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    Redes de subcontratao e trabalho adomiclio na indstria de confeco:

    um estudo na regio de Campinas*

    Angela Maria Carneiro Arajo**

    Elaine Regina Aguiar Amorim***

    Este artigo tem como propsito discutir as redes de subcontrataoe os novos usos do trabalho a domiclio como elementoscentrais do processo de reestruturao do setor de confeco nosanos 90, bem como seus impactos sobre as condies de trabalhoe sade das mulheres trabalhadoras. Para isso, partimos de umapesquisa realizada na regio de Campinas/SP, que contemplou oestudo de empresas de confeco de pequeno e mdio porte,como tambm uma extensa rede de subcontratao, que tem nasua ponta inferior o trabalho a domiclio. A pesquisa mostra queas mulheres constituem a fora de trabalho tradicionalmentesubcontratada pelas empresas confeccionistas e ocupam asposies inferiores e mais vulnerveis na cadeia produtiva. Mostratambm que o trabalho a domiclio aparece revitalizado, comoinstrumento central de aumento da produtividade a baixos custose como forma alternativa de enfrentar a concorrncia com grandesempresas do ramo.

    : Trabalho Feminino, Indstria de Confeco, Redesde Subcontratao, Trabalho a Domiclio.

    * Recebido para publicao em novembro de 2001.** Professora do Departamento de Cincia Poltica do Instituto de Filosofia eCincias Humanas IFCH/Unicamp.***Mestranda em Sociologia no IFCH/Unicamp.

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    Undercontracting Networks and Household Laborin the Clothing Industry:

    a Study of the CampinasRegion

    This article discusses the undercontracting networks and the newusages of household labor as central elements of therestructuring processes of the clothing sector in the nineties, as wellas their impact on the labor and health conditions of the workingwomen. This is done through research in the Campinas region,State of So Paulo on small and medium sized clothing industries,including the wide undercontracting network, whose lowest pointis household labor. Data show that women are the handstraditionally undercontracted by the clothing industries and that

    they work on the lowest and most vulnerable positions in theproductive chain. They also show that household labor looksrenewed, as a central instrument of productivity increase at lowcost and as an alternative way of entering the competition with thelarger industries.

    : Female Labor, Clothing Industry, UndercontractingNetworks, Household Labor.

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    A acelerao do processo de reestruturao produtiva nosanos 90, em um contexto de crise e globalizao da economia,vem sendo acompanhada no Brasil, como em outros pases, deuma intensificao do uso de distintas formas de subcontrataobem como do trabalho a domiclio.

    A subcontratao constitui-se como um elemento centraldos novos modelos produtivos, derivada das prticas deenxugamento e focalizao das empresas, e fundamentalmente dabusca de maior flexibilidade da produo e das relaes deemprego. Sua intensificao e generalizao nos mais distintossetores da indstria tm levado a um crescimento explosivo depequenas e micro empresas, que visto como parte de umprocesso mundial de descentralizao da produo e crescenteinformalizao.1 Estudos internacionais mostram que asubcontratao tem sido crescentemente utilizada como umprocesso de gerenciamento das mudanas organizacionais, da

    fora de trabalho e das relaes industriais. Motivaes eproblemas comuns tm sido identificados em diferentes setores epases. Se razes econmicas, como reduo de custos e acrescente competitividade, foram destacadas como as principaismotivaes das empresas para a externalizao de atividades,consideraes de ordem poltica e filosfica tambm aparecemfreqentemente como importantes. Assim,

    a vontade de aumentar a flexibilidade do mercado detrabalho, de rever as prticas do trabalho e, em particular,de reduzir o poder dos sindicatos, tm sido, todas elas,

    1 YPEIJ, Annelou. Transfering risks, microproduction and subcontracting in thefootwar and garment industries of Lima, Peru. Latin American Perspectives,vol. 25, n 2, march 1998.

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    incentivos poderosos adoo da subcontratao tanto nosetor privado quanto no pblico.2

    No Brasil, cadeias de subcontratao, nas quais soencontradas distintas formas de relaes entre empresas ou entreempresas e trabalhadores, generalizaram-se, ao longo da ltimadcada, em diferentes setores da economia, como parte daestratgia das empresas de assegurar condies de

    competitividade seja no mercado nacional ou no mercado global.Assim possvel encontrar hoje, no pas, extensas redes desubcontratao que tm na sua ponta superior grandes empresasmultinacionais atuando no mercado global; empresas atuandocomo subcontratadas numa cadeia global, que tem como principalcliente uma grande companhia com matriz no exterior oupequenas redes de subcontratao vinculadas a empresas demdio e pequeno porte atuando basicamente no mercadonacional. Em muitas destas redes possvel encontrar em suaponta inferior o uso do trabalho a domiclio.

    A indstria de confeco, por ser um ramo industrial

    baseado no uso intensivo de mo-de-obra, cuja produo sedesenvolveu com poucas inovaes tcnicas, limitadas mquinade costura industrial e ao trabalho manual, caracterizou-se desdeseus primrdios pelo uso contnuo de diversas formas de trabalhosubcontratado, principalmente do trabalho a domiclio.

    O intenso processo de reestruturao pelo qual vempassando este setor nas duas ltimas dcadas tem levado, nonovo contexto da competio globalizada, ao crescimento dealgumas grandes empresas e ao declnio de outras, compra decompetidores por multinacionais, e ao desenvolvimento defranchises internacionais. Ao lado disto, a explosiva expanso daproduo em pequena escala, das micro empresas e do trabalho a

    2 YOUNG, Suzanne. Outsoursing: lessons from the Literature. Labour & Industry,vol. 10, n 3, abril de 2000.

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    domiclio, constituem conseqncias visveis da intensificao domovimento de subcontratao.

    Com isso, este artigo tem como propsito discutir o processode subcontratao como parte da reestruturao no setor deconfeco a partir da anlise das cadeias de subcontratao e dosnovos usos do trabalho a domiclio e seus impactos sobre ascondies de trabalho e sade de homens e mulherestrabalhadores. Para isso, partimos de um estudo de caso realizadoentre 1998 e 2000 na regio de Campinas/SP3, envolvendoempresas de confeco, cadeias produtivas compostas porempresas subcontratadas de diferentes portes e trabalhadorasdomiciliares. Ao longo da pesquisa foram realizadas entrevistascom proprietrios, gerentes e operrios/as de algumas empresas,assim como com os presidentes do Sindicato Patronal e doSindicato dos Trabalhadores, alm das entrevistas com asempresas prestadoras de servios e com costureiras que trabalhamno prprio domiclio.

    Com o objetivo de distinguir o fenmeno mais recente daexternalizao de servios ou produo, associado aos processosde reestruturao, das formas tradicionais de subcontratao,Young distingue outsourcingde subcontracting. Outsourcing(queneste texto traduziremos por terceirizao) definida como o atode uma empresa transferir a proviso de servios ou de atividadesprodutivas, antes desenvolvidas por ela nas suas prpriasinstalaes, para uma terceira parte que assume aresponsabilidade da execuo destas atividades para a empresa

    3 Aqui estamos considerando por regio de Campinas o espao geogrficocomposto por cidades localizadas prximas ao municpio de Campinaspesquisadas por ns Campinas, Cosmpolis, Bragana Paulista, Hortolndia,Sumar e Limeira.

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    contratante sob determinadas condies contratuais.4 Estadefinio inclui a possibilidade de que a execuo das atividadesterceirizadas seja realizada no interior da empresa contratante,mas supe que a terceira parte (seja ela uma empresa outrabalhadores autnomos) esteja fora das relaes e condies deemprego que governam os empregados da contratante.

    As formas tradicionais de subcontratao so vistas por estaautora como as que se encontram, por exemplo, na proviso demateriais da indstria da construo civil e seriam equivalentes contratao de fornecedores de produtos ou servios completos.No setor de confeco, a terceirizao, como definida porYoung, corresponde no apenas a uma prtica recente, mas forma tradicional de subcontratao presente desde o incio dodesenvolvimento desta indstria atravs da prtica doputting out.

    A compreenso das diferentes modalidades de terceirizao,de relaes entre contratantes e subcontratados observadasneste setor, como parte do processo recente de reestruturao,exige o estabelecimento de duas distines. Ypeij5 distingue asubcontratao parcial e a completa e suas formas equivalentes e

    assimtricas.Na subcontratao parcial, a empresa contratante transfereparte da produo a uma terceira parte, mas fornece asmatrias primas e/ou produtos semi-manufaturados necessriose, em alguns casos, inclusive o maquinrio. A subcontratada responsvel por uma parte do processo de fabricao e, emgeral, quando ela termina sua tarefa o produto recebe aindaum processamento final na firma contratante. No caso dasubcontratao completa, a empresa contratante transfere subcontratada a fabricao completa do produto, provendo a elaapenas suas etiquetas e material de embalagem. Estas duas

    4 Ver tambm REILLY, P. and TAMKIN, P. Outsoursing: a flexible option for thefuture? IES Report 320, The Institute for Employment Studies, Brighton, UK,1996.5 YPEIJ, A. Transfering risks, microproduction... Op. cit.

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    modalidades de subcontratao no so mutuamente excludentes,mas constituem plos de um continuum.

    A subcontratao assimtrica geralmente se estabelece entreempresas de porte diferente, ou seja, entre grandes e pequenasempresas e envolve relaes desiguais de poder e subordinao.Na maioria das vezes, os vnculos entre estas empresas assumem aestrutura de uma pirmide, com poucas grandes empresas notopo e uma graduao crescente de mdias e pequenas empresasnos nveis inferiores em direo base.6 A forma desubcontratao equivalente envolve empresas que tem tamanhosemelhante. Esta a forma predominante no setor de confecoda regio de Campinas e envolve uma gradao de pequenasempresas e micro-produtores, que so, na maioria das vezes,costureiras trabalhando a domiclio. Nestas duas formas desubcontratao, no entanto, possvel encontrar relaes entre osetor formal e informal bem como relaes de subordinao emvariados graus entre subcontratadas e contratantes.

    De acordo com Ypeij7, distintos graus de subordinao estodiretamente relacionados com a subcontratao parcial e com a

    subcontratao completa. Esta ltima permite ao/ produtor/adeter maior autonomia em relao empresa contratante, namedida em que ele/a toma as decises centrais relativas comprade matria-prima, ao uso da subcontratao, e forma deorganizao da produo. Alm disto, ele/a o/a proprietrio/a doproduto at o momento da sua entrega ao contratante. No casoda subcontratao parcial, como os/as produtores/as se envolvem

    6 Ypeij, citando Beneria e Roldan, menciona tambm a estrutura em formato dediamante em que uma grande empresa subcontrata vrias firmas de mdio oupequeno porte para a produo de um mesmo produto. E ocasionalmenteacontece que uma empresa pequena especializada na elaborao de uma parte

    deste produto recebe pedidos das vrias subcontratadas da grande contratante.ApudBENERIA, Lourdes e ROLDAN, Martha. The Crossroads of Class and Gender,Industrial Homework, Subcontracting, and Household Dynamics in Mxico City.Chicago and Lodon, University of Chicago Press, 1987.7 ID., IB.

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    em apenas uma parte da produo, e no tm contato comfornecedores e nem com os pontos de venda do produto final,seu controle sobre o processo produtivo muito mais limitado e maior sua subordinao ao contratante. A perda deindependncia do/a pequeno/a ou micro-produtor/a aindamaior quando o/a contratante fornece o maquinrio necessrio fabricao. Esta relao de subordinao se transfere paraas pontas inferiores da cadeia, mesmo no caso dasubcontratao equivalente, quando pequenas ou micro-empresas subcontratadas, transferem por sua vez parte daproduo para outras/os micro-produtoras/es ou paratrabalhadoras/es a domiclio, o que constitui uma prticacomumente empregada nas indstrias de calado e de confecopara a reduo de custos e aumento da produtividade.

    No Brasil, estudos recentes tm chamado ateno paraexistncia de duas modalidades de terceirizao: a primeira,considerada mais virtuosa, consiste num instrumento de melhoriada qualidade, da produtividade e da competitividade, na medidaem que inovaes tecnolgicas e organizacionais so transferidas

    para as empresas subcontratadas e se difundem ao longo dacadeia. Na segunda modalidade, a terceirizao ocorre com oobjetivo central de reduo de custos e, nesta medida, o que setransfere s subcontratadas so os gastos e os riscos da produoe o custo da mo-de-obra. Neste caso, a exigncia de preosbaixos d-se, muitas vezes, em detrimento da qualidade. E estasegunda modalidade que, segundo vrios estudos, tem segeneralizado no pas com conseqncias danosas para ostrabalhadores nelas envolvidos.8

    8 DRUCK, M. G. Terceirizao: (Des)Fodizando a Fbrica. Tese de Doutorado,Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas/UNICAMP, 1995; RUAS,

    Roberto. Notas Acerca das Relaes entre Trabalho a Domiclio, Redes deSubcontratao e as Condies de Competio. In: ABREU, A. R. de P. e SORJ, B.(orgs.) O Trabalho Invisvel: Estudos Sobre o Trabalho a Domiclio no Brasil. Riode Janeiro, Rio Fundo, 1993; GITAHY, Leda. Inovao tecnolgica,Subcontratao e Mercado de Trabalho. So Paulo em Perspectiva, n 8(1),jan/mar de 1994, pp.144-153.

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    Empregada na maioria dos casos como expediente dereduo de custos, a terceirizao tem imposto aos trabalhadoresrelaes de emprego instveis, reduo de salrios e benefcios econdies de trabalho degradadas, que tem como conseqncia oaumento dos acidentes de trabalho e das doenas profissionais.Alm disto, ela tem levado ao desalojamento de uma parcelados/as trabalhadores/as para a economia informal, submetendo-os/as a condies precrias de trabalho e excluindo-os/as dosbenefcios assegurados por lei e da representao sindical.9

    Pesquisas realizadas nas cadeias produtivas e nas redes desubcontratao tm permitido salientar a natureza complexa econtraditria dos processos de reestruturao.10 igualmente umacaracterstica central destes processos a reproduo de condiesdesiguais de trabalho entre mulheres e homens.11 Como observaAbramo12, o processo de precarizao presente nas cadeias desubcontratao, que se constituem a partir de uma assimetria depoder entre as empresas e de uma lgica de reduo de custos,est fortemente marcado por uma varivel de gnero. Asmulheres so encontradas em maior nmero principalmente nas

    empresas subcontratadas das pontas inferiores da cadeia

    9 BRESCIANI, Lus Paulo. Reestruturao industrial e negociao coletiva: osindicalismo brasileiro vai luta? In: MARTINS,Helosa de S.; RAMALHO,J. (orgs.)Ricardo. Terceirizao: Diversidade e negociao no mundo do trabalho. SoPaulo, Hucitec, 1994; DRUCK, M. G. Globalizao, Reestruturao Produtiva eMovimento Sindical. Caderno CRH, Salvador, ns 24/25, 1996.10LEITE, Mrcia de P. A cadeia automotiva: da linha de montagem robotizada aotrabalho escravo. Relatrio Tcnico de Pesquisa, mimeo, 1996; ABRAMO, Las.Um olhar de gnero. Visibilizando precarizaes ao longo das cadeias produtivas.In: ABRAMO, L. e ABREU, Alice R. P. (orgs.) Gnero e Trabalho na SociologiaLatino-Americana. So Paulo/Rio de Janeiro, ALAST, 1998.

    11 LOMBARDI, Maria. R. Reestruturao produtiva e trabalho: Percepesdos trabalhadores. Educao&Sociedade, n 61, 1997; HIRATA, Helena.Reestruturao Produtiva e Relaes de Gnero. Revista Latinoamericana deEstudos do Trabalho, ano 4, n 7, 1998.12 ABRAMO, L. e ABREU, A. R. P. (orgs.) Gnero e Trabalho... Op. cit., p.40.

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    produtiva, nas quais predominam o trabalho taylorizado, as piorescondies de trabalho e vnculos empregatcios precrios.

    Em grandes indstrias, em geral, os estgios da produoterceirizados para pequenas, micro empresas ou para o trabalho adomiclio so precisamente aqueles nos quais predominam umamaioria de mulheres. A externalizao destas atividades facilitada pelo fato de constiturem partes do processo produtivointensivos em mo-de-obra, nos quais o maquinrio maissimples e facilmente transportvel e a subcontratao pode serealizar sem problemas tcnicos. Alm disto, as habilidadesnecessrias execuo das tarefas externalizadas so, em geral,adquiridas pelas mulheres atravs do processo de socializao ede formao de gnero no espao domstico. Mas o grandeestmulo subcontratao das tarefas nas quais predomina a mo-de-obra feminina vem tambm do fato de que as empresas podemse beneficiar dos salrios mais baixos que so pagos strabalhadoras nas pequenas e micro empresas e no trabalho adomiclio.13

    Estudos do mercado de trabalho confirmam o bias de

    gnero presente nos processos de reestruturao ao mostrar queas mulheres tm sido deslocadas dos setores e ocupaes nosquais sempre marcaram presena, assim como de atividadesindustriais de grande porte, para pequenos e mdiosestabelecimentos comerciais.14 Alm disto, sua incorporaocrescente ao mercado de trabalho vem se dando principalmenteatravs dos contratos por tempo determinado, dos trabalhos comjornada parcial, das atividades por conta prpria e do trabalho adomiclio, que vem sendo utilizado com mais freqncia comoforma de reduo dos custos do trabalho, ou ainda nos postos

    13 YPEIJ, A. Transfering risks, microproduction... Op. cit.14 BRUSCHINI, Cristina. Trabalho das mulheres no Brasil: continuidades emudanas no perodo 1985-1995. Textos FCC, n 17, So Paulo, FundaoCarlos Chagas/DPE, 1998, p.71.

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    sem registro legal das empresas subcontratadas tanto no setor deservios15 quanto na indstria.16

    Estas modalidades de contratao, que vem se constituindocomo os novos (ou renovados, como no caso do trabalho adomiclio) espaos de confinamento da mo-de-obra feminina,contribuem para que a incorporao das mulheres se d sobcondies de trabalho precrias e inseguras, marcadas pelosbaixos salrios, pela intensificao da carga de trabalho, e pelaperda dos direitos legais. Deste modo, para as mulherestrabalhadoras as novas formas de excluso se sobrepem aosantigos mecanismos de excluso de gnero, potencializando-os.

    A crise econmica instaurada no pas no incio da dcada de90 e principalmente o processo de abertura comercial iniciada noGoverno Collor levou a indstria de confeco a sofrer um dosseus piores perodos de recesso. A entrada de produtosimportados, especialmente de tecidos e roupas em grande volume

    e a preos baixos, provocou a reduo da produo ou suspensodas atividades produtivas em muitas empresas e at mesmo afalncia de algumas delas. No perodo de 1993-1995, no Estado de

    15 Dados recentes para So Paulo indicam que o setor de servios e o serviodomstico, em especial, nos quais se encontram, respectivamente, 48,5% e19,1% das mulheres empregadas em 1997, foram os nicos a apresentarcrescimento do emprego entre 1996 e 1997. Estes dados mostram tambm quedecresceu a participao de ambos os sexos no emprego assalariado com registrolegal, sendo este decrscimo mais pronunciado entre as mulheres quediminuram sua participao de 48,3% em 1996 para 46,3% em 1997.16 Ver ABREU, Alice P. e SORJ, Bila. (orgs.) O Trabalho invisvel: estudos sobretrabalhadores a domiclio no Brasil. Rio de Janeiro, Rio Fundo Editora, 1993;Desigualdade de gnero e raa: o informal no Brasil em 1990. EstudosFeministas, n especial, CIEC/ECO/UFRJ, Rio de Janeiro, outubro de 1994;BRUSCHINI, Cristina e LOMBARDI, Maria Rosa. O trabalho da mulher brasileira nosprimeiros anos da dcada de noventa. Anais do Encontro Nacional de EstudosPopulacionais, Belo Horizonte, ABEP, 1996; BRUSCHINI, C. Trabalho dasmulheres no Brasil... Op. cit.

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    So Paulo o nmero de falncias no setor de vesturio, calados eartefatos de tecidos aumentou 86,88% e a contribuio dosegmento do vesturio para o aumento do desemprego entre osanos 1993-1996 correspondeu a 40,6%. Nesse contexto, somentena segunda metade da dcada (1994-1996), ocorreu um aumentodo nmero de estabelecimentos confeccionistas, principalmentenos estados em que predominava um maior nmero deconfeces (MG, RJ, SP, PR e SC). Entretanto, importanteressaltar que este crescimento se verificou principalmente naspequenas e micro empresas e no inclui as empresas de mdioporte que decresceram nesse mesmo perodo em contraste comum ligeiro crescimento verificado entre 1991-1993.17

    Desprotegidas diante nas novas condies impostas pelamudana na poltica econmica, e marcadas por um aparatoprodutivo defasado em relao ao mercado externo, muitasempresas comearam a buscar alternativas que garantissem suapermanncia no mercado interno e o resgate da sua capacidadecompetitiva. Em resposta crise, inicia-se, ento, lentamente e deforma bastante heterognea, um processo de reestruturao do

    setor de confeces. Indcios do movimento de modernizao dosetor so o crescimento do parque de mquinas, instalado noperodo de 1993 a 1995, e a diminuio da idade mdia dosequipamentos.18

    Entretanto, esta uma indstria intensiva em mo-de-obra,cuja etapa principal do ciclo produtivo, a costura, absorve 80% dotrabalho vivo, que tem alta participao no custo total. A inovaotecnolgica, assim, tem se verificado principalmente nas etapasanteriores costura, atravs da utilizao dos sistemas CAD nasfases de design, modelagem, gradeamento e encaixe, e de

    17 VERSIANI, Angela Frana e GASPAR, Renata de Magalhes. Diferenas e

    similaridades entre micro, pequenas e mdias empresas do segmento deconfeco na regio metropolitana de Belo Horizonte. In: NABUCO, M. R. e NETO,A. C. (orgs.) Relaes de Trabalho Contemporneas. Belo Horizonte,PUCMINAS/IRT, 1999, p.238.18 Id., ib.

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    equipamentos de controle numrico na fase do corte. No entanto,as especificidades e inovaes na principal matria-prima (otecido), as especificidades e fragmentao do mercado bem comoo alto custo dos novos equipamentos dificulta a superao dadefasagem tecnolgica e faz com que a indstria de confecoainda se estruture no binmio mquina de costura/costureira.19

    Caracterstica central deste movimento de reestruturaodos anos 90, a terceirizao difunde-se e ganha novos contornosem meio s inovaes gerenciais e tecnolgicas empregadas. Asubcontratao de oficinas de costura e o uso do trabalho adomiclio se intensificam, na medida em que se tornam a principalestratgia utilizada pelas confeces, independente do seutamanho e posio no mercado, com o objetivo de reduzir custose aumentar sua capacidade produtiva.

    Pesquisas realizadas ao longo dos anos 90 em diferentesestados do pas tm mostrado como a reestruturao no setor deconfeco vem se processando de forma diferenciada conforme ascaractersticas regionais e as estratgias empresariais. Elas nosmostram, de um lado, grandes empresas do setor que investiram

    na modernizao tecnolgica nas fases de desenho, modelagem etambm na montagem, atravs de equipamentos de base micro-eletrnica, mas adotaram, apenas de forma parcial, mtodos degesto da qualidade, como o programa 5 S, sem, no entanto,alterar de forma substancial a organizao da produo e a formade gesto da fora de trabalho.20

    Por outro lado, estudos realizados em regio do interiorcearense, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro mostram como asubcontratao, nas suas distintas formas, incluindo o trabalho adomiclio, passou a ser empregada como instrumento central de

    19 Id., ib., p.252.20 GAZZANA, Raquel da Silva. Trabalho feminino na indstria do vesturio.Educao & Sociedade, n 61, 1997.

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    aumento da produtividade. Moreira21 analisa o papel de umagrande empresa de capital estrangeiro, na regio do Macio doBaturit (CE), na criao de uma rede de cooperativas deconfeccionistas para atuarem como suas subcontratadas. Com oapoio do governo do Estado, a empresa Kao Lin fundou umCentro Tecnolgico de Formao de Confeccionistas (responsvelpelo treinamento e pelo encaminhamento das trabalhadoras scooperativas de confeco) e avalizou emprstimos junto aoBanco do Nordeste para financiamento de mquinas eequipamentos adquiridos pelas cooperativas.22 A estratgia daempresa, neste caso, foi escolher um green field, caracterizadopela abundncia de mo-de-obra barata e desorganizada, paraorganizar sua produo atravs da subcontratao detrabalhadoras reunidas nestas cooperativas como autnomas e,portanto, sem manter com elas qualquer contrato formal ouvnculo empregatcio.

    No caso de Belo Horizonte, Versiani e Gaspar23 mostramque o setor de confeco, caracterizado pela predominncia depequenas e micro empresas, tem enfrentado a concorrncia na

    ltima dcada principalmente atravs da compresso das margensde lucro e da reduo dos preos de seus produtos. O surveyrealizado com as empresas do setor mostra que a modernizaotecnolgica incipiente e que as inovaes gerenciais so poucodifundidos. A maioria das empresas no as adota e demonstradesconhecimento do real significado e implicaes dos principaismtodos de gesto. Assim, a reduo de mo-de-obra e aterceirizao aparecem como as principais estratgias adotadas eso vistas, pela maioria das empresas, como indispensveis para a

    21 MOREIRA, Maria. V. C. A insero da mo-de-obra feminina na indstria de

    confeco no Cear; o caso das Cooperativas de Confeces do Macio deBaturit. Caderno CRH, ns 26/27, Salvador, 1997.22 Estes equipamentos foram adquiridos com a empresa Yamacon pertencente aomesmo grupo de investidores de Taiwan.23 VERSIANI, A. F. e GASPAR, R. M. Diferenas e similaridades... Op. cit.

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    melhoria da sua competitividade j que propiciam reduo deencargos trabalhistas e ganhos de produtividade. Aqui, como emoutros setores industriais, portanto, a via precarizadora da reduode custos privilegiada.

    O trabalho a domiclio de costureiras tradicionalmenteutilizado neste setor, principalmente em momentos de pico deproduo, como forma de responder a aumentos sazonais nademanda foi revitalizado e adquiriu novas propores como aponta inferior e mais frgil nas redes de terceirizao no contextoda reestruturao dos anos 90. Pesquisas realizadas no Rio deJaneiro por Abreu e Sorj24 mostraram a vulnerabilidade dascostureiras trabalhando a domiclio, que, para garantir acontinuidade do trabalho e uma remunerao satisfatria, sesubmetiam a um intenso ritmo de trabalho, pois, do contrrio, nopodiam manter o nvel de produtividade e a pontualidade daentrega exigidos pelas empresas contratantes. Essas trabalhadoras,em grande parte mulheres de meia idade, casadas e com filhos,correspondiam ao perfil preferido pelos empregadores, na medidaem que constituam um grupo qualificado e com experincia, mas

    com poucas chances de ser empregado formalmente e, por isso,dispostas a aceitar o pagamento por pea e a baixa remuneraoimposta por eles.

    Muitos desses estudos sobre a reestruturao do setor deconfeco tm em comum o fato de chamarem ateno para osimpactos negativos deste processo sobre o trabalho feminino. Deum lado, principalmente nas grandes e mdias empresas, parteimportante das trabalhadoras tem enfrentado o desempregodevido aos processos de enxugamento, enquanto para as quepermaneceram empregadas as exigncias de maior envolvimentoe qualidade do trabalho so combinadas com a manuteno deprticas tayloristas na organizao do trabalho e com aintensificao do ritmo de trabalho, sem contrapartida em termosde novos benefcios ou melhoria salarial. De outro, os processos

    24 ABREU, A. R. de P. e SORJ, B. (orgs.) O Trabalho Invisvel... Op. cit.

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    de terceirizao, atravs do emprego de formas de trabalhoprecrio e informal (cooperativas de confeccionistas, trabalho adomiclio), tm tirado proveito da disponibilidade de uma fora detrabalho crescentemente excluda das oportunidades formais domercado de trabalho.

    A indstria de confeco na regio de Campinas caracteriza-se pela presena predominante de empresas de pequeno e mdioporte atuando no mercado local ou nacional. A produo emgrande parte est voltada para a confeco de vesturio e depeas de cama e mesa, o que possibilita a utilizao de ummaquinrio com baixo contedo tecnolgico a mquina decostura industrial ainda muito dependente do trabalho manual.

    As pequenas e mdias empresas confeccionistas da regioapresentam caractersticas comuns com aquelas de outraslocalidades do pas. Dedicando-se na sua maioria indstria damoda, voltada para um mercado segmentado de acordo com a

    renda, tendo que atender a uma demanda altamente varivel,estas empresas produzem produtos customizados em pequenoslotes. Predomina entre elas uma mentalidade empresarialconservadora, pouco disposta a investir na modernizaotecnolgica ou organizacional e que privilegia o recurso informalizao e ao trabalho a domiclio25 como forma deampliao da capacidade instalada.

    O fato do setor de confeco no necessitar de um altomontante de capital para ativar a produo e basear-se no usointensivo de mo-de-obra aliado s condies de um mercadoprotegido permitiu o crescimento da produo nos anos 80 sem

    25 Versiani e Gaspar observam como a indstria de confeco se caracteriza pelafragmentao devido quase inexistncia de barreiras de entrada, ainformalizao e o uso do trabalho a domiclio parecem constituir aspectosestruturais. VERSIANI, A. F. e GASPAR, R. M. Diferenas e similaridades... Op. cit.,p.250.

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    que se verificasse investimentos em novos equipamentos e naampliao da estrutura produtiva. De acordo com o depoimentodo Presidente do Sindicato da Indstria de Confeco deCampinas, no contexto dos anos 80, empresrios do setorpreferiram investir seus lucros em outros ramos da economia doque na modernizao do aparato produtivo ou na melhoria dascondies de trabalho de suas empresas.

    Assim, o setor de confeco na regio, como de resto emtodo o pas, estava despreparado para enfrentar a crise econmicae as novas condies de concorrncia introduzidas nos anos 90com a mudana da poltica econmica. A abertura comercialiniciada no Governo Collor estabeleceu, na viso dos empresriose gerentes entrevistados, uma concorrncia desleal ao permitir aimportao em grande escala de produtos baratos e, em algunscasos, com qualidade superior aos produtos nacionais,provocando uma crise generalizada no setor, alm de tornarvisvel o atraso tecnolgico e a baixa produtividade de grandeparte das empresas.

    Os dados relativos evoluo do emprego por gnero e

    tamanho de empresa neste setor nos anos 90 permitem perceberos impactos desta crise sobre o volume e a composio da forade trabalho bem como as conseqncias do ajuste realizado sobrea estrutura industrial.

    A Tabela 1 mostra que um dos efeitos importantes da criseeconmica e da abertura comercial sobre o setor de confeco foiuma reduo drstica do volume do emprego. A queda nonmero de postos de trabalho, de 56,8% entre 1990 e 1998, pareceestar diretamente associada aos perodos de crise econmica e deconcorrncia aberta com produtos importados, que ocorreram nocomeo da dcada (1990/92) e a partir de 1994, quando foiimplantado o Plano Real e reintroduzida com mais fora a polticade eliminao de barreiras alfandegrias para importao depeas de vesturio.

    A evoluo do emprego de acordo com o tamanho dasempresas, alm de confirmar a predominncia na regio das

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    micro e pequenas empresas com at 99 funcionrios, querepresentavam cerca de 80% do emprego em 1998, ofereceindcios do tipo de ajuste empreendido e seu impacto sobre aestrutura industrial do setor .

    A Tabela I mostra uma tendncia de reduo gradativa dasempresas de porte mdio e o fechamento da nica grandeempresa da regio (com mais de 500 funcionrios), a partir de1995. Embora a reduo do emprego tenha se dado de forma

    generalizada, nas mdias empresas (empregando de 100 a 499funcionrios) ela ocorreu de forma abrupta correspondendo auma reduo de 69,8%.26 A queda do emprego tambm significativa nas empresas que agregavam entre 50 e 99empregados, j que em 1998 a fora de trabalho contratadacorrespondia a 37,2% do total registrado em 1990. Nas pequenasempresas com at 49 trabalhadores, no entanto, a reduo depostos de trabalho ocorreu em menor proporo, sendo que suaparticipao no volume do emprego do setor cresceu de 39,13%em 1990 para 59,8% em 1998.

    Este aumento da fragmentao da produo um indicadorde que nos anos 90 as empresas da regio realizaram um ajustedefensivo baseado, fundamentalmente, no enxugamento das

    empresas e na externalizao da produo para pequenas oficinassubcontratadas ou para o trabalho a domiclio, com o objetivo dereduzir custos. Como os dados da Tabela I referem-se apenas aotrabalho formal, eles no captam um possvel crescimento dotrabalho informal neste setor. Mas o crescimento da participaodas empresas com at 49 trabalhadores no conjunto do empregoindica o crescimento das pequenas oficinas e o surgimento denovas como resultado do intenso movimento de terceirizao.

    26 Se forem considerados isoladamente os dados relativos s empresas queempregam de 100 a 249 funcionrios possvel verificar que elas sofreram umadas redues mais drstica, pois perderam ao longo da dcada 81,1% do total depostos de trabalho existentes em 1990.

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    M F M F M F M F M F M F M FAt 19 347 1143 348 989 268 918 300 1100 160 895 143 796 162 83

    De 20a 49

    215 541 233 715 153 517 143 562 123 600 108 601 80 53

    De 50a 99

    302 1043 125 276 225 556 111 543 78 621 92 376 99 42

    De 100

    a 249

    347 698 250 549 352 461 453 752 148 512 147 89 120 19

    De 250a 499

    328 264 618 335 473 293 239 123 216 114 276 210 237 16

    Mais de500

    304 207 0 0 0 0 351 211 315 232 0 0 0 0

    Total 1843 3896 1574 2864 1471 2745 1597 3291 1040 2974 766 2072 698 21

    Fonte: Banco de Dados RAIS - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.

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    Quanto composio da fora de trabalho por gnero, osdados da tabela 1 confirmam o emprego majoritrio das mulheresno ramo da confeco, mas tambm mostram que suaparticipao em relao participao masculina por tamanho deempresa se alterou ao longo da dcada. As mulherestrabalhadoras tendem a se concentrar nas empresas com at 99

    funcionrios, nas quais constituem, em 1998, 82% da fora detrabalho, enquanto os homens eram maioria desde 1990 nasempresas com mais de 250 trabalhadores. Cabe destacar, que oprocesso de enxugamento realizado, no decorrer da dcada, nasempresas de porte mdio (de 100 a 499 empregados) atingiuprincipalmente as mulheres. Elas foram demitidas em maiorproporo do que os homens, que aumentaram sua participaode 55% em 1990 para 63% em 1998, nas empresas com 250 a 499funcionrios, e de 33,2% para 51,5%, no mesmo perodo, nasempresas com 100 a 249 funcionrios.

    Esta distribuio dos trabalhadores por gnero pode indicarque o setor de confeco tende a substituir a fora de trabalho

    feminina pela masculina nas empresas que passam por umprocesso de modernizao tecnolgica ou gerencial, como j foiobservado no setor txtil e em outros.27 Em contraposio, asmulheres se concentraram ainda mais nos trabalhossubcontratados, desregulamentados e precarizados, como podemser caracterizados, em grande parte, o trabalho nas empresasprestadoras de servios ou nas oficinas domiciliares.

    27 AMORIM, Elaine R. A. e ARAJO, Angela. M.C. O Trabalho Feminino no NovoParadigma Produtivo: Uma Anlise das Trabalhadoras das Indstrias Txteis e doVesturio de Campinas e Americana.Relatrio Final apresentado Fundao deAmparo Pesquisa no Estado de So Paulo (FAPESP), Campinas, Unicamp,1999; RIZEK, C. S. e LEITE M. de P. Dimenses e representaes do trabalho fabrilfeminino. Cadernos Pagu(10), Ncleo de Estudos de Gnero Pagu/Unicamp,1998, pp.281-307.

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    M F M F M F M F M F M F M At 1 SM 23 59 16 48 5 51 27 117 22 90 12 21 5 De 1,01 a3SM

    852 3315 744 2474 588 2319 773 2904 376 2501 246 1711 252

    De 3,01 a5 SM

    509 366 513 236 590 282 545 196 369 242 324 209 275

    De 5,01 a

    7 SM

    255 67 158 47 158 34 136 34 139 57 58 34 59

    De 7,01 a10 SM

    107 23 72 9 75 4 63 10 76 42 65 22 64

    De 10,01 a20SM

    61 7 50 5 33 2 31 2 32 17 33 7 29

    Mais de20,1SM

    7 1 8 2 6 1 7 0 18 0 19 1 12

    Ignorado 29 58 13 43 16 52 15 28 8 25 9 7 2 Fonte: Banco de Dados RAIS - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.

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    As desigualdades entre trabalhadores e trabalhadoras nosetor de confeco pode ser medida tambm pela diferenasalarial. Cabe observar, primeiramente, pela Tabela 2, que agrande maioria dos trabalhadores neste setor, cerca de 71%, estconcentrada na faixa salarial de 1 a 3 salrios mnimos e estaporcentagem no se alterou substantivamente ao longo dadcada.28 O contraste entre homens e mulheres nesta faixa salarialcomo nas demais, no entanto, brutal. Na faixa de 1,1 a 3 salriosmnimos encontravam-se 85% das mulheres empregadas no setorem 1990 e 82,1% em 1998. Enquanto 46,2% dos homens em 1990e 38,5% em 1998 recebiam esta faixa salarial. possvel perceberque h uma melhor distribuio dos homens entre as diferentesfaixas salariais, enquanto as mulheres permanecem concentradasna faixa inferior. Observa-se, tambm, que ao longo da dcadahouve um ligeiro aumento do nmero de mulheres, que passaramde 11,7% em 1990 a 16,5% em 1998, nas faixas intermediriasentre 3 e 10 salrios mnimos.

    No entanto, a defasagem entre os homens e mulheres nasfaixas superiores gritante. Na faixa salarial superior a 10 salrios

    mnimos, 0,3% das mulheres e 4,6% dos homens estavamempregados no setor em 1998. Mas em relao ao total detrabalhadores recebendo nesta faixa, as mulheres correspondiam a10,5% em 1990 e a 18,9% em 1998, enquanto os homenscorrespondiam respectivamente a 89,5% e 81,1%, demonstrando apredominncia masculina nos postos hierrquicos mais elevados eprincipalmente nos cargos de direo.

    Todas essas caractersticas revelam no s a permanncia,mas o reforo da diviso sexual do trabalho no setor deconfeco. A diferena salarial entre trabalhadoras e trabalhadoresque tm ocupaes semelhantes apenas um dos elementos quetradicionalmente fortalecem a excluso social e econmica dasmulheres. Se, ainda hoje, a continuidade dessas desigualdades

    28 No entanto, ocorreu uma reduo importante no nmero de trabalhadoresrecebendo menos que 1 salrio mnimo

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    est presente nos empregos formais, possvel encontr-lasfortemente realadas nas empresas que atuam na informalidade,visto que, nestas, a ausncia de qualquer regulamentaotrabalhista leva imposio de condies precrias de trabalho.

    Alm da diviso sexual do trabalho encontramos no setor deconfeco uma diviso sexual da propriedade que reproduz aassimetria entre os sexos. Na regio de Campinas, as empresas depequeno e mdio porte, que produzem diretamente para omercado e no realizam produo subcontratada, tm, em geral,homens como seus proprietrios, enquanto encontramos mulherescomo proprietrias e dirigentes nas oficinas de costuras que atuamapenas como subcontratadas. Estas, na maioria dos casos,surgiram a partir do trabalho a domiclio realizado por suasproprietrias e esto fortemente marcadas pela instabilidade dasrelaes informais e pelos riscos a elas transferidos pelas empresascontratantes.

    Diante da dificuldade de competir no mercado brasileirocom produtos importados de melhor qualidade e menor preo,as empresas confeccionistas da Regio de Campinas iniciaramum processo de ajuste, adotando diferentes estratgias desobrevivncia.

    No processo de reorganizao da produo desencadeadopelas empresas a partir dos anos 90, a modernizao do aparatoprodutivo no se constituiu como uma estratgia de aumento daprodutividade e de melhoria da qualidade. Como a maioria dasempresas produz para a indstria da moda, a ausncia deinvestimentos em inovaes tecnolgicas justificada pelosempresrios pela insuficincia de capital necessrio e pela

    dificuldade de aproveitar plenamente a capacidade dos novosequipamentos em um processo produtivo voltado para umaproduo em pequena escala e muito variada.

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    Algumas empresas, no entanto, chegaram a introduzirequipamentos de base microeletrnica de forma pontual,principalmente nos setores de design, modelagem e encaixe. Naempresa L, que produz artigos masculinos de diferentestamanhos, procurando atender tambm demanda de roupaspara obesos, foi introduzido um sistema computadorizado no setorde modelagem e encaixe que, alm de aumentar a produtividadenesta rea, contribuiu para reduzir o desperdcio de tecido. Naempresa V, que confecciona camisas masculinas, uma mquinade base microeletrnica foi introduzida no setor de acabamento,com o objetivo de eliminar um gargalho do fluxo da produo. Noentanto, o uso pontual de equipamentos modernos pode criardificuldades ao acarretar um descompasso no ritmo da produo.Como observou o gerente de V, o novo equipamento tem umritmo de produo extremamente elevado, que no pode seracompanhado pelas mquinas antigas e tem grande parte de suacapacidade produtiva ociosa. Esta ociosidade dificultou aintroduo de outras mquinas, como estava planejadoinicialmente, pois o alto investimento exigido para a compra de

    cada equipamento no compensado por um aumentosubstancial da produtividade.A dificuldade de investir em tecnologia no levou, no

    entanto, as empresas da regio a priorizar os novos mtodos degesto como forma de aumentar a produtividade. Assim comoverificado por Versiani e Gaspar29 nas pequenas empresas dosetor em Belo Horizonte, nas entrevistas que realizamos comempresrios em Campinas percebemos um conhecimento muitosuperficial em alguns casos e praticamente nulo em outros comrelao s inovaes organizacionais e sua relao com oaumento de produtividade e com a melhoria de qualidade dosprodutos. Na maior parte das empresas predominam mtodostradicionais de gesto e processos de trabalho baseados em postosfixos e na realizao de tarefas manuais e repetitivas.

    29 VERSIANI, A. F. e GASPAR, R. M. Diferenas e similaridades... Op. cit.

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    Em algumas das confeces pesquisadas, no entanto,encontramos um processo de reorganizao da produo quecombinava elementos dos novos modelos de gesto com outrostpicos do trabalho taylorizado. Na empresa V, especializada naproduo de camisas masculinas, foi introduzido um novo sistemade gesto da produo baseado no trabalho em equipes. Ocontedo das tarefas no sofreu alterao, mas o trabalho tornou-se mais eficiente e controlado, atravs da adoo do cronmetrocomo instrumento de controle do tempo de produo e de umapoltica de envolvimento e de transferncia de responsabilidadess trabalhadoras. O novo sistema consistiu na diviso da principalfase do processo produtivo, a costura, em nove times e naintroduo de carrinhos que controlavam o fluxo da produo aose dirigirem de um time para outro a cada meia hora. Como cadatime costurava uma parte da camisa, a alocao das costureirasem cada um deles ocorreu a partir de um estudo do tempo gastopor elas na confeco das diversas partes. Desse modo, nointervalo de meia hora, as costureiras do 1o time deveriam passarpara o 2o (e assim sucessivamente) o carrinho com as peas

    costuradas, pois neste mesmo instante recebiam do setor de corteum outro carrinho com novas peas cortadas.Este sistema permite gerncia visualizar com facilidade

    quando o fluxo da produo est parado ou lento, em funo doatraso na passagem do carrinho de um time para outro. O tempocontrolado pela passagem do carrinho pressiona a trabalhadoraque no est conseguindo acompanhar o ritmo do grupo. Almdisto, para incentivar e controlar a produtividade e a qualidade dotrabalho, a empresa estabeleceu metas que devem ser alcanadasdiariamente e uma avaliao feita tambm diariamente, atravs deum sistema de pontuao, tanto do desempenho dos times quantode cada trabalhadora individualmente. O alcance das metas e aspontuaes mais altas so recompensadas com um prmio deprodutividade, que corresponde a um pequeno aumento nosalrio (que varia de 0,50 a 1,50 reais) mensal. Este novo mtodode gesto gera formas de presso individual e coletiva que levam

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    as trabalhadoras a se preocuparem com a qualidade e com oaumento do ritmo de produo, seja atravs de sugestes ou daextenso da jornada de trabalho em horrios fora do expediente,em geral no remunerados.

    A experincia de mudanas de V pode ser tomada comoum exemplo do tipo de reestruturao que vem sendodesenvolvida no setor de confeco. Principalmente nas pequenase mdias empresas se observa a combinao de prticastayloristas, de tarefas parcelares e repetitivas, com algumastcnicas associadas s novas formas de gesto geralmenteintroduzidas com o objetivo e aumentar a produtividade atravsdo aumento do ritmo do trabalho e da reduo dos temposmortos.

    As mudanas ocorridas no interior das empresas decorrentesda reduo do nmero de funcionrios e da combinao entreantigos e novos sistemas de gesto, onde ela ocorreu, tiveramimpacto importante sobre as condies de trabalho dos quepermaneceram empregados. comum no depoimento dos/astrabalhadores/as entrevistados/as a percepo da presso pelo

    cumprimento das metas de produo, do aumento daintensificao do ritmo de trabalho e da transferncia dasresponsabilidades para eles/as.

    Se voc tem um compromisso com esse sistema novo30 deV, voc tem um compromisso com o horrio, voc precisacumprir tantas peas (...) Essa responsabilidade foitransferida pr prpria costureira. (...) A responsabilidadede [fazer] determinada quantidade em determinado tempoj foi transferida pr prpria costureira, porque o patro jno est arcando sozinho com aquela responsabilidade.(Lgia, costureira da empresa V)

    Eu acho que hoje a gente trabalha mais. () pela reduodo pessoal, voc trabalha mais, produzindo menos.Naquele tempo no, voc tinha uma seo de corte grande,

    30 A funcionria se refere ao novo sistema de gesto implantado pela empresa.

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    ento voc produzia mais, trabalhando at menos e hojevoc trabalha mais e produz menos.(Graciliano, encarregado do setor de corte da empresa R)

    Em relao ao perfil do conjunto de trabalhadores/ascontratados/as formalmente possvel observar alguns traoscomuns. Em geral, predominam no setor de confeco ostrabalhadores com primeiro grau completo. As mulheres

    constituem a principal fora de trabalho e, entre elas, as jovensmais escolarizadas (cursando ou j tendo o segundo graucompleto) so contratadas como auxiliares de produo epredominam nos postos de trabalho em que as atividades somais repetitivas e manuais (como no setor de acabamento ouembalagem), recebendo, em geral, em torno de um salriomnimo.

    Prevalece, entre os pequenos e mdios empresrios dosetor, uma viso conservadora com relao gesto da mo-de-obra e mais especificamente em relao s habilidades equalificaes necessrias hoje produo e ao emprego do

    trabalho feminino. Embora todos os proprietrios entrevistadosaleguem dificuldade em encontrar trabalhadoras qualificadas,principalmente costureiras experientes, eles no oferecem cursosde qualificao e consideram o aprimoramento de novashabilidades como um dever de cada funcionria, resultado do seuinteresse e empenho.31 curioso que, em geral, os empresrios egerentes, apesar de no fornecerem qualquer forma detreinamento, nem os de contedo comportamental, destacaramcomo parte dos seus critrios de recrutamento e de suasexigncias, em relao aos/s trabalhadores/as, atitudes comocapacidade de iniciativa, disposio de aprender novas tarefas,capacidade de realizar mais de uma tarefa (polivalncia) mesmo

    31 Como mostra este depoimento do gerente administrativo de V: (...) temgente a na fbrica que pede pr ficar, fala assim: 'W.C, se voc no se importar agente gostaria de ficar a um pouquinho, uns 15 minutos a mais, pr ficartestando habilidades...' nossa, isso bom demais e a gente t valorizando isso.

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    que nem sempre estas atitudes sejam requeridas de fato pelo tipode organizao do trabalho mantido no cho de fbrica.32Principalmente em relao s mulheres, nem as novas atitudesnem as qualificaes tradicionais das costureiras so percebidascomo merecedoras de incentivos e remunerao adequadas.Como a principal atividade realizada por elas no setor deconfeco, a costura exige um saber tradicionalmente adquiridono espao domstico, ele nem sempre reconhecido pelosempresrios como uma qualificao tcnica. Alm disto, operfeccionismo, a preciso, a delicadeza, que justificam, muitasvezes, a preferncia destes empresrios pela contratao demulheres, so caractersticas vistas como femininas pornatureza, e no como habilidades ou competncias especficasque deveriam ser valorizadas.

    A tendncia que observamos neste setor , portanto, a deque as empresas procuram recrutar mulheres jovens maisescolarizadas, mas que so consideradas sem qualificao eempregadas em tarefas simples e repetitivas, e costureirasexperientes, mas que, em geral, tem um menor grau de

    escolaridade, e cuja qualificao tcnica no reconhecida comotal nem remunerada de forma condizente. As empresas pagamsalrios baixos que no correspondem escolaridade e produtividade exigidas das auxiliares de produo e dascostureiras33 e no concedem benefcios alm dos estipulados naconveno coletiva anual da categoria, que, normalmente, garante

    32 Com exceo da empresa V, que com a implantao do novo sistema degerenciamento da produo passou a exigir estas atitudes das funcionrias einclusive a capacidade de executar mais de uma tarefa de modo a ajudar outrosmembros do mesmo time.33 Na empresa L que pode ser tomada como um exemplo do padro salarialpredominante no setor a porcentagem de trabalhadores em cada faixa salarialera de 39,3% at 1 salrio mnimo, 52,4% de 2 a 3 salrios, 3,6% de 4 a 5salrios e 4,7% acima de 5 salrios. importante lembrar que dos/as 84trabalhadores/as contratados/as havia 76 mulheres e 8 homens e a esmagadoramaioria das mulheres no recebia mais de 3 salrios mnimos.

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    apenas o mnimo j estabelecido em lei. Alm disto, remuneramdesigualmente homens e mulheres, mesmo os que tmqualificaes e responsabilidades equivalentes.

    Qualquer proposta de melhoria salarial vista com muitaresistncia. Como argumenta um gerente a respeito do aumentode 2% dos salrios obtido pelas funcionrias em 1998:

    (...) o aumento salarial tem que ser revisto, porque hoje opoder aquisitivo de quem est empregado aumentou... Euposso falar com absoluta certeza, com conhecimento decausa, que o salrio da minha menina, da minha costureiraque trabalhava na fbrica h 4 anos atrs, e hoje, ela tempoder de compra, de sobrevivncia, porque o salrio delas de sobrevivncia, muito melhor, mas muito melhormesmo.34 Tem uma economia estvel, que no aumentanada, que no tem inflao... o comrcio e a indstria comredues brutais de margem, no tem justificativa deaumento salarial. Ento, eu acho que 2% foi muito mesmo,e eu acho que o ano que vem [1999] no tem que ter, notem que ter... Ah! Eu sou malvado! No, a realidade!

    Hoje 2% um grande aumento.(W.C., gerente administrativo da empresa V)

    Em todas as empresas por ns pesquisadas, com exceoapenas de V35, a subcontratao foi utilizada como elementocentral de uma estratgia de sobrevivncia e de recuperao da

    34 Os salrios das funcionrias correspondem aproximadamente a R$ 300,00(costureira) e R$ 180,00 (auxiliares).35 No caso de V, que produz para um mercado de classe mdia e entregadiretamente seus produtos para a venda no varejo (lojas de grife em geral nosshopping centers da regio), houve em meados da dcada de 90, umaexperincia de terceirizao de parte importante da sua produo. Mas devido aperda de clientes que alegavam insatisfao com a qualidade dos produtos, elavoltou a internalizar a produo e adotou como estratgia central para arecuperao da competitividade o novo sistema de gesto da produo acimadescrito, que permitiu um aumento importante da produtividade com reduo decustos.

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    sua capacidade de competir. A subcontratao no representapropriamente uma novidade nesse ramo, pois eletradicionalmente utilizou o trabalho de costureiras externas,especialmente nos momentos de pico da produo. Porm, nocontexto de um mercado globalizado que estabelece novascondies de concorrncia, a terceirizao e o trabalho a domiclioso revitalizados e utilizados de forma mais intensa pelas empresasde confeco com o objetivo de reduo de custos e aumento daprodutividade.

    As atividades geralmente externalizadas so a costura, oacabamento e a embalagem. As empresas tendem a manterinternamente as fases do design, da modelagem, encaixe e corteque definem as caractersticas do produto e a terceirizar as fasesda produo intensivas em mo-de-obra.36 E como em geral estaforma de subcontratao parcial visa fundamentalmente areduo de custos, ela realizada atravs de contratos informais, ecria uma relao assimtrica de subordinao das empresas outrabalhadores/as subontratados/as em relao s contratantes.

    interessante observar a teia de relaes que envolvem a

    terceirizao. Se tomarmos como referncia o proprietrio dapequena empresa R, notamos que ele subcontrata tanto parapequenas oficinas de costura37, que, muitas vezes, se igualam sua empresa em relao ao porte e ao nmero de funcionrios,quanto para trabalhadoras a domiclio, entretanto, ele diferencia otipo de servio que destina a cada uma delas. Para as primeirasele repassa a costura das camisas para adultos, enquanto para ascostureiras domiciliares ele transfere a confeco completa dalinha infantil masculina, que inclui costura e acabamento. Neste

    36 No verificamos em nenhuma empresa e na bibliografia pesquisada casos de

    repasse do setor de corte e de modelagem, embora tenhamos entrevistado umtrabalhador que prestava servios de corte para pequenas lojas de confeco.37 Por exemplo, a empresa subcontratada A apresentava melhores condiesde instalao e duas mquinas de costura modernas que no se verificavam nasua contratante R.

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    caso, cada costureira recebe as peas cortadas e devolvem, noprazo estipulado, as roupas prontas.

    A terceirizao foi tambm empregada por estas empresascomo forma de diversificar sua produo, com o objetivo deconquistar novas fatias do mercado menos competitivas e poucoatingidas pelos produtos importados. O que chama ateno naintroduo das novas linhas de produto que foram criadas paraserem confeccionadas por unidades produtivas externas, ouseja, por empresas subcontratadas e costureiras domiciliares, demodo a evitar o investimento em novas mquinas e novascontrataes.

    Assim como R o fez com a linha de roupas infantis, aempresa L, especializada na confeco de calas e camisasmasculinas, decidiu ampliar sua produo com uma nova linha depijamas e cuecas inteiramente terceirizada. O xito obtido com areduo dos custos na produo das novas linhas38 levou oproprietrio a planejar um investimento ainda maior, e a curtoprazo, na confeco de cuecas, pois pretende, pelo uso intensivoda terceirizao, tornar-se um concorrente em potencial de uma

    marca reconhecida e mais vendida no pas.A terceirizao tem sido, portanto, utilizada por estasempresas como a principal estratgia de competitividade. Poisalm de permitir o aumento e diversificao da produo comreduo significativa dos gastos produtivos e com os encargostrabalhistas, por estar baseada em contratos informais representauma transferncia de riscos (principalmente os decorrentes dasflutuaes na demanda comum neste seguimento) da empresacontratante para as oficinas e costureiras subcontratadas, que jatuam nas margens do mercado de trabalho e, em muitos casos,tem dificuldade de encontrar alternativas de reinsero.

    38 O proprietrio de L pesquisa continuamente a existncia de oficinas quepossam garantir preos mais baixos. No perodo da pesquisa, ele declarou quepagava R$ 0,30 e R$ 0,50 para confeccionar, respectivamente, cuecas tiposliper e samba cano, mas que j havia pago anteriormente R$ 0,80 e R$0,90 para uma outra empresa subcontratada.

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    O estudo das cadeias produtivas tem possibilitado aidentificao de distintas formas de trabalho subcontratado e aexistncia de indivduos e grupos de trabalhadores/as, cujainsero no mercado de trabalho se d sob novas condies. Nosetor de confeco, as empresas subcontratadas e o trabalho adomiclio tm em comum sua subordinao s determinaes dasempresas contratantes, mas so diferentes quanto ao grau deprecarizao e de vulnerabilidade que demarcam suas relaes detrabalho. Embora seja uma prtica comum dos empregadoresocultar essas unidades produtivas externas ao espao fabril emfuno do carter precrio do trabalho ali desenvolvido , aolongo da pesquisa foi possvel identificar uma rede desubcontratao localizada em diferentes cidades da regio deCampinas, composta por empresas de diferentes tamanhos e opredomnio do uso do trabalho a domiclio, tanto diretamentepelas contratantes, quanto pelas oficinas subcontratadas.

    Nesta rede identificamos a presena de dois tipos de relao

    de subcontratao. No primeiro tipo esto duas oficinas de costurade pequeno porte, especializadas na confeco de camisas(Empresa A) e de lingerie masculina (Empresa E), que seconstituram a partir do trabalho a domiclio de suas proprietrias,e do aumento da demanda por servio subcontratado. Por isso, comum encontrar mulheres na direo dessas oficinas, aocontrrio do que verificado normalmente nas empresascontratantes, nas quais encontramos proprietrios e gerentes dosexo masculino.

    A relao com as contratantes se estabelece atravs de umvnculo informal, pois a maior parte delas preferem no firmarum contrato de prestao de servios, o que provavelmente

    acarretaria o compromisso de transferir continuamente umdeterminado volume de produo. Esta informalidade, e o fatodesta relao envolver a subcontratao parcial de uma fase doprocesso produtivo que pode ser facilmente transferida de uma

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    oficina para outra, expe as empresas subcontratadas a umapresso constante pela reduo de preos e a um alto grau deinstabilidade, pois as contratantes podem romper com o vnculo aqualquer momento. Em alguns casos, o rompimento do vnculopode acarretar a devoluo de mquinas emprestadas, a demissode funcionrios/as, o fechamento da empresa e at mesmo oretorno da proprietria ao trabalho a domiclio, como foi ocorreuno caso da empresa E.39

    Como foram formadas a partir do trabalho a domiclio, oaparato produtivo dessas oficinas , em grande parte, obsoleto,composto por mquinas adquiridas de segunda-mo e, em algunscasos, emprestadas pelas contratantes. Elas no conseguem,portanto, acompanhar as inovaes tecnolgicas existentes nosetor, em funo das limitaes financeiras que as impedem derealizar investimentos. Isto se verifica tambm no emprego denovas formas de gesto. Nas oficinas pesquisadas a mudana naforma de organizao da produo se d lentamente e at mesmode maneira intuitiva, conforme o aumento do volume daproduo passa a exigir um controle maior sobre o processo

    produtivo. Na empresa A, por exemplo, a modificao na formade organizar a produo deu-se a partir de conversas informais ocom gerente da empresa contratante e de visitas a outrasempresas e ocorreu de modo a racionalizar o processo produtivoatravs do aprofundamento da simplificao e fragmentao das

    39 Costurando cuecas para uma nica empresa, que lhe emprestava a maiorparte do maquinrio, esta oficina conseguiu aumentar sua produo entre osanos de 1993 e 1997 quando manteve 7 funcionrias e subcontratou o trabalhode 23 costureiras externas. No entanto, no final de 1997, a contratante rompeuos vnculos informais com esta terceira parando de lhe fornecer servios erecolhendo as mquinas emprestadas. A proprietria de E teve que demitirtodas as funcionrias e voltar ao trabalho domiciliar. Conseguiu, no entanto,reerguer a empresa, passando a ser subcontratada por outros clientes. Adquiriumquinas via emprstimo bancrio e diversificou sua produo a partir daconfeco de cuecas sliper e da embalagem. Desse modo, em 1999 estaoficina j contratava 18 funcionrias e repassava trabalho para 32 costureirasdomiciliares.

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    tarefas, na especializao das costureiras na realizao de apenasuma tarefa simples, no mais tradicional estilo taylorista.

    Na tentativa de fazer face instabilidade inerente relaode subcontratao, estas oficinas, em geral, passaram a adotarcomo estratgia, a especializao na costura de um ou de poucosartigos, a prestao de servios para vrias empresas contratantese o uso freqente do trabalho a domiclio, para o qual transferida parte das encomendas recebidas, como forma deeliminar custos com a produo e reduzir o preo cobrado porpea.

    A fora de trabalho nas oficinas de costura constituda poruma maioria esmagadora de mulheres (de 95% a 100%), queperderam seus empregos em empresas que fecharam suas portasou reduziram o nmero de funcionrios e tm, por isto, um perfilmuito semelhante ao encontrado nas empresas contratantes. Estastrabalhadoras ainda que sejam registradas, no tem asseguradoalguns benefcios e direitos trabalhistas (como por exemplo, vale-transporte e descanso de 15 minutos em cada perodo do dia),alm de receberem salrios inferiores, mas que seguem de perto

    aqueles pagos nas empresas contratantes. O domnio da costurada pea inteira no uma exigncia primordial no recrutamentodessas trabalhadoras, mas, sobretudo, a habilidade na realizaode determinada tarefa, j que ela garante rapidez e maiorprodutividade o principal fator de competitividade dessasempresas.

    O segundo tipo de relao de subcontratao encontrado naregio aproxima-se da forma de subcontratao completa, masequivalente. Ela se estabelece entre uma grande empresa txtil(T), especializada em artigos de cama, mesa e banho concorrente de importantes marcas do ramo que decidiuterceirizar seu setor de confeco e uma empresa de porte mdio,F, que tinha 500 funcionrios em 1999 e foi formadaespecialmente para produzir os artigos de cama e mesa para T.A implantao de F foi precedida de um estudo acerca daestrutura fsica, do porte e da localizao ideais para se atender as

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    exigncias da contratante e se efetivou com a contratao defuncionrios e gerentes demitidos por ela. T estabeleceu umcontrato formal com F e transferiu para a subcontratada asinovaes gerenciais por ela introduzidas, como por exemplo, osistema de clulas.

    Em F foram introduzidas sete clulas na fase do processoprodutivo que corresponde costura, tendo cada uma delas cercade 13 costureiras, responsveis pela produo e reviso de umdeterminado produto (por exemplo, uma clula faz o lenol semelstico e a outra o lenol com elstico), no prazo programado.Vista como uma forma de garantir os nveis de produtividade e dequalidade requeridos pela contratante, a incorporao do sistemade clulas proporcionou tambm uma reduo dos custos, aoreduzir o desperdcio e uma transferncia de responsabilidadespara as trabalhadoras, j que elas devem administrar o seuprprio trabalho e o de suas colegas. Conforme argumenta oresponsvel pelo PCP (Processos e Controle da Produo) daempresa:

    As prprias pessoas que esto inseridas naquele grupo, elasse auto administram. A que comea a vantagem para aempresa. (...) E entre essas pessoas, se algum comea afaltar, por um motivo ou outro comea a no produzir, no a empresa, a supervisora que vai cortar, so as prpriascolegas que cortam esta pessoa. (J.R.)

    A reorganizao do trabalho atravs das clulas , portanto,valorizada pela gerncia como uma forma de assegurar um maiorenvolvimento das funcionrias e conceder-lhes maior autonomia.Das trabalhadoras exigido alm do cumprimento das metas deproduo programadas diariamente, o controle visual de

    qualidade, a realizao de pequenas manutenes nas mquinas ea disposio de solucionar pequenos problemas tcnicos eoperacionais. A multifuncionalidade neste caso significa aagregao de algumas tarefas muito simples e no rompe com o

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    trabalho repetitivo. A autonomia concedida s trabalhadoraspara realizar reunies destinadas soluo de problemas nosignifica o reconhecimento do tempo despendido nestas reuniescomo tempo produtivo, pois o que conta para a gerncia aproduo da quantidade estipulada no fim do dia, como fica claroneste depoimento:

    Se elas [funcionrias] acharem: ns temos que parar paraconversar porque tem alguma coisa que no est certa.Voc pode passar na produo e perguntar: mas o que aquela rodinha? Elas esto discutindo o trabalho. Eu noquero saber, eu quero o resultado no final do dia... comqualidade. (D. M., diretor administrativo)

    O sistema de clulas surge aqui fundamentalmente comoum instrumento de elevao da produtividade e tem significado,na prtica, a extenso da jornada de trabalho sem pagamento dehoras extras, o aumento do ritmo da produo e oestabelecimento de uma nova forma de controle realizado pelasprprias trabalhadoras. Este sistema de gesto alm de gerarcansao fsico, devido ao intenso ritmo da produo, provocadesgaste emocional devido presso coletiva exercida pelaprpria clula que se soma exercida pela superviso.

    Nesta forma de subcontratao, o estabelecimento de umcontrato formal e de quase exclusividade entre subcontratada econtratante, assegura um menor grau de instabilidade primeira,e permite a transposio de inovaes gerenciais que, aliadas aopagamento de menores salrios e a no concesso de benefcioss/aos trabalhadoras/es, garantem, de um lado, o padro dequalidade e, de outro, uma elevada produtividade a baixos custos,que torna a continuidade da relao vantajosa para a empresa

    cliente.

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    Na rede de subcontratao que identificamos na regio deCampinas o trabalho a domiclio desempenha um papel centralenquanto parte da estratgia de um conjunto empresas depequeno e mdio porte de aumento e diversificao da produoa baixo custo. O trabalho realizado no espao domstico porcostureiras utilizado pelas empresas confeccionistas da regio,que transferem, para elas, a costura de seus principais produtos oua confeco de linhas inteiras de novos produtos, entregando aspeas cortadas e os insumos necessrios costura e aoacabamento. Neste caso, as empresas buscam usufruir o trabalhode costureiras mais qualificadas, que tm habilidade e experinciapara confeccionar peas inteiras, sem ter que arcar com opagamento de salrios maiores e com os encargos trabalhistas.

    A lgica da subcontratao a de que o contratanteaumenta sua produtividade e lucros em grande medida aotransferir para as empresas subcontratadas os custos de aquisio,manuteno do maquinrio e os encargos da contratao da mo-

    de-obra e parte dos riscos do negcio. Assim, para assegurarmaior produtividade e faturamento, as subcontratadas acabamtendo que subcontratar tambm informalmente o trabalho decostureiras a domiclio, pagando-lhes por pea uma parcela aindamenor do que aquela que recebem da empresa contratante. Estalgica leva transferncia do nus da produo sempre para osnveis mais frgeis da cadeia.

    Apesar de serem consideradas como trabalhadorasautnomas pelas empresas contratantes, a ausncia de contratoformal e o fato das costureiras estarem totalmente subordinadas scondies, prazos e formas de pagamento impostos, configurauma relao de emprego precria, estabelecida na informalidade

    para escapar da regulamentao e dos encargos legais. Ascostureiras domiciliares ocupam a ponta inferior desta cadeia desubordinao e explorao e esto submetidas a vnculosprecrios com as contratantes, ao pagamento por pea a preos

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    muito baixos e a uma instabilidade permanente, devido ao fato deque as contratantes detm o poder unilateral de iniciar einterromper o repasse de servios. A elas so transferidos os nuse riscos envolvidos na produo.

    A busca de reduo de custos envolvida nos menoresdetalhes desta relao pode ser verificada no caso de uma dasnossas entrevistadas que costurava para uma empresa terceirizadamantida pela produo de uniformes feitos por costureirasdomiciliares. Esta empresa fornecia o tecido e as peas cortadas edescontava, do valor pago por pea produzida, as linhas utilizadasna costura. Esse desconto era justificado como uma medida deprecauo da empresa, a fim de evitar que as costureiras seapropriassem do material fornecido. As linhas necessrias para aconfeco eram pesadas no momento em que as peas eramrepassadas costureira e, quando esta entregava a produo final,calculava-se atravs de uma tabela o quanto deveria serdescontado.40

    Todas as costureiras entrevistadas afirmaram a importnciade se cumprir os prazos de entrega, a produo completa do

    nmero de peas repassadas e a qualidade do trabalho, casocontrrio corriam o risco de terem o vnculo com o contratanterompido. Essas exigncias associadas aos baixos valores pagospor pea impem s trabalhadoras um ritmo de trabalho intenso ea extenso da jornada de trabalho, que inclui finais de semana,feriados e o envolvimento de outros membros da famlia, comopode ser verificado nestes depoimentos:

    40 O preo de cada uniforme correspondia em 1999 aproximadamente aR$ 1,26, do qual era descontado R$ 0,08 da linha. Como os preos variavamconforme o modelo do uniforme e como apenas a empresa tinha a tabela decontrole do quanto se gastava para confeccionar cada pea, a costureira noconseguia controlar o seu prprio pagamento, ficando expostas a possveiserros de clculo.

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    Eu acordo todo dia 7:00 horas, no horrio do almoo eucorro, qualquer hora que eu me levanto aqui eu corro ldentro e corro pr mquina. (Edite)

    A nossa vida corrida, mas a dela pior. Ela [Edite] notem folga dia de sbado, no tem folga dia de domingo,no tem folga de feriado... (Laura)

    Comeo s 7:00 horas. Fao uma hora de almoo, s vezes

    fao uma hora e meia quando quero botar ordem na casa(...). Quando chega tarde, a gente [ela e a filha]41 j pramais uma hora, duas horas: lava o quintal, lava o carro,bota ordem nas outras partes de novo. A volta prmquina de novo. Eu trabalho no domingo at umas dezhoras, dez e meia. Eu comeo oito horas s pr dar umempurrozinho. (Augusta)

    Como conseqncia deste trabalho sem descanso, estopresentes nos depoimentos destas trabalhadoras, relatos sobre oimpacto negativo sobre suas condies de sade.

    Eu operada, menina, o vio [pessoa que repassa osservios] chegou aqui com 60 bermudas, ningum queriafazer, eu me sentei na mquina, tchqui, tchqui, tchqui[imita o barulho da mquina], aquele sangue desceu,quando eu pensei que no, eu tava toda marcada desangue, tudo. (Edite, 56 anos)42

    Eu estava na mquina trabalhando, eu tinha que sair prresolver problema de banco, a no que eu sa, eu acabeibatendo o carro. Porque (...) voc costurar demais, parece

    41 Desde criana a filha de Augusta a ajuda na confeco das roupas. QuandoAugusta saiu da firma em que trabalhava e comeou a costurar na prpria casa,adquiriu duas mquinas, uma para ela e outra para a filha.42 Este fato ocorreu quando Edite estava em estado de convalescncia, serecuperando de uma cirurgia feita na regio do estmago. Zuleika (costureira quetrabalha na mesma oficina) esclarece o ocorrido ao complementar a fala deEdite: Ela sentou na mquina antes de acabar a anestesia, depois foiacabando...

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    que ela [mquina] hipnotiza a cabea da gente e quandovoc sai, parece que voc t fora de si. Eu sa com muitador de cabea, dava, inclusive, uma impresso que tudotava balanando. (Augusta)

    Eu j tive dor nas costas, problema de dor nas costas. Omdico mandou eu me afastar duas semanas da mquina,s que no meu caso eu no fiquei parada da mquina;tomei o medicamento, continuando na mquina. (Laura)

    A explorao das costureiras domiciliares se concretiza sob orespaldo da invisibilidade: elas no constam dos registros oficiaisdas empresas, nem das estatsticas industriais ou governamentais.Na medida em que exercem suas atividades produtivas no espaono-fabril e em que se estabelece um distanciamento entre aempresa contratante e o processo de produo, estas se eximem e julgam que o fazem de forma legtima da responsabilidadesobre o que possa ocorrer neste espao produtivo e strabalhadoras envolvidas.

    As costureiras por ns entrevistadas, no entanto, revelaram

    que mesmo diante das condies de trabalho, da instabilidade dosservios e da ausncia de direitos trabalhistas, elas preferem otrabalho a domiclio. As diferenas existentes entre elas quanto aqualificao, sua possibilidade de envolver um maior nmero depessoas (familiares, vizinhas) no trabalho e, portanto, quanto a suaprodutividade e remunerao, aparecem na avaliao que fazemdas vantagens dessa forma de trabalho.

    Para uma das entrevistadas o trabalho a domiclio vistocomo uma atividade melhor remunerada que d costureira apossibilidade de se tornar uma empregadora e de ascendersocialmente. Para outras, esta forma de trabalho configura-secomo uma atividade pouco remunerada, porm, uma alternativa

    para o desemprego43 e para os baixos salrios predominantes nas

    43 Do total de oito costureiras domiciliares entrevistadas, cinco comearam arealizar esse tipo de trabalho por estarem desempregadas.

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    indstrias de confeco. Nesse sentido, o trabalho a domicliorepresentava uma forma de romperem com os obstculos que asimpediam de reingressar no mercado de trabalho devido suaidade ou sua qualificao e, principalmente, de garantir umaremunerao mnima.

    Eu fiz um balano: o que eu fiz em dois meses nesse anopassado, se eu trabalhasse numa firma, como costureira, o

    que eu fiz em dois meses, eu, de costureira, levaria um anoe trs meses pr mim ganhar numa firma (...) mesmo quevoc fique dois meses parada, se voc trabalhar dois meses,voc recupera o que voc trabalhou um ano em uma firma.Ento voc no pode falar, lamentar, reclamar. (Augusta)

    Mais que numa fbrica de costura a gente consegue tirar,muito mais. (Luciana)

    Est, contudo, ausente desta avaliao, apesar de presenteem outros momentos da fala destas trabalhadoras, que aremunerao por elas conseguida maior porque obtida atravsda incluso de outros membros da famlia, da intensificao doritmo e da extenso da jornada de trabalho, que inclui finais desemana e feriados, e pela ausncia de direitos trabalhistas, entreeles, frias ou descanso semanal remunerado.

    Desse modo, o trabalho a domiclio revela-se, na indstriade confeco no contexto atual, como uma forma de aumento dosganhos de produtividade atravs da extrao de mais valiaabsoluta, tendo em vista a dificuldade de alcan-los atravs doinvestimento em capital fixo e da ampliao da mais valia relativa.

    A pesquisa realizada no setor de confeco na regiode Campinas mostrou que, em resposta crise vivenciada durantea dcada de 90, principalmente em decorrncia das novascondies de concorrncia estabelecidas com a abertura

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    comercial, as empresas sobreviventes, em sua maioria empresasde pequeno e mdio porte, iniciaram um processo dereestruturao de carter defensivo baseado fundamentalmente nasubcontratao e no uso do trabalho a domiclio como estratgiacentral de competitividade.

    Novos equipamentos de base microeletrnica foramintroduzidos em poucas empresas e de forma muito pontual. Nasempresas onde a reestruturao avanou mais ela se deu atravsda introduo de alguns elementos dos novos mtodos de gesto,trabalho em grupo ou clulas de produo, que foramcombinados com formas tayloristas de definio das tarefas e decontrole da produo. Nestes casos, foram tambm observadas ano-utilizao, ou reverso, da terceirizao.

    Os resultados desta pesquisa sugerem que, no setor deconfeco, o porte da empresa, o tipo de mercado a que eladestina seus produtos e sua posio na cadeia de subcontrataoconstituem variveis que condicionam o grau de conhecimento ede adoo dos novos mtodos de gesto. Em geral, as pequenasempresas confeccionistas, produzindo diferentes linhas de

    produtos, voltadas para nichos especficos do mercado da modano nvel regional ou nacional, demonstram pouco conhecimentodas inovaes organizacionais e menor disposio ou condio deadot-las. Neste caso, no s verificamos que quanto menor oporte da empresa, maior o desconhecimento destas inovaes emenor a disposio para mudana na forma tradicional de gestoda produo. Verificamos tambm que este desconhecimento eratotal quando se tratava de oficinas de costura que operavamapenas como subcontratadas.

    Esta pesquisa nos permitiu identificar neste setor duasmodalidades de relao de subcontratao. Na primeira, umaforma de subcontratao quase completa, para a fabricao detoda uma linha de produtos de cama e mesa, realizada atravs decontrato formal entre empresas de porte equivalente (uma grandee outra de tamanho mdio), permitiu o estabelecimento de umarelao de parceria e a transferncia de inovaes gerenciais

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    empresa subcontratada. A segunda modalidade, envolvendo umarede de pequenas empresas, pequenas ou micro oficinas decostura e trabalhadoras a domiclio, visa a reduo de custosatravs da transferncia dos gastos de produo e com a mo-de-obra para as subcontratadas. Nesta rede, que se estabeleceuatravs da subcontratao parcial e de contratos informais, asrelaes, atravessadas por um ntido recorte de gnero, mesmoquando estabelecidas entre empresas de porte equivalente, somarcadas por uma forte assimetria. A precariedade e instabilidadedo vnculo com as empresas contratantes colocam as oficinassubcontratadas nas quais a propriedade, o gerenciamento e otrabalho esto quase em 100% dos casos nas mos de mulheres e as trabalhadoras a domiclio numa posio de fragilidade e asobrigam a se submeter s condies, prazos e preos impostos poraquelas. A lucratividade das contratantes depende, nesta relao,do rebaixamento dos preos e da precarizao das condies detrabalho nas oficinas subcontratadas. Do mesmo modo, parte dalucratividade destas ltimas depende da transferncia dos riscos ede um rebaixamento ainda maior do preo pago costureira

    domiciliar. Esta rede de subcontratao constitui-se, portanto,como uma rede de explorao ao transferir para seus elosinferiores instabilidade e precarizao das condies de trabalho.

    Elementos centrais no processo de reestruturao dosetor so os baixos salrios, a intensificao do ritmo de trabalhoe a extenso da jornada. Potencializados pela presena maciada mo-de-obra feminina, eles asseguram o aumento daprodutividade e da lucratividade em toda a rede desubcontratao. Nas empresas principais onde o processo dereestruturao mais avanou, a combinao de elementos dosnovos sistemas de gesto com prticas tayloristas submete ostrabalhadores a um processo de desgaste fsico e emocional emdecorrncia da transferncia de responsabilidades, daintensificao do ritmo da produo e extenso da jornada detrabalho, sem pagamento correspondente, e do medo permanenteda perda do posto de trabalho.

  • 7/30/2019 Redes de subcontratao e trabalho a domiclio na indstria de confeco: um estudo na regio de Campinas

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    Redes de subcontratao

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    Nas empresas onde a mudana na organizao da produodeu-se fundamentalmente atravs da reduo dos postos detrabalho e da terceirizao, assim como nas oficinassubcontratadas, a presso para o cumprimento de metas deproduo ou prazos de entrega tem levado igualmente intensificao do ritmo de trabalho, s vezes, combinada com aextenso da jornada. Nas subcontratadas, estas condies estoassociadas a um rebaixamento ainda maior dos salrios e a umainsegurana permanente que transferida s trabalhadoras.

    Este processo de precarizao atinge as trabalhadoras adomiclio de forma ainda mais aviltante. Ocupando a pontainferior e mais frgil desta rede de subcontratao e atuando nainformalidade as costureiras domiciliares so submetidas a longasjornadas de um trabalho intenso e ininterrupto. Isoladas no espaodomstico, estas trabalhadoras recebem os preos mais baixospagos no setor pela pea produzida e so desprovidas do amparolegal e do direito representao sindical. A utilizao do espaoprivado e a articulao de habilidades socialmente construdas naesfera domiciliar com atividades produtivas tornam-se para os

    empregadores formas potenciais de explorao de uma fora detrabalho que, embora ainda vista como qualificada, tende a setornar facilmente substituvel em um contexto de desempregoestrutural e de contnua desregulamentao do trabalho.

    A intensidade do trabalho e a crescente precarizaoque se observa ao longo desta rede de subcontrataomostram que atravs dela os ganhos de produtividade se dofundamentalmente atravs da extrao da mais valia absoluta.Para as mulheres trabalhadoras, a centralidade da terceirizao edo trabalho a domiclio no processo de reestruturao do setor deconfeco, alm de reforar formas pretritas de segregao eexcluso, representa um processo de precarizao gradativo quealtera as suas condies de vida e torna sua fora de trabalho umapndice descartvel do processo produtivo.