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REDES SOCIAIS E INSTITUIÇÕES NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO E DA SUA PERMEABILIDADE * Eduardo Cesar Marques RBCS Vol. 14 n o 41 outubro/99 Esse artigo apresenta um estudo sobre as relações entre Estado e sociedade na formulação e gestão de uma política pública urbana. A inves- tigação analisa a política de saneamento básico implementada no Rio de Janeiro entre 1975 e 1996 pela empresa estadual concessionária dos serviços – a Cedae (Marques, 1998a). Utilizei um modelo relacional, baseando a análise, funda- mentalmente, no estudo da rede de relações en- tre indivíduos, grupos e organizações que consti- tui a comunidade profissional do saneamento em nível local. Essa rede nos permite analisar a cons- tituição da Cedae como organização estatal ao longo dos anos, a dinâmica do poder no seu interior, e a sua inserção no ambiente político no qual ela opera, assim como explicar o padrão de contratação de empresas privadas responsáveis por obras e serviços de engenharia. O estudo dessa realidade empírica datada e específica per- mite apresentar um modelo de análise de utiliza- ção muito mais ampla sobre as ações do Estado, além de iluminar aspectos do Estado brasileiro de grande importância para o debate político sobre as transformações introduzidas recentemente, co- mo o clientelismo e o corporativismo estatais e a privatização do Estado, mostrando os limites do impacto dos mecanismos formais sobre tais pro- cessos. O artigo se divide em três partes, além desta introdução e da conclusão. Considerando a peque- na divulgação da metodologia de análise de redes sociais na literatura nacional, apresento, na primei- ra parte, os atores sociais e políticos considerados no estudo, assim como as principais características das redes sociais. A segunda parte discute algumas questões conceituais, problematizando a aplicação da perspectiva relacional ao objeto empírico das políticas estatais no Brasil e construindo os concei- tos utilizados na análise. A terceira seção apresenta a pesquisa realiza- da, destacando as questões mais importantes com relação à dinâmica da política pública. Após uma rápida introdução sobre os resultados mais gerais da pesquisa e as principais questões metodológi- cas envolvidas, mostro como a rede de relações leva à consolidação institucional da empresa esta- * Agradeço a Argelina Figueiredo e a Simone Diniz, assim como a dois pareceristas anônimos da RBCS, as obser- vações feitas à versão preliminar deste artigo. Desneces- sário dizer que as inconsistências ainda presentes são de minha inteira responsabilidade.

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REDES SOCIAIS E INSTITUIÇÕESNA CONSTRUÇÃO DO ESTADO E DASUA PERMEABILIDADE*

Eduardo Cesar Marques

RBCS Vol. 14 no 41 outubro/99

Esse artigo apresenta um estudo sobre asrelações entre Estado e sociedade na formulaçãoe gestão de uma política pública urbana. A inves-tigação analisa a política de saneamento básicoimplementada no Rio de Janeiro entre 1975 e1996 pela empresa estadual concessionária dosserviços – a Cedae (Marques, 1998a). Utilizei ummodelo relacional, baseando a análise, funda-mentalmente, no estudo da rede de relações en-tre indivíduos, grupos e organizações que consti-tui a comunidade profissional do saneamento emnível local. Essa rede nos permite analisar a cons-tituição da Cedae como organização estatal aolongo dos anos, a dinâmica do poder no seuinterior, e a sua inserção no ambiente político noqual ela opera, assim como explicar o padrão decontratação de empresas privadas responsáveispor obras e serviços de engenharia. O estudodessa realidade empírica datada e específica per-mite apresentar um modelo de análise de utiliza-ção muito mais ampla sobre as ações do Estado,além de iluminar aspectos do Estado brasileiro degrande importância para o debate político sobreas transformações introduzidas recentemente, co-mo o clientelismo e o corporativismo estatais e aprivatização do Estado, mostrando os limites do

impacto dos mecanismos formais sobre tais pro-cessos.

O artigo se divide em três partes, além destaintrodução e da conclusão. Considerando a peque-na divulgação da metodologia de análise de redessociais na literatura nacional, apresento, na primei-ra parte, os atores sociais e políticos consideradosno estudo, assim como as principais característicasdas redes sociais. A segunda parte discute algumasquestões conceituais, problematizando a aplicaçãoda perspectiva relacional ao objeto empírico daspolíticas estatais no Brasil e construindo os concei-tos utilizados na análise.

A terceira seção apresenta a pesquisa realiza-da, destacando as questões mais importantes comrelação à dinâmica da política pública. Após umarápida introdução sobre os resultados mais geraisda pesquisa e as principais questões metodológi-cas envolvidas, mostro como a rede de relaçõesleva à consolidação institucional da empresa esta-

* Agradeço a Argelina Figueiredo e a Simone Diniz, assimcomo a dois pareceristas anônimos da RBCS, as obser-vações feitas à versão preliminar deste artigo. Desneces-sário dizer que as inconsistências ainda presentes são deminha inteira responsabilidade.

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tal, como os grupos e indivíduos da empresa serelacionam com o seu ambiente político e de queforma os campos do público e do privado seinterpenetram no interior da comunidade profissi-onal, dando origem a um padrão de relações quedenomino permeabilidade.

Por fim, resumo as tendências observadas eos principais avanços analíticos da pesquisa paraanálises futuras de políticas do Estado.

Atores sociais, redes e políticaspúblicas

A análise de redes nos permite identificardetalhadamente os padrões de relacionamentoentre atores em uma determinada situação social,assim como as suas mudanças no tempo. Esseestruturalismo de origem empírica apresenta gran-de potencialidade para o estudo da relação entrepúblico e privado na formulação e gestão de açõesdo Estado. O modelo desenvolvido aqui consideraque as políticas estatais podem ser explicadas, pelomenos uma parcela significativa delas, pelo estudodas interações entre dois atores políticos: os capi-tais presentes em cada política e os atores estataiscom ela envolvidos, tendo a comunidade profissi-onal da política como campo ou ambiente.1 Acomunidade não foi considerada como ator políti-co efetivo, já que apresenta grande fragilidade enão desenvolve ações coletivas. Apesar disso, apesquisa mostrou a sua importância como campoonde se dão as interações entre os atores estatais eos capitais do setor. 2

A importância desses atores tem origem nasua capacidade de realizar ações baseadas emseus destacados recursos de poder, assim comona ocupação de determinadas posições na cadeiade produção das ações do Estado (dentro e foradele), que lhes conferem maior ou menor capaci-dade de fazer com que o Estado elabore e execu-te políticas segundo seus interesses particulares.A análise de seus padrões de interação, presentese herdados, formando uma rede de relações, ex-plica inúmeras dimensões da política, tanto noque se refere a seu desenvolvimento e resultados(que pertencem ao mundo da prática política),quanto no que diz respeito ao “encontro” entre

projetos e visões de mundo (que fazem parte domundo das idéias).

Entende-se aqui por rede social o campo,presente em determinado momento, estruturadopor vínculos entre indivíduos, grupos e organiza-ções construídos ao longo do tempo. Esses víncu-los têm diversas naturezas, e podem ter sidoconstruídos intencionalmente, embora a sua maio-ria tenha origem em relações herdadas de outroscontextos. Podemos imaginar a rede como com-posta por várias “camadas”, cada qual associada aum tipo de relação e a um dado período de tempo.Todas elas encontram-se em constante interação etransformação, embora o peso relativo das rela-ções herdadas torne essa dinâmica incremental.

O pressuposto central da análise de redessociais, incorporado aqui, é o de que o social éestruturado por inúmeras dessas redes de relacio-namento pessoal e organizacional de diversas na-turezas. A estrutura geral e as posições dos atoresnessas redes moldam as suas ações e estratégias(constrangendo inclusive as alianças e confrontospossíveis), ajudam a construir as preferências, osprojetos e as visões de mundo (já que esses “bensimateriais” também circulam e se encontram nasredes) e dão acesso diferenciado a recursos depoder dos mais variados tipos, que em inúmeroscasos são veiculados pelas redes (desde status eprestígio até recursos mais facilmente mensurá-veis, como dinheiro e informação).

As redes são, portanto, a estrutura do campo nointerior do qual estão imersos os atores sociais e polí-ticos relevantes em cada situação concreta.3 O traçocomum à análise de redes é o enfoque central nas re-lações sociais, preocupação antiga das ciências soci-ais. Embora tenham sido as preocupações empíricasque motivaram as primeiras décadas de pesquisa so-bre o assunto, os esforços analíticos recentes basea-dos no estudo das redes indicam a preocupação coma fundação de uma “sociologia relacional”, ou com arecuperação, em outras bases técnicas, das preocupa-ções originais presentes em clássicos da Sociologiacomo George Simmel (Emirbayer, 1997; Emirbayer eGoodwin, 1994; White, 1992). Da mesma forma, aanálise de redes tem possibilitado integrar economiae sociedade de uma maneira que recupera a melhortradição de Max Weber e Karl Polanyi, como é o caso

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dos trabalhos de Granovetter (1973), White (1981) eBurt (1992).

Essa “sociologia relacional”, portanto, nãopretende ser nova, embora a utilização dos méto-dos e das técnicas recentes permita focalizar em umnovo patamar analítico as relações, ao invés dosatributos de grupos e indivíduos. As análises criti-cam de maneira implícita ou explícita os estudosque tentam compreender os fenômenos sociaisusando apenas dados de categorias sociais ouatributos, em vez das informações referentes arelações. Dados de atributo dizem respeito a carac-terísticas ou qualidades, enquanto dados relacio-nais envolvem contatos, vínculos e conexões querelacionam os agentes entre si, e não podem serreduzidos às propriedades dos atores individuais(Scott, 1992; Emirbayer, 1997; Emirbayer e Goo-dwin, 1994). Apesar de importantes para a descri-ção de inúmeros fenômenos, as características ouatributos não dizem respeito propriamente às açõessociais, mas, na melhor das hipóteses, a seus agen-tes. Nesse sentido, elas explicam uma parte dosfenômenos, mas deixam de lado importantes pro-cessos passíveis de estudo apenas pela considera-ção direta de vínculos e relações.

De acordo com essa vertente de análise, asinstituições, a estrutura social e as características deindivíduos e grupos são cristalizações dos movi-mentos, trocas e “encontros” nas múltiplas e inter-cambiantes redes de relações ligadas e superpos-tas. A matéria-prima das ciências sociais seria,portanto, o conjunto das relações, vínculos e trocasentre entidades, e não suas características (White,1992; Tilly, 1992). Segundo Tilly (1992), já estariaem constituição uma sociologia estrutural, quedifere das posturas estruturalistas anteriores naSociologia por não partir de postulações de largaescala sobre as estruturas sociais, nem tampoucotentar derivar delas os fenômenos sociais (Ferrand,1997; White, 1992; Tilly, 1992; Knoke, 1990; Forsée Langlois, 1997).

A sociologia “relacional” parte do estudo deuma série de situações concretas para investigar ainteração entre, de um lado, as estruturas presen-tes, constituídas pelos padrões de interações etrocas e as posições particulares dos vários ato-res, e, de outro, as ações, estratégias, constrangi-

mentos, identidades e valores de tais agentes.Para essa linha de análise, as redes moldam asações e as estratégias, mas estas também as cons-troem e reconstroem continuamente, em um pro-cesso dinâmico e contínuo. Da mesma forma,redes e identidades se constituem mutuamentede uma forma complexa que apenas começa aser explorada.4

A força da análise de redes sociais está napossibilidade de se construir estudos muito preci-sos em termos descritivos sem impor uma estruturaa priori à realidade e aos atores, criando um tipomuito particular de individualismo relacional. Estetipo de análise permite a realização de investiga-ções sofisticadas e diretas sobre os padrões derelação entre indivíduos e grupos, aproximando-nos dos tão decantados microfundamentos da açãosocial sem a perda de visão da estrutura. É impor-tante salientar, entretanto, que a potencialidadeaberta pela metodologia não substitui a análise deatributos e estruturas formais, para o que inúmerasoutras perspectivas como o neoinstitucionalismo, aescolha racional e a análise espacial continuamtendo muito a contribuir. No entanto, como todanova ferramenta analítica, a análise de redes “ilu-mina” um amplo leque de aspectos da realidadesocial que permaneciam até então obscuros, per-mitindo novos olhares sobre fenômenos poucocompreendidos, ou mesmo a construção analíticade novos objetos de estudo.

Com base nessa metodologia, podemos pelaprimeira vez analisar a interação entre Estado esociedade sem recorrer a um padrão de relações apriori, dando espaço para que os dois campos seinterpenetrem, o que nos possibilita interpretar demaneira mais precisa a realidade social. O uso doconceito de redes permite chegar a um grandedetalhamento das relações individuais sem perderde vista a estrutura do campo inteiro e os padrõesmais gerais, introduzindo dimensões novas e inu-sitadas na compreensão do Estado.

Políticas de Estado e redes no BrasilO que caracteriza, então, as redes de políticas

públicas no Brasil? A apresentação de algumasimportantes distinções entre o presente estudo e,

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de um lado, as análises de redes presentes naliteratura internacional e, de outro, algumas inter-pretações da literatura nacional sobre o Estadoajuda a especificar o caso brasileiro e a construirconceitualmente nosso modelo de análise.

O estudo concentra-se em grande parte naorganização estatal. Isto se deve ao fato de osdemais atores organizacionais serem muito frágeis.A hegemonia da organização estatal é completa nospoucos debates públicos realizados sobre a políticaestudada. A importância da Cedae é enorme, inclu-sive para a existência e manutenção das associaçõesnão estatais do setor. Este fator está presente,provavelmente, na maior parte das políticas estataisbrasileiras, mas é especialmente importante no casode uma política de nível subnacional, que tem deenfrentar uma precariedade das organizações aindamaior do que no caso de políticas federais.

Uma segunda característica deste estudo estána consideração, principalmente, de relações entreindivíduos, e não de vínculos entre organizações.A estruturação dos campos de política pública emredes não é privilégio do Brasil ou de países deindustrialização tardia, ou mesmo produto da pre-valência de traços tradicionais de relacionamentobaseados na hierarquia e nas relações pessoais. Aliteratura de redes tem mostrado amplamente essetipo de estrutura de relações nos países centrais.

Apesar disso, no Brasil, a institucionalizaçãodos procedimentos e a consolidação das organiza-ções é muito menor, deixando mais livres deconstrangimentos os vínculos estabelecidos na“zona de sombra” entre Estado e setor privado, oque caracteriza a permeabilidade estatal. Isso sedeve, principalmente, à enorme importância dasrelações pessoais, seja pela “distinção entre indiví-duo e pessoa” (Da Matta, 1978), seja pela perma-nência de “hierarquias” depois da disseminação dos“mecanismos de mercado” (Lanna, 1997), seja aindapela permanência das “gramáticas políticas do clien-telismo e do corporativismo”, mesmo após o desen-volvimento do “insulamento burocrático” e do “uni-versalismo de procedimentos” (Nunes, 1997).

Isso quer dizer que, ao contrário das redesestudadas pela literatura internacional, constituí-das em grande parte de relações entre organiza-ções, a rede analisada pela presente pesquisa tem

nos vínculos entre indivíduos a sua base. Para avisão hegemônica sobre a realidade brasileira, issoconfirmaria a fragilidade institucional do país e abaixa institucionalização de nossas organizações.Embora confirmando a importância dos relaciona-mentos pessoais como traço constitutivo do Estadoe da sociedade brasileiras, a pesquisa mostra,como veremos, que a consolidação institucional eo relacionamento do órgão estatal com o ambientepolítico que o circunda também podem passarpelos vínculos entre indivíduos. Os resultados dapesquisa indicam, por exemplo, que as relaçõespessoais que têm o ambiente de trabalho comosubstrato são as que mais crescem no períodoestudado e que, se os vínculos de amizade repre-sentavam a base da rede em 1975, já no início dosanos 1980 eles foram suplantados pelo vínculospessoais estabelecidos em torno do trabalho.

De uma forma geral, a construção da Cedae,ao longo dos anos, como organização insulada dasociedade e relativamente coesa internamente só écompreensível se considerarmos que a sua rede derelacionamentos foi construída a partir da união epaulatina fusão de redes menores. Uma importantedimensão desse processo diz respeito à estabilida-de da rede da comunidade. Redes com grandecirculação podem enfraquecer as organizações,embora em termos agregados possam levar àconstrução de um padrão estruturado de vínculosentre os vários organismos de um campo, fortale-cendo o conjunto.5 Redes com pequena circulaçãode indivíduos, como a presente na comunidadeestudada, tendem a se consolidar ao longo dotempo, aumentando o insulamento e a solidez daorganização do Estado, ao mesmo tempo quemediam as relações deste com o ambiente políticoque o circunda.6

Entretanto, os vínculos de relacionamentopessoal não são apenas construtores de solidezorganizacional, mas também estão por trás dapermeabilidade do Estado no setor. A investigaçãodemonstra que a intermediação de interesses nosetor de política estudado ocorre de forma dissemi-nada por inúmeros contatos pessoais entre inte-grantes do Estado e interesses privados, ao contrá-rio do padrão característico norte-americano delobbies (Laumman e Knoke, 1987; Laumman et al.,

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1992), ou do típico corporatismo social-democrataeuropeu (Schmitter, 1979), mesmo que de âmbitosetorial (Cawson, 1985).7

Podemos dizer também que o padrão derelação entre público e privado analisado aquidifere da descrição realizada pela categoria anelburocrático de Cardoso (1970 e 1974). Embora aidéia geral dos dois conceitos seja semelhante, suaespecificação evidencia inúmeras diferenças. Apermeabilidade é produzida a partir de uma teia derelações e cumplicidades construída ao longo davida dos indivíduos, incorporando diferentes tiposde elos que se espalham por todas as dimensõesdo social. Relações pessoais e de amizade constru-ídas no decorrer de anos, algumas familiares,outras oriundas da formação profissional, e outrasainda constituídas por vínculos de trabalho e afini-dade política, constituem essa rede que abrange eintegra diversos campos da vida social, tanto den-tro quanto fora do Estado. Esse padrão não ébaseado em um pequeno número de relações decaráter intencional, localizadas em setores especí-ficos, que ligariam verticalmente os setores públicoe privado (e horizontalmente entre eles), mas, aocontrário, em incontáveis relações pulverizadasque cobrem todo o campo social e o integram deinúmeras formas em todas as direções.

É necessário diferenciar também o conceitode permeabilidade da idéia de privatização doEstado (Grau e Belluzzo, 1995). Embora eu nãonegue a ocorrência de tal fenômeno, estou cha-mando a atenção para um processo mais geral (nosentido de ocorrer em mais situações sociais),menos intencional (ou direcionado a fins) e maisresiliente e duradouro (e portanto mais difícil decombater por alterações na arquitetura institucio-nal). Essa forma de estruturação dos campos daação estatal está presente em todas as esferas daação humana, na medida em que estas são basea-das nos relacionamentos pessoais. A estruturaçãoem redes não é privilégio da ação estatal, mas é naação do Estado, ou nas atividades em torno dela,que essa rede conforma o que denominamos depermeabilidade, tornando difusas as fronteiras en-tre público e privado.

Por todos esses processos, a permeabilidadeé mais constante do que o sugerido pela categoria

anel burocrático, já que se baseia no padrão derelações estabelecido ao longo da vida dos indiví-duos. Sua limitação pela constituição de normas,procedimentos, regras e organizações é tambémmais difícil e demorada do que seria de acreditarpela idéia de privatização do Estado. A permeabi-lidade é também muito mais disseminada do querevelam ambas as categorias, envolvendo umamiríade de ligações e contatos de pequena, médiae grande importância, e em constante transforma-ção. Ao contrário da pressão pessoal orientada afins e canalizada em elementos específicos noaparelho de Estado, a permeabilidade acontece deuma forma disseminada e dispersa, e é canalizadapor relações que na maior parte do tempo nãoveiculam esse tipo de relação e não têm necessari-amente como objetivo a maximização de interessesespecíficos. Na maior parte das vezes, o elo foiestabelecido com outras intenções, ou mesmo semfinalidade alguma.

Resumindo, partimos da hipótese de que acaracterística de rede intrínseca à estrutura docampo da política explica tanto a estruturação e aconsolidação dos campos do público e do priva-do separadamente, quanto a permeabilidade en-tre essas esferas. Embora esse fenômeno estejapresente em todo o mundo, em países como oBrasil a importância das redes é maior para am-bos os processos, e elas tendem a ser mais base-adas em relações individuais, assim como maisduradouras.

Instituições e redes na construção dapolítica de infra-estrutura

A investigação partiu de um amplo levanta-mento de informações sobre a política de sanea-mento básico no Rio de Janeiro. Esse levantamentoabarcou dados primários relativos à política deinvestimentos e suas contratações, à estrutura ad-ministrativa da empresa concessionária e suasmodificações e à comunidade dos engenheiros. Deforma a melhor situar a análise, descrevo a seguir,de forma sucinta, a pesquisa e alguns dos resulta-dos encontrados.

Uma primeira linha de investigação foi de-senvolvida a partir de pesquisa primária sobre os

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contratos celebrados pela Cedae com empresasprivadas entre 1975, ano da sua criação, e 1996.Esses contratos representam quase a totalidade dosinvestimentos da concessionária, visto que o volu-me de obras realizadas pela própria empresa édesprezível em termos relativos. O levantamentofoi feito diretamente nos extratos de contratospublicados no Diário Oficial do Estado do Rio deJaneiro entre 1975 e 1996.8

Essa linha de análise permitiu recompor ospadrões temporais de investimentos da empresa ecompará-los aos perfis de investimentos federais,aos períodos de gestão dos governadores e aociclo eleitoral. Ao contrário do que preconiza umaparte substancial da literatura sobre o assunto, nãoencontrei relações significativas entre esses pro-cessos. Em seguida, espacializo os investimentossegundo as regiões da cidade beneficiadas pelapolítica ao longo do tempo, partindo de uma baseespacial produzida para a análise, e levando emconta a população moradora de cada uma dasregiões. Os perfis temporais de cada tipo de espaçoforam discutidos à luz da dinâmica da construçãodo espaço metropolitano (Marques, 1998a). Essaanálise dos aspectos espaciais permitiu colocar emcheque explicações presentes na literatura quetentam derivar o conjunto das políticas de investi-mento diretamente da ação de atores como oscapitais imobiliário e fundiário e os movimentossociais urbanos (Marques, 1998c).

O levantamento permitiu ainda investigar aconcentração de contratos por empreiteira ao lon-go do tempo, assim como a relação destes com osprocessos ocorridos no mercado nacional de obraspúblicas no período. Essa análise levou-me àdeterminação das mais importantes empresas pre-sentes na política e de seus padrões temporais eespaciais de atuação. Encontrei uma concentraçãomuito significativa de vitórias em poucas empresas.No universo de 777 contratos celebrados pelaCedae no período, 212 empresas e consórciosaparecem como vencedores. A empresa mais bemcolocada venceu 8,5% do valor total contratado, ascinco primeiras ganharam aproximadamente 30%,e as 24 mais bem colocadas obtiveram cerca de71%, sobrando para as 188 restantes apenas 29%do total licitado.

A concentração das vitórias por empresatambém seguiu um padrão nítido ao longo dotempo. Em momentos de maior escassez de inves-timentos, a proporção de licitações ganha pelasempresas mais importantes tende a aumentar, che-gando perto de 100% do total anual. Em anos degrande volume de inversões, a participação dasmenores se eleva, chegando a alcançar quase ametade dos investimentos. Isso indica que as mai-ores vencedoras têm sempre uma parcela mínimados recursos garantida, sendo a margem de cresci-mento das menores subordinada à existência degrandes investimentos.

Nesse último particular, pude comprovar tam-bém a importância do arcabouço legal (e suasalterações) na regulação dos padrões de vitória emlicitações. Durante o período, as licitações foramreguladas por três marcos legais distintos: o Decre-to-Lei no 200/67, o Decreto-Lei no 2300/86 e a Lei no

8666/93. As mudanças de uma lei para a seguinterepresentaram, de maneira geral, o estabelecimentode regras mais rígidas, assim como de um númeromaior de restrições no decorrer dos certames. Issoocorreu em especial com a promulgação da Lei no

8666/93, elaborada sob o efeito dos escândalos decorrupção da dupla Collor/PC Farias e do Orçamen-to Geral da União e extremamente restritiva. Críti-cos dessa lei sustentaram, no momento da suapromulgação, que suas elevadas restrições elitizari-am o mercado.9

A análise dos vencedores no período mostrauma nítida desconcentração das vitórias ao longodo tempo, elevando o número de empresas vence-doras diferentes para um mesmo número de con-tratos. Mais do que isso, o perfil da concentraçãoguarda aparentemente uma forte relação com osregimes legais: entre 1975 e 1985, a média decontratos por vencedor foi de aproximadamente1,7; entre 1986 e 1992, cerca de 1,3, e nos últimostrês anos da série, quase 1,6. A redução paulatinaa partir de 1975, assim como a queda brusca após1986, permitem sustentar que o aumento das restri-ções teve um efeito positivo sobre o mercado.Entretanto, a tendência à concentração observadaapós a promulgação da Lei no 8666/93 (emboratrate-se apenas de uma tendência, considerando opequeno número de anos) indica que seus críticos

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podem ter acertado quando previram uma elitiza-ção do mercado de obras públicas. Isso comprovanão apenas que os marcos legais influenciam omercado e o padrão de contratações do Estado,mas também que podem fazê-lo nas duas direções.

A lista dos maiores vencedores ano a anotambém apresenta surpresas. A maior parte dasempresas pertence ao mercado local, apresentandocapitais médios. As grandes empresas brasileiras deobras públicas, típicas dos mercados de grandesobras viárias, portuárias e hidrelétricas do governofederal, aparecem na lista apenas em alguns mo-mentos específicos. Entretanto, a sua participação écrescente no final do período, fato comprovadopela elevação do capital médio dos vencedores nadécada de 1990: 42 milhões de reais entre 1975 e1990, 55 milhões entre 1991 e 1994 e 59 milhões em1995-96. A década de 1980 representou uma con-juntura de crise para o mercado de obras federais —atingindo as empresas menores na primeira metadede década e, depois, também as empresas líderes(Camargos, 1993; Marques, 1998a) —, o que nosleva a crer na ocorrência de um processo de invasãodo setor local em anos recentes.

Essa distribuição das vitórias sugeriu-me queo mercado de obras públicas se estrutura de formahierárquica, com o mercado federal representandoum nível superior e os mercados locais, níveisinferiores a ele. Cada um desses níveis correspon-de a uma rede de relações, a uma comunidadeprofissional e a um conjunto de instituições esta-tais. O mercado estudado pela pesquisa é ummercado local relativamente periférico, por sercomposto por obras de porte médio, quandocomparadas com as obras viárias, mesmo quelocais. A maior parte do mercado carioca é consti-tuída por empresas locais de médio porte, típicasdo setor e da comunidade profissional. Entretanto,esse mercado local também é hierarquizado, apre-sentando empresas centrais e empresas mais peri-féricas. Como veremos mais adiante, o que asdiferencia quanto à capacidade de celebrar contra-tos com o Estado não é o porte, mas essencialmen-te a sua posição no interior da rede da comunidadeprofissional da política pública estudada. Em mo-mentos específicos, especialmente quando o mer-cado federal entra em crise, o funcionamento do

mercado local é alterado pelas invasões de empre-sas de grande porte (Marques, 1998a e 1998c).

A recomposição da redeA análise da estrutura da rede de relações da

comunidade, e das posições dos atores nela, foipossibilitada pelo desenvolvimento de uma segun-da linha de pesquisa, complementar à primeira.Sob o ponto de vista concreto, a rede é umconjunto de relações que constitui uma estruturano interior da qual cada nó ocupa uma posiçãocom características específicas. A rede pode serestudada por meio de uma representação gráfica(sociograma, escalagem etc.), de forma a permitir avisualização das posições e da estrutura, ou pormeio de uma reconstituição matemática do padrãode vínculos (matriz de relações), de maneira apossibilitar a análise quantitativa das posições e daestrutura geral. Em ambos os casos, é necessáriodispor de informações detalhadas sobre os limitesda rede, os vínculos presentes, seu tipo e momentode estabelecimento.

Em um primeiro momento, levantei um gran-de número de informações sobre vínculos entreindivíduos, apresentando uma lista de nomes aosentrevistados e os instando a indicar nomes depessoas que apareciam ligados àqueles em suamemória.10 Esse procedimento permitiu obter umconjunto de mais de 150 nomes de indivíduosinterligados por alguns milhares de vínculos. Apósuma dezena de entrevistas, o aparecimento denovos nomes foi-se reduzindo, indicando a aproxi-mação das bordas da rede. Quando não obtivemais nomes novos, interrompi o levantamento.

De posse dessa grande lista, solicitei a umsegundo grupo de entrevistados que me dissesse otipo de vínculos de cada relação, dando a eles cincoopções: (a) “institucionais”, ou seja, relações cons-truídas em torno do trabalho e suas atividades; (b)“políticos”, definidos como vínculos de afinidadeideológica e/ou de participação conjunta em ativi-dades e/ou organizações políticas; (c) “familiares”,isto é, todos os elos de família, mesmo que adquiri-dos pelo casamento ou adoção; (d) “de amizade” e(e) “de negócios”, definidos como todas as relaçõesintermediadas pelo dinheiro, inclusive, mas nãosomente, as de corrupção. Posteriormente, a análise

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indicou a pequena relevância quantitativa e qualita-tiva dos vínculos familiares, o que me levou a somá-los com os de amizade na constituição de uma novotipo de vínculo, denominado de “pessoal”. É im-portante assinalar que nada impede que a relaçãoentre dois indivíduos seja de mais de um tiposimultaneamente, ou que se transforme ao longo dotempo, passando, por exemplo, de “institucional”para “de amizade”, ou de “institucional” para “denegócios”. Como cada tipo de relação forneceu umlayer, ou “camada”, da rede da comunidade, essasrelações migrariam ao longo de tempo de umacamada para outra.

A importância de se classificar os tipos devínculo está no fato de que relações de tipo diferen-te têm características diferentes com respeito à suaforça, duração e capacidade de transferência deinformações, apoio, prestígio etc.11 Podemos con-siderar, por exemplo, que por definição as relaçõesfamiliares têm intensidade e duração altas (negati-vas ou positivas) e que as relações de trabalhopodem ser fortes ou fracas, duradouras ou efême-ras. Para relações cuja intensidade não é dada pelotipo do vínculo, considerei o número de citações deuma dada relação como indicador da sua força.

Vale ainda precisar o tratamento dispensadoao fenômeno da corrupção, incluído nos vínculosde negócio. Entendo por corrupção a adoção decomportamento diverso das normas da administra-ção pública, tanto por ação quanto por omissão, deforma a favorecer interesses particulares em trocade recompensa, presente ou futura (Pasquino,1993). Na recompensa citada se incluem não ape-nas bens materiais, mas também empregos e favo-res para pessoas associadas ao servidor público,expectativas de retribuição futura etc.12 A corrup-ção, tanto como atividade quanto como tipo devínculo entre indivíduos, está presente em largaescala na administração pública brasileira. Essefato é comprovado pela grande quantidade dedenúncias na imprensa, assim como pelos resulta-dos de inúmeros trabalhos acadêmicos sobre oassunto (Bezerra, 1995; Fleischer, 1997; Grau eBelluzzo, 1995). No caso estudado, a sua presençano setor foi constatada pelos inúmeros vínculosdessa natureza indicados em entrevistas com técni-cos da comunidade.

Considerando o enfoque relacional do estu-do, tratei a corrupção como responsável pela cons-trução de um padrão próprio de relações de grandesolidez, constituindo um dos tipos de vínculo entreindivíduos, organizações e grupos que estrutura umdos múltiplos layers das redes do setor. Utilizeicomo proxi dessa rede a rede dos vínculos denegócios. Entretanto, não acredito que a políticapública seja movida a corrupção, ou mesmo queuma grande parte dos fenômenos associados àsações do Estado seja explicada por atividades oucomportamentos corruptos. A recomposição dessarede, e a sua importância no padrão geral encontra-do, confirmou o tratamento analítico dispensado,mostrando uma rede importante na política, masnão central para a sua explicação. Ao contrário doque supõem o senso comum sobre o assunto ealguns trabalhos acadêmicos, a rede de corrupçãonão é central nem mesmo para a explicação dopadrão de vitórias das empresas contratadas, embo-ra contribua para a construção da permeabilidadeentre o Estado e o setor privado, como uma das“camadas” da rede da comunidade.

Como já assinalei, uma outra importante ca-racterística das redes é a sua dinâmica de transfor-mação ao longo do tempo. De forma a captar adinâmica dos padrões de relação, dividi o períodoem seis momentos, e solicitei a um terceiro grupode entrevistados que me dissesse quando cada umadas relações (de cada tipo) havia se iniciado. Consi-derei os seguintes períodos: T0, antes da criação daCedae; T1, governos Faria Lima e Chagas Freitas,agrupados pela dificuldade dos entrevistados emdiferenciá-los; T2, primeiro governo Leonel Brizola;T3, governo Moreira Franco; T4, segundo governoLeonel Brizola, e T5, governo Marcelo Alencar.

O conjunto desses procedimentos resultou,portanto, em quatro redes superpostas por perío-do, totalizando 24 redes.13 Considerando as carac-terísticas e a força de cada tipo de relação, pudesuperpor as várias camadas em uma única rede porperíodo.14 De forma a poder controlar as informa-ções pelas redes existentes antes da criação daCedae, recompus, com menor grau de detalhe, asredes das empresas concessionárias existentes an-tes de 1975, utilizando para tal uma série deentrevistas específicas.

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A rede e a consolidação da CedaeO levantamento de informações sobre a co-

munidade profissional indicou que esta era forte-mente centrada nos órgãos estatais, sendo as de-mais organizações do setor muito frágeis em termosde discussão autônoma das principais linhas depolítica. Isso se deve a dois fatores. O primeiro delesse relaciona com a própria dinâmica das entidades.A comunidade dos engenheiros sanitaristas no Riode Janeiro conta com quatro entidades principais,além das estatais e suas entidades de funcionários edas empresas privadas: a Associação Brasileira deEngenharia Sanitária (ABES-seção nacional), a ABES-seção Rio de Janeiro, a Sociedade de Engenheiros eArquitetos do Estado do Rio de Janeiro (SEAERJ) e oClube de Engenharia.15 As duas últimas entidadestradicionalmente não se envolvem em discussõesde política pública local, embora tenham fornecidoquadros para cargos de direção em momentos deci-sivos da política de saneamento.16 A seção local daABES tem uma atuação muito tímida, explicada,dentre outras razões, pelo fato de o Rio de Janeiroabrigar a sede nacional da entidade. A ABES é, semsombra de dúvida, a entidade mais importante dosetor, mas se envolve essencialmente com políticanacional, pouco ou nada opinando nas questões dapolítica carioca.17

Além disso, um segundo fator, relacionadocom a composição das diretorias das entidades,contribui para a sua pequena importância na defini-ção das políticas. Durante o período estudado,grande parte dos cargos de diretores dessas entida-des foi ocupada por funcionários da Cedae ouindivíduos que tiveram passagem pela burocraciada empresa: entre 1975 e 1996, incluíam-se nessacondição 39 diretores do SEAERJ, 5 diretores doClube de Engenharia, 25 diretores da ABES-seçãoRio de Janeiro e 25 da ABES-seção nacional. Umaparte significativa desses indivíduos participou dadireção de mais de uma entidade, indicando aexistência de uma rede de lideranças da comunida-de com razoável estabilidade.18 As raras participa-ções das entidades em discussões de política, por-tanto, expressavam, em sua maioria, as posiçõesdos grupos presentes no interior da Cedae, e nãoprojetos construídos mediante um diálogo entreindivíduos e grupos constituídos na sociedade.

Essa fragilidade levou-me a realizar o estudoda comunidade a partir da empresa estatal. ACedae é uma empresa pública de propriedade dogoverno estadual, tendo sido criada em 1975,quando da fusão dos antigos estados da Guanaba-ra e do Rio de Janeiro. A nova empresa teve origemna incorporação à empresa estadual de águas daGuanabara, a Cedag, de duas outras concessioná-rias — a Esag, empresa de esgotos da Guanabara,e a Sanerj, empresa de águas e esgotos do antigoEstado do Rio de Janeiro.

As três empresas tinham características mui-to diferentes. A Cedag apresentava as melhorescondições econômicas e financeiras, operava so-mente os sistemas de água do antigo Estado daGuanabara e contava com um quadro de pessoalbem pago e treinado que, ao que tudo indica,operava a empresa com padrões técnicos conser-vadores e com grande insulamento. A Sanerj, aocontrário, não apresentava uma situação financei-ra muito sólida, era responsável pelos sistemas deágua e esgoto de todo o antigo Estado do Rio deJaneiro, sofria de grande ingerência política porparte do gabinete do governador (que utilizava aoperação dos sistemas do interior como moedana negociação política com os prefeitos) e nãocontava com um quadro técnico tão bem treina-do e capacitado. A Esag apresentava-se em umasituação intermediária, mas mais próxima da Ce-dag, por também pertencer ao antigo Estado daGuanabara e operar apenas os sistemas localiza-dos em seus domínios.19

O processo de fusão, realizado sob fortecomando do grupo que controlava a Cedag, foiimportantíssimo na história do setor por inúmerasrazões. Em primeiro lugar, porque as identidadesdos funcionários da Cedae são até hoje referenci-adas às suas empresas originais. Conforme asentrevistas, o processo foi extremamente traumá-tico, pela perda de poder experimentada por fun-cionários da Esag e da Sanerj, mas especialmentepor uma série de sanções a que foram submeti-dos os técnicos da última empresa, consideradapelo grupo que realizou a incorporação comomarcada pelo nepotismo, pela corrupção, pelaingerência política e pela baixa produtividade. Oprocesso de incorporação representou, então, a

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subordinação dos corpos funcionais da Esag e daSanerj às regras e ordens impostas à nova empre-sa pelo grupo da Cedag, empenhado em “tecnifi-car” a gestão sob um controle político único ori-ginado do topo da empresa. Ao que tudo indica,o processo de fusão foi o evento fundador dasidentidades e dos grupos na Cedae, gerando umprocesso de alinhamento automático e aliançasque, segundo as entrevistas realizadas, durou atémeados da década de 1980, e ainda hoje mostrasuas marcas.20

Além disso, um segundo processo, associadoa esse primeiro, diz respeito à dinâmica da rede de

relacionamentos no interior da Cedae e, a partirdela, com os ambientes políticos mais amplos nosquais ela se inseriu. A questão está em que a rededa Cedae foi construída, em um primeiro momen-to, pela união das redes das empresas de origem,assim como por sua paulatina interpenetração aolongo dos anos.

Na Figura 1 podemos observar a rede dacomunidade do saneamento em 1975, quando osquadros funcionais das três empresas foram colo-cados em contato, mas antes que a estruturaadministrativa da nova empresa a tenha impacta-do. A rede incluía 111 indivíduos, conectados por

Figura 1Sociograma da Rede da Comunidade na Criação da Cedae (1975)

Fonte: Entrevistas com técnicos da comunidade.

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361 vínculos. Na figura, denominada sociograma,os retângulos representam funcionários de umadas três empresas, as elipses representam funcio-nários da geração anterior, que se retiraram dosetor público antes da criação das três concessio-nárias indicadas mas permaneceram ativos na co-munidade profissional no período, e as letrasindicam indivíduos que ocupam posições de es-pecial importância na rede. Como podemos ver,é nítida a existência de pelo menos três grandesgrupos, construídos segundo a origem funcionaldos técnicos, como mostram as curvas em traçogrosso. Também é possível notar que a mediaçãoentre os técnicos provenientes da Cedag e daEsag era realizada por indivíduos da geração an-terior (que haviam trabalhado com ambos nasempresas anteriores do antigo Estado da Guana-bara), ao passo que os técnicos originários daCedag e Sanerj não apresentavam nenhuma me-diação entre si, além de manterem uma menorquantidade de vínculos.

A partir da fusão, as três redes originaiscomeçaram a se interpenetrar, com o estabeleci-mento paulatino, ao longo dos anos, de vínculosde novas amizades, de relações de trabalho cons-truídas na nova empresa, de contatos políticos e denegócios. A Tabela 1 apresenta os números abso-lutos e relativos dos elos com indivíduos da mesmaempresa de origem e de outra empresa ao longodos períodos.

Como podemos ver, os números absolutosde vínculos crescem bastante no decorrer do tem-po, mas o total de indivíduos envolvidos emprocessos de decisão não aumenta na mesmaproporção. Isso se deve à grande estabilidade darede, visível quando observamos as gerações de

técnicos. Dividi os técnicos em três gerações,segundo o seu momento de entrada na comunida-de. A primeira geração inclui os indivíduos sociali-zados na comunidade antes da segunda metade dadécada de 1960, nas empresas anteriores à Cedag,Esag e Sanerj. A segunda geração é composta pelosindivíduos que entraram para o setor nessas em-presas. Na terceira incluí os técnicos socializadosno setor já na Cedae, depois de 1975. Do total de178 indivíduos presentes em algum momento narede, teríamos 31 de fora da comunidade propria-mente dita, 26 pertencentes à primeira geração,112 à segunda e apenas 9 da terceira. Isso querdizer que, do nosso universo de técnicos, 63% jáhaviam trabalhado em uma das empresas imediata-mente anteriores à Cedae. Esse percentual sobepara 76% se descontarmos os 31 indivíduos de forada comunidade.

A tabela nos informa também que, em termosproporcionais, os vínculos com ex-funcionários daempresa de origem caíram ao longo do tempo,mas, mesmo em 1996, 22 anos após a fusão, elesainda representam cerca de 50% do total de rela-ções presentes na rede. Isso nos permite caracteri-zar a rede da comunidade profissional como forte-mente dependente da trajetória histórica seguida.Entretanto, se observarmos os números absolutos,poderemos notar que os vínculos com indivíduosdas empresas de origem apresentam pequena va-riação, mas aqueles com membros de outras em-presas aumentam muito. Isso nos informa que a“colagem” interna da nova empresa foi realizada,principalmente, por vínculos estabelecidos commembros de outras empresas, ou seja, pelo proces-so de fusão das redes originais ocorrido em grandeparte entre 1975 e 1990.

Tabela 1Evolução dos Vínculos segundo a Origem

Vínculos 1975 1975/82 1983/86 1987/90 1991/94 1995/96Com membros No 295 316 340 298 345 307da empresa original % 82 68 62 57 55 52Com membros No 66 152 212 222 283 280de outra empresa % 18 32 38 43 45 48Total de Vínculos No 361 468 552 520 628 587Total de nós No 111 127 153 153 154 151

Fonte: Entrevistas com membros da comunidade.

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O Gráfico 1 apresenta a evolução do total devínculos por tipo de ligação e período.

Como podemos observar, o conjunto de vín-culos apresenta uma clara tendência crescente emrelação aos períodos anteriores, embora ocorramquedas em 1986-90 e em 1995-96. Essas quedasrepresentam momentos concentrados de saída darede por aposentadoria e falecimento. Essa tendên-cia é parcialmente encoberta pela entrada maisintensa de membros externos à comunidade narede a partir de 1986, e principalmente depois de1990. A entrada de tais elementos deu-se principal-mente em cargos de chefia e diretoria, que nosprimeiros dez anos da empresa eram ocupadosquase que exclusivamente por técnicos do própriosetor. Voltarei a esse ponto mais adiante.

As questões mais importantes a considerar,entretanto, estão relacionadas aos tipos de vínculo.Em primeiro lugar, os patamares dos vínculospessoais e institucionais são muito superiores aosdos vínculos políticos e de negócios. Os vínculospessoais são os mais importantes no início doperíodo, mas são ultrapassados pelos vínculosinstitucionais em 1983-86. Além disso, a tendênciados vínculos institucionais é sempre crescente, aopasso que as relações de amizade tendem à queda

depois de 1983-86, indicando a gradual substitui-ção dos vínculos de afinidade pessoal por vínculosde trabalho como base da rede que dá suporte àempresa.

Portanto, temos um aumento do número devínculos entre técnicos, causado principalmentepelo estabelecimento de elos entre indivíduos deempresas de origem diferentes cada vez mais base-ados em relações de trabalho, ao invés de laçospessoais, de forma paralela à fusão das três empre-sas. Em seu conjunto, esse processo indica a influ-ência da rede na consolidação da empresa comoorganização, além da sua maior institucionalização.

Vale ainda comentar os perfis dos vínculosde negócios e de natureza política, que apresentamum comportamento temporal similar. O conteúdodas entrevistas com membros da comunidade pro-fissional indicou um baixo grau de politização,sendo muito rara a identificação de funcionárioscom partidos políticos, ou mesmo com grupos deafinidade ideológica. O Gráfico 1 confirma essacaracterística, além de demonstrar um certo parale-lismo entre as relações políticas e as de negócios,que incluem corrupção. É interessante observarque, entre 1975 e 1986-90, os vínculos de negócioscrescem bastante (33, 59 e 70, respectivamente),

0

100

200

300

400

500

600

700

T0 T1 T2 T3 T4 T5

Períodos

No de

vínc

ulos

Institucional Pessoal Políticos Negócios Total

Gráfico 1Total de Vínculos por Tipo e Período

Fonte: Entrevistas com técnicos da comunidade.

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assim como o número de indivíduos envolvidos(20, 25 e 30), mas a partir de então se estabilizamnos dois últimos períodos (83 elos) e cai o númerode pessoas presentes (31 e 24), principalmentepela saída de técnicos da comunidade. Em umprimeiro momento, ocorre um aumento das redesde corrupção e, posteriormente, o seu adensamen-to, inclusive com a unificação das redes existen-tes.21 Esse processo corresponde a duas fasesdistintas do deslocamento ocorrido durante o perí-odo no fenômeno da corrupção, fato evidenciadopelo conteúdo das entrevistas. Aparentemente, noinício do período, a corrupção no setor caracteriza-va-se por um padrão localizado e associado adeterminados funcionários específicos, mas poucoa pouco ela foi crescendo em amplitude e abran-gência, além de se adensar e se consolidar. Segun-do os entrevistados, esse processo deve-se princi-palmente ao fato de a corrupção ter mudado deescala, passando a ser incentivada de fora daconcessionária por esquemas de financiamento decampanhas eleitorais e por empresas privadas demaior porte.

A rede e a inserção da comunidade em seuambiente político

Outro conjunto de dinâmicas importantes darede da comunidade diz respeito à relação entre acomunidade e seu ambiente político mais amplo.Uma parte significativa dos indivíduos externos àcomunidade, já referidos, é composta por políticosde carreira ou técnico-políticos, no sentido deSchneider (1991).22 A pesquisa mostrou que arede, construída historicamente, põe em contato aburocracia técnica do setor com, de um lado,políticos e técnico-políticos investidos de cargosinstitucionais e, de outro, empresas privadas con-tratadas pelo poder público. As posições na redetransformam o poder institucional, concentradonos cargos eletivos e de indicação política, nagestão concreta e diuturna da política. Observe-mos como isso ocorre.

As Figuras 2 e 3 apresentam escalas multidi-mensionais (MDS) da rede nos períodos 1983-86 e1987-90, ilustrando os resultados dessa parte dapesquisa. Escalas são procedimentos estatísticosutilizados para reduzir a duas dimensões a variân-

cia da matriz de relações que expressa a rede,permitindo a sua representação em um planocartesiano. O procedimento é preciso e de fácilvisualização, e substitui os sociogramas quando acomplexidade da rede torna a sua visualizaçãodifícil, e a sua construção imprecisa.23 As escalasapresentam apenas os nós (sem os vínculos), masas suas posições relativas expressam o padrãogeral de relações. As distâncias entre os indivíduosfuncionam como distâncias reais e a figura podeser lida como um mapa.24

Como vimos na Figura 1, os técnicos oriun-dos da Sanerj localizavam-se acima e à esquerda,os da Esag abaixo e à direita e os oriundos daCedag abaixo e à esquerda.25 Ao longo dos perío-dos, entretanto, o estabelecimento de novos víncu-los e a quebra dos antigos deslocaram uma partesignificativa dos indivíduos oriundos da Sanerjmais para o centro e para o alto, ficando osoriginários da Cedag ocupando todo o lado es-querdo e parte do centro do campo. O efeito deinterpenetração dos três grupos produzido pelosnovos vínculos é tal que, nos dois períodos repre-sentados, a dinâmica da rede já não permite adelimitação da origem dos técnicos por meio deáreas contínuas e contíguas, como na Figura 1.Assim, reconstruímos os grupos presentes no inte-rior da empresa através da comparação dos pa-drões de relações dos indivíduos, incluindo em ummesmo grupo os indivíduos com intensas relaçõesentre si, poucas relações com os demais e padrõesgerais de vínculos similares. Os grupos estão deli-mitados nas figuras através das linhas contínuasque cercam indivíduos.

Nas figuras estão indicadas, ainda, as posi-ções dos ocupantes de cargos institucionais impor-tantes. Observemos inicialmente as posições dosgovernadores, presidentes da empresa e secretári-os. Como podemos ver na Figura 2, referente aoprimeiro governo Leonel Brizola (1983-86), o go-vernador, o secretário e o presidente localizam-seno lado direito do campo, enquanto na Figura 3,relativa à administração de Moreira Franco (1987-90), os ocupantes de tais cargos (inclusive os trêspresidentes da empresa) localizam-se em posiçãooposta. Essa tendência se repete em todas asadministrações, indicando que os políticos entram

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Figura 2Rede da Comunidade com Grupos e Diretorias 1983-86 (MDS)

Figura 3Rede da Comunidade com Grupos e Diretorias 1987-90 (MDS)

Fonte: Entrevistas com técnicos da comunidade.

Fonte: Entrevistas com técnicos da comunidade.

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na rede de forma pendular, associando-se ao ladooposto do campo da comunidade já ocupado porseus adversários. Em termos concretos, isso resul-tou na utilização de um lado da rede pelos gover-nadores Chagas Freitas e Leonel Brizola (em seusdois governos), enquanto os governadores FariaLima, Moreira Franco e Marcelo Alencar utilizaramo extremo oposto do campo. Vale acrescentar queos presidentes sempre se localizam mais ao centrodo campo do que o governador e os secretários, eo seu padrão de vínculos tende a ser mais intensocom os vários grupos da comunidade.

Uma dinâmica similar ocorre com as diretori-as da empresa, que seguem um padrão de compo-sição polarizada, pelo qual são escolhidos para asdiretorias técnicos pertencentes aos grupos próxi-mos ao do presidente (e nunca só deste), cobrindouma área significativa da comunidade profissional,mas nunca incluindo elementos dos grupos dopólo oposto do campo (que havia sido o “centro”político e decisório de forças políticas adversárias).Mediante as indicações dos diretores, o presidentese apropria provisoriamente das suas posições econtatos para exercer o seu poder.

Como podemos notar na Figura 3, o governoMoreira Franco contou ainda com três vice-presi-dentes, cargo inexistente até 1987. Esse cargo foicriado quando a presidência da empresa começoua ser ocupada por políticos e outros elementos defora da comunidade. A partir de então, o presiden-te passou a se envolver com a política externa,enquanto o vice-presidente (sempre da comunida-de) se ocupava da gestão da empresa. Na maiorparte das vezes, os vice-presidentes tendem a selocalizar ainda mais ao centro do que os presiden-tes, como mostra a Figura 3, indicando padrões devínculos mais disseminados e equilibrados entre osdiversos grupos.

Vale mencionar ainda a constituição de umgrande grupo no alto da figura, composto pelosindivíduos envolvidos em redes de negócios, espe-cialmente corrupção. Esse grande grupo é com-posto pelos três agrupamentos ligados por essetipo de vínculo durante os momentos anteriorescom origem nas três empresas originais. Esteslocalizavam-se em regiões distantes entre si, masforam se aproximando e se associando. A partir de

um determinado período já constituíam um únicogrupo coeso e próximo, confirmando a já citadamudança do padrão de corrupção presente nosetor. Esse processo de aproximação paulatina dosgrupos indica a existência de uma tendência demédio prazo, não associada a nenhuma adminis-tração em particular.26

Portanto, considerando-se a baixa politiza-ção da comunidade profissional, podemos con-cluir que são os políticos que se associam aostécnicos para penetrar no setor e exercer sobre eleo seu poder, e não o contrário. Esse processo éfortemente path dependent e reduz o leque deopções de alianças colocado a cada momento,assim como induz determinadas associações,como indicam as posições das presidências nosvários governos. A penetração do poder institucio-nal na comunidade profissional, portanto, é alta-mente estruturada e mediada pela rede.

Para dar conta de tais dinâmicas, diferencia-mos o poder institucional, oriundo da investidurade cargos, do poder posicional, associado à ocupa-ção de determinadas posições na rede de relaçõesda comunidade profissional. Ambas as formas depoder são fundamentais para o desenrolar da açãoestatal. Enquanto a primeira forma corresponde aocomando concentrado do Estado e às grandesdecisões, a segunda pertence ao reino das capaci-dades estatais e da transformação do poder despó-tico do Estado em poder infra-estrutural, no senti-do atribuído a tais conceitos por Mann (1992).27 Éa rede da comunidade que, em grande medida, dáacesso à segunda forma de poder.

As duas formas de poder correspondem adiferentes facetas do poder estatal e, portanto,transformam-se uma na outra: quem tem cargosconsegue, por meio do uso do seu poder, acesso(direto ou “emprestado”) a posições, e quem ocupaposições de especial relevância acaba por conse-guir poder institucional para disponibilizar seuscontatos. Essas transformações dependem das açõesdos atores, por vezes do acaso, e principalmente dahistória da rede (e de cada indivíduo), já que estaconstrange as posições que podem ser “empresta-das” por alguém investido de cargos e tambéminfluencia o quanto alguém com posições a “em-prestar” pode pedir para si. Essa é a forma assumida

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pela relação entre técnicos do setor e políticos,inclusive os do Legislativo. Esses políticos precisamde técnicos, do mais alto diretor ao chefe local dodistrito, para o atendimento a suas bases eleitorais,e a eles oferecem apoio institucional para suatrajetória no interior da administração pública.

A rede da comunidade, portanto, além decontribuir decisivamente para a consolidação in-terna dos indivíduos e grupos no interior da em-presa estatal, realiza a inserção desta no ambientepolítico mais amplo no qual opera, ao mesmotempo que permite a transformação de diretrizesgerais em políticas concretas. A dinâmica desseprocesso no caso estudado aponta, entretanto,para um deslocamento da inserção da empresa emseu ambiente político ao longo do tempo. Issoacontece especialmente na década de 1990, mascertamente já estava em construção durante asegunda metade da década de 1980. Até então, oscargos institucionais internos à comunidade eramocupados por técnicos do setor, que se relaciona-vam diretamente com políticos e técnico-políticoslocalizados no ambiente político mais ampliado. Apartir do início do governo Moreira Franco, oscargos existentes no interior da Cedae foram sendoocupados cada vez mais por elementos de fora dacomunidade: entre 1975 e 1982, a Cedae teve trêspresidentes e dezoito diretores, todos oriundos dacomunidade do saneamento, ao passo que no finaldo período, entre 1991 e 1996, a empresa teve trêspresidentes de fora para um da comunidade e oitodiretores de fora contra quinze oriundos da comu-nidade. Nesse novo padrão, os principais operado-res da política (em todas as dimensões) passaram aser o vice-presidente e os diretores, assim comoposições inferiores na burocracia da empresa. Opoder posicional a ser obtido para a operação dapolítica passou a ser trocado por poderes instituci-onais de menor porte, indicando uma perda relati-va de importância do primeiro em anos recentes.

A rede e a permeabilidade do Estado no setorParalelamente à dinâmica do poder, a rede

da comunidade profissional também estrutura orelacionamento entre o Estado e as empresasprivadas do setor, integrando os campos do públi-co e do privado de maneira quase contínua.

Para analisar tal processo, realizei uma sériede entrevistas de forma a obter informações queme permitissem relacionar as empresas contratistasde maior destaque nas licitações com a rede dacomunidade profissional reconstruída para cadaperíodo. Nesse caso, as relações levantadas envol-veram apenas vínculos entre indivíduos da rede eempresas privadas em um dado momento, semprecisar o tipo de relação existente. A análise dasposições ocupadas por cada empresa, em cadamomento, permitiu-me investigar até que ponto ovolume de recursos contratado com cada empresase associa com o padrão de relacionamentos cons-truído por elas.

Primeiramente, reconstituí a rede do setorpor período, incluindo os grupos de indivíduos eas empresas privadas. Em seguida, realizei análisesde regressão múltipla, tendo como variável depen-dente o volume de contratos assinados em cadaperíodo e como variáveis independentes, algumasestatísticas que medem posições na rede, além docapital das empresas.28 Cada medida de centralida-de testa a importância, para o valor das vitórias emcada ano, de um tipo de posição na rede.

A primeira delas é a mais intuitiva, expressan-do a distância de cada empresa do presidente e dogovernador no interior da rede, e testando apossível importância do estabelecimento de víncu-los diretos entre as empresas e o núcleo central dopoder institucional em cada governo. A segundamedida, denominada “grau”, expressa a centralida-de da forma mais simples possível, totalizandosimplesmente o número de contatos diretos esta-belecidos pela empresa. A terceira medida decentralidade, denominada “poder/influência”, as-semelha-se ao grau mas considera não apenas onúmero de contatos diretos, como também oscontatos dos indivíduos com os quais uma deter-minada empresa tem contato. Essa medida testa aimportância da ligação com elementos centrais e/ou poderosos na rede. A quarta, denominada“intermediação”, indica em que proporção umaempresa se encontra necessariamente no caminhoentre pontos da rede, e testa a importância daocupação, pelas empresas, de posições de inter-mediação na rede da comunidade (tanto entreempresas quanto entre grupos de técnicos). A

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quinta e última medida relacional é intitulada“informação” e mede a proporção dos caminhos darede que passam por uma determinada empresa,sejam eles únicos ou não (o que a diferencia da“intermediação”). A Tabela 2 apresenta os coefici-entes e as significâncias estatísticas dos diversosmodelos.

Como podemos ver, nos vários modelostestados, a única variável a apresentar comporta-mento estatístico significativo é a variável “infor-mação”. Isso indica que é a ocupação de posiçõesque permitem às empresas o acesso a um grandevolume de informações que explica o padrão devitórias em licitações. É necessário observar quenão se trata da ocupação de posições que dãoacesso a informações privilegiadas, embora essastambém possam estar presentes, mas da ocupaçãode posições por onde fluem volumes especiais deinformação.

Observemos também o comportamento dasdemais variáveis nos modelos. Em primeiro lugar,devemos notar que, ao contrário do que considerao senso comum e uma parte significativa dasliteraturas pluralista e da teoria das elites, elevados

volumes de contratos não são garantidos por umamaior proximidade com o núcleo do Executivo(medida pelo número de passos na rede até opresidente da empresa) ou pelo estabelecimentode relações com pessoas importantes (relaçõescom quem tem muitas relações, medidas pelo“poder/influência”). De forma similar, ao contráriodo que considera a maior parte da literatura neo-marxista, assim como uma parcela significativa dosenso comum, o poder econômico das empresas(medido pelo porte do capital) não garante eleva-dos valores de vitória ao longo do tempo, já queessas duas variáveis não se apresentaram associa-das estatisticamente de forma representativa. Aanálise indicou também que o número absoluto decontatos estabelecidos no interior da rede (grau)não conduz a um maior volume de contratos, damesma forma que a ocupação de posições deintermediação na rede (intermediação).

Mas será que o acesso à informação é igualpara todos os tipos de empresas? Para testar talhipótese, realizei uma outra análise de regressãoentre o capital das empresas e o acesso a informa-ção. Encontrei como resultado uma alta significân-

Tabela 2Análises de Regressão dos Modelos (Coeficientes e Estatísticas t)

Variável Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5

Distância ao Presidente 42480.48(0.053)

Grau 176917.74 25836.77(0.621) (0.365)

Poder/Influência 628894.08(-0.561)

Intermediação -2055939.62 -1959247,08 -1730952.36(-0.937) (-0.911) (-0.848)

Informação 1137510.20 911336.23 1239874.29 * 994876.38 * 917135.88 *(0.994) (0.867) (2.311) (2.180) (2.286)

Capital social 0.004379 0.00465 0.004407 0.003841(0.755) (0.82) (0.789) (0.71)

Estatística F (Fisher) 0.95221 1.39227 1.8442 2.3799 5.2275(0.4669) (0.2495) (0.1507) (0.1020) (0.0251)

* Significativos a 0.05 de probabilidade.Variável dependente: Valor total médio anual das vitórias no período (R$); número de casos: 57. Três outliers, quedistavam mais de três desvios padrões da média do período, foram retirados da análise.

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cia estatística, mas um sinal negativo no coeficien-te, indicando que quanto maior o capital dasempresas, menos presentes elas estão na rede dacomunidade e menor o seu acesso a informações.Uma última regressão testou a relação entre otamanho das empresas e sua proximidade aonúcleo do poder institucional, investigando a rela-ção entre a variável capital social e a proximidadedo presidente e do governador. Essa análise tam-bém apresentou significância estatística, mas mos-trou uma relação direta entre as variáveis, indican-do que, quanto maior a empresa, mais próxima elaestará do núcleo do poder oriundo da investidurade cargos.29

Assim, empresas de maior capital ocupammenos posições de informação na comunidade,mas têm maior proximidade com o núcleo doExecutivo do que empresas pequenas. Essas últi-mas, que representam as típicas vencedoras decontratos do setor de saneamento em nível local,por outro lado, apresentam grande número decontatos no interior da comunidade profissional eocupam posições na rede que lhes garantem infor-mações e contratos “por baixo”.30

O padrão de intermediação de interessesexistente é, portanto, duplo e combinado, incluin-do, de um lado, empresas típicas do setor desaneamento no Rio de Janeiro (familiares ou demenor porte), que utilizam seus vínculos constru-ídos ao longo do tempo (e da vida de seusmembros) para obter informações e vencer licita-ções, e, de outro, empresas de grande porte, commenos vínculos na comunidade mas com maiorproximidade com os integrantes do núcleo dopoder institucional. A importância dessas empresastem crescido na década de 1990, não por acasomarcada por uma crise nas obras federais, por umadisseminação das relações de corrupção na comu-nidade profissional, por um aumento dos elemen-tos de fora nas diretorias e demais cargos e por umaredução relativa da importância do poder posicio-nal na mediação entre a comunidade e o ambientepolítico.

Vale acrescentar ainda uma observação comrelação ao arcabouço legal que cerca as contrata-ções do poder público. A estruturação em rede dacomunidade mostra que o princípio da igualdade

entre os licitantes presente no direito público éuma ficção jurídica, já que na realidade do merca-do de obras públicas a concorrência é mediadapelas posições ocupadas na rede da comunidade.Neste (como na maioria dos mercados), o númerode empresas não é grande, elas não são iguais,equivalentes ou intercambiáveis e, especialmente,quase todos os agentes estão em contato entre si ecom o Estado, através da rede da comunidadeprofissional construída de forma gradual ao longodos muitos anos de convivência e relação entreindivíduos, grupos e empresas.

ConclusõesEste artigo introduziu uma interpretação

nova sobre as relações entre Estado e sociedade noBrasil. Tomando como ponto de partida um con-junto de atores definidos a partir de suas posiçõesde poder, desenvolvi uma investigação empíricados padrões de vínculos entre indivíduos, grupos eorganizações que constituem a rede da comunida-de profissional da política estudada. A partir dessespadrões foi possível analisar e explicar inúmerosfenômenos da política.

Como vimos, a Cedae foi criada a partir dafusão de três empresas públicas, em um processoextremamente conflituoso que marcou intensa-mente a empresa nos seus primeiros anos deexistência. A consolidação da concessionária comoorganização estatal integrada dependeu, em gran-de parte, da interpenetração das redes das trêsempresas na constituição de um único campo derelações. A rede da nova empresa, embora organi-zada em grupos e claramente estruturada, apresen-ta grande coesão e estabilidade, demonstradaspela pequena variação de seus membros, assimcomo pela baixa presença de indivíduos de fora.

A pesquisa mostrou também que é essa novarede integrada que insere e media a relação daCedae com o seu ambiente político mais amplo.Como pudemos observar, a entrada dos ocupantesde cargos eletivos e comissionados na comunidadeda política estudada se dá em um padrão polariza-do pelos grupos presentes no campo, assim comopelas relações já estabelecidas por seus adversáriosem momentos anteriores. As indicações da presi-

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dência e das diretorias da Cedae representam umaforma de os políticos penetrarem em determinadasregiões da rede e se apropriarem provisoriamentedas posições de grupos técnicos, assim como deindivíduos. Essa dinâmica marca o desenvolvimen-to de uma forma específica de poder veiculadapelos elos da rede da comunidade profissional,caracterizada por nós de poder posicional, funda-mental para garantir a implementação das diretri-zes gerais das políticas estabelecidas, em grandeparte, pelos ocupantes do poder institucional.

Por fim, o estudo da rede e das posições dosgrupos de técnicos e das empresas privadas no seuinterior permite explicar os padrões de contrataçãode empresas privadas pelo Estado. Como vimos, éa ocupação de determinadas posições na rede quepermite a obtenção, ao longo do tempo, de umgrande volume de recursos em contratos com oEstado, e não variáveis como a proximidade com onúcleo do poder institucional ou o capital dasempresas. Esse processo indica a existência deformas específicas de relacionamento entre o Esta-do e o setor privado associadas à rede da comuni-dade e impossíveis de descrever por meio deconceitos como anéis burocráticos e privatizaçãodo Estado. Denominei esse processo de permeabi-lidade estatal, qualificando-o segundo o porte e ascaracterísticas das empresas contratadas.

Assim, o mesmo fenômeno que é responsá-vel pela consolidação estatal e sua ligação com orestante do Estado dá origem a formas de permea-bilidade entre este e o setor privado que o fragili-zam como organização. Entretanto, ao contrário doque tem sido preconizado por uma parte significa-tiva da literatura, a prevalência de padrões derelacionamento individual como base da estrutura-ção do setor estatal no Brasil não é um resquício doatraso em meio ao moderno que deveria sersuperado, mas faz parte das características daprópria constituição do Estado brasileiro, e dessaforma deve ser encarado. Só assim será possíveldesenvolver alterações realistas do arcabouço ins-titucional brasileiro, que compreendam as caracte-rísticas negativas de tais traços e tirem proveito doque eles podem trazer de positivo.

NOTAS

1 A escolha de tais atores decorre, em grande parte, deuma ampla discussão crítica da literatura sobre Estado epolíticas públicas realizada em Marques (1997). Nessetrabalho, discuti detalhadamente as contribuições dastradições neomarxista, institucionalista, do State-in-so-ciety e da análise setorial com relação às políticasestatais e seus atores.

2 Entende-se por comunidade profissional um campoassociado a práticas profissionais e de saber, constituídopela adesão a organizações concretas, mas também pelacomunhão de uma determinada visão da sociedade e doseu objeto de intervenção. Para uma discussão sobre asdiferenças entre o conceito de “campo da comunidadeprofissional”, o conceito de “setor de política” de Muller(1985) e Jobert e Muller (1987) e o conceito de “policydomain” de Laumann e Knoke (1987), ver Marques(1998a).

3 Para uma resenha da literatura de Ciência Política queutiliza análise de redes sociais, ver Marques (1998a).

4 Ver Somers (1993), Gibson e Mische (1995), Mische(1997) e Mische e Pattison (1999). Os trabalhos deMische estão entre os poucos estudos sobre a realidadebrasileira que enfocam movimentos sociais de jovensem período recente.

5 Para Schneider (1991), que não utiliza análises de redes,mas parte de uma clara “ontologia relacional”, essa é aexplicação para a grande capacidade de implementaçãodo Estado brasileiro durante as décadas de 1960 e 1970:os padrões de migração pessoal entre órgãos acabarampor criar um padrão de grande solidez entre os diversosórgãos federais envolvidos com políticas de industriali-zação.

6 Nesse sentido, podemos dizer que a rede da comunida-de contribui para a construção de uma “autonomiainserida”, no sentido de Evans (1993). Esta aumenta ascapacidades estatais, mas ao mesmo tempo limita assuas ações, reduzindo a margem para a adoção delinhas de comportamento predatórias ao restante dasociedade.

7 Não se trata de afirmar que não ocorram lobbies implí-citos ou explícitos no país (Dreifuss, 1989), ou que osistema político brasileiro não tenha algumas caracterís-ticas comparáveis às dos sistemas corporativistas euro-peus (Almeida, 1994), mas de descrever de formaprecisa a maneira disseminada, resiliente e não inteira-mente intencional característica da intermediação deinteresses no país. Voltarei a esse ponto mais adiante.

8 Como a Cedae é uma empresa pública, seus contratosestão sujeitos à legislação de contratações do setorpúblico, que estabelece a realização de licitações comoantecedente necessário de qualquer contrato, salvo asexceções previstas em lei, assim como a publicação dosresultados dessas licitações em veículos de ampla circu-lação.

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9 Para uma descrição detalhada dos regimes legais e suacomparação com relação a inúmeros aspectos, verMarques (1998a).

10 Os procedimentos metodológicos descritos aqui foramutilizados por se tratar de uma comunidade muitoestável, centrada em uma empresa pública bastantefechada, especialmente no que diz respeito aos proces-sos de decisão. A quase totalidade dos entrevistadostrabalha na mesma empresa há mais de 20 anos econhece pessoalmente quase todos os outros membrosda rede. Tomei a precaução, entretanto, de construir arede de forma preliminar no decorrer da pesquisa e deescolher as próximas entrevistas a partir das posiçõesdos entrevistados, de forma a cobrir todo o campo.Pesquisas sobre campos mais abertos, como por exem-plo sobre um setor da economia em nível nacional,necessitariam de um desenho de pesquisa mais fecha-do.

11 Essa é uma dimensão muito importante. Alguns autorestêm demonstrado que determinados tipos de informa-ção fluem mais facilmente por elos fracos, ao contráriodo que considera o senso comum. Cf. Granovetter(1973).

12 Em Marques (1998a), distingui conceitualmente “cor-rupção” de “favorecimento de empresa privada” (mes-mo quando não há recompensa ao funcionário público)e de “lesão ao Estado” (extração de vantagens doEstado, financeiras ou não, superiores ao serviço ouobra realizada pelo produtor privado). Obviamente ostrês fenômenos podem ocorrer ao mesmo tempo (e nomesmo episódio), mas a sua distinção analítica permitea sua compreensão mais precisa, assim como, no senti-do normativo, um combate mais eficaz a cada prática.

13 Sob o ponto de vista técnico, cada tipo de vínculo emcada período torna-se uma matriz quadrada, com indi-víduos nas linhas e nas colunas, denominada matriz deadjacência ou sócio-matriz. Sobre questões específicasda metodologia da pesquisa ver Marques (1998a), e paraum compêndio dos métodos e técnicas ver Wassermane Faust (1994).

14 Considerando a menor confiabilidade das informaçõesreferentes ao tipo de vínculo, optei por usá-las detalha-damente apenas como etapa intermediária na constru-ção da rede da comunidade. O único tipo de vínculo areceber um tratamento individualizado foi o de negóci-os.

15 A comunidade conta ainda com a Associação dosEmpreiteiros do Estado do Rio de Janeiro (AEERJ).Entretanto, esta nunca se mobilizou para realizar açõesou produzir projetos na área do saneamento, embora, apartir da segunda metade dos anos 1990, tenha começa-do a se mobilizar para influir na privatização do setor.

16 Um presidente do SEAERJ foi presidente de uma dasempresas que deram origem à Cedae, na década de1970, e dois presidentes do Clube de Engenharia forampresidentes da Cedae. Nos três casos, as escolhas paraa presidência ajudaram a resolver impasses políticoscolocados para os governadores junto aos vários grupos

que o apoiavam, funcionando como tercius. Ver Mar-ques (1998a)

17 Uma exceção a essa regra foi a forte oposição da ABESnacional às tentativas do governo Marcelo Alencar deprivatizar a Cedae.

18 Ver Marques (1998a) para uma discussão detalhadadesse aspecto da rede da comunidade.

19 As empresas da Guanabara eram herdeiras da experiên-cia mais bem-sucedida em termos de gestão e recursoshumanos do setor, a Superintendência de Urbanizaçãoe Saneamento (Sursan), criada em 1957 mas ativa prin-cipalmente nos anos 1960. A Sursan foi a primeiraempresa do setor a obter um empréstimo internacional(do BID), a instituir a cobrança do consumo de água portarifas, a estabelecer o regime de dedicação exclusivacom aumento dos salários e a implantar uma agênciapara cuidar da poluição (IES). Contava ainda com umprograma de treinamento de funcionários que incluía oacesso direto às publicações estrangeiras mais recentese um convênio com a ONU por meio do qual inúmerostécnicos freqüentaram cursos e estágios no exterior. Cf.Marques (1998a).

20 O rebatimento dos conflitos ocorridos em decorrênciada fusão no imaginário dos funcionários aparece emfalas como esta, de um técnico que foi por duas vezesdiretor da Cedae: “éramos três grupos — os ‘brancos’(da Cedag), os ‘porto-riquenhos’ (da Esag) e os ‘negros’(da Sanerj)”. O entrevistado em questão era “porto-riquenho”.

21 Ver Marques (1998a) para os sociogramas e a descriçãodas redes de negócios por período.

22 Ou seja, indivíduos com uma carreira de origem técnicae associados a determinadas burocracias, mas que apartir de um determinado momento se tornam políticos,inclusive disputando cargos eletivos, sem no entantorepresentarem eleitorado algum. Em inúmeros casos,continuam ligados à gestão das questões com as quaistrabalhavam, mas realizam principalmente a mediaçãoentre os políticos (que trazem consigo a influênciapolítica) e os técnicos (que carregam consigo a raciona-lidade técnica). Schneider (1991, p. 8). Ver tambémCenteno (1994) para o conceito de burocratas-políticos,bastante similar, mas demasiadamente atado à realidadedo sistema político mexicano para descrever a realidadebrasileira.

23 O sociograma da Figura 1, por exemplo, incluía 361relações, enquanto a escala da Figura 2 apresenta 552vínculos.

24 Por restrições de espaço, não apresentei e discuti aqui arede em cada um dos períodos, assim como a dinâmicados grupos em seu interior, sendo o leitor interessadoremetido para Marques (1998a).

25 Obviamente, o que interessa são as posições relativas.As posições “à esquerda”, “à direita”, “acima” e “abaixo”são arbitrárias e poderiam ser invertidas sem nenhumprejuízo do sentido da representação.

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26 Em Marques (1998a) reconstruí os sociogramas denegócios para cada período, encontrando um aumentoda rede, uma elevação da sua complexidade, assimcomo a posterior unificação das redes originais em umúnico agrupamento contínuo.

27 Para Mann (1992), o poder do Estado pode ser separadoanaliticamente em poder despótico — a capacidade desuas elites de realizar ações sem negociação com asociedade — e poder infra-estrutural — a capacidadedas instituições estatais de penetrar no seu territóriopara implementar suas ações.

28 As estatísticas da rede são medidas derivadas dos víncu-los e da estrutura da rede. Para uma descrição maispormenorizada da metodologia, ver Marques (1998a e1998b). Para mais informações técnicas, ver Wassermane Faust (1994).

29 No primeiro caso, a significância do coeficiente foi de0,0033, e no segundo, de 0,016.

30 Os três casos discrepantes indicados na Tabela 2 refor-çam essa hipótese, já que se relacionam com empresasde grande porte.

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