu preço.

Entretanto, é preciso estar atento para evitar a contratação de produtos de má qualidade. Para isso, se faz necessário que seja feito a descrição detalhada, já no ato convocatório da licitação, do produto ou serviço a ser contratado é medida que se impõe, pois dessa forma é evitado o dissabor de ser constatado que o produto de menor qualidade e que ofereceu o menor preço, venha a ser declarado o vencedor do certame licitatório.

Em se tratando de licitação do tipo menor preço, e havendo empate das propostas apresentadas o critério de desempate previsto em lei será primeiro critério que é o previsto na Lei nº 8.666/93, art. 3º, § 2º, que é do seguinte teor:

“Art. 3º. [...] § 2º. Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços: I – produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional; II – produzidos no País;

Page 342: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

342 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

III – produzidos ou prestados por empresas brasileiras.”

Em persistindo o empate, aplicar-se-á o art. 45, § 2º, da Lei

nº 8.666/93, que determina seja efetuado o sorteio4, em ato público, para o qual todos os licitantes serão convocados.

Em se tratando de licitação do tipo menor preço, Oliveira (2014) observa, ao comentar o art. 3º, da Lei nº 8.666/93, que Consoante o § 3º, na licitação de menor preço, tão logo seja feita a qualificação dos licitantes, procede-se ao ordenamento sequencial crescente dos preços propostos.

Bem como, diz o autor, em relação aos critérios objetivos que poderão ser utilizados para escolha da proposta mais vantajosa para o Poder Público, a legislação também consagra novidades em relação à legislação tradicional de licitações e contratos.

7 DEFINIÇÃO, REQUISITOS E IMPLICAÇÃO DO EDITAL

Segundo Di Pietro (2014), o edital é o ato pelo qual a Administração divulga a abertura da concorrência, fixa os requisitos para participação, define o objeto e as condições básicas do contrato e convida a todos os interessados para que apresentem suas propostas. Em síntese, o edital é o ato pelo qual a Administração faz uma oferta de contrato a todos os interessados que atendam às exigências nele estabelecidas.

Para a autora, é costume tratar o edital como a lei da licitação, porém é preferível dizer que é a lei da licitação e do contrato, uma vez que seu conteúdo deve ser rigorosamente cumprido, sob pena de nulidade. É a aplicação do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, previsto no artigo 3º da Lei nº 8.666/93.

Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da

Page 343: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 343

isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Bem como, consigna a autora que o art. 40 da Lei 8.666/93

estabelece os requisitos que deve observar o edital, alguns deles concernindo ao próprio procedimento da licitação e outros referentes ao contrato. Na redação do termo do contrato ou instrumento equivalente, nada pode ser inserido em discordância com o que determina o edital.

Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: I - objeto da licitação, em descrição sucinta e clara; II - prazo e condições para assinatura do contrato ou retirada dos instrumentos,

Page 344: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

344 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

como previsto no art. 64 desta Lei, para execução do contrato e para entrega do objeto da licitação; III - sanções para o caso de inadimplemento; IV - local onde poderá ser examinado e adquirido o projeto básico; V - se há projeto executivo disponível na data da publicação do edital de licitação e o local onde possa ser examinado e adquirido; VI - condições para participação na licitação, em conformidade com os arts. 27 a 31 desta Lei, e forma de apresentação das propostas; VII - critério para julgamento, com disposições claras e parâmetros objetivos; VIII - locais, horários e códigos de acesso dos meios de comunicação à distância em que serão fornecidos elementos, informações e esclarecimentos relativos à licitação e às condições para atendimento das obrigações necessárias ao cumprimento de seu objeto; IX - condições equivalentes de pagamento entre empresas brasileiras e estrangeiras, no caso de licitações internacionais; X - o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência,

Page 345: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 345

ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48; XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; XII - (Vetado). XIII - limites para pagamento de instalação e mobilização para execução de obras ou serviços que serão obrigatoriamente previstos em separado das demais parcelas, etapas ou tarefas; XIV - condições de pagamento, prevendo: a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela; b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros; c) critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data a ser definida nos termos da alínea a deste inciso até a data do efetivo pagamento; c) critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

Page 346: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

346 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

d) compensações financeiras e penalizações, por eventuais atrasos, e descontos, por eventuais antecipações de pagamentos; e) exigência de seguros, quando for o caso; XV - instruções e normas para os recursos previstos nesta Lei; XVI - condições de recebimento do objeto da licitação; XVII - outras indicações específicas ou peculiares da licitação. (BRASIL, 1993).

Di Pietro (2014), em sua análise da lei anteriormente citada

diz que publicado o edital, com observância das normas de publicidade já referidas (art. 21), o interessado que tenha alguma objeção deve argui-la até o momento da abertura dos envelopes de habilitação, pois o artigo 41 , § 2º, estabelece que "decairá do direito de impugnar os termos do edital de licitação perante a Administração o licitante que não o fizer até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização do leilão, as falhas ou irregularidades que viciariam esse edital, hipótese em que tal comunicação não terá efeito de recurso".

A norma, diz a autora, tem o evidente intuito de evitar que os licitantes deixem transcorrer o procedimento da licitação sem levantar objeções ao edital, somente as arguindo, posteriormente, quando as decisões da Comissão lhes sejam desfavoráveis. De acordo com o § 3º do mesmo dispositivo, "a impugnação feita tempestivamente pelo licitante não o impedirá de participar do processo licita tório até o trânsito em julgado da decisão a ela pertinente". Embora a lei fale em trânsito em julgado, parece, na

Page 347: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 347

realidade, referir-se à decisão final da própria Administração e não do Poder Judiciário; à terminologia é, evidentemente, inadequada.

Também, para autora, ao cidadão é dado o direito de impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação da lei, devendo protocolar o pedido até cinco dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação, cabendo à Administração julgar e responder à impugnação em até três dias úteis (art. 41, § 1º).

Tanto o § 1º como o § 2º têm caráter ordinatório da própria atividade administrativa; mas, como todo prazo estabelecido em benefício da Administração e não do servidor ou do administrado, o previsto nos referidos parágrafos também pode e deve ser relevado quando as impugnações, mesmo sendo feitas fora de prazo, sejam procedentes; razões de economia processual aconselham essa medida, pois evitará que a ilegalidade venha a ser apontada depois pelos próprios órgãos administrativos de controle ou mesmo pelos órgãos de controle externo (Tribunal de Contas e Poder Judiciário) . Também a vinculação ao princípio da legalidade obriga a Administração a rever seus próprios atos quando irregularidades sejam descobertas por ela mesma ou por terceiros.

Acresce, a autora, que o cidadão, além de ter o direito de petição já assegurado pelo artigo 5º, XXXIV, da Constituição Federal, ainda pode, sem prejuízo da impugnação referida no § 1º do artigo 41 , representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação da lei (art. 113, § 1º); e ainda pode provocar a iniciativa do Ministério Público para os fins previstos no artigo 101.

Art. 101. Qualquer pessoa poderá provocar, para os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e

Page 348: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

348 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência.

Quando se tratar de concorrência de âmbito internacional, o

artigo 42 manda que o edital se ajuste às diretrizes de política monetária e do comércio exterior e atenda às exigências dos órgãos competentes.

8 METODOLOGIA

No que se refere às fontes de pesquisa, o presente estudo foi desenvolvido preconizando-se a tipologia da fonte bibliográfica, tendo efetuado-se cotejo e cruzamento entre pensamentos de vários autores especialistas na área. Optou-se por este método de estudo, pois, como primam Bastos e Keller (1997), neste tipo de pesquisa exploratória, baseada na leitura dados secundários de livros ou outros tipos de documentação escrita (artigos, periódicos, dissertações, teses etc.) é factível obter-se subsídios para a interpretação e compreensão de um fenômeno ou responder a perguntas de pesquisa. 8.1 Método

Quanto ao procedimento de pesquisa, basicamente o método utilizado foi o indutivo. Escolheu-se agir assim, porquanto, como dizem Lakatos e Marconi (2011), a indução é um processo intelectivo em que, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universalizável, não integrante dos fragmentos analisados. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo precípuo analisar acurada e pormenorizadamente as principais nuances dos estudos iniciais do instituto da licitação, como conteúdo do direito administrativo.

Page 349: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 349

O propósito foi proporcionar novas discussões sobre o tema na medida em que foram reinterpretados pensamentos de vários autores da área. Isso, porquanto foram trazidos à baila tópicos como: definição de licitação, princípios aplicáveis à licitação, definição fracionamento de despesa, projeto básico e projeto executivo, orçamento, custo (direito e indireto), preço, insumo, serviço, compra, sistema de registro de preço, tipos de licitação, além de definição, requisitos e implicações do edital.

Percebeu-se que há a possibilidade de aprofundamento sobre o tema, pois a licitação possui outras várias, diversas e adversas nuances que merecem detalhamento e estudo profícuo.

REFERÊNCIAS ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito administrativo esquematizado. 1 ed. São Paulo: Método, 2015. BASTOS, C.; KELLER, V. Introdução à metodologia científica. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, P. 1, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 29 jan. 2015. ______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 24 jan. 2015. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 26 ed. São Paulo, Atlas, 2013. ______. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

Page 350: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

350 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

FILHO, Marçal Junsten. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2011 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos. 3ª. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. PADOVEZE, Clóvis Luiz. Contabilidade gerencial: um enfoque em sistema de informação contábil. São Paulo: Atlas, 2004.

Page 351: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 351

NOÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA BITRIBUTAÇÃO EXISTENTE ENTRE O IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS E O

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS EM FACE DAS SUAS INCIDÊNCIAS NA IMPORTAÇÃO

José Airton Bezerra Lima Junior202

Gilvan Linhares Lopes203 RESUMO: Este trabalho aborda a discussão acerca da existência de bitributação do Imposto sobre Produtos Industrializados, de competência da União Federal, e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, de competência dos Estados-membros e Distrito Federal, ambos incidentes na importação. Para tanto, analisa, inicialmente, a origem e evolução do citado imposto federal no direito brasileiro, apresentando sua incidência desde quando possuía o nomen iuris imposto de consumo. Após, apresenta a história e evolução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, descrevendo as dificuldades que o tributo possuía no período do movimento militar da década de 60. Por fim, após toda essa explanação, apresenta a repetição tributária retratada no confronto de dois tributos distintos e de competência tributária de entes federativos distintos (União Federal e Estados-membros/Distrito Federal), demonstrando uma hipótese de bitributação não permitida pela Constituição Federal de 1988. A partir disso, retrata a importância de manter a harmonia constitucional determinando a inconstitucionalidade do dispositivo legal que define o desembaraço aduaneiro como fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados.

202 Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Advogado atuante na área do Direito Público. 203 Mestre em Direito Público e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Professor do curso de direito da UNICHRISTUS. Procurador do Estado do Ceará.

Page 352: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

352 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Palavras-chave: Imposto sobre Produtos Industrializados. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Importação. Desembaraço Aduaneiro. Bitributação.

PRELIMINARY CONCEPTS ABOUT DOUBLE TAXATION EXISTING

BETWEEN THE TAX PROCESSED PRODUCTS AND TAX ON GOODS AND SERVICES IN FACE OF THEIR IMPACT ON IMPORT

ABSTRACT: This work deals with the discussion about the existence of double taxation of the Excise Tax, competence of the Federal Government and the Tax on Sales and Services of competence of the Member States and the Federal District, both applicable on import. Therewith it analyzes, initially, the origin and evolution of that federal tax on brazilian law, with its incidence since when it had the nomen iuris consumption tax. Then it presents the history and evolution of Tax on Sales and Services, describing the difficulties that the tribute had during the military movement of the 60’s. Finally, after all this explanation, it presents the tax repetition portrayed in the comparison of two different taxes and taxing power of personality distinct federal (Federal Government and States / Federal District), demonstrating a chance to double taxation prohibited by the Constitution of 1988. Therefor, it portrays the importance of maintaining the constitutional harmony determining the inconstitutionality of the legal provision that defines customs clearance as generating the Excise Tax. Keywords: Excise Tax. Tax on Goods and Services. Import. Customs clearance. Double taxation. SUMÁRIO 1 Introdução. 2 Imposto sobre Produtos Industrializados – origem e justaposição na Constituição Federal de 1988. 3 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – breve histórico da origem e da evolução tributo no direito brasileiro. 4 Bitributação do Imposto

Page 353: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 353

sobre Produtos Industrializados e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias incidentes na importação. 5 Considerações finais. Referências. 1 INTRODUÇÃO

A bitributação é um instituto do direito constitucional tributário que se fundamenta na vedação à repetição de cobranças tributárias por entes federativos distintos, considerando um mesmo fato gerador. Esse é o entendimento que se extrai do ordenamento constitucional, onde o legislador constituinte estabeleceu competência privativa para União Federal, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios para legislar sobre tributos, observando os limites do poder tributante conferido.

Diante desse contexto, o artigo navegará pelo estudo do Imposto sobre Produtos Industrializados, de competência da União Federal, especificamente, no que diz respeito a sua incidência na importação, abordando a sua origem e evolução e sua justaposição na Constituição Federal de 1988. Ainda, explorará a origem e evolução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal, retomando o leitor aos primórdios do antigo Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC).

Assim, nesse meio tão vasto em que se situam o Direito Tributário e o Direito Constitucional Tributário, torna-se imprescindível compreender a correta incidência dos tributos brasileiros como o fim de evitar exações tributárias inadequadas e inconstitucionais. Diante disso, tem-se o objetivo de analisar a possível hipótese de bitributação existente entre o Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, ambos incidentes na importação. 2 IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – ORIGEM E JUSTAPOSIÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Page 354: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

354 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) surgiu no direito brasileiro, enquanto tributo, na Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro 1946, onde em seu artigo 15, inciso II204, indicava que a União Federal era o ente federativo competente para criar o Imposto sobre Consumo de Mercadorias, nomenclatura esta utilizada ao tempo para definir o tributo federal.

Na época, o Imposto sobre Consumo de Mercadorias apresentava-se como tributo regulatório da economia nacional, o qual incidia sobre as operações de consumo do mercado interno, não tendo qualquer incidência sobre o mercado exterior. “O Direito preferiu o nomen iuris de imposto de consumo, no pressuposto, quase sempre certo, de que o tributo era suportado economicamente pelos consumidores, graças aos efeitos dos fenômenos de repercussões de tributos desse tipo” (ALIOMAR BALEEIRO, 2008, p. 336). Somente com a reforma tributária da década de 60, realizada por meio da Emenda Constitucional nº 18 de 1º de dezembro de 1965, conjuntamente com o Decreto-lei nº 34 de 18 de novembro de 1966, é que o Imposto sobre Consumo de Mercadorias assumiu a nomenclatura que hoje é conhecida como Imposto sobre Produtos Industrializados. Segundo Hugo de Brito Machado (2001, p. 04) esse é o entendimento que se extrai da leitura dos textos normativos mencionados:

Com a Emenda nº 18 foi atribuída à competência da União o imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, e também o imposto sobre produtos industrializados. Este último foi classificado entre os Impostos sobre a Produção e Circulação, na Seção IV, do Capítulo II, sendo na verdade o antigo imposto de

204 Artigo 15. Compete à União decretar impostos sobre: II - consumo de mercadorias.

Page 355: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 355

consumo com um novo nome. O Ministro da Fazenda de então justificou a mudança de denominação com o fato de que os impostos então classificados como sobre a produção e a circulação serem pagos pelos produtores e comerciantes (grifo original).

Sérgio Pinto Martins (2011, p. 264), nesse mesmo sentido afirma que, conforme a Emenda Constitucional nº 18 de 1965, o tributo passou a se caracterizar “como um imposto sobre a produção”, assumindo esta nova nomenclatura econômica. Dessa forma, dada a competência tributária, a União Federal, por meio da Lei nº 4.502 de 30 de novembro de 1964, reorganizou a estrutura do tributo, indicando que o imposto incidirá sobre os produtos industrializados compreendidos na Tabela de Incidência anexa à referida lei, apresentando duas perspectivas de incidência: uma sobre produtos oriundos do exterior, tendo como fato gerador o desembaraço aduaneiro e outra sobre os produtos nacionais, tendo como fato gerador a saída do produto do estabelecimento do produtor205.

Dessa forma, verifica-se que hoje, “não se tem mais um simples imposto sobre consumo, como constava da Constituição de 1946, mas um imposto sobre operações com produtos industrializados, que grava a produção (PAULSEN, 2011, p. 82). Como se vê, o Imposto sobre Produtos Industrializados possui raízes antigas e não se apresenta como um tributo novo no âmbito do direito tributário. Aliomar Baleeiro (2008, p. 335) demonstra acerto ao enunciar que o Imposto sobre Produtos Industrializados só tem de novo a nomenclatura: “Em verdade, o tributo que, nas águas da Emenda 18/1965, recebeu o nome de ‘imposto sobre produtos industrializados’, é o mesmo imposto de consumo das Constituições de 1946 e anteriores”.

205 Artigo 2º, da Lei nº 4.502/1964.

Page 356: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

356 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Diante de todas as alterações legislativas que sofreu o Imposto sobre Produtos Industrializados, percebe-se que o tributo não sofreu alteração substancial na sua natureza jurídica, visto que embora tenha modificado de nome manteve os mesmos fatos geradores do antigo imposto de consumo. É justamente o que enuncia Aliomar Baleeiro (2008, p. 336), pois assevera que “em sentido não técnico-específico, temos apenas um nome novo para um imposto velho”.

Na atual Constituição Federal, datada de 05 de outubro de 1988, o Imposto sobre Produtos Industrializados restou regulamentado pelo artigo 153, inciso IV, mantendo a competência da União Federal e sustentando as mesmas hipóteses de incidência (fato gerador) discriminadas no artigo 2º, da Lei nº 4.502 de 1964 e no artigo 46, do Código Tributário Nacional de 25 de outubro de 1966.

3 IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – BREVE HISTÓRICO DA ORIGEM E DA EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), igualmente ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), somente passou a possuir a nomenclatura que hoje é conhecido a partir da edição da Emenda Constitucional nº 18 de 1965206. O tributo é o sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), que passou a ser de competência dos Estados-membros. Essa é uma mudança oriunda do movimento militar na década de 60 que via no Imposto de Vendas e Consignações problemas que estavam provocando inflação exagerada e, consequentemente, impedindo o crescimento econômico do país. Veja categoricamente a descrição desse fenômeno apresentada por Sacha Calmon Navarro Coêlho (1996, p. 220-221):

206 Artigo 12, da Emenda Constitucional nº 18/1965.

Page 357: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 357

Desde a Emenda nº 18/65 à Constituição de 46, após o movimento militar de 1964, quando se intentou, simultaneamente, a racionalização do sistema tributário (Emenda nº18) e a codificação do Direito Tributário (CTN), que o ICM, agora ICMS, vem se apresentando como imposto problemático, tomado de enfermidades descaracterizantes. À época do movimento militar de 1964, receptivo às críticas dos juristas e economistas que viam no imposto sobre vendas e consignações dos estados (IVC) um tributo avelhantado, ‘em cascata’, propiciador de inflação, verticalizador da atividade econômica, impeditivo do desenvolvimento da federação e tecnicamente incorreto, resolveu-se por substituí-lo por imposto ‘não cumulativo’, que tivesse como fatos jurígenos não mais ‘negócios jurídicos’, mas a realidade econômica das operações promotoras da circulação de mercadorias e serviços, no país, como um todo.Destarte, surge o ICMS, não-cumulativo, em lugar do IVC cumulativo (grifo original).

Observe que, do ponto de vista econômico, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias continua sendo o mesmo Imposto de Vendas e Consignações, tendo apenas modificado e nome e alterado alguma de suas características de incidência, adotando a modalidade da não cumulatividade.

Salienta-se que as mudanças legislativas, principalmente as realizadas pela Emenda Constitucional nº 18 de 1965 e Emenda Constitucional nº 01 de 1969, criaram uma desordem no ordenamento jurídico brasileiro, visto que as referidas normas destinaram ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias, praticamente, o mesmo fato gerador do Imposto sobre Consumo de Mercadorias, hoje IPI, estabelecendo que incidirá o tributo no

Page 358: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

358 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

estabelecimento do importador nos casos de mercadoria estrangeira. Aliomar Beleeiro (2010, p. 367) afirma que:

Do ponto de vista econômico, o ICM é o mesmo IVC, que concorria com cerca de ¾ partes da receita tributária dos Estados-Membros. Argüia-se que só diferia do imposto de consumo e do imposto de indústrias e profissões sobre comerciantes e industriais, pelo nomen juris, pois os três sangravam a mesma realidade econômica: a introdução da mercadoria no circuito comercial. A Emenda 18, pretendendo remediar essa contingência daquela realidade, inventou novas normas e formulou o fato gerador de modo diverso, confundindo quase o imposto de consumo e o IVC. Pela Constituição de 1946, o fato gerador do IVC era o contrato de compra e venda, o negócio jurídico no qual figuravam, como vendedores, os comerciantes e produtores, inclusive industriais, e só eles. A Emenda nº 18 e a Emenda nº 1/69 deram para o fato gerador do ICM o mesmo que o legislador ordinário fixara há muitos anos para o imposto de consumo, que estes diplomas rebatizaram de imposto de produtos industrializados; o momento ou fato de a mercadoria sair do estabelecimento do contribuinte para negócio (grifo original).

Fica claro que é histórica a dificuldade de articular as exações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e do Imposto sobre Produtos Industrializados. São tributos que expressão realidade econômica semelhante e por isso se confundem no âmbito jurídico da incidência tributário.

Atualmente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, hoje Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), possui

Page 359: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 359

regulamentação no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal de 1988, sendo imposto de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal.

4 BITRIBUTAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADO E DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇOS INCIDENTES NA IMPORTAÇÃO

A incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados oriundos do exterior não é nova. Já na época do Imposto sobre Consumo de Mercadorias, a Lei nº 4.502 de 1964 já trazia em seu artigo 2º, inciso I, aplicabilidade do tributo na entrada de mercadorias de origem estrangeiras. Muito se discutiu acerca dessa incidência, pois se imaginava que o tributo deveria incidir sobre a empresa industrializadora do produto e não sobre a empresa importadora. Entendia-se que o Imposto sobre Produtos Industrializados era um tributo sobre a industrialização e não sobre o consumo. Sendo assim, seria impossível cobrar o tributo de uma empresa industrializadora no estrangeiro, posto que se encontraria óbice nas regras de soberania estatal e no princípio da territorialidade.

No entanto, esta tese jurídica da inconstitucionalidade da cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação foi rechaçada e pacificada pelos tribunais pátrios, visto que o tributo na importação não incide sobre o processo de industrialização, mas sim sobre os produtos industrializados:

TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. INCIDÊNCIA. RECEPÇÃO DO CTN. IPI E II. BITRIBUTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO GENÉRICA. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. 1. O IPI, na forma como emoldurado na Constituição Federal, não incide sobre o processo de industrialização, mas sim sobre os "produtos industrializados", não havendo falar em não-

Page 360: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

360 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

recepção do art. 46 do CTN no ponto em que estabelece como fato gerador do tributo o desembaraço aduaneiro da mercadoria, quando de procedência estrangeira. 2. A incidência concomitante do IPI e do Imposto de Importação não torna inválida a cobrança, porquanto os tributos têm diferentes hipóteses de incidência, exsurgindo a respectiva obrigação tributária, natural e automaticamente, quando realizado cada fato imponível. 3. Descabida a pretensão da autora de desoneração de materiais importados que não seriam submetidos a um processo de industrialização, tendo em vista a sua argumentação genérica e a falta de comprovação das suas alegações. 4. Honorários advocatícios reduzidos para o patamar de 10% sobre o valor atribuído à causa, com fulcro no disposto no § 4º do art. 20 do CPC e nos critérios previstos nas alíneas a, b e c do § 3º do mesmo artigo, bem assim nos precedentes desta Turma e da Primeira Seção desta Corte (STF, Recurso Extraordinário nº 604.551/PR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Decisão Monocrática, Julgamento: 01/08/2012, DJ: 08/08/2012). TRIBUTÁRIO. IPI. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PESSOA FÍSICA. USO PRÓPRIO. INCIDÊNCIA. PIS/COFINS - IMPORTAÇÃO. LEI Nº 10.865/04. VALOR ADUANEIRO. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. É devida a incidência do IPI nos casos de importação de veículo automotor, por pessoa física, para uso próprio, pois o desembaraço aduaneiro se insere entre os fatos geradores do referido tributo, o qual incide sobre o produto e não sobre a atividade de comercialização ou

Page 361: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 361

fabricação, sendo irrelevantes a natureza do importador e o seu objetivo. 2. A se admitir a tese do impetrante, chegar-se-ia à conclusão de que em nenhuma hipótese haveria a incidência do IPI, pois o consumidor final que adquire um veículo importado, ou mesmo nacional, em uma concessionária, também o faz para uso próprio, não havendo outra operação de comercialização ou industrialização, de modo que, reconhecer a não incidência do imposto para aquele que compra o produto diretamente no exterior, viola o princípio da isonomia, além de atentar contra o interesse público e a proteção da indústria nacional. 3. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 559.937/RS, submetido ao regime de repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade da expressão"acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições", contida no citado art. 7º, I, da Lei 10.865/2004. 4. Remessa oficial e apelação parcialmente providas (TRF – 5ª REGIÃO, Apelação – Reexame Necessário nº 8026248520134058300, Relator Desembargador Raimundo Alves de Campos Junior, Terceira Turma, Julgamento: 30/01/2014).

Dessa forma, vê-se que, por esse motivo o Imposto sobre Produtos Industrializados não tem porquê ser considerado inconstitucional. A celeuma se apresenta em relação à outra situação, manifestando-se quando da análise do fato gerador do tributo frente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços incidente na importação.

Page 362: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

362 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Observe que o legislador constituinte de 1988 estabeleceu no artigo 155, parágrafo 2º, inciso IX, alínea “a”, que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços incidirá também sobre a entrada de bens ou mercadorias do exterior, quaisquer que sejam as suas finalidades. Nesse giro, perceba que a Constituição Federal indicou que o Imposto sobre Circulação e Serviços terá também incidência na importação, igualmente como ocorre no Imposto sobre Produtos Industrializados de competência da União Federal.

Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal, diante de várias discussões acerca do momento de incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços na importação, editou a Súmula nº 661207, definindo que o critério temporal da incidência do tributo será o desembaraço aduaneiro. Portanto, conforme definição da Corte Suprema, este será o momento jurídico de entrada do bem ou mercadoria no território brasileiro o qual será devido o tributo.

Assim, diante dessa constatação de que o fato gerador do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços na importação é o desembaraço aduaneiro é que se verifica o problema da inconstitucionalidade do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação. Este último, conforme o artigo 2º, inciso I, da Lei nº 4.502 de 1964 e artigo 46, inciso I, do Código Tributário Nacional indicam que o fato gerador do tributo federal será o desembaraço aduaneiro, igualmente como indicado pelo Supremo Tribunal Federal para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços na importação.

Diante dessa situação, nota-se que o ordenamento jurídico brasileiro apresenta dois tributos de competência de entes federativos distintos incidindo sobre uma mesma situação, constituindo clara hipótese de bitributação. Como se sabe, o direito brasileiro mostra que não é admissível a tributação realizada por dois

207 Súmula nº 661 – Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.

Page 363: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 363

entes federativos distintos, por meio de suas pessoas jurídicas de direito público, sobre um mesmo fato gerador. Nas lições de Eduardo Marciel Ferreira Jardim (1995, p. 14) a bitributação “caracteriza-se pela tributação de um mesmo fato jurídico tributário por duas pessoas constitucionais”. Veja que esta definição última de bitributação não se confunde com as hipóteses de bis in idem:

Bitributação, portanto, no sentido que a palavra se tornou conhecida no Direito Tributário brasileiro, é tributação inconstitucional. Não se confunde com a dupla ou múltipla tributação de um mesmo fato pela mesma pessoa jurídica de Direito Público, que tem sido designada pela expressão bis in idem (MACHADO, 2001, p. 10).

Roque Antonio Carrazza (2001, p. 500) também alerta que “[...] em matéria tributária, dá-se o bis in idem quando o mesmo fato jurídico é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política. Já, bitributação é o fenômeno pelo qual o mesmo fato jurídico vem a ser tributado por duas ou mais pessoas políticas”.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já esclareceu o entendimento acerca desse conflito de competência extraído da designação do vocábulo “bitributação”, conforme se observa no voto proferido pelo Ministro Rafael Mayer, no Recurso Extraordinário nº 97.122/PR e na Ementa do Acórdão do Recurso Extraordinário nº 77.131/AM, de Relatoria do Ministro Aliomar Baleeiro:

Ademais, e em maior profundidade, o conceito de bitributação, repelido pelo Direito Tributário, é aquele que advém do conflito impositivo, sobre o mesmo fato gerador, por entidades tributantes diversas, não a reiteração pela mesma, no exercício de sua competência, como é o caso, o que

Page 364: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

364 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

pode ser malsinado como um erro de política fiscal ou um dislate econômico, jamais como uma incompatibilidade de ordem jurídico-tributária (STF, Recurso Extraordinário nº 97.122/PR, Voto do Relator Ministro Rafael Mayer, Primeira Turma, Julgamento: 19/10/1984, DJ: 08/11/1984). TAXA DE ESTATÍSTICA DO AMAZONAS - INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A bi-tributação é sempre inconstitucional no Brasil, mas o bis in idem poderá ser constitucional n'alguns casos e em outros não. 2. O bis in idem, por meio do I.C.M. é inconstitucional, porque a 2º exigência, acumulada com a 1ª, ultrapassa a alíquota máxima fixada pelo Senado nos ternos do art. 23, § 5º, da C.F. 3. A taxa de estatística das Leis 698/67 e 705/68, do Amazonas, é inconstitucional porque mascara bis in idem do ICM e não se enquadra no art. 18, I, da Emenda 1/69, nem nos arts. 77 e 79, do C.T.N (STF, Recurso Extraordinário nº 77.131/AM, Relator Ministro Aliomar Baleeiro, Tribunal Pleno, Julgamento: 18/09/1974, DJ: 08/11/1974).

Assim, nesse caso, verifica-se clara hipótese de bitributação, fenômeno este proibido pela Constituição Federal de 1988 e não hipótese de bis in idem. Esse é o entendimento que se extrai da repartição de competência tributária, a qual define expressamente qual a parcela de competência de cada ente da federação. Ainda, observa-se que o legislador constituinte vedou a criação de novos

Page 365: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 365

impostos não previstos na Constituição que tenham fato gerador próprio dos impostos já discriminados na ordem constitucional.

Portanto, sendo clara a vedação à bitributação e ante ambos os tributos, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e Imposto sobre Produtos Industrializados, quando incidentes na importação, possuírem o mesmo fato gerador – desembaraço aduaneiro – e serem exigidos por entes tributantes distintos, indiscutível é a hipótese de bitributação. Entendimento contrário a esta conclusão é totalmente despido de juridicidade e de constitucionalidade. Permitir a incidência desses dois tributos é tornar o dispositivo constitucional de vedação à bitributação letra morta.

Ressalta-se que, nesse caso, considerando que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços incidente na importação possui previsão constitucional no artigo 155, parágrafo 2º, inciso IX, alínea “a, deve prevalecer a sua cobrança, excluindo da importação a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, pois aquele tem incidência ordenada pela Constituição Federal, diferentemente do que ocorre com este, cuja incidência é estabelecida por lei federal208.

Acrescenta-se que, embora o artigo 146, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, apresente que caiba a Lei Complementar estabelecer e definir os fatos geradores dos tributos, esta definição não pode ferir o Pacto Federativo. Embora por Lei Complementar, não pode a União Federal criar fato gerador idêntico a de outro tributo já existente. Tanto é que, mesmo possuindo a competência legislativa tributária residual no que diz respeito à criação de impostos, a União Federal não poderá criá-los atribuindo fato gerador ou base de cálculos próprios dos já discriminados na Constituição Federal209.

208 Artigo 46, inciso I, da Lei nº 5.172/1966 – CTN. 209 Artigo 154, inciso I, da Constituição Federal.

Page 366: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

366 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Ademais, observe que podem surgir afirmações considerando que o desembaraço aduaneiro na aplicabilidade do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação é apenas considerado como simples momento para a incidência tributo e não o seu real fato gerador. No entanto, considerar essa afirmativa seria retirar do ordenamento jurídico tributário o entendimento do artigo 4º, do Código Tributário Nacional, in verbis: “A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II – a destinação legal do produto de sua arrecadação”.

Veja que da simples leitura do dispositivo, se extrai o entendimento de que a natureza jurídica do tributo será definida por seu fato gerador. Assim é como preleciona Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 171):

Insinua desmentir a procedência dessa assertiva o teor do art. 4º do Código Tributário Nacional, ao dizer que a natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, fazendo crer que a singularidade de um único elemento (a hipótese de incidência) teria o condão de definir o tipo do gravame fiscal.

Nesse mesmo sentido veja como ensina Luciano de Almeida Pereira (2011, p. 17-18):

Identificar a natureza jurídica de determinado instituto do direito é, em verdade, aprontar sua identificação mais apropriada. Quanto ao tributo, fora ela apontada no Código Tributário Nacional em seu art. 4º, como acima verificamos. O artigo de lei acima ressaltado descreve

Page 367: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 367

como indispensável para a fixação da natureza jurídica do tributo o seu fato gerador (ou hipótese de incidência), ou seja, conduta desenhada no antecedente normativo que, se efetivada, redunda no surgimento do tributo. Desta sorte, a natureza do tributo não está dependente da sua denominação, tampouco de outro aspecto qualquer. Assim, não importa o nomen juris em termos de denominação de tributo. Podemos, nesse contexto, ter tributo que, inegavelmente, posta-se como imposto e a lei denomina como taxa. Embora sua nomenclatura, o tributo em tela será imposto e não taxa. Por quê? Justamente pelo fato de que a natureza do tributo não se mede pelo nome e sim pelas características que o forma. No caso do tributo, como vimos anteriormente, sua natureza é identificada pelo fato gerador (como se vê no artigo 4º do CTN) e pela base de cálculo, resultando no também já mencionado binômio responsável por medir a natureza jurídica do tributo.

Como visto, é inegável que o fato gerador do tributo, independente de sua denominação, é que definirá a natureza jurídica do tributo. Dessa forma, é importante mencionar que o artigo 46, inciso I, do Código Tributário Nacional210 é claro ao definir o desembaraço aduaneiro como fato gerador do Imposto sobre

210 Artigo 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador: I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira.

Page 368: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

368 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Produtos Industrializados na importação. Portanto, como se depreende da leitura do dispositivo, considerar o desembaraço aduaneiro apenas como simples momento para a incidência do tributo é desconsiderar a literalidade da norma.

Portanto, sendo o fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação o desembaraço aduaneiro, estaria o legislador ordinário criando situação de bitributação desautorizada pela Constituição Federal. Sendo assim, estando demonstrada a clara situação de bitributação entre os tributos federal e estadual, imperiosa a inconstitucionalidade do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente na importação que apresenta fato gerador idêntico ao do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços na importação, de competência dos Estados-Membros e do Distrito Federal.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dado o estudo acerca da incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação, o qual tributa os bens ou mercadorias oriundas do estrangeiro, ficou demonstrado que sendo o seu fato gerador o desembaraço aduaneiro há clara hipótese de bitributação frente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços incidente sobre a importação de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal. Os entendimentos sobre a bitributação no ordenamento jurídica brasileiro são firmes e impedem qualquer situação que não esteja autorizada pela Constituição Federal.

O cerne principal do estudo se fundamentou na vedação constitucional à bitributação inserida no artigo 154, inciso I, o qual embora destine à União Federal a competência tributária residual para a criação de novos impostos, estes não podem possuir fato gerador igual ao de impostos já elencados no texto constitucional, sob pena de incorrer em bitributação. Esse regramento se motiva na preocupação de impedir a prática de tributação repetida, protegendo

Page 369: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 369

o contribuinte da ingerência excessiva do poder tributário estatal e impedindo a invasão de competência tributária.

Observa-se que é fundamental enfatizar que a existência de uma regra constitucional que impede a bitributação é um instrumento concretizador de defesa em face do poder de tributar que detém o Estado e de proteção ao princípio constitucional da Separação dos Poderes. Se existe uma norma limitadora deste poder, esta deve ser respeitada. Não há dúvidas que o desembaraço aduaneiro apresenta-se como sendo o fato gerador de dois tributos distintos e de entes federativos também distintos.

Sendo assim, no que concernem as regras constitucionais de bitributação é totalmente despida de juridicidade e de constitucionalidade a interpretação constitucional que permite a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados na importação possuindo fato gerador idêntico a de outro tributo de ente federativo distinto. A inconstitucionalidade do artigo 46, inciso I, do Código Tributário Nacional é clara e deve ser aplicada.

REFERÊNCIAS BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2008. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988. _______. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1946. _______. Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o imposto de consumo e reorganiza a diretoria de rendas internas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 nov. 1964. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4502.htm>. Acesso em: 12 fev. 2015. _______. Lei Complementar nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário

Page 370: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

370 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Oficial da União, Brasília, DF, 26 out. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 12 fev. 2015. _______. Superior Tribunal Federal. Voto do Relator Ministro Rafael Mayer no Recurso Extraordinário nº 97.122 – Paraná, Relator: Ministro Rafael Mayer, Primeira Turma, Julgamento: 19/10/1984. Diário da Justiça, Brasília, DF, Publicação: 08 nov. 1984. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=RE(97122%20.NUME.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 12 fev. 2015. _______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 77.131 – Amazonas, Relator Ministro Aliomar Baleeiro, Tribunal Pleno, Julgamento: 18/09/1974. Diário da Justiça, Brasília, DF, Publicação 08 nov. 1974. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=RE(77131%20.NUME.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 12 fev. 2015. _______. Tribunal Regional Federal – 5ª Região. Apelação – Reexame Necessário nº 802624-85.2013.4.05.8300, Relator Desembargador Raimundo Alves de Campos Junior, Terceira Turma, Julgamento: 30/01/2014. Diário da Justiça, Recife, PE. Disponível em: <http://trf-5.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25011982/apelreex-apelacao-reexame-necessario-reex-8026248520134058300-trf5>. Acesso em: 12 fev. 2015. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à constituição de 1988: sistema tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário jurídico tributário. São Paulo: Saraiva, 1995.

Page 371: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 371

MACHADO, Hugo de Brito. O IPI e a importação de produtos industrializados. Revista Virtual da AGU, Brasília, ano II, n. 10, p. 01-14, maio. 2001. MARTINS, Sergio Pinto. Manuel de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2011. PAULSEN, Leandro. Impostos federais, estaduais e municipais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. PEREIRA, Luciano de Almeida. Direito tributário simplificado. São Paulo: Saraiva, 2011.

Page 372: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

372 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

O ESTADO VERSUS O BRASIL: A LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O DAY AFTER DA OPERAÇÃO LAVA JATO

Dá-me, Senhor, sabedoria e conhecimento, para que eu possa liderar esta nação, pois quem pode governar este teu grande povo? (2 Crônicas, 1:10)

Israel Quirino211

RESUMO: Manejando os instrumentos legais existentes no ordenamento jurídico pátrio o Ministério Público Federal busca responsabilizar as empresas envolvidas no caso Petrobras, exigindo reparação dos danos causados ao Erário além de imposições restritivas de natureza civil e sanções adicionais previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa. No presente artigo se discute o desdobramento de eventual condenação das empreiteiras com o rigor das sanções previstas na Lei 8.429/92, inclusive com a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente. Avalia-se a eventualidade de colapso no segmento econômico liderado pelas empresas envolvidas e as conseqüências que tal decisão poderia

causar à fragilizada economia brasileira. Palavras-chave: Improbidade Administrativa. Operação Lava Jato. Caso Petrobras. ABSTRACT: Managing the existing legal instruments in the Brazilian legal system the Federal Prosecutors seeking to blame the companies involved in the case Petrobras, demanding compensation for damage caused to the Treasury as well as restrictive imposition of a civil nature and additional penalties provided for in Article 12 of the

211 Advogado, professor de direito constitucional, mestrando em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário UMA.

Page 373: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 373

Administrative Misconduct Law . The present article discusses the deployment of the condemnation of the contractors with the rigor of the sanctions provided for in Law 8.429 / 92, including the prohibition from contracting with the government or receive benefits or tax incentives or credit directly or indirectly. We analyze the possibility of collapse in the economic segment led by the companies involved and the consequences that such a decision would cause the fragile Brazilian economy. Keywords: Administrative Misconduct. Operation Lava-Jato. Juridical Case of Petrobras.

Sumário: 1 Considerações Iniciais. 2 A Lei de Improbidade

Administrativa e suas sanções 3 Aplicação da Lei de Improbidade

Administrativa no Caso Petrobras 4 O day after da Operação Lava Jato. Considerações Finais 1 Considerações Iniciais No último dia 20 de fevereiro de 2015 o Ministério Público Federal distribuiu um conjunto de cinco Ações Civis Públicas exigindo que empresas envolvidas no escândalo da Petrobras sejam responsabilizadas, com base na lei 8.429/92 (LIA), independente do processo penal que respondem seus executivos perante a Justiça Federal e obrigadas a recompor o patrimônio nacional em R$ 4,47 bilhões, além da proibição de contratarem com o Poder Público e de receberem qualquer forma de incentivo ou benefício fiscal ou creditício. O feito nos traz, de imediato, duas constatações: a) a de que o ordenamento jurídico brasileiro contém ferramentas legislativas e judiciais para conter e punir exemplarmente os atos de corrupção; b) a de que a proposta de um pacote legislativo anticorrupção é um casuísmo, que pode vir a criar mais algumas normas desnecessárias no emaranhado de diplomas legais existentes, demonstrando uma

Page 374: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

374 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

espécie de “reação” do Poder Constituído em resposta à indignação popular. A presente incursão tem o propósito de discutir a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa como instrumento punitivo-restaurador das malfeitorias do Caso Petrobras, lançando luzes sobre o teor de eventual condenação do agente privado, à vista da severidade da norma em seus dispositivos sancionadores, capazes de dispensar a edição de novas leis anticorrupção e de causar o colapso do segmento econômico liderado pelas empresas envolvidas com nefastas conseqüências à economia brasileira. 2 A Lei de Improbidade Administrativa e suas sanções Aprovada em junho de 1992, a Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92 – acrescentou, no rol dos delitos contra a administração pública, um novo tipo sancionador – o ato de improbidade – que veio a preencher uma lacuna existente no ordenamento jurídico nacional a cuidar da conduta aética dos seus agentes, não inclusa no rol dos crimes comuns, dos crimes de responsabilidade ou mesmo das infrações político-administrativas. Tecnicamente o ato de improbidade administrativa pode não constituir-se crime em espécie, a ser punido pela lei penal comum ou pela lei dos crimes de responsabilidade, mas define uma conduta passível de repreensão, que comporta julgamento e punição de natureza diversa, em um campo sancionador cível-administrativo. A ocorrência do ato a ser reprimido pela LIA exige, em toda a sua extensão, a indispensável participação do agente público. Valendo-se de uma técnica legislativa extremamente simples, a Lei 8.429/92 definiu em três grandes grupos, por assim dizer, os atos que ofendem a probidade administrativa: a) os que causam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) os que provocam prejuízo ao erário (art. 10); c) os que atentam contra os princípios gerais da administração pública (art. 11). Um elenco exemplificativo de condutas foi inserido em cada um desses grupos, não esgotando o

Page 375: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 375

legislador a capacidade humana de criar o novo em questões sedimentadas na prática espúria de exercício de poder. O termo probidade, a denotar o zelo com a coisa pública de acordo com os princípios de moral da administração, já havia sido adotado a definir condutas de agentes públicos na Carta Constitucional de 1891 (art. 54). Por sua vez, a Constituição de 1988 (§ 4º. do art. 37) evidenciou o tipo sancionatório, que viria a ser disposto em lei específica, situando-o, por exclusão, em uma esfera punitiva que não fosse a do Direito Penal, elencando quatro formas de medidas repressivas:

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Note-se que o Constituinte Originário não desejou definir o ato de improbidade administrativa, mas se dispôs a criar um conjunto de sanções possíveis de serem aplicadas quando da prática do ato que deponha contra a administração honrada ou avance sobre os interesses coletivos, sistematizando um rol de quatro cominações: a) suspensão dos direitos políticos; b) perda da função pública; c) indisponibilidade de bens; d) ressarcimento ao erário. Reservou-se à lei infraconstitucional, apenas a gradação das reprimendas cabíveis. Não obstante, o legislador ordinário ao dispor sobre improbidade administrativa criou um estatuto exemplificativo de condutas (art. 9º; 10 e 11 da LIA) e ao efetuar a gradação das reprimendas, no artigo 12, com nova redação por força da lei 12.120/2009, acresceu ao dispositivo constitucional um elenco adicional de medidas repressoras (a que chamou de “penas”) alargando a incidência de sanções, senão vejamos:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato

Page 376: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

376 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou

Page 377: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 377

indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

A doutrina tem-se debruçado sobre a natureza das sanções por improbidade administrativa, que tem visível caráter punitivo, embora de tramitação processual cível, e que não ilide ação penal por disposição constitucional. Tem-se delimitado, todavia, o alcance repressor da condenação, que tem por propósito ceifar ou limitar direitos e impor ônus punitivo ao infrator, embora lhe falte a natureza penal stricto sensu. Pondera-se, entretanto, se teria o legislador infraconstitucional poderes para alargar o alcance das medidas sancionadoras enumeradas pelo Constituinte, o que colocaria o § 4º. do artigo 37 da Constituição como mera referência exemplificativa e não uma relação exaustiva das punições cabíveis, já que neste universo o legislador ordinário fez incluir no rol das sanções o perdimento dos bens ilicitamente acrescidos ao patrimônio do infrator, o pagamento de multa civil e a proibição de contratar com o poder público e de receber incentivos fiscais e creditícios. Agravou-se sobremaneira o ânimo constitucional de punir o agente ímprobo. Não obstante, cabe discutir que as sanções previstas na LIA, embora possam resultar em interferência na esfera individual do agente são, em sua maioria, medidas acauteladoras (protetivas) ou restauradoras do patrimônio público afetado, não resultando em supressão ou restrição de direitos do agente eventualmente punido. A perda dos bens acrescidos ilicitamente e o ressarcimento integral do dano derivam do que anteriormente fora tratado pelas Leis 3.164/57 e Lei 3502/58, antigos diplomas federais que dispunham sobre atos administrativos que resultam em acréscimo patrimonial indevido, atribuídos aos agentes públicos, partindo do princípio da

Page 378: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

378 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

inexistência do enriquecimento sem causa. Não é, portanto, uma sanção a ser suportada, mas uma recuperação do que fora injustamente amealhado. A proibição de contratar com o poder público (que tem no mesmo princípio a perda do cargo ou função e da suspensão temporária dos direitos políticos) é decorrente da definição de inidoneidade, que veio a se firmar posteriormente, no art. 87, IV da Lei 8.666/93, a não se admitir que a Administração Pública possa negociar com um parceiro ao qual se atribua a pecha de ímprobo. Resulta, portanto, em uma proteção cautelar ao interesse público. Resta à multa civil, que traduz o caráter pedagógico da condenação e essência punitiva do dispositivo legal, já que as demais sanções impostas, como vimos, são cautelas, ou medidas de proteção e reparação (recomposição) dos interesses públicos lesados. Tal discussão doutrinária se torna relevante nesta incursão, quando nos dispomos a analisar o que pode vir a ser o “dia seguinte” à operação Lava Jato, no caso de a ela sobrevierem condenações com fincas nas disposições da Lei de Improbidade Administrativa, não pelo rigor excessivo das punições ali previstas, mas pelo resultado que a imposição de tais restrições poderá causar ao nicho econômico das empreiteiras judicialmente acionadas.

3 Aplicação da Lei de Improbidade Administrativa no Caso Petrobras Quando se faz uma leitura profunda da Lei de Improbidade Administrativa se tem a dimensão do preciosismo que reveste o nosso ordenamento jurídico e dos labirintos nos quais sucumbe o operador menos atento, a permitir interpretações dúbias, dada à redação lacônica da norma, que pela falta ou excesso de objetividade acaba por plantar incertezas que servem como escapes e discussões judiciais intermináveis. A LIA foi feita e dirigida unicamente ao agente público. O tipo descrito é Improbidade Administrativa (ato próprio de quem exerce

Page 379: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 379

função pública). O agente privado que eventualmente possa estar inserido na prática do ato administrativo do qual se origina a improbidade é tratado como mero coadjuvante, embora a norma também se dirija a ele, inserindo-se o artigo 3º que se concatena com os outros dispositivos a nos apresentar um litisconsórcio necessário entre o terceiro envolvido e o agente público:

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

É o único momento em que o legislador se reporta ao ator privado na LIA, entendendo os doutrinadores que o ato tipificado é conduta de agente público stricto sensu, sendo o particular beneficiário ou participante coadjuvante na improbidade. O ato praticado pelo particular, disposto pelo texto legal, resulta em induzir; concorrer; beneficiar. E para se tipificar nas disposições da LIA deve ser ato de conluio ou concurso com um agente público. Razão pela qual o rol das sanções, como vimos, traz um agravante em prejuízo do agente público (perda do cargo ou função) que não afeta ao agente privado. O rito processual da LIA, no estando, tem por norte que a conduta a ser punida é do agente público, cabendo ao particular envolvido co-autoria ou participação suplementar. Acompanhando o raciocínio de que não existe ato de improbidade administrativa sem a efetiva participação do agente público, o legislador omitiu das disposições quanto à prescrição (art. 23) a menção ao particular acaso envolvido. Resta ao intérprete a conclusão de que ao particular, em caso de improbidade, aplica-se o prazo prescricional cabível ao agente público conluiado, embora haja entendimento de que o enunciado da prescrição quinquenal genérica do Decreto 20.910/32 pode ser avocado, já que o disposto na LIA se restringe ao agente público in specie, por descrever ali duas situações que não expõem o agente privado.

Page 380: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

380 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

A convivência (e a repulsa) da gente brasileira aos atos de corrupção levam à edição de normas intrinsecamente duras, rigorosas, pautadas em ideais repressivos, mas que, ante a ausência de uma cultura de respeito aos bens públicos, não conseguem erradicar a prática de atos atentatório ao patrimônio de todos nós. São diversos os fatores que conduzem à sensação de impunidade, entre eles, a superposição ou justaposição de normas a criar lacunas recursais diversas e a morosidade do Judiciário em julgar tais questões, além dos foros de prerrogativa e de outros labirintos legais. Por conceito constitucional e, sem discutir o envolvimento de agentes ocupantes de cargos políticos ou eletivos, a LIA aplica-se aos delitos investigados na gestão da Petrobras, entidade da administração pública indireta, portanto, sujeita ao controle judicial de seus atos, independe do estardalhaço que se tem feito na investigação penal. Os gestores da estatal equiparam-se, para fins de direito a agentes públicos e curvam-se às disposições legais atinentes. Igualmente é possível afirmar que as empreiteiras envolvidas só serão responsabilizadas por atos ímprobos quando sua atuação estiver atrelada a conduta do agente público envolvido na irregularidade, não havendo meios de responsabilizar unicamente a pessoa jurídica de direito privado.

4 O day after da Operação Lava Jato

Page 381: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 381

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42), recepcionada pela Constituição de 1988, evidencia em seu artigo 5º os propósitos da ordem jurídica, que deve se curvar a interesses maiores do bem comum, quando confrontada a lei e o caso concreto.

Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Tal dispositivo, quase sempre esquecido em nossa prática diária, nos remete ao princípio do Consequencialismo Judicial, diante da hipótese concreta de se ter uma sentença judicial que seja legal (estritamente dentro do que determina a lei) e que traga danos irreparáveis à sociedade, destinatária final da norma jurídica e para quem trabalha o julgador. Vale dizer que não basta punir o infrator, mas manter a ordem pública, resguardar os interesses coletivos alcançados ou tutelados pela decisão, do contrário seria socializar a reprimenda e expandir o seu alcance sancionatório a quem não participou do ilícito. Não se trata da baliza de proporcionalidade inserta no caput do artigo 12 da LIA (transcrito com nosso destaque), a permitir, por exemplo, a exclusão desta ou daquela forma de sanção, porquanto qualquer cidadão pode dimensionar a gravidade dos atos praticados que abalam a imagem interna e internacional da Companhia e assombra o Governo Federal, com desdobramentos catastróficos.

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

O que se tem é o alcance econômico social da sentença, que deve ser ponderado pelo juiz, dentro da sua fundamentação decisória, de

Page 382: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

382 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

maneira que a lei se cumpra, mas que se preserve a integridade do bem jurídico tutelado. Aqui socorre ao magistrado não somente o dispositivo retromencionado da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, a ponderar sobre o agravante disposto no parágrafo único do artigo 12 da LIA (com nosso destaque):

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Abrimos tal discussão unicamente para análise dos desdobramentos que podem advir das medidas judiciais tomadas no Caso Petrobras, tendo em vista a distribuição, por parte do Ministério Público Federal de Ações Civis Públicas de Improbidade Administrativa contra seis das empreiteiras envolvidas na celeuma, ante a natureza das sanções que podem vir a ser impostas às empresas envolvidas. É pujante a cobertura midiática que tende a atiçar a indignação do populacho a almejar (e até a exigir) as penas mais graves, as punições mais severas. Tal comportamento é natural nos momentos de comoção social, embora os julgamentos, proferidos na solidão do decisum, não se enveredem por tais caminhos emotivos. Pelo teor das ações propostas pelo Ministério Público Federal, em caso de procedência do pleito, o ressarcimento dos bens ilicitamente amealhados, a reparação civil dos danos e a multa civil, além dos danos morais coletivos pleiteados podem, seguramente, abalar a saúde financeira das empresas envolvidas pela constrição do seu patrimônio ou capital de giro. Noutro prisma, discute-se o acréscimo punitivo subscrito pelo legislador ordinário na Lei de Improbidade, o que pode excluir esse grupo de empresas das licitações públicas (e do mercado), pela proibição de contratação e de auferir benefícios fiscais ou creditícios do Poder Público, o que pode resultar desastroso para o país. O risco é tão severo e as consequências tão graves que o Estado brasileiro já se move em busca de termos circunstanciais que possam

Page 383: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 383

contornar o problema por meio de medidas salomônicas, que consigam ressalvar a integridade das relações econômico-sociais mantidas entre o Poder Público e as empresas envolvidas na Operação Lava Jato, sem desmerecer a Justiça, mas de maneira preservar um e outro, como comensais do mesmo sistema. Ressaltam-se, neste cenário, os mencionados acordos de leniência, que vêm sendo ventilados e já expondo algumas resistências, mas que aparentam ser iniciativas do Governo de restaurar o patrimônio nacional afanado com o mínimo de danos à estrutura econômica do país no dia seguinte. É de conhecimento público que as empresas demandadas detêm expertise em grandes obras de infraestrutura e de engenharia, dominando um importante segmento de mercado. Também não se ignora que tais empresas são, basicamente, contratadas com o Poder Público em todas as suas manifestações e, não raro, financiadas com recursos do BNDES ou de fundos públicos. Dito isso é possível concluir que a exclusão sistemática e abrupta de tais empresas dos certames licitatórios e a obstrução às linhas de crédito oficiais poderão, por análise perfunctória, expor o segmento ao colapso provocando ondas de demissão em massa, enfraquecimento do mercado e bancarrota de empresas satélites que delas dependam como terceirizadas ou sub-contratadas. Isso, sem contar a drástica redução no elenco de fornecedores/prestadores de serviço das grandes obras públicas no país que, por conseqüência, sofrerão atrasos e aumento de custos em função da retração da oferta. Uma catástrofe, sem dúvida. Os reflexos de uma decisão judicial de tamanho impacto, ainda que legalmente embasada e com propósito de repelir (e punir) atos de corrupção, podem se traduzir em resultados nefastos à economia nacional como um todo, expondo o Brasil a uma crise econômica e social sem precedentes, além da crise de credibilidade institucional que já enfrenta.

Page 384: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

384 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Considerações Finais Embora compartilhemos da mesma indignação diante do resultado das investigações que avançam e do noticiário que nos esmiúça diariamente as falcatruas e o modus operandi de agentes que se especializam em apropriar de recursos públicos, temos que considerar que as decisões judiciais são concebidas (ou deveriam ser) em um contexto fático-probatório, orientando-se o magistrado pelo bem comum ao qual serve e pela justiça que persegue. Não se trata de institucionalização da vingança ou imposição de castigos medidos pela intensidade do clamor popular. Igualmente não se trata de ser permissivo a ponto de se perdoar tamanha sequencia de delitos a dilapidar o patrimônio público. A prática da justiça nem sempre corresponde aos nossos anseios, conceitos ou preconceitos, mormente quando o sentimento de repulsa ultrapassa os limites do ordenamento legal instituído e se almeja punições que possam ser consideradas exemplares, sem que as consequências sejam mensuradas. Neste particular, as decisões judiciais que promovam o desfecho da “Operação Lava Jato” podem frustrar boa parte dos brasileiros que gostariam de não deixar pedra sobre pedra. Entendemos, todavia, que a parcimônia no julgamento do Caso Petrobras não poderá, jamais, resultar em tolerância a qualquer ato de corrupção ou degradação moral da estrutura do poder político, ainda que se denomine de “leniência” qualquer proposta que tenha por objetivo minimizar os impactos de uma decisão judicial que possa vir a ser danosa a frágil economia nacional. Referências BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.ht

m> Acesso em 22 fev. 2015 BRASIL, Lei 8.666/1993. Disponível em

Page 385: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 385

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm> Acesso em

22 fev 2015 BRASIL, Lei 8.429/1992. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8429.htm> Acesso em 22 fev. 2015 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Improbidade administrativa. prescrição e outros prazos extintivos. São Paulo: Editora Atlas, 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2005. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9ª. ed., São Paulo: Editora Atlas, 2001. PAZZAGLINI FILHO, Marino Pazzaglini; ROSA, Márcio Fernando Elias; JÚNIOR, Waldo Fazzo. Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos

da defesa do patrimônio público. São Paulo: Atlas, 1999. PIROZI, Maurício José Machado. Consequencialismo judicial - Uma realidade ante o impacto socioeconômico das sentenças. Disponível em <http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/artigos/conseq

uencialismo_judicial.pdf.> Acesso em 22 fev. 2015 QUIRINO, Israel. O rigor da punição dos crimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa para com os agentes municipais. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3943, 18 abr. 2014. Disponível em:

<http://jus.com.br/artigos/27683>. Acesso em: 22 fev. 2015. RICHARD, Ivan. MPF cobra 4,47 bilhões de empreiteiras investigadas na lava jato. Portal Agência Brasil, disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-02/mpf-cobra-r-447-bilhoes-de-empreiteiras-investigadas-na-lava-jato>

Acesso em 20. fev. 2015

Page 386: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

386 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

RICHARD A. POSNER: PRAGMATISMO JURÍDICO, UTILITARISMO, ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E RELAÇÃO ENTRE O DIREITO E

ECONOMIA

Maria Leopoldina Coutinho da Silva Ribeiro212 RESUMO: Este artigo busca discutir as relações entre a Análise Econômica do Direito e as decisões dos juízes, por meio das considerações da doutrina do pragmatismo jurídico de Richard Posner. Tem por objetivo, também, analisar os principais aspectos da relação entre direito e economia, verificando os efeitos da Análise Econômica do Direito e sua aplicação no direito. São discutidos alguns aspectos da Análise Econômica do Direito relacionando-a a economia, por ser este o mais importante campo interdisciplinar dos estudos jurídicos. Examina-se a ótica atual do conceito de utilitarismo. Palavras-chave: Análise Econômica do Direito. Economia. Direito. Campo Interdisciplinar. Estudos jurídicos. Utilitarismo. ABSTRACT: This article discusses the relationship between the Economic Analysis of Law and the decisions of the judges, through consideration of the doctrine of legal pragmatism of Richard Posner. Also aims to analyze the main aspects of the relationship between law and economics, checking the effects of the Economic Analysis of Law and its application in law. There are also discusses about some aspects of the Economic Analysis of Law relating to the economy, because this is the most important interdisciplinary field of legal

212 Mestre em Direito Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional pelo Centro Universitário do Pará – CESUPA. Especialista em Direito Processual Penal – Curso Damásio de Jesus. Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Pará – CESUPA. Especialista em Economia Regional e Urbana pela Universidade de São Paulo – USP.

Page 387: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 387

studies. The current perspective of the concept of utilitarianism is also analyzed. Keywords: Economic Analysis of Law. Economics. Law. Interdisciplinary Field. Legal studies. Utilitarianism. 1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem por objetivo discutir os reflexos da Análise Econômica do Direito ou “Law and Economics” e sua aplicação no direito analisando-se a doutrina do pragmatismo jurídico, do utilitarismo e do eficientismo, conceitos estes desenvolvidos e defendidos por Richard Posner213.

Além dos referidos conceitos discutem-se alguns aspectos da Análise Econômica do Direito, relacionando-a à economia, por ser este o mais importante campo interdisciplinar dos estudos jurídicos.

Antes de adentrar-se no assunto propriamente dito necessário é definir a Análise Econômica do Direito como “método de estudar a teoria econômica relativamente à estruturação, formação, impacto e consequências comportamentais de eventual aplicação de institutos jurídicos e/ou textos normativos”.214

A ênfase na análise da economia é importante, segundo Posner215, pois há muito que compreende a necessidade de um estudo mais empírico que só a economia pode fornecer. Nos dias atuais o ordenamento jurídico não pode deixar de considerar que se vive em uma sociedade dinâmica negando a importância de uma visão interdisciplinar do Direito.

Posner sustenta como condição indispensável para o crescimento da interdisciplinaridade na área jurídica a evolução de

213 POSNER, Richard A. Economics Analysis of Law. 6. ed. EUA: Aspen Law and Business, 2007. 214 PIMENTA, Eduardo G.; LANA, Henrique A. R. P. Análise Econômica do

Direito e sua relação com o Direito Civil Brasileiro. Rev. Fac. Direito. UFMG, Belo Horizonte, n. 57, jul./dez. 2010.

215 POSNER, 2007.

Page 388: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

388 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

outras disciplinas não só a economia, mas também a teoria política, enquanto formas de aperfeiçoar o Direito. Para o autor a teoria do direito diz respeito a problemas práticos da disciplina e para isso se faz necessário utilizar ferramentas de outras disciplinas como, já afirmado, a economia.

Neste ponto retoma-se um pouco da história do direito. A teoria do direito remonta ao final do século XVIII e início do século XIX, quando surgiram as teorias utilitarista (essencialmente econômicas) de punição criminal de Bentham216, a teoria de Savigny217 (mais histórica) e a teoria de Holmes218.

Em um resumo superficial sobre as três teorias, Bentham219 considerava que a pena se justificava por sua utilidade, qual seja: a de impedir que o réu cometesse novos crimes, intimidando-o e protegendo a sociedade. Savigny220, com a sua Teoria da Ficção, concebe somente o homem como sujeito de direitos, já que a pessoa jurídica, de existência fictícia segundo o autor, é desprovida de vontade é incapaz de delinquir. Holmes221 um dos mais importantes representantes do realismo jurídico norte-americano em seus dois livros The Commom Law e The Path of the Law defende que o direito não é lógica e sim experiência. Segundo suas ideias, o criminoso está interessado somente nas consequências do que ocorrerá se violar a lei. Nestas duas obras o objetivo de Holmes é afirmar que o direito

216 BENTHAM, Jeremy. Uma Introdução aos Princípios da Moral e da

Legislação. Tradução de Luiz João Baraúna. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

217 SAVIGNY, Friedrich Carl Von. De la vocación de nuestro siglo para la legislación y la ciencia del derecho. Tradução por Adolfo G. Posada. Buenos Aires: Atalaya, 1946.

218 HOLMES JR., Oliver Wendell. The Common Law. New York: Dover, 1991. 219 BENTHAM, op. cit. 220 SAVIGNY, op. cit. 221 HOLMES JR, 1991.

Page 389: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 389

significa saber antes de tudo como os juízes vão julgar determinado caso.

Posteriormente, o movimento do realismo jurídico já no século XX defendeu não só o realismo psicológico, mas o realismo econômico, destacando-se neste último Karl Marx222, William O. Douglas223, como também a pesquisa empírica em larga escala como caminho para a reformulação do direito. O realismo jurídico foi antecipado por Bentham, Holmes e Cardozo224, todos defendendo o uso de perspectivas extrajurídicas.

A característica do realismo norte-americano está na atenção que foi dada ao processo judicial, ou seja, ao que acontece efetivamente nos tribunais, e não ao que o Direito estabelecia por meio das leis, isto é, como as normas jurídicas funcionam nos tribunais, não o que elas são no papel. Seu principal expoente é Oliver Wendell Holmes225.

Oliver Wendell Holmes226 influenciado pela Guerra Civil Americana tinha como máxima “a vida do direito não tem sido lógica, tem sido experiência”. O autor defendia um ceticismo moral e se opôs à doutrina da lei natural, modificando significativamente a jurisprudência americana. Seu pensamento muito influenciou o pensamento jurídico americano e desde então já se antecipava à importância da relação entre o direito e a economia.

222 MARX, Karl. El Capital. México: Fondo de Cultura Econômica, 1978. v. 1. 223 MURPHY, Bruce Allen. Wild Bill: The Legend and Life of William O.

Douglas. New York: Random House, 2003. 224 CARDOZO, Benjamin N. A Natureza do Processo e a Evolução do

Direito. 3. ed. Porto Alegre: AGE, 1978. v. 8. 225 HOLMES JR., op. cit. 226 Ibid.

Page 390: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

390 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Posner afirma que quase tudo o que os realistas disseram e que é digno de importância é encontrado nos ensaios dos já citados autores Oliver Wendell Holmes Jr. e de Benjamin N. Cardozo. 227

Conforme entendimento de Posner228, o realismo jurídico não cumpriu suas promessas e por volta de 1945 já havia se esgotado. A partir de 1970 a teoria do direito passou a ser um dos principais enfoques do pensamento jurídico daí a necessidade da utilização de novas ferramentas para a solução de problemas jurídicos. Somente a análise doutrinal se mostrou frágil como forma de resolver os problemas do sistema jurídico. Os avanços ocorridos em outras áreas, como a economia, como a teoria dos jogos, como as teorias sociológicas e políticas foram de crucial importância para tentar resolver os problemas do ordenamento jurídico.

2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS 2.1 Relação direito e economia

Esta relação surgiu de uma insatisfação do direito que tinha como base, somente, o fundamentalismo jurídico. E qual ciência entre as ciências sociais poderia oferecer respostas adequadas para referidos problemas jurídicos? A mais adequada seria a ciência econômica. Destarte, Ronald Coase229 e Guido Calabresi230 iniciaram um movimento que seria chamado de movimento direito e economia. Ronald Coase, nascido em 1910, produziu na área da microeconomia a Teoria da Firma introduzindo o conceito de custos

227 CARDOZO, Benjamin N. The Growth of the law. Yale University Press, 1924. 228 POSNER, op. cit. 229 COASE, Ronald H. The Firm, the Market and the Law. Chicago/London:

University of Chicago Press, 1998. 230 CALABRESI, Guido. Thoughts on the Future of Economics. Journal of Legal Education, v. 33, 1983.

Page 391: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 391

de transação, que mais tarde seria muito útil para a ciência do direito. Na sua obra A Natureza da Firma procurou responder qual a origem do crescimento das firmas, concluindo que, enquanto for mais barato racionalizar os custos de transação internamente de certo produto do que adquiri-lo fora, isto é, no mercado, mais as firmas tenderão a crescer. Guido Calabresi é, junto com Ronald Coase, um dos fundadores da relação direito e economia. Suas contribuições são muito importantes principalmente na aplicação do raciocínio econômico para o direito penal. Sob sua influência, Yale Law School tornou-se um importante centro de estudos jurídicos relacionados à economia e a outras ciências sociais.

Neste contexto, em 1973, Richard Posner publica o seu livro The Economic Analysis of Law.231 2.2 Lei da oferta e da procura

É a lei que estabelece a relação entre a demanda de um produto e a quantidade que é oferecida. A partir de então será possível descrever o comportamento dos consumidores na aquisição de bens e serviços em função de preços e quantidades. Para tornar mais clara a aplicação da lei da oferta e da procura no direito, tome-se como exemplo um problema sobre o crime e a pena decorrente dele. O preço seria a pena que a sociedade cobra pelo crime. Quanto maior a pena, menos o criminoso teria o impulso de cometer o delito. 2.3 Custo de oportunidade

É um termo utilizado em economia para indicar o custo de algo em termos de oportunidade renunciada, ou seja, o custo causado pela renúncia do ente econômico, bem como os benefícios que poderiam ser obtidos a partir desta oportunidade renunciada.

231 POSNER, op. cit.

Page 392: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

392 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Com a introdução dos conceitos de economia ao direito, Posner afirma que a economia é uma ferramenta de grande importância para a elaboração de novas teorias jurídicas pelo fato de a mesma ser uma ciência de escolhas racionais. 2.4 Utilitarismo

É uma teoria ética normativa, que na sua versão original, o utilitarismo clássico, os atos são verificados de acordo com a diferença na quantidade de alegria ou dor que produzem no mundo, de forma que a melhor forma de agir é aquela que produz melhores consequências. Isto é, uma ação é moralmente correta se promover a felicidade e incorreta se não promover. A felicidade aqui descrita não é somente a do autor da ação, mas de todos aqueles afetados por ela. Foi concebida inicialmente por Jeremy Bentham (1748-1832). Este tipo de utilitarismo leva em conta o princípio de que a importância dos atos está nas suas consequências.232

Ao longo do artigo o utilitarismo será redefinido de outra maneira. 2.5 Teoria dos Jogos, Pragmatismo e a Concepção eficientista de Posner

É um ramo da matemática que possui inúmeras aplicações a questões sociais, políticas e econômicas. A teoria estuda situações estratégicas onde os jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno. Esta teoria confere fundamentos matemáticos aos fenômenos sociais despertando grande interesse na sua aplicação atualmente inclusive para o direito.

Na economia, a teoria dos jogos tem sido utilizada para examinar a concorrência e a cooperação dentro de pequenos grupos de empresas.

232 BENTHAM, op. cit.

Page 393: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 393

Pragmatismo é um pensamento desenvolvido no final do século XIX onde o sentido de uma ideia significa o conjunto de seus desdobramentos práticos.

A concepção eficientista de Posner significa que o critério para avaliar as instituições, incluindo o Judiciário, é a maximização da riqueza da sociedade. As decisões judiciais que promovem a maximização da riqueza são justas e as que não promovem não são. Apesar de parecer absurda esta foi a tese defendida por Posner na primeira fase de sua carreira jurídica, sintetizadas nas obras Economic Analisys of Law233 e Economics of Justice.234

Como será dito adiante a concepção eficientista recebeu severas críticas, principalmente de Dworkin235 e de outros jus filósofos.

Em uma segunda fase, depois de muito defender-se de seus críticos, com a publicação de seu livro Problemas de Filosofia do Direito236, o eficientismo de Posner foi deixado de lado, sendo a eficiência considerada somente como um critério subsidiário de decisão, mas não o principal. Assim, abandonou a defesa da maximização da riqueza como fundação ética do direito e mudando de concepção admitiu que a maximização da riqueza não era o componente mais importante para a formulação e aplicação do direito e sim que esta estaria ao mesmo nível de importância de outros valores como o desejo de justiça do povo americano.

3 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

233 POSNER, op. cit. 234 POSNER, Richard. The Economics of Justice. 2. ed. Cambridge, Mass.:

Harvard University Press, 1983. 235 DWORKIN, Ronald. Levando o Direito a Sério. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2013. 236 POSNER, Richard. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Page 394: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

394 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

O campo interdisciplinar mais relevante dos estudos jurídicos é a Análise Econômica do Direito. Referida análise significa a aplicação de métodos e conceitos econômicos com o objetivo de analisar quais regras legais serão economicamente eficientes.

Posner em seu livro Fronteiras da Teoria do Direito237 analisa a Teoria Econômica do Direito a partir de Jeremy Bentham238 e Gary Becker239, dois autores separados por aproximadamente dois séculos, mais com uma visão comum: ”o alcance do modelo econômico do comportamento humano”.

Em 1968, Gary Becker240 publicou um artigo sobre crime aprimorando as ideias de Bentham. Assim, houve uma enorme expansão da Análise Econômica do Direito. Surgiram em consequência estudos acadêmicos sobre a Teoria Econômica do Direito sobre processo civil, penal e outras até então não estudados pela economia.

No seu livro Economic Analysis of Law o autor faz um estudo dos modelos de regulamentação e seus efeitos nos comportamentos do mercado. Assim, temas que possuem reflexos econômicos como crimes, democracia, estupros entre outros necessitariam de compreensão que se insira junto a fundamentação econômica.

A análise econômica do direito possui aspectos positivos e normativos. Tem por objetivo explicar o comportamento dos grupos que participam do sistema jurídico.

O rápido desenvolvimento da microeconomia nas últimas décadas, influenciada pela incorporação da teoria dos jogos à economia estimulou o surgimento da Análise Econômica do Direito.

237 POSNER, Richard. Fronteiras da Teoria do Direito. Tradução de Evandro

Ferreira e Silva, Jefferson Luiz Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

238 BENTHAN, op. cit. 239 BECKER, Gary. Crime and Punishment: An Economic Approach. The

Journal of Political Economy, v. 76, 1968. 240 Ibid.

Page 395: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 395

O aspecto mais importante, segundo Posner241, da Análise Econômica do Direito é a proposta de uma teoria econômica unificada ao direito. Muitos problemas dificilmente resolvidos no sistema jurídico passaram a ser solucionados pela Análise Econômica do Direito.

O objetivo de Posner é reforçar esta interdisciplinaridade tornando-a mais acessível e útil aos advogados aos estudantes, aos juízes etc.

A Análise Econômica do Direito possibilita que à aquisição dos direitos sejam atribuídos valores econômicos, permitindo também que esta assuma funções diretivas estabelecendo formas de decidir como o objetivo de alcançar a eficiência econômica.

Importante desde já ressaltar que a teoria da Análise Econômica do Direito se dirige primordialmente aos sistemas jurídicos que fazem parte do common law. Assim, em relação ao direito brasileiro, onde há constituição analítica e extensa legislação, percebe-se que aplicação da Análise Econômica do Direito é bem mais restrita do que no Direito dos Estados Unidos. Dessa forma, o pragmatismo jurídico de Posner que será analisado no artigo é uma concepção doutrinária contextual, que representa projeção do modo de pensar dos Estados Unidos Americanos, de modo que sua aplicação no Brasil ainda é problemática. Além disso, o perfil da sociedade brasileira é muito diferente do perfil da sociedade americana dificultando a aplicação da teoria de Posner.

Isso não quer dizer, por outro lado, que o raciocínio e as metodologias empregadas por Posner não possam ser aproveitados fora do Common Law, como tem sido feito em graus mais ou menos proveitosos em inúmeros casos.

Richard Allen Posner é o expoente máximo do movimento Law and Economics. O autor concebeu a Análise Econômica do Direito, concepção teórica norte-americana que

241 POSNER, op. cit.

Page 396: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

396 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

remonta à tradição do utilitarismo e do pragmatismo e que propõe que o Direito seja estudado a partir de vetores econômicos.

Posner formou-se em Direito em Havard em 1962. Em 1981, foi nomeado juiz na United States Court of Appeals for the Seventh Circuit pelo Presidente Ronald Reagan. Entre 1993 e 2000 tornou-se presidente do referido tribunal. Talvez esta seja a principal razão da aplicação da Análise Econômica do Direito nos Estados Unidos Americanos, pois, Posner além de professor de Havard era juiz e utilizava, para decidir, a teoria desenvolvida por ele.

O objeto de pesquisa de Posner são as principais doutrinas e construções jurídicas dos tribunais norte-americanos desde a proclamação da Constituição de 1787 até o século XX. E é a partir delas que o referido autor constrói aquela que se tornaria até hoje sua obra mais importante, Economics Analysis of Law.

Na sua primeira versão, em 1973, o livro tratou apenas da análise econômica de temas típicos do Common Law: direitos de propriedade, contratos, responsabilização civil e criminal, e processo. Tratou, ademais, da intervenção do governo nos mercados, o que se deu através do exame do direito antitruste e tributário. E, finalmente, continha uma apresentação ao estudante de direito da teoria dos monopólios.

Ao longo das últimas três décadas, a obra foi sendo constantemente revista e ampliada. As edições mais recentes contêm uma gama amplíssima de temas: direito societário e falências, família e sucessões, relações de emprego, relações de consumo, processo e provas no processo, dentre outros.

Com a publicação da obra Economics Analysis of Law, Posner tornou-se um dos principais expoentes da Law and Economics também chamada de Escola de Chicago. Nesta obra, o autor explanou o que seria a Análise Econômica do Direito.

É preciso frisar que as contribuições de Posner não se resumem à relação entre direito e economia. Por exemplo, Posner é

Page 397: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 397

também um dos autores mais influentes no chamado campo da Law and Literature, ou Direito e Literatura.

A Análise Econômica do Direito é conceituada como o emprego dos instrumentos empíricos e teóricos econômicos alargando, aperfeiçoando, avaliando o alcance do direito principalmente no que diz respeito às suas consequências.

A Análise Econômica do Direito é, também, a aplicação de análise microeconômica do direito onde os indivíduos procuram maximizar de forma racional suas necessidades dentro e fora do mercado. Todas (ou quase todas) as pessoas são maximizadoras racionais de suas satisfações. Além disso, as regras jurídicas e as decisões judiciais devem ser pautadas pelo conceito de eficiência.

Para Posner e para a Escola de Chicago o Direito só tem eficácia quando promove a maximização das relações econômicas. Significa dizer que o sistema jurídico americano como sistema social só tem sentido se voltado à maximização da riqueza da sociedade.

Parecia que a visão pragmática de Posner em sua Análise Econômica do Direito, onde há a interdisciplinaridade entre direito e economia, seria aceita sem reservas. Puro engano. O posicionamento de Posner recebeu severas críticas entre elas a de Ronald Dworkin242 que argumentou que a maximização da riqueza é incoerente como norma ética. Argumentou ainda que a teoria de Posner tinha graves falhas normativas que geravam incertezas sobre sua validade como teoria.

Para Richard Posner de tão relevante que é o pensar pragmático, o sistema jurídico da commom law tem muito a usufruir com esta forma de pensar.

4 O PRAGMATISMO JURÍDICO

242 DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípios. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

Page 398: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

398 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Convém antes de explicar o pragmatismo jurídico de Posner explicar o que significa o pragmatismo jurídico.

O chamado pragmatismo jurídico de hoje é a retomada do realismo jurídico desenvolvido no início do século XX. Seus mais importantes idealizadores foram Roscoe Pound243, Benjamim Cardozo244 e Oliver Wendell Holmes245.

O realismo jurídico é uma teoria que identifica a legislação atual, com a força do Estado ou com a probabilidade relacionada às decisões judiciais. Para Oliver Wendell Holmes, precursor dos realistas, a lei nada mais é do que as profecias de como os juízes devem solucionar as questões jurídicas. A lei possui uma concepção instrumental como um meio para alcançar fins sociais. Para os realistas a interpretação jurídica é um ato de vontade do juiz. Deste modo, o realismo limita-se a descrever a forma como o poder judiciário efetivamente atua. A clássica busca pela solução juridicamente correta foi substituída pela tentativa de estabelecer estratégias adequadas para influenciar o juiz no sentido de que ele tome a decisão almejada pelo jurista.

O pragmatismo jurídico possui três características, quais sejam: consequencialismo, contextualismo e anti-fundacionalismo.

O consequencialismo exprime que toda e qualquer proposição deve ser testada com a antecipação das consequências que serão geradas.

O contextualismo significa que toda e qualquer proposição será julgada de acordo com as necessidades da sociedade.

243 POUND, Roscoe. Liberdade e Garantias Constitucionais. 2. ed. São Paulo: IBRASA, 1976. 244 CARDOZO, 1978. 245 HOLMES JR., Oliver Wendell. O Direito Comum: as origens do direito

anglo-americano. Tradução de J. L. Melo. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1963.

Page 399: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 399

Finalmente, o anti-fundacionalismo consiste na rejeição de quaisquer conceitos abstratos, princípios perpétuos, instâncias últimas, entes transcendentais e dogmas.

O pragmatismo é uma teoria sobre a atividade judicial. O direito é conceituado como a atividade realizada pelos juízes. Os juízes pragmatistas fazem o direito, isto é, eles são os criadores do direito e não seus reprodutores. O que importa para o juiz pragmatista são as consequências de decisões alternativas que podem ser encontradas em fontes jurídicas ou não.

Richard Posner246 atualmente entende que o juiz pragmatista deve avaliar as prováveis consequências, consequências também econômicas levando em conta os valores democráticos e a Constituição.

Posner, assim como Roscoe Pound 247, Benjamin Cardozo 248 e Oliver Homes249 não consideram o pragmatismo jurídico como uma Teoria do Direito.

O pragmatismo jurídico é um método de argumentação que pode (ou não) ser adotado por operadores do direito no exercício de suas funções. Este método exige que se analise o alcance das consequências desejadas utilizando princípios jurídicos éticos e morais adequados.

Richard Posner250 como principal expoente do debate atual sobre o pragmatismo considera a ideia do pragmatismo como uma orientação essencialmente prática voltada para o futuro. O pragmatismo jurídico verifica as necessidades humanas atuais e futuras sendo contrário a princípios fechados.

246 POSNER, op. cit. 247 POUND, op. cit. 248 CARDOZO, Benjamin N. The Nature of the Judicial Process. The Storrs

Lectures Delivered at Yale University, 1921. 249 HOLMES JR., op. cit. 250 POSNER, op. cit.

Page 400: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

400 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Dessa forma, vai de encontro à concepção do compromisso do juiz com o precedente e com a norma no sentido positivista, características estas da escola positivista. O autor não considera que o precedente garanta a segurança jurídica e atenda às expectativas da sociedade. O precedente seria apenas um meio para se atingir o fim a ser alcançado pelo juiz pragmático.

O juiz pragmatista utiliza a própria experiência como jurista, se valendo de recursos jurídicos e não jurídicos e de várias teorias para embasar suas decisões judiciais e, dessa forma, conceder a melhor decisão.

A melhor decisão é aquela que permite a segurança jurídica, baseada em certas teorias que utilizam a investigação empírica como a Economia, por exemplo. Daí a importância da Economia para a Análise Econômica do Direito.

Posner251 considera importante para a elaboração da decisão judicial a investigação empírica como a Economia fazendo um raciocínio prático considerando que para uma decisão judicial adequada o juiz necessita de uma orientação empírica. Propõe que o Direito seja entendido como uma ferramenta social destinada a fins sociais levando em conta as consequências.

Para tanto, as consequências consideradas não devem restringir-se ao caso concreto e sim ser sistemáticas, isto é, devem satisfazer a comunidade onde o juiz mesmo inconscientemente procura adequar a sua decisão com o direito aceito pela sociedade. Richard Posner252 nega a importância das teorias morais para a aplicação do direito rejeitando o elemento moral ao conceito de direito na aplicação do direito. O autor alega que mesmo que existam questões morais envolvidas, nenhuma teoria moral seria útil. Afirma que o juiz não deve incluir avaliações morais em seu julgamento, privilegiando argumentos pragmáticos. Um princípio moral só pode

251 POSNER, op. cit. 252 Ibid.

Page 401: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 401

ser avaliado de acordo com determinado objetivo prático. Acredita também que casos difíceis não têm apenas uma resposta correta, no que é criticado por Ronald Dworkin253 que preceitua que todo caso difícil tem uma única resposta correta. Ademais, Dworkin esclarece que a não consideração da teoria moral por Posner é decorrente da confusão conceitual que o autor faz entre a filosofia moral e sociologia moral, psicologia moral e antropologia moral.

Para Dworkin254, com esta confusão conceitual feita por Posner não é possível concluir que as teorias morais são inservíveis para uma decisão judicial.

As críticas de Dworkin são duras e atingem o principal pensamento de Posner: o pensar pragmático. A insistência de Posner em negar a importância da aplicação das teorias morais nas decisões judiciais podem tornar a sua teoria inadequada para superar o positivismo jurídico.

5 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A ECONOMIA

A seguir analisar-se-á de maneira sucinta a relação da Análise Econômica do Direito com a Economia.

De acordo com Paul A. Samuelson e William D. Nordhaus a Economia pode ser definida como “a ciência que estuda a forma como as sociedades utilizam os recursos escassos para produzir bens com valor e de como distribuem esses mesmos bens entre vários indivíduos”255.

Há, neste conceito, duas questões que merecem reflexão para a compreensão da Economia como ciência. A primeira diz respeito à escassez dos bens, isto é, eles não existem em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades de todos os indivíduos. Por

253 DWORKIN, 2010. 254 Ibid. 255 SAMUELSON, Paul Anthony; NORDHAUS, William D. Economia. 17. ed.

McGraw Hill Interamerica, 2004.

Page 402: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

402 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

serem escassos os bens possuem valor econômico. A segunda se refere ao fato de que a sociedade deve utilizar os bens de forma eficiente, isto é de forma a maximizar a utilização dos recursos.

A Economia tem por objeto bens escassos, que por isso mesmo são suscetíveis de valor econômico. Diante da escassez dos bens, o ser humano precisa fazer escolhas, que serão mais bem feitas, caso sejam guiadas por padrões racionais. Surge assim a economia como ciência das escolhas racionais relativas a bens escassos em face do querer humano.

Decorre da escassez de um bem seu valor econômico, que se deixa representar por um preço que pode ter caráter pecuniário ou não. Um exemplo a ser dado pode ser uma duplicata (preço pecuniário) e o valor do direito à dignidade da pessoa humana (preço não pecuniário).

Conforme anteriormente discutido o juiz deve avaliar as consequências das soluções possíveis, adotando-se aquela que for mais razoável.

O direito americano é um sistema jurídico que promove a eficiência econômica, a maximização da riqueza e a ponderação econômica. Dessa forma, a Economia é uma ferramenta para o pensamento e para o julgamento pragmático.

A Análise Econômica do Direito parte do pressuposto de que a atribuição de direitos pode ser valorada economicamente, o que pode servir, por exemplo, para descrever os efeitos econômicos da adoção de determinada legislação, ou de determinadas decisões jurisdicionais. Além do mais, a Análise Econômica poderia realizar atos diretivos estabelecendo a forma de decidir e que normas jurídicas devam ser estabelecidas. Porém, é duvidoso assumir que a Análise Econômica do Direito pode realizar funções normativas, já que os economistas não tem a competência para poder dizer que normas podem ser adotadas.

Ao juiz pragmático cabe analisar as consequências (evidentemente que não conseguiria analisar todas as possíveis) em

Page 403: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 403

cada caso, não esquecendo que devem preponderar aquelas que sejam dotadas de eficiência econômica.

Segundo Posner256 o critério da razoabilidade deve ser o eleito pelo juiz para saber qual consideração consequencialista deve prevalecer. Para decidir de forma pragmática o juiz não deve fazer juízos morais ou de teoria política. Deve levar em consideração os fatos, o conhecimento científico.

Concluindo, o juiz deve avaliar as consequências das soluções possíveis, adotando- aquela que for mais razoável. A ponderação econômica deve ser levada em consideração pelo juiz pragmático, pois o direito anglo-americano é mais bem explicado como um sistema jurídico que promove a eficiência econômica e a maximização da riqueza.

6 O UTILITARISMO

Abordar-se-á neste tópico a questão do utilitarismo. A economia moderna faz uso de terminologias utilitaristas

tais como utilidade esperada (estimativa que deve ser maximizada nas decisões utilitárias), utilidade marginal (acréscimo de utilidade que se verifica quando é consumida mais uma unidade do bem) e maximização da utilidade (maior utilidade para toda sociedade), mas na prática, conforme preceitua Posner, ela raramente é utilitarista no sentido estrito.

É importante relembrar aqui que a doutrina do utilitarismo entendeu a maximização da utilidade como um critério para a organização moral da sociedade. Conforme o utilitarista Jeremy Bentham257, já mencionado, a sociedade deve ter como objetivo maximizar a utilidade total dos indivíduos, isto é, deve almejar a maior felicidade para a maior quantidade de pessoas.

256 POSNER, op. cit. 257 BENTHAN, op. cit.

Page 404: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

404 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Na atualidade a Economia desistiu de calcular a utilidade, pois chegou à conclusão que é difícil mensurar as preferências e emoções de cada indivíduo. Consequentemente, o vínculo histórico entre utilitarismo e Economia foi, em parte, rompido, isto porque o utilitarismo possui problemas de cálculo, não sendo uma fonte inteiramente confiável para solucionar os problemas da sociedade. Considerem-se alguns exemplos: poucas pessoas realmente acreditam que podem maximizar a felicidade, a alegria o contentamento; ao juntar a utilidade de todos os indivíduos em um somatório geral, o utilitarismo considera-as como células de um organismo social e não como indivíduos e não há princípios que sirvam de limite ao utilitarismo, exceto talvez a capacidade pelos sentidos.

Consoante explana Posner258 alguns problemas do utilitarismo podem ser resolvidos se substituir-se a riqueza pela utilidade como variável a ser maximizada. A riqueza seria compreendida como o somatório de todos os objetos aos quais a sociedade atribui valor tanto para os bens tangíveis como intangíveis. Este somatório seria ponderado pelos preços que esses bens teriam se fossem negociados no mercado.

Maximizar riqueza é mais fácil do que mensurar o valor da utilidade. Por isso que atualmente a variável a ser maximizada deve ser a riqueza e não a utilidade.

Mesmo assim maximizar a riqueza tem os seus problemas. O principal é que maximizar a riqueza como norma ética não tem a ver com sua inaplicabilidade na prática, mas sim com o fato de que as relações que ocorrem no mercado dependem da forma como a riqueza se distribui.

Outro problema se refere ao fato de quando um bem representa uma parte significativa da riqueza de um indivíduo pode ser impossível determinar de que maneira esse bem pode ser

258 POSNER, op. cit.

Page 405: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 405

distribuído para maximizar a despesa. Contudo, este problema inviabiliza aplicação do critério da maximização da riqueza nos casos em que o bem a ser distribuído representa uma grande parcela da riqueza.

Muitos criticam a Análise Econômica do Direito como uma versão do utilitarismo. Estes críticos costumam afirmar que economia e utilitarismo são faces da mesma moeda.

Posner assegura que é possível distinguir economia de utilitarismo, pois o último sustenta que o valor moral de uma ação deve ser julgado segundo o qual se deve buscar o máximo de felicidade para o maior número de pessoas. Para a economia, uma ação deve ser julgada por sua eficácia na promoção do bem-estar-social e a confusão ocorre porque o termo bem-estar-social era muitas vezes, considerado sinônimo do conceito utilitarista de felicidade. Daí a identificação da economia com o utilitarismo.

A economia não pode ser considerada sinônimo de utilitarismo, pois é um ramo de atividade bem distinto do utilitarismo, possuindo vocabulário técnico específico e somente por ela utilizado.

Os estudos sobre a aplicação da Economia no Direito remontam à década de 1960 e o utilitarismo já estava ligado ao mundo jurídico há muito tempo por meio da teoria de Jeremy Bentham259.

É certo que o próprio Bentham e alguns juízes já se esforçavam para aplicar o utilitarismo ao Direito, mas raramente aplicavam o instrumental econômico em suas teorias.

Como já afirmado anteriormente os teóricos passaram a rejeitar o utilitarismo como teoria normativa pelos motivos já explicados.

Grande distinção que deve ser feita entre a teoria econômica e o utilitarismo se refere ao fato que o utilitarismo é uma teoria

259 BENTHAM, op. cit.

Page 406: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

406 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

moral, individual e de justiça social. O grau máximo de felicidade é alcançado quando os indivíduos são capazes de satisfazer suas preferências.

O utilitarismo não é um simples conjunto de prescrições de comportamentos. Ele fornece uma verificação se as regras estão sendo aptas para gerar as consequências que se quer alcançar. Apesar das críticas e da nova visão que há na atualidade o utilitarismo cumpriu o seu papel de forma eficiente. A primeira crítica diz respeito ao fato de o utilitarismo possuir um campo incerto de ação, no sentido que não é possível saber quem terá a felicidade incluída na elaboração de políticas ou ações que maximizem a felicidade. Outra questão diz respeito aos destinatários das políticas utilitaristas. Os estrangeiros e os que ainda não nasceram teriam direito às políticas utilitaristas?

No entanto a principal crítica ao utilitarismo é a falta de um método ou técnica confiável para calcular a consequência de uma ação ou política na felicidade de uma sociedade.

Posner apresenta uma quarta crítica que são os perigos do instrumentalismo. Se a felicidade depender de as pessoas terem bens materiais e oportunidades, a política utilitarista fará de tudo para garantir tais coisas. Se por outro lado para aumentar a felicidade for necessário desconsiderar direitos, isso também será feito. Para Posner260 o utilitarismo utiliza mera suposição para fundamentar direitos de grande importância. Na nova visão do utilitarismo onde o que deve ser mensurada é a riqueza e não a utilidade, Posner261 considera pertinente conceituar valor. Em economia, valor significa valor de troca medido no âmbito do mercado. O valor se baseia naquilo que os indivíduos estão dispostos a pagar por uma mercadoria. Não é o valor que está disposto a pagar para alcançar a felicidade. Diferencia o conceito de

260 POSNER, Richard, op, cit. 261 Ibid.

Page 407: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 407

valor do conceito de preço. Preço é o valor de uma mercadoria para o consumidor marginal. Conceitua, então, riqueza. Riqueza é a soma de todos os bens e serviços, calculado pelo valor de mercado, Riqueza é a totalidade de satisfação das preferências financeiras que ocorrem em um mercado de troca. Posner262 afirma que a riqueza não é outro nome para felicidade e por isso não pode ser considerada moralmente superior à busca pela felicidade. Dessarte, para o autor o que torna o utilitarismo repulsivo aos indivíduos é ele não respeitar a liberdade individual.

A abordagem econômica da maximização da riqueza, consoante Posner, encontra limites nos direitos individuais, como, por exemplo, o direito de propriedade. Perceba-se um exemplo fornecido por ele: se A estaciona seu carro na garagem pertencente a B e este pede em juízo que A retire seu carro de lá, A não pode se defender alegando em juízo que a garagem vale mais para ele do que para B, por ser seu carro mais caro que o de B. Para que A utilize a garagem é necessário que ele a negocie com B. “O que faz com que o direito em questão seja absoluto”, esclarece Posner, “é o fato de não se poder extingui-lo ou transferi-lo sem o consentimento de seu detentor”263. 7 CONCLUSÃO

Richard Posner é um dos principais defensores do pragmatismo jurídico nos dias atuais O autor utiliza a ideia do pragmatismo como uma orientação voltada para o futuro, afirmando que o juiz não teria compromisso com o precedente, posição característica do positivismo jurídico. Para Posner o precedente é somente uma ferramenta jurídica para se alcançar os fins almejados, isto é, para propalar a melhor decisão. Considera que o precedente,

262 Ibid. 263 POSNER, op. cit.

Page 408: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

408 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

assim, é somente um meio para se alcançar um fim pelo juiz pragmatista.

As teorias morais e de políticas para Posner não devem ser utilizadas como fontes básicas para uma decisão judicial. Porém, simpatiza com as teorias que utilizam ferramentas empíricas como a Economia. A orientação empírica conduz o juiz a fazer um raciocínio prático quando da elaboração de sua sentença.

Posner propõe uma nova variável a ser maximizada, qual seja: a riqueza e não a utilidade, pois segundo ele, maximizar riqueza é mais fácil do que mensurar o valor da utilidade.

Por fim Posner deve ser estudado por todos que se interessam por uma visão interdisciplinar do direito não só pela economia, como pela sociológica ou como pela literatura. REFERÊNCIAS BECKER, Gary. Crime and Punishment: An Economic Approach. The Journal of Political Economy, v. 76, 1968. BENTHAM, Jeremy. Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. Tradução de Luiz João Baraúna. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. CALABRESI, Guido. Thoughts on the Future of Economics. Journal of Legal Education, v. 33, 1983. CARDOZO, Benjamin N. The Growth of the law. Yale University Press, 1924. CARDOZO, Benjamin N. A Natureza do Processo e a Evolução do Direito. 3. ed. Porto Alegre: AGE, 1978. v. 8. CARDOZO, Benjamin N. The Nature of the Judicial Process, The Storrs Lectures Delivered at Yale University, 1921. COASE, Ronald H. The Firm, the Market and the Law. Chicago/London: University of Chicago Press, 1998. DWORKIN, Ronald. A Justiça de Toga. 1. ed. São Paulo: Martins, 2010. DWORKIN, Ronald. Levando o Direito a Sério. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

Page 409: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 409

DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípios. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. EISENBERG, José. Pragmatismo Jurídico. In: BARRETO, Vicente Paulo (Coord.). Dicionário de Filosofia do Direito. 3. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2007. GHIRALDELLI JÚNIOR, P. O que é pragmatismo? 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2007. HOLMES JR., Oliver Wendell. The Common Law. New York: Dover, 1991. HOLMES JR., Oliver Wendell. The Path of the Law. New York: Dover, 1993. HOLMES JR., Oliver Wendell. O Direito Comum: as origens do direito anglo-americano. Tradução de J. L. Melo. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1963. MARX, Karl. El Capital. México: Fondo de Cultura Econômica, 1978. v. 1. MURPHY, Bruce Allen. Wild Bill: The Legend and Life of William O. Douglas. New York: Random House, 2003. PIMENTA, Eduardo G.; LANA, Henrique A. R. P. Análise Econômica do Direito e sua relação com o Direito Civil Brasileiro. Rev. Fac. Direito. UFMG, Belo Horizonte, n. 57, jul./dez. 2010. POSNER, Richard A. Direito, pragmatismo e Democracia. 2. ed. São Paulo: Forense, 2010. POSNER, Richard A. Economics Analysis of Law. 6. ed. EUA: Aspen Law and Business, 2007. POSNER, Richard. Fronteiras da Teoria do Direito. Tradução de Evandro Ferreira e Silva, Jefferson Luiz Camargo, Paulo Salles e Pedro Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. POSNER, Richard A. Para Além do Direito. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. POSNER, Richard. Problemas de Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Page 410: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

410 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

POSNER, Richard. The Economics of Justice. 2. ed. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1983. POUND, Roscoe. Liberdade e Garantias Constitucionais. 2. ed. São Paulo: IBRASA, 1976. SAMUELSON, Paul Anthony; NORDHAUS, William D. Economia. 17. ed. McGraw Hill Interamerica, 2004. SAVIGNY, Friedrich Carl Von. De la vocación de nuestro siglo para la legislación y la ciencia del derecho. Tradução por Adolfo G. Posada. Buenos Aires: Atalaya, 1946. WALL, Cornelis de. Sobre o pragmatismo. 2. ed. Tradução Cassiano Terra Rodrigues. São Paulo: Loyola, 2007.

Page 411: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 411

TUTELA ANTECIPADA “EX OFFICIO” E RESPONSABILIDADE PROCESSUAL

Pedro Pierobon Costa do Prado264

Resumo: O presente estudo analisa a tutela antecipada incidental, com enfoque nas alterações trazidas pela Lei 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil), especialmente no tocante à sua concessão independentemente de pedido da parte. Palavras-chave: Direito processual civil. Tutela antecipada. Efetividade.

“EX OFFICIO” INJUNCTIVE RELIEF AND PROCEDURAL RESPONSIBILITY

Summary: This study analyzes the incidental injunctive relief, focusing on changes introduced by Law 13.105/2015 (new Civil Procedure Code), especially in terms of its concession regardless of request of the party. Keywords: Civil procedural law. Injunctive Relief. Effectiveness. Sumário: 1 Notas introdutórias: fundamentos constitucionais das tutelas de urgência. 2 Da cautelar satisfativa à tutela antecipada. 3 Fungibilidade entre as tutelas de urgência. 4 Tutela antecipada: conceito, natureza e momento de concessão. 5 Requisitos legais para concessão. 6 A desnecessidade do requerimento da parte. 7 Tutela antecipada de ofício e responsabilidade processual. 8 Referências.

264 Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Advogado em São Paulo.

Page 412: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

412 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

1 Notas introdutórias: fundamentos constitucionais das tutelas de

urgência

Desde a proibição da tutela privada dos direitos, incumbe ao

Estado dirimir os conflitos, salvo em situações excepcionais previstas

em lei (legítima defesa, desforço imediato para a defesa da posse

etc.). Detentor do poder jurisdicional, o Estado assumiu o dever da

jurisdição, bem como o compromisso de tutelar adequadamente as

tensões sociais (restabelecer a paz coletiva).265 Mesmo antes da

previsão expressa a um direito fundamental à razoável duração dos

processos administrativos e judiciais, trazido pela Emenda

Constitucional nº 45/2004,266 sua observância era obrigatória por

imposição do artigo 8º, nº I, do Pacto de São José da Costa Rica,

internalizado pelo Decreto nº 678/1992. Mais do que isso, resulta do

direito de acesso à ordem jurídica justa (art. 5º, XXXV, da CF) e do

princípio do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF), que incorpora o

direito ao processo sem dilações indevidas.267

O devido processo, no seu aspecto procedimental, é

“princípio-síntese” ou “princípio de encerramento” da noção de um

265 MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 26-27; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 46- 47; CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2002, v. 1, p. 67.

266 LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 267 TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 122.

Page 413: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 413

processo justo e adequado, representativo de todos os demais

direitos indicados pela Constituição Federal, regente da atuação da

jurisdição desde o momento da sua provocação até o instante em

que o Estado-juiz, reconhecendo o direito lesionado ou ameaçado,

crie condições concretas de sua reparação ou imunização

correspondente.268

Nessa linha, teria sido suficiente o texto constitucional haver

adotado o princípio do “due process of law” para que daí

decorressem todas as demais consequências processuais que

garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença

justa. É um gênero do qual todos os demais princípios constitucionais

são espécies, motivo pelo qual bastaria a Constituição ter enunciado

o princípio do devido processo legal para o “caput” e os incisos do

artigo 5º, em sua grande parte, serem dispensáveis. De todo modo, a

explicitação dos direitos fundamentais derivados do devido processo

legal é uma forma de enfatizar a importância de cada um deles

(contraditório, ampla defesa, juiz natural e outros), norteando a

atuação da administração pública, do Legislativo e do Judiciário.269

268 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, p. 105. 269 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 70; TUCCI, José Rogério Cruz. Duração Razoável do processo (art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal). In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduard. (Org.). O processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 323-325; DELGADO, José Augusto Delgado. O processo posto na Constituição Federal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduard. (Org.). O processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 97.

Page 414: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

414 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Ao intérprete do direito incumbe analisar e aplicar a

legislação processual à luz dos valores da Constituição Federal, de

modo a pensar o procedimento em conformidade com as

necessidades do direito material e da realidade social. Diante de duas

interpretações possíveis da lei processual, cabe ao aplicador, em um

primeiro momento, valer-se daquela que não ofenda a Constituição.

Existindo duas interpretações razoáveis na perspectiva

constitucional, deve escolher a interpretação que garanta a máxima

efetividade do processo, otimizando o exercício da jurisdição.270

Do direito de acesso à justiça emana a postulação da tutela

jurisdicional preventiva ou reparatória, sobre direitos individuais ou

coletivos (art. 5º, XXXV, da CF).271 A jurisdição se presta a tutelar

tanto a lesão, quanto a ameaça de lesão a bens e direitos; as técnicas

processuais não podem lidar apenas com as situações de lesão já

consumadas, relegando ao Judiciário a função única de repor as

coisas no “statu quo ante”. Hodiernamente, exige-se um pensar do

processo civil em duas frentes, uma delas voltada à reparação de

lesões ocorridas no passado (visão retrospectiva da função

jurisdicional) e outra voltada para o futuro (visão prospectiva do

processo), destinada a evitar a consumação de quaisquer lesões a

direito – consiste na emissão de tutela jurisdicional que imunize

quaisquer ameaças, independentemente de elas se converterem em

lesões; independentemente, até mesmo, de elas gerarem quaisquer

danos, bastando que haja uma situação antijurídica.272

270 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 169-173. 271 NERY JUNIOR, op. cit., p. 132. 272 BUENO, op. cit., p. 62-63.

Page 415: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 415

Em um primeiro momento, verificou-se que o modelo de

processo vigente durante o Estado Liberal burguês, de cunho

meramente formal – embora fosse garantido o livre acesso formal à

justiça, assim como qualquer outro bem no sistema do “laissez-faire”,

só poderia ser usufruído por aqueles que enfrentassem os seus

custos – era insuficiente. Os excluídos socialmente, naquela época,

estavam largados à própria sorte; o acesso à justiça era meramente

formal, e não efetivo. Somente com a atuação positiva do Estado

(“welfare state”) que o acesso real à justiça ganhou importância,

porque é o requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e

igualitário que pretenda garantir (e não apenas proclamar) os direitos

de todos.273

O despertar em torno de um acesso efetivo à justiça levou ao

estudo de técnicas aptas para o processo realizar as suas finalidades,

o que deu margem à criação das três ondas de acesso à justiça. A

primeira delas se concentrou em proporcionar serviços jurídicos para

os pobres, viabilizando meios para a representação dos interesses

das pessoas socialmente excluídas, a fim de que todos os cidadãos,

independentemente das suas condições financeiras, tivessem acesso

ao Poder Judiciário com plenas possibilidades de requerer uma

proteção judicial. Surgiram as defensorias públicas, as leis de

assistência judiciária gratuita, dentre outras iniciativas que vieram

para superar os graves defeitos do Estado liberal burguês.274

A segunda onda de acesso à justiça é relacionada com a

tutela dos direitos e interesses difusos, que não se encontram

subjetivados ou individualizados em pessoa determinada, v.g., o

273 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2002, p. 10-12. 274 CAPPELLETTI; GARTH, op. cit., p. 32-33.

Page 416: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

416 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

direito dos consumidores, o direito à preservação ambiental e a

defesa dos interesses sociais coletivos e difusos. A preocupação

central recai na viabilização da representação judicial de direitos e

interesses transindividuais, que de outra forma estariam carentes da

proteção jurisdicional e, consequentemente, não passariam de meras

declarações formais de tutelas a direitos.275

Em linhas gerais, as duas primeiras ondas de acesso à justiça

se ocupam da efetiva representação de direitos antes não

representados ou mal representados. Já a terceira onda de acesso à

justiça, de maior interesse para este estudo, cuida da necessidade de

o processo garantir a plena realização do direito material. Encoraja-

se a exploração de uma ampla variedade de reformas, incluindo

alterações nas formas de procedimento, mudanças na estrutura dos

tribunais, a criação de novas cortes, modificações no direito

substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar a sua solução e a

utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos

litígios. Esse novo enfoque não receia inovações radicais e

compreensivas, que vão muito além da esfera de representação

judicial. 276

Na presente fase metodológica da disciplina, de cunho instrumentalista, o direito processual civil deve ser organizado com vistas a proteger, adequada e rapidamente, as situações de ameaça ou de lesão a direitos, o que justificou o desenvolvimento da tutela jurisdicional preventiva (tutelas antecipada, cautelar e inibitória), ao lado da tutela meramente repressiva ou reparatória. 2 Da cautelar satisfativa à tutela antecipada

275 BUENO, op. cit., p. 53. 276 CAPPELLETTI; GARTH, op. cit., p. 71.

Page 417: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 417

A ausência de liminares genéricas no direito brasileiro (exceção feita às ações possessórias, ações de alimentos com prova pré-constituída do parentesco, ação de nunciação de obra nova, embargos de terceiro, mandado de segurança e outros poucos casos), antes do advento da Lei nº 8.952/1994, levou a uma crise de efetividade do processo de conhecimento, inapto a tutelar todas as situações de urgência.277

O vocábulo “liminar”, em sentido processual, na lição de Adroaldo Furtado Fabrício, consiste no “provimento judicial emitido in limine litis, no momento mesmo em que o processo se instaura. A identificação da categoria não se faz pelo conteúdo, função ou natureza, mas pelo momento da prolação. [...]. Rigorosamente, liminar é só o provimento que se emite inaudita altera parte, antes de qualquer manifestação do demandado e até mesmo antes de sua citação. Não é outra a constatação que se extrai dos próprios textos legais que, em numerosas passagens, autorizam o juiz a decidir liminarmente ou após justificação. Certo é, entretanto, que se tem usado, sem maiores inconvenientes e sem prejuízo da clareza de idéias, a designação de liminar também para os provimentos judiciais proferidos após justificação, na qual se tenha inclusive ouvido o demandado. O que não se pode tolerar é o alargamento do conceito até o ponto de confundir com liminar toda e qualquer providência judicial antecipatória, isto é, anterior à sentença”.278 Na mesma linha, Calmon de Passos esclarece que o termo liminar é o “nome que damos a toda a providência judicial determinada ou deferida initio litis, isto é, antes de efetivado o contraditório”.279

277 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 19. ed. São Paulo: LEUD, 2000, p. 399-400. 278 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Breves notas sobre provimentos antecipatórios, cautelares e liminares. Revista da Ajuris, v. 23, n. 66, mar. 1996, p. 13. 279 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 3, p. 18.

Page 418: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

418 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

O Código de Processo Civil de 1973 confere ao juiz, por meio do artigo 798, o poder-dever, inclusive em sede liminar, de determinar as medidas provisórias que julgue adequadas, quando presente o fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Até 1994, a saída encontrada pelos juristas para a obtenção de liminares foi a utilização do que se passou a denominar de “ações cautelares satisfativas”, apesar da evidente impropriedade terminológica.280 Logo, durante muito tempo, admitiu-se certo desvirtuamento do processo cautelar para se abreviar a concessão da tutela satisfativa, porque somente assim se possibilitava a antecipação liminar da tutela, o que, como regra, não era admitido no processo cognitivo. Esse mecanismo passou a ser adotado de forma genérica, permitindo a entrega da tutela jurisdicional antes do momento adequado, sem a segurança necessária e só adquirida no processo de conhecimento.281

Galeno Lacerda apregoava que, além de assegurar a produção da prova e proteger os bens em litígio, a cautelar também outorgaria segurança mediante a antecipação provisória da prestação jurisdicional, em especial nas situações de grande urgência, quando comprovada a necessidade de proteção imediata a pessoas (v.g,, ações de alimentos, guarda de menores etc.).282 Outro setor da doutrina, mais conservador e fiel à natureza da cautelar, repudiava a concessão de medidas sumárias satisfativas com base no poder geral cautelar. Para Humberto Theodoro Júnior, a cautelar nunca poderia transpor os limites da sua natureza provisória, já que a

280 MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Procedimentos cautelares e especiais: antecipação da tutela, jurisdição voluntária, ações coletivas e constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 59. 281 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 206. 282 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. 8, tomo 1, p. 09-10.

Page 419: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 419

lei não autorizava uma disciplina que fundamentasse o desvio do poder geral de cautela para cumprir a missão nova de satisfação do direito material.283 Calmon de Passos, no mesmo sentido, asseverava que se, por acaso, a única medida deferível para a segurança da futura eficácia equivalesse à antecipação, provisoriamente, de algum ou alguns efeitos da futura tutela, isso não transformaria a cautelar em antecipação de tutela, nem a colocaria numa espécie “privilegiada” de cautelar satisfativa.284

A polêmica perdeu importância com a reforma de 1994, que concebeu a tutela antecipada genérica no processo de conhecimento (art. 273, do CPC), eliminando a necessidade de o interessado, para obter tutela urgente de cunho satisfativo, utilizar-se do artigo 798 do Código de Processo Civil.285

Naturalmente, cuida-se aqui do provimento antecipatório fundado no receito de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I, do CPC). As demais hipóteses permissivas da antecipação dos efeitos da tutela – abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, II, do CPC) e a parcela incontroversa do pedido (art. 273, § 6º, do CPC) – são destituídas de urgência e não traduzem perigo de dano grave a ensejar a concessão imediata do bem da vida almejado. No primeiro caso, tem-se uma sanção para o réu que abusa do seu direito de defesa e age de maneira a postergar a entrega da tutela jurisdicional; no segundo, pretende-se isentar os prejuízos oriundos da mora judiciária, quando incontroverso o pedido.286 Até por isso o tratamento dado pelo novo

283 THEODORO JÚNIOR, op. cit., p. 400. 284 PASSOS, op. cit., p. 19. 285 OLIVEIRA NETO, Olavo; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil: parte geral. São Paulo: Verbatim, 2015, v. 1, p. 603. 286 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 637-639.

Page 420: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

420 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

Código de Processo Civil é distinto, tratando da tutela da evidência (art. 311) ao lado das tutelas de urgência (arts. 300 a 310). 3 Fungibilidade entre as tutelas de urgência

Como visto, o legislador buscou afastar os riscos provenientes da demora do processo mediante a criação da tutela jurisdicional de urgência. O fator tempo é o ponto de contato entre a antecipada e a cautelar.287 Elas se assemelham ainda pelas seguintes características: cognição sumária, não definitividade (provisoriedade; revogabilidade), possibilidade de concessão de liminares (postergação do contraditório); existência do risco de dano irreparável ou de difícil reparação.288

O Código de Processo Civil de 1973, ligado às lições de Liebman, cuidou da atividade cautelar como uma espécie de tutela auxiliar e subsidiária, destinada a garantir o “curso eficaz e o resultado útil” das tutelas cognitiva e executiva, “concorrendo assim, indiretamente, para a consecução dos objetivos gerais da jurisdição”.289 Todavia, no âmbito doutrinário e jurisprudencial, ainda persiste discussão relativa à verdadeira finalidade da tutela cautelar.

Parcela dos doutores considera a cautelar um “instrumento do instrumento”, conforme a clássica expressão de Piero Calamandrei, que se dirige a proteger o resultado útil e prático de um processo principal, seja ele de conhecimento ou de execução. A instrumentalidade entre a cautelar e o processo principal seria o

287 BEDAQUE, op. cit., p. 119-121; DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 55. 288 Sobre o tema: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2012, v. 3, p. 27 e ss. 289 LIEMBAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3. ed. trad. Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1, p. 276.

Page 421: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 421

traço característico desta modalidade de tutela.290 Outros entendem que a cautelar não tem por função primordial a proteção do resultado útil de um processo principal, mas assegurar a realizabilidade prática do direito da parte;291 seria um instrumento da tutela do direito, destinado a conferir segurança, utilidade e efetividade à tutela a ser concedida em um processo principal (cognitivo ou executivo).292

Seja um instrumento do instrumento, seja um mecanismo para garantir a útil e efetiva tutela do direito, pode-se dizer que as cautelares não satisfazem a pretensão das partes. Sua função é meramente instrumental em relação às outras espécies de atividade e, por seu intermédio, o Estado exerce uma tutela jurisdicional mediata.293

A existência de características comuns entre a tutela antecipada e a cautelar sempre dificultou a distinção dos institutos, o que até hoje é uma das mais intrincadas questões do direito processual civil. A falta de critério objetivo para uma diferenciação segura é fonte de grandes problemas práticos, levando à admissão de uma verdadeira fungibilidade entre as providências jurisdicionais urgentes, tudo para evitar prejuízos ao jurisdicionado.294

290 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova..., op. cit., p. 53; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: processo de execução e cumprimento da sentença; processo cautelar e tutela de urgência.. 38. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. 2, p. 485 e ss. 291 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil: processo cautelar (tutela de urgência). 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 3, p. 48. 292 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo cautelar. 6. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 37. 293 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 310. 294 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 4, p. 134-137.

Page 422: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

422 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A Lei nº 10.444/02, que incluiu o parágrafo 7º ao artigo 273 do atual diploma processual civil,295 pretendeu abrandar o formalismo exacerbado, de modo a emprestar concretude aos princípios do acesso à justiça, da economia, da celeridade e da efetividade processual.296 As tutelas de urgência, desde então, comportam análise unitária; ambas objetivam evitar os efeitos deletérios do tempo; elas tanto podem se situar no plano da conservação de bens ou direitos, quanto no da antecipação de efeitos materiais do futuro provimento previsto para a tutela satisfativa. Seja quando se ocupe das medidas cautelares puras, seja quando se autorize a tutela antecipada do direito material litigioso, “o que se faz presente no direito positivo é sempre a luta legítima contra os males que o tempo pode causar aos direitos da parte enquanto aguarda o desfecho do processo”.297

Do ponto de vista do direito de acesso a uma tutela justa e efetiva (art. 5º, XXXV, da CF), as tutelas cumprem a mesma tarefa de eliminarem a colisão entre a segurança jurídica e a efetividade processual.298 Deste modo, a fungibilidade se revela um eficaz instrumento para a adequação da tutela de urgência pleiteada à real necessidade do caso concreto, deferindo-se a cautelar quando ausentes os requisitos da antecipação de tutela; de outro lado, possibilita-se a concessão da tutela antecipada, ainda que pedida a tutela cautelar, se preenchidos os pressupostos e requisitos daquela.

295 § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. 296 ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 15. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 898. 297 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela antecipada. Evolução. Visão comparatista. Direito brasileiro e direito europeu. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 157, março/2008, p. 131. 298 BEDAQUE, op. cit., p. 303.

Page 423: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 423

A distinção entre a tutela antecipada e a tutela cautelar pode ser vista em relação ao sujeito e ao processo: quando o mal é causado ao sujeito, o remédio é a tutela antecipada; quando o mal atinge o processo, a medida adequada é a cautelar.299 Todavia, na prática, tal diferenciação, por vezes, não é suficiente para uma correta qualificação (e nomenclatura) da espécie de tutela a ser requerida. Diante da “nuvem cinzenta” que recai sobre a matéria, passou-se a condenar veementemente as posições que privilegiem os meios e técnicas em prejuízo do direito do jurisdicionado.300

Em nome de um processo civil de resultados que se sobrepõe a formalismos desnecessários, o legislador inseriu o comentado dispositivo para resguardar os reais interesses e necessidades das partes, ainda que a via eleita não se mostre a mais adequada ao caso concreto. Sobre o tema, o escólio de Teresa Arruda Alvim Wambier, segundo o qual meras razões de ordem formal não devem obstar que a parte obtenha a seu favor provimento “cujo sentido e função sejam o de gerar condições à plena eficácia da providência jurisdicional pleiteada [...]. É indisputável que, como regra geral, nas zonas de penumbra, se decida a favor dos valores fundamentais”.301 Em suma, nessas situações de fronteira, não deve o juiz adotar posição de intransigência, mas agir com maior flexibilidade, dando maior atenção à instrumentalidade e à efetividade do processo.302

299 DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma da reforma. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 92. 300 SILVA, Bruno Freire e. A alteração do art. 489 do CPC e a fungibilidade na utilização da medida cautelar e tutela antecipada. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 175, agosto/2009, p. 183. 301 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Fungibilidade de "meios": uma outra dimensão do princípio da fungibilidade. In: ______; NERY JR., Nelson (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Ed. RT, 2001. vol. 4, p. 1097. 302 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela antecipada e tutela cautelar. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 742, abril/1997, p. 53.

Page 424: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

424 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

É indispensável, para a aplicação da fungibilidade, a presença dos requisitos autorizadores da espécie de tutela a ser apreciada. Importante salientar que a corrente majoritária rechaça o pensamento de que a fungibilidade entre as tutelas de urgência deva seguir os mesmos requisitos da fungibilidade recursal - existência de dúvida objetiva entre as medidas -, pois o artigo 273, § 7º, do Código de Processo Civil, não se subordina a qualquer outro comando legal. O legislador condiciona a fungibilidade somente ao preenchimento dos pressupostos da outra medida, isto é, “ainda que a medida pleiteada como antecipação de tutela seja desenganadamente cautelar, o juiz poderá concedê-la, desde que presentes seus pressupostos”.303 Esta interpretação se justifica porque a inovação legislativa teve por escopo flexibilizar e desburocratizar o processo. A utilização de elementos estranhos ao texto legal frustraria toda a finalidade da norma e o postulado da efetividade processual, prestigiando-se a forma em detrimento do direto em risco.

Como consequência, foi acolhida a chamada fungibilidade em "duplo sentido vetorial" ou "de mão dupla". Para tanto, Dinamarco explica que não há fungibilidade em uma só mão de direção; no direito, se os bens são fungíveis, isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um. Aliás, a lei nem precisaria ser tão explícita a esse respeito, porque é regra batida no direito processual que o juiz não está vinculado às qualificações jurídicas propostas pelo autor, mas somente aos fatos narrados e ao pedido feito. À guisa de exemplo, nenhum juiz deixa de anular um contrato por dolo, só pela circunstância de o autor, equivocadamente, ter qualificado como coação os fatos narrados. O que importa é que os fatos narrados sejam capazes, segundo a ordem jurídica, de conduzir ao resultado que se postula (“mihi factum dabo tibi jus”), seguindo-se o princípio da substanciação,

303 ASSIS, Carlos Augusto de. Novas Feições da Antecipação da Tutela. Revista Gênesis de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 30, 2003, p. 707.

Page 425: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 425

consagrado pelo Código de Processo Civil. Este também é o significado e a medida de aplicação da correlação entre o provimento jurisdicional e a demanda (arts. 128 e 460 do CPC/1973). No mais, inexiste dissenso entre o julgado e o pedido quando considerados exatamente os fatos descritos na inicial, não importando que lhe tenha sido emprestada qualificação jurídica não mencionada expressamente na peça inaugural. Logo, mesmo sem o permissivo do parágrafo 7º do artigo 273, o juiz já estaria autorizado a dar a sua própria qualificação jurídica aos fatos narrados pelo autor, o que realça o duplo sentido vetorial da fungibilidade entre as medidas urgentes.304

A fungibilidade “de mão dupla” encontra guarida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ),305 que reconheceu o interesse processual da parte em postular providência de caráter cautelar, a título de antecipação de tutela. Aliás, no julgamento do Recurso Especial nº 653.381/RJ, cujo voto condutor é da lavra da Ministra Nancy Andrighi, observou-se que, em virtude da inovação trazida pela Lei nº 10.444/2002, é irrelevante a distinção acadêmica entre medidas antecipatórias e cautelares. Cabe o provimento provisório, quer se trate de antecipar os efeitos do provimento definitivo, quer se trate apenas de se assegurar a sua eficácia prática.306

José Roberto dos Santos Bedaque recorda que a adequação a ser feita pelo juiz é da própria medida, deferindo-se aquela mais apta a afastar o risco de inutilidade da prestação jurisdicional.307 Perfilhando deste entendimento, Cássio Scarpinella Bueno reconhece

304 DINAMARCO, Candido Rangel. A reforma..., op. cit., p. 94. 305 STJ, 3ª Turma, Recurso Especial nº 1150334/MG, Relator Ministro Massami Uyeda, j. 19/10/2010; STJ, 2ª Turma, Recurso Especial nº 1013299/BA, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, j. 01/10/2009. 306 STJ, 3ª Turma, Recurso Especial nº 653.381/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 21/02/2006. 307 BEDAQUE, op. cit., p. 388.

Page 426: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

426 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

que o parágrafo 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil prevê uma indiferença entre as tutelas, tendo em vista existir uma preocupação com o objetivo prático do processo.308

Agasalhando a intenção desburocratizadora da Lei nº 10.444/2002, a nova codificação prevê expressamente a fungibilidade entre as medidas de urgência (artigo 305, parágrafo único). A crítica à fungibilidade de “duplo sentido vetorial”, especialmente no tocante à impropriedade da via eleita e à falta de interesse processual, perde importância no novo sistema, tanto por contrariar entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, quanto pelo tratamento homogêneo dado às tutelas de urgência, bastando a comprovação da probabilidade do direito e o risco de dano (art. 300, “caput”, do NCPC) para a concessão de qualquer das medidas urgentes.

A conversão do rito processual inicialmente requerido pelo autor, quando aplicada a fungibilidade, adequando-se o procedimento à natureza da providência concedida, vem prevista no artigo 305, parágrafo único, do novo Código. De tal modo, caso o autor ajuíze ação cautelar incidental, mas o juiz verifique ser situação

308 BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 145. Para Arruda Alvim, que posteriormente reviu sua posição, o deferimento da tutela antecipada dentro do procedimento cautelar implicaria em decisão "ultra petita", porque o magistrado extrapolaria o pedido da parte autora. Além do mais, os requisitos para a outorga da tutela antecipada seriam mais rigorosos do que os exigidos para o acolhimento do pedido cautelar. No entanto, em casos excepcionais, para se evitar dano grave e irreparável, dever-se-ia admitir o duplo sentido vetorial da fungibilidade, tudo para a parte não sofrer graves prejuízos por conta de divergências entre os entendimentos do advogado e o do juiz da causa (ALVIM, Arruda. Notas sobre a disciplina da antecipação da tutela na Lei 10.444/2002. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 36, 2008, p. 105; ALVIM, Arruda. Manual..., op. cit., p. 898).

Page 427: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 427

de tutela antecipada, deverá transformar o pedido cautelar em pedido de tutela antecipada. Dado que os requisitos da tutela antecipada são mais rígidos que os da cautelar, ao receber o pedido cautelar como antecipação de tutela “o juiz deve dar oportunidade ao requerente para que adapte o seu requerimento, inclusive para que possa demonstrar e comprovar a existência dos requisitos legais para a obtenção da tutela antecipada”.309

Valendo-se desse expediente, preserva-se o processo e o pedido já formulado, ao mesmo tempo em que é garantida a observância ao devido processo legal, sem prejuízo do ideal de um processo civil de resultados e do amplo acesso ao Judiciário. 4 Tutela antecipada: conceito, natureza e momento de concessão

A tutela antecipada consiste na possibilidade de antecipação

total ou parcial dos efeitos da tutela almejada, tal como ela consta do

pedido, antes do momento habitual para tanto.310 Cassio Scarpinella

Bueno a define como sendo a possibilidade da “precipitação dos

efeitos práticos da tutela jurisdicional”, que, de outro modo, não

seriam perceptíveis no plano material até um evento futuro:

proferimento da sentença, processamento e julgamento de recurso

de apelação com efeito suspensivo e, eventualmente, seu trânsito

em julgado.311

Para Alexandre Câmara, trata-se de uma espécie de tutela

jurisdicional “satisfativa, prestada – em regra – no bojo do módulo

processual de conhecimento (independendo, assim, de processo

autônomo para sua concessão), e que se concede com base em juízo

309 NERY JUNIOR; NERY, op. cit., p. 640. 310 ALVIM, Arruda. Manual..., op. cit., p. 870. 311 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso..., v. 4, op. cit., p. 39

Page 428: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

428 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

de probabilidade”.312 Bedaque a coloca como uma “decisão

antecipatória dos efeitos materiais da sentença, o que pode ocorrer

desde a propositura da ação, liminarmente portanto, e até após o

julgamento em primeiro grau”.313 Humberto Theodoro Júnior

assevera que a tutela antecipada representa a possibilidade de se

conceder à parte “um provimento imediato que, provisoriamente,

lhe assegure o bem jurídico a que se refere a prestação de direito

material reclamada como objeto da relação jurídica envolvida no

litígio”.314

Embora não haja grande dissenso quanto ao conceito, no que

tange à natureza jurídica, diverge a doutrina. Bedaque sustenta que

as tutelas cautelar e antecipada possuem a mesma natureza, de

cunho acautelatório, não havendo motivo para distingui-las: ambas

são tutelas provisórias e instrumentais destinadas a assegurar o

resultado final do processo, com finalidade e estrutura idênticas.

Para ele, seria incorreto separá-las tão-somente por seus efeitos

(conservativos ou antecipatórios), critério este puramente

arbitrário.315

Outros aduzem que as naturezas são distintas, embora

ambas sejam espécies do gênero tutela de urgência. Marinoni e

Arenhart esclarecem que a tutela antecipada não possui

referibilidade, isto é, não faz referência a uma situação de direito

material tutelada em outro processo. Entretanto, admitem que elas

sempre estão relacionadas com uma tutela final, podendo ser

312 CÂMARA, Alexandre. Lições de direito processual civil. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2012, v. 1, p. 497. 313 BEDAQUE, op. cit., p. 303. 314 THEODORO JÚNIOR, Curso..., v. 2, op. cit., p. 664. 315 BEDAQUE, op. cit., p. 307-313.

Page 429: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 429

chamadas “interinais”, por não assumirem a posição de tutela

definitiva.316

O novo Código de Processo Civil, da mesma forma que o texto de 1973, não prefixou o momento adequado para a antecipação da tutela. Nada impede a sua concessão liminarmente, na sentença ou após (na fase recursal), tal qual no sistema atual.317 5 Requisitos legais para concessão

O novo CPC confere um tratamento uniforme às

tutelas urgentes, ao prever disposições gerais (artigos 294 a 302)

aplicáveis às duas espécies (tutela cautelar e tutela antecipada),318

aproximando, inclusive, os seus requisitos:319

a) “fumus boni iuris” (artigo 300, “caput”): o dispositivo

menciona a “probabilidade do direito” invocado pela parte, que nada

mais é do que a verossimilhança do direito pleiteado. A doutrina

atual fala em prova inequívoca que conduza o magistrado a um

estado de verossimilhança da alegação,320 a despeito da

contrariedade evidente entre os termos “inequívoca” (traduz um

juízo de certeza) e “verossimilhança” (representa um juízo de

probabilidade). Pelo novo texto, basta que a prova produzida seja

316 MARINONI; ARENHART, Processo..., op. cit., p. 38; 87. 317 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso..., v. 4, op. cit., p. 54; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso..., v. 2, op. cit., p. 671; NERY JUNIOR; NERY, op. cit., p. 636. Na mesma linha: STJ, 4ª Turma, Recurso Especial nº 299.433/RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Brasília, j. 09/10/2001. 318 OLIVEIRA NETO; MEDEIROS NETO; OLIVEIRA, op. cit., p. 631. 319 No pedido cautelar, substitui-se o “perigo de dano” (requisito da tutela antecipada) pelo “risco ao resultado útil do processo” (art. 300, “caput”, do novo CPC). 320 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso..., v. 4, op. cit., p. 42.

Page 430: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

430 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

suficientemente idônea para trazer a segurança suficiente para a

concessão da medida urgente satisfativa.321 O juízo é de

probabilidade do direito invocado pela parte.

A antecipação de tutela exige prova preexistente, que não

precisa ser necessariamente documental, ante a possibilidade, por

exemplo, da prova oral ser produzida em audiência de justificação

(artigos 273 e 461, parágrafo 3º, do CPC/1973, artigo 300, § 2º, do

novo CPC).322

b) “periculum in mora” (artigo 300, “caput”): o perigo de

dano nada mais é do que “o fundado receio de dano irreparável ou

de difícil reparação” do artigo 273, I, do atual Código de Processo

Civil. Para Bedaque, coerente com seu posicionamento acerca da

natureza jurídica da tutela antecipada, é hipótese com nítida feição

cautelar.323 No entanto, predomina o entendimento sobre a

imunização do risco ao direito material, não ao processo.324

c) reversibilidade do provimento antecipatório: prevista

expressamente no artigo 300, § 3º, do novo Código de Processo Civil

(art. 273, § 2º, do CPC/1973). A lei trata da irreversibilidade dos

efeitos da tutela antecipada, ou seja, da irreversibilidade no plano

material, exterior ao processo;325 na seara meramente processual, a

decisão que concede a tutela antecipada sempre é reversível, porque

pode ser modificada ou revogada a qualquer tempo (art. 296,

“caput”, do novo CPC). Consiste na possibilidade de os efeitos

321 Idem. 322 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso..., v. 2, op. cit., p. 669. 323 BEDAQUE, op. cit., p. 353-355. 324 ALVIM, Arruda. Manual..., op. cit., p. 884-886. 325 CÂMARA, Alexandre. Lições..., op. cit., v. 1, p. 505.

Page 431: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 431

práticos (materiais) da decisão serem desfeitos, se sobrevier

revogação ou modificação da tutela antecipatória.

Segundo a doutrina, cuida-se de um pressuposto negativo da

tutela antecipada; em regra, havendo risco de irreversibilidade dos

efeitos materiais do provimento antecipado, a tutela deve ser

indeferida.326 Assim como é de se evitar o “periculum in mora” para o

autor, não é correto exigir do réu que suporte esse perigo

exclusivamente, já que a tutela antecipada não pode ser vista como

simples transferência dos riscos de uma parte para a outra.327

De outra banda, há situações urgentíssimas que envolvem a

escolha entre a proteção e o perecimento do direito da parte, caso o

bem jurídico não seja tutelado imediatamente (a irreversibilidade se

dá para o autor e para o réu). Cabe ao julgador considerar a

verossimilhança como suficiente para a proteção do direito invocado,

para posterior confirmação ou revogação da medida urgente na

sentença. Em certos casos, o julgador é posto frente à alternativa de

prover ou deixar perecer o direito que se apresenta apenas provável;

nestas hipóteses, se o índice de plausibilidade do direito for

suficientemente consistente aos olhos do juiz (entre permitir sua

irremediável destruição ou tutelá-lo como simples aparência), a

última solução torna-se perfeitamente legítima. O que não se

mostrará legítimo será o Estado se negar a tutelar o direito

verossímil, sujeitando o seu titular “a percorrer as agruras do

procedimento ordinário, para depois, na sentença final, reconhecer a

326 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso..., v. 4, op. cit., p. 48-49. 327 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso..., v. 2, op. cit., p. 673.

Page 432: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

432 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

existência apenas teórica de um direito definitivamente destruído

pela sua completa inocuidade prática”.328

Na negativa de cobertura por plano de saúde, autorização

liminar de transfusão de sangue, desembaraço aduaneiro de

mercadoria perecível, autorização para viagem no exterior com um

dos cônjuges, contra a vontade do outro etc., em vista da

irreversibilidade fática da medida urgente, Bedaque reconhece que a

noção de cautelaridade da tutela antecipada fica prejudicada, porque

os efeitos dessa medida não serão provisórios, além de não existir a

tutela final, eliminando-se qualquer relação de instrumentalidade

hipotética (referibilidade). Todavia, o problema persiste para a

corrente que refuta essa construção, pois a irreversibilidade também

não se compatibiliza com a característica da provisoriedade. Fala o

jurista em liminar satisfativa autônoma.329

Outra posição aduz que a mera irreversibilidade dos efeitos da antecipação da tutela não coloca termo ao processo, continuando a existir motivo racional para o prosseguimento da demanda. A ação prossegue para a apuração de perdas e danos oriundos da efetivação da tutela de urgência.330 6 A desnecessidade do requerimento da parte

328 SILVA, Ovídio A. Baptista da. “A antecipação da tutela na recente reforma processual” apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso..., op. cit., p. 673-674. 329 BEDAQUE, op. cit., p. 375-377. 330 TESHEINER, José Maria Rosa; BAGGIO, Lucas Pereira. Tutela jurisdicional de urgência e irreversível. In: Tutelas de urgência e cautelares/Estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. Coord. Dornaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 788-789.

Page 433: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 433

Doutrina majoritária, que encontra ressonância em julgados

do Superior Tribunal de Justiça, argumenta ser indispensável o

requerimento da parte para a concessão da medida urgente

satisfativa, com suporte no artigo 273, “caput”, do atual CPC.

Perfilham deste entendimento Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

Andrade Nery, para os quais “é vedado ao juiz “conceder ex officio a

antecipação da tutela, como decorre do texto expresso do CPC 273

caput. Somente diante de pedido expresso do autor é que pode o juiz

conceder a medida”.331 No mesmo passo, é dito que se condiciona a

concessão da tutela antecipada à iniciativa de parte, o que é inerente

ao sistema de tutela jurisdicional (arts. 2º e 262 do atual Código) e

“corresponde à idéia de que o titular da pretensão insatisfeita é o

melhor juiz da conveniência e oportunidade de postular meios para a

satisfação (princípio da demanda).332

Araken de Assis obtempera que se condiciona à iniciativa da

parte a “antecipação dos efeitos do pedido. De modo absoluto, exclui

a iniciativa do próprio órgão judiciário, situando o pleito na área

reservada, pelo princípio dispositivo (art. 262)”.333 Para Teori

Zavascki, a antecipação depende do requerimento da parte (quem

postula a tutela definitiva cujos efeitos se busca antecipar, ou seja, o

autor, o reconvinte, o oponente, o substituto processual; nas ações

dúplices, nada impede que o réu requeira medida antecipatória em

331 NERY JUNIOR; NERY, op. cit., 632. 332 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do..., op. cit., p. 149-150. 333 ASSIS, Araken de. Antecipação de Tutela. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. São Paulo: RT, 1997, p. 22.

Page 434: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

434 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

contestação), condicionando-se ao princípio dispositivo.334 Luiz

Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini anotam que ter "havido

pedido é pressuposto para poderem ser antecipados os efeitos da

sentença", porquanto não existe antecipação dos efeitos da sentença

sem provocação da parte".335

Contudo, a expressão “requerimento da parte”, segundo

decisões mais recentes do STJ, comporta análise flexibilizada, para

não se inviabilizar a concessão da medida urgente por eventuais

imperfeições no pedido formulado pelo interessado, devendo o

julgador considerar suficiente, para tanto, a causa de pedir que

denote a pretensão pelo provimento antecipado.336 Em outra

oportunidade, a corte foi explícita ao admitir a concessão da tutela

de urgência satisfativa à míngua de requerimento do autor,

quebrando o paradigma da inércia da jurisdição, “já flexibilizado nos

casos de habeas corpus, de decretação de falência, de início de

inventário, de condenação por litigância de má-fé, de fixação de

medidas necessárias à efetivação das tutelas específicas”, conforme

trecho do voto do Ministro Relator Herman Benjamin.337

A última visão, mais afeita à efetividade e à

instrumentalidade do processo, encontra respaldo nas lições de João

Batista Lopes: “Em princípio, como a antecipação está atrelada à

ideia de efetividade do processo, seria cogitável a concessão da

334 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 103. 335 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 13. ed. São Paulo: RT, 2013, v. 1, p. 407. 336 STJ, 1ª Turma, Recurso Especial nº 1.319.769, Relator Ministro Benedito Gonçalves, j. 20/08/2013. 337 STJ, 2ª Turma, Recurso Especial nº 1.309.137, Relator Ministro Herman Benjamin, j. 08/05/2012.

Page 435: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 435

providência independentemente de pedido do autor [...]”.338 No

mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno propugna que “é

irrecusável a questão sobre ser possível ao juiz conceder a tutela

antecipada de ofício, isto é, sem pedido expresso para aquele fim”.339

Bedaque também pondera que há situações excepcionais, de risco

iminente de perecimento do direito, com provas suficientes da

verossimilhança, nas quais a atuação oficiosa do juiz constitui o único

meio de se preservar a utilidade do resultado do processo. Nesses

casos extremos, afastar-se a possibilidade da concessão por iniciativa

judicial poderia levar a situações claramente injustas; também não

haveria violação ao princípio dispositivo, pois o juiz não deixaria de

proferir decisão dentro dos limites iniciais do pedido. 340

O novo Código de Processo Civil (NCPC) retira o fundamento legal da primeira corrente, graças ao tratamento igualitário conferido à tutela cautelar e à antecipação da tutela, haja vista a criação das disposições gerais sobre as tutelas provisórias (arts. 294 a 299 do NCPC) e, mais especificamente, das disposições gerais sobre as tutelas de urgência (arts. 300 a 302 do NCPC), que em nenhum momento colocam o requerimento da parte como óbice à concessão “ex officio” de qualquer tutela urgente.341 7 Tutela antecipada de ofício e responsabilidade processual

338 LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2007, p. 76. 339 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso..., v. 4, op. cit., p. 11. 340 BEDAQUE, op. cit., p. 384. 341 THEODORO JUNIOR, Humberto. Primeiras observações sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v.6, n. 36, p.5-11, maio/jun.2010, p. 7; OLIVEIRA NETO; MEDEIROS NETO; OLIVEIRA, op. cit., p. 637.

Page 436: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

436 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

A possibilidade de se conceder tutelas antecipatórias independentemente do pedido da parte faz emergir a necessidade do estudo da responsabilidade processual, máxime quando indevida a medida imposta. No diploma processual civil vigente, há três situações de responsabilidade dos sujeitos do processo, principais ou secundários, por danos causados à parte ou a terceiros, em virtude de conduta processual omissiva ou comissiva: a) artigos 16 a 18: responsabilidade subjetiva proveniente da má-fé, a exigir comprovação de dolo ou culpa do litigante (autor ou réu); b) artigo 20: responsabilidade proveniente da sucumbência na ação, a qual é definida em sentença; c) a responsabilidade advinda de outros prejuízos causados pela efetivação de medidas invasivas na esfera jurídica da parte contrária (v.g., atos executivos, cautelares, de antecipação da tutela). As três responsabilidades podem se cumular ou não, dependendo do caso concreto.342

A primeira situação (arts. 79 a 81 do NCPC) é de responsabilidade subjetiva, a demandar comprovação de dolo ou de culpa da parte a ser penalizada. Nos demais casos é objetiva (arts. 82 e ss. do NCPC; art. 302 do NCPC). Importante mencionar que existe um sistema idêntico de responsabilidade processual para a execução de sentença provisória ou definitiva e na efetivação das tutelas de urgência, porque todas essas medidas são requeridas e executadas por conta e risco do demandante (responsabilidade objetiva).343

O dever de indenizar reclama prova dos seguintes requisitos: conduta, nexo causal e resultado danoso (danos emergentes e lucros cessantes). Em se falando de responsabilidade objetiva, fica dispensada a demonstração do elemento subjetivo (culpa em sentido amplo).344 José Frederico Marques apenas menciona o prejuízo por

342 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. 8, tomo 1, p. 244. 343 CÂMARA, Alexandre. Lições..., v. 3, op. cit., p. 95. 344 LACERDA, op. cit., p. 248-249; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo..., op. cit., p. 175-177.

Page 437: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 437

parte do demandado, o requerimento e a execução (efetivação) da medida danosa como requisitos para a responsabilização.345

São taxativos os casos de responsabilidade processual objetiva alistados no artigo 302 do novo Código de Processo Civil,346 não sendo admissível sua aplicação para além das situações nele previstas, quais sejam: sentença desfavorável àquele beneficiado pela medida, com ou sem resolução de mérito (inciso I); obtida a tutela de urgência “inaudita altera parte”, não se fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias, v.g., indicação do endereço onde o demandado pode ser encontrado, recolhimento das custas judiciais referentes à realização da citação (inciso II); ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal (inciso III); o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do requerente (inciso IV).347

Muito embora a propositura da ação não seja um ato ilícito, a sentença desfavorável ao postulante da medida (incisos I e IV), ou a sua extinção nos demais casos (incisos II e III), torna injusta as consequências da tutela urgente para o demandado. Humberto Theodoro Júnior, ao tratar das cautelares, diz que a responsabilidade civil, nesses casos, observa o princípio da sucumbência348 (o mesmo será aplicável à tutela antecipada, em razão do caráter de norma geral do artigo 302 do novo texto).

Extinta a medida, o demandante ficará responsável pelos eventuais danos causados, tenha ou não culpa, até mesmo por questão de equidade (“é mais équo que suporte o dano aquela dentre as partes que provocou, em sua vantagem, a providência a final tornada sem justificativa, do que a outra, que nada fez para

345 MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9. ed. Campinas: Millenium, 2000, v. 4, p. 558-559. 346 OLIVEIRA NETO; MEDEIROS NETO; OLIVEIRA, op. cit., p. 638. 347 Pelo parágrafo único, “a indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível”. 348 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo..., op. cit., p. 176.

Page 438: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

438 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

sofrer o dano e nada poderia fazer para evita-lo”).349 O direito à indenização deve ser considerado efeito secundário (anexo) ao mencionado artigo 302, não sendo preciso condenar, expressamente, o requerente da medida pelos danos indevidamente sofridos pelo demandado (efeito que se produz “ipso iure”). A apuração dos danos, por liquidação, é realizada nos próprios autos em que se efetivou a medida urgente posteriormente extinta.350

Na tutela de urgência concedida “ex officio”, parcela dos juristas lembra que, pela falta de pedido do demandante, não há como responsabilizá-lo por eventuais danos causados ao adversário; é a típica situação na qual se aplica o princípio da responsabilidade civil do Estado (artigo 37, § 6º, da CF), o qual responde objetivamente pelos danos que seus agentes, inclusive da magistratura, causarem no desempenho da função pública (hipótese de erro judiciário – art. 5º, LXXV, da CF). Se houver prova do dolo ou culpa do magistrado, seria possível, sem prejuízo da responsabilidade estatal, a responsabilização pessoal do agente (art. 133 do CPC/1973; art. 143 do novo CPC).351 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em seus comentários, também reconhecem o direito de o prejudicado postular, em face do Estado, indenização por dano processual. Na hipótese de condenação, o poder público voltar-se-ia contra o magistrado, desde que ele tenha agido com dolo (art. 37, § 6º, segunda parte, da CF).352

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, ao tratarem da cautelar “ex officio” (atual art. 811 do CPC), defendem que o Estado somente poderá ser responsabilizado quando o magistrado, ao agir oficiosamente, tenha atuado com culpa grave e se ausente o risco de dano (requisitos cumulativos); a posterior revogação da

349 SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto cautelar. 2. ed. São Paulo: RT, 1997, p. 362. 350 CÂMARA, Alexandre. Lições..., v. 3, op. cit., p. 99-101. 351 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso..., v. 4, op. cit., p. 193. 352 NERY JUNIOR; NERY, op. cit., p. 482.

Page 439: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 439

tutela urgente pela ausência do direito provável não acarreta qualquer responsabilidade ao Estado.353 Para outros doutores (debruçados sobre o atual art. 811 do CPC), se o juiz entender que deva decretar diretamente a medida de urgência, os danos daí advindos não podem ser suportados por quem não a pediu, salvo se este perder a ação principal, condenado genericamente a perdas e danos, ou a repor o “status quo”. Aqui a responsabilidade derivará da sentença, não do artigo 811.354

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou a respeito da responsabilização estatal por ato jurisdicional, afastando-a nesses casos, sob o argumento de preservar a independência do Judiciário; afronta à coisa julgada; evitar o amesquinhamento da atividade soberana do Estado na aplicação da ordem jurídica e na imposição da Justiça ao caso concreto; ausência de norma legal ou constitucional para tanto, que só prevê responsabilidade na situação prevista pelo artigo 5º, LXXV, da Constituição Federal e artigo 630 do Código de Processo Penal.355

Conclui-se que, até o presente momento, há divergência acerca da responsabilidade processual advinda do deferimento e da efetivação das cautelares “ex officio”. Na jurisprudência, a tese da responsabilização do Estado por erro judiciário foi rechaçada, conforme julgados do Supremo Tribunal Federal. Continua em aberto a possibilidade de se responsabilizar o magistrado e a parte beneficiada pela medida. Eventual conclusão pela irresponsabilidade destes chegaria ao cúmulo de se transferir ao demandado todos os riscos e prejuízos da tutela contra ele concedida e efetivada, transparecendo clara injustiça. Os ideais de equidade e justiça, bem como o caráter satisfativo da tutela antecipada, estão a impor a

353 MARINONI; ARENHART. Processo..., op. cit., p. 108. 354 LACERDA, op. cit., p. 244; SHIMURA, op. cit., p. 362. 355 STF, 2ª Turma, Recurso Extraordinário nº 553.637, Relatora Ministra Ellen Gracie, j. 25/09/2009; STF, 2ª Turma, Recurso Extraordinário nº 429.518, Relator Ministro Carlos Velloso, j. 28/10/2004.

Page 440: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

440 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

responsabilidade processual da parte beneficiada pela providência a final tornada indevida, salvo comprovação inequívoca de que a parte demandada induziu o deferimento da medida posteriormente tornada sem justificativa (culpa da vítima). 8 Referências ALVIM, Arruda. Notas sobre a disciplina da antecipação da tutela na Lei 10.444/2002. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 36, 2008. ASSIS, Araken de. Antecipação de Tutela. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. São Paulo: RT, 1997. ASSIS, Carlos Augusto de. Novas Feições da Antecipação da Tutela. Revista Gênesis de Direito Processual Civil. Curitiba, n. 30, 2003. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. BUENO, Cassio Scarpinella. Tutela antecipada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. __________. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1. __________. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 4. CÂMARA, Alexandre. Lições de direito processual civil. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2012, v. 1. __________. Lições de direito processual civil. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2012, v. 1. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual. 3. ed. Campinas: Bookseller, 2002.

Page 441: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 441

DELGADO, José Augusto Delgado. O processo posto na Constituição Federal. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduard. (Org.). O processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2001. __________. Nova Era no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2004. __________. A reforma da reforma. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Breves notas sobre provimentos antecipatórios, cautelares e liminares. Revista da Ajuris, v. 23, n. 66, mar/1996. LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. 8, tomo 1. LIEMBAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 3. ed. trad. Cândido Rangel Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2005, v. 1. LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2007. MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. __________. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. __________.; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo cautelar. 6. ed. São Paulo: RT, 2013. MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 9. ed. Campinas: Millenium, 2000, v. 4, p. 558-559. MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Procedimentos cautelares e especiais: antecipação da tutela, jurisdição voluntária, ações coletivas e constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

Page 442: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

442 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. __________.; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 13. ed. São Paulo: RT, 2013. OLIVEIRA NETO, Olavo; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de direito processual civil: parte geral. São Paulo: Verbatim, 2015, v. 1. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 3. SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto cautelar. 2. ed. São Paulo: RT, 1997. SILVA, Bruno Freire e. A alteração do art. 489 do CPC e a fungibilidade na utilização da medida cautelar e tutela antecipada. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 175, agosto/2009. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil: processo cautelar (tutela de urgência). 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 3. TESHEINER, José Maria Rosa; BAGGIO, Lucas Pereira. Tutela jurisdicional de urgência e irreversível. In: Tutelas de urgência e cautelares/Estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. Coord. Dornaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2010. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 19. ed. São Paulo: LEUD, 2000. __________. Tutela antecipada. Evolução. Visão comparatista. Direito brasileiro e direito europeu. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 157, março/2008. __________. Curso de Direito Processual Civil: processo de execução e cumprimento da sentença; processo cautelar e tutela de urgência. 38. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. 2. __________. Tutela antecipada e tutela cautelar. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 742, abril/1997. __________. Primeiras observações sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v.6, n. 36, maio/jun.2010.

Page 443: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 443

TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. __________. Duração Razoável do processo (art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal). In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduard. (Org.). O processo na Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2008. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. 13. ed. São Paulo: RT, 2013, v. 1. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Fungibilidade de "meios": uma outra dimensão do princípio da fungibilidade. In: ______; NERY JUNIOR, Nelson (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2001, v. 4. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. São Paulo: Saraiva, 1997.

Page 444: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

444 | Cognitio Juris - Ano V - Número 12 - Junho 2015

CCooggnniittiioo JJuurriiss www.cognitiojuris.com

Page 445: Reevviisstta a JJuurrííddiicca - Cognitio Juris · Ano V - Número 12 - Junho 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Cognitio Juris – Revista Científica

Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 445

ISSN 2236-3009

wwwwww..ccooggnniittiioojjuurriiss..ccoomm