redes bravais

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Prof. Carlo Requião da Cunha, Ph.D. - UFSC 1 IV. Cristalografia CONTEÚDOS 4.1 Redes de Bravais...................................................................................................... 1 4.2 Empacotamento e densidade.................................................................................... 2 3 4.3 Índices de Miller...................................................................................................... 4.4 Cerâmicas................................................................................................................ 3 4.5 Semicondutores....................................................................................................... 5 4.1 Redes de Bravais A estrutura geométrica de um cristal consiste de um arranjo de pontos com uma simetria definida que se repete no espaço. A este arranjo de pontos daremos o nome de rede . Quando nestes pontos colocamos um ou mais átomos (base ) temos um cristal . Em relação a redes, podemos falar apenas de um conjunto limitado de arranjos de pontos discretos que mantém uma determinada simetria em todo espaço. Um dos primeiros cientistas a estudar estas possíveis simetrias foi o francês Auguste Bravais em 1848, e assim damos o nome de redes de Bravais a este conjunto limitado. Uma rede de Bravais deve ser então de tal forma que se fizermos um deslocamento R de um ponto qualquer chegamos a outro ponto da rede, e este vetor R deve ser da forma R = n 1 a 1 + n 2 a 2 + n 3 a 3 , com n x sendo um inteiro qualquer e a x sendo um vetor primitivo da rede. Célula primitiva é um arranjo espacial que contém apenas um ponto da rede e que quando transladada através de um vetor R preenche todo o espaço sem sobreposições. Cuidado deve ser tomado quando se contabiliza os pontos de uma célula primitiva. Por exemplo, em uma rede bidimensional quadrada, um quadrado abrange apenas um ponto da rede, já que os outros três devem pertencer a células adjacentes. Célula unitária assim como a célula primitiva preenche todo o espaço mediante translações em R. Contudo, elas se diferem quanto à restrição do número de pontos por célula. Geralmente, a célula unitária é tomada de forma a explicitar a simetria da rede. Números que especificam o tamanho da célula unitária são normalmente chamados de constante de rede (a o , por exemplo). Existem apenas sete sistemas cristalográficos , cada um com um número específico de redes, totalizando quatorze possíveis redes de Bravais. Os sistemas e suas redes são: 1. Cúbico (3): arranjo de pontos em forma de cubo que na sua forma mais simples consta de um ponto em cada vértice. Esta forma mais básica é conhecida como rede cúbica simples (SC). Se nesta rede incluímos um ponto exatamente no centro da célula unitária temos a rede cúbica centrada no corpo (BCC). Já se incluímos um ponto no centro de cada uma das faces da célula unitária temos uma rede cúbica centrada na face (FCC).

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Page 1: Redes Bravais

Prof. Carlo Requião da Cunha, Ph.D. - UFSC

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IV. Cristalografia CONTEÚDOS

4.1 Redes de Bravais...................................................................................................... 1

4.2 Empacotamento e densidade.................................................................................... 2

3 4.3 Índices de Miller......................................................................................................

4.4 Cerâmicas................................................................................................................ 3

4.5 Semicondutores....................................................................................................... 5

4.1 Redes de Bravais

A estrutura geométrica de um cristal consiste de um arranjo de pontos com uma simetria definida que se repete no espaço. A este arranjo de pontos daremos o nome de rede. Quando nestes pontos colocamos um ou mais átomos (base) temos um cristal. Em relação a redes, podemos falar apenas de um conjunto limitado de arranjos de pontos discretos que mantém uma determinada simetria em todo espaço. Um dos primeiros cientistas a estudar estas possíveis simetrias foi o francês Auguste Bravais em 1848, e assim damos o nome de redes de Bravais a este conjunto limitado. Uma rede de Bravais deve ser então de tal forma que se fizermos um deslocamento R de um ponto qualquer chegamos a outro ponto da rede, e este vetor R deve ser da forma R = n1a1 + n2 a2 + n3 a3, com nx sendo um inteiro qualquer e ax sendo um vetor primitivo da rede.

Célula primitiva é um arranjo espacial que contém apenas um ponto da rede e que quando transladada através de um vetor R preenche todo o espaço sem sobreposições. Cuidado deve ser tomado quando se contabiliza os pontos de uma célula primitiva. Por exemplo, em uma rede bidimensional quadrada, um quadrado abrange apenas um ponto da rede, já que os outros três devem pertencer a células adjacentes.

Célula unitária assim como a célula primitiva preenche todo o espaço mediante translações em R. Contudo, elas se diferem quanto à restrição do número de pontos por célula. Geralmente, a célula unitária é tomada de forma a explicitar a simetria da rede. Números que especificam o tamanho da célula unitária são normalmente chamados de constante de rede (ao, por exemplo).

Existem apenas sete sistemas cristalográficos, cada um com um número específico de redes, totalizando quatorze possíveis redes de Bravais. Os sistemas e suas redes são:

1. Cúbico (3): arranjo de pontos em forma de cubo que na sua forma mais simples

consta de um ponto em cada vértice. Esta forma mais básica é conhecida como rede cúbica simples (SC). Se nesta rede incluímos um ponto exatamente no centro da célula unitária temos a rede cúbica centrada no corpo (BCC). Já se incluímos um ponto no centro de cada uma das faces da célula unitária temos uma rede cúbica centrada na face (FCC).

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2. Tetragonal (2): Se alongamos a célula unitária da rede cúbica simples obtemos uma célula tipo prisma de base quadrada. Esta forma básica é a rede tetragonal simples. Se incluirmos um ponto exatamente no centro da célula obtemos uma rede tetragonal centrada no corpo. Neste caso uma versão centrada na face é exatamente igual à centrada no corpo e assim não é contabilizada. Suas constantes de rede continuam sendo ‘ao’ para a base quadrada e a altura torna-se ‘c’.

3. Ortorrômbico (4): Se pegarmos agora a célula unitária da rede tetragonal simples e trocamos a base quadrada por uma base retangular com constantes de rede ‘a’ e ‘b’, obtemos a célula unitária da rede ortorrômbica simples. Se incluirmos um ponto no centro das faces dos retângulos definidos por ‘a’ e ‘b’, obtemos a rede ortorrômbica centrada na base. E assim como na rede cúbica também podemos obter uma versão centrada no corpo e uma versão centrada nas faces.

4. Monoclínico (2): Se distorcemos a face retangular da célula unitária da rede ortorrômbica simples ou da rede ortorrômbica centrada na base a fim de criar um paralelogramo, obtemos a rede monoclínica simples. Da mesma forma, distorcendo a rede ortorrômbica centrada no corpo ou a rede ortorrômbica centrada nas faces obtemos o sistema monoclínico centrado.

5. Triclínico (1): Relaxando agora a condição do eixo ‘c’ ser perpendicular ao plano definido por ‘a’ e ‘b’ em qualquer uma das redes monoclínicas chegamos ao sistema triclínico.

6. Romboédrico (1): Não sendo mais possível distorcer a rede triclínica voltamos a rede cúbica simples e a alongamos na direção de uma de suas diagonais mantendo a constante de rede inalterada. Fazendo assim, produzimos uma rede com ângulos internos iguais, porém diferentes de 90º. Esta é a rede romboédrica ou trigonal.

7. Hexagonal (1): A última rede de Bravais é construída de forma similar a rede tetragonal. A diferença entre as duas é o fato de a rede hexagonal possuir uma base hexagonal

4.2 Empacotamento e Densidade

A densidade de uma rede está diretamente ligada a sua coordenação. Por exemplo, a rede mais densa é a FCC que possui coordenação 12 e a menos densa é a SC que possui coordenação 6. Um cálculo usado para visualizar o empacotamento de uma rede qualquer é o fator de empacotamento atômico. Neste cálculo assumimos um arranjo de empacotamento próximo, ou seja, em cada ponto da rede incluímos um átomo representado por uma esfera que não deve se sobrepor a alguma outra. Estas esferas também devem ser idênticas e meramente se tocar. Construindo este arranjo, por exemplo, para a rede SC vemos que dentro da célula unitária obtemos um total de oito oitavos de esfera em um volume de ao

3. Já que o raio de cada esfera deve ser ao/2, obtemos uma razão entre o volume ocupado pelas esferas dentro da célula unitária 8×1/8×4/3.π.(ao/2)3 = π.ao

3/6 e o volume total da célula unitária igual a π/6. Este é o fator de empacotamento atômico (APF).

Já a densidade do material pode ser calculada através de uma simples relação. A razão entre o número de átomos por célula unitária e o volume por célula unitária nos fornece o número de átomos por volume. Já a razão entre o peso molar do átomo em questão e o número de átomos existentes em um mol (número de Avogadro) nos fornece quantas

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gramas existem por átomo. O produto destes dois resultados nos fornece a densidade teórica do material.

Por exemplo, sabemos que o cobre se cristaliza em FCC. Esta estrutura possui quatro átomos por célula unitária (8×1/8 + 6×1/2). O volume desta célula é ao

3 e a constante de rede, segundo argumentos de empacotamento próximo, é dada por 4R/√2, onde R é o raio atômico. Dado que o raio atômico do cobre é 1.28 Å e seu peso atômico é 63.55 g/mol, sua densidade teórica é 8.89 g/cm3, muito próximo do valor experimental 8.94 g/cm3.

4.3 Índices de Miller

Existe uma forma bastante útil para identificar pontos dentro de uma célula unitária. Se usarmos como sistema de coordenadas os eixos das constantes de redes e especificarmos um ponto como origem, as posições de todos os outros pontos são dados como frações das constantes de rede. Por exemplo, em uma rede SC os pontos da célula unitária estão em 000, 100, 010, 110, 001, 101, 011 e 111. Para diferenciar de planos e direções utilizamos esta convenção para especificar pontos de rede.

As direções dentro de uma rede (os vetores que ligam dois pontos) são computadas da seguinte forma. Desloca-se este vetor para a origem da célula unitária e encontra-se o ponto onde este vetor intercepta um dos planos de fronteira desta célula. Por exemplo a direção da origem até um ponto diagonalmente oposto é [111]. Observe que a notação agora muda para distinguir direções da rede. Quando houver a necessidade de incluir um valor negativo, basta colocar uma barra acima do inteiro correspondente. Podem haver uma direção tal que submetida a uma rotação cristalográfica se transforma em uma outra direção previamente existente. Por exemplo, as diagonais de uma rede SC. Para tratar esta família de direções estruturalmente parecidas usamos a convenção <111>.

Para calcular planos, primeiramente identificamos onde eles interceptam os eixos e tomamos seus inversos. Por exemplo, um plano diagonal na rede SC intercepta o eixo a em 1, o eixo b em 1 mas nunca intercepta o eixo c, assim este plano de rede deve ser (110). Para designar uma família de planos estruturalmente parecidos usamos a notação {100}, por exemplo.

Um dos primeiros cristalografistas foi o inglês William Hallowes Miller. Em sua homenagem, estes índices inteiros (hkl) são conhecidos como índices de Miller ou Miller-Bravais.

É possível calcular densidades lineares e planares de átomos. No primeiro caso basta encontrarmos a separação entre os átomos interceptados por uma direção e a densidade linear é exatamente o seu inverso. No segundo caso a densidade é dada pela razão entre número de átomos e a área do plano dentro da célula unitária.

4.4 Cerâmicas

Ao contrário de metais que normalmente se encontram em formas compactas próximas em função da ligação metálica, cerâmicas normalmente possuem um empacotamento menos denso em função de ligações covalente.

Cerâmicas com composição química na forma MX, onde M é um metal e X um não-metal podem se cristalizar em formas como a estrutura cloreto de césio e a estrutura cloreto de sódio. A primeira estrutura é bastante parecida com um BCC onde ao ponto

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no corpo da estrutura é alocado um átomo de Cs+ e aos restantes são alocados átomos de Cl-. Já a segunda estrutura pode ser entendida como um FCC de Na+ interpenetrando um FCC de Cl- em um deslocamento de [0 ½ 0], ou como um FCC com dois íons por ponto de rede, um Cl- em 000 e um Na+ em 00½. Algumas das cerâmicas que se cristalizam nesta última forma inclui MgO, CaO, a wüstita (FeO) e NiO.

Para a composição química da forma MX2 temos alguns casos importantes. A estrutura fluorita pode ser entendida como uma rede FCC onde a cada ponto são associados três íons: um Ca2+ em 000 e dois F- em ¼ ¼ ¼ e ¾ ¾ ¾. Algumas cerâmicas que se cristalizam nesta forma incluem UO2, ThO2 e TeO2. Ainda neste grupo temos a estrutura cristobalita que possui como exemplo mais expressivo a sílica (SiO2). A rede básica desta estrutura é um FCC com dois átomos de Si4+ em 000 e ¼ ¼ ¼ e quatro átomos de O2- em 1/8 1/8 1/8, 3/8 1/8 3/8, 1/8 3/8 3/8 e 3/8 3/8 1/8 formando um tetraedro para SiO4

4-. Sílica apresenta várias formas, muitas amorfas, contudo este tetraedro básico é sempre presente. A forma da cerâmica de sílica muda mediante tratamento térmico, por exemplo, a 573, 867 e 1470 oC. Acima desta última temperatura e abaixo de 1723 oC (ponto de fusão) a sílica se apresenta como cristobalita como apresentado.

Na composição M2X3 temos a estrutura corundum composta por uma rede romboédrica, muito próxima de uma hexagonal, onde a cada ponto são associados trinta íons. Por exemplo, a alumina (Al2O3) possui 12 íons de Al3+ e 18 íons de O2- dispostos como uma estrutura de empacotamento próximo de O2- com posições dois terços de suas posições intersticiais preenchidos com Al3+ em uma estrutura próxima a de um hexágono. Cromia (Cr2O3) e a hematita (α-Fe2O3) também se cristalizam na estrutura corundum.

Uma das estruturas cerâmicas mais importantes para aplicações dielétricas é a perovskita, de composição M’M”X3. Esta estrutura é baseada em uma rede cúbica onde os íons que ocupam os vértices são de M’, os íons que ocupam os centros das faces são de X e o íon que ocupa o corpo da célula unitária é de M”. Um exemplo típico desta estrutura é o titanato de bário (BaTiO3) que possui propriedades ferroelétricas importantes como veremos nos próximos capítulos. A cerâmica perovskita pode sofrer distorções devido a acomodação dos raios de seus íons tornado-se ortorrômbica, por exemplo. O grau de distorção da célula unitária por ser encontrado por argumentos geométricos e foi primeiramente encontrado por Goldsmith como sendo:

XM

XM

RR

RRt

+

+=

"

'

2

1

Eq. 4.1

onde R é o raio iônico do respectivo íon. Um grau de distorção 1 equivale a rede cúbica perfeita, e um grau aproximadamente entre 78% e 105% indica uma célula unitária estável. Células unitárias Perovskitas diferentes podem ser empilhadas a fim de criar estruturas mais complexas. Por exemplo, cerâmicas supercondutoras YBCOs apresentam esta característica.

Cerâmicas de composição M’M”2X4 podem se basear na estrutura spinel ou spinel invertida normalmente escrita como M”(M’M”)X4. Nesta última encontram-se as ferrites, de uso bastante importante como cerâmica magnética. A estrutura spinel é baseada em uma rede do tipo FCC com quatorze íons associados a cada ponto da rede. Por exemplo, MgAl2O4 possui dois íons Mg2+, quatro íons Al3+ e oito íons O2- associados

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a cada ponto. Com os primeiros íons formando tetraedros e os segundos íons formando octaedros. Das ferrites podemos citar como exemplo a magnetita FeFe2O4 ou Fe3O4.

Existem muitas outras estruturas como a cuprita, zinquita, rutila, calcita, barita, etc. De qualquer maneira, algumas das principais estruturas foram mostradas para familiarizar o leitor com as estruturas cerâmicas.

4.5 Semicondutores

Três são as mais importantes estruturas de semicondutores: diamante, zinc-blende e wurtzita.

A estrutura diamante consiste de uma rede FCC onde a cada ponto da rede é associado um par com átomos em 000 e ¼ ¼ ¼. Normalmente elementos do grupo IVA (Si, Ge, C) se cristalizam nesta forma. Para semicondutores de composição MX com combinação de elementos dos grupos III-V e II-VI existe a estrutura zincblende. Esta é basicamente a mesma estrutura diamante mas com um dos elementos ocupando a posição 000 e o outro ocupa a posição ¼ ¼ ¼. Nesta estrutura se cristalizam GaAs, AlP, InSb, ZnSe, CdS dentre outros.

Alguns semicondutores também se cristalizam na estrutura wurtzita (em homenagem ao químico francês Charles-Adolphe Wurtz), em especial ZnS e ZnO. Esta estrutura se baseia em uma rede hexagonal onde a cada ponto da rede são associados dois íons M (000 e 2/3 1/3 1/3 ½ ) e dois íons X (2/3 1/3 1/8 e 0 0 5/8).